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I Série - Número 86

Terça-feira, 4 de Junho de 1991

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE JUNHO DE 1991

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria A. Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 767/V a 770/V.
O PS, o PCP e o CDS interpuseram recurso da ordem do dia fixada - que foi rejeitado -, tendo usado da palavra os Srs. Deputados António Guterres (PS), Carlos Brito (PCP), Nogueira de Brito (CDS) e Fernando Cardoso Ferreira (PSD).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 200/V - Autoriza o Governo a estabelecer o regime de indemnizações às vítimas de crimes - e do projecto de lei n.º 770/V (PCP) - Aprova medidas tendentes a reforçar a protecção legal devida aos cidadãos vítimas de crimes -, sobre o que usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP, Nogueira de Brito (CDS), Isabel Espada (PRD), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Manuel da Costa Andrade (PSD), Jorge Lacão (PS) e José Magalhães (Indep.).
Foi igualmente discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 152/V - Autoriza o Governo a regulamentar a actividade cinematográfica. Intervieram, a diverso titulo, além da Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura (Natália Correia Guedes) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (Indep.), Jorge Lemos (Indep.), Alexandre Manuel (PRD), Edite Estrela (PS), António Filipe (PCP) e Carlos Lélis (PSD).
A Câmara procedeu ainda à discussão, também na generalidade, da proposta de lei n.º 191/V - Alteração à Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto (Lei de Defesa do Consumidor). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor (Macário Correia), os Srs. Deputados Ilda Figueiredo (PCP), Nogueira de Brito (CDS), José Sócrates (PS), Carlos Lilaia (PRD), José Magalhães (Indep ), João Corregedor da Fonseca (Indep.) e António José Mota Veiga (PSD).
Entretanto, havia sido aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do PS e do PRD.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 50 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Mana Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Ari indo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Cosia.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimira Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Noite.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Mana Oliveira Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Pereira Lopes.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barras.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria João Godinho Antunes.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Alberto Alexandre Vicente.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.

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Helena de Melo Torres Marques.
João António Gomes Proênça.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mola.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odrte Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Natália de Oliveira Correia.
Isabel Maria Ferreira Espada.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Deputados independentes:

António Alves Marques Júnior.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
Maria Helena Salema Roseta.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes projectos de lei: n.º 767/V - Criação da freguesia de Feijó, no município de Almada -, apresentado pelo Sr. Deputado José Manuel Maia, do PCP; n.º 768/V - Elevação da vila de Pombal à categoria de cidade -, apresentado pelo Sr. Deputado Júlio Henriques e outro, do PS; n.º 769/V - Criação da freguesia de Sabroso de Aguiar, no concelho de Vila Pouca de Aguiar -, apresentado pelo Sr. Deputado João Maria Teixeira e outros, do PSD. Estes projectos de lei baixam todos à 6.ª Comissão. Deu também entrada na mesa o projecto de lei n.º 770/V - Aprova medidas tendentes a reforçar a protecção legal devida aos cidadãos vítimas de crimes -, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete Santos e outros, do PCP, que baixa à 3.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um recurso à nossa ordem do dia de hoje, subscrito pelos Srs. Deputados António Guterres, do PS, Carlos Brito, do PCP, e Narana Coissoró, do CDS.
O primeiro orador inscrito para expor os respectivos fundamentos é o Sr. Deputado António Guterres, que tem a palavra.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estão para nós em causa os três diplomas que se encontram agendados hoje para debate (não vemos qualquer inconveniente em que cies sejam discutidos e votados em qualquer sessão que se realizar até ao termo dos nossos trabalhos), mas sim a circunstância, em nosso entender inaceitável, de se pretender encerrar os trabalhos desta sessão legislativa sem que um direito constitucional e legal dos cidadãos que a esta Assembleia se dirigem seja respeitado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De facto, na última conferencia dos representantes dos grupos parlamentares, onde foi feito o agendamento dos trabalhos desta Assembleia até ao fim da presente sessão legislativa e onde foi rejeitada, pelo PSD, a possibilidade de esses trabalhos serem prolongados, foi expressamente excluída a possibilidade de aqui discutirmos um conjunto de petições que cidadãos apresentaram a esta Câmara no uso de um pleno direito que lhes é conferido pela Constituição e que esta Câmara, de acordo com a Constituição e com a lei, é obrigada a discutir em Plenário.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Já por várias vezes aqui denunciámos o arbítrio da maioria ao espezinhar os direitos da oposição. O que está em causa, neste momento, já não são os direitos da oposição, são os direitos dos cidadãos deste país, que querem ver discutidos nesta Câmara assuntos da maior relevância pública, o que a maioria, obstinadamente, lhes nega, por pretender encerrar, de forma abrupta, os trabalhos da Assembleia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Todos sabemos o que leva a maioria a querer encerrar abruptamente os trabalhos da Assembleia! Quer fazê-lo por duas ordens de razões: em primeiro lugar, para deixar sozinho o Governo no monólogo da campanha eleitoral; em segundo lugar, porque tem pressa em mandar os seus próprios deputados para casa, por saber que um elevado número desses deputados não figurará, provavelmente, nas listas de candidatos às próximas eleições legislativas e por não querer correr o risco de ter

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aqui, nesta Câmara, conflitos com o seu próprio grupo parlamentar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas esse é um problema interno do PSD, pelo que não pode ser invocado para que um direito constitucional e legal dos cidadãos deste país seja negado.
Por isso mesmo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entenderam alguns partidos da oposição que a única forma de garantir esse direito dos cidadãos era recorrer da ordem de trabalhos de hoje, para que hoje, aqui, possamos começar a discutir as petições que cidadãos portugueses dirigiram à Assembleia da República porque, em seu entender, englobam assuntos da maior relevância nacional a cuja discussão esta Assembleia se não pode furtar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O que é particularmente grave na decisão do PSD de impedir o agendamento, na ordem do dia de hoje, de petições subscritas por mais de 1000 cidadãos e que, por isso, estão em condições de subir a Plenário, é o facto de ela ser acompanhada de uma outra decisão do PSD, que é a de encerrar, à viva força, os trabalhos da actual sessão legislativa no dia 14 de Junho. Isto equivale a dizer que, ao impedir o agendamento das petições para hoje, o que o PSD está a fazer é a impedir o agendamento do debate das petições nesta legislatura.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isso significa defraudar as expectativas que foram criadas pela Assembleia da República ao aprofundar o direito de petição na segunda revisão da Constituição e, depois, ao concretizá-lo com a aprovação da Lei n.º 43/90, que estabelece, entre outras coisas, o direito de as petições subscritas por mais de 1000 cidadãos serem apreciadas pelo Plenário da Assembleia da República e darem origem a um debate. É este direito que o PSD está a defraudar.
Na verdade, no seguimento da aprovação da Lei n.º 43/90, milhares de cidadãos dirigiram-se à Assembleia da República para provocar debates em torno de problemas que consideravam do seu maior interesse. Posso dizer que estão prontas para serem hoje discutidas, se quisermos, seis petições: a relativa ao ramal da Pampilhosa; a das consequências da política agrícola seguida na zona da reforma agrária; a da extinção da colónia; a da situação na bacia do Ave; a da privatização da Sociedade Geral de Metalomecânica e a do acesso ao ensino superior. São questões da maior importância, cuja apreciação pelo Plenário da Assembleia da República o PSD quer impedir.
O deferimento do exercício do direito prejudica, evidentemente, o exercício desse mesmo direito. Trata-se, também, de matérias de novos direitos, que apontam para a democracia participativa. A fraude que o PSD quer imprimir ao uso desse direito desencoraja, naturalmente, os cidadãos a exercê-lo.
Bem podemos dizer que milhares de cidadãos - e falo de milhares de cidadãos porque os que subscreveram as seis petições que hoje podíamos apreciar abarcam 13 600 cidadãos, que, acrescidos aos que subscreveram mais três petições que hoje foram enviadas à Mesa da Assembleia da República, somam um total de 43 600 cidadãos - sentir-se-ão hoje ludibriados por terem acreditado numa lei que o PSD não permite que sejam executada.
Na verdade, é importante dizer que a responsabilidade deste facto não cabe à Assembleia da República. Ela cabe, por inteiro, ao PSD - é isso que deve ficar aqui esclarecido - e mostra que, quando a lei está à guarda do PSD e não lhe interessa, a lei é para o PSD absolutamente letra morta. É isso que não podemos permitir.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, o artigo 55.º do Regimento, no seu n.º 4, referindo-se à fixação da ordem do dia, diz: «O recurso da decisão do Presidente que fixe a ordem do dia, é votado sem precedência de debate, podendo, todavia, o recorrente expor verbalmente os respectivos fundamentos por tempo não superior a três minutos.»
Parece-me que, nestas circunstâncias, devia apenas ter tido lugar uma única intervenção, pois, tanto quanto fui informado pela Mesa, trata-se de um recurso subscrito conjuntamente pelas bancadas do PS, do PCP e do CDS.
Pareceu-me ser ideia da Mesa abrir o debate sobre esta matéria a todos os outros grupos parlamentares. Salvo o devido respeito, Sr. Presidente, o Regimento não o permite. Penso que V. Ex.ª deve manifestar-se nesse sentido, mas não queria deixar de endereçar às bancadas recorrentes, depois de todas as considerações que fizeram, uma resposta: de facto, quem não tem política cria incidentes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Já agora devia ter falado nas petições!...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira, na última conferência dos representantes dos grupos parlamentares, quando se falou na possibilidade de utilizar as segundas-feiras para trabalho normal da Assembleia (devo dizer que até sugeri o dia 10 de Junho, para logo ter de recuar em virtude de esse dia ser feriado), foi expressamente indicado pelos líderes dos grupos parlamentares do PS, do PCP e do CDS que iriam recorrer do agendamento da sessão de hoje.
Desde logo se definiu, na eventualidade de o recurso poder merecer vencimento, qual seria a ordem de trabalhos do dia de hoje. Simplesmente - e foi esse um entendimento global da nossa troca de impressões -, em vez de serem apresentados três recursos, um pelo Grupo Parlamentar do PS, outro pelo Grupo Parlamentar do PCP e outro ainda pelo Grupo Parlamentar do CDS, achou-se que esses três recursos podiam, por economia de tempo, ser fundidos num só recurso.
Mantenho o respeito pela combinação que foi feita na conferência dos representantes dos grupos parlamentares, onde estava representado o Grupo Parlamentar do PSD. Nesse sentido, dei a palavra ao Sr. Deputado António Guterres, dei-a ao Sr. Deputado Carlos Brito e estou disponí-

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vel para dá-la ao Sr. Deputado Narana Coissoró ou a quem o possa representar, que é, neste caso, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. António Guterres (PS): - Posso fazer uma brevíssima interpelação à Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, desejo confirmar as palavras de V. Ex.ª, que correspondem rigorosamente ao que se passou na conferência de representantes dos grupos parlamentares.
A nossa política é a da defesa dos direitos dos cidadãos e por essa defesa não criaremos incidentes (não se trata de um incidente o que está em causa neste momento), mas iremos até ao fim no exercício das nossas competências e dos nossos direitos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, de acordo com o que V. Ex.ª explicou, houve a ideia de uma economia de forma e, sendo assim, em vez de três requerimentos entrava um só. Estranho 6 que essa economia não seja também acompanhada de uma economia de utilização dos tempos no Plenário. Essa e a nossa dúvida quanto a esta matéria!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pensamos que o Regimento deveria ter sido cumprido e que, como tal, deveria ter havido uma única fundamentação.
De qualquer forma, se cada um dos grupos parlamentares queria invocar razões diferentes para o mesmo recurso, então cada um deveria apresentar o seu próprio recurso. Dessa forma teriam sido apresentados três recursos diferentes.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - É evidente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, foi assim que ficou estabelecido, portanto não vale a pena continuarmos a discutir esta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, gostaria, antes de mais, de dizer que o Sr. Deputado Narana Coissoró, presidente do meu grupo parlamentar, não se encontra aqui presente por estar a representar o partido numa reunião internacional.
Entretanto, desejo dizer que creio ter sido o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira quem, quando interpelou a Mesa em nome da bancada do PSD, criou o único incidente desta nossa reunião plenária de hoje!

Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PCP: - É evidente!

O Orador: - Acrescentaria apenas que este «incidente» criado pelo Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira, a propósito do exercício de direitos legítimos pelos três grupos parlamentares recorrentes, é a prova evidente de que esta sessão legislativa deveria ser prolongada!
A matéria de que hoje vamos tratar, e que está efectivamente agendada, é da maior importância, mas também é da maior importância a matéria que tem a ver com o dar voz ao direito de petição. Tal como já foi aqui referido, aprofundámos esse direito na última revisão constitucional, e foi com grande entusiasmo que legislámos sobre ele pouco tempo depois.
É, portanto, lamentável que o simples desejo de querer conter a sessão legislativa nas suas datas rigorosamente formais, facto que o costume tem, por via de regra, ultrapassado, se traduza na preterição de direitos fundamentais, que, agora sim, são direitos fundamentais não dos deputados, mas sim dos cidadãos!

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, nos lermos do n.º 5 do artigo 89.º do Regimento todos os grupos parlamentares podem usar da palavra sobre o recurso apresentado, o que significa que o partido do Governo, o PSD, também pode usar da palavra. E nós gostaríamos muito de ouvir as justificações, as razões e os fundamentos pelos quais o PSD impede que o direito de petição seja exercido até ao fim pelos cidadãos que a ele recorreram, devendo, pois, a Assembleia da República debater as petições que lhe foram dirigidas.
Por que é que o PSD impede que esse direito possa ser exercido não só na reunião de hoje mas até na presente legislatura que está a terminar?

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Carlos Brito que o artigo 89.º refere-se, de facto, a recursos, mas o artigo que nós invocámos diz respeito a uma norma especial, isto é, aos recursos que têm a ver com a fixação da ordem do dia pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.
Compreendo que o Sr. Deputado Carlos Brito, que neste momento está um pouco «desfalcado» de alguns dos seus mais atentos juristas quanto às questões regimentais, tenha tido uma certa dificuldade nessa matéria...
Quanto ao resto, Sr. Deputado, nós não respondemos a provocações!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este recurso, interposto conjuntamente pelo PS, pelo PCP e pelo CDS.

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Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de um deputado do PRD e dos deputados independentes Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Marques Júnior e Raul Castro e a abstenção do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao primeiro ponto da nossa ordem do dia de hoje, do qual consta a apreciação conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 200/V, que autoriza o Governo a estabelecer o regime de indemnizações às vítimas de crimes, e do projecto de lei n.º 770/V (PCP), que aprova medidas tendentes a reforçar a protecção legal devida aos cidadãos vítimas de crimes.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, já decorreu o prazo de discussão pública de uma proposta de lei para alteração de diversa legislação laboral.
A Comissão já teve oportunidade de informar V. Ex.ª disso mesmo, pelo que seria de toda a conveniência, para que este processo legislativo pudesse encerrar-se, que fossem agenciadas as respectivas votações na generalidade, na especialidade e final global.

Vozes do PCP: - Vocês comprometeram-se a discutir aqui essa matéria!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar esta proposta de lei de autorização legislativa para legislar sobre a assistência a prestar pelo Estado às vítimas de crimes violentos, o Governo instala mais uma pedra fundamental na edificação do sistema penal português como um sistema penal moderno, coerente e culturalmente adequado à realidade portuguesa.
Arrancando o sistema penal português de um núcleo fundamental do cidadão enquanto pessoa, entendemos, como sempre temos entendido, que um qualquer diploma que se dirija à protecção ou à previsão jurídica da figura do delinquente não pode esquecer a vítima, do mesmo modo que um qualquer diploma que se dirija à legítima protecção da vítima não deve ser concebido numa perspectiva de contradição radical com a figura do delinquente.
É nesta postura filosófica que entendemos, como o direito penal português impõe, o homem como sendo um prius e não um posterius, e o diploma agora apresentado surge claramente nessa linha.
Quanto ao tratamento jurídico a dar ao delinquente, importa garantir a segurança e a paz social dos cidadãos, o reforço dos bens jurídicos e a sua tutela pela via do sistema penal em vigor e o conjunto de direitos fundamentais que a qualquer pessoa cumpre respeitar.
Relativamente à vítima, e também fundamental garantir o respeito pelo conjunto de direitos fundamentais que necessariamente lhe assistem, garantir a indemnização e, portanto, a reparação pelos danos que venha a sofrer em consequência do crime de que foi vítima e, por outro lado, garantir nela a eficácia do princípio constitucional da solidariedade social.
Foi em nome deste princípio de solidariedade social que o Governo concebeu o conjunto de regras que consubstanciam a proposta de lei que agora apresenta à Assembleia da República.
Na sequência da previsão do artigo 129.º do Código Penal, pretende o Governo ser autorizado a legislar no sentido de prever que uma qualquer vítima de um crime grave que atente contra a sua vida ou contra a sua integridade física, causando, neste caso, lesões corporais que provoquem uma incapacidade permanente (ou, quando incapacidade temporária, por tempo não inferior a 30 dias) se responsabilize directamente, e em respeito pelo princípio da solidariedade social referido, pela indemnização respectiva.
Assim, um delinquente que cometa um destes crimes e esteja em situação de falta de meios para poder cumprir a indemnização que sobre ele impende ou seja o sistema a estar em situação de não ter garantido a prova do agente infractor, o Estado substitui-se a este e àquele e indemniza, ainda que em parle, a vítima ou as vítimas do respectivo crime.
Optando por um sistema menos restritivo, como o alemão, e partindo sobretudo para uma concepção mais alargada, como aquela que é proposta pelo sistema francês, o Governo não se limitou a consagrar como beneficiário do novo sistema a vítima propriamente dita; foi mais longe, incluindo também na previsão aquele que contribuiu para socorrer a vítima e vindo, por via disso, também a sofrer prejuízos consideráveis e, do mesmo modo, aqueles outros que, em perseguição do criminoso, prestaram à sociedade um serviço útil que justifica também a sua indemnização pelo Estado no caso de, por essa via, terem vindo a sofrer prejuízo considerável.
Por outro lado, não pretendendo o Governo considerar-se numa posição restritiva neste domínio, deixou de lado a ideia que assenta no critério de que apenas terá direito à indemnização aquela vítima que ficar em situação material grave, para adoptar um critério mais aberto, permitindo que possa ser vítima, nestas circunstâncias de beneficiário, aquele que, em consequência do crime, sofreu perturbação considerável do seu nível de vida.
Quanto à metodologia, o Governo, partindo do princípio da solidariedade social que subjaz à política legislativa concreta e postulando exigências de celeridade e de informalidade, optou não pela concessão da indemnização pela via judicial, consagrando, portanto, no sistema processual penal o princípio que hoje trazemos à vossa consideração, optou antes por uma via de desjudicialização, inspirada, sobretudo, nas consequências positivas conhecidas do sistema luxemburgues, permitindo que seja uma comissão de composição administrativa, presidida por um juiz e funcionando junto do Ministério da Justiça, a decidir da atribuição, em cada caso, da indemnização respectiva.
Por outro lado, ainda no âmbito do Processo Penal, pretende-se com a presente autorização legislativa prever a possibilidade de o juiz, em circunstâncias especiais, poder arbitrar uma indemnização provisória, antecipando, portanto, a reparação a que a vítima, que fica em situação difícil, tem obviamente direito.
Finalmente, para prevenir circunstâncias que poderiam pôr em causa a bondade do sistema, solicita também o Governo autorização para tipificar criminalmente aquelas situações em que a prestação de informações falsas.

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dolosamente conseguidas, pudesse determinar a concessão de uma indemnização a quem a ela não tinha direito.
Este é o conjunto fundamental de princípios que desejamos ver consagrados em decreto-lei e para cuja elaboração solicitamos autorização à Assembleia da República.
Antes de terminar, gostaria de acrescentar ainda duas notas, a primeira das quais para esclarecer a razão pela qual, excepcionalmente, e pela primeira vez, a proposta de lei apresentada não é acompanhada do projecto de decreto-lei. Isso deve-se exclusivamente a pequenos acertos de pormenor ainda não concluídos mas que não se prendem com o objecto da autorização legislativa. Dou-vos como exemplo aquilo que tem a ver com a composição da própria comissão, porque, a esse respeito, há necessidade de ouvir a Ordem dos Advogados, o que ainda não foi possível fazer.
Em todo o caso, aquando do período de pedidos de esclarecimento, estarei obviamente à disposição dos Srs. Deputados para esclarecer a intenção do Governo no momento concreto de legislar em decreto-lei.
Gostaria também de referir-me ao projecto de lei apresentado pelo PCP, ainda que rapidamente, dado que o tempo urge, para salientar a importância que num tema desta natureza - que é obviamente consensual e que deve reunir-nos a todos - tem ioda a comparticipação que possa existir no sentado de melhorar aquilo que venha a ser a iniciação legislativa do Governo. Estaremos abertos a receber os contributos positivos que possam extrair-se deste projecto de lei, sem embargo, todavia, de referir que o considero, por um lado, excessivamente maximalista e, por outro, portador de concepções teoricamente discutíveis, como certamente teremos ocasião de analisar no debate que se irá seguir, e que o Governo deseja alargado, aberto, propulsionador de compromissos essenciais para que o diploma que venha a ser aprovado seja o diploma que, dada a dignidade do assunto em si, se traduza na dignidade desta Casa e na dignidade de quantos contribuíram para a sua elaboração.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Odete Santos, Nogueira de Brito e Isabel Espada.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, registei a sua abertura para acolher na proposta de lei algumas alterações.
Gostaria, entretanto, de pedir-lhe dois esclarecimentos muito breves.
Se bem percebi, esta proposta de lei abrange só o pagamento de indemnizações às vítimas de certos crimes violentos. Sendo assim, pergunto ao Sr. Ministro o seguinte: que crimes violentos são esses?
O Sr. Ministro pensa que a criação de uma comissão, com papéis a «marchar» de um lado para o outro, é um processo expedito? Não seria mais expedito ser o juiz a resolver essas questões?
A decisão do Ministro da Justiça é definitiva? Admite recurso? Como é que é?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro da Justiça, V. Ex.ª, digo-o uma vez mais, tem ao menos a vantagem de nos tratar bastante bem, coisa a que nem sempre estamos habituados por parte do Governo.
Mas o Sr. Ministro, tratando-nos bem ou não, acaba por revelar com esta proposta de lei que também estava bastante apressado. É que se trata, sem dúvida, de uma proposta feita apressadamente.
Aliás, reproduzindo casos paralelos que ultimamente aqui tom vindo, o Sr. Ministro parte do princípio de que a autorização legislativa é dada para algumas lateralidades do regime sobre o qual vai legislar e, sobre esse regime, na proposta de autorização legislativa praticamente não nos diz nada.
Com efeito, não nos esclarece, como perguntou a Sr.ª Deputada Odete Santos, quais os crimes violentos que vão dar direito ao pedido de uma indemnização provisória ou supletiva ao Ministério da Justiça; não nos esclarece em que casos é que se pode pedir a indemnização no tribunal e em que casos é que deve ser pedida ao Ministro; não nos diz, também, o que é que pode justificar a existência desta comissão, sobre cujas funções para alguma dúvida no relatório da proposta de lei, tanto mais que é também para a sua criação que V. Ex.ª vem pedir autorização, partindo do princípio de que ela também participa do exercício de funções jurisdicionais; finalmente, não nos diz o que pensa sobre o modo como uma comissão composta por três pessoas vai constituir resposta eficaz ao enorme acumular de pedidos e de requerimentos que, com certeza, para ela vão ser canalizados. A não ser que V. Ex.ª pense o contrário, isto é, que os requerimentos e pedidos vão ser dirigidos fundamentalmente ao tribunal e ao juiz da causa.
É sobre estes pomos que gostava de ouvir uma resposta esclarecedora da parte do Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Ministro da Justiça, penso que ninguém contesta que a matéria que faz parte desta proposta de lei é urgente ser legislada e é fundamental que, de facto, se criem os mecanismos que, de uma forma integrada, permitam dar apoio social e financeiro às vítimas de crimes.
Portanto, penso que a matéria em causa é incontestada e que não é posta em causa por nenhuma das bancadas.
A questão fundamental coloca-se, e já se tem colocado em relação a outros pedidos de autorização legislativa, na medida em que a Assembleia da República, mais uma vez, não tem oportunidade de se debruçar sobre a totalidade do sistema jurídico que vai cobrir esta matéria.
De resto, isto foi já avançado por outros deputados que lhe colocaram perguntas, pelo que, e porque o tempo é escasso, não avançaria mais nesse ponto.
Gostaria, contudo, de lhe colocar algumas perguntas concretas que não são objecto do pedido de autorização legislativa para, por um lado, reiterar que consideramos que uma comissão deste tipo, pelo menos à primeira vista, não vai tomar o sistema mais eficaz e mais expedito, sendo até previsível que as vítimas vejam os seus processos arrastados, ao invés do que aconteceria se fosse o próprio tribunal do processo a dispor desta competência.
Portanto, nós partilhamos desta opinião e gostaríamos que o Sr. Ministro justificasse, de forma mais clara e

