O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2701

I Série - Número 83

Sábado, 25 de Maio de 1991

DIÁRIO Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE MAIO DE 1991

Presidente: Ex.mo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Ex.mos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos P. Basto da Mota Torres
Joaquim António Rebocho Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 753/V a 759/V.
Procedeu-se à apreciação do Decreto-Lei n." 135/91, de 4 de Abril, que procede à revisão global do regime jurídico das SCII (sociedades de gestão e investimento imobiliário) [ratificação n." I84/V (PS)], tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Tesouro (Carlos Tavares), os Srs. Deputados Hélder Filipe (PS), Octávio Teixeira (PCP), Alberto Araújo (PSD), Manuel dos Santos (PS), Nuno Delerue Matos (PSD), Carlos Lilaia (PRD) e Nogueira de Brito (CDS).
Foi também debatido o Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de Maio, que aprova o regime jurídico de direcção, administração e gestão escolar [ratificações n.º 185/V (PCP) e 186/V (PS)]. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa (Pedro d'Orey da Cunha), os Srs. Deputados Lurdes Hespanhol (PCP), António Braga (PS), Lemos Damião (PSD), Jorge Lemos (Indep.), Narana Coissoró (CDS), Manuel Vai Freixo e Maria Luísa Ferreira (PSD).
A Câmara apreciou ainda, em conjunto, as propostas de resolução n.º 33/V (aprova o Acordo de Cooperação Técnica no Domínio Militar entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau) e 37/V (aprova, para ratificação, o Acordo de Cooperação Técnica no Domínio Militar entre a República Portuguesa e a República de Cabo Verde). Usaram da palavra, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa (Eugênio dos Santos Ramos), os Srs. Deputados António Mota (PCP), Miranda Calha (PS), Fernando Correia Afonso (PSD) e Humberto Sertório (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 45 minutos.

Página 2702

I SÉRIE -NÚMERO 83 2702

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bemardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Mana Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mano de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Alexandre Vicente.
Alberto Arons Braga de Carvalho.

Página 2703

25 DE MAIO DE 1991 2703

Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Fernando Francisco Mariano.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Henrique do Carmo Carmine.
João António Gomes Proença.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Luís Costa Catarino.
Jorge Paulo Sacadura Coelho.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Humberto Sertório Rodrigues.
José Carlos Pereira Lilaia.
Isabel Maria Ferreira Espada.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

António Alves Marques Júnior.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Mana Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, foram admitidos e baixaram à 6.º Comissão os projectos de lei n.º 753/V, apresentado pelo Sr. Deputado Alberto Araújo, do PSD - Elevação da povoação de Alpendurada e Matos à categoria de vila; 754/V, apresentado pelo Sr. Deputado José Carneiro dos Santos e outros, do PS - Alterações ao Código da Contribuição Autárquica; 7SS/V, apresentado pela Sr.ª Deputada lida Figueiredo e outros, do PCP - Gestão das bacias hidrográficas, sua democratização e funcionamento, que baixou também à 10.º Comissão; 756/V, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Brito, do PCP - Criação da freguesia do Rogil; 757/V, apresentado pelo Sr. Deputado Vítor Costa e outros, do PCP - Criação da freguesia de Malta; 758/V, apresentado pela Sr." Deputada lida Figueiredo e outros, do PCP - Elevação à categoria de vila da povoação de Boidobra; e, finalmente, 759/V, apresentado pelo Sr. Deputado Aires Ferreira, do PS - Criação da freguesia de Junqueira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação do Decreto-Lei n." 135/91, de 4 de Abril, que procede à revisão global do regime jurídico das SGII (sociedades de gestão e investimento imobiliário) [ratificação n.8 184/V (PS)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Filipe.

O Sr. Hélder Filipe (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As sociedades de gestão e investimento imobiliário (SGII) foram criadas através de um diploma publicado em Julho de 1985, portanto da responsabilidade de um governo socialista.
Tais sociedades têm, como se sabe, o objectivo essencial de alargar o mercado de arrendamento de imóveis por si construídos ou adquiridos.
A criação deste novo instrumento legal inscreveu-se no objectivo de ajudar a solucionar os problemas do sector imobiliário, contribuindo para o relançamento do respectivo mercado, embora com a consciência de que outras medidas especificamente orientadas para o mercado de arrendamento para habitação se tomavam urgentes e imprescindíveis.
Fundamentalmente, atribuía-se a estas sociedades um conjunto de benefícios fiscais, de forma a torná-las operantes do ponto de vista económico e, por conseguinte, mais atractivas do ponto de vista dos investidores.

Página 2704

I SÉRIE -NÚMERO 83 2704

Não obstante o manifesto interesse deste quadro normativo (acrescido de outros incentivos fiscais que lhe são concedidos pelo decreto-lei n.º 211 -A/86), nenhuma SGII se constituiu ao abrigo desta legislação.
Mais tarde, o Decreto-Lei n.9 237/87, de 12 de Junho, eliminou a qualificação dos SGII como entidades parabancárias e alargou o âmbito da sua actividade. Isto é. para além de outras alterações de menor importância, as SGII passaram a constituir-se sob a forma de sociedades anónimas e o seu objectivo foi substancialmente alterado, senão mesmo pervertido, já que ficaram dispensados de proceder a qualquer construção destinada ao mercado de arrendamento para habitação.
Curiosamente, é neste enquadramento que surge a Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, Centro Cultural de Belém, S. A., cujo objectivo não é, claramente, o de promover o mercado de arrendamento destinado a habitação, embora se possa inserir num propósito de desenvolvimento imobiliário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não era, todavia, este o objectivo da legislação. Esta «habilidade» raia os limites do que é razoavelmente legal, pois a Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, Centro Cultural de Belém, S. A., não arrenda prédios. Tem apenas capital do Estado e um só sócio.
Fica, assim, claro que o próprio Governo não resistiu à tentação de incluir num regime jurídico-fiscal extremamente favorável aquela que é a sua maior obra de propaganda, não se comportando, nesta matéria, como pessoa de bem!
Com efeito, uma legislação que foi criada como instrumento fundamental de reactivação do sector imobiliário e, em especial, de dinamização do mercado de arrendamento, sendo para tal financiada por toda a comunidade, transformou-se num mero expediente de especulação e propaganda governamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste quadro, significativamente melhorado pelo Decreto-Lei n.º 2/90, de 3 de Janeiro, é aceitável considerar como globalmente positiva a filosofia incita no Decreto-Lei n.º 185/91, de 4 de Abril. Com efeito, reafirma-se que «acima de tudo imporia reactivar o mercado de arrendamento destinado a habitação». De facto, as medidas propostas induzem nesse sentido!
O esforço da comunidade, traduzido nos incentivos que este decreto-lei faculta às sociedades de gestão e investimento imobiliário, tem, obrigatoriamente, de ter a sua contrapartida, isto é, uma oferta cada vez maior de casas destinados àquela função.
Pena é que as expectativas deste contrato entre o poder político e a sociedade comecem por ser defraudados pelo próprio Governo. A esta luz, até se tomam compreensíveis eventuais reacções negativas dos investidores privados!...
Assim, pensamos que não se justificam alterações significativas ao Decreto-Lei n.9135/91, pois ele consagra, de forma equilibrada, o referido «contrato».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sector da habitação, em Portugal, é, como todos sabem, um sector carenciado. Neste domínio social acentuam-se as desigualdades e as carências; os jovens, em especial, e as classes médias, em geral, têm enorme dificuldade no acesso à habitação; os sistemas de crédito não funcionam ou são incomportáveis e o mercado de arrendamento mantém-se largamente insuficiente.
Mas, para além do que acabei de referir, o Governo tem a obrigação constitucional de garantir a habitação a todos os portugueses. Estamos convictos de que não é com pequenos «remendos» na legislação vigente que este tão grave problema pode ser resolvido ou, sequer, minimizado.
A legislação regulamentadora das SGII não é, obviamente, o único e, muito menos, o principal instrumento de correcção desta política social mas também não pode ser um mero expediente para obter benefícios fiscais para situações onde claramente isso não se justifica (nomeadamente, quando o principal objectivo das sociedades é o da construção e arrendamento de espaços destinados a escritórios e ou locais comerciais).
Deve, pois, manter-se a obrigatoriedade de afectar, pelo menos, 50 % do seu património imobiliário (não afecto ao uso próprio) ao mercado de arrendamento para habitação.
Pode e deve, contudo, flexibilizar-se esta norma, considerando para o seu cálculo não apenas a área mas também o valor do património.
Qualquer correcção que vá neste sentido merece o apoio do Partido Socialista.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas que fique claro: legislação do género daquela que agora se analisa só tem sentido se inserida numa política global de fomento da habitação.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Da aplicação concreta deste decreto-lei, não pode resultar apenas o controverso Centro Cultural de Belém. Convenhamos que é bem pouco para quem tanto prometia!...

Aplausos do PS e do deputado independente Jorge Lentos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Hélder Filipe, o PS requereu a ratificação do Decreto-Lei n.8 135/91, de 4 de Abril, cuja concessão de autorização legislativa ao Governo o PCP recusou. E das duas, uma: ou se recusa a ratificação ao referido decreto-lei, desaparecendo ele da ordem jurídica portuguesa, ou se lhe introduzem alterações.
Ora, da intervenção do Sr. Deputado não consegui perceber se o PS pretende alterar alguma coisa - e o quê - ou se quer, pura e simplesmente, anulá-lo.
É este esclarecimento muito claro e concreto que lhe solicito.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Filipe.

O Sr. Hélder Filipe (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, a resposta a essa questão é muito clara e simples: o que pretendemos é permitir a flexibilização da fórmula de cálculo, que, como o Sr. Deputado sabe, até aqui tinha apenas em atenção as áreas. Propomos que, a partir de agora, ela seja flexibilizada, no sentido de também ter em conta o valor dos imóveis.
Requeremos esta ratificação porque consideramos que esta matéria é muito importante. Desde que esta legislação

Página 2705

25 DE MAIO DE 1991 2705

entrou em vigor, o que aconteceu em 1985, os sucessivos decretos-leis publicados têm tentado aproveitar bem este tipo de sociedades. Estamos, pois, de acordo com esta questão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Araújo.

O Sr. Alberto Araújo (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de enunciar os princípios fundamentais que dotaram o estatuto das SGII de razoável equilíbrio, atractividade e proficuidade e de formular sugestões concretas que materializam esses princípios, parece-me importante lembrar a evolução histórica do estatuto das SGII.
O Decreto-Lei n.8 291/85 pretendeu criar um instrumento empresarial que dinamizasse o sector imobiliário e, dentro deste, especificamente como objectivo principal, o arrendamento para habitação, conferindo-lhe importantes benefícios fiscais como contrapartida para a obrigação de investir numa actividade pouco interessante.
Apesar da importância dos benefícios fiscais concedidos, os empresários ignoraram este convite.
A razão foi simples: apesar de ter havido preocupação com o equilíbrio entre as obrigações pedidas e as contrapartidas oferecidas, criou-se um modelo um pouco flexível que não permitia uma dinamização correcta e lucrativa do sector em que a intervenção era pedida. Constatando a improficuidade do instrumento criado, o Governo publicou o Decreto-Lei n.0 237/87, de 12 de Junho, onde baniu por completo a necessidade de investir na habitação. Mesmo para o arrendamento de espaços comerciais criou a perspectiva de desmobilização do investimento a curto prazo, pela via da consignação dos contratos de arrendamento com opção de compra.
Em todo o espirito do diploma permitia-se uma clara mobilidade de actuação no sector, possibilitando ganhos que deveriam ser aplicados no mercado de arrendamento. Mantiveram-se, pois, todos os benefícios fiscais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Era justo e defensável que o Governo quisesse «afiliar» o normativo, de modo a privilegiar projectos dinâmicos, reajustar objectivos estratégicos em termos de economia nacional e pôr em causa os projectos que não cumpriam, minimamente, o espírito previsto, sem, contudo, frustrar as expectativas das empresas que assumiram o projecto numa óptica dinâmica, nomeadamente as que realizaram, totalmente ou em grande parte, o seu capital social em dinheiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo presente as considerações anteriores e o conteúdo do Decreto-Lei n.º 135/91, de 4 de Abril, pensamos que o Governo procurou contribuir para a definição e regulamentação da actividade das SGII.
Estamos convictos de que, quer os princípios gerais, quer as soluções concretas que constam do referido decreto-lei encontraram um estatuto equilibrado para aquelas empresas, sem esquecer o objectivo principal, que 6 o de relançar o mercado do arrendamento para habitação, designadamente através de incentivos à oferta.
No entanto, para optimizar os objectivos do decreto-lei em discussão, vamos apresentar uma proposta de alteração dos artigos 8.º e 16.º

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Alberto Araújo, gostaria que me prestasse um esclarecimento sobre a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, do artigo 8.º do decreto-lei em apreço.
Parece-nos correcta a ideia de as restrições, em termos de concessão dos benefícios fiscais às SGII, terem em conta não apenas a área do total do património que a sociedade adquire mas também uma percentagem do valor. Nessa perspectiva a alteração parece-nos correcta.
A dúvida que lhe coloco é a seguinte: porquê a passagem de 50 % para 45 %? Qual a grande incidência e qual a razão desta alteração de 50 % para 45 %? Há alguma razão concreta e clara que a explicite ou a alteração é para 45 % como poderia ser para 47 %, 48 % ou 49 %?

O Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Araújo.

O Sr. Alberto Araújo (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, dir-lhe-ia que a alteração proposta se desuna a tornar mais atractivo, a equilibrar e a flexibilizar o próprio decreto-lei entre o ónus da oferta e o da procura.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):-Flexibilizar como?

O Sr. Luís Roque (PCP):-Com 5 %?!

O Orador:-Flexibilizar um pouco, como disse na intervenção que fiz, tomando-o mais atractivo.

O Sr. Luís Roque (PCP):-Com 5 %?!

O Orador: - Se o desejar, poderei fazer um melhor desenvolvimento em termos técnicos da questão, mas penso que o Sr. Deputado entende perfeitamente qual é o objectivo e o que se pretende atingir com este abaixamento de 5%.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência do pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, bem como das referências agora feitas pelo Sr. Deputado interpelado, quero, sob a forma de intervenção, referir que o objectivo da legislação em causa é claramente-isso é anunciado nas exposições de motivos de todos os diplomas sobre a matéria-o de promover a habitação; não é nem pode ser outro.
Estes benefícios fiscais, que aliás comprometem a comunidade como um todo, têm um sentido útil, que é o de promover o desenvolvimento da oferta de casas para habitação e, dentro disso, de casas para arrendamento. A esta luz, parece-nos perfeitamente legítimo e correcto que se flexibilize o cálculo da parte do património das sociedades de gestão e investimento imobiliário para efeitos de afectação desse património ao arrendamento, introduzindo-lhe um segundo vector, o do valor. Já nos parece pouco justificada a ideia de fazer descer a percentagem desse património obrigatoriamente afectada a essa mesma finalidade.