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concreta, por que é que entende que, de facto, uma comissão deste tipo é mais expedita e mais eficaz.
Ainda outra questão: esta comissão instrui os processos e dá parecer e quem toma a decisão é o Ministro da Justiça. Ora, desta decisão cabe recurso? E, em caso afirmativo, para onde? É que, neste caso, pode até haver decisões ou tomadas de posição contraditórias, nomeadamente entre o parecer da comissão e a decisão do Ministro. Mas, mesmo que não haja contradição, deverá haver direito a recurso, naturalmente. E o Sr. Ministro provavelmente vai responder que se vai passar para os tribunais para, nesse caso, a vítima poder recorrer.
Então, se se tiver de voltar ao tribunal, colocaríamos a questão de saber se não seria preferível que o caso não tivesse saído de lá.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Srs. Deputados, vou tentar ser o mais rápido possível, já que o tempo, de facto, urge. E, se me permitissem, exactamente para poder dar uma resposta que abranja várias das questões que me foram colocadas, dar-vos-ia o panorama imediato daquilo que é o conjunto das soluções que decorrem do pedido de autorização legislativa e que, no fundo, são já, neste momento, a decisão do Governo quanto ao texto final do decreto-lei, embora, como é evidente, seja sempre susceptível de alterações, se for caso disso.
Há, contudo, dois aspectos fundamentais que importa esclarecer para que, a partir daí, nos possamos concentrar no mesmo tipo de objectivos.
A indemnização que o diploma vem prever não é uma indemnização que dispensa ou que é alternativa à indemnização a que a vítima tem sempre direito no âmbito do processo penal e, portanto, pela via da decisão judicial. Com efeito, ela assenta, sobretudo, em dois pressupostos fundamentais: primeiro, por permitir que, antes de terminado o processo judicial, e, portanto, antes de haver uma decisão transitada em julgado, possa haver uma antecipação da indemnização numa fase em que, no âmbito do processo, não há ainda elementos suficientes para garantir essa indemnização. Nessa altura, a comissão intervém para reparar aquelas situações mais graves e mais imediatas que, obviamente, não podem encontrar resposta por parte do sistema judiciário enquanto tal.
Por outro lado, a comissão intervém ainda nas situações em que, terminado o processo judicial, não foi descoberto o autor do respectivo crime e, por isso, não pode haver uma qualquer condenação judicial na prestação de uma qualquer indemnização. E, nessa altura, a comissão actua apenas pelo conhecimento objectivo do crime, independentemente de se vir a saber quem foi, em concreto, o agente infractor.
Portanto, não há incompatibilidade entre a intervenção da comissão e a previsão da indemnização neste decreto-lei com todo o conjunto de regras, que se mantém em vigor, referentes à garantia da responsabilidade e da indemnização por danos materiais consagradas quer na legislação civil quer na legislação processual penal. Consequentemente, uma coisa não é incompatível com a outra, nem uma coisa vem substituir a outra.
Nesta linha, poderei responder mais rapidamente e de forma mais compreensiva a várias das questões que foram colocadas.
Em primeiro lugar, justamente no âmbito daquilo que acontece na generalidade dos países e que resulta das várias recomendações e textos internacionais, os crimes que estão previstos, pelo menos por agora, e numa primeira fase, são exclusivamente os crimes de homicídio e os crimes contra as pessoas que provoquem lesões corporais graves que determinem ou uma incapacidade permanente da vítima ou uma incapacidade temporária não inferior a 30 dias.
Portanto, estas são as circunstâncias em que haverá lugar à aplicação deste diploma, tal como acontece, repito, na generalidade dos países.
E importante ler a noção de que uma previsão desta natureza tem sempre carácter excepcional e é subsidiária ou supletiva do sistema geral judiciário, que, evidentemente, repito, continua em vigor.
Justamente porque assim é, a alternativa de constituição de uma comissão com esta natureza surge claramente como capaz de responder muito mais celeremente, visto que a comissão tem competência para instruir os seus processos e fá-lo à margem daquilo que é a instrução e o desenvolvimento do respectivo processo penal.
Não se trata, repito, de uma sobreposição ao processo penal, não se trata de esperar pela decisão do processo penal. A comissão actua paralelamente ao próprio processo penal e é aí que, obviamente, se vai encontrar a sua capacidade de resposta.
Respondendo, agora, às questões colocadas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito - e creio que já lerei respondido às que foram colocadas pela Sr.ª Deputada Odete Santos -, gostaria de começar por dizer que sempre respeitei a Assembleia da República e que o meu trato para com a Assembleia da República é, creio, um traio democrático, gentil, delicado, polido, tal como deve acontecer entre órgãos de soberania.
Lembro, porém, Sr. Deputado, que, apesar de tudo, ainda estou no Governo há pouco tempo e que foi justamente aos meus colegas de Governo que perguntei qual era o estilo de tratamento a ter com a Assembleia da República. Através das indicações que recebi deles, adoptei um estilo que felizmente se compatibilizava com o meu, sem necessidade de introduzir aí qualquer alteração.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Muito bem!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Boa saída! Boa saída!

O Orador: - Respondendo ainda ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, pois quanto aos crimes já referi quais são, sobre sem que casos o tribunal ou o Ministro», esclareço que não há a alternativa sou o tribunal ou o Ministro». As situações são: o tribunal sempre e o Ministro em paralelo para situações de urgência ou para situações a seguir à intervenção do tribunal quando se não descobriu o agente da infracção.
Quanto aos problemas que referi acerca da criação da comissão, eles são simplicíssimos. Com efeito, a nossa ideia é de que será uma comissão simples, que actua desburocratizadamente, que será presidida por um juiz e terá a participação de uma figura do Ministério da Justiça, porventura um adjunto do Ministro da Justiça, e um advogado.
E é nesta perspectiva da intervenção do advogado que nós aguardamos a resposta da Ordem dos Advogados,

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motivo por que não foi ainda dada como definitiva a sua constituição.
Quanto às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Isabel Espada, creio que elas ficaram respondidas já pelas respostas anteriores.
Sobre o problema do recurso, que é comum às duas intervenções, evidentemente que a decisão do Ministro tem natureza estritamente administrativa e, portanto, o recurso é aquele que está previsto para as decisões de um ministro enquanto tal. Porém, esse recurso, como é evidente, resulta da própria natureza da comissão, da natureza do despacho do Ministro e, evidentemente, teria sempre de ser esse o recurso a introduzir aqui.
Contudo, repito - e era importante que esta ideia ficasse claramente no espírito de todas VV. Ex.ªs -, a ideia não é uma alternativa à decisão dos tribunais, mas apenas a possibilidade de acelerar uma indemnização que virá mais tarde a ser atribuída pelo tribunal, é, enfim, a possibilidade de a antecipar e de a conceder em situações em que, à face do sistema legal penal português actual, não haveria lugar a essa indemnização.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei n.º 770/V, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odeie Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção será sobre a proposta de lei do Governo e sobre o projecto de lei do PCP.
Gostaria de começar por referir que, de facto, registei as palavras cordatas do Sr. Ministro da Justiça, mas, de qualquer forma, a minha intervenção não pode ser cordata em relação à política do Governo na área da justiça. E acredito mesmo que o Sr. Ministro da Justiça, ao apresentar esta proposta de lei, não se deve ter sentido muito bem porque se exigia muito mais a um Governo que detém há sete anos a pasta da justiça acerca de uma matéria sobre a qual há várias recomendações internacionais. E esta proposta de lei é uma magra autorização legislativa.
E é mesmo, diria eu - sem que isto constitua uma ofensa -, um exemplo da leviandade com que o Governo trata questões graves e pungentes das vítimas, arrastando-se pelos corredores dos tribunais sem conhecerem exactamente o significado de um papel que lhes foi colocado nas mãos por um agente da PSP ou por um funcionário judicial, papel esse que leva a indicação de um prazo, passado o qual, as mais das vezes, já nada se poderá fazer para exercer um direito.
Essas mesmas vítimas espreitam, repetidas vezes, por um guichet onde vários funcionários se acumulam perante rimas de processos, enquanto outras vítimas são, ao mesmo tempo, sujeitas a exames médicos no meio de interrogatórios de alguns arguidos, mesmo em tribunais novos. E espreitam na mira de poder obter uma explicação sobre o papel que lhes assinala um prazo mas que, por absoluta inexistência de um serviço especialmente criado para atendimento às vítimas de crimes, apenas receberão como resposta «procure um advogado».
Se a vítima ou os seus familiares estão munidos de meios económicos, tem o seu problema resolvido. Mas se assim não for, por míngua de meios que proporcionem aos cidadãos carenciados o acesso ao direito e aos tribunais, a vítima de um crime violento ou os seus familiares verão precludido o direito à reparação graças ao infeliz sistema consagrado no actual Código de Processo Penal.
Na verdade, Sr. Presidente, Srs. Deputados, desde a entrada em vigor daquele Código, muitas vítimas deste país ficaram sem reparação: umas porque, devendo obrigatoriamente exercer o seu direito no processo penal, não o fizeram por absoluto desconhecimento da lei e ficaram impedidas, por imposição dessa mesma lei, de apresentar o pedido cível; outras porque, aguardando que o julgador lhes arbitrasse uma indemnização, tão natural lhes parecia que a reparação fizesse parte da sanção criminal, depararam-se com as formalidades, com as burocracias do processo civil e resolveram desistir, dizendo mal dos tribunais, da justiça, do sistema que os leva a aguardar mais de um ano pela satisfação de um direito que se frustra.
De facto, o actual Código de Processo Penal desprotegeu as vítimas, recriando mesmo esquemas já ultrapassados, como aquele de marcar como prazo para o exercício do direito à indemnização o quinto dia posterior à notificação do despacho de pronúncia, ou equivalente, ao arguido. Quer dizer, a vítima fica dependente, para o exercício do seu direito, de uma notificação feita a outra pessoa, que a vítima não sabe quando vai ocorrer, só lhe restando consultar os oráculos para tentar acertar. No entanto, como no frontão do templo deste Governo não existe a frase «conhece-te a ti mesmo», porque prefere não se conhecer, o oráculo nada lhe responderá.
E isto acontece generalizadamente com aqueles cidadãos que não puderam constituir advogado, que não tom dinheiro para pagar uma simples consulta, quanto mais os honorários, com as vítimas que ficam entregues à sorte, ainda confiando, as mais das vezes, na lei em cuja mera formalidade não acreditam.
É neste contexto que o PSD, que detém a pasta da justiça há sete anos, vem apresentar uma proposta de lei que foi já sintetizada pelo Sr. Ministro e que, por isso, me dispenso de referir.
Note-se que o esquema que foi aqui referido quanto à questão da indemnização provisória leva a delongas porque a indemnização só pode ser pedida no processo penal depois de terminado o inquérito com a acusação ou depois de terminada a instrução Ora, até esse momento passam-se larguíssimos meses, às vezes mais de um ano, e, portanto, só depois de decorridos esses trâmites legais é que pode ser pedida a indemnização provisória e só depois disso é que a comissão pode pedir ao tribunal os elementos - e precisa deles - e este terá que extrair e enviar certidões, seguindo-se a reunião da comissão e a respectiva decisão.
Lembraria, a respeito de comissões, que o melhor é evitar criá-las quando se puderem aproveitar outros meios. Aliás, houve há muitos, muitos anos uma comissão para decidir das questões do apoio judiciário que alongava imensamente os processos.
Este processo não é de facto expedito. Nós sabemos os dias que demoram os processos a transitarem de uma secção para outra do mesmo tribunal e não acreditamos que este sistema seja de facto expedito, porque não é. Significará este sistema alguma desconfiança nos tribunais para arbitrarem a reparação a cargo do Estado? Ale parece que sim, mas possivelmente não será.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O quadro, esquemático, da proposta de lei não responde aos variadíssimos problemas que se colocam à generalidade das vítimas de crimes, e que vem elencados com as respectivas soluções em diversas recomendações internacionais. Muitas vezes o problema mais grave nem sequer é o da reparação de carácter económico, muitas vezes é o medo de nova vitimi-

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zação, que chega a impedir o exercício do direito de queixa. O crime de maus tratos a cônjuge, por puro receio do cometimento de novo crime, aparece nos hospitais caracterizado como queda ou acidente doméstico.
Aprendi com o Sr. Ministro da Justiça que faz bem aos discursos contar à boca de cena uma história para obter efeitos brechtianos. Só que, desta vez, a história apoiará a crítica à proposta do Governo porque é verdadeira e recente.
Sábado passado alguém, por sinal uma mulher, foi vítima, em Setúbal, de uma feroz agressão. Enquanto eu esta manhã encadeava as ideias na análise da proposta de lei chegou a mim a aflição dessa mulher que insistentemente me solicitava que providenciasse para que o arguido fosse preso. O seu maior receio era o de ser novamente vítima, e a curto prazo, precisamente por ter apresentado queixa, não era o problema económico. O problema desta mulher era o de muitas outras vítimas, e ele não é resolvido pela proposta do Governo.
Entre as recomendações internacionais citarei, porque me falia o tempo, apenas algumas afirmações e propostas relativamente às quais a proposta de lei do Governo é omissa: sem numerosos casos a intervenção apenas do sistema de justiça não chega pura reparar o prejuízo e a perturbação causadas pela infracção; é preciso organizar outros tipos de intervenção, programas e estruturas de assistência às vítimas, protecção contra a vingança do delinquente, uma ajuda médica, psicológica, social e moral, informação sobre os direitos da vítima, assistência no decurso do processo penal...».
Ora, à generalidade destas questões procuramos dar resposta com o projecto de lei que apresentamos. Este é, aliás, o quarto projecto que apresentamos nesta matéria de protecção das vítimas de crime.
Um deles está pendente na Comissão parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias e diz respeito à protecção das mulheres vítimas de violência. Aliás, registe-se que serviu para, dois dias depois de aprovado, o Sr. Secretário de Estado da Justiça, apropriando-se de uma ideia do projecto, vir para os jornais dizer que o Governo ia criar um Gabinete de Atendimento às Mulheres.
Os outros dois projectos, apresentados noutras legislaturas, abarcam uma generalidade de problemas, desde o atendimento telefónico até serviços especiais para atendimento das vítimas, aproveitando as autarquias, o Instituto de Reinserção Social e dando ao juiz do processo o direito de decidir sobre o adiantamento da indemnização e sobre a indemnização provisória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A legislatura chega ao fim, e por mais respeito que eu tenha pelo Sr. Ministro da Justiça, não posso deixar de dizer que a imagem que o cidadão retém da justiça durante este Governo é uma imagem deplorável, porque o que ficou foi o aumento das custas judiciais, o distanciamento da justiça em relação aos cidadãos, a desprotecção dos direitos dos cidadãos e o não acesso ao direito e aos tribunais. O que os cidadãos retêm deste Governo é que com ele a justiça está vendada, não por ser imparcial, mas por vergonha de não poder responder justamente aos cidadãos deste país.

Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Nogueira de Brito e Manuel da Costa Andrade.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (indep.): - Sr.ª Deputada Odete Santos, relativamente ao projecto apresentado pelo PCP, pretendia obter dois ou três esclarecimentos.
Em primeiro lugar, quando na introdução fala nas violências exercidas sobre mulheres, gostaria que esclarecesse o seguinte: no artigo 15.º, n.º 1, diz-se que só têm direito a indemnização os lesados aos quais sobreveio a morte ou incapacidade permanente, ou incapacidade total para o trabalho por mais de um mês. No entanto, como há crimes cujas consequências não são apenas estas, mas as de gravíssimas situações de carácter psíquico, moral e humano, gostava de saber o que preconiza o PCP.
Também na introdução do vosso projecto se fala do apoio social e do Instituto de Reinserção Social, mas para uma questão meramente imediatista - tanto quanto eu tive oportunidade de ter -, pelo que gostava de saber o que se prevê em relação ao acompanhamento social das pessoas vítimas dessas agressões.
Finalmente, em relação ao artigo 15.º, n.º 2, quando se diz «transitoriamente, o disposto na presente lei não será aplicável aos cidadãos com rendimento per capita do agregado familiar igual ou inferior ao montante do salário mínimo nacional» creio que deveria dizer-se «superior», pelo que gostava que esclarecesse claramente esta minha dúvida: uma pessoa que tenha um vencimento de 50 ou 60 contos por mês e que tenha sido vítima de crimes violentos não terá direito a outro tipo de apoio?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, não posso deixar de lamentar o conhecimento tardio que tivemos do vosso projecto. Ele tem um intuito extensivo em relação à proposta de lei, só que, ao não prever a possibilidade da consumição desta comissão e da concessão de uma indemnização supletiva - digamos assim - pelo Ministro da Justiça, suponho que VV. Ex.ªs ficam aquém da proposta que nos foi feita. E ficam aquém porque põem como condição para a obtenção da indemnização a atribuir pelo juiz do processo a não obtenção da reparação ou indemnização do prejuízo sofrido a cargo do responsável pelo crime. Ora, a proposta de lei, conforme nos foi esclarecido pelo Sr. Ministro, prevê precisamente a possibilidade da concessão de uma indemnização supletiva fixada pelo Ministro da Justiça para as hipóteses em que não há fixação do responsável, em que o processo crime não conduziu ao apuramento de um responsável.
Portanto, Sr.ª Deputada Odeie Santos, a protecção concedida pelo vosso projecto é, afinal de contas, de menor extensão do que aquela que nos é concedida pela proposta de lei. Estarei errado? Gostaria que me esclarecesse.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Deputada Odeie Santos, colocar-lhe-ei duas pequenas e rápidas questões.
A primeira para lhe perguntar, louvando-me do caso que V. Ex.ª erigiu em parábola, como é que na economia

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do projecto de lei do PCP a Sr.ª Deputada resolveria o problema de prender a pessoa que metia susto à vítima que veio ter com a Sr.ª Deputada? Na economia deste diploma como é que asseguraria a tranquilidade da vítima passando por cima dos direitos próprios do eventual arguido?
Em segundo lugar, não acha que o projecto de lei do PCP tem «mais olhos do que barriga» no que toca, designadamente, à celeridade? V. Ex.ª criticou a proposta de lei do Governo em nome da celeridade, louvando-se da maior celeridade do projecto de lei do PCP. Ora, parece-me que é o contrário que acontece, isto é, todo o sistema do Partido Comunista Português assenta em pressupostos de direito e de facto que, a serem tomados a sério - e eu parto do princípio que o PCP quando faz projectos de lei toma a sério as questões -, adiariam, quase interminavelmente, uma decisão ou adiariam pelo menos incomensuravelmente mais do que a proposta de lei do Governo.
Segundo o projecto de lei do PCP, para que haja a decisão em matéria de indemnização por parte do Estado é necessário - diz o artigo 15.º, n.º 1 - que a vítima faça prova de que, em resultado da prática da infracção, sobreveio a morte ou incapacidade permanente.
Sabe a Sr.ª Deputada o que é fazer esta prova em termos penalmente relevantes? Sabe a Sr.ª Deputada o conjunto de exigências, de direito e de facto, os problemas que aqui se vão colocar, as peritagens, os juízos, as controvérsias jurídicas, toda a problemática da causalidade e da imputação objectiva de ligação de resultados à acção? Sabe a Sr.ª Deputada o que é isto em termos de direito? Sabe para onde isto nos atiraria?
Se sabe, Sr.ª Deputada, há-de concordar comigo que mais fácil é a uma vítima, em situação de angústia e de carência imediata, recorrer a uma pequena comissão de três elementos e a um ministro da justiça, sendo certo que o próprio Ministro da Justiça assume aqui a responsabilidade. Se tomássemos a sério as exigências do seu projecto, Sr.ª Deputada, teríamos controvérsias jurídicas sem fim. A Sr.ª Deputada foi escolher as mais complexas e as mais difíceis controvérsias do direito. A não ser que V. Ex.ª passe por cima disto como questões sem significado jurídico, mas, como não lhe faço essa exigência, a serem tomadas a sério as exigências do projecto de lei do PCP, nunca mais lá chegaríamos. É por esse motivo que eu reafirmo que o projecto de lei do PCP tem «muitíssimos mais olhos do que barriga».

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, dir-lhe-ei que tem mais barriga do que olhos. Realmente, encheu a barriga de uma série de frases para as proferir sem ler o projecto de lei em apreço, que aliás o Sr. Deputado já deveria conhecer, porque algumas das soluções nele contidas são também preconizadas em dois outros projectos de lei.
O Sr. Deputado esqueceu-se do artigo 21.s do projecto de lei apresentado pelo PCP - e com isto respondo também ao Sr. Deputado Nogueira de Brito. Tal preceito, que fala da provisão ao requerente, diz o seguinte: «Sempre que se verifique a situação prevista no artigo anterior...» (que prevê a hipótese de os autos serem arquivados por insuficiência de indícios) s... ou sempre que as diligências de prova excedam o prazo de um mês desde o momento da apresentação do requerimento...» (o que implica uma alteração ao Código de Processo Penal), s... o juiz deferirá uma provisão ao requerente por conta do pedido». Em matéria de processo penal, o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade também é responsável por aquele sistema que deixou tantas vítimas sem qualquer indemnização. Fale o Sr. Deputado com os juizes, que trabalham na prática com o sistema, e ouça o que eles dizem acerca dele.... Isto implica - dizia eu - uma alteração no Código de Processo Penal, de modo a que antes da acusação possa ser pedida indemnização, para efeitos de adiantamento da provisão ao requerente.
Conclui-se, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que o nosso projecto de lei não é menos do que a proposta de lei, porque também prevê essa solução. O outro sistema previsto destina-se a atribuir a indemnização definitiva quando efectivamente não haja quaisquer meios de obter a indemnização do arguido.
Se o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade me diz que é assim tão difícil averiguar da incapacidade permanente ou não, tenho de lhe dizer que ou sabe muito pouco do que se passa nos tribunais ou, então, está a confessar que as perícias médico-legais se encontram num estado miserável e são feitas demoradamente. É isso o que o Sr. Deputado Costa Andrade quer dizer, ou seja, que um exame médico-legal demora assim tanto tempo, quando depois de a queixa ser apresentada na esquadra da PSP o cidadão já pode ser examinado?
«Pela boca morre o peixe», e foi o que aconteceu ao Sr. Deputado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca gostaria de dizer que as limitações que introduzimos no artigo que referiu, o qual, aliás, contém um erro, resultam de críticas que foram feitas, exactamente pelo Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, ao nosso primeiro projecto de lei, que veio dizer que poderia então haver pessoas riquíssimas a ficar com direito a indemnização por parte do Estado. Reconhecemos alguma razão a essas críticas, motivo pelo qual não posso concordar com o Sr. Ministro ao dizer que o projecto é maximalista, porque foi feito com essas cautelas. As limitações constam do projecto precisamente por causa do que referi, porque efectivamente o Estado não é tão rico assim. Neste momento o Estado é até um Estado pobre, em virtude, designadamente, das privatizações, pelo que não poderá pagar indemnizações a toda a gente. É por essa razão que introduzimos no nosso projecto as aludidas limitações.
Por fim, pensamos, em relação ao Instituto de Reinserção Social, que devem ser aproveitadas as estruturas existentes e não serem criadas novas comissões. Mas deve pelo menos haver sítios onde as vítimas de crimes possam ser atendidas e ter assistência psíquica e psicológica e não ser deixadas ao abandono.
A resposta à primeira pergunta colocada pelo Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade - perguntou como é que eu resolveria o problema da mulher que esta manhã se dirigiu a mim - tem-na o Sr. Deputado no projecto de lei, aprovado por unanimidade nesta Assembleia, relativo à protecção das mulheres vítimas de violência. Nele

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verificará que propomos a criação de centros de atendimento nos quais possam ser acolhidas durante algum tempo, até à recuperação, as mulheres maltratadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para defender a honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, quero usar da figura de defesa da honra porque a Sr.ª Deputada me deu como morto, mas eu ainda aqui estou vivo, sendo certo que a honra e uma característica dos seres vivos. A Sr.ª Deputada disse que eu morri pela boca, mas eu ainda estou vivo e, em consequência, ainda sou suporte de honra. Como só os seres vivos e humanos tem honra, penso que, como estou vivo, tenho direito à defesa da honra.
Gostaria de dizer, em primeiro lugar, que a Sr.ª Deputada não respondeu à questão que colocou e imputou-a ao projecto de lei do Partido Comunista.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Respondi-lhe agora!