Página 2706

I SÉRIE -NÚMERO 83 2706

De resto, também não entendemos muito bem como 6 que os investidores privados serão motivados a manter-se neste tipo de ordem jurídica apenas pela alteração de 50 % para 45 % do valor do património que passa a ser afectado a esta finalidade.
Poderia, como é óbvio, dar aqui o exemplo, que já tive oportunidade de referir noutras ocasiões, de encontrarmos o momento crítico a partir do qual os agentes económicos reagem positivamente às propostas concretas e à legislação concreta com que tem de lidar. De todo o modo, parece--me, face à reacção que alguns sectores da iniciativa privada assumiram relativamente a este ordenamento jurídico, que a alteração proposta, ou seja, a passagem de 50% para 45 %, tem pouca justificação.
Já a flexibilização no que respeita à consideração dos aspectos do valor nos parece perfeitamente justificada.
Foi nesse sentido que o Partido Socialista solicitou a ratificação do diploma em apreço.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue Matos.

O Sr. Nuno Delerue Matos (PSD): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, aprendemos hoje aqui uma figura nova que consiste em utilizar o instituto da ratificação para fazer elogios a diplomas que, pelos vistos, não se pretende ratificar.
De resto, penso que o Partido Socialista teria, ontem, um discurso em relação a esta solicitação que faz e teve, hoje, aqui, pela voz dos Srs. Deputados Hélder Filipe e Manuel dos Santos, um discurso diferente, quando soube que o Grupo Parlamentar do PSD iria apresentar uma proposta de alteração baixando de 50 % para 45 % a fasquia prevista no caso do arrendamento para habitação.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos fez, aliás, uma intervenção com a qual estou quase totalmente de acordo ou, colocando o problema ao contrário, poderá dizer-se que o Sr. Deputado é que está de acordo, neste caso, com o Grupo Parlamentar do PSD e com o Governo. Há, efectivamente, um incentivo que é dado aos investidores, por via de um ónus que lhes é pedido. É o ponto de equilíbrio entre essas duas realidades que tem de ser aferido: diz o Sr. Deputado que esse ponto de equilíbrio está nos 50 % e o Grupo Parlamentar do PSD que ele está nos 45 %. Não percebo é a razão da crítica do Sr. Deputado, porque acaba por terminar a sua intervenção dizendo que não serão por certo esses 5 % que irão fazer com que investidores privados se sintam atraídos pelo negócio, quando anteriormente criticou este abaixamento da fasquia.
Coloco-lhe, concretamente, a seguinte questão: que contas faz o Sr. Deputado para considerar que o ponto de equilíbrio é conseguido através da solicitação e exigência do ónus de 50 % para arrendamento destinado a habitação e não que esse ponto de equilíbrio seja conseguido a 42 %, 45 %, 40 %, 35 % ou 38 %?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Deputado Nuno Delerue Matos, é óbvio que os 50 % estão justificados pelo simples facto de estarem consagrados na legislação vigente. Isso correspondeu não digo, como o fez o Sr. Deputado Alberto Araújo, a estudos técnicos mas, natural e necessariamente, a uma ponderação política perfeitamente aceitável. A fasquia dos 50 % já hoje está consagrada na nossa lei.
O que há que explicar é perfeitamente explicável e consistirá em se dizer, porventura, que os 50 % podem ser calculados de duas formas: ou através da área ou através do valor. Isto compreende-se e é perfeitamente explicável. Foi, aliás, nesse sentido que intervim, não havendo qualquer alteração entre a nossa posição de ontem e a de hoje. A nossa posição de ontem era a de apresentar uma alteração exactamente neste sentido e só não a apresentámos porque, entretanto, soubemos que o partido maioritário o iria fazer, pelo que não leria sentido, por uma questão de eficácia e realismo, tomarmos nós a iniciativa nessa matéria. Seja como for, isto é justificável, pois há duas formas de calcular os 50 %: uma, através da área, e, outra, através do valor.
O que já não se entende muito bem é como que se pode, além disto, passar dos 50 % para os 45 %.

O Sr. Nuno Delerue Matos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Delerue Matos (PSD): - Sr. Deputado, o que está a referir não é completamente exacto, porque só o diploma que entrou em vigor em Abril é que fixou a fasquia nos 50 %. Ou seja, a alteração tem de ser vista em relação à legislação anteriormente vigente, caso em que ela passa de 33 % para 45 %.

O Orador: - Sr. Deputado, isto tem a ver com a questão, que há pouco referi, das grandezas críticas. Não me obrigue a contar-lhe a história da palhinha crítica, porque, como V. Ex.ª sabe, pode nada acontecer com uma palhinha, com 2,10,15 ou 10000, mas há-de haver uma - essa é a palhinha crítica - que faz cair o peso do conjunto das palhas ao chão.
Não sei determinar qual é a unidade crítica e não sei se é a partir dos 49 %, 48 % ou 47 % que toda a sociedade civil portuguesa se mobiliza em tomo das SGII, mas o que é certo é que havia uma lógica nos 33 %, que era a do valor de um terço, e agora há outra lógica nos 50 %, que é a do contrato com a sociedade em termos de metade por metade. Os 50 % têm alguma lógica, mas os 45 % já não têm. Se, no entanto, me explicarem que este valor tem fundamento nalgumas contas ou num eventual modelo econométrico que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro apresentou ao partido da maioria, mas não a nós, e que prova que tudo fica bem passando dos 50 % para os 45 %, também nós, então, acharemos bem e votaremos a favor dessa alteração. Só que não nos foi apresentada qualquer justificação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Através de uma curta intervenção, gostaria de deixar bem expressa a posição do PRD relativamente a esta matéria.
O PRD sempre esteve de acordo com a constituição das sociedades de gestão e investimento imobiliário, no pressuposto de que estas mesmas sociedades deveriam ter,

Página 2707

25 DE MAIO DE 1991 2707

como objecto principal e fundamental, a promoção do mercado imobiliário, bem como, dentro desse quadro, a promoção do arrendamento urbano.
Daí que, em intervenções feitas nesta Câmara, nomeadamente a realizada em 15 de Novembro do ano passado, nos tenhamos expressado no sentido de o PRD ser contra todo e qualquer subterfúgio legislativo que, de alguma forma, pudesse desvirtuar o objectivo principal daquele tipo de sociedades.
Nestes termos, pensamos dever ser também este o objectivo principal das sociedades de gestão e investimento imobiliário, ou seja, a promoção do mercado imobiliário, em particular do arrendamento para habitação.
Todavia, estamos lambem preocupados com um outro aspecto, como, aliás, o estávamos no ano passado, quando esta matéria foi aqui discutida. É que, tendo em conta os elevados benefícios fiscais que suo conferidos a sociedades deste tipo, já era tempo de, desde 1985 para cá, e tal como sugeri no ano passado, apresentar à Câmara o relatório de todos os benefícios concedidos ao abrigo das sociedades de gestão e investimento imobiliário, sobretudo avaliando, pelo cotejo dos benefícios concedidos com os efectivamente encontrados, em que medida é que os seus objectivos tinham sido atingidos.
Portanto, eram estas duas questões que o PRD gostaria de deixar hoje aqui vincadas.
De qualquer modo, em tempo do PRD, e uma vez que o PS foi o partido que promoveu esta ratificação, gostaria ainda que este grupo parlamentar nos esclarecesse da sua posição final. E que creio não ler entendido muito bem se o PS pretende, de facto, a não ratificação deste diploma ou se, pelo contrário, tenciona introduzir algumas alterações e quais.
No que concerne ao proposto pelo Grupo Parlamentar do PSD, estamos, no essencial, de acordo com as alterações que foram introduzidas. Todavia, não vemos qualquer razão para alterar o limite de 50 % para 45 %.
Por conseguinte, estamos de acordo na questão do valor e da área-essa questão já tinha, aliás, sido aqui debatida quando esta matéria foi discutida na Assembleia. Agora, penso que passar de 50 % para 45 %, no espaço de cerca de dois meses e sem qualquer justificação, não dignifica o Governo nem a Assembleia da República!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria também de fazer uma breve intervenção sobre este curioso processo de ratificação, já que, pelo menos, configura uma inovação no processo de ratificação nesta Assembleia. Isto porque se trata de um grupo parlamentar que apresenta um pedido de sujeição a ratificação, o qual nem é para recusar a ratificação ao decreto-lei visado nem se destina a introduzir-lhe alterações. De qualquer modo, julgo que, neste momento, interessa mais abordar a matéria de fundo que decorre das propostas de emenda apresentadas pelo PSD.
Como tivemos oportunidade de referir aquando da discussão desta matéria na Assembleia da República, temos a ideia e a convicção de que benefícios fiscais a conceder às sociedades de gestão e investimento imobiliário sã tom a sua razão de ser na medida em que possam contribuir para o aumento do mercado do arrendamento em Portugal. Portanto, entendemos que deverão ser concedidos benefícios fiscais exclusivamente nessa medida, pelo que do nosso ponto de vista e no que diga respeito a outro tipo de investimento imobiliário, não há qualquer razão para que se verifique um custo social através dos benefícios fiscais.
Nesse sentido, julgamos que é totalmente inoportuna e contrária a este princípio a proposta apresentada pelo PSD quando opera uma redução de 50 % para 45 %. Trata-se de, ao cabo e ao resto, caminhar no sentido inverso àquele que, na alteração anterior, o Governo pretendeu trilhar: aumentar e impor uma determinada quota de investimento no mercado imobiliário para arrendamento, por forma a justificar os benefícios fiscais. De facto, o Grupo Parlamentar do PSD pretendia agora ir no sentido inverso, voltando novamente a baixar a fasquia, eventualmente com a ideia-só por pudor não o lerá feito! - de que, se pudesse voltar à situação anterior à última alteração, seria óptimo passar a fasquia para 0%!
Nestes termos, estamos, pois, totalmente contra a proposta de alteração apresentada pelo PSD no sentido de baixar a fasquia, embora já não estejamos contra a acumulação da área com o valor do investimento.
O PSD apresenta, ainda, uma segunda proposta que, se a memória me não trai e pelo menos por aquilo que vi, não foi objecto de referencia na intervenção do PSD. Trata--se da alteração do n.º l do artigo 9.8 do Decreto-Lei n.8 135/91, de 4 de Abril.
Também aqui não consigo divisar o sentido útil da alteração proposta pelo PSD. É que este grupo parlamentar propõe a substituição da expressão «benefícios fiscais concedidos» pela expressão «benefícios fiscais que a SGH tiver direito» - o que vai dar ao mesmo, sendo pois uma questão formal-e da expressão «quaisquer benefícios» pela expressão «benefícios», ficando, assim, tudo na mesma.
Admitindo que o PSD não está, em sede de ratificação, interessado em fazer alterações de redacção, estilo literário, e dado que esta é uma proposta que tem dignidade de votação pelo Plenário da Assembleia da República, não seria útil uma explicitação do que é que se pretende com isto, sobre que sentido útil reveste esta proposta?
É evidente que a dúvida que deixo no ar tanto pode ser respondida pelos Srs. Deputados do PSD como por qualquer dos Srs. Membros do Governo que assim o entenda, pelo que ficarei à espera de ouvir a explicação para poder formular o meu juízo de voto em relação ao artigo 9.", uma vez que, no que concerne ao artigo 8.º, ele já está bem expresso pelo facto de termos, clara e frontalmente, contrariado o sentido de decrescimento da exigência para investimento no mercado de arrendamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo. Srs. Deputados: Esta ratificação, já aqui qualificada como um pouco estranha na forma como foi pedida, permite-nos fazer um curioso exercício sobre a estabilidade governativa e as suas conexões com a estabilidade legislativa.
Realmente, poucas matérias terão tido o beneficio de uma tal atenção legiferante por parte do Governo e da Assembleia como esta matéria das sociedades de gestão e investimento imobiliário.

Página 2708

I SÉRIE -NÚMERO 83 2708

Recordo, muito rapidamente, o que se passou nesta matéria.
As referidas sociedades nasceram em 198S com um propósito claro, embora ainda não quantificado, de promover o investimento em arrendamento imobiliário, o que, na altura, e atenta a respectiva legislação do arrendamento, era uma pura utopia - aliás, como o provaram os factos -, tendo esta legislação sido objecto de alterações efectuadas em 1986, em 1987, em 1990 (mais do que uma vez) e, agora, em 1991.
Sobre este facto, poder-se-ia referir que se teria tratado, sobretudo, de corrigir aspectos de pormenor, já que a legislação se apresentaria com imperfeições - como agora é vulgar e corrente. Porém, o que se passou foi a introdução de alterações radicais no sentido da referida legislação.
Assim, o que aconteceu foi que, em 1987, através do Decreto-Lei n.8 237/87, de 12 de Junho, estas sociedades passaram de sociedades concebidas para incentivar o investimento imobiliário em arrendamento para habitação para uma coisa completamente diferente. Com efeito, o arrendamento para habitação deixou de estar nos seus objectivos, passando tais sociedades a ter como único objectivo o de, pura e simplesmente, fomentar o investimento imobiliário e permitir, através de si, a correcção das situações dos activos de certas empresas.
Aí, finalmente, as sociedades de gestão e investimento imobiliário tiveram um êxito espantoso. Na verdade, num curto espaço de tempo e contrariamente ao que até aí se vinha passando, constituiu-se um enorme número de sociedades com este objectivo. Assim, as pessoas que tomaram a iniciativa de as constituir confiaram na estabilidade da lei produzida por um governo estável e consumiram as sociedades.
Volvidos dois anos, viram, porém, que estavam completamente enganadas e que o Governo dava - e continua a dar! - uma cambalhota de 180 graus nesta matéria. Portanto, o Governo está enrolado nesta cambalhota das sociedades de gestão e investimento imobiliário e não consegue sair dela.
Dado o atrás referido, estas sociedades voltaram a ser, em 1990, concebidas como sociedades para fomentar o investimento em arrendamento para habitação, embora impondo-se agora «fasquias» ou «palhinhas» - como diz o Sr. Deputado Manuel dos Santos - a este objectivo.
De qualquer modo, também aqui se mudou e se atingiu agora o máximo dos 50 %, muito embora com um acto de contrição que, ao mesmo tempo, o Governo faz pela malfeitoria de que foi responsável entre 1987 e 1990. E o acto de contrição traduz-se em dizer que as sociedades que deixem de o ser mantêm todos os benefícios fiscais que, entretanto, tinham adquirido. Portanto, este é o reconhecimento que o Governo faz de que, na realidade, procedeu mal nesta matéria, de que não procedeu correctamente, iludindo as expectativas dos interessados de uma forma completamente inesperada.
Bem, mas agora aparecem alguns Srs. Deputados a tentar introduzir correcções, designadamente passando de 50 % para 45 %.
Estou de acordo, embora, por mim, me mantivesse fiel às expectativas que foram criadas em 1987 e passasse para 0%, tratando o problema da habitação de outra forma. É que está mais do que demonstrado que esta não é uma forma eficaz.
Por outro lado, pretende lambem introduzir-se uma alteração - tanto proposta pelo PS como pelo PSD -, que conviria ser esclarecida. É que o critério de determinação dos 50 % passa a ser, alternativamente, aferido pela área ou pelo valor.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira, que quer sempre «puxar a brasa para a sua sardinha», disse já que o critério era cumulativo. Porém, penso que o critério não é cumulativo mas alternativo, o que são coisas muito diferentes, como explicarei de seguida.
Basta, por exemplo, investir num prédio ou num andar de luxo para habitação e os 50 % podem ficar imediatamente conseguidos, atingindo-se o objectivo de não voltar a iludir as expectativas criadas em 1987. Convém, pois, esclarecer se o critério é ou não alternativo.
Aliás, o Governo devia levar o seu acto de contrição até ao fim e regressar ao regime de 1987 e, nesse caso, as sociedades de gestão e investimento imobiliário teriam razão de ser e utilidade, não se prestariam a manobras a que se irão prestar com estas percentagens de distribuição e reconhecia-se que elas não são o instrumento indicado para fomentar a política de habitação e, mesmo, o mercado de arrendamento em Portugal.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, aprecio muito a forma como sempre «puxa a brasa para a sua sardinha». Julgo que, nesse aspecto, nas nossas bancadas não há trunfos escondidos e há sempre coerência, clareza nas posições assumidas, o que me parece importante nesta matéria.
Como, aliás, tive oportunidade de referir, na última vez que discutimos nesta Assembleia esta problemática, o objectivo inicial das sociedades de gestão e investimento imobiliário não conduziu a nada, porque essas sociedades não deram um contributo mínimo ao mercado de arrendamento.
V. Ex.ª coloca a questão de voltarmos à legislação de 1987, isto é, se a memória não me trai, à primeira alteração que houve. Porque, em termos de mercado de arrendamento, o resultado foi zero, gostaria que me esclarecesse a razão que entende existir para que sejam concedidos benefícios fiscais às sociedades de gestão e investimento imobiliário. Se não impõe qualquer contributo para a promoção do mercado de arrendamento, porquê os benefícios fiscais?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, dá-me ideia de que o Sr. Secretário de Estado está de acordo consigo. São os chamados complexos de esquerda do Governo! ... É um governo Social-Democrata, apesar de tudo, e por isso tem destas coisas!...