O Orador: - Disse a Sr.ª Deputada, do alto da tribuna, que queria meter na prisão um perigoso agressor da sua vítima, mas agora diz que quer mandar a vítima para uma estância de tratamento. São questões completamente diferentes. A Sr.ª Deputada diz que aprovámos aqui, por unanimidade, a resposta à questão, que colocou, de meter na prisão o monstro que ameaçava a sua vítima (não sei se real ou imaginada), mas essa solução não foi aqui aprovada por nós, pelo menos sem que lhe fossem asseguradas todas as garantias de que devem usufruir todos os arguidos.
Dir-lhe-ia, em segundo lugar, que li todo o projecto apresentado pelo Partido Comunista, mas a verdade é que o seu artigo 21.º não resolve todos os problemas de direito e de facto que se suscitam em relação às exigências pressupostas no artigo 15.º Isto se a Sr.ª Deputada tomar a sério e conhecer - parto do princípio de que conhece - as questões de direito que aqui estão implicadas.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, V. Ex.ª não fez, efectivamente, uma defesa da honra; em tribunal tratar-se-ia, talvez, de um indeferimento da acusação e um arquivamento dos autos, mas não de uma defesa da honra.
Devo dizer ao Sr. Deputado que, se pela boca não morreu o peixe, está pelo menos a estrebuchar, e é visível.

Risos.

Se não morre por isso, pelo menos corre um grave risco: o de se tomar completamente surdo. O Sr. Deputado deverá saber, melhor do que eu, mas porventura não mais do que as pessoas que andam nos tribunais (já que tem opositores, quando é certo que quem está nas faculdades em princípio não os tem),...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Essa é a diferença!

A Oradora: -... que nestas coisas do direito se deve ouvir «ludinho», como dizem os brasileiros. Mas o Sr. Deputado ouviu «nadica» de nada, porque eu não disse na minha intervenção que queria a prisão do agressor...

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Disse, disse!

A Oradora: -... mas, sim, que a vítima é que estava a exigir a prisão daquele. Foi isso o que eu disse, mas o Sr. Deputado ouviu efectivamente muito mal. Respondi à pergunta que colocou e aconselhei-o a ler o nosso projecto de lei sobre a protecção das mulheres vítimas de violência, visto que não o conhece, mas que já serviu ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
Sobre o tal artigo 21.º, dir-lhe-ia, pelo que sei dos tribunais e de como as coisas se processam, que este preceito serve para adiantar mais rapidamente do que acontece na proposta de lei do Governo. Segundo a proposta de lei, é necessário haver já acusação, não podendo o adiantamento ser pedido antes da acusação.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Pode, sim!

A Oradora: - Não pode, não! O Sr. Deputado não conhece o Código de Processo Penal, que também ajudou a fazer! V. Ex.ª sabe que, de acordo com o Código de Processo Penal, a indemnização só pode ser pedida depois da acusação.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Mas isto não é uma indemnização!

A Oradora: - O nosso projecto de lei permite que, durante a fase da instrução, se as diligências de prova se prolongarem por mais de um mês, seja pedido ao Estado um adiantamento provisório da indemnização.
Entendamo-nos, Sr. Deputado: se não sabe ler nem ouvir, não sei o que é que lhe hei-de fazer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Malcriada, isso é uma falta de educação!

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr.ª Deputada Odete Santos, quero defender a consideração do meu Secretário de Estado, mas de uma forma ligeira e sem necessidade de criar um conflito.
Gostaria apenas de dizer à Sr.ª Deputada que não foi o Partido Comunista Português que descobriu o modo como se deve responder às exigências dos interesses das vítimas. É evidente que o Partido Comunista Português, como os outros partidos que existem na sociedade política portuguesa, tem informação, participação pública e empenhamento na procura das soluções. Quando o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça anuncia que estão em fase de instalação gabinetes de atendimento às mulheres vítimas de crime, não o faz por ter aprendido isto com o Partido Comunista Português, nem apenas porque o Partido

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Comunista Português apresentou um projecto de lei nesse sentido. Fá-lo, sim, porque estudámos e conhecemos as soluções e estamos a pô-las no terreno.
Felizmente que por vezes, em problemas que são nacionais, partidos de posição diferente preconizam soluções que são consensuais. Ainda bem que assim é, porque isso significa que vivemos numa democracia adulta. Não vamos é infantilizar novamente a democracia, pretendendo, no fundo, que as coisas que estão descobertas em toda a parte do mundo vão encontrar a sua autoria no final do século XX, quando elas vêm já do princípio do próprio século XIX.
Não posso, pois, aceitar que o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça tenha duo isso apenas por ter visto a participação do Partido Comunista. Houve uma convergência interessante, democraticamente de aplaudir, mas não vamos estar aqui a trabalhar em autorias no sentido de supor que apenas uns têm a verdade e os outros são meros seguidores acrílicos da verdade, que porventura não cabe, afinal, a ninguém.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, registo, sobretudo, as suas últimas palavras, que me parecem extremamente interessantes. Se tivesse sido o Sr. Ministro a fazer para os jornais as ditas declarações, teria então dito, porventura, que tinha havido essa convergência democrática na resolução de um problema e tudo teria ficado bem.
Devo dizer-lhe que o PCP não se arroga, de modo algum, esse privilégio de ter descoberto as soluções. Foi, aliás, com base em recomendações internacionais que, desde o primeiro momento, passámos a elaborar os projectos de lei. Se quer que o confesse mais publicamente do que isto, posso fazê-lo, mas, depois de um projecto de outro partido aqui ser apresentado, nunca deixaria de o referir, por respeito à verdade. Em política também há verdade e há quem saiba usar da verdade, mas da verdade inteira e não de meias verdades, enquanto outros fazem como António Aleixo, vendendo mentiras com um «fundinho» de verdade e conseguindo convencer os outros.
Talvez esta seja a última intervenção nesta Assembleia com o actual Sr. Ministro da Justiça...

Protestos da deputada do PSD Maria da Conceição Castro Pereira.

A Oradora: - Logo veremos, Sr.ª Deputada, se estaremos cá para a próxima ou não, mas terei muito gosto em vê-la cá.
Talvez esta seja a última oportunidade de ter o Sr. Ministro como interlocutor nesta Casa, mas devo dizer-lhe, quanto à sua actuação como Ministro da Justiça, que, por aquilo que conheci no Centro de Estudos Judiciários, quando, aliás, fui muito bem recebida por V. Ex.ª, esperaria que V. Ex.ª tivesse conseguido, na barreira do governo PSD, avançar mais. Constato, porém, que escolheu mal a pele para vestir. De facto, «quem não quer ser lobo não lhe veste a pele», sendo como que os resultados destes anos recairão sobre si e não apenas sobre os que lhe antecederam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que uma conclusão provavelmente provisória, embora já dos termos em que este debate tem vindo a decorrer, aponta para aquilo que poderia ter sido uma vantagem, se o Governo, em vez de ter escolhido a forma do pedido de autorização legislativa, aqui tivesse apresentado uma proposta de lei global e completa para regular o instituto da atribuição de indemnização aos cidadãos vítimas de crimes.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - Fica-nos, desde logo, uma convicção: a solução que o Governo nos apresenta é ainda uma solução mal trabalhada, não completamente definida nos seus contornos e, sobretudo, dando lugar a muitas dúvidas - algumas delas já aqui suscitadas -, que mereceriam logo, como pressuposto do debate, uma cabal explicação pelo Governo.
Todavia, tratando-se, como se trata, de matéria que se relaciona com direitos fundamentais, assim consagrados na Constituição da República Portuguesa, seria sempre de boa política que, quando se tratasse de regular o exercício de direitos fundamentais, o método não fosse o da autorização legislativa mas o de, no Parlamento, conduzir o debate até ao fim, de modo que a solução legislativa fosse sempre a mais rica possível a retirar da conclusão de um debate. Aliás, como sabemos, um debate em matéria legislativa não é apenas aquele que, como agora, se trava na generalidade, mas também, e muito, aquele que se irava na especialidade, em volta da redacção concreta das soluções legislativas, sendo justamente essa a vantagem que não iremos poder retirar do processo, tal como acabou por ser escolhido. Daí que, na ocasião, seja sobretudo ao nível das dúvidas que tenhamos de formular certos pontos de vista.
Em primeiro lugar, parece ponto assente que o pressuposto para a concessão da indemnização provisória às vítimas de certos crimes é a existência de um crime com natureza violenta. Mas estará suficientemente definida, para este efeito, a natureza do crime violento? Será que, por acaso, certo tipo de ocorrências, como aquelas que resultam, no dia-a-dia, da violação do Código da Estrada, geradoras de vítimas que tenham ficado drasticamente prejudicadas em termos de incapacidade, vão ser subsumidas a este conceito de crime violento? Ou o crime violento está relacionado com o animus do crime, com a intenção voluntária de produzir determinado efeito, e, portanto, o tipo de situações que acabei de referir irão ficar excluídas dessa possibilidade de recurso à indemnização provisória?
Eis algumas dúvidas que não vi, até ao momento, esclarecidas.
Por outro lado, a solução adoptada aponta para a criação de uma comissão, que irá funcionar como uma assessoria ao Ministro da Justiça. Portanto, o cerne do diploma não será verdadeiramente o da comissão em si mas o da competência própria atribuída ao Ministro da Justiça.
Assim, é caso para perguntar se as situações verificadas em todo o País deverão ser todas afuniladas num despacho de competência ministerial, da exclusiva competência

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do Ministro da Justiça, e se não teria sido melhor solução procurar enquadrar-se a resposta para a concessão das indemnizações noutras entidades, mais perto do funcionamento dos tribunais, porventura junto dos tribunais de círculo ou, ainda, dos tribunais da relação, embora nunca numa instância exclusiva de âmbito nacional, por isso fortemente centralizada e talvez por isso a carecer, no futuro, de uma rápida descentralização de funções, dado aquilo que se pode imaginar vir a ser uma dificuldade de processamento adequado dos pedidos que vierem a ser formulados.
No entanto, quando o Ministro da Justiça se vai assessorar numa comissão com a natureza de assessoria administrativa e vai escolher para a presidir um magistrado judicial, o que e que verdadeiramente se pretende? Sugerir a independência da comissão pela circunstância de ser presidida por um magistrado? Mas então não é óbvio que a posição da comissão não tem de ser seguida pelo Ministro da Justiça? E não estamos, nessas circunstâncias, a utilizar um magistrado apenas como capa formal, que não substantiva, para as decisões discricionárias do próprio Ministro da Justiça? Se assim é - e quero crer que assim é -, o papel futuro deste magistrado vai ser muito mais o de um assessor administrativo do Ministro da Justiça do que o ele alguém investido de funções jurisdicionais para o exercício de um cargo independente, sendo por isso que, da nossa parte, esta fórmula merece grandes reservas.
Acabamos também por verificar que a concepção de indemnização às vítimas de crimes reveste, exclusivamente, uma definição de natureza pecuniária. Não se admitiu, portanto, como possível certo tipo de apoio ou de manifestação de solidariedades, em certos procedimentos sociais admissíveis, aos cidadãos vítimas de crimes. Nestes termos, em lugar de se ter privilegiado o papel de instituições existentes, designadamente o Instituto de Reinserção Social - que, neste domínio, poderia ter um papel fulcral no apoio aos cidadãos vítimas de crimes -, verificamos que acabam por ficar completamente excluídas desse processo de entreajuda e de solidariedade. Com efeito, não se possibilitou que o Instituto de Reinserção Social alargasse a sua vocação para além do papel até agora desempenhado junto dos próprios autores de crimes e não, como seria admissível, também perante as suas vítimas.
São, por conseguinte, soluções que, podendo ter sido outras e seguramente melhores, são susceptíveis destas críticas.
Porém, também serão passíveis de uma outra crítica, consubstanciada na singular circunstância de, através deste diploma, se permitir ao Ministro da Justiça o exercício autónomo de funções de investigação. Com efeito, o Ministro da Justiça poderá vir a ter acesso a procedimentos, a documentações, a elementos constantes do processo penal - e, em si mesmo, isto representará uma excepção ao princípio do sigilo -, a elementos da administração fiscal e das instituições de crédito. Muito concretamente, o Ministro da Justiça vai poder ter acesso, se assim o entender e no exercício desta competência, às contas bancárias dos cidadãos vítimas de crimes.

O Sr. José Magalhães (indep.): - Isso é inconstitucional! Era o que faltava!

O Orador: - Esta situação é extremamente curiosa, já que vem colocar no poder administrativo de âmbito governativo situações que, até agora, eram da competência exclusiva do foro judicial.
Por isso mesmo, somos levados a concluir que as soluções apresentadas neste pedido de autorização legislativa foram, de facto, soluções não suficientemente pensadas, não testadas até ao fim nas suas implicações, designadamente de natureza constitucional.
Portanto, se o objectivo e justo, ou seja, se é um objectivo defensável e necessário - e por isso tem, como e óbvio, o nosso apoio - ressarcir vítimas que, em função da situação social precária em que se encontrarem na sequência de certos crimes, mereçam ser ressarcidas, já as modalidades escolhidas merecem da nossa parte, como acabei de verificar, grandes reservas.
Nestes termos, concluo como iniciei: melhor teria sido que o Governo ponderasse até ao Hm a natureza do instituto e nos tivesse apresentado uma proposta de lei material e não este pedido de autorização legislativa tão cheio de incertezas e dando lugar a tantas dúvidas, como se tem verificado no decurso deste debate.

Aplausos do PS e do deputado independente José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 3 de Junho de 1991, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista:

Armando António Martins Vara (círculo eleitoral de Bragança) por José Manuel Fernandes Miranda [esta substituição é solicitada nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 3 a 17 ele Junho corrente, inclusive].

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Renovador Democrático:

Rui José dos Santos Silva (círculo eleitoral de Lisboa) por Isabel Maria Costa Ferreira Espada [esta substituição é solicitada nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 18 de Maio passado a 5 de Junho corrente, inclusive, e corrige a efectuada no Relatório n.º 172 aprovado em sessão plenária da Assembleia da República em 16 de Maio de 1991.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.

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Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Alberto Monteiro de Araújo (PSD)- Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino l/enriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Batista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - João Álvaro Poças Santos (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Hermínio Paiva Fernandes Maninho (PRD) - José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Está em apreciação, Srs. Deputados.

Pausa

Não havendo inscrições, vamos proceder à votação deste relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Raul Castro e Valente Fernandes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A primeira lamentação a fazer - já foi aqui feita, embora não seja demais sublinhá-la - deve-se ao facto de esta iniciativa do Governo se ler reconduzido a um pedido de autorização legislativa.
De facto, a maioria vai ser legislada em lermos que, suponho, não exigirão uma grande abundância de normas ou um grande pormenor normativo. Portanto, penso que ela é perfeitamente adequada à legislação pela Assembleia da República e pelos deputados - efectivamente, reconheço que há que fazer essa distinção. Na verdade, quando não se trate de diplomas de grande detalhe normativo, por que não há-de ser a Assembleia a exercer essa sua função mais nobre, que é a de legislar, e por que razão não há-de legislar seguindo uma proposta do Governo?
Por outro lado, Sr. Ministro da Justiça, perdoe-me que lhe diga que V. Ex.ª apresentou aqui uma proposta legislativa com grandes deficiências. E isso e particularmente grave quando essa proposta vem subscrita pelo Ministro da Justiça, que deve ser o fiscal governamental da pureza legislativa; que deve ser, no Governo, o garante de que este legisla bem.
De qualquer modo, já sabemos que o Governo legisla mal - ca prova disto são as páginas abundantes de Diários da República com rectificações a diplomas emanados do Governo... Porém, que o Governo proponha má legislação pela pena do Ministro da Justiça, isso e grave e não poderemos deixar de o lamentar!
É que, Sr. Ministro, se não fossem os esclarecimentos que V. Ex.ª prestou hoje, oralmente, nesta Câmara e que não constam sequer do relatório da proposta (mas que constaram da sua intervenção), ficaríamos, ao ler o diploma, sem verdadeiramente conhecer o objecto e a extensão daquilo que nos é proposto. Por exemplo, ficaríamos sem saber se o tipo legal de crime previsto é apenas para a concessão, pelo juiz, da indemnização provisória, se a intervenção do Ministro da Justiça se dá também nos casos de indemnização provisória fixada pelo juiz ou se apenas para os casos de indemnização supletiva, tal como foi aqui caracterizada por V. Ex.ª, embora não figure na proposta de autorização legislativa, ou se, realmente, ambas as hipóteses se dão em ambos os casos.

O Sr. José Magalhães (indep.): - É ao contrário!

O Orador: - Da articulação dos artigos 1.º e 2.º não resulta claramente que se trata de hipóteses diversas, com contornos completamente distintos, como só V. Ex.ª os caracterizou, hoje e oralmente, perante esta Assembleia. E isto de tal modo que, tentando conceptualizar o que V. Ex.ª referiu e para arrumar um pouco as ideias, falo de indemnização provisória e de indemnização supletiva. Porventura, estarei enganado!
E é claro que são essas confusões que levam, por exemplo, alguns deputados a encarar com alguma desconfiança a intervenção do Ministério da Justiça e de uma comissão consultiva - e, Sr. Ministro, esta comissão consultiva com funções jurisdicionais levou-me a imputar-lhe enormes responsabilidades no regime indemnizatório que recentemente foi proposto à Assembleia da República (isto é um aparte, mas não posso deixar de o fazer).
Se a comissão tem funções jurisdicionais, para que atribuir o poder de decidir ao Ministro da Justiça? Se ela tem funções meramente consultivas, para quê pedir autorização à Assembleia da República para a criar? Isso só pode ser a tentativa de lançar contusão sobre esta matéria, confusão essa que não aproveita a ninguém.
Mas, Sr. Ministro da Justiça, se realmente não for devidamente esclarecido quando e que tem lugar a intervenção do Ministro e quando é que tem lugar a intervenção do Ministro para atribuir uma indemnização supletiva, fica realmente a pairar a dúvida sobre se o Ministro, por esta via, não irá ter acesso a elementos que beneficiam do segredo de justiça no processo penal e, para além deles - e aqui não nos fica a dúvida, mas a certeza -, o Ministro da Justiça vai ter efectivamente acesso a elementos de carácter fiscal, designadamente de carácter bancário, a que nunca deveria ter acesso.
Finalmente, Sr. Ministro, a questão que se coloca e também a dos crimes violentos. V. Ex.ª fez-nos aqui uma caracterização do que pensa serem crimes violentos para este efeito. Verificamos que aí há uma coincidência total com o PCP, isto é, V. Ex.ª pensa exactamente o mesmo que os subscritores da proposta do PCP - pelo menos, no esclarecimento que V. Ex.ª nos deu. É claro que, como o PCP tem prioridade nesta iniciativa, diremos que aquilo que V. Ex.ª pretende fazer não é, nesta matéria, original. E isto que se me oferece dizer quanto à proposta de lei.
Em relação ao projecto de lei do PCP, devo dizer à Sr.ª Deputada Odete Santos que fiquei rigorosamente com as mesmas dúvidas. O projecto de lei de VV. Ex.ªs é menos

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extenso do que a proposta de lei do Governo, porque o artigo 21.9 de que Tala aplica-se só, e apenas, a casos em que no processo não lenha havido acusação - pelo menos 6 isto o que resulta da letra do vosso diploma, Sr.ª Deputada Odete Santos - e não, como nos esclareceu o Sr. Ministro da Justiça, quando o processo termine depois de ler havido acusação, sem que tenha havido o apuramento de um responsável. Não 6 que haja falta de indícios - a inexistência de indícios leva a que não se formule acusação e, portanto, que não se passe da fase de inquérito, ou de instrução, para a fase de julgamento. Portanto, é realmente menos extenso, apesar de VV. Ex.ªs terem pretendido, obviamente, um diploma mais extenso.
Entendemos, no entanto, que ambas são iniciativas meritórias: atacam um problema fundamental e poderão beneficiar, porventura, de melhoramentos que, está provado, a Assembleia é capaz de introduzir, se realmente tiver oportunidade de o fazer, em sede de comissão especializada. Nesse sentido votará o CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mais uma vez teremos de criticar o Governo por ter apresentado uma autorização legislativa, ao invés de uma proposta de lei ou, mesmo, de anexar à proposta de lei o anteprojecto de decreto-lei.
O Governo, no próprio preâmbulo do pedido de autorização legislativa, escuda-se no argumento de que só parte do objecto da futura legislação é matéria da competência da Assembleia da República e que, por isso, não cabe a este pedido de autorização legislativa outras matérias. No entanto, é preciso lamentar que este debate surja à partida viciado, na medida em que o Governo - ao contrário do PCP, que, nesta matéria, leve outro procedimento - não proporciona à Assembleia da República a totalidade do sistema que deverá vigorar, impedindo assim um debate mais aprofundado e completo. Por exemplo, não sabemos como pretende o Governo ver assegurada, em termos financeiros, a indemnização a vítimas de crimes, nem a entidade nem a forma como será garantida a prestação do seguro social. Ao contrário, o projecto de lei do PCP cria um fundo de garantia, gerido em conta especial no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
Estamos de acordo com os objectivos do diploma do Governo, bem como com os objectivos do projecto de lei do PCP. Impunha-se, há muito tempo, pôr em prática a previsão do artigo 129.º do Código Penal. As vítimas são tratadas, desde há muito, como elementos menores dos objectivos prosseguidos pelas políticas criminais, tanto ao nível da definição dos crimes como ao nível da sua penalização. De facto, até recentemente, as preocupações incidiam essencialmente numa perspectiva que, sendo eminentemente social, procurava a recuperação do delinquente para a sociedade. Todas as atenções e, por consequência, os meios, ainda que escassos, são utilizados na recuperação e reintegração dos delinquentes. Nesta dinâmica, a situação da vítima tem sido subalternizada quando, no entanto, foi ela que sentiu em concreto e directamente a agressão que, no fundo, é dirigida aos valores e regras da sociedade.
Urge, portanto, inverter claramente esta situação, através de legislação que, de uma forma integrada, estabeleça esquemas de apoio social e financeiro que compensem os danos morais, físicos e económicos sofridos peia vítima da agressão.
Nesta perspectiva, o PCP dá uma resposta mais integrada, na medida em que mesmo o apoio à vítima, no momento que segue imediato à agressão, é previsto, através da instituição de gabinetes SOS e da criação de serviços para atendimento directo à vítima de crimes, bem como o regime de incentivo à criação e funcionamento de associações com fins de defesa e protecção das vítimas de crimes.
Ao invés, a proposta do Governo, pelo que nos foi apresentado, é extremamente limitada, na medida em que se reduz à garantia financeira por parte do Estado das indemnizações que não puderem ser realizadas pelo autor do crime.
Mesmo em relação a esta previsão, fica-se com a ideia, após a leitura do articulado da proposta de lei, de que o Governo está tanto ou mais preocupado com a não atribuição de indemnizações indevidas do que com o apoio às vítimas, pois que prevê, em primeiro lugar, a criação de um tipo legal de crime que permite punir os requerentes de indemnização que prestem informações falsas ou inexactas. Pelo menos é assim que surge no articulado da lei. Aliás, em relação ao articulado e à forma como ele está apresentado haveria que fazer algumas críticas, que são de ordem formal mas extremamente graves, principalmente porque provêm do Ministério da Justiça. Nomeadamente, na nossa opinião, o artigo 3.º deveria ser obviamente o artigo 1.º do pedido de autorização legislativa.
Quanto ao processo de atribuição das indemnizações e às entidades com competência para decidir sobre as mesmas, os diplomas divergem substancialmente.
No projecto de lei do PCP, na sequência dos n.ºs 2 e 3 do artigo 129.º do Código Penal, é perante o tribunal que o lesado requer a indemnização e é o tribunal a decidir da sua atribuição.
Em contrapartida, a proposta de lei do Governo apresenta uma filosofia diferente, que conduz à criação de uma comissão específica para instruir e dar parecer sobre os pedidos de indemnização, cabendo a decisão não ao tribunal mas ao Ministro da Justiça.
O Governo fundamenta esta proposta no facto de o tribunal nunca ter tido, pelo menos até agora, poder para atribuir ao lesado uma indemnização propriamente dito, nos termos do n.º 1 do artigo 129.º do Código Penal, mas tão-somente «os objectos perdidos ou o produto da sua venda, o preço ou o valor correspondente a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor, nos termos do n.º 2, e, em casos especiais, o montante da multa».
Entre as duas opções preferimos claramente a primeira. Na verdade, não faz muito sentido atribuir a outra entidade uma decisão que não seja o próprio tribunal a julgar. O sistema proposto pelo Governo poderá suscitar ainda mais dificuldades às vítimas na obtenção da indemnização, porque terão de fundamentar o seu pedido perante uma entidade que não acompanhou o processo que deu origem ao pedido de indemnização. Não faz sentido atribuir competências de investigação à comissão, mesmo em relação ao processo penal subjacente, quando o tribunal tem, por conhecimento próprio e por prerrogativas legais, muito melhores condições para as realizar. Esta previsão é perigosa, inclusivamente do ponto de vista da garantia dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, na medida em que, por exemplo, em relação às instituições de crédito,