Risos do PCP.

Sr. Deputado Octávio Teixeira, eu não digo que se não mantenha um nível alto de benefícios fiscais, especialmente num contexto de mercado de arrendamento que, hoje, é diferente, porque a legislação do arrendamento também é diferente. Admito, Sr. Deputado Octávio Teixeira - coisa que lhe deve custar muito a admitir a si - que hoje isto possa, porventura, dar resultado. No entanto, o que eu não admito é que a expectativa criada em 1987 seja gorada.

Página 2709

25 DE MAIO DE 1991 2709

Portanto, o que eu pretendo e proponho é que as sociedades constituídas ao abrigo da legislação de 1987 possam continuar a usufruir o regime que, então, lhes foi garantido, sem terem de fazer transformações dos seus activos, isto é, transformar uma parte do seu património imobiliário em património destinado a arrendamento para habitação. Para mim, esta questão é fundamental.
Que, de futuro, se legisle doutra maneira eu admito - é uma questão que devemos ponderar. Só que essas situações não deverão ser resolvidas apenas com a disposição de lhes manter os benefícios fiscais, que o Governo agora-e bem! - veio introduzir, se essas sociedades quiserem deixar de existir como sociedades de gestão e investimento imobiliário. Esta situação deve ser alargada e elas devem continuar a existir como sociedades de gestão e investimento imobiliário, beneficiando dos benefícios que lhes foram consagrados.
Respondendo à pergunta do Sr. Deputado Octávio Teixeira, acerca da justificação para os benefícios fiscais, se o objectivo do investimento não é social, eu afirmo que lenho uma diferente concepção dos investimentos. Para mim, os investimentos têm sempre um objectivo social porque, por via de regra, geram emprego, dão trabalho aos portugueses; por isso, têm sempre um objectivo social.
Hoje em dia, esse trabalho é prestado disciplinadamente, de acordo com certas regras, pelo que há sempre um objectivo social.

O Sr. Manuel dos Santos (PS):-Aderiu à teoria do deficil virtuoso, ao que parecei

O Orador:-Não, não aderi. Estou a falar do investimento que 6 feito com a poupança nacional, com vocação empresarial, e n8o do investimento subsidiado pelo Governo.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, há investimentos em que o peso imobiliário 6 muito grande, que implicam um investimento imobiliário muito grande e, em relação a esses, deve ser permitido às empresas uma forma de compensar esse elevadíssimo investimento imobiliário. Foi fundamentalmente nessa direcção que, me parece, se orientaram as sociedades de gestão e investimento imobiliário constituídas ao abrigo da legislação de 1987, designadamente, para aliviar os activos de certas empresas que estavam extraordinariamente sobrecarregadas com os bens imóveis necessários à produção e à própria concretização do investimento.
Ora bem, considero que. mesmo assim, se justifica no contexto da nossa economia dar benefícios fiscais às sociedades de gestão e investimento imobiliário que tenham esse objectivo. Aliás, devo dizer que não tenho complexo em defender isso frontalmente, nesta Câmara. Estou de acordo em que, hoje em dia, se deva procurar deslocar o peso para essa finalidade social da habitação, embora eu esteja convencido de que não é apenas por aqui que se resolve o problema, se bem que esta possa ser uma forma.
Agora, o que eu não posso admitir é que a extraordinária estabilidade legislativa se tenha repercutido na esfera jurídica dos cidadãos, com altos e baixos, com alterações radicais e que não haja uma tentativa de ir ao encontro desses problemas e de resolvê-los.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro (Carlos Tavares):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me umas breves observações sobre algumas das intervenções produzidas.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, relativamente às alterações propostas pelo Grupo Parlamentar do PSD ao artigo 9.B, devo dizer que são apenas questões de precisão jurídica que têm em vista dar alguma segurança jurídica em termos de aplicação da lei no tempo e que, na substancia, não alteram o que estava disposto. V. Ex." é economista, como eu, e sabe que, por vezes, os juristas têm umas exigências de rigor superiores às nossas.
Em suma, o que se pretende dizer é que, a partir do momento em que ocorre a violação destes preceitos, há perda dos benefícios fiscais. Aliás, como estes preceitos são novos, não podíamos estender a perda aos benefícios fiscais já adquiridos, se a violação ocorresse relativamente a uma legislação que não existia no passado. Trata-se, apenas, da aplicação da lei no tempo, pois, repito, é intenção manter rigorosamente o regime actual. E isso é dito de uma forma mais clara, para não haver lugar a dúvidas de interpretação, pois os juristas conseguem descortinar onde os economistas não conseguem, seguramente por serem mais entendidos na matéria.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Secretário de Estado, permite que o interrompa?

O Orador:-Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A questão não reside nas sanções, mas em obrigar as sociedades constituídas ao abrigo da legislação de 1987 a transformarem o seu património.

O Orador-Não era essa a questão...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Estou de acordo que as sanções não sejam aplicadas retroactivamente. Era o que faltava!

O Orador:-Certamente, Sr. Deputado.

Ao Sr. Deputado Manuel dos Santos diria que, de facto, não tenho qualquer estudo econométrico e nem sei se é esta a «palhinha crítica». Aliás, fiquei a saber que, além de outros conceitos econométricos, existe esta «palhinha crítica» que considero particularmente feliz como imagem, mas não sei se esta é, de facto, a «palhinha crítica».
Se esta alteração, que, ao fim e ao cabo, mantém a filosofia geral das sociedades de gestão e investimento imobiliário, que são uma contribuição significativa para o investimento em habitação, for a «palhinha crítica» que vai permitir que, em vez de se retirarem mais sociedades, elas se mantenham no mercado, penso que valerá a pena. Efectivamente, como reconheceu, não é possível saber-se qual é o limiar a partir do qual as sociedades saem do mercado ou permanecem. O custo desta alteração não é significativo e se, com ele, for possível dar um maior contributo para o investimento habitacional, penso que valerá a pena.
Ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, que praticamente reproduziu a intervenção que fez aquando da discussão da autorização legislativa que deu lugar à aprovação do decreto-lei, não repetirei os argumentos que usei, em resposta, mas direi apenas que, penso, este é um bom exemplo, apesar da sua opinião contrária, de que a estabilidade

Página 2710

I SÉRIE - NÚMERO 83 2710

governativa é importante, porque o Governo pode apreciar, em cada momento, quais são os objectivos de determinado enquadramento legal e corrigi-los a tempo, quando entende que esses objectivos não estão a ser cumpridos, o que não seria possível, provavelmente, se tivéssemos lido uma sucessão de governos, os quais não teriam podido apreciar, com serenidade, em que medida é que um instrumento criado estava ou não a cumprir os objectivos. E, como o Sr. Deputado também reconheceu, o objectivo inicial era, de facto, o relançamento do mercado de arrendamento.
Em 1987, o Governo entendeu que também era adequado utilizar este instrumento como uma forma de resolver alguns problemas dos activos de algumas instituições; em 1990 e, depois, em 1991, entendeu que era tempo de voltar à filosofia original das SGII e que, portanto, os problemas dos activos, que a legislação de 1987 pretendia resolver, estavam, em grande medida, sanados. Por isso, e na medida em que havia benefícios fiscais - e é nesse aspecto que estou de acordo com a parte final da intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira-, era natural que o Governo, uma vez que vai buscar aos contribuintes um sacrifício, tivesse uma contrapartida. E, hoje, a contrapartida para essas instituições - entende o Governo - terá de ser um contributo para o relançamento do mercado do arrendamento, onde, efectivamente, elas podem ter um papel importante.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que se alguém teve a expectativa gorada nesta matéria, provavelmente, não foram as sociedades mas terá sido o Governo que viu a legislação de 1987, que era dirigida a resolver determinados problemas pontuais e destinada, ainda, ao mercado de arrendamento, ser «legitimamente» - porque não foi de forma ilegal - mal utilizada por algumas sociedades que se instalaram no mercado e que utilizaram, exclusivamente, esta figura para obter benefícios fiscais.
O Sr. Deputado referiu que qualquer investimento tem sempre um objectivo social. Pergunto-lhe, então, se um banco ou uma instituição qualquer que - perdoem-me a expressão - «toma» as instalações onde está a actuar, que cria uma SGII ao lado, que vende à SGII essas instalações, que passa a pagar rendas à SGII e que tem um benefício fiscal por isso acrescentou alguma coisa que justifique a atribuição de um benefício fiscal, ou seja, um custo para a sociedade. Admito que concordará comigo quando digo que não acrescentou nada. Portanto, são estas «portas» que a legislação pretende fechar e é a contrapartida do relançamento do mercado de habitação que o Governo pretende obter de novo, passado que é um período onde se justificou um procedimento diferente.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Posso interrompe-lo, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Secretário de Estado, direi que uma operação dessas não acrescentou nada, porque o Sr. Secretário de Estado sabe que, no nosso país, há um preconceito grande contra as formas de maleabilização de estruturas de balanços e financeiras que não devemos incentivar. Isto é, o português tem normalmente a ideia de que isso são grandes «negociatas» que se fazem.
No caso do banco, por exemplo, que pegou nas suas instalações e as passou para uma SGII - e pôde fazê-lo, porque não pagou imposto de sisa -, ele pode ter
maleabilizado muito a sua operação ao passar a pagar rendas. Ao deixar de ter um activo fixo, pesadíssimo, no seu balanço, pode ter passado a prestar, com muito maior maleabilidade do que acontecia anteriormente, serviços aos seus clientes. Julgo que esta operação não é, puramente, negativa, pode até ter algum sentido social.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Social, onde?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, no sentido de que esses dois mundos são dois mundos permanentemente interligados.

O Orador: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, é perfeitamente discutível se é essa a melhor forma de proceder...
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pode continuar a discussão com o PCP!

O Orador: - Julgo que - como disse o Sr. Secretário de Estado Adjunto dos Assuntos Parlamentares - a discussão desta matéria, neste momento, faz-se mais entre o PCP e o CDS do que propriamente com o Governo.
Como estava a dizer, Sr. Deputado, é evidente que tudo isso é discutível. É até muito discutível que fosse essa a forma correcta de resolver esses problemas das instituições de crédito. De qualquer forma, isso pode ser feito durante um período transitório e o Governo, no momento que considerou adequado, entendeu que era tempo de devolver às SGII a sua filosofia original. Foi o que acabou por fazer. Portanto, julgo que, neste aspecto, mais uma vez, a estabilidade governativa é fundamental para que os quadros legais possam, na devida altura, ser ajustados aos objectivos que, em cada momento, pretendem prosseguir.
Finalmente, em relação à questão técnica, isto é, se o critério da área e do valor são cumulativos ou alternativos, é evidente que são alternativos. Foi esse, aliás, o sentido do pedido de autorização legislativa que aqui foi discutido e julgo que o «ou» significa alternativa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Quero, fundamentalmente, registar o novo conceito de iniciativa privada aqui deixada, há pouco, pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, ou seja, o conceito de que a iniciativa privada, para investir, tem de ter - e só assim investirá - benefícios fiscais.
Não somos tão negativos na apreciação da iniciativa privada como o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de dizer!
Em segundo lugar, não sei por que razão o Sr. Deputado Nogueira de Brito - e não é uma questão pessoal, logicamente - pretendeu, há pouco, justificar benefícios fiscais ao investimento imobiliário que não para arrendamento dizendo que tinha um objectivo social, porque era investimento e investimento criava emprego. Isto é, tudo o que cria emprego é social, só por isso!...
Sabendo-se quais são os benefícios fiscais que estão em causa, não consigo perceber por que é que o Sr. Deputado Nogueira de Brito teve pudor em dizer que também produz lucros. Por que é que um defensor aberto, claro, do

Página 2711

25 DE MAIO DE 1991 2711

capitalismo nas formas mais neoliberais tem pudor em falar em lucro? Porquê. Sr. Deputado? Não consigo perceber esta posição! Aliás, nos últimos tempos, tem vindo a verificar-se que a palavra capitalismo quase desapareceu dos escaparates; agora fala-se apenas em economia de mercado, para tentar confundir. Não entendo por que 6 que os capitalistas ou os defensores do capitalismo têm receio de falar em capitalismo, ou talvez entenda!...
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - É porque a União Soviética também já fala!