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estaremos a permitir que uma comissão administrativa - e indirectamente o ministro - tenha acesso a elementos e informações cobertos pelo segredo bancário.
Em resumo, a proposta de lei do Governo não torna mais célere o processo de atribuição, antes o torna burocrático, não dá mais garantias de imparcialidade e de objectividade e até poderá pôr em risco direitos e liberdades fundamentais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entendemos que esta matéria deveria ler sido objecto, na Assembleia da República, de um debate mais aprofundado, nomeadamente através da entrega por parte do Governo dos elementos imprescindíveis a uma cabal avaliação daquilo que o Governo pretende, de facto, relativamente a esta matéria.
Por outro lado, a opção feita pelo Governo impede que exista uma discussão na especialidade, o que teria seguramente resultados mais ricos ao nível da legislação subsequente e permitiria, naturalmente, a integração de alguns aspectos, que consideramos positivos, nas propostas alternativas apresentadas.
As reservas que manifestámos na intervenção que produzimos e que também foram consubstanciadas nas dúvidas que colocámos ao Sr. Ministro não se dissiparam após este debate e consideramos que as soluções apresentadas não foram suficientemente pensadas nem assumidas, como, de resto, o próprio Sr. Ministro da Justiça reconheceu, ao fazer a sua intervenção inicial.
Ficou claro neste debate que, estando esta matéria ainda em discussão e em consulta pública (nomeadamente junto da Ordem dos Advogados), em relação a algumas matérias - que, no entanto, são as tais matérias que determinam da eficácia ou não de um determinado sistema - essa não plenitude daquela que será a opção final do Governo foi assumida e é clara, não só face ao conteúdo da proposta de lei mas também devido à forma como foi apresentada.
É evidente que, em relação a esta matéria - repetimo-lo -, é fundamental que se apresse a concretizar um sistema legislativo que consagre uma protecção às vítimas de crimes, matéria que já aqui foi discutida.
Nesse sentido, consideramos também - e isto mais pelas explicações que o Sr. Ministro da Justiça aqui apresentou do que propriamente pelo texto que nos foi dado conhecer - que esta questão merece uma abordagem mais aprofundada, porque não será nos 10 minutos que são concedidos a cada grupo parlamentar para a discussão em Plenário que chegaremos a conclusões cabais sobre este assunto.
No entanto, não queremos que, em relação a estas questões, seja inviabilizado um debate na especialidade. Pretendemos, sim, ao invés, que sejam dadas condições ao Governo para que possa, de acordo com a consulta pública que faça - e, nesse sentido, apelamos a que essa consulta pública tenha reflexos ao nível da legislação final -, avançar, de forma célere, na busca da melhor solução legislativa para esta matéria.
É nesse sentido que o Grupo Parlamentar do PRD vai votar os dois diplomas apresentados.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fomos hoje aqui convocados para discutir e votar a proposta de lei n.º 200/V. A que acresceu, já sobre o risco de chegada, mais um projecto de lei. Vou pronunciar-me, em primeiro lugar, sobre a proposta de lei do Governo e, na medida em que o tempo mo permitir, farei também algumas considerações sobre o projecto que acaba de chegar.
Em relação à proposta de lei do Governo, devo dizer, em primeiro lugar, que se trata de uma proposta bem-vinda. Ela vem preencher uma lacuna da ordem jurídica portuguesa. Uma lacuna que avulta, desde logo, à face do artigo 129.º do Código Penal. Uma lacuna que os recentes movimentos de reflexão doutrinal, criminológica e político-criminal deixaram mais exposta. E uma lacuna em face das instituições internacionais, designadamente da ONU, do Conselho da Europa, etc. Não deixa, de resto, de constituir uma certa ironia - temos de reconhecê-lo - que a ordem jurídica do país que concede às vítimas um mais consistente estatuto processual seja daquelas que, com maior atraso, vêm preencher essa lacuna. Esta é, porém, uma crítica de que poucos de nós estaremos isentos. Quem a ela estará mais imune é naturalmente o Governo. Porque foi este Governo que, por um lado, trouxe a proposta e, por outro lado e sobretudo, criou as condições materiais e objectivas que tornam possível a efectivação de uma proposta de lei como esta. É que nem sempre haveria condições materiais para dar adimplemento prático a um sistema como este.
Seria também ocioso, numa Assembleia como esta - de resto, as intervenções que acabámos de ouvir já se Fizeram eco disso -, enumerar alguns dos tópicos fundamentais da ideia de uma indemnização a conceder pelo Estado às vítimas de certos crimes.
Recordo ainda que, nesta problemática, por um lado, faz crise a ideia de uma certa redcscobcrta da vítima pelo pensamento penal, criminológico e político-criminal, feita já no nosso século. E que, de cena maneira, veio impor uma viragem em relação aos paradigmas dominantes desde os períodos de afirmação do Estado como detentor exclusivo da ordem jurídica, monopolizando a relação entre ele e o delinquente, excluindo a vítima. Representações reforçadas pelas concepções kantianas e, sobretudo, hegehanas, segundo as quais do que no crime se trata, essencialmente, é da ideia dialética da negação do direito, ficando a vítima relativamente silenciada.
E não podem também esquecer-se as experiências dramáticas do nosso século, caracterizado por vitimizações massivas e injustas. De resto, não é por acaso que muitos dos pensamentos de ponta do nosso século apresentam uma componente e ressonância vitimológicas. Pensemos no teatro do absurdo e na teorização marxista, onde o pensamento e a postura vitimológicas são frequentes.
Por outro lado, nesta proposta de lei é também frequente a ideia de uma co-responsabilidade do Estado e da sociedade, os quais, segundo a concepção que existia no século passado, tinham os criminosos que mereciam. Hoje talvez se deva acrescentar que o Estado tem não só os criminosos que merece, mas também os criminosos que quer e, nesta medida, também as vítimas. E é em nome desta ideia que o Estado aparece como tendo alguma responsabilidade pelo crime.
Outro tópico importante é o da solidariedade. Vivemos cada vez mais numa comunidade de risco. Se é certo que ainda se podem ouvir algumas vozes dizendo, tal como Sartre, que o inferno são os outros, outras vozes aparecem

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a dizer que o Ser e, sobretudo, o Homem são é necessariamente um Ser com os outros.
Outra ideia, que está na base destes movimentos, é a da necessidade de dar uma resposta atempada às vítimas, para evitar que a frustração da experiência da vitimização se repercuta e se prolongue. Foi esta ideia que um conhecido poeta do século XVIII, Heinrich von Kleist, tão bem retratou na sua conhecida obra Michael Kohlhaas e que, já nos nossos dias, Schlondorfer viria a adaptar ao cinema. São estas, portanto, algumas das razões que estão na base deste diploma.
Com efeito, a proposta de lei que o Governo apresenta e consonante com estas ideias, dá-lhes plena satisfação e está perfeitamente integrada no conjunto de soluções que o direito comparado conhece. Assim, as críticas que lhe foram feitas só são possíveis porque ela não foi adequadamente compreendida.
Por exemplo, foi afirmado que, em relação ao projecto de lei do Partido Comunista, a indemnização consagrada nesta proposta de lei é, manifestamente, mais morosa, uma vez que seria necessário esperar por uma determinada fase do processo. Nada de mais errado! Na verdade, a indemnização a cargo do Estado, que aqui está em causa, ou seja, a indemnização supletiva, destinada a fazer face a uma situação imediata de emergência e de carência, não tem qualquer relação com as fases do processo penal.
Diz-se também, por outro lado, que se pensa só em indemnizações e que se esquece a necessidade de dar à vítima o adequado e necessário complemento de assistência e de resocialização. Isto é verdade, mas é inadequado em relação à proposta de lei, uma vez que ela trata do problema da indemnização e não dos outros aspectos. Cada coisa no seu tempo! O que se pretende com esta proposta é dar uma indemnização provisória à vítima.
Outra crítica ainda, designadamente do Partido Socialista, foi a de que esta proposta de lei não foi bem pensada. É possível que o Partido Socialista ainda possa apresentar um projecto de lei bem pensado. Só que estaremos à espera dele até ao fim da noite dos tempos. Até porque, segundo parece, de projectos bem pensados está o Partido Socialista cheio. É pena que não se possam ver à luz do dia.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada Isabel Espada, que falou em nome do PRD, disse que a esta proposta de lei é preferível a solução para que aponta o artigo 129.º do Código Penal. A este propósito cabe-me dizer que esta proposta de lei não tem nada a ver com a solução para que aponta o Código Penal, ate porque a indemnização para que ele aponta continuará em vigor e a ser aplicada nos tribunais. Mas, para além dessa, as vítimas passam agora a ter também mais este expediente de auxílio. Não se trata de alterar as instituições penais e processuais penais vigentes, mas de criar um instituto novo, ao lado, à parte, desburocratizado, não jurisdicionalizado e que permita, sem as demoras dos tribunais, que iodos conhecem, dar às vítimas uma resposta avulsa, pronta, de imediato.
Com efeito, a indemnização para que aponta o Código de Processo Penal continuará em vigor. Este é, no entanto, mais um expediente, e algo que acresce, é mais um instituto. Por isso não tem razão de ser as críticas que pretendem estabelecer eventuais colisões entre a proposta de lei e a situação vigente actualmente, quer na área do direito penal substantivo quer na do adjectivo.
Em relação ao projecto de lei do Partido Comunista, embora já não disponha de muito tempo, gostaria de dizer - aliás, como também aqui já foi referido - que é
maximalista e inadequado. Pretende fazer uma reforma substancial das instituições penais e processuais penais vigentes. O que, neste momento, não vem a propósito e que bem poderá ser tomado em consideração em outra sede, designadamente em sede de reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal.
Quanto ao problema em causa, que é o de criar a possibilidade de dar uma ajuda imediata e de emergência à vítima, e uma vez que a proposta de lei leva, incomensuravelmente, distância em relação ao projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista, votaremos a favor da proposta de lei, que, em nosso entender, é mais adequada e dá uma resposta mais atempada e mais célere, sem prejuízo das questões e dos problemas a que a legislação penal e processual penal vigente visam dar resposta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odeie Santos, que dispõe apenas de alguns segundos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito obrigada, Sr. Presidente. Preciso apenas de alguns segundos para colocar uma questão ao Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade.
Sr. Deputado, o artigo 3.º da proposta de lei diz que quem pode exercer o direito é quem se tenha constituído parte civil.
Assim, solicito-lhe que esclareça esta Câmara sobre o que diz o artigo 77.º do Código do Processo Penal, ou seja, em que momento é que alguém se pode constituir parte civil no processo. V. Ex.ª sabe muito bem que isso não pode acontecer antes da acusação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - A Sr.ª Deputada refere-se ao artigo 3.º da proposta de lei em discussão?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (indep.): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A posição governamental nesta matéria é embaraçosa. O Sr. Ministro da Justiça apresenta-se na Câmara sem, contudo, nos poder oferecer aquilo que nos prometeu, ou seja, a reforma do Código Penal, que não está aqui, porque o Governo tem medo de discutir a questão do aborto. Portanto, a questão do aborto, por temor eleitoral, trava a reforma do Código Penal. A questão das escutas telefónicas, provavelmente, trava a reforma do Código de Processo Penal. Mas lá por «casa» alguém terá sugerido que, depois da bronca do segredo de Estado, o Sr. Ministro apresentasse à Câmara um tema popular. Então alguém se lembrou das vítimas de crimes. Mas, como este debate está a demonstrar, lembrou mal!
Em Portugal a desprotecção das vítimas de crimes é enorme, como revelou o recente inquérito feito pela Procuradoria-Geral da República à Polícia Judiciária. Como

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sabemos, só o facto de haver milhares de processos parados significa milhares de vítimas desprotegidas.
A solução que o Governo propõe é a criação de uma superestrutura burocrática que, devassando o segredo bancário, o segredo de justiça e, eventualmente, o segredo fiscal, aconselhe o ministro a dar ou não uma indemnização, praticando um acto discricionário, na qualidade de ministro e não de tribunal, no caso da existência de crimes violentos. É uma solução perigosa, que contraria os objectivos preconizados pela proposta, que pode violar a independência do poder judicial e que não se coaduna com o nosso sistema jurídico.
É também - e com isto concluo, Sr. Presidente, e vejo já um sorriso a despontar no seu rosto - uma gota de água no oceano das nossas necessidades, uma vez que, em matéria de protecção de vítimas de crimes, falta praticamente tudo e, desde logo, que as instituições judiciárias possam funcionar normalmente, que é o que não acontece sob a égide de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, que da bancada do Governo nos contempla.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas, Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel da Cosia Andrade acabou por não responder ao pedido de esclarecimento que fiz.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, quero, pelo menos, dizer que estou disponível para responder, se para isso dispuser de tempo.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, mas solicito-lhe que seja muito breve, pois o tempo está esgotado.

O Sr. Manuel da Costa de Andrade (PSD): - Em primeiro lugar, e antes de responder à Sr.ª Deputada Odete Santos, gostaria de salientar que a intervenção que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de fazer assenta num equívoco grosseiríssimo. Isto porque confunde a indemnização a cargo do Ministro com a indemnização a cargo dos tribunais.
De facto, esquece o que aqui está em causa. Não é essa indemnização que aqui está em causa, pois ela continuará a subsistir. Trata-se apenas de consagrar mais um expediente, um plus, algo mais. A sua intervenção, Sr. Deputado, assenta na ignorância de tudo isto. Nada mais tenho a dizer-lhe.
Quanto à questão que a Sr.ª Deputada Odete Santos colocou, devo dizer que o artigo 77.º do Código de Processo Penal refere a indemnização a conceder em processo penal, que é diferente da indemnização supletiva que esta proposta de lei consagra, até porque esta é concedida pelo Ministro da Justiça e é mais um expediente ao serviço da vítima.
Não confunda o que não deve ser confundido, Sr.ª Deputada, vindo para aqui argumentar com falsos problemas. A Sr.ª Deputada confunde tudo, troca tudo e depois eu que a ature!

Risos do PSD.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada. Solicito-lhe, no entanto, que seja muito breve.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, a questão que lhe coloquei foi muito breve, nem sequer foi ofensiva, pelo que não posso deixar de dizer que a última frase agora proferida por V. Ex.ª foi de muito mau gosto e vem de uma pessoa que nem sequer sabe encadear um discurso.
E digo-lhe mais, Sr. Deputado: e então eu que ature os autores do Código de Processo Penal, que nem sequer sabem o que escreveram!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder ao Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (indep.): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, verifico, com grande prazer, que V. Ex.ª não rebateu nenhuma das minhas observações críticas à acção do Ministério da Justiça.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Eu era lá capaz disso!

O Orador: - Pois, V. Ex.ª é excessivamente delicado!...
Mas a verdade também é que há verdades do tamanho de pedregulhos e, de facto, não temos aqui o Código Penal, porque o Governo não tem coragem política de avançar com a reforma. Atrapalhou tudo, atabalhoou tudo e a Comissão, que esteve a trabalhar durante meses, trabalhou debalde em relação aos prazos curtos.
Não temos Código de Processo Penal porque S. Ex.ª o Ministro da Justiça não tem condições políticas para adiantar a reforma e tudo o que se soube dela diz respeito à policialização, que mereceu o repúdio dos magistrados portugueses de ambas as magistraturas. V. Ex.ª conhece a reforma em detalhe e sabe que isto que digo é verdade.
Finalmente, aparece com uma proposta tão mal escrita, tão mal escrita, tão mal escrita que só alguns pequenos sacerdotes laranjas, que recebem a verdade secretamente, conseguem traduzi-la, como é o caso de V. Ex.ª! Porque ninguém consegue lobrigar a palavra supletiva na proposta. O que se lobriga no artigo 3.º é a indemnização provisória. A palavra supletiva está na boca do Sr. Ministro da Justiça, no discurso oral de apresentação.
A autorização legislativa não define o sentido, não diz quem são as vítimas de crimes abrangidos, nem quais são os limites de indemnização; não diz quais são as metodologias, nem quais são os poderes da «sagrada» comissão ministerial encarregada de aconselhar quanto e como indemnizar;...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Nem isso!

O Orador: -... não diz quais são as garantias do segredo bancário, nem quais as garantias do segredo fiscal. Não diz nada!
Portanto, V. Ex.ª é um caso de paixão! De amor! De amor cego! O Governo chega, V. Ex.ª lança-se-lhe ao colo, e a quem disser que a proposta está mal escrita, V. Ex.ª sai à pedregulhada!

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Aconselho-o a ter calma! Calma porque esta proposta está mal escrita e, na especialidade, Sr. Presidente, faço votos de que o Sr. Ministro tenha a coragem, a hombridade e a frontalidade de se dispor a escrever em português médio aquilo que está escrito num português pior do que o do acordo ortográfico!

O Sr. Jorge Lemos (indep.): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão da proposta de lei n.º 200/V e do projecto de lei n.º 110/V, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 182/V - Autoriza o Governo a regulamentar a actividade cinematográfica.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura.

A Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura (Natália Correia Guedes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: A necessidade de o Governo legislar com urgência sobre a actividade cinematográfica advém de, nos termos do artigo 22.º do Tratado de Adesão às Comunidades Europeias, ter cessado em 31 de Dezembro de 1990 a possibilidade de imposição de restrições em matéria de direitos de estabelecimento e de livre prestação de serviços para as actividades do sector do cinema.
Todavia, seria sempre necessário legislar sobre a matéria, em ordem a adaptar a legislação em causa a outros compromissos assumidos pelo Estado português, através do Tratado de Roma, e a certos ditames impostos pelo Estado de direito democrático em que hoje se vive.
E que, conquanto se deva louvar a Lei n.º 7/71, de 7 de Dezembro, volvidos quase 20 anos sobre a sua publicação é necessário revê-la. Por isso pretende-se que seja aprovada uma nova lei de cinema, que substituirá na íntegra a anterior, lendo por base um anteprojecto que foi posto à consideração das associações representativas das classes dos profissionais de cinema.
Com efeito, a legislação reguladora da actividade tem quase 20 anos, como disse, carecendo, portanto, de reformulação, tendo até em atenção a evolução tecnológica entretanto ocorrida.
Independentemente da imposição do Tratado de Adesão, importaria adaptar essa legislação a várias directivas sobre o cinema, nomeadamente as Directivas n.º 63/607, 65/264, 68/369 e 70/451 (CEE).
Importa também eliminar ao máximo as burocracias, no sentido da modernização administrativa.
Importa, por último, que os preceitos da lei fiquem redigidos de maneira mais precisa, ou seja, menos aleatória e discricionária, conforme impõe a existência de uma administração moderna e o próprio Estado de direito.
Ora, em ioda esta regulamentação, três são os aspectos em que a legislação a aprovar carece de autorização da Assembleia da República. Um deles é o do visto prévio de rodagem de qualquer filme comercial em território português, que quer a base XIII daquela lei, quer o artigo 26.º do seu Regulamento, aprovado pelo Decreto n.º 286/73, de 5 de Junho, já o exigiam, não definindo, porém, os casos em que podia ser denegado, o que se poderia prestar a ioda a espécie de arbitrariedades.
Após o advento do Estado de direito democrático, o que veio a acontecer nu aplicação desse artigo foi que a autorização concedida pelo visto se tornou automática mal entrava o pedido, uma vez que, de qualquer maneira, não
havia base para o indeferir, ao menos na legislação directamente aplicável ao sector.
É óbvio que nem um extremo nem o outro devem ser admitidos no Estado de direito. O visto de rodagem existe na generalidade dos países, importa é regulamentá-lo. Daí a alínea a) do artigo 2.º do texto da proposta de lei.
Por outro lado, a actual legislação encontra-se provida de um sistema de sancionamento, através de multas de valores que hoje em dia injustificam até o recurso à sua aplicação, não obstante os diplomas que, por diversas vezes, as actualizaram. Esse sistema de sancionamento foi mantido pelo artigo 7.º da Lei n.º 24/82, de 23 de Agosto, que aprovou o actual Código Penal. Porém, em termos meramente transitórios.
Sente-se, por isso, na nova legislação a aprovar no sector a necessidade de adoptar o sancionamento através de coimas, próprias do ilícito administrativo ou contra-ordenacional, de acordo com a dicotomia estabelecida pelas alíneas c) e d) do artigo 168.º da Consumição.
Contudo, em relação ao sistema geral, importa excepcionar os montantes máximos aplicáveis às pessoas singulares - aquele dos 500 000$ -, o que se considera inadequado para o sector do cinema, sabido que as produções cinematográficas, por exemplo, envolvem quase sempre verbas da ordem das centenas de milhar de contos. Daí a alínea c) do artigo 2.º da proposta de lei.
Quanto ao pretendido na alínea b) do artigo 2.º da proposta de lei, trata-se de uma inovação. A sua previsão justifica-se como norma desincentivadora do incumprimento das obrigações advenientes da percepção de auxílios financeiros, porque tem acontecido haver projectos subsidiados que não chegam a ser apresentados, ficando a meio, sem os seus produtores ultimarem esforços para a sua conclusão, havendo até uma obra que se encontrava nessas condições há já quase 10 anos, finalmente exibida este ano.
Trata-se de uma utilização abusiva de dinheiros públicos, traindo a boa fé que anima o Estado na sua concessão, pelo que parece justificar-se o recurso às penas previstas para o crime de abuso de confiança, no tipo mais grave deste, que se desuna a proteger os interesses públicos. A matéria em causa diz respeito à liberdade de expressão de criação artística no sector cinematográfico. A obrigação de visto prévio à rodagem de filmes comerciais contende com essa liberdade. E, portanto, matéria da competência da Assembleia da República, nos termos dos artigos 37.º, 42.º e 168.º, alínea b), n.º 1, da Constituição, bem como o sancionamento, nos termos das alíneas c) e d), n.º 1, do artigo 168.º daquele texto fundamental, neste último caso, porque se pretende, num aspecto concreto - o do montante máximo aplicável às pessoas singulares -, sair do sistema geral.
Daí a presente proposta de lei de autorização legislativa.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Alexandre Manuel, Edite Estrela e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (indep.): - Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura, ouvi-a atentamente

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e, para já, convém referir que o n.º 1 do artigo 37.º da Constituição diz o seguinte: «Todos tom o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio [...].» E o n.º 1 do artigo 42.º, também da Constituição, que a Sr.ª Subsecretária de Estado referiu, diz: «É livre a criação intelectual, artística e científica».
Estamos perante uma proposta de lei de autorização legislativa e pena é que, uma vez mais, o Governo não a faça acompanhar de um texto claro, a fim de podermos saber quais são as verdadeiras intenções e até onde o Governo deseja ir nesta matéria. Mais uma vez se faz uma proposta de lei de autorização legislativa e ficamos a aguardar a lei...!
A lei que temos data de 1971 e obriga a um visto prévio. Ora, 1971 vai há muitos anos - era no período do fascismo - e, ao fim e ao cabo, depois do 25 de Abril, essa lei, como sabe, acabou por nunca ser devidamente aplicada.
Assim, gostaria de saber, Sr.ª Subsecretária de Estado, por que é que o Governo vem dizer, neste momento, que pretende estabelecer a obrigatoriedade de visto prévio para a rodagem de filmes comerciais.
Gostaria também de saber o porque desta atitude e também que critério pensa o Governo adoptar em matéria tão delicada como esta, que, parecendo simples, não é tilo simples como isso.
Por outro lado, gostaria de saber o que entende o Governo por filmes comerciais. Qualquer filme comercial é aquele que circula nos cinemas do País. Segundo esta proposta, temos filmes publicitários que terão de ser objecto de visto prévio, bem como outro tipo de filmes. O Manuel de Oliveira ou o Fonseca e Costa certamente vão pedir autorização ao Governo para obterem um visto prévio, a fim de produzirem um filme. A que entidade o vão suscitar? A quem? E o que?
Na realidade - e não será exagero, Sr.ª Subsecretária de Estado -, isto poderá, em princípio, «cheirar» um pouco a censura. Poderá existir a censura! Desde que o tema não agrade à entidade oficial, poderá acontecer que o visto prévio não seja concedido!
Portanto, Sr.ª Subsecretária de Estado, gostaria de ser esclarecido sobre esta matéria porque ela é delicada e bastante preocupante.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (indep.): - Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura, em primeiro lugar, gostaria de uma clarificação da sua parte quanto ao objecto concreto da vossa proposta. Falou a Sr.ª Subsecretária de Estado em aprovar uma lei de cinema. Diz a nota justificativa que esta proposta de lei de autorização legislativa serviria para aprovar ou para alterar a Lei de Cinema.
Gostaria de saber se é através desta autorização legislativa que o Governo pretende fazer de novo uma lei de cinema e, se pretende fazê-lo, pergunto onde estão os estudos respectivos, os pareceres dos profissionais competentes, o exame dos Estados-Gerais do Cinema, há pouco realizados, e se é nestas condições que o Governo entende que se deve rever a Lei de Cinema.
Em segundo lugar, gostaria de referir que o texto que se nos apresenta é confuso e que a nota justificativa remete para alíneas que não existem.
A Sr.ª Subsecretária de Estado citou uma alínea d) da proposta de lei. Eu não sei qual é a alínea d). Não existe! Emendou a mão, corrigindo a alínea b), que vinha no texto, para alínea a), mas não teve a preocupação de seguir, em todo o seu discurso, o mesmo cuidado. De qualquer forma, gostaria de saber qual é a alínea d) a que se referiu.
A autorização legislativa é branca. A Sr.ª Subsecretária de Estado disse, a propósito do visto prévio, que na actual lei não estão definidas as condições em que este poderia ser recusado ou em que teria de ser legitimado. Pergunto-lhe: e na vossa proposta de lei de autorização legislativa onde é que isso está?
Na proposta de lei refere-se «em casos excepcionais», mas a que casos excepcionais se referem? Têm o texto do decreto-lei que pretendem publicar? Ou o Governo entende que, sendo autorizado a estabelecer excepcionalidade nesta matéria, o pode fazer?
Os senhores argumentam que não querem censura, mas reservam para VV. Ex.ªs a definição dos casos excepcionais em que podem censurar algo que decorre do texto constitucional e que não pode ser censurado, ou seja, o direito a recolha das imagens.
Finalmente, Sr.ª Subsecretária de Estado, nós temos o direito, enquanto Assembleia da República, de saber o que estamos a discutir. Na vossa proposta de lei de autorização legislativa, que data de Fevereiro - e nós já estamos em Junho! -, os senhores propunham uma autorização legislativa com a duração de 90 dias. Já deveriam, portanto, ter lido tempo de elaborar o decreto de desenvolvimento.
Pergunto: tem esse decreto de desenvolvimento? É que, se não o tem, creio que discutir uma matéria com a gravidade que esta tem nestas condições não vale a pena.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura, concordo, de facto, com a necessidade de se legislar no sentido de actualizar a legislação aplicável às actividades cinematográficas e concordo também com a urgência referenciada na nota justificativa do diploma. E concordo, não apenas por razões constitucionais, por razões que têm a ver com os compromissos internacionais assumidos por Portugal, designadamente em relação ao Tratado de Roma, mas, sobretudo, por uma política geral do cinema que, apesar das alterações verificadas no sector e das muitas promessas então feitas, continua por se divisar. Não a pressentimos, não a vemos!
Também não nos parece que as alterações à legislação venham trazer alguma coisa de importante ao sector. Não será por acaso que a proposta de lei presente à Assembleia não traz a assinatura do responsável pelo sector. É de sublinhar!...
Concretamente, o artigo 2.º, apesar da alteração à alínea a), «oportunamente» subscrita pelo Grupo Parlamentar do PSD, continua eivado de um conteúdo bastante preocupante. O facto foi, aliás, sublinhado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos.
Como se definem, Sr.ª Subsecretária de Estado, esses «casos excepcionais» e quem os julga? É que será mesmo por aí que poderá passar aquilo que se diz pretender evitar, ou seja, a censura.
Lamente-se a propósito, também, que o Governo não tenha feito chegar a esta Câmara o texto do anteprojecto de lei. É que se tivéssemos presente esse texto, poderia-

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mós ser mais claros. Ou será que não se pretendeu mesmo ser mais claro?...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura, é com alguma simpatia que lhe digo que lamento que V. Ex.ª se tenha prestado a vir aqui fazer um frete ao Governo no fim da legislatura.

O Sr. Jorge Lemos (indep.): - Muito bem!

A Oradora: - De facto, somos confrontados, hoje, às 16 horas, com uma alteração à proposta de lei que foi apresentada em Fevereiro passado. Ou seja, entre Fevereiro e Junho deste ano, o Governo submeteu à Assembleia, para discussão, uma proposta de lei, que é hoje alterada substancialmente. Não são alterações de forma, são alterações de conteúdo. Por exemplo, na alínea a) do artigo 2.ª da proposta que foi apresentada em Fevereiro prevê-se a obrigatoriedade de visto prévio para rodagem de filmes comerciais; hoje o Governo vem dizer-nos que não há essa obrigatoriedade.
É caso para perguntar: em que Ficamos? Serão diferentes visões daquilo que deve ser legislado e dos moldes em que deve ser feito?
Por outro lado, a Sr.ª Subsecretária de Estado disse-nos que os preceitos da lei devem ser redigidos de forma mais precisa e menos aleatória. De facto, também concordo e o Governo deveria ter começado por dar o exemplo na redacção deste texto. A nota justificativa está em total incoerência com o articulado da proposta de lei; já aqui foi dito que há alíneas que são referidas e que não existem e a clareza da redacção - que não existe - prejudica a recepção da mensagem.

O Sr. Jorge Lemos (indep.): - Não tem redacção, é branco!

A Oradora: - Quero também chamar a atenção para o facto de a Sr.ª Subsecretária de Estado falar em lei de cinema.
Ora, o texto que nos foi apresentado, que foi aquele que pudemos estudar demoradamente, atentamente, e não a pequena alteração que foi agora introduzida, traz a mesma nota justificativa, porque, inclusivamente, a Sr.ª Subsecretária de Estado, na sua intervenção e utilizando a redacção dessa nota, diz: «ora, o visto de rodagem existe na generalidade dos países». Depois passa à frente e diz: «importa é regulamentá-lo». Isto não é português!
O que faltava e dava coerência ao texto era: se deve ser mantido». Mas como hoje vieram dizer que não devia ser mantido, como é que se pode regulamentar aquilo que não existe?
Há outras objecções que deixarei para a intervenção que irei fazer. No entanto, gostaria de dizer que a alínea b) não apresenta qualquer inovação, uma vez que os contratos que o IPC estabelece com os produtores e os realizadores cinematográficos também já prevêem prazos de execução. O que acontece é que o IPC não obriga ao cumprimento desses prazos. Nada acontece quando esses prazos não são cumpridos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Para usar do direito de defesa da consideração do Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É uma defesa da consideração que faço de uma maneira muito rápida, porque não posso deixar de protestar contra os termos utilizados pela Sr.ª Deputada Edite Estrela. Se fosse outra Sr.ª Deputada ou outro Sr. Deputado a utilizar aqueles termos, certamente não ficaria tão ofendido na nossa consideração, mas uma purista da língua, como é a Sr.ª Deputada Edite Estrela, dizer que uma Subsecretária de Estado vem aqui fazer um frete ao Governo é não só uma enormíssima tolice...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... do ponto de vista, como é evidente, do emprego da língua portuguesa, como é uma enormíssima tolice do ponto de vista político.
Não quero deixar de salientar que a Sr.ª Deputada Edite Estrela com certeza que já se arrependeu daquilo que disse,... com certeza que não unha isso na ideia,... com certeza queria dizer outra coisa completamente diferente,... mas, por qualquer deslize involuntário, acabou por proferir essa expressão.
Quero ainda dizer-lhe que, de acordo com a leitura que fez da proposta de autorização legislativa e tendo em conta as considerações que produziu, há também aí um equívoco que gostaria de esclarecer muito rapidamente.
O que há na proposta de autorização legislativa, como, aliás, pessoalmente, tive ocasião de explicar-lhe, é um erro material na redacção da alínea a) do artigo 2.º, que não põe de maneira nenhuma em causa aquilo que é dito na nota justificativa, designadamente a partir do segundo parágrafo. Ou seja, o que acontece é que o princípio geral - aliás, não podia ser outro - é o princípio da não existência de visto prévio; o princípio subsidiário, ou seja, a excepcional idade, manda que para os interesses...

O Sr. Jorge Lemos (indep.): - Quais são?

O Orador: -... conjugados pela nossa Constituição, os princípios defendidos pela nossa Constituição, que podem estar em jogo, haja uma saída formal, para tentar evitar que eles próprios sejam ofendidos.
Esta questão é claríssima, simples e tão chã quanto possível e com certeza que a Sr.ª Deputada Edite Estrela agora passou a entendê-la completamente, o que dará origem, com certeza, a retirar a afirmação que há pouco proferiu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

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A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Sr. Secretário de Estado Adjunto dos Assuntos Parlamentares, tenho muita pena, mas sou obrigada a devolver-lhe a «tolice».
Tolice é a do Sr. Secretário de Estado ao dizer que frete não é uma palavra vernácula, ao dizer que ela não pode ser usada por mim ou por qualquer outra pessoa e ao dizer que foi incorrecto da minha parte. Aliás, afirmei que a dizia com alguma simpatia e ato penalizada pelo facto de ver aqui a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura, por quem tenho consideração, fazer este número, isto é, confrontada com um texto que, a partir das 16 horas de hoje, é diferente daquele que foi apresentado em Fevereiro e que se manteve até essa hora.
Só neste momento é que o Governo considerou que tinha de alterar o texto e as alterações são substanciais, porque a alínea a) diz, concretamente, que se deve manter o visto prévio - e daí a incoerência da nota justificativa a que já me referi - e, neste momento, diz que ele não se deve manter!
Mas ainda agora começámos a discussão e haverá certamente mais oportunidades para aprofundarmos esta questão. Só quero rematar dizendo, Sr. Secretário de Estado, que lições de português não lhas admito e, também, que jamais usaria o vocabulário impróprio de mim ou da Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura, estamos, manifestamente, perante a existência de dois textos divergentes. Um deles, o primeiro, que o Governo nos apresentou em Fevereiro e que está hoje em apreciação, e um outro que o PSD apresentou hoje, às 15 horas e 55 minutos, hora de carimbo da Mesa, contendo uma alteração que não é apenas formal, na medida em que a proposta do Governo, nestes meses todos, estabelece a obrigatoriedade de visto prévio e, hoje, o PSD propõe a sua não obrigatoriedade.
Além disso, esta proposta introduz outras alterações na redacção do artigo, pelo que presumimos que, não se tratando de um lapso meramente dactilográfico, a primeira questão a apresentar ao Governo é a de se saber qual dos textos assume, isto é, se o Governo assume, de facto, que não agiu bem ao propor a alínea a), em Fevereiro, pretendendo agora substituí-la pela proposta apresentada pelo PSD.
De qualquer forma, creio que a questão de fundo se mantém em qualquer das redacções, ao permitir que existam casos em que possa haver lugar ao estabelecimento de um visto prévio. O Governo propõe que se estabeleçam determinados casos em que o indivíduo seja impedido de rodar determinado filme comercial em Portugal; simplesmente não esclarece em que casos é que entende que esse visto pode ser denegado. E esta é que é, quanto a nós, a questão fundamental.
A Assembleia não pode autorizar o Governo a legislar sobre uma questão destas literalmente em branco, sem saber em que casos é que o Governo entende que o visto prévio possa ser negado, porque aquilo sobre que estamos a pronunciar-nos são, de facto, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos constitucionalmente consagrados. E sem que o Governo nos diga qual é o sentido e a extensão do que pretende legislar neste domínio, não podemos pactuar com uma disposição em branco como esta que nos é pedida.
Portanto, pretendemos saber em que casos é que o Governo entende que o visto prévio pode não ser concedido. Caso contrário, e como já foi dito, poderemos estar a pactuar com a imposição de censura à actividade cinematográfica.
Por outro lado, há uma questão que se nos revelou intrigante, e mesmo depois da intervenção da Sr.ª Subsecretária de Estado a intriga mantém-se.
Quando, na exposição de motivos - que a Sr.ª Subsecretária de Estado praticamente reproduziu na sua intervenção -, se diz que o visto para rodagem de filmes existe na generalidade dos países e deve ser mantido, «importa é regulamentá-lo», o mesmo diz a alínea b) do artigo 2.º do texto da proposta de lei. Ora, pensávamos nós que esta alínea b) fosse a tal alínea que desse resposta à questão que apresentámos, isto é, que contivesse, de facto, os casos em que o Governo entendia que o visto podia ser negado.
Mas, qual não é o nosso espanto, quando verificamos que a exposição de motivos tem uma alínea a mais do que o texto que foi apresentado em Fevereiro, o que nos deu a entender que, provavelmente, alguma alínea terá ficado pelo caminho, entre a Secretaria de Estado da Cultura e a Assembleia da República. Continuamos à procura dessa alínea.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura.

A Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura: - Srs. Deputados, agradeço as vossas intervenções, porque, na realidade, houve um erro material na proposta que vos foi apresentada.
Se me permitem, vou ler a alínea a) do artigo 2.º, já com essa correcção: «estabelecer a não obrigatoriedade de visto prévio para a rodagem de filmes comerciais» - e o texto é um pouco alterado neste sentido «de forma a evitar qualquer tipo de censura, definindo os casos excepcionais em que poderá haver lugar a visto.»
Acontece que, na nota justificativa, no último parágrafo da primeira página, se lê, exactamente com essa intenção de estabelecer a não obrigatoriedade de visto prévio: «E o caso, nomeadamente, do visto prévio de rodagem de qualquer filme comercial em território português que quer a base XII daquela Lei quer o artigo 26.º do seu regulamento aprovado pelo Decreto n.º 286/73, de 5 de Junho, exigem, não definindo porém os casos em que pode ser denegado, o que se podia prestar a toda a espécie de arbitrariedades.»
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca ficou em dúvida quanto ao facto de se poder interpretar que pode começar, de novo, a haver censura. Mas isso de modo algum! Não se pretende que isso venha a suceder, aliás a censura terminou de uma vez por todas no nosso país!
Porém, o que acontece é que tem de se prever as excepções, neste caso o Governo, tem de assegurar a não violação dos princípios fundamentais da Constituição; daí a alínea que acabei de ler com a devida correcção.

O Sr. José Sócrates (PS): - Não percebi nada!

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, já ouvi a bancada do Governo dizer por duas vezes que os casos excepcionais se referem ao desenvolvimento da Constituição da República. Mostrem-me, por favor, o que é que os senhores querem fazer com esses casos excepcionais!... Dêem-me o texto que querem publicar!
Esta era a interpelação que gostaria de fazer, uma vez que não tenho tempo porá formular pedidos de esclarecimento e creio que ajudaria imenso este debate, porque podemos estar a lavrar num equívoco.
Agora, colocada uma questão concreta, haver uma resposta como a que foi dada pela bancada do Governo isso é uma resposta que diz tudo e não diz nada!
Apresente-me o texto, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, e, provavelmente, ultrapassaremos esta questão. O senhor foi o primeiro a falar, a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura falou de seguida, mas nada ficou esclarecido. Dê-nos o texto que pretende publicar ou, caso contrário, retirem essa referência e tudo ficará resolvido.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso não foi uma interpelação à Mesa. Porém, a sua dúvida deverá esclarecer-se no decorrer do debate.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, por aquilo que eu estou a ver, o Sr. Deputado Jorge Lemos quer introduzir uma alteração qualitativa e quantitativa em relação à forma das autorizações legislativas, isto é, ele quer mudar o regime da autorização legislativa.
Então, se o Sr. Presidente conseguir que ele nos dê um texto para modificar o regime da autorização legislativa, em sede de Constituição, eu dar-lhe-ei, em contrapartida, o outro texto que ele pede.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Há aqui um equívoco!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por referir o facto de a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura não ter respondido às perguntas que lhe foram colocadas, designadamente quanto à não articulação e coerência existente entre a nota justificativa e o texto da proposta de lei e também em relação aos casos excepcionais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: as leis não são perfeitas nem imutáveis. Por isso toda a lei pode ser periodicamente revista, adaptada ao tempo que vem, aperfeiçoada técnica e juridicamente.
Ao aceitarmos o carácter transitório das leis, estamos a aceitar implicitamente o princípio da necessidade de alterar a Lei n.º 7/71 no sentido de a adaptar, por um lado, aos compromissos assumidos pelo Estado português enquanto membro da Europa comunitária e, por outro, aos «ditames impostos pelo Estado de direito democrático em que hoje se vive» e em que se não vivia em 1971.
Mas o facto de defendermos a revisão periódica das leis no sentido de lhes conferir mais eficácia e de as actualizar não significa que estejamos dispostos a «passar um cheque em branco» ao Governo, autorizando-o a legislar em matéria tão sensível como é a actividade cinematográfica, sem antes vermos esclarecidos alguns pontos de capital importância.
Achávamos mais curial que o Governo, em vez de pedir uma autorização legislativa, apresentasse à Câmara uma verdadeira proposta de lei onde estivesse claramente escrito o que se pretende alterar e em que moldes.
Será que o Governo ainda não tem ideias claras sobre as alterações concretas? Ou será que o Governo não as quer apresentar ao Parlamento e discutir com os deputados as suas intenções neste domínio? A pressa de o Governo fechar o Parlamento e silenciar as vozes das oposições, nesta importante sede da vida democrática, levam-no a, precipitada e incoerentemente, agendar o debate desta proposta de lei. Daí as nossas dúvidas, dúvidas essas justificadas, uma vez que o Governo nos confronta agora com uma versão do diploma diferente daquela que deu entrada na Assembleia da República e que foi distribuída.
De qualquer forma, a alteração da redacção da alínea a) do artigo 2.º não está de acordo, antes de opõe, à exposição de motivos e às notas justificativas que acompanham a presente proposta de lei.
É natural que a Lei n.º 7/71, sobre a actividade cinematográfica, e o Decreto n.º 286/73, que a regulamenta, decorridos cerca de 20 anos, estejam desactualizados em alguns pontos. É mais do que natural!
Mas, em nosso entender, as alterações a introduzir devem melhorar a lei linguística e tecnicamente. Esperamos que o Governo seja, de futuro, mais cuidadoso na redacção dos textos que submete à apreciação desta Assembleia. O exemplo deve vir de cima: é que, para já não falar de alterações de última hora e da incoerência referida, chamo a atenção para o facto de, na referida nota, as alíneas do artigo 2.º aparecerem trocadas e, ainda, para a redacção pouco cuidada e mal pontuada da alínea b) do artigo 2.º Estas e outras falhas dificultam grandemente a compreensão do texto.
Mas, ultrapassando as barreiras linguísticas, vejamos, agora, outras dúvidas que a presente proposta de lei nos levanta.
Primeiro: gostaríamos de conhecer os casos excepcionais em que a «obrigatoriedade de visto prévio para rodagem de filmes comerciais» vai vigorar. Esses casos excepcionais serão ditados por critérios estéticos, éticos, políticos, ou seja, será após a consulta do guião? Se assim for, estaremos perante uma intolerável atitude censória por parte do Estado. Será que estes «casos excepcionais» decorrem de contrapartidas económicas, tais como o pagamento de direitos de paisagem, praticado noutros países?
O visto de rodagem automaticamente concedido, como é actualmente, cumpre apenas funções estatísticas e não serve os interesses nacionais. É, pois, preciso rever a sua concessão. Estamos de acordo, desde que as regras sejam objectivas, transparentes e tenhamos conhecimento delas.