O Orador: - Para terminar, quero dizer que não é com malabarismos verbais que se tende a transformar tudo o que mexe no social, que seremos desviados da matéria concreta que estamos a discutir e dos objectivos que são pretendidos. Por isso, manteremos a nossa posição de voto, claramente definida há pouco.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, sabe que temos sempre grande satisfação em ouvi-lo, mas dentro daquilo que é possível do ponto de vista regimental...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o PRD acaba de me ceder algum do seu tempo.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado, mas solicito que seja breve.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, não tenho qualquer pudor nessa área e ainda há pouco estava a recomendar - se isso é possível em linguagem protocolar na Assembleia - ao Governo que ele também não tivesse pudor em enfrentar abertamente estas questões.
Por isso, Sr. Deputado, não tenho qualquer pudor em defender que o investimento produz lucro e que esse é o seu único motor. Simplesmente, sendo a produção do lucro o seu único motor, o investimento feito em economia de mercado, por capitalistas, produziu, simultaneamente, um grau muito mais elevado de justiça social do que o investimento feito sem ele. Isto é, o investimento centralizado no Estado não produziu, ao longo do tempo suficientemente amplo para poder ser medido, justiça social tão ampla como aquela que o investimento produziu com o objectivo do lucro. Essa é que é a grande verdade!
Hoje em dia, Sr. Deputado Octávio Teixeira, no mundo inteiro, está-se numa situação em que já não se discute se o objectivo do lucro é ou não condenável. Hoje, não há ninguém que tenha esse complexo, nem, com certeza, V. Ex.as! O objectivo do lucro é um objectivo não condenável, porque pode ser um objectivo bom, correcto, um objectivo que se desentranhe em medidas efectivas de justiça social, em melhor justiça social para todos. Hoje, não há qualquer dúvida!

Pergunta-me porque falamos de mercado. Sr. Deputado Octávio Teixeira, não tentamos esconder nada; falamos de mercado como critério racionalizado! da economia, pois não é o capitalismo que é critério racionalizador. O critério racionalizador de uma economia, em que se remunera o capital - e, por isso, é capitalista - é o mercado. É por isso que falamos em mercado. Não temos qualquer complexo!
Sr. Deputado Octávio Teixeira, sei que V. Ex.ª está de acordo comigo neste sentido!
Por que é que defendo que se isentem destes impostos as áreas em causa? Porque são impostos obsoletos, incompreensíveis, inadmissíveis no contexto do quadro fiscal português actual.
Toda a gente sabe que ninguém quer pagar sisa neste país! Toda a gente sabe - até os ministros - que realmente não se deve pagar sisa. É mesmo patriótico pagar o menos possível de sisa!... E por que é que não havemos de concordar com a isenção de sisa ou do imposto sobre a riqueza, inadmissível hoje em dia?!... Portanto, tudo o que sejam medidas que possam conduzir as isenções destes impostos, mesmo para fomentar o investimento, são medidas correctas, Sr. Deputado. E já o tenho ouvido criticar esses impostos, aí da sua bancada. Portanto, suponho que V. Ex.1 está de acordo comigo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate relativo à ratificação n.9 184/V (PS). As propostas de alteração entretanto apresentadas na Mesa baixarão à comissão respectiva nos termos regimentais.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão conjunta das ratificações n.º 185/V (PCP) e 186/V (PS) sobre o Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de Maio, que aprova o regime jurídico de direcção, administração e gestão escolar.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Encontramo-nos a debater, por iniciativa do PCP, a ratificação n.º 185/V - Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de Maio, que «Aprova o regime jurídico de direcção, administração e gestão escolar» -, porque, tal como anunciámos no dia 23 de Abril, quando discutimos a gestão democrática dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, por marcação do PCP, a discussão sobre esta problemática não se esgota nem morre com a publicação de um decreto governamental que não respeita os comandos constitucionais nem os princípios da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Algum tempo já passou sobre a publicação do Decreto-Lei. Assim, pensamos que o contributo que foi dado pelo debate citado poderá ter servido ao PSD como reflexão para se encontrar a resposta adequada para esta questão nacional que envolve toda a comunidade.
E é aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que começam os grandes problemas! O modelo de gestão, aprovado pelo Governo, entende que o envolvimento da comunidade escolar passa, tão-só, por fazer incluir no conselho da escola ou conselho da área escolar (artigo 9.º), representantes dessa comunidade, docentes, alunos, pessoal não docente, representantes dos pais, um representante da câmara municipal, um representante dos interesses sócio-económico da região, um representante dos interesses culturais da região.
Mas incluir estes intervenientes não quer dizer que, efectivamente, eles vão participar, e sublinho esta expressão, porque, logo de seguida, no artigo 10.º, n.º 2, prevê-se que poderá haver impossibilidade manifesta de ser assegurada a representação dos interesses sócio-económico e culturais da região.
Outra coisa não seria de esperar, pois a vida não tem demonstrado senão a grande dificuldade desta participação nos actuais conselhos consultivos das escolas!

Página 2712

I SÉRIE -NÚMERO 83 2712

Será bom referir alguns dados relativos ao ano de 1990, recolhidos através de um questionário sobre gestão democrática. No que respeita aos conselhos consultivos, cerca de 57 % das escolas não conseguiram empossá-lo; apenas em 10% das escolas estavam representados os interesses económicos da região e o contributo dado pelo conselho consultivo, no âmbito da interacção escola/comunidade, foi considerado bom em apenas 1,6% dos casos.
Foi a este exemplo, com uma boa filosofia mas sem aplicabilidade prática, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Governo, ciente destas dificuldades, foi procurar o embuste para vir deitar poeira nos olhos dos portugueses, falando de democracia participada e envolvimento da comunidade na direcção das escolas.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O conselho das escolas, que o Governo preconiza, não tem, nem pela sua composição nem pela periodicidade do seu funcionamento, quaisquer condições para se assumir como um órgão de facto interveniente na direcção quotidiana das escolas: o que o Governo pretende é impor a gestão unipessoal no nosso sistema de ensino.

O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): -É mentira!

A Oradora: -É mentira?! Então, têm de demonstrá-lo!
Mas as malfeitorias neste órgão não se ficam por aqui; o mais grave é que o papel e representatividade dos professores é perfeitamente subalternizado!

O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Também é mentira!

A Oradora: - A representatividade dos professores depende do número dos outros elementos do conselho de escola,...

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Não, senhora!

A Oradora: -... isto é, o número de professores tem de ser sempre igual ao dos outros intervenientes.

O Sr. Manuel Vaz Freixo (PSD): - Sempre em paridade!

A Oradora: - Assim, e a título de exemplo, se sair um dos outros elementos ou não chegar a entrar, diminui-se, desde logo, a representação de um professor!

O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Não é nada disso!

A Oradora: - É realmente um escândalo! O que é, afinal, a escola?
Perde-se a noção do que são os agentes educativos e confunde-se a democracia participada, no respeito e contributo de cada um, em função de quê e de que interesses?
Procura-se, tão-só, que um órgão com funções de direcção e participação nos diferentes sectores da comunidade ou não funcione ou, a funcionar em determinadas e bem localizadas escolas, seja um factor desestabilizador da vida escolar por força das suas competências e composição que contende com interesses díspares e conflituais.
O modelo protagonizado neste decreto-lei está cheio de preconceitos contra os professores.

O Sr. Manuel Vaz Freixo (PSD): - Não é nada disso!

A Oradora: - Aliás, já mostrámos um primeiro exemplo.
Mas se falarmos do conselho pedagógico, onde talvez os professores estejam representados em maioria, a sua função é, de acordo com o artigo 31.º, a de «apoio aos órgãos de direcção, administração e gestão da escola».
É um órgão sem quaisquer poderes deliberativos; é um órgão que emite pareceres não vinculativos; é um órgão que elabora e propõe; é um órgão a que, em matéria pedagógica e chamando-se de conselho pedagógico, não são atribuídos quaisquer poderes. Este é um atestado de menoridade, consignado em decreto - passado pelo «estado laranja» -, a todos os docentes deste país, que se sentem profundamente atingidos na sua dignidade profissional.

Protestos do PSD.

E é talvez útil citar números do inquérito de gestão democrática, de que já falei, em que o conselho pedagógico dá resposta positiva quanto à orientação pedagógica dos alunos (59,9 %), à integração dos alunos da escola (58 %), à dinamização cultural da escola (81 %) e à integração escola/meio (71,3 %).
Perante estes e muitos outros dados que não posso divulgar, por falta de tempo, mas que são conhecidos, o conselho pedagógico dá, perante a comunidade escolar, a imagem de ser o órgão da efectiva gestão pedagógica e modernidade de uma escola em que os critérios pedagógicos e científicos têm de se sobrepor aos critérios administrativos, como determina a Lei de Bases do Sistema Educativo.

O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - E é o que vai acontecer!

A Oradora:-Este princípio é completamente subvertido no decreto-lei, que procura legitimar a exorbitância dos poderes centralizados num órgão unipessoal - o director executivo.
O decreto-lei estabelece as normas necessárias e suficientes para limitar a autonomia das escolas - que neste ano sofreu graves atentados, embora não se pudesse ainda considerar uma verdadeira autonomia, nomeadamente o corte no pagamento aos professores e outras ingerências que têm vindo a ser feitas em autonomias que foram sendo concedidas por decreto ou por circular às escolas - e consagrar a tutela ministerial para instalar nas escolas directores que não sejam democraticamente eleitos e que concentrem em si todos os poderes, incluindo os de natureza disciplinar.
Aqui temos, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, mais um exemplo da governamentalização e partidarização do poder.
Do que conhecemos e sabemos, os diferentes patamares da administração são todos de cor laranja ou assumiram-na como cor preferencial, desde o Governo ao ministro, aos secretários de Estado, aos directores regionais (que vão ser quem vai dizer quais as escolas onde vai entrar em experiência o novo modelo de gestão), até aos delegados distritais...

Página 2713

25 DE MAIO DE 1991 2713

O pior, o que estragava a harmonia alaranjada, eram os órgãos de gestão das escolas, onde houve que dar uma pintura laranja, com «trincha democrática», para obter o tal efeito de eficiência e ordem tão queridos dos «pintores competitivos» protagonizados pela maioria do PSD.
Este decreto tem tantas distorções e malfeitorias que o tempo disponível é insuficiente para dissecá-lo e, mais uma vez. demonstrar que ele não serve a escola nem o Pais.
E. pois, importante perguntar se o Governo acredita que 6 com este decreto que vai modificar para melhor o actual modelo de gestão. Creio que nem os senhores acreditam nisso! E não acreditam porque ele vai ser, na generalidade das escolas portuguesas, inaplicável e vamos passar a ter mais do que um modelo de gestão na escola pública, nos ensinos básico e secundário, contribuindo-se, deste modo, para a sua desestabilização e anarquização.
Face a tudo isto, o Grupo Parlamentar do PCP irá apresentar à Mesa um requerimento de recusa de ratificação.

Aplausos do PCP e dos deputados independentes Jorge Lemos e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol, entendemos os problemas que a senhora tem de, na Assembleia da República, poder demonstrar aquilo que lá fora não consegue.
Assim, entendemos este pedido de ratificação, ficando claramente definido que o objectivo do PCP é. hoje. o de dizer aquilo que não disse há cerca de um mês quando aqui foi discutido o diploma. E porquê? Porque se aproxima o encerramento das aulas e 6 preciso aqui fazer coro para que nas escolas continue a haver agitação,...

Protestos do PCP.

... para que a correia de transmissão, que dá pelo nome de FENPRÒF, possa ter lá fora um campo de acção para perturbar o bom andamento dos trabalhos nas escolas, o bom funcionamento das escolas,...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É falso!

O Orador: -... a postura democrática dos professores e, fundamentalmente, para que continue a procurar iludir os professores.
Costuma dizer-se que «com papas e bolos se enganam os tolos», mas como os professores de tolos não têm nada,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... cada vez mais eles terão possibilidade de rejeitar as palavras do PCP...

Protestos do PCP.

O Orador: -... e cada vez mais a FENPROF terá menos expressão.

Vozes do PSD: - Muito bem! Vozes do PCP: -Nota-se!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.1 Deputada Lourdes Hespanhol.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Deputado Lemos Damião, o que o senhor aqui veio fazer não foi um pedido de esclarecimento, e era bom que o tivesse feito.

O Sr. Lemos Damião (PSD): -Não merece!

A Oradora:-Não fez qualquer pergunta, veio aqui deitar para fora a bílis azeda que tem contra o PCP, que nas escolas tem lutado e mostrado que sabe viver em democracia, que tem participado nos órgãos de gestão, que tem dado tudo por tudo! Os professores do PCP não têm vergonha de aparecer como tal no trabalho que têm vindo a desenvolver ao longo destes anos na gestão democrática das escolas, em que têm demonstrado que a participação nos conselhos pedagógicos é a parte mais importante da gestão democrática das escolas.
Sr. Deputado Lemos Damião, não recebemos lições de democracia do PSD, nesta como noutras matérias, mas principalmente nesta. E digo-lhe porquê, Sr. Deputado: porque os senhores foram buscar ao anterior projecto de gestão democrática o pior exemplo, a composição do conselho administrativo, tentando fazer crer que era bom!
Não é possível implementar o que os senhores querem fazer crer, isto é, as escolas não podem ter um conselho de direcção com esta composição. Fui presidente de vários conselhos directivos e sei-o bem, assim como o senhor também sabe, porque provavelmente conhece pessoas que o foram.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - A explicação está aqui, Sr.ª Deputada.

A Oradora:-Por outro lado, gostaria de dizer-lhe que o PCP não é a FENPRÒF. O senhor está enganado!

Vozes do PSD: - Ah, pois!...

A Oradora:-Se o senhor quiser discutir problemas da FENPRÒF pode, hoje mesmo, participar num debate que se está a realizar sobre educação pré-escolar. Aliás, os senhores precisam de apreender muito...

Risos do PCP.

... e se forem lá aprendem alguma coisa, com certeza, porque estão lá os professores.
Portanto, hoje, os senhores podem participar nessa reunião, mas aqui falemos como partidos políticos que somos. O PCP defende que é na escola que se começa a exercer a democracia, desde os alunos até aos professores, e que este país tem de aprender muito com a escola democrática para podermos viver num Estado de direito, livre e democrático.

Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não aproveitou nada ao Governo o esforço de entendimento que a Assembleia da República tem feito para legislar no domínio da educação.
Mesmo depois de ter a prova em alguns casos concretos-cito a autonomia das universidades e a Lei dos

Página 2714

I SÉRIE -NÚMERO 83 2714

Institutos Politécnicos -, o Governo insistiu em aprovar uma lei continuadora do quadro centralista e burocrático em que vivem as escolas portuguesas.
Esta é, portanto, a derradeira oportunidade para o Governo e a sua maioria repensarem nos pecados deste decreto-lei e, mesmo que os não confessem, aceitarem as alterações que, pelo menos, evitem a condenação ao inferno da história.
O primeiro sinal - involuntário, reconheço-o - desta intenção de pecar, surge logo na exposição de motivos. Perdido no meio dos elogios e da afirmação da autonomia para as escolas ele aparece, qual vírus saltitante, por uma distracção momentânea e mostra o rosto assim: «Finalmente, a experiência acumulada durante estes IS anos de gestão democrática recomenda algumas alterações no modelo vigente [...].»
Bem avisados andaram os socialistas quando, no debate que aqui mantivemos, afirmámos a necessidade de estabelecer uma ruptura clara com o modelo vigente: esta 6 um diferença essencial!
Se alguém tinha dúvidas das diferenças de projectos e de programas entre o PSD e o PS, aqui tem matéria de trabalho que permitirá esclarecer isso e saber, afinal, que aqueles que prometeram realizar profundas reformas no Estado, mais não propõem que algumas alterações ao modelo vigente.
Outro dos pecados mortais deste decreto-lei consiste na possibilidade, que deixou fugir, de produzir um quadro legislativo afim para todos os sectores de ensino, perdendo-se, desse modo, a riqueza que a continuidade organizativa produziria na promoção da necessária e urgente comunicação pedagógica entre os vários sectores, favorecendo a continuidade dos programas e do ensino entre eles.
Ao contrário, este decreto-lei retoma os distanciamentos e os modelos formais do passado, ao propor dois conceitos distintos sobre a escola e a área escolar, que servem para manter a separação no nível pré-escolar e primário, dos restantes, preparatório e secundário, utilizando a terminologia antiga. Ou seja, não serviu para nada o «embrulho» que o Governo já nos tinha oferecido de apelidar o sistema de ensino não superior como ensino básico e secundário, pois que parte novamente o básico na sua formulação tradicional e separa-os quando, em minha opinião, há todo o interesse em estabelecer um quadro administrativo homogéneo para todos os sectores. E há soluções funcionais para isso, assim o quisesse o Governo.
Mas os pecados continuam, Srs. Deputados! O diploma consagra a vocação burocrática e controleira do PSD, ao estabelecer um número excessivo de órgãos para as escolas e ao impor a potencialmente perigosa figura do director executivo.

O Sr. Manuel Vaz Freixo (PSD): - Que exagero!

O Orador: - Em nome da eficácia, coarta-se a eleição para aquele que é o expoente final, o rosto da escola.
Para os socialistas é simplesmente inaceitável a introdução do modelo profissionalista, do gestor dos professores ou da administração das escolas. Já o afirmámos e repetimos que devem, naturalmente, ser assessorados por profissionais de gestão ou de administração escolar. Mas isso é outra coisa!

O Sr. Manuel Vaz Freixo (PSD): - Não concordo!

O Orador: - Na constituição dos órgãos, o Governo demonstrou com clareza a sua intransigência em questões de autonomia, pois prevê ao milímetro a sua composição, retirando qualquer espaço para que as escolas possam, elas próprias, decidir dos diálogos com os diferentes interesses locais e entre si.
O elementar princípio da não contradição obrigava o Governo a discorrer na lei a coerência do seu discurso, sempre agradável de seguir, designadamente pelos seus constantes apelos à liberdade, à autonomia, à participação ou à cultura democrática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, o produto final é um hino à manutenção da dependência naquilo que é decisivo para a relação das escolas e para o seu enquadramento regional diversificado.
A autonomia muito elogiada espreita faminta por entre as grades deste decreto, sem força para romper do colete.

O Sr. Manuel Vaz Freixo (PSD): -Uma coisa nada tem a ver com a outra!

O Orador: - Por outro lado, conhecemos as sucessivas profissões de fé no primado da pedagogia, quer do Ministro quer da maioria PSD. Mas o diploma do Governo comete mais esse pecado. O conselho pedagógico, onde deveria recair a responsabilidade do primado da pedagogia, vê-se acantonado no aconselhamento, quiçá em voz baixa, para não incomodar os tecnocratas da pedagogia que, à sombra da sempre duvidosa eficácia, impõem o ritmo na vida da escola.
Há uma enorme confusão, Srs. Deputados -espero que não premeditada - no recurso à expressão eficácia. O que é afinal a eficácia da escola?
O Governo sentiu-se na necessidade de definir o alcance de outros conceitos, enquanto este nunca o explicou.
Não acredito que se tenha recorrido a essa palavra mágica apenas no intuito de refrear opiniões contrárias ao presente decreto-lei. De facto, nenhum de nós aqui ousaria contrariar a eficácia do sistema educativo.
Mas, como se mede a eficácia? Para os socialistas ela não é mensurável no final do dia, como na bolsa de valores, ou no final do ano, como no relatório de contas de uma qualquer empresa. As alterações que permitem maior eficácia são de geração e a avaliação surge nos homens que a escola ajuda a formar.
A escola, Srs. Deputados, não é uma mercearia que abre e fecha o livro de caixa diariamente!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mantenho que deva haver uma avaliação do desempenho das escolas. Mas isso é outra coisa completamente diferente.
Os socialistas sempre foram particularmente favoráveis a uma rigorosa avaliação do desempenho e são conhecidas as suas propostas concretas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: No rol dos pecados deste decreto há um outro, por omissão. Nada se diz que garanta ou previna a exigência de regulação e coordenação dos diferentes equipamentos e recursos existentes localmente. Esquece-se essa urgente necessidade de coordenar medidas para que todas as escolas possam utilizar os equipamentos locais. Não se cria o órgão que possibilite isso e que

Página 2715

25 DE MAIO DE 1991 2715

mantenha actualizado o balanço sobre a realidade das carências, como deveria ser o conselho local de educação.
Desta forma, não se privilegia a participação das autarquias locais. Por isso a omissão.
É preciso lembrar ao Governo e à maioria que as autarquias locais resultam de eleições directas e por isso detêm inquestionavelmente a legitimidade de representação na defesa dos interesses locais. Ora a educação é um interesse fundamental.
Há ainda outros pecados menores cuja absolução seria simples.

O Sr. Manuel Vaz Freixo (PSD): - Grande pecado!...

O Orador: - Quanto aos pecados mortais que assinalei, ou a maioria ajuda o Governo a ser melhor ou será condenada a ratificar sozinha esta lei.
Os socialistas estão disponíveis para perdoar as faltas graves cometidas, desde que haja sincero arrependimento e se arrepie o caminho.

Risos do PSD.

Estamos dispostos a contribuir para melhorar o decreto-lei, com a discussão das propostas que entregaremos na Mesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lemos Damião.

O Sr. José Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado António Braga, V. Ex.ª fez a sua intervenção com uma certa serenidade e por isso mesmo tenho de lhe dar um tratamento bem diferente. No entanto, a certa altura, V. Ex.ª disse que era esta a última alternativa para o governo do PSD. Certamente que V. Ex.1 ainda não teve acesso à imprensa de hoje.
Parece-me que temos razoes para estar tranquilos se, efectivamente, se confirmarem as sondagens que O Jornal, que é insuspeito, vai apontando. Portanto, não será esta a última oportunidade. Vamos continuar, certamente, para bem dos portugueses, a ler muitas oportunidades.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP):-Lagarto, lagarto!...

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado António Braga tem de reconhecer que este documento aponta para que se implemente a autonomia, que as escolas e os professores vão conquistando, através da descentralização e da desconcentrarão. É isso mesmo que visa o diploma que apresentámos.
Estamos tão ciosos da transparência que até elaborámos um documento que responde a todas as questões que os professores, porventura, possam colocar.
V. Ex.ª falou no director executivo. Está a contestar uma coisa que ainda vai ser regulamentada? Neste momento, ainda não há um perfil!...

O Sr. António Braga (PS): - Isso é grave!

O Orador: - Quando definirmos o perfil, vamos ver se V. Ex.ª concorda ou não com ele.
Por outro lado, com este diploma, procura-se implementar um novo modelo, através de uma estratégia gradualista, acompanhando a evolução e testando tudo ao
fim de três anos. Creio que é unia postura correcta, democrática e insuspeita, motivo porque o vosso pedido de ratificação não tem sentido e, por isso mesmo, vamos votar contra.

O Sr. António Filipe (PCP): - Ah. o papel é do PSD!...

O Sr. Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Deputado, queria aqui afirmar a minha desilusão. Fiz, daquela tribuna, como o Sr. Deputado reconheceu, uma intervenção serena, que apelava à participação, e, afinal, não vi o arrependimento que esperava.

O Sr. José Lemos Damião (PSD): - Não temos!

O Orador: -Julguei que o meu apelo final para o arrependimento o pudesse ainda salvar de cair no inferno da história e, portanto, pudesse ser perdoado. Mas, Sr. Deputado José Lemos Damião, V. Ex.ª fala desgraçadamente nas sondagens à opinião pública que aparecem. Digo desgraçadamente porque isso é apenas uma questão de fé.

Risos do PSD.

E fé é uma questão que. como sabe, não é possível racionalizar e, portanto, V. Ex.ª ficará de posse dela.

O Sr. José Lemos Damião (PSD): - Nós somos pessoas de fé!

O Orador: - Mas o Sr. Deputado não me deu argumentos concretos. Critiquei essencialmente três grandes questões, ou seja, os chamados três grandes pecados mortais, sendo o primeiro a excessiva regulamentação que o vosso diploma apresenta,...

O Sr. Manuel Vaz Freixo (PSD): -Necessária!...

O Orador: -... pois tudo é, praticamente, definido ao milímetro, o que não joga com o discurso da autonomia. Então, afinal, há autonomia e, depois, regula-se e prevê-se tudo nas escolas? Como é que os professores se podem adequar a cada situação concreta? Como é que as escolas se podem diversificar de acordo com as características de cada região? Como vê, a essa questão o Sr. Deputado não me respondeu.
Mas fico ainda mais admirado com o facto de o Sr. Deputado não ter reagido à questão do ensino primário, a que é sensível e que lhe é ião cara.
Como o Sr. Deputado teve a gentileza de lembrar ao PCP a influência que, eventualmente, alguns dos seus militantes têm na FENPROF, tenho a delicadeza de lhe recordar que V. Ex.ª é presidente de uma associação nacional de professores.

Vozes do PSD: - A maior!

O Orador: - Não direi que essa associação está ligada ao PSD, pois trata-se de um militante do PSD que está ligado a ela. Porém, no âmbito dessa associação, a que se orgulha de pertencer, segundo diz, e que muitas vezes vem a público dizer que defende os interesses dos professores,

Página 2716

I SÉRIE -NUMERO 83 2716

V. Ex.ª ficou insensível à questão que lhe levantei, isto é, ao facto de este diploma assumir, formalmente, que os sectores ficam outra vez separados. Separa-se o conceito de escola do conceito área escolar.
V. Ex.ª sabe e tem defendido publicamente a urgência e a necessidade de estabelecer «pontes», de estabelecer a comunicação entre os diversos sectores do ensino e de facilitar essa comunicação, por forma a que os programas e o desenvolvimento curricular seja coerente e tranquilo e para que não haja saltos bruscos, quer afectivos quer programáticos.
Fiquei espantado pelo facto de o Sr. Deputado não ter referido esta questão; referi-a explicitamente para ouvir a sua opinião, porque sei que V. Ex.1 está muito ligado ao ensino primário, mas não houve qualquer reacção da sua parte. Desilusão minha e expectativas frustadas nesse aspecto!
Deixe-me também referir um outro aspecto que critiquei e que condenamos, que é a figura do perigosíssimo director executivo.
O Sr. Deputado disse que isso ainda vai ser regulamentado. Assim sendo, é ainda mais perigoso, porque não sabemos o enquadramento que o Governo lhe vai dar... Terá de ser militante do PSD para ser director executivo?!... Terá de ter os olhos verdes ou o cabelo pintado de castanho?!...

Risos gerais.

A questão que aqui se coloca é esta, Sr. Deputado: não é possível - e nós não defendemos essa concepção, estamos até em completo desacordo com ela-que o rosto da escola ou aquele que a representa, seja um cargo não eleito. Isso é uma diferença e uma contradição essencial entre o vosso discurso e a vossa prática: por um lado, apela--se à democracia e à participação e, por outro, pratica-se a adesão, isto é, se se é pelo PSD, muito bem, se se não é, não serve os objectivos da lei.

O Sr. José Lemos Damião (PSD): - A resposta está aqui, neste documento elaborado para os professores!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado, gostaria de lhe lembrar que, mesmo assim, estamos disponíveis para dialogar, temos propostas concretas de alteração e de substituição que vamos apresentar para melhorar o vosso diploma, embora estando, em grande parte, em contradição com os seus aspectos essenciais.
Mas é evidente que, se não chegarmos a acordo sobre estes três aspectos essenciais e quanto à criação do conselho local de educação, o PS não dará o seu voto. Aqui é que têm de se afirmar as diferenças e isto não é uma diferença regulamentar ou formal mas, sim, uma diferença filosófica da concepção da escola e da participação das populações, dos professores e de todos os agentes envolvidos na escola.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa.

O Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa (Pedro d'Orey da Cunha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este novo decreto-lei sobre a gestão e administração dos estabelecimentos de ensino representa, de facto, uma grande evolução social no domínio da administração escolar.
Gostava, assim, de me debruçar, durante alguns momentos, sobre este princípio, porque penso que é isto que interessa à Assembleia da República, órgão que, certamente, está mais interessado em discutir os grandes pontos de política educativa do que alguns pormenores logísticos ou jurídicos.
O projecto antigo-dos reitores - era tipicamente primitivo. Tratava-se de uma administração muito autocrática, absolutista, sem lugar à participação dos docentes ou da comunidade educativa e, portanto, apenas podia funcionar no ambiente de uma sociedade bastante homogénea e ainda relativamente primitiva. Hoje em dia, não funcionaria certamente.
As sociedades primitivas passam, muitas vezes, de um extremo para o outro. Foi o que aconteceu no princípio da administração escolar, logo a seguir ao 25 de Abril. Passou--se para um sistema de democracia amorfa, no sentido de que todos faziam tudo na escola e, portanto, nada se fazia. Era a paralisação absoluta.
O regime que lhe sucedeu é muito mais sofisticado, pois já dispõe alguns elementos orgânicos, já faz uma distinção entre todos os professores e alguns que podem gerir e administrar a escola.
Ora, é precisamente neste sentido que o presente modelo vem desenvolver o que o outro começou. O regime que agora terminou tinha ainda muitos elementos de amorfismo, como, por exemplo, os de direcção, que estavam espalhados pela administração central, pelo conselho directivo e pelo conselho pedagógico, e os de execução, que estavam espalhados pelo conselho pedagógico e pelo conselho directivo.
Portanto, havia, no fundo, uma situação de indiferenciação de tarefas, de funções e de pontos de vista. O que este modelo faz é reorganizar as competências e distinguir, de acordo com as teorias de administração mais desenvolvidas, e de uma fornia muito clara, a gestão da direcção, que deve ser democrática, participativa e o mais eficiente possível.
Para podermos distinguir as duas funções destes dois órgãos concebeu-se que o órgão de direcção tem de conter, ao máximo, os elementos de participação da comunidade, razão por que não só participam os docentes mas também os pais, as entidades representativas dos interesses económico-sociais, os autarcas, todos eles. Mas, para quê? E aqui, creio, dirijo-me a uma das dificuldades da Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol. Não para intervirem no dia-a-dia da escola, não para participarem na gestão diária da escola mas, sim, para decidirem as políticas daquela escola,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... para aprovarem o projecto educativo da escola. E aí está, Sr. Deputado António Braga, o que concebemos como autonomia.
A escola tem autonomia para fazer o seu próprio projecto, o seu plano anual de actividades,...

Vozes do PSD: - Exacto!