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Segundo: em relação às alíneas b) e c) do artigo 2.º da proposta de lei n.9 182/V, que prevêem sanções para os «casos de desvio dos auxílios financeiros» e para o incumprimento dos prazos estipulados pelas partes contratantes, aderimos ao princípio que visa travar abusos e disciplinar algumas práticas nada exemplares. No entanto, não podemos deixar de chamar a atenção para a inércia do Instituto Português de Cinema (IPC), o principal responsável pelo estado de coisas descrito na nota justificativa.
Sc há «utilização abusiva de dinheiros públicos», se há «projectos subsidiados que não chegam a ser apresentados», como se pode ler no n.º 3 da cilada nota, de quem é a culpa? Fundamentalmente, do IPC, que não faz cumprir os prazos estabelecidos nos contratos com os produtores e realizadores e não tem sido capaz de accionar os mecanismos legais ao seu dispor. Os seus responsáveis saberão porquê.
Finalmente, lamentamos que o Governo não tenha aproveitado esta oportunidade para apresentar uma alternativa democrática à Lei n.º 7/71, de modo a rendibilizar os recursos disponíveis e a dinamizar e valorizar a actividade cinematográfica.
De facto, lamentamos que o Governo, em vez de apresentar um pedido de autorização legislativa mal redigido e incoerente, não tenha apresentado uma verdadeira proposta de lei coerente e bem estruturada, por isso vamos apresentar um requerimento para que este diploma baixe à comissão para ser aperfeiçoado e alterado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A actualização da legislação respeitante à actividade cinematográfica constitui uma inquestionável necessidade, pois a legislação que, fundamentalmente, regula esta actividade data, como se sabe, de 1971.
A Lei n.º 7/71, de 7 de Dezembro, foi uma lei importante, que se encontra, naturalmente, desactualizada e, em muitos aspectos, ultrapassada.
Portanto, é de indiscutível actualidade pensar na sua substituição, tanto mais quanto esta actividade, o cinema, tem sido motivo de debate entre os directamente interessados que justificaria que esta Assembleia realizasse um debate com base numa proposta de lei material que permitisse equacionar aqui, não apenas as maiorias que são objecto da proposta de lei de autorização legislativa, mas muitas outras relacionadas com a política para a actividade cinematográfica e que carecem de legislação adequada.
Porém, assim não entendeu o Governo, que nos apresentou uma proposta de lei de autorização legislativa em três pontos, sobre os quais passarei a pronunciar-me.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a actividade cinematográfica é matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A Constituição da República Portuguesa consagra, no artigo 37.º, sobre liberdade de expressão, o direito de todos a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem e por qualquer outro meio, não podendo o exercício deste direito ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura, e consagra, no artigo 42.º, a liberdade de criação intelectual e artística, que se aplica também à actividade cinematográfica.
Invoco a Constituição e a aplicação à actividade cinematográfica do regime dos direitos, liberdades e garantias, na medida em que um dos aspectos para o qual o Governo pede autorização para legislar respeita à necessidade de obtenção de visto prévio obrigatório para a rodagem de filmes comerciais.
Esta questão afigura-se-nos extremamente melindrosa. Como se sabe, a Lei n.º 7/71 estabeleceu o regime de visto prévio numa altura, felizmente ultrapassada, em que existia censura.
«Após o advento do Estado de direito democrático» - afirma-se na nota justificativa que acompanha a proposta de lei - «o que veio a acontecer, na aplicação desse artigo, foi que a autorização concedida pelo visto se tornou automática, mal entrava o pedido, uma vez que, de qualquer maneira, não havia base para o indeferir». Isto é, na prática, o visto prévio deixou de existir. A questão que se coloca com a presente proposta de lei é a reposição do visto prévio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: restabelecer no nosso ordenamento jurídico o princípio da obrigatoriedade de visto prévio (como o Governo propõe) ou a possibilidade de visto prévio (como o PSD propõe que se altere na proposta do Governo), sem definir os casos excepcionais em que tal visto possa ser denegado, põe em causa o regime dos direitos, liberdades e garantias e abre a porta à reintrodução de formas, mais ou menos subtis, de censura, o que se nos afigura, evidentemente, inaceitável.
De facto, aceitamos que possam vir a ser estabelecidas limitações à rodagem de filmes comerciais em território português e que essas limitações possam vir a ser sujeitas à concessão de uma autorização, pois ainda nos lembramos, dado que este facto foi sobejamente noticiado, da utilização abusiva que foi feita há uns anos atrás de monumentos nacionais para a rodagem de filmes pornográficos. Portanto, é óbvio que apoiaremos a adopção de mecanismos legais destinados a impedir que tal volte a acontecer.
Acontece, porém, que o Governo não define minimamente neste aspecto o sentido e a extensão da autorização que pretende. Assim, se a legislação a estabelecer tiver carácter excepcional, é claro que o Governo deverá, no mínimo, esclarecer a Assembleia sobre as excepções que pretende introduzir à liberdade de realização cinematográfica.
Quem ler a exposição de motivos anexa à proposta de lei é levado a pensar que no texto do diploma falta uma alínea, que é precisamente a que se refere à regulamentação do visto de rodagem. No entanto, como já foi dito, parece que essa alínea não existe na proposta de lei.
Assim sendo, perguntamos ao Governo: em que casos se pode conceber o novo conceito de visto? Que garantias são dadas de que a reposição do visto prévio é um atentado aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos? Estas questões são fundamentais e têm de ser respondidas.
Existem, no entanto, duas outras questões a considerar sobre a presente proposta de lei. A aplicação das penas fixadas para o crime de abuso de confiança aos casos de desvio dos auxílios financeiros concedidos aos produtores ou realizadores para outras finalidades e aos casos em que não tenha sido apresentada a obra objecto de auxílios financeiros, passado que seja um razoável lapso de tempo, e, ainda, a definição de um sistema sancionatório actuali-

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zado, a aplicar às infracções da legislação que regula a actividade cinematográfica.
Estas silo duas questões que nos merecem concordância de princípio, uma vez que, é óbvio, não se pode admitir o desvio de subsídios atribuídos à realização de obras cinematográficas, nem é admissível que a não realização das obras subsidiadas se arraste injustificadamente para além de um certo limite.
Porém, importa acautelar, em todos os casos, as indispensáveis garantias de defesa dos visados e a transparência dos critérios sobre os subsídios a atribuir e que não existam subsídios atribuídos extra concurso por forma a privilegiar um ou outro cineasta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: quando no início desta intervenção me referi à necessidade de aproveitar este debate para equacionar aspectos relevantes da actividade cinematográfica que carecem de adequada regulamentação, referia-me à necessidade de definir e concretizar uma verdadeira política de apoio à actividade cinematográfica nacional.
É notório que a presente proposta de lei vem desacompanhada de medidas necessárias a esse nível. Refiro-me, nomeadamente: à política de distribuição de incentivos; à criação de um público mais alargado para o cinema português; à política de esforços cinematográficos; ao apoio aos festivais de cinema; à atribuição de subsídios mais significativos à produção nacional que viabilizem projectos que aguardam melhores dias; à política de apoio às escolas de cinema e às actividades de cinema amador e dos cine-clubes. Enfim, poderia continuar, caso fosse este o âmbito do debate.
No que se refere à proposta de lei, aguardamos do Governo a melhor concretização do seu entendimento no que se refere à questão fundamental do visto prévio, dado que estão em causa, acima de tudo, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Aplausos do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O cinema como indústria, como arte cinética, é expressão do nosso tempo que nem a televisão ameaça.
O cinema, com a sua força, com a sua qualidade de imagem, com a sua apetência do visual, tem necessidade de provocar vagas de fundo para fruição alargada dos espectadores.
O cinema, com a sua linguagem própria, com os seus meios próprios, tem produção, obviamente, de custos elevados. Estes custos elevados, entre nós, tem de ter a intervenção estatal, que é necessária.
O realizador Pedro Vasconcelos tem procurado novas vias, novos modos de resolver estes custos, abordando a co-produção, novas formas de produção, novos mercados, mais largos do que o mercado nacional e, nessa procura de meios, tem procurado pôr a imaginação a funcionar, já que esta rende dividendos. Aliás, o próprio Instituto Nacional da Administração (INA) criou o curso de gestão cultural, na medida em que são precisas regras próprias para gestão do talento e dos meios que lhe sejam suporte.
O Governo procura agora regulamentar a proposta de lei n.9 182/V e quer fazê-lo a dois níveis: o princípio fundamental é o da não censura, o do não visto prévio
- assim o entendo -, e a posteriori o Governo quer a garantia, por parte dos produtores e realizadores, do compromisso das obrigações decorrentes de contratos, na medida em que o subsídio não é um subsídio a fundo perdido, havendo, portanto, regras e deveres a assumir pelas partes.
Manoel de Oliveira, Fonseca e Costa, Paulo Rocha - e vou omitir outros nomes, mas faço-o como se fosse um corte num filme, de montagem - são «santos da casa» que obtiveram consagrações e prémios internacionais e, como «santos da casa» que são, não operam milagres entre nós, mas sem dinheiro e sem regras ainda menos milagres poderão produzir.
No outro lado da moeda, a proposta de lei de autorização legislativa parece, segundo algumas intervenções já produzidas, não trazer expressos os casos excepcionais. Quanto a este aspecto, gostaria de dizer que os casos excepcionais não vêm expressos porque estão balizados na alínea b) do artigo 168.ª da Constituição, por forma a evitar qualquer tipo de censura.
Aliás, a alteração hoje apresentada pela minha bancada - e peço, desde já, perdão ao meu grupo parlamentar - parece-me tratar-se de um processo de rectificação, na medida em que o erro, como já aqui foi dito, é um erro formal.
A nota justificativa pode, talvez, trazer, através das leituras que são feitas, e conforme foi apontado, algum desfasamento com os próprios artigos; mas este facto não deve criar-nos embaraço, na medida em que, normalmente, ela não tem força real, é quase um processo de intenções, sem inferno à vista.
A alínea a) da proposta de rectificação agora apresentada parece-nos clara: os casos excepcionais pretendem salvaguardar com base jurídica, que não existia, os casos que contendam com outros direitos e com outras garantias.
Aliás, o artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa deixa a referência bem clara que não é de permitir restrições a direitos fundamentais, a não ser por respeito a outros direitos e garantias também fundamentais.
Perguntarão os Srs. Deputados: e se, dado que estamos no domínio dos princípios, exceder esses mesmos limites? Mas, Srs. Deputados, se exceder, é uma medida inconstitucional e será, então, uma alegria para a oposição e um desdouro eventual, muito eventual, para este Governo...
Quero, nesta breve intervenção, na medida em que o assunto está dissecado pelas várias partes, afirmar que os poderes institucionais de um Estado de direito funcionam, e funcionarão, neste caso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Deputado Carlos Lélis, não vou comentar as dificuldades que teve em defender a proposta do Governo.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Dificuldades!?...

A Oradora: - Vou além disso! Vou discordar da sua afirmação de que as alterações introduzidas são apenas de

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natureza formal. Aliás, o Sr. Deputado falou em erro formal.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Não são erros de português mas, sim, um erro formal!

A Oradora: - Se considera um erro formal a diferença entre «sim» ao visto prévio e «não» ao visto prévio, se pensa que o advérbio de negação, introduzido no articulado, introduz apenas alterações de forma e não de fundo, então, Sr. Deputado, precisaremos de continuar esta discussão não nesta Câmara, não nesta sede, mas, talvez, na Subcomissão Permanente de Cultura, onde as questões linguísticas são mais apropriadas.
Pegando na afirmação do Sr. Deputado de que «sem dinheiro não há milagres», quero recordar um caso recente: o filme de Monique Rutler, apresentado anteontem no festival de cinema de Tróia. Este filme, baseado numa belíssima história, com um belíssimo argumento - aliás, uma história verídica -, por escassez de meios, não pôde ser bem aproveitado nem ter o tratamento que merecia, porque, convenhamos, 60 000 contos para um filme não só não permite o essencial como, muito menos, milagres. E, no entanto, esse Mime, que foi subsidiado pelo Instituto Português de Cinema, que teve uma co-produção brasileira e o apoio da televisão portuguesa, tem agora, depois de feito e apresentado, dificuldades de distribuição.
Era desejável e útil que, ao «mexer-se» na Lei n.º 7/71 -já que a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura falou numa verdadeira lei do cinema -, o problema da distribuição fosse revisto, porque, não sei se será pelo facto de este filme «mexer» com alguns mitos nacionais, prevejo que vá ter grandes dificuldades de exibição pelas vias comerciais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, em tempo cedido pelo CDS.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Deputado Carlos Lélis, para além das dificuldades que leve, e que a Sr.ª Deputada Edite Estrela já referiu, em defender u proposta do Governo, pareceu-me, ao mesmo tempo - o que é grave -, menosprezar uma matéria que é extremamente séria, muito mais séria do que parece à primeira vista.
A ligeireza com que refere, às vezes, inclusivamente, as escolas de gestão levar-nos-ia muito mais longe, a não ser que o Sr. Deputado Carlos Lélis também pretenda gerir os talentos deste país - alguns existem e ainda agora foi apresentado um bom exemplo.
Sr. Deputado, VV. Ex.ªs apresentaram uma proposta de alteração à proposta de lei que a altera profundamente - é um facto! Acontece, contudo, que ela também é contraditória, nomeadamente com a exposição de motivos apresentada na proposta de lei, mais concretamente no parágrafo 3.º, onde se refere a necessidade da exposição de motivos.
Mas, ultrapassando este caso, pergunto, Sr. Deputado: quais são os casos excepcionais? Como é que são vistos esses casos excepcionais? Quais são os critérios que vão ser adoptados? Que tipo de casos excepcionais? Era preferível que o Governo tivesse apresentado a matéria, o que não fez, para que a proposta de lei pudesse ser apreciada convenientemente.
Portanto, Sr. Deputado, quando se diz que se coloca de pane a censura, que não há problemas de censura, é bom que as coisas fiquem acauteladas. E se há casos, como os que aqui foram referidos, de pornografia e outros, têm de ser, com certeza, bem previstos, o que é fácil de fazer. Contudo, outros haverá, Sr. Deputado, e gostaríamos de saber, claramente, quais são os critérios.
V. Ex.ª diz: «os poderes constitucionais funcionam nesta Casa e neste Estado de direito». É evidente que têm de funcionar, mas, Sr. Deputado, é preciso termos mais cautelas, porque a cultura do nosso país tem levado «tratos de polé» e não é só de agora. O problema da cultura tem, infelizmente e ao longo dos anos, levado «tratos de polé» e sabemos que quando se pretende alterar a lei do cinema, a Lei n.º 7/71, poderíamos ir um pouco mais longe e atingir outros estádios e situações que existem e que deveriam ser modificadas.
Mas é evidente, Sr. Deputado Carlos Lélis, que, depois da dificuldade e da forma como menosprezou esta matéria,...

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Não, Sr. Deputado!

O Orador: - Foi a ideia com que fiquei, Sr. Deputado.
Dizia eu que, depois da dificuldade e da forma como menosprezou esta matéria, gostaria que me dissesse, para justificar a sua proposta (e é dela que agora estou aqui a falar), quais são os casos excepcionais em que poderá haver lugar a visto prévio. Vamos lá a saber quais são, porque quando o Sr. Deputado propõe qualquer coisa e assina, pelo menos sabe o que é que está a propor.
Portanto, não basta apresentar um papel e dizer que vão ser definidos os casos excepcionais. Diga-nos quais são eles e, sobretudo, quais são os casos que vão ser adoptados.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Não sabe quais são os casos excepcionais? São os que fogem à regra!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, em tempo cedido pelo CDS.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Deputado Carlos Lélis Gonçalves, talvez consiga obter de si o que não consegui obter do Governo.
Iniciou a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura a intervenção dizendo que se tratava de alterar, ou revogar, a Lei de Bases do Cinema. Pergunto a V. Ex.ª se sabe alguma coisa disso, porque, tendo sido colocada esta questão directamente à Sr.ª Subsecretária de Estado, não obtive resposta. Não obtive resposta sobre se o que está em causa é apenas «mexer» no que vem referido no pedido de autorização legislativa ou se se quer ir mais longe. Porquê?
Diz a nota justificativa que a Assembleia da República só teria de preocupar-se, por razões que decorrem do texto constitucional, com três vertentes. A Lei de Bases do Cinema abrange muito mais, e gostaria de saber se esta iniciativa visa apenas o que aqui está ou se visa mais.
Segunda questão: não lenho, ao contrário dos colegas que me antecederam, grandes pruridos quanto à alteração do texto. Era óbvio que, no texto original, se verificava a falta de um «não» em qualquer lado. O texto não fazia sentido e, portanto, não tenho pruridos com isso. Tenho

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pruridos, sim, quanto ao conteúdo, porque esse mantém-se rigorosamente na mesma.
Pergunto, o que é que os senhores, ao preverem casos excepcionais, querem dizer? Querem dizer os casos em que o Governo se arroga o direito de não permitir que se capte imagem sem haver visto prévio para isso? E é esta a questão que o Sr. Deputado Carlos Lélis tem de clarificar.
Em que casos é que os senhores querem que a Assembleia os autorize, pelas razões que devem apresentar, para que o Governo possa dizer: «Não, senhor! Não é autorizado filmar naquele sentido nem naquele sentido»? São as manifestações? São determinados fenómenos, que preocupam o presidente da Região Autónoma da Madeira, que não podem ser filmados? Queremos saber quais são! Não pode vir o Sr. Deputado Carlos Lélis tentar resolver este problema recorrendo ao artigo 18.º da Constituição!...

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Artigo 168.º!

O Orador: - Uma coisa nada tem a ver com a outra! O que está em causa é um direito fundamental, o direito à liberdade de expressão, que, através da imagem e nos termos da Constituição, não pode ser censurado. Remeto V. Ex.ª, Sr. Deputado Carlos Lélis, para o n.º 2 do artigo 37.º da Constituição, em que se diz: «O exercício destes direitos [...]» - o da expressão pela imagem - s[...l não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.» Ou seja, se os senhores os querem limitar por alguma forma, que até pode ser uma forma aceitável, desde que me expliquem qual é, poderei reconsiderar. Porém, não posso é aceitar os termos em que colocam a questão.
Terceira e última questão, Sr. Deputado Carlos Lélis: entende ou não V. Ex.ª que, tratando-se de uma lei com a importância desta, isto é de uma Lei de Bases do Cinema, deveria ser a Assembleia da República - não através de um pedido de autorização legislativa como este, que nada diz - a estudá-la profundamente, a debatê-la com os profissionais do sector, a conhecer o que está feito sobre isso, as propostas que existem e não se limitar a passar um «cheque em branco» ao Governo, sobretudo neste momento, que estamos a menos de duas semanas de «fechar as portas» do Parlamento?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Carlos Lélis, muito sinteticamente, dado que o tempo de que disponho é muito escasso.
O Sr. Deputado procurou fazer, creio eu, uma construção de interpretação jurídica da proposta de lei com recurso ao n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, que, neste caso, segundo penso, é bem aplicado, na medida em que «A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.» Mas o Sr. Deputado entendeu que o princípio constitucional a ter em conta, neste caso, seria precisamente o de evitar que o exercício desses direitos pudesse ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
Sr. Deputado, então, nesse caso, o problema que se coloca é precisamente o contrário. A forma óbvia e evidente de evitar a instauração de qualquer tipo de censura não e, obviamente, a aquisição de vistos prévios mas, sim, a sua não exigência. Creio que o que o Sr. Deputado diz é um perfeito contra-senso, na medida em que a conclusão não corresponde minimamente às premissas. Isto é, a maneira mais segura de evitar a existência de qualquer tipo de censura não é, obviamente, a imposição de vistos prévios à actividade cinematográfica mas, sim, o contrário.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis, apelando ao seu poder de síntese. Dispõe de 5 minutos.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Obrigado, Srs. Deputados, pelas questões colocadas, que excederam, em muito, a minha capacidade de previsão e vão exceder, com certeza, a minha capacidade de resposta.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Isso é mau!...

O Orador: - A Sr.ª Deputada Edite Estrela falou das minhas dificuldades... Nelson dizia, na batalha de Trafalgar: «A Inglaterra espera que cada um cumpra o seu dever.» Creio que todos nós fazemos isso.

O Sr. José Sócrates (PS): - Esclarecedor!

O Orador: - Não é! Não é tão esclarecedor quanto isso. Deixe-se ficar cumprindo o dever e verá... Aliás, não estamos em Inglaterra.
Muito se tem falado dos casos excepcionais. Os senhores, nas vossas intervenções, deram o material que eu não tinha, mas dou-lhes um exemplo, na medida em que mo solicitaram, para não Ficar sozinho com a vossa capacidade de ajuda, de um caso que, de improviso, me parece excepcional: um filme que pretenda favorecer a ideologia fascista. Mas se quiserem exemplos vossos, que anotei apressadamente, posso dizer que a Sr.ª Deputada Edite Estrela fala de direitos de paisagem, que devem ser pagos, e que o Sr. Deputado António Filipe fala de casos em que monumentos nacionais serviram de cenário a filmes pornográficos. São exemplos ouvidos aqui, que registei rascunhadamente.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Também dei exemplos de política!

O Orador: - Eu também dei exemplos da minha lavra, e se VV. Ex.ªs também os deram, ainda bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Diga--os, preto no branco!

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - O Sr. Deputado está a defender o outro lado!

O Orador: - Os senhores não podem usar o estratagema de tentarem retirar da minha resposta aquilo que não obtiveram da resposta do outro lado, porque não houve tempo ou não colocaram as questões.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Quem está a defender o outro lado é o senhor, e não eu!

O Orador: - Exactamente! Dêem-me tempo nesse sentido!

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Preto no branco!

O Orador: - Na verdade, o «prelo no branco» é bastante radical, o que não somos!

Protestos do PS, do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Orador: - Sr. Presidente, faço uma observação à Mesa: uma coisa são os apartes, que são regimentais, e outra são partes gagas por parte de Srs. Deputados que, como reconhecemos perfeitamente, nada têm de gagos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não qualifico os apartes, mas, na realidade, estuo a ser excessivos para que o Sr. Deputado se possa fazer ouvir.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - A Sr.ª Deputada Edite Estrela falou de erros. Como é evidente, a palavra «não» não modifica assim tão pouco um texto. Mas é precisamente por isso e porque os extremos se tocam, neste caso, tal como disse o Sr. Deputado Jorge Lemos, a palavra «não» estava perfeitamente subentendida.
Sr.ª Deputada Edite Estrela, admiro os seus programas e prezo as suas preocupações, mas creio que esta não é a sede própria para falar, «a torto e a direito», de erros de português e de vírgulas! Não queremos textos mal escritos, mas, Sr.ª Deputada, há uma sede própria de redacção final.
E quanto às vírgulas, Sr.ª Deputada Edite Estrela, creio que elas são a «respiração» de um texto, mas são-no também do próprio autor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Algumas, Sr. Deputado!

O Orador: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca insistiu muito nas minhas dificuldades. Quem não as tem, Sr. Deputado?
Disse também que «menosprezei, à primeira vista». Não sei, Sr. Deputado, se, à segunda vista, também lhe parece isso... Se não fosse a primeira vista e sim a outras vistas, o Sr. Deputado talvez pudesse apreciar não apenas a minha intervenção de hoje mas também o meu comportamento nesta Casa, que não menospreza nada.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Deputado, o que eu queria era que V. Ex.ª justificasse a proposta de alteração do PSD. Existe uma proposta de alteração, então diga quais os critérios que vão ser adoptados! Não me interessa o que lhe parece, porque o Sr. Deputado é um homem de bem. O que eu quero é ver o «preto no branco».
Aquilo que estou a dizer-lhe não são «partes gagas», estou a pedir-lhe que justifique a sua proposta de alteração, Sr. Deputado!

O Orador: - Registo, com prazer, o facto de ter transcrito as «partes gagas», já que me parece que concorda com elas...! Mas, como é evidente, Sr. Deputado, elas não se referiam a si!
Como o Sr. Deputado insistiu bastante nesse caso do menosprezo, eu também tive de referi-lo!
Quanto a casos e exemplos que pediu, já me referi a três: um da minha lavra e dois recolhidos aqui! Quer mais? «Três é o número que Deus fez», portanto contente-se com isso, contente-se com Deus!
O Sr. Deputado queria o texto para poder pronunciar-se. Bem, não temos tudo, não há que criar obstáculos! Diz também que é preciso ter cautela. A «cautela nunca fez mal a doentes», Sr. Deputado, e nós, da bancada do PSD, estamos vivos, com saúde e recomendamo-nos!
O Sr. Deputado Jorge Lemos perguntou-me se o Governo pretende cingir-se ao que está aqui ou se quer ir mais longe. Creio que o Governo já foi bastante longe e seria fácil ao Sr. Deputado dizer que o Governo até iria longe de mais! Sendo assim, o «preso por ter cão e por não ter» é absolutamente visível neste processo! Aliás, V. Ex.ª tem uma característica, que não constitui um elogio: faz perguntas inteligentes para as quais, inteligentemente, também já tem a resposta!
Quanto aos exemplos que pediu, idem, idem, aspas, aspas.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Não são exemplos! É a identificação de casos.

O Orador: - O Sr. Deputado perguntou ainda se não deveria ser a Assembleia a fazer uma lei sobre esta matéria, com audiências e tudo o mais. Lembro ao Sr. Deputado que entre a Assembleia da República e o Governo há uma competência legislativa concorrencial.
Quanto ao Sr. Deputado Manuel Filipe, os exemplos e as explicações que dei a uns e outros também servem para si.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da proposta de lei n.º 182/V e vamos entrar no terceiro ponto da nossa ordem do dia de hoje, com a apreciação da proposta de lei n.º 191/V, que altera a Lei n.º 29/81, de 22 Agosto (Lei de Defesa do Consumidor).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor (Macário Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar este pedido de autorização legislativa, o Governo está animado de um conjunto de razões que tem a ver, em primeiro lugar, com o facto de a defesa dos cidadãos, da promoção dos seus direitos difusos e, num sentido mais global, da defesa do consumidor lhe lerem merecido particular apreço e importância.
Nesse sentido, apresentámos legislação vária, que entendemos necessária para alargar esse leque de defesa dos interesses do consumidor a nível interno e, em muitos casos, fazendo-o também por transposição da legislação comunitária, o que se impunha fazer, e em relação a esta matéria não temos hoje qualquer diploma em atraso!