O Orador: -... a fim de concretizar o que a comunidade educativa pretende para a escola, naquele momento. É isto o que o conselho de escola ou o conselho de área escolar faz. Quem é que apresenta este conselho? Este conselho decide sobre políticas, não é um conselho técnico! Quem é que prepara esse projecto-escola. esse plano de actividades?

Página 2717

25 DE MAIO DE 1991 2717

O Sr. António Braga (PS):-Nós sabemos!

O Orador: - Quem o prepara é, precisamente, o conselho pedagógico, onde estão representados os professores, os pais também, embora em minoria, mas-repito -onde estão representados, sobretudo, os professores. É neste conselho que começa a divisão de tarefas e o ordenamento das responsabilidades e 6 ele que deve elaborar e preparar os elementos fundamentais que irão ser apresentados à direcção.
O conselho pedagógico é, portanto, aquele onde se elabora a parte técnica da gestão pedagógica de uma escola.
Os conselhos de escola dos estabelecimentos do ensino preparatório e secundário têm uma configuração algo diferente dos conselhos da área escolar. Se calhar, o Sr. Deputado não viu, não verificou bem, que esta divisão é, de algum modo, destinada a ser dissolvida. De facto, as escolas do ensino primário têm, actualmente, uma separação bastante grande das outras escolas, além de estarem dependentes da competência dos autarcas.
O Ministério da Educação começou, no ano passado, uma experiência de integração da escola do 1.º ciclo com as escolas que têm o 2.B e o 3." ciclos-a chamada escola básica de nove anos-, que vai ser avaliada. Está contemplado neste diploma que se fará uma aplicação deste regime à nova escola básica integrada, que será certamente o modelo futuro da orgâancia da escola.
Portanto, o que se teve em vista foi a realidade presente, mas já com o impulso e o mecanismo para a transformar - e neste ponto estamos de acordo com o Partido Socialista-naquilo que pensamos dever ser uma escola básica, ou seja, onde estejam integrados os l.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino e, possivelmente, com grande vantagem, também o ensino pré-escolar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como se teve em conta a realidade, deu-se andamento ao processo, a fim de se atingir esse objectivo.
O terceiro órgão, Srs. Deputados António Braga e Lourdes Hespanhol, também fulcral nesse modelo, é o de director executivo.
Estando as competências de direcção concentradas num conselho de escola e as competências técnicas de preparação dos grandes documentos de gestão concentrados no conselho pedagógico, o que é que faz o director executivo? O director executivo executa os planos que foram preparados e aprovados. Aqui está uma distinção radical dos outros sistemas primitivos, onde o executor é aquele que prepara e que também decide. Neste caso. o executor tem de concentrar a sua competência na gestão, na articulação e na concretização dos planos apresentados.
Porém, o que também faz a riqueza deste diploma é o facto de este executor estar dependente e ser nomeado pelo conselho onde se concentra a democraticidade e a participação da comunidade.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): -Não venha com essa, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - Assim se verifica a profunda democraticidade deste sistema.

O Sr. Deputado diz que podia e devia ser sempre uma pessoa da mesma «cor política» do Governo, devo dizer-lhe que. neste caso, isso não tem qualquer fundamento porque não é o Governo que o nomeia mas, sim, o conselho de escola, onde estão representados os autarcas, os interesses económico-sociais,...

O Sr. Luís Roque (PCP): - É uma política de funil!

O Sr. António Braga (PS): - É uma especulação legítima!

O Orador: -... os professores e os pais, enfim, a comunidade local. Logo, passar daqui para qualquer outra conclusão é, creio eu, abusivo neste ponto.
No entanto, o que me parece importante para a sociedade portuguesa e para esta Assembleia é verificar que o que se pretende, cada vez mais, é conceder às escolas recursos humanos, técnicas e competências de gestão diária. E é por isso que este director executivo tem de ter, como um dos requisitos, formação em gestão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A gestão das escolas não é do tipo político, uma vez que esta será feita pelo conselho de escola. A gestão é uma questão de eficiência, de competência de articulação, de competência na harmonização das várias forças, das várias tarefas e das várias competências que a escola representa.
É, portanto, um esquema moderno, que, no fundo, se tivermos um pouco de atenção, reflecte o desenvolvimento da nossa própria sociedade, que tem uma Assembleia da República para decidir sobre as políticas da Nação, um Governo para executá-las e uma série de conselhos técnicos para preparar as decisões.

Protestos do PCP.

Portanto, seguindo esta linha de desenvolvimento, o diploma, apresentado pelo Governo com todo o orgulho, é o aprofundamento da nossa democracia, passe a condescendência metaforicamente religiosa do Sr. Deputado Carlos Braga.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): - Esteve a falar de escolas ou de hipermercados?!...

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - A Mesa informa a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Lemos, Narana Coissoró, que dispõem de tempo, e António Braga, em tempo cedido pelo PRD.

O Sr. António Braga (PS): -Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, solicito, nos termos regimentais, uma interrupção dos trabalhos parlamentares por IS minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, embora seja prática formular os pedidos de esclarecimento logo a seguir à intervenção, segundo o Regimento, tenho de submeter a sua solicitação à deliberação da Câmara.

Pausa.

Página 2718

I SÉRIE -NÚMERO 83 2718

Visto não haver qualquer objecção, é concedida. Está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão. Eram 12 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, antes de prosseguirmos os nossos trabalhos e dado o adiantado da hora, quero lembrar a Câmara de que temos ainda para apreciação duas propostas de resolução, embora, como foi anunciado antes da suspensão dos trabalhos, se encontrem inscritos, para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa, os Srs. Deputados Jorge Lemos, Narana Coissoró, António Braga e Lourdes Hespanhol.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, uma vez que foi a minha bancada que solicitou a interrupção dos trabalhos, interrupção que ultrapassou em muito o tempo inicialmente previsto, devo dizer que, para facilitar os trabalhos, o PS está a fazer uma diligência no sentido de saber se há consenso na transferência do debate das duas propostas de resolução, agendadas para hoje, para a ordem do dia da reunião da próxima terça-feira.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Braga, há um pequeno problema. A ordem do dia da reunião de terça-feira já se encontra sobrecarregada, pelo que vejo alguma dificuldade em introduzir mais um ponto.
Por outro lado, em minha opinião, a discussão desta matéria deverá ser rápida.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, embora se trate de duas propostas de resolução, são sobre matéria igual, que é, segundo penso, pacífica. Daí que, dado o avançado da hora, também eu, naturalmente, secundo a proposta apresentada pelo PS, no sentido de, se for possível, porque são matérias muito fáceis de resolver e se houver consenso, passar a sua discussão para a primeira parte da ordem dia da reunião da próxima terça-feira.

O Sr. Presidente: - Ó Srs. Deputados, antes de mais, informo que já foi agendado mais um ponto à ordem do dia da reunião da próxima terça-feira, o que foi comunicado a todos os grupos parlamentares.
Logo, só prevejo uma situação possível: a de que acordemos em fazer um período de antes da ordem do dia curto, mas mesmo muito breve.
Em todo o caso, julgo que a melhor das soluções seria acabarmos a discussão total dos trabalhos agendados para hoje.

O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, pretendia também pronunciar-me sobre este assunto para salientar que, como é evidente, em princípio, estamos sempre abertos para resolver os problemas que possam surgir aqui, no Plenário, mas não nos parece que seja necessário ou justo continuar a discussão deste diploma na próxima terça-feira. Não é necessário porque esta discussão exige já muito pouco tempo - como V. Ex." disse são apenas concedidos cinco minutos a cada bancada - e também não é justo porque este atraso foi precisamente provocado pelos colegas que, neste momento, requerem o adiamento.
Deste modo, não me parece estar perante um requerimento de equidade, pois não infere que nós, que estivemos à espera, sejamos agora forçados a interromper os trabalhos para continuar na terça-feira, até porque o prolongamento hoje será muito curto.
E esta a nossa opinião, Sr. Presidente.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer que, em minha opinião, o período de antes da ordem do dia da próxima terça-feira não irá ser muito curto, uma vez que é dedicado a declarações políticas. O PCP já está inscrito para fazer uma declaração política e suponho que acontecerá o mesmo com a maior parte dos partidos, pelo que não podemos, desde já, concluir que o período de antes da ordem do dia da próxima terça-feira será curto.
Com efeito, penso que poderemos considerar a ideia apresentada pelo PS, mas não nessa base.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em face do que já foi dito, a Mesa entende que devemos continuar com os trabalhos agendados para hoje, até porque já não irão prolongar-se por muito tempo.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, uma vez que a discussão da matéria em causa não absorverá já muito tempo - parece-me até ser bastante rápida -, pois trata-se de uma matéria de consenso necessário entre todas as forças políticas, não vejo que haja qualquer vantagem em adiá-la para a próxima semana.
Por outro lado, queria lembrar a V. Ex.ª que, de acordo com as alterações ao Regimento, parece-me que esta interrupção foi manifestamente contra os novos preceitos regimentais, pelo que não deveria ter ocorrido.
De qualquer maneira, o Governo está aqui representado e seria conveniente concluirmos os trabalhos agendados para a sessão de hoje.

Página 2719

25 DE MAIO DE 1991 2719

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado Adjunto dos Assuntos Parlamentares, vamos prosseguir com os nossos trabalhos e concluí-los. Em todo o caso, devo esclarecer V. Ex.ª de que, em face das alterações do Regimento, a Mesa teve o cuidado de se certificar de que a interrupção solicitada não feria os novos preceitos regimentais, além de que eu próprio questionei, expressamente, a Câmara no sentido de saber se havia alguma oposição. Como ninguém se manifestou contra a interrupção, a Mesa entendeu que havia consenso.
No entanto, há um aspecto que aproveito para referir e que se prende com o tempo das interrupções. Frequentemente, os Srs. Deputados solicitam interrupções por 15, 20 ou 30 minutos e depois excedem em muito o tempo solicitado. A Mesa entende que isto tem de deixar de acontecer.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa, tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa, começo por confessar-lhe que folgo muito em vê-lo nesta Casa, debatendo a problemática da gestão escolar, e que só lamento não ter sido possível ver V. Ex.ª ou o Ministro da Educação a debater este problema, mas antes de o decreto-lei ter sido unilateralmente aprovado.
V. Ex.ª quiseram fazer um «parto secreto», mas nasceu-lhes um menino muito feio, que tem alguns problemas sobre os quais eu gostaria de ouvir a sua opinião.
Primeiro problema: para haver a substituição da legislação em vigor em matéria tão sensível como é esta da gestão escolar deveria ter sido feita uma avaliação do modelo em vigor. Assim, pergunto ao Sr. Secretário de Estado se está em condições de me indicar os elementos e as entidades que terão feito o levantamento e a avaliação do modelo, que V. Ex.ª referiu como um «modelo de certo amorfismo».
Uma segunda questão prende-se com as condições de aplicação do novo regime. Lendo o decreto-lei, verifico que tudo ou quase tudo o que o diploma determina está sujeito a posterior regulamentação governamental.
Gostaria, então, de saber se V. Ex.ª me poderia dizer quais os prazos e em que termos se prevê a regulamentação prevista no artigo 49.º
Uma terceira questão prende-se com a instabilidade normativa que este decreto-lei veio instaurar, ou seja, os senhores aprovaram um novo modelo de gestão, mas na prática mantém-se a funcionar, na generalidade das escolas do País, o modelo em vigor, o tal que o Sr. Secretário de Estado referiu como sendo um «modelo amorfo», isto é, ainda com um certo amorfismo.
Pergunto, então, se esta será a melhor maneira de legislar, ou seja, alterar regras para, no essencial, manter - não se sabe por quanto tempo - o que já existe, pois o que os senhores dizem no decreto-lei é que, à medida que ele for sendo aplicado, vai sendo revogado o anterior.
Ora, isto é uma situação um pouco esquisita, pois nem sequer é uma situação de experiência pedagógica, porque a experiência pedagógica efectua-se, avalia-se e depois generaliza-se ou não. Portanto, este vosso decreto-lei é uma experiência pedagógica constante que vai ser avaliada, pelo que gostaria de saber também o que pensam fazer relativamente a este artigo 48.º...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - O CDS cedeu-me algum tempo, mas termino já, Sr. Presidente.

Gostaria também de saber por que é que, neste decreto-lei, em concreto, os senhores alteram a filosofia que presidiu à elaboração de diplomas tão importantes como a autonomia das universidades e dos institutos politécnicos, o que leva a concluir que consideram dois tipos de capacidade profissional. Com efeito, para os institutos politécnicos e para as universidades, entenderam que os diferentes corpos académicos tinham condições para escolher, seja o reitor da universidade, seja o presidente do instituto. Neste caso, consideram que os professores da escola não reúnem condições para exercer um determinado cargo, o de director executivo.
Creio que o problema poderia ter sido resolvido de outra maneira!... Não estou contra a responsabilização pessoal pela gestão de um profissional. Mas não é essa a questão, pois posso até dizer-lhe - e creio que estará de acordo comigo - que muitos dos problemas da gestão escolar não têm decorrido tanto do modo como os conselhos directivos vão exercendo as suas funções mas da incorrecção e da instabilidade que decorrem das orientações emanadas das diferentes secretarias de Estado. Citar-lhe-ia, a propósito, o que se passou com os vencimentos dos professores, em que, em menos de três ou quatro dias, foram emitidas várias circulares contraditórias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já atingiu os cinco minutos, queira terminar.

O Orador: - É só uma última pergunta, Sr. Presidente.

Fala-se ainda na aproximação «escola-mãe», mas, na prática, o vosso modelo pode conduzir a que o director executivo da escola não tenha nada a ver com escola em causa.
Finalmente, uma última questão prende-se com a responsabilidade pedagógica. Gostaria de ver mais clarificada esta questão, porquanto, sendo o conselho pedagógico apenas um conselho que aprova pareceres ou propostas genéricas, acaba por ser o director executivo que tem toda a responsabilidade pedagógica na escola.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Secretário de Estado, em face de um conceito referido por V. Ex.1, que me «feriu o ouvido» não posso deixar de colocar-lhe uma questão.
Com efeito, V. Ex.ª, referindo-se a Portugal, e para mostrar a evolução do conceito de gestão escolar, falou em «sociedade primitiva». Ora, quer eu quer o Sr. Deputado Adriano Moreira, que aqui estava ao meu lado, interrogámo-nos sobre a que sociedade primitiva se queria referir V. Ex.ª O Sr. Secretário de Estado considera que Portugal é uma sociedade primitiva?
No âmbito da Sociologia e da Antropologia sabemos o que é uma sociedade primitiva: é uma sociedade iletrada, de subsistência, que não tem moeda e que vive dos seus parcos recursos, tem forte sistema familiar e organização política correspondente, etc. - julgava eu. Sabemos, portanto, que Portugal não é uma sociedade primitiva.
Em termos políticos, também penso que não podemos ser considerados como uma sociedade primitiva. Mas, segundo parece, nas «ciências da educação», em que V. Ex.ª é Mestre, ou em qualquer ciência especial, que

Página 2720

I SÉRIE -NÚMERO 83 2720

V. Ex.ª cultive, deve haver um conceito especial de sociedade primitiva em que nós fomos transformados de um momento para o outro. Gostaria de saber, então, até para que fique registado no Diário, por que é que somos tão «primitivos».

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga, que para o efeito dispõe de tempo cedido pelo PRD.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Secretário de Estado, ouvimos a sua explanação sobre o decreto-lei em causa e devo confessar que, apesar de tudo, verifico uma grande assimilação do conteúdo do parecer do Conselho Nacional de Educação e, nessa medida, também quero aproveitar para prestar a minha homenagem a esse parecer, uma vez que o projecto primitivo - e agora a palavra primitivo talvez fique melhor aplicada a esse projecto - era totalmente inadequado, não só à sociedade portuguesa como, inclusivamente, à Constituição da República, como V. Ex.ª bem sabe.
De qualquer modo, aquilo que aqui nos veio explicar prova as diferenças fundamentais que temos em relação à filosofia que está subjacente ao decreto-lei.
Estamos de acordo em que a gestão deve ser separada da direcção - e isso também consta do nosso projecto de lei - mas, no concreto, quanto à aplicação prática da gestão no quotidiano, aquela que os senhores atribuem à gestão de um profissional de gestão, discordamos profundamente.
Contudo, o Sr. Secretário de Estado não explicou convenientemente algumas ausências. Por exemplo, a criação de um órgão que localmente oriente e coordene todos os recursos e equipamentos existentes, o que, aliás, é recomendado pelo próprio Conselho Nacional de Educação.
De facto, o Sr. Secretário de Estado passou por cima dessa questão e não a esclareceu, pelo que gostaria de conhecer a sua opinião sobre isso.
Em relação à outra questão que coloquei e que, inicialmente, o Sr. Secretário de Estado teria tido vontade de abordar, mas acabou por não fazê-lo. Em nossa opinião, trata-se de o Governo retomar, formalmente, uma separação entre os diferentes sectores de ensino. Ora, sinceramente, devo dizer-lhe que este governo não tem desculpa para tal porque não é há 2, nem há 4, nem sequer há 10 anos que está a tutelar o sector da educação em Portugal. É que, sistematicamente, sempre que é confrontado com esta questão de dizermos que se verificam alguns recuos em matéria de organização do sistema educativo, o Governo apela-nos ao sonho, dizendo que «isso há-de ser resolvido, progressivamente; que vamos fazer isso no futuro; e que isso vai ser regulamentado». Ora, a altura ideal para fazê-lo é no decurso da reforma educativa.
Assim, gostaria de saber se o Sr. Secretário de Estado concorda ou não que a separação formal estabelecida no decreto-lei entre os vários sectores de ensino vai contribuir para que se agravem as diferenças e os cortes afectivos programáticos e curriculares, impedindo, portanto, a continuidade, o mais possível regular, e a ligação entre os vários sectores de ensino.
Em relação aos três vectores essenciais do diploma, o nosso desacordo é total e saudável em democracia, pelo que também quero deixá-lo bem expresso.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr." Deputada Lourdes Hespanhol, que irá utilizar tempo cedido pelo PRD.
A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Secretário de Estado, já sei que o Ministério da Educação não procedeu à avaliação do anterior modelo de gestão, tanto mais que muitas perguntas têm sido feitas aos conselhos directivos. No entanto, a sistematização das respostas não existe nem é consultável.
Assim, gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado como é que o director executivo, o tal executor - palavra, aliás, um pouco «complicada» -, pode executar bem aquilo em cuja discussão não participou. Isto é, como é que o referido director pode executar e fazer executar planos em cuja elaboração não participa?
O Sr. Secretário de Estado parece estar espantado com esta minha dúvida mas esquece-se de que, em sede do conselho pedagógico, o director executivo não participa na elaboração destas propostas. Portanto, na prática, algo ficará «pendurado» em relação ao que está destinado ao director executivo.
Tenho, ainda, uma outra questão a colocar-lhe.
Este modelo que os senhores preconizam e defendem contempla todas as escolas do País ou só algumas? Contempla todas as comunidades escolares do País, atendendo às respectivas diversidades e assimetrias, ou não?
Pergunto isto porque, se relativamente a uma escola temos todos estes órgãos que aqui são apontados, é-me complicado pensar na sua ligação com a comunidade, não havendo nunca um órgão que coordene a cavidade inter-escolas, por forma a que o «produto final» seja, realmente, um factor educativo em que toda a comunidade participa, mas de forma organizada. Portanto, vejo um sistema espartilhado no qual cada escola não se relaciona com a vizinha.
Claro que o Sr. Secretário de Estado perceberá bem que não me refiro às escolas pequenas, que tom conselhos escolares para ajudar, mas às que já são de média dimensão, relativamente às quais me parece muito complicado que, não havendo um elemento coordenador, possa, efectivamente, falar-se de uma verdadeira vivência democrática e participada da comunidade escolar em âmbito mais alargado.

O Sr. Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa.

O Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa: - Muito rapidamente, tentarei responder a todas as perguntas que me foram colocadas pelos vários Srs. Deputados, mas gostaria de começar pelo reparo feito pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.

Sr. Deputado, é óbvio que a sociedade portuguesa não é uma «sociedade primitiva», rigorosamente falando. De facto, não era a isso que me referia mas, sim, a formas mais ou menos primitivas de organização social.
Creio que todos podemos concordar em que, por exemplo, durante o Estado Novo, havia muitos elementos da organização social da nossa sociedade que eram bastante primitivos...

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Eu não concordo com isso.

O Orador: -... e que, talvez por isso, é que não foram eficientes no sentido de desenvolver o nosso país, porque já não correspondiam a um desenvolvimento pessoal dos indivíduos. Portanto, era simplesmente a isso que me referia. No caso de um regime totalmente autocrático de

Página 2721

25 DE MAIO DE 1991 2721

uma pequena sociedade como é a escola, creio que se trata de uma organização primitiva.
Repito que foi só nesse sentido que utilizei a palavra primitiva e não, evidentemente, no seu sentido etimológico.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - V. Ex.ª diz que toda a gente concorda, mas é bom que fique registado no Diário que eu não concordo!

O Orador:-Passo, agora, aos outros pontos que foram levantados.
Em primeiro lugar, este não é um decreto-lei que, de repente, tenha saído da cabeça dos membros do Governo. Assim, tanto quanto possível, enumerarei os passos dados no sentido da sua elaboração.
Em primeiro lugar, tudo começou, de facto, por um projecto de investigação empírica sobre a gestão escolar conduzido pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério. Depois, em 1987, no âmbito da Comissão da Reforma do Sistema Educativo, houve inúmeros trabalhos teóricos sobre modelos de gestão que foram debatidos extensivamente na comunidade educativa, todos eles em grande parte promovidos pêlos professores da Universidade do Minho. No seguimento desses trabalhos, foram apresentadas várias propostas. Ora, foi com base nessas propostas e nesses trabalhos teóricos que, posteriormente, se foi desenvolvendo este projecto, que foi submetido a vários testes de conselhos directivos e directores de escolas, a inúmeros debates nas escolas, ato, finalmente, ser apresentado em Conselho de Ministros.
Portanto, houve uma avaliação empírica, houve estudos teóricos, houve debates sobre estes, houve, depois, debates com os próprios professores e os conselhos directivos. Na verdade, trata-se de um projecto que teve uma história muito complexa, muito variada...
Ah!..., esqueci-me de dizer que o modelo último deste projecto conseguiu ter a aprovação de, pelo menos, três eminentes constitucionalistas, que sobre ele se debruçaram e elaboraram um parecer!

O Sr. António Braga (PS): - Então e não diz nada sobre o Conselho Nacional de Educação?

O Orador:-Repito, pois, que se trata de um diploma que foi elaborado com imenso cuidado, com imensa participação e com suficientes fundamentos, tanto empíricos como teóricos.
Quanto as condições de aplicação, na verdade - não só em relação a este decreto-lei mas também a outros sobre a reforma educativa -. estamos perante um facto bastante novo na legislação portuguesa. Este não é o primeiro caso em que se aprova um decreto-lei e em que essa legislação, embora aprovada, ainda contém elementos de experimentação e indução para um eventual aperfeiçoamento. Ou seja, o decreto-lei foi aprovado e, agora, é submetido a uma implantação progressiva, com um conselho de acompanhamento, dispondo de um prazo de três anos, para, de acordo com essa experimentação, ainda poder vir a ser melhorado.
Esta é, de facto, uma figura nova, mas que revela um imenso respeito pela realidade. Por isso, trata-se de uma inovação que julgo ser muito bem-vinda ao sistema legislativo português.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maio.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Vaz Freixo.

O Sr. Manuel Vaz Freixo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volvidos menos de 30 dias, eis de novo em debate neste Hemiciclo a problemática da gestão escolar.
Então, apreciaram-se os projectos da oposição que mereceram, por parte desta Assembleia, completa reprovação.

O Sr. António Braga (PS): -Foi mal!

O Orador: - Reprovação essa por, na oportunidade, o Governo já ler aprovado um diploma sobre a matéria mas reprovação, fundamentalmente, por os referidos projectos de lei não concretizarem os princípios que. em nosso entender, são fundamentais para a escola portuguesa e que, na oportunidade, tivemos ocasião de salientar em intervenção feita desta tribuna.
O PCP e o PS, então, apresentaram soluções velhas para problemas novos.

O Sr. António Braga (PS): -Não é verdade!

O Orador: - Desta feita, a requerimento do PCP, discute-se a ratificação do Decreto-Lei n.º 172/91. de 10 de Maio. que aprova o regime jurídico de direcção, administração e gestão escolar.
Torna-se óbvio que o PCP requereu a ratificação em apreço unicamente por razoes de mera estratégia política, tendo em vista dar uma achega na agitação das escolas, em final de ano lectivo.

O Sr. António Braga (PS): - E quanto ao PS?

O Orador: - E tanto assim nos parece que, mesmo antes de se conhecer o texto definitivo do diploma aprovado em Conselho de Ministros, já este partido propalava «aos quatro ventos» a sua disposição de fazer baixar à Assembleia da República o diploma agora em apreço. Essa atitude era bem elucidativa dos pressupostos subjacentes ao presente pedido de ratificação, por parte do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A descentralização da administração educativa com a transferência, particularmente para a escola, de grande parte das competências cometidas à administração central, foi política assumida pelo governo do Prof. Cavaco Silva, visando dotar os estabelecimentos de ensino dos instrumentos capazes para a elaboração e realização de um projecto educativo próprio, em benefício dos alunos, com a participação de todos os intervenientes no processo educativo.
Na verdade, o Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 de Fevereiro, veio conferir à escola (entendida como entidade decisiva nos planos cultural, pedagógico, administrativo e financeiro) uma vasta autonomia.
A Lei de Bases do Sistema Educativo, em acordo com o artigo 77.º da Constituição da República, reitera o valor dos princípios da democraticidade e da participação e refere, explicitamente, a sua extensão a todos os intervenientes implicados no processo educativo. Por outro lado, a própria lei prevê a alteração dos modelos de gestão ainda vigentes de modo a satisfazerem as exigências atrás formuladas.
Foi neste quadro, e tendo em atenção a rica experiência de 15 anos de gestão, preconizada pelo Decreto-Lei

Página 2722

I SÉRIE -NÚMERO 83 2722

n.º 769-A/76 - a que não temos qualquer azedume em apelidar de gestão democrática - , que o Governo aprovou, depois de amplo debate público, o novo regime jurídico de direcção, administração e gestão escolar.
As críticas formuladas pela oposição revelam-se, pois, inconsistentes, desajeitadas e sem qualquer receptividade por parte dos «potenciais destinatários». A comprovar tal realidade suo as dezenas de solicitações ao Ministério da Educação, por parte dos actuais conselhos directivos, para a entrada em vigor do novo diploma, nos «seus» estabelecimentos de ensino.
Não se cometa a injustiça - nós não o faremos! - de afirmar que uma das motivações destes conselhos directivos é o aliciante financeiro sugerido pelo novo diploma!...

O Sr. António Braga (PS): - V. Ex.ª é que está a dizê-lo; nós não!

O Orador: - Temos a certeza de que, muito pelo contrário, isso é a resposta de quem está no terreno e reconhece que o novo diploma potência princípios desde há muito reivindicados pelos professores e restantes elementos da comunidade educativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aspectos relevantes do diploma serão, ainda, abordados pela minha colega de bancada, Maria Luísa Ferreira, pelo que vou terminar. é que urge abreviar, ainda, em virtude da manifesta falta de tempo. No entanto, sempre adiantarei que o referencial de estabilidade conferido aos órgãos de gestão pelo diploma com apreço, no quadro de um cuidado equilíbrio de poderes, é garantir bastante para que, nas nossas escolas, se concretize a grande e nobre benção da relação interactiva professor/aluno, concretizadora do processo de ensino/aprendizagem.
Assim sendo, o Grupo Parlamentar do PSD não tem qualquer dúvida em ratificar o diploma em apreço.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a S "V Deputada Maria Luísa Ferreira.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. membros do Governo, Srs. Deputados: Uma vez mais, p u T. curto espaço de tempo, vem o PCP, através de um podido de ratificação, trazer a esta Câmara as suas imensas preocupações sobre o novo regime jurídico de direcção, administração e gestão escolar.
Fá-lo esforçando-se para fazer crer a quem o ouve que quase generalidade dos destinatários do novo sistema o fizesse, por comungar das suas «preocupações».
E nem mesmo a crueza dos números tem feito suster esta atitude cega do PCP.

A Sr.ª Lurdes Hespanhol (PCP)- Eu também os disse!