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Por outro lado, entrou também em funcionamento, durante o período desta legislatura, a Comissão de Segurança de Bens e Serviços, a qual tem, oportunamente, feito várias recomendações no sentido do alargamento desta política de defesa do consumidor.
Pusemos lambem em marcha algumas iniciativas pioneiras em termos de arbitragem de conflitos de consumo, realizámos vários testes comparativos, demos um apoio crescente aos cidadãos, que, de uma forma mais bem enquadrada, têm apresentado as suas queixas e reclamações e neste momento conseguimos já dar resposta a todas as que nos foram apresentadas - cerca de 10 000 a 12 000 em cada ano, nos últimos anos.
Conseguimos ainda fazer a descentralização da política de defesa do consumidor, colocando em funcionamento, por todo o País e junto das autarquias, cerca de 30 centros de informação autárquica ao consumidor.
Mas, para além deste quadro já definido e conseguido, queremos ir mais além e alargar as possibilidades dos consumidores, de forma a verem consagrado na lei um certo número de regalias e de outros direitos.
É nesse sentido que, decorridos 10 anos após a lei de 1981, entendemos que é oportuno fazer mais. E é necessário fazer mais porque houve uma revisão constitucional, em 1982, que aprofundou alguns conceitos em matéria de defesa do consumidor e porque a última revisão constitucional, a de 1989, fez também com que esta matéria fosse objecto de uma particular atenção, colocando a política de defesa do consumidor num capítulo próprio, porventura ainda mais relevante em termos daquilo que é o pensamento do Estado em lermos de defesa do consumidor.
Todavia, estes aspectos que refiro, conjugados com a entrada de Portugal na CEE em 1986, fazem com que, nos últimos 10 anos, factos relevantes levem a que essa alteração seja agora justa, oportuna e adequada.
É nesse sentido que queremos que a nova legislação faça a inclusão expressa das regiões autónomas no elenco das entidades sujeitas ao dever geral de prelecção dos consumidores, coisa que no quadro jurídico actual não está explícito, ainda que se possa entender como implícito.
Queremos também que seja feita legislação no sentido da utilização do critério do destino não profissional dos bens e serviços adquiridos, possuídos ou utilizados como essencial à definição de consumidor.
Queremos ainda fazer a inclusão e a regulamentação do direito dos consumidores à qualidade de bens e serviços destinados ao consumo e ainda outros aspectos, entre os quais o desenvolvimento do dever dos profissionais de prestarem informação cabal aos consumidores, bem como o reforço das garantias do consumidor face às práticas comerciais agressivas e ainda o desenvolvimento dos direitos e prerrogativas das associações de consumidores, designadamente na defesa de interesses difusos.
São estes os aspectos que nos parece oportuno fazer realçar como matérias sobre as quais importa ir mais além. Nesse sentido, no ano passado, preparámos um projecto de diploma que foi objecto de audição de quase duas dezenas de entidades não governamentais, entre associações profissionais do lado dos empregadores, associações de defesa do consumidor e vários outros departamentos que, directa ou indirectamente, tem a ver com esta matéria, em particular na área comercial, saúde, segurança e outros. Todo este processo teve mesmo uma reunião pública, no passado mês de Janeiro, em que todos os intervenientes puderam dialogar entre si e connosco, Governo, no sentido de obter sugestões, de obter críticas oportunas em relação a este projecto que queremos levar por diante.
Este é um projecto para os anos 90 que pretende, numa fase final do actual Governo, servir de coroamento, de elemento de fecho, de uma política que se desenvolveu com princípios e objectivos claros e que queremos fechar com este pedido de autorização legislativa, no sentido de podermos rever vários aspectos da legislação em vigor.
Em bom rigor, poderíamos não ter vindo aqui com este pedido, pois, na interpretação de alguns juristas, ele é desnecessário; porém, quisemos fazê-lo pela dignidade e pela importância que a matéria tem. É nesse sentido que o Governo submete ao Parlamento este pedido de autorização legislativa, por forma a que, em legislação própria, em decreto-lei em especial, possa fazer o desenvolvimento das temáticas que aqui apresentei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Ilda Figueiredo, Nogueira de Brito, José Sócrates, Carlos Lilaia, José Magalhães e João Corregedor da Fonseca.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Vou começar o meu pedido de esclarecimento pela última parte da intervenção do Sr. Secretário de Estado.
Como é que se entende que, tendo decorrido os quatro anos desta legislatura, mais os que anteriormente decorreram do governo do Prof. Cavaco Silva, tendo o Governo, afinal, elaborado no ano passado um projecto de diploma, que diz ter posto à discussão pública, e tendo realizado em Janeiro deste ano uma reunião pública, a Assembleia da República desconheça completamente o diploma, desconheça os resultados da discussão pública? Como é que se entende que a Assembleia da República não tenha o direito de conhecer o diploma que o Governo pretende publicar e que o Governo se limite a vir aqui, quatro meses antes das eleições, fazer um pedido de autorização legislativa que se limita a enunciar os títulos da actual Lei de Defesa do Consumidor, publicada em 1981 e aprovada com grande consenso nesta Assembleia, pois apenas o PSD e o CDS se abstiveram?
Assim sendo, não acha, Sr. Secretário de Estado, que, no mínimo, era essencial enviar à Assembleia da República o texto de diploma que pretende publicar, se é que pretende, nos quatro meses que faltam, para remendar o que não fez durante os sete anos?
Como se entende que o Governo pretenda fazer alterações, que, aliás, não dá a conhecer à Assembleia da República no pedido de autorização legislativa, nomeadamente quanto ao desenvolvimento dos direitos e prerrogativas das associações de consumidores, sem ter em conta, por exemplo, a necessidade de diminuir o número de membros exigível para que as associações sejam reconhecidas como genéricas?
Como é que se entende que venha falar do estabelecimento de uma definição de consumidor a partir do critério do destino não profissional dos bens e serviços adquiridos, possuídos e utilizados, se esse é já hoje o sentido da Lei de Defesa do Consumidor? Estarei enganada? Não conheço o sentido que o Governo lhe quer dar, porque este não se dignou enviar à Assembleia da República o texto do diploma que pretende publicar. Assim, todas as

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minhas dúvidas são legítimas, na medida em que o Governo não nos disse o que quer.
Por exemplo, como é que quer reforçar as garantias ao dispor do consumidor face a práticas comerciais agressivas? Enfim, este é todo um conjunto de questões que a Assembleia da República desconhece e de que a autorização legislativa não revela o segredo, que não devia ser a alma de nenhum negócio, mas que o está aqui a ser, que deve ser clarificado e ainda hoje, no mínimo, deve ser aqui divulgado o diploma que o Governo pretende publicar.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor, a explicação que deu sobre a necessidade ou a desnecessidade de vir aqui é realmente estranha. E é sobretudo estranho que V. Ex.ª se tenha limitado a vir aqui com um pedido de autorização legislativa para alterar uma lei discutida e aprovada na Assembleia da República!
Quero colocar ao Sr. Secretário de Estado a seguinte questão, que desdobrarei em algumas outras: o que ó que V. Ex.ª realmente pretende com a alteração da Lei n.º 29/81?
V. Ex.ª não ignora certamente que a defesa do consumidor não tem residido minimamente no texto da Lei n.º 29/81.

O Sr. José Magalhães (Indep): - Exacto!

O Orador: - A defesa do consumidor tem residido numa série de outros diplomas, muitos deles sem a natureza de lei formal da Assembleia da República. Contam-se entre esses diplomas aquele que estabelece o princípio da responsabilidade civil do produtor em relação ao destinatário dos bens produzidos, o Código da Publicidade, ainda há tão pouco tempo revisto de uma forma tão canhestra,...

O Sr. Jorge Lemos (Indep): - Como vai sendo hábito!

O Orador: -... e o diploma que enumera os tipos legais de delitos contra a economia e contra a saúde pública e prevê as respectivas punições. São estes diplomas que tem, no seu conjunto, soluções concebidas que têm sido utilizadas em defesa do consumidor. Não é a Lei da Defesa do Consumidor, este quadro vago, que tem servido o consumidor!...
Pergunto-lhe, por isso, o que e que o Sr. Secretário de Estado pretende. Será esta proposta de lei uma operação pura e simples de publicidade enganosa e - diria - quase fraudulenta em favor do Governo?

O Sr. José Magalhães (Indep): - É isso mesmo!

O Orador: - Vem aqui dizer-se que se vai alterar uma lei de defesa do consumidor, mas não se vai alterar coisa nenhuma!
Qual é a importância, por exemplo, da alteração do conceito de consumidor? Qual é o alcance que se pretende obter neste domínio? Por que ó que se altera o conceito de consumidor, se, como dizia a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, ele já resultava perfeitamente da lei, já que a expressão «utilização não profissional» equivalia ao «uso privado por pessoa singular ou colectiva»? Que outro sentido poderia ter a expressão «uso privado por pessoa singular ou colectiva»? Que caixa de surpresas vai revelar esta alteração do conceito de consumidor»? Não percebo bem o quê!...
O que é isto da prestação pelos profissionais de «informação cabal aos consumidores, salvaguardando a posição contratual destes»? O Sr. Secretário de Estado estará a pensar também nalguns diplomas, já publicados, sobre vendas ao domicílio e vendas por correspondência? É nisso que o Sr. Secretário de Estado está a pensar? O que é que o Sr. Secretário de Estado pretende ao falar em «salvaguardar a posição contratual dos consumidores»?
O Sr. Secretário de Estado quer «reforçar as garantias ao dispor do consumidor face a práticas comerciais agressivas». O que é isto, para além do que está legislado em matéria de publicidade? É através desta pequena alteração que o Sr. Secretário de Estado vai conseguir - desculpar-me-á a expressão - «descalçar a bota» da publicidade dos bancos, que escandalosamente não tem conseguido descalçar? Enquanto os serviços da Administração actuam, relativamente a pequenas infracções em matéria de publicidade, contra produtores de bens de pequena importância, não conseguem actuar contra essa forma de publicidade, apesar de todas as afirmações que, em boa hora lhe têm sido atribuídas, feitas por V. Ex.ª

O Sr. Jorge Lemos (Indep): - Muito bem!

O Orador: - O que é, Sr. Secretário de Estado, «possibilitar a pronta intervenção da Administração nos casos de ofensa grave aos direitos dos consumidores»? Já existe esta pronta intervenção, através da possibilidade de apreensão, que, no entanto, tem de ser confirmada pelo Ministério Público. Pensa o Sr. Secretário de Estado possibilitar que a Administração arbitrariamente possa apreender bens e causar, por esta via, danos aos produtores e aos comerciantes? O que e que se pretende mais nesta matéria, para além daquilo que já está legislado?
Sr. Secretário de Estado, sem conhecermos o verdadeiro sentido das alterações cujo objecto está vagamente definido nesta proposta, não poderemos aunar com o sentido do voto que lhe vamos conferir.

O Sr. Jorge Lemos (Indep): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor, a história desta alteração que se pretende introduzir na Lei da Defesa do Consumidor é uma história antiga, desde logo com quatro anos de promessas, no Programa do Governo do PSD, quatro anos de discussões internas nos diversos sectores da Administração, quatro anos em que a sua revisão tem sido pensada nos diversos gabinetes, quatro anos de propostas, projectos, anteprojectos, notas críticas, etc...

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Está enganado, Sr. Deputado!

O Orador: - Sim, talvez eu esteja enganado e até seja mais de quatro anos, talvez tenha começado antes...

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O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Nem sequer consta do Programa do Governo!

O Orador: - Foram, pois, quatro anos de incapacidade do Governo para fazer doutrina, o que se confirma agora. O Governo não tem doutrina sobre esta matéria: não consegue fazer doutrina e, para se safar dessa nódoa, desse vazio, dessa condenação explícita, já que existe a promessa que não está cumprida, o Governo apresenta agora, aqui, uma proposta de autorização legislativa cheia de banalidades, lugares-comuns, generalidades, que não definem exactamente o sentido e a orientação da alteração que se pretende introduzir. Daí as perguntas que ainda agora acabámos de ouvir sobre o que é que se pretende efectivamente alterar.
Esta proposta não é mais do que uma tentativa de apagar uma nódoa, que é apenas mais uma nódoa em toda a enorme nódoa da política de defesa do consumidor, que o Sr. Secretário de Estado tratou de forma idílica, como se vivêssemos no melhor país do mundo em que qualquer pequeno direito dos consumidores fosse assegurado...
Diz o Sr. Secretário de Estado que a iniciativa é justa e oportuna e vem no momento exacto. Vem num momento exacto apenas com o objectivo de caçar votos, ou seja, apenas como um instrumento de propaganda do Governo, para disfarçar aquilo que é uma enorme incapacidade. Há quatro anos que o Sr. Secretário de Estado anda a dizer que vai tomar esta iniciativa, que tem a proposta de lei quase pronta, que anda lá a percorrer gabinete a gabinete, mas depois, como verificamos, nem sequer consegue mandar a alteração à lei.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Olhe que não e verdade!

O Orador: - Foi apresentado, já há uns tempos, um projecto de lei, pelo PS, que está cansado das suas afirmações. Há anos que o Sr. Secretário de Estado...

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Esse é que 6 antigo!

O Orador: - Ainda não o leu?!... Pois deveria ter obrigação de o ler e é pena que não o tenha feito!...
Isto é política, é doutrina. O Sr. Secretário de Estado não a tem, porque não conseguiu formá-la durante estes quatro anos, mas mandou agora para aqui uma série de princípios que só significam o seguinte: o Sr. Secretário de Estado quer esconder o fracasso apresentando esta proposta de lei, que não é a sua coroa de glória, mas, no fundo, a coroa da sua incapacidade para construir uma política de defesa do consumidor.
Por fim, inacreditavelmente, diz o Sr. Secretário de Estado: «Somos tão magnânimos que ate vimos aqui discutir isto!»
Sr. Secretário de Estado, a anterior lei foi discutida na Assembleia da República. V. Ex.ª sabe perfeitamente que todas as questões que dizem respeito à defesa do consumidor devem ser participadas e merecer o maior consenso possível. Por conseguinte, o senhor tinha obrigação disso! Aliás, salvo erro - não quero afiançá-lo -, o senhor já manifestou, numa determinada reunião, a intenção de trazer essas questões à discussão desta Assembleia da República, por forma a possibilitar um consenso alargado.
Portanto, se não o fez, foi porque não tem propostas e porque não foi capaz de dirimir as tensões entre os diversos gabinetes ministeriais - naturalmente que isto faz «cócegas» ao Sr. Ministro do Comércio e Turismo e a outros... Assim, o Sr. Secretário de Estado vem confessar a esta Assembleia que não possui doutrina sobre a problemática da alteração à Lei de Defesa do Consumidor.

Aplausos do PS.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Olhe que está enganado, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Lilaia, quero informar VV. Ex.ªs de que, por acordo estabelecido genericamente, a conferência dos representantes dos grupos parlamentares reúne no próximo dia 5 de Junho, quarta-feira, pelas 10 horas.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor, considerando uma proposta de lei como esta, em que não são fornecidos os elementos que, em nossa opinião, deveriam acompanhá-la - designadamente o texto final daquilo que virá a ser esta alteração -, diria que estamos, à partida, debilitados ao iniciar este tipo de discussão com o Governo.
Na verdade, não podemos deixar de estar de acordo com todo um conjunto de afirmações de sentido ético, mas também de grande carácter genérico, como as que surgem, por exemplo, no artigo 2.º da proposta de lei em apreço.
Trata-se de reforçar as garantias ao dispor do consumidor, de desenvolver os direitos e prerrogativas das associações, de reforçar a protecção jurídica dos consumidores... Enfim, no essencial, trata-se de todo um conjunto de afirmações que, salvo melhor opinião, também já se encontra devidamente contido na Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto.
Por conseguinte, se alguma coisa há a alterar - provavelmente que haverá -, estamos, à partida, impossibilitados de conhecer o verdadeiro sentido e alcance das modificações que se pretendem introduzir.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Concretamente, no que diz respeito à alínea a) do artigo 2.º, penso que, pelo menos pela minha parte e, provavelmente, pela de outras bancadas, também não se consegue apreender bem qual o interesse que existe no estabelecimento de uma nova definição de consumidor. É que tenho como boa a que consta do artigo 2.º da Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto, e não consigo entender qual o sentido que se pretende com aquele preceito da proposta de lei.
Assim, solicitava ao Sr. Secretário de Estado que nos desse uma informação sobre isto.
Relativamente às alíneas f) e g), é evidente que temos de estar também de acordo com a proposta ora apresentada, no sentido de estabelecer limites inferiores como prazos de garantia para os utilizadores de serviços a prestar no pós-venda, sobretudo no que diz respeito a bens de longa duração.

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No entanto, embora com as reservas há pouco levantadas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito e em relação a esta questão da retirada de bens do circuito comercial, temos também de nos congratular com esta iniciativa.

Finalmente, Sr. Secretário de Estado, gostaria de colocar-lhe uma questão mais de fundo.

Relativamente à figura do prestador de serviço e a tudo aquilo que está incluído nesta defesa dos direitos do consumidor no que concerne à prestação de serviços, neste momento a ser alvo de discussflo no âmbito das Comunidades Europeias, gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado se a proposta de lei de autorização legislativa que o Governo apresenta à Assembleia contempla já esta maioria, isto é, se antecipa alguns dos resultados dessa discussão ainda não concluída ao nível comunitário.

No entanto, ainda relativamente a esta matéria dos prestadores de serviço, gostaria que me dissesse o que é que, de facto, virá a ficar vertido ao nível da legislação portuguesa. É que, como sabe, trata-se de matéria extremamente sensível, a qual ainda não se encontra devidamente a coberto no ordenamento jurídico português.

O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (indcp.): — Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor, creio que, depois de o lerem posto ontem a pedalar, pesadamente agarrado à bicicleta, o mandaram hoje para a Assembleia da República para spedalar» no Hemiciclo ião mal como pedalou na avenida, com a diferença de que aqui V. Ex.º...

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: —Está enganado!

O Orador: — Estou enganado? V. Ex.º pedalou bem?...

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: — Pedalo melhor do que você!

O Orador:—Pois se pedalou bem lá, aqui pedalou mal! É que, como já foi sublinhado, V. Ex.1 vem propor, tarde e a más horas, a revisão da Lei de Defesa do Consumidor aqui aprovada por unanimidade, não nos dizendo em que é que vai consistir essa revisão!

Mais ainda: V. Ex.1 atabalhoa de tal forma a exposição que prevê coisas que não estão previstas na proposta. Por exemplo, é esse o caso quando prevê que a proposta obrigue à fixação dos deveres das regiões autónomas nesta matéria — muito bem! —, mas se ler a proposta isso não está lá previsto...

Por conseguinte, W. Ex." prevêm, oralmente, coisas que estão na vossa mente, não se dão ao trabalho de explicitá-las no texto e fazem pseudo-revisOes globais para não fazerem o que deveriam ter feito! É que há institutos da Lei de Defesa do Consumidor que deveriam estar regulamentados e não estão!

Pergunto-lhe, pois: porquõ?!

O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (indep.): — Sr. Secretário de Estado, não há que enganarmo-nos: V. Ex.1, com certeza, vai dizer o mesmo que eu, isto é,

que, como é evidente, os direitos dos consumidores não estão devidamente defendidos no nosso país.

Ora, como V. Ex.1 sabe, é patente aos olhos de todos a agressividade de determinado tipo de situações que se criam aos consumidores. Mas a verdade é que há diversas matérias que não estão devidamente salvaguardadas por iniciativas legislativas, questão esta que já foi aqui colocada por mais de uma vez.

Quando V. Ex.1 diz que o Governo defende os consumidores, bom seria, Sr. Secretário de Estado, que ao Instituto de Defesa do Consumidor fossem concedidos mais poderes, mais verbas, mais meios, para levar a bom termo os seus objectivos. É que, como V. Ex.1 sabe, quando todos os anos se discute aqui o Orçamento do Estado, o Instituto de Defesa do Consumidor é aí considerado um parente.

É bom que fique claro, Sr. Secretário de Estado, que o Governo não faz qualquer favor ao trazer esta matéria aqui para discussão e que a Assembleia da República não é um brinquedo... Não se pode dizer: sHoje vamos lá, amanhã, não; vamos fazer o favor de lá ir, ou não fazer favor nenhum»!... V. Ex.1 não faz favor algum! Pelo contrário, tem obrigação de trazer aqui as matérias para debate!

Aliás, V. Ex.1 tinha uma maior obrigação, que era a de trazer aqui o projecto de decreto-lci que pretende elaborar através desta autorização legislativa. Nós gostávamos de saber, Sr. Secretário de Estado — e isso já foi focado aqui mais do que uma vez —, como é que o Governo pretende assegurar os deveres profissionais, os deveres de prestação,... como vão ser reforçadas as garantias ao dispor do consumidor, como vai ser reforçada a protecção jurídica do consumidor e facilitado o seu acesso à justiça. É que nós sabemos que o acesso à justiça, neste país, é muito dificultado.

O que gostaríamos, relativamente a esta e a outras matérias constantes daquela série de alíneas, era de ver, spreto no branco», uma vez mais o digo, para podermos fazer um juízo e aquilatar daquilo que W. Ex." pretendem.

É evidente que a questão é uma só: é que, no srabo» desta legislatura, o Governo trata de apresentar uma iniciativa legislativa para dizer ao País desprevenido: sVoem?... O nosso Governo está a defender os consumidores!»

Bom seria, Sr. Secretário de Estado, que os tivesse defendido ao longo destes anos e que nos trouxesse aqui, a matéria clara, para nós sabermos que tipo de dccreto-lci vai ser apresentado ao País e para evitarmos situações fáceis, como aquela que, a partir de agora, vai ser utilizada por V. Ex.1 e pelo Governo para, através dos meios de propaganda habituais, fazerem a vossa propaganda clcitoralisia.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer aos Srs. Deputados interpelamos que, em matéria de defesa do consumidor, aquilo que fizemos nos últimos anos é claro —de resto, fiz aqui referência expressa a isso—em vários domínios: no campo legislativo; no campo da descentralização; no campo da promoção dos interesses dos consumidores, atendendo as suas queixas e reclamações, encaminhando-as e fazendo o tratamento jurídico de tudo isso. Fizemos isso! É obra feita

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e está à vista! É, pois, desnecessário estar com argumentação demagógica, porque os factos falam por si.
Portanto, repito, em relação àquilo que temos feito, isso é claro, na medida em que Portugal está à frente, em termos de legislação e de mecanismos de defesa do consumidor, de vários outros países comunitários, que têm sido um travão permanente ao avanço dessa política a nível da Europa comunitária. De resto, estamos aqui para dar a palavra aos Srs. Deputados e aos representantes das mais variadas forças políticas para que esta matéria seja discutida abertamente. E é nesse sentido que, nos últimos tempos, tenho promovido tantas reuniões e discussões em volta desta temática.
Devo ainda dizer - e isto para esclarecer o Sr. Deputado José Sócrates - que não há qualquer referência expressa no Programa do Governo à elaboração de uma nova Lei de Bases de Defesa do Consumidor. Estamos aqui numa iniciativa que está para além do Programa do Governo e que entendemos útil e necessária, porque tudo aquilo que constava do Programa do Governo, em matéria de defesa do consumidor, está feito. Estamos aqui para ir além disso. E é isso que os Srs. Deputados não querem ver, mas, sim, ignorar.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Não! Nós queremos ver!

O Orador: - Mais do que isso, devo dizer-lhe, Sr. Deputado José Magalhães, que o desafio a pedalar comigo em qualquer lugar e em quaisquer circunstâncias!...

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Pedale aqui!

O Orador: - E digo-lhe mais: é bom que apareça e que não faça como alguns dirigentes do seu novo partido, que dizem que aparecem e, depois, não aparecem. É que nós temos de assumir as coisas claramente.
Em relação à matéria que referi, quero dizer aos Srs. Deputados que nós temos ideias claras quanto àquilo que pretendemos fazer. Relativamente aos direitos e prerrogativas das associações de defesa do consumidor, é claro que, hoje em dia, há vários aspectos que tem de ser revistos. A repartição de actividade genérica dessas associações, em termos do número dos seus associados, é matéria que tem de ser revista e pretendemos fazê-lo - este é um caso concreto. Em termos das práticas comerciais agressivas, há várias. Aliás, brevemente e com mais detalhe abordá-las-ei publicamente na área dos seguros, tal como já o fiz na área da banca. É necessário um novo código jurídico que permita defender melhor os consumidores contra essas práticas agressivas, que no actual quadro jurídico escapam por entre alguns preceitos legais que têm de ser aperfeiçoados e aprofundados.
Por outro lado, quando se fala de «informação cabal aos consumidores», é verdade que há um certo número de actos de prestação de serviços e de venda de bens que são feitos com pequenos contratos, onde, em termos dos direitos dos consumidores, não há um conjunto de regras estabelecidas que entendemos que tom de existir por forma a salvaguardar e aprofundar essa matéria.
No que loca à qualidade dos bens e serviços, julgamos que, em particular na área dos serviços, e muito em especial na área dos transportes, há muito a fazer. Essa qualidade, hoje em dia, está aquém daquilo que é desejável e é necessário que se faça o aprofundamento da legislação para se poder dar resposta a esse problema.
Por outro lado, no que respeita ao destino não profissional dos bens e serviços adquiridos, talvez não tenham reparado que a legislação em vigor hoje em dia apresenta algumas nuances que importa clarificar para defender esses aspectos.
Bom, mas além desses exemplos, muitos outros haveria para dar, só que o tempo aqui é escasso, não me permitindo dar uma explicação mais detalhada. No entanto, reafirmo que, quando o fazemos, fazemo-lo na perfeita consciência de que são necessários estes avanços e de que a sua importância nos leva a pedir esta autorização. Foi esse o entendimento de cerca de 20 entidades não governamentais que connosco trabalharam. E seria menosprezar o seu trabalho, se as afirmações aqui produzidas pelos senhores deputados fossem do conhecimento dessas entidades. Espero que não o sejam, porque, caso contrário, seria impróprio aquilo que disseram em relação a essas entidades que deram o seu contributo válido e que entendem, tal como nós, que é necessário fazer mais legislação para reforçar este «esqueleto» que, há 10 anos, se vem aperfeiçoando. De facto, vária legislação avulsa tem sido produzida, mas é a própria legislação de base que tem de ser aprofundada, para que, depois, alguns diplomas daí derivados possam ser levados por diante, nos próximos anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, gostaria de ver aclarada uma referência um tanto obscura contida na intervenção do Sr. Secretário de Estado...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como deve compreender, tenho de defender a boa gestão dos tempos...

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, V. Ex.ª tem de defender os tempos e eu a honra, neste caso concreto.
Aliás, Sr. Presidente, o CDS tinha-me cedido algum tempo.

O Sr. Presidente: - Então, para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, que dispõe de um minuto cedido pelo CDS.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O espanto piedoso do Sr. Secretário de Estado, do Sr. Macário de Estado, nesta matéria, resulta da sua inexperiência...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, aí está a ir longe de mais!

O Orador: - Aí, aonde, Sr. Presidente?...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa e eu, particularmente, temos procurado conduzir esta sessão com o máximo cuidado, evitando ser extremamente rigorosos, tentando, no entanto, gerir os tempos o melhor possível.

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Concedi-lhe algum tempo para usar da palavra e julgo que o Sr. Deputado não tem o direito de fazer trocadilhos com os nomes próprios de quem quer que seja, pelo que, desde já, lhe solicito que mantenha o nível adequado ao debate.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Sr. Presidente, a minha primeira observação é para manifestar estranheza em relação à observação de V. Ex.ª, porque, nesta Casa, tem de haver um critério apenas.
V. Ex.ª ouviu, impassivelmente, alusões perfeitamente aleivosas feitas pelo Sr. Secretário de Estado e não sentiu necessidade de chamar à ordem um membro do Governo, mas sente agora...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, às vezes, em face de situações de comentário ou de análise de carácter político, aceito o uso de uma linguagem que, em meu entender, poderia ser perfeitamente evitada, pois não é mais adequada a esta Câmara, mas nunca deixei de chamar a atenção a quem a tenha usado, pelo que também não permitirei que esse tipo de linguagem seja usado quando se trata de discutir questões de natureza pessoal. Neste aspecto, tenho procurado sempre ser rigoroso em todas as circunstâncias.
O Sr. Deputado José Magalhães fez um trocadilho entre o nome próprio do Sr. Secretário de Estado e a função que ele exerce. Ora, nesta circunstância, considerei, hoje - e considerarei sempre -, que se tratava de um abuso pessoal e, portanto, chamei-o à atenção.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Se me permite, Sr. Presidente, continuarei no uso da palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permito-lhe que continue durante o minuto que lhe foi concedido, mas solicito-lhe que respeite os critérios que acabei de enunciar.

O Orador: - Sr. Presidente, não vejo qualquer razão para tanto melindre, tanto receio, tanta suspensão. Eu não mordo, Sr. Presidente!... Eu gostava apenas de dizer ao Sr. Secretário de Estado que, quer eu quer a generalidade dos deputados desta Casa, colocámos perguntas políticas sobre o sentido de uma autorização legislativa e eu, particularmente, gostaria de saber qual o sentido dela. Isto é, por que é que se pretende fazer uma revisão da Lei de Defesa do Consumidor que aqui foi aprovada por unanimidade?
Ora, o Sr. Secretário de Estado «meteu os pés pelas mãos», não nos definiu o sentido da autorização legislativa, não aditou «um grama» ao que tinha dito e terminou a sua intervenção - coisa que não choca V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a que também sou indiferente, devo dizer-lhe - convidando-me para a «pedalada». Foi isto que aconteceu! E mais, convidando-me para a pedalada chamando-me à responsabilidade devido a compromissos - suponho eu que assumidos pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa - ou a outra qualquer história desse tipo, que é uma «história de bolso» que o Sr. Secretário de Estado aqui trouxe e que nada tem a ver com o debate que está a ser travado no Hemiciclo - coisa que eu muito estranho -, o que, em termos de debate parlamentar, está ao nível de uma desconversa. Isto, Sr. Presidente, não chocou V. Ex.ª....

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em primeiro lugar, devo dizer que a Mesa concedeu-lhe algum tempo e que V. Ex.ª já está a ultrapassá-lo. Por outro lado, não posso deixar de salientar que o Sr. Deputado começou a sua intervenção referindo-se, exactamente, às «pedaladas» do Sr. Secretário de Estado e eu também não o chamei à atenção nessa altura. Portanto, não pode pensar que estou a utilizar dois pesos e duas medidas!

Aplausos do PSD.

Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª deseja usar da palavra para responder?

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Agradeço-lhe, mas não quero, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quando se lê o preâmbulo da proposta de lei n.º 191/V, que pretende que seja concedida autorização legislativa ao Governo para alterar a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 29/81), e quando se ouve também o Sr. Secretário de Estado falar, idilicamente, das questões de defesa do consumidor, até se fica com a ideia de que o Governo quer introduzir novos temas e ir mais longe na defesa dos direitos dos consumidores, designadamente no que se refere à necessidade de garantir o acesso dos consumidores, em termos de preços e qualidade, aos bens e serviços essenciais, nomeadamente aos bens alimentares, da saúde e da habitação.
Só que, quando se olha para o sentido e para a extensão da legislação que pretende elaborar, verifica-se que o Governo se limita a enunciar alguns dos princípios que já estão estabelecidos na Lei n.º 29/81. Nada acrescenta de novo. Nada, nem no pedido de autorização legislativa nem nas respostas que o Sr. Secretário de Estado acaba de dar!
Então, para que serve a autorização legislativa?
Se o Governo pretende, como afirma no preâmbulo, ter em conta o cumprimento da Constituição da República, designadamente quanto ao reforço dos direitos dos consumidores, agora inseridos entre os direitos e os deveres económicos, depois da segunda revisão constitucional, então devia dar particular atenção à garantia de acesso dos consumidores, em termos de preço e de qualidade, aos bens e serviços essenciais.
Mais ainda, o Governo devia dar particular atenção a certos direitos dos consumidores, designadamente os relacionados com a protecção da saúde e segurança, e a defesa da saúde pública. Mas nada disto é feito. Nem tão-pouco são atendidas as lacunas e deficiências dos direitos atribuídos aos consumidores em Portugal!
Como é referido no Guia do Consumidor, elaborado pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, em 1987, apesar de nos últimos 10 anos o direito português ter sido dotado de um quadro legislativo suficiente e coerente para o desenvolvimento de uma política de defesa dos consumidores, há ainda algumas lacunas, que, no fundamental, se mantêm actuais, designadamente: insuficiência das normas de prevenção e de qualidade em relação a certos

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produtos e serviços; inexistência de regulamentação sobre a garantia dos bens e serviços e a assistência pós-venda; inadaptação do processo judicial à particularidade dos litígios que envolvam consumidores; incumprimento do direito à formação, através da inclusão dos programas escolares de disciplinas dedicadas ao consumo e aos direitos dos consumidores.
Ora, a verdade é que estas lacunas, no essencial, continuam a verificar-se. Mas para isso o Governo não precisa de autorização legislativa; precisa, sim, de cumprir a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto, o que não tem feito, como se vê! Precisa de regulamentar a lei em tudo o que não seja de aplicação directa e, designadamente, quanto à prevenção genérica dos riscos -um dos artigos da Lei n.º 29/81 -, à prevenção específica dos riscos - outro artigo da Lei n.º 29/81 -, no direito à igualdade e à lealdade na contratação, nomeadamente no direito à prestação pelo fornecedor de bens de consumo duradouro, de serviços satisfatórios de assistência pós-venda, incluindo o fornecimento de peças durante o período de duração média normal dos bens fornecidos.
Todos estes princípios estão estabelecidos na Lei n.º 29/81. O que falta é a sua regulamentação e aplicação.
E mesmo quando o Governo, na alínea f) do artigo 2.ª do presente pedido de autorização legislativa, fala em estabelecer um conjunto de garantias de serviços a prestar pós-venda pelos fornecedores de bens de longa duração, por prazo não inferior a cinco anos, o que pretenderá, afinal, não será limitar o alcance do que hoje admite o artigo 7.º da Lei de Defesa do Consumidor, que não estabelece qualquer prazo?
Por outro lado, sabendo-se que os consumidores se encontram numa situação de desprotecção, que se acentua o desequilíbrio do poder de intervenção entre produtores e consumidores, e dado o desenvolvimento dos meios de produção e do comércio internacional, em que as mensagens publicitárias são aliciantes e surgem novas técnicas de venda, impõe-se dar a maior atenção à formação e informação dos consumidores e aos incentivos ao reforço do movimento associativo.
Daí que qualquer alteração da Lei de Defesa do Consumidor deva ter por base estes princípios e só se concretizar depois de um amplo debate público, designadamente com a participação das associações de defesa do consumidor, ou seja, exactamente aquilo que não foi feito - pelo menos, se isso aconteceu, esta Assembleia não teve conhecimento.
Aliás, como se entende que agora, no fim da legislatura, o Governo venha pedir uma autorização legislativa assinada pelo ex-ministro Fernando Real, em termos tão genéricos que se limita a enunciar os títulos da lei em vigor?
Citando, mais uma vez, o Guia do Consumidor, o que é fundamental é regulamentar a Lei de Defesa do Consumidor, pôr em prática o cumprimento do direito à formação, através da inclusão nos programas escolares de disciplinas dedicadas ao consumo e aos direitos dos consumidores, fazer aplicar o Código de Publicidade, desenvolver uma política activa de informação dos consumidores, reforçar o apoio aos movimentos associativos e fomentar a prática de reclamação individual e colectiva e a utilização efectiva e crescente dos meios de conciliação entre consumidores e fornecedores.
O Governo não pode, pois, vir agora com um pedido de autorização legislativa para tentar escamotear da opinião pública a ausência de medidas efectivas na defesa do consumidor durante os quatro anos da actual legislatura.
Em geral, só no «Dia mundial dos direitos do consumidor» é que o Governo, através do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor, costuma fazer promessas de revisão da lei e de discussão pública do Livro branco da defesa do consumidor - fê-lo, mais uma vez, este ano, no dia 15 de Março!
Estamos em Junho, a quatro meses das eleições, e as promessas voltam a repetir-se. Assim se entende este pedido de autorização legislativa.
Só que a política de defesa do consumidor não pode ser feita com base em promessas eleitorais. É preciso, antes de mais, cumprir a actual Lei de Defesa do Consumidor, regulamentá-la, pôr em prática um plano de formação e informação para a defesa do consumidor e aprofundar os incentivos e os apoios às associações.
Quanto às alterações a realizar à Lei de Defesa do Consumidor, devem ser feitas na Assembleia da República e após audição das associações de defesa dos consumidores, como prevê, aliás, a própria lei.
Até vale a pena alterar a lei, tomando-a mais flexível quanto às associações de defesa do consumidor, no que se refere, designadamente, aos requisitos de um tecto numérico mínimo de 7500 membros, que é excessivo, e à previsão de órgãos dirigentes eleitos por voto universal e secreto, para que as associações de consumidores tenham representatividade associativa genérica e possam gozar de mais direitos por comparação com as associações que se constituem apenas para a defesa dos associados.
Mas tudo isso exige um debate aberto e participado e não a pressa da campanha eleitoral.
Esperamos, pois, que o Governo ponha acima dos seus interesses eleitorais a efectiva defesa dos consumidores portugueses e retire este pedido de autorização legislativa. Esperamos, ainda, que o Governo apresente a esta Câmara, isso sim, o projecto do diploma que pretende, de facto, publicar, para que se possa iniciar aqui o debate, se ouçam as associações de defesa dos consumidores e para que, então sim, se façam as devidas alterações à Lei de Defesa do Consumidor.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Gostaria, em primeiro lugar, de fazer um comentário a propósito das respostas do Sr. Secretário de Estado, que, embora neste momento esteja ocupado a falar com um Sr. Deputado do PSD, espero que esteja, apesar disso, em condições de me ouvir!
Disse o Sr. Secretário de Estado, no atabalhoado de todas as suas respostas, uma coisa espantosa! É que informou a Câmara e o País de que Portugal está à frente de diversos países comunitários no que diz respeito a tudo o que ê legislação dos direitos do consumidor! E mais: da efectiva defesa dos direitos do consumidor!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Disse a verdade!

O Orador: - Eu gostaria de dizer ao Sr. Secretário de Estado que anda a sonhar!

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A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - É natural!

O Orador: - E, Sr. Secretário de Estado, a demagogia é também uma arte que precisa de ser feita com classe!, que precisa de ser doseada!
O Sr. Secretário de Estado é demasiado grosseiro para ser um demagogo!..., porque exagera, porque põe demagogia de mais! E como põe de mais, ela estoura-lhe nas mãos!

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - O descrédito a que chegaram a sua Secretaria de Estado e o Sr. Secretário de Estado é bem prova de que a demagogia, quando é mal utilizada, quando é utilizada em doses exageradas, não pega! Volta-se contra si!

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Olha quem fala!

O Orador: - E o Sr. Secretário de Estado mudou também de discurso! Costumava apresentar-se aqui, na Assembleia, como um escuteiro do ambiente, dizendo: «Estou aqui para defender o ambiente! Não vêem como me esforço?! Não vêem como vibro com o ambiente?!»
Agora passou ao ar de desafio! Desafiou-me já não sei bem para quê... «Apareça!» - disse-me, mas não percebi o seu desafio, Sr. Secretário de Estado! E também lhe digo o seguinte: fica-lhe muito mal esse ar marialva! É preferível o ar de escuteiro! Não convence, mas é melhor!

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, esta proposta de lei tem, como lhe disse, a história que referi no início. Pretende apenas apagar uma nódoa. V. Ex.ª prometeu alterar a lei, mas não foi capaz de fazê-lo durante os últimos quatro anos e não é capaz de ter um pensamento de como alterá-la!
E como não tem esse pensamento, V. Ex.ª pensou em algumas banalidades e lugares comuns para fazer uma proposta de lei que viesse à Assembleia iludir os deputados. Só que eu, Sr. Secretário de Estado, não quero discutir consigo as banalidades que nos enviou!
E a única possibilidade que ternos de debater a sua proposta de lei - para além de toda a leitura política que dela já fizemos - é seguir essa mesma proposta de lei de modo a tecer alguns comentários relativamente aos princípios que vão orientar a futura revisão da lei.
Assim, na alínea a) da sua proposta, o Sr. Secretário de Estado propõe que o conceito de «consumidor» seja alterado, ou seja, que deixe de ser «destinado a uso privado» para passar a ser «destinado a uso não profissional». Devo dizer que não encontro vantagem alguma nesta alteração. Pelo contrário, entendo que introduz dúvidas. Isto tem sido debatido sem consenso, havendo diversas críticas de associações de consumidores - de resto, e sinceramente, entendo que não é apropriado mudar este conceito!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Está mal informado!

O Orador: - Estou mal informado?!

Sr. Secretário de Estado, talvez seja o senhor que está mal informado, pois nem sabia que nós tínhamos apresentado um projecto de lei sobre a matéria! Veja só!... Podia ter estudado ou pensado nisto antes!
Em terceiro lugar, diz o Sr. Secretário de Estado que a defesa dos consumidores, face a práticas comerciais agressivas, é de reforçar. Pois quem é que não poderá estar de acordo com isso! Este é um pensamento - permita-me que lhe diga - «exemplar» da generalidade e da banalidade!
Só que o Sr. Secretário de Estado não pode esquecer que é preciso, também, sancionar e castigar. Não basta fazer discursos! Não basta dar entrevistas para os jornais! É preciso actuar efectivamente. E isso não tem sido feito. Já lhe foi feita essa crítica pelo CDS e faço-lha agora eu. Não basta fazer discursos para os jornais, repito, é preciso actuar, mudar as situações...

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - O CDS não está cá.

O Orador: - Mas essa crítica foi feita. O Sr. Secretário de Estado não ouviu. Está distraído! Temos de mandar-lhe os Diários...
Mas, como estava a dizer, nisso o Governo tem feito pouco e terá de fazer mais! Não basta fazer discursos contra; é preciso fazê-lo.
Em quarto lugar, quanto ao desenvolvimento dos direitos e prerrogativas das associações de consumidores, com certeza que isso é de aplaudir. Quem é que estará contra isso?! Só que também é preciso não esquecer que cumpre dar a estas associações de consumidores incremento no apoio financeiro, coisa que não tem sido feita, havendo, portanto, uma dissonância entre o que aqui está proposto e o que acontece na prática. É, digamos, a dissonância clara entre o seu discurso e o que acontece no País! É a desconexão entre o que se propõe, o que se anuncia, a meses da campanha eleitoral, e o que têm sido os últimos quatro anos, em que tem havido uma redução real do apoio às associações de consumidores.
Em quinto lugar, quanto a facilitar o acesso aos consumidores à justiça, com certeza que entendo ser de grande utilidade, «nomeadamente - diz a proposta de lei - através de centros de arbitragem de conflitos de consumo». Mas, Sr. Secretário de Estado, não está já a funcionar, há mais de ano e meio, com sucesso reconhecido, o Centro de Arbitragem de Lisboa, centro esse promovido pela Câmara Municipal de Lisboa, pela DECO, pela União de Comerciantes de Lisboa e com o apoio do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor e da CEE?
Não será talvez preciso que seja a Lei de Defesa do Consumidor a reger nesta matéria. A legislação actual bastou até agora. Nada obsta, todavia, a uma institucionalização expressa de tais estruturas, mas que ela não limite a capacidade de actuação das mesmas a situações concretas de ordem geográfica, jurídica ou política.
Finalmente, refere o Sr. Secretário de Estado «garantias de longa duração». É preciso não confundir o simples serviço pós-venda com a própria garantia de qualidade e a ausência e defeito dos bens e serviços prestados. E, quanto a isso, há que falar concretamente. O PS ainda recentemente apresentou os projectos de lei n.ºs 729/V, 730/V e 733/V, sobre o aumento das garantias dos compradores de imóveis. Era bom que fosse lá recolher alguma informação, nomeadamente no que diz respeito a esta matéria da garantia de construção, pois, como sabe,

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os tribunais, em Portugal, apenas dão seis meses, o que é caricato para quem, por exemplo, compra uma casa.
Quanto ao poder de retirar do mercado produtos ou serviços danosos para os consumidores, 6 preciso ter atenção, Sr. Secretário de Estado! Deve haver cuidado nisto, porque a forma como é fixado dá-lhe possibilidade, ao Sr. Secretário de Estado, por exemplo, de retirar do mercado discotecas, maços de cigarros ou detergentes pouco ecológicos para a roupa!
E como nós sabemos da «vertigem moralista» do Sr. Secretário de Estado, sinceramente, não me apetece entregar-lhe nas mãos possibilidades de transformar aquilo que deve ser uma política de defesa do consumidor numa política de costumes!...
Tenho de todo o seu discurso a ideia de que o Sr. Secretário de Estado ainda não percebeu qual é a diferença entre estas políticas, ou seja, entre a política de ambiente e a política de costumes, pois o Sr. Secretário de Estado confunde-as muitas vezes!
Por fim, direi que o PS apresentou um projecto de lei sobre esta matéria e tem sobre ela um pensamento e uma doutrina, enquanto o que o Governo veio mostrar à Assembleia foi que não tem pensamento nem doutrina sobre ela. É porque se a tivesse, teria naturalmente enviado à Assembleia - poupava-lhe todas estas críticas - o projecto de decreto-lei dizendo o que quer.
Eu acuso o Sr. Secretário de Estado e o Governo de não terem pensamento nem doutrina sobre esta matéria e de terem mandado esta proposta de lei com o único objectivo de constituírem um instrumento propagandístico!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - O Governo trabalha e o PS fala!

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Só que o Governo trabalha mal e o PS pensa bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António José Motta Veiga.

O Sr. António José Motta Veiga (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quase 10 anos volvidos sobre a aprovação da Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto, em vésperas da realização do mercado único europeu, desce a esta Assembleia uma autorização legislativa para alterar aquele diploma base de defesa do consumidor.
Desde logo caberá reflectir que, tratando-se de uma matéria que se insere na competência concorrente da Assembleia e do Governo, não seria necessária a sua apresentação nesta sede, tanto mais que o sentido e a extensão do novo diploma se definem por um reforço e um desenvolvimento geral dos direitos que já estavam consagrados.
Nessa medida, é, efectivamente, apropriado o recurso a uma autorização legislativa, representando uma atitude do Governo que não podemos deixar de assinalar com óbvia satisfação.
Por outro lado, vem o Governo regulamentar, na legislação respectiva, entre outros aspectos, um novo direito constitucionalmente consagrado na última revisão, apesar de já terem decorrido duas revisões, todas elas no sentido do reforço dos direitos dos consumidores, o que também nos apraz, sem dúvida, registar.
Este facto e, para nós, um factor óbvio de júbilo, já que acreditamos que é com o reforço dos direitos sociais dos cidadãos em geral - e o que somos nós senão consumidores - que se podem praticar as verdadeiras funções do Estado do futuro.
Acabados os mitos do Estado centralizador e proteccionista, é na aposta das diversificações de oportunidades, na defesa da concorrência, no desenvolvimento do mercado de forma transparente, que melhor se defende, sem dúvida, o consumidor.
E é precisamente na criação de mecanismos que evitem abusos e distorções que melhor se poderá entender a intervenção do Estado neste domínio. Estamos certos de que o aprofundamento das funções do Estado do futuro passa, certamente, por uma maior actuação no domínio da defesa do consumidor.
O PSD esteve sempre na vanguarda desta luta e desta batalha, retirando os seus corolários mais realistas na acção concreta. É por isso que vemos com alegria e satisfação avançar-se, em toda a Europa, para maiores garantias dos cidadãos consumidores, melhorando conceitos, criando novas formas de resolução dos conflitos, mais acessíveis e expeditas.
Gostaria ainda de salientar o reforço dos poderes das associações de consumidores, imprimindo-lhes uma capacidade e uma acção nos diversos domínios, designadamente judiciária, mais consentânea com a realidade de hoje.
Sabemos que a matéria de defesa do consumidor é interdisciplinar e, por isso, se configura em inúmeros diplomas específicos, o que não impede a existência de um núcleo fundamental, que esta lei deve prever de forma clara e inequívoca.
Na esteira das directivas comunitárias, o reforço das garantias do exercício dos direitos dos consumidores representa, para nós, um indesmentível passo em frente que deveria merecer um aplauso unânime desta Assembleia.
O PSD, por seu lado, o dará, certo que, desta forma, está não só a cumprir o seu ideário mas também a ir ao encontro do mais genuíno interesse dos Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquilo que deveria ser uma tarefa consensual e resultante de um debate aprofundado com os interessados arrisca a converter-se numa operação, como aqui foi sublinhado, meramente publicitária, mal explicitada e, do ponto de vista parlamentar, puramente lamentável.
O Governo, neste ponto, infelizmente, não