A Oradora: - Mas os números falam por si e quem u ver conhecimento das expressivas votações, por c?nu'2?dora maioria, obtidas na fase de projecto do diploma, no Conselho Nacional de Educação e no Conselho Consultivo de Juventude, onde têm assento todos os parceiros interessados no processo educativo, com representação das várias correntes de opinião, poderá, assim, aperceber-se do quanto isoladas se encontram as forças que o conhesiam.
Mas, também, quem tiver assistido às acusações de inconstitucionalidade feitas pelo PCP e pôde agora verificar que, sobre a matéria, nenhuma dúvida se levantou a S. Ex.ª o Presidente da República, no acto da sua promulgação; quem tiver ouvido o PCP afirmar nesta Câmara, com a certeza própria de uma «grande e lúcida» sabedoria, que o diploma ofendia grosseiramente a Lei de Bases do Sistema Educativo e que o Governo era legalmente obrigado a apresentar uma proposta de lei, e pôde posteriormente concluir que isso não correspondia à verdade; quem, enfim, tiver estado atento a tantas e tais acusações infundadas, a tais exageros palavrosos, ao jeito de quem defende desesperadamente uma coutada em risco, poderá, por certo, constatar como o PCP, ainda hoje, faz política em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, quem tiver feito uma leitura atenta do diploma terá verificado que o novo sistema traz muitas e excelentes inovações.
Com efeito, pela primeira vez, o legislador não discrimina os primeiros níveis de ensino, como ficou já bem evidenciado em anterior intervenção, designadamente na do meu colega de bancada Manuel Vaz Freixo. É que o novo modelo estabelece um só sistema, com salvaguarda das respectivas especificidades, para todos os níveis de ensino não superior. Assim, a educação pré-escolar e o 1." ciclo do ensino básico terão, finalmente, órgãos idênticos aos dos outros níveis de ensino, com iguais responsabilidades e prerrogativas.
E a criação da unidade «área escolar» permitirá a existência de uma gestão de pendor acentuadamente pedagógico nos primeiros níveis de ensino, com o cumprimento integral da prevalência pedagógica sobre a administrativa, preceituada no n.º 3 do artigo 45.º da Lei de Bases, até ao momento sem aplicação.
Por estas e muitas outras razões, que não apontaremos agora por ser escasso o nosso tempo, há-de, seguramente, concluir-se que este é um bom modelo de gestão, adaptável à nossa realidade escolar, e que proporcionará as indispensáveis condições de estabilidade para a eficácia da escola de sucesso que todos queremos construir.
Por isso, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, lhe damos entusiástico apoio, para além daquele que o interesse nacional impõe.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Braga, pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Braga (PS): - Para uma breve interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, aproveitando o «entusiasmo» da Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira, que veio aqui descrever uma situação concreta que é o diploma em análise, desejava dizer-lhe que dessa situação, que provavelmente não se aplicará a este país, o PS também pediu a ratificação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate sobre a ratificação n.8 185/V e informo que a votação da proposta do PCP de recusa de ratificação realizar-se-á na próxima terça-feira.

Página 2723

25 DE MAIO DE 1991 2723

Sr. Deputado António Braga, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, porque referiu que iríamos votar na próxima terça-feira o requerimento de recusa de ratificação, eu desejava lembrar que o PS apresentou um conjunto de propostas de alteração e substituição sobre o mesmo assunto. Por isso, creio que baixará à respectiva Comissão. Não sei é se haverá, obviamente, tempo para que, até lá...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos ver se baixa à respectiva Comissão porque isso depende da votação de terça-feira. Aliás, se for recusada a ratificação, não baixa.
Passamos, agora, à apreciação conjunta das propostas de resolução n.º 33/V e 37/V, sobre os acordos de cooperação no domínio militar entre a República Portuguesa e as Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, respectivamente.
Para dar início ao debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional (Eugênio dos Santos Ramos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é do conhecimento de todos, a cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa é uma das vertentes da política externa do País.
Com efeito, ela tem vindo a processar-se em diferentes sectores: na área cultural, na área política, na área económica e também, naturalmente, na área da defesa e segurança.
Foi exactamente neste âmbito que o Governo Português subscreveu os acordos de cooperação militar com as Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde que estabelecem, de uma forma muito sintética, quadros de referência para cooperação, definindo três áreas privilegiadas, que são as da formação, do fornecimento de material e da prestação de serviços.
Esses mesmos acordos integram também as formas de desenvolver o enquadramento desta cooperação e a forma de acompanhá-lo: desenvolvê-lo através de programas quadro e acompanhá-lo através de análises periódicas em sede de comissões mistas.
Trata-se, portanto, de garantir o enquadramento das actividades de cooperação em matéria militar que tem vindo a ser, ao longo dos anos, objecto de decrescente actividade, embora de natureza pontual, mas que poderão passar, a partir de agora, a ser objecto de um enquadramento e de uma dinâmica que já tem vindo a ser reforçada e que se pretende continue a sê-lo.
Neste sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, são estes os acordos que o Governo traz hoje à apreciação e eventual aprovação desta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos hoje discutir e aprovar as propostas de resolução n.(tm) 33/V e 37/V, cujas matérias são dois acordos de cooperação técnica no domínio militar entre a República de Portugal e as Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
Estas duas propostas de resolução visam matéria de certa maneira sensível e, por isto mesmo, revestem-se de uma grande importância no estreitamento das relações preferenciais que lemos com estes Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Foi mesmo neste campo que se fizeram os primeiros acordos específicos que agora se alargam a novos domínios e especialidades.
Existem iodas as razões para preservar e desenvolver as relações que há cinco séculos cimentaram a convivência com os povos a quem os portugueses ligaram a sua História.
Dessa convivência, a que urge dar continuidade, deverá resultar a conjugação de esforços no sentido de tirar partido de recursos humanos e naturais, cuja complementaridade é evidente e poderá ser aproveitada com benefício mútuo, assim se contribuindo para o desenvolvimento económico, político e militar dos países envolvidos.
No entanto, este manancial de recursos têm sido mal aproveitado e a inexistência de mecanismos mínimos não permite utilizar as vantagens mútuas que deles poderiam advir.
Temos por adquirido no nosso espírito que a cooperação contém uma relação entre povos de igual valor, tendo em conta os diferentes níveis de desenvolvimento económico, cultural e militar.
A cooperação entre Portugal e estes países encerra potencialidades futuras, das quais algumas não estão sequer ensaiadas.
A cooperação nas várias vertentes passa pela criação de mecanismos operacionais capazes de apoiar e estimular a presença portuguesa nos vários ramos da cooperação.
Se assim acontecer, Portugal pode reforçar a sua situação privilegiada com estes países e contribuir, de uma maneira eficaz, para o seu desenvolvimento, o que trará, com certeza, vantagens recíprocas.
Neste campo da cooperação técnica no domínio militar tem de haver grande sensibilidade e compreensão, mais do que em qualquer outra, sendo da responsabilidade de cada Estado signatário decidir sobre o que entende serem os seus verdadeiros interesses sem com isso pôr em risco os interesses recíprocos.
Interessa, pois, aos Estados que vão assinar estes acordos aprofundar estes campos de cooperação. Entendemos que o caminho a percorrer com estes países no campo da cooperação técnica no domínio militar é longo e que importa desenvolvê-lo, intensificá-lo e mesmo alargá-lo a outras áreas, também elas importantes para o desenvolvimento destes povos, embora se reconheça que nestas áreas já há, de certa forma, o intercâmbio na formação de quadros.
Os presentes acordos estabelecem as condições de prestações mútuas de cooperação técnica no domínio militar, à qual corresponderão acções de formação pessoal, fornecimento de material e prestação de serviços.
Importa ainda salientar que nenhuma das partes deve impor à outra qualquer medida ou estratégia que não seja aquela que melhor sirva os interesses destes povos, as suas culturas, a sua soberania e os seus interesses económicos.
A cooperação técnica no domínio militar consagrada nestes acordos deve acautelar, além dos interesses e da soberania dos Estados contratantes, o seu não aproveitamento por países terceiros numa perspectiva hegemónica de reforço de blocos militares. Isto é: a cooperação técnica no domínio militar que agora vai ser assinada entre o Estado Português e as Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde deve inserir-se na via do reforço da componente da paz e do bem-estar dos povos.

Página 2724

I SÉRIE -NÚMERO 83 2724

Portugal tem de incrementar e alargar a convivência com os povos a quem estamos ligados por cinco séculos de História. Por esta razão, o meu grupo parlamentar vai votar favoravelmente estas duas propostas de resolução, estando ciente de que desta forma iremos dar o nosso contributo para o estreitamento das relações de amizade e fraternidade com estes povos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda recentemente tivemos oportunidade de tratar nesta Câmara as questões de política de cooperação externa e, assim, a possibilidade de sublinhar os aspectos mais relevantes que deveriam moldar a presença de Portugal no seu relacionamento de cooperação.
Não vamos, pois, reeditar o debate que então se realizou bastando-nos, neste momento, reanimar que a política de cooperação deverá constituir um vector fundamental da política externa portuguesa.
Assim, o reforço e o desenvolvimento da política de cooperação bilateral entre Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa são, evidentemente, uma prioridade incontestável que nunca é demais salientar.
Acções quer na área da educação, da cultura, da investigação e formação, e da saúde, quer ainda em domínios técnicos diversos constituem linhas essenciais no estreitamento da amizade entre povos. E se, para além do referido, a língua comum é uma vertente importantíssima da cooperação, também assume especial relevo a vertente da cooperação técnica no domínio militar.
É, pois, neste contexto que o PS, naturalmente, aprova as propostas de resolução n.º 33/V e 37/V sobre os acordos de cooperação técnica em domínios militares entre a República Portuguesa e as Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
A cooperação deve ser considerada matéria de relevância nacional e constituir-se, claramente, como uma importante opção do nosso país.
A matéria das resoluções que pretendem uma prestação mútua de cooperação técnica na área militar e em regime de reciprocidade inscrevem-se, afinal, na óptica de um relacionamento histórico e cultural com os países africanos lusófonos.
A própria matriz da acção conceptualiza-se na base das nossas grandes opções estratégicas, numa perspectiva clara em termos da nossa realidade geoestratégica, considerando-se a nossa posição euro-atlântica e as vertentes tradicionais do nosso relacionamento externo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode ir-se mais longe e lançar novos mecanismos para a cooperação que se deseja mais alargada e que tenha em conta os novos desenvolvimentos que se vêm a verificar em diversos campos nesse grande continente que é África.
Ao votarmos positivamente as propostas de resolução em causa queremos ainda significar o sentido de consenso nacional em matérias como estas e expressar a nossa ideia de fortalecimento nas condições de apoio à cooperação.
Enfrentamos hoje novos desafios para os quais atitudes claras e coerência de políticas são fundamentais. Para nós a cooperação, sendo um encontro com a História, é também um encontro com o futuro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Correia Afonso.

O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com as propostas de resolução n.(tm) 33/V e 37/V, o Governo vem sujeitar à aprovação desta Assembleia dois acordos de cooperação técnica no domínio militar celebrados, por um lado, pela República Portuguesa e, por outro, pelas Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
Trata-se de acordos que, na verdade, se debruçam sobre a prestação mútua de cooperação técnica no domínio militar, em regime de reciprocidade, e só quando qualquer das partes for para isso solicitada.
Entre outros aspectos, esta matéria da cooperação técnica no domínio militar deverá ser observada sob três planos, que passo a expor.
O primeiro plano é o constitucional. Entre os princípios gerais de direito internacional que vinculam o nosso país, encontra-se o da cooperação com todos os outros povos sem ingerência nos assuntos internos e, principalmente, também em termos constitucionais, com aqueles países com quem mantemos relações de amizade, especialmente, neste caso, os países africanos de língua oficial portuguesa.
O outro plano sob o qual devem ser observados estes acordos é o da política externa geral portuguesa. E, como se trata de cooperação técnica no domínio militar, socorremo-nos do conceito estratégico de defesa nacional - definido, aliás, por uma resolução do Conselho de Ministros de 198S. Podemos verificar que, no plano da política externa geral das relações internacionais de Portugal, também se inserem coerentemente estes dois acordos, porquanto têm em conta a realidade geoestratégica do País como espaço euro-atlântico e privilegiam as suas áreas tradicionais de influência, nomeadamente a cooperação económica, científica, cultural e técnica.
O terceiro plano que nos deve preocupar, e que não é possível esquecer, é, por um lado, o das relações bilaterais entre Portugal e a Guiné-Bissau e, por outro lado, entre a República Portuguesa e Cabo Verde. Sabemos que existem acordos celebrados, em 1975, com essas duas repúblicas africanas e os acordos de cooperação, cuja aprovação agora 6 solicitada à Assembleia da República, também se inserem coerentemente nessas relações bilaterais.
Portanto, tendo presentes, no nosso universo, estes três vectores - primeiro, o dos princípios gerais de política externa; segundo, o da integração no nosso conceito estratégico de defesa nacional, e, terceiro, o do relacionamento bilateral com as repúblicas africanas -, os dois acordos com a Guiné-Bissau e com Cabo Verde merecerão a aprovação da bancada do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Humberto Sertório.

O Sr. Humberto Sertório (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As propostas de resolução n.(tm) 33/V e 37/V propõem a ratificação dos acordos de cooperação técnica, no domínio militar, entre a República Portuguesa e as Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.

Página 2725

25 DE MAIO DE 1991 2725

Os presentes acordos constituem mais um passo no estreitamento e aprofundamento dos laços de amizade e cooperação entre Portugal e os PALOP na área militar.
A formação e a assistência técnica aos quadros africanos conheceram já, no passado recente, um louvável posicionamento de Portugal, designadamente através da concessão de cerca de 200 bolsas de estudo que abrangeram cursos e estágios, de duração variável, nas escolas dos três ramos das Forcas Armadas e noutros estabelecimentos e instituições de formação militar.
A ratificação destes acordos justifica-se, assim, plenamente, tanto mais que a recente abertura ao multipartidarismo, em São Tomé e Príncipe e em Cabo Verde, e as perspectivas de paz em Angola e em Moçambique permitem um novo esforço de cooperação.
Assegurar a coerência e a compatibilidade das acções como reflexo dos interesses comuns, obter uma maior rentabilidade das aplicações técnico-financeiras e, finalmente, uma maior racionalidade, equilíbrio e utilização dos meios disponíveis, são objectivos que estão, como nunca, ao nosso alcance.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PRD tem contribuído, na medida das suas possibilidades, para este esforço de cooperação e de aproximação entre os povos de Portugal e dos PALOP. Irá, por conseguinte, dar o seu assentimento às propostas de resolução em debate.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos, por hoje, os nossos trabalhos. A próxima sessão plenária, cuja ordem de trabalhos é conhecida, terá lugar na terça-feira, dia 28 de Maio, pelas 15 horas.
Chamo a vossa atenção para o facto de que será também apreciado o recurso, apresentado pelos Grupos Parlamentares do PS, do PCP, do PRD, do CDS e deputados independentes, sobre a não admissão do inquérito parlamentar n.9 22/V e de que, às 19 horas e 30 minutos, haverá votações.

Está, pois, encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Fernando Barata Rocha.
Francisco Antunes da Silva.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Jorge Lacão Costa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria de Lourdes Hespanhol.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
António José Caciro da Mota Veiga.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Pereira da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel da Silva Torres.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Mana João Godinho Antunes.
Mana Manuela Aguiar Moreira.
Mana Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.

Partido Socialista (PS):

António Domingues de Azevedo.
António José Sanches Esteves.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lei Io Ribeiro de Almeida.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Mário Manuel Cal Brandão.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Antunes Mendes.
Maria Odete Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.

Deputado independente:

Carlos Matos Chaves de Macedo.

As REDACTORAS:
Isabel Barrai
Maria Amélia Martins
Maria Leonor Ferreira.

Página 2726

DIÁRIO Da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL CASA DA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

1 - Preço de página para venda avulso, 5$; preço por linha de anúncio, 104$.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 130$OO

Páginas Relacionadas
Página 2704:
I SÉRIE -NÚMERO 83 2704 Não obstante o manifesto interesse deste quadro normativo (acresc
Página 2705:
25 DE MAIO DE 1991 2705 entrou em vigor, o que aconteceu em 1985, os sucessivos decreto
Página 2708:
I SÉRIE -NÚMERO 83 2708 Recordo, muito rapidamente, o que se passou nesta matéria.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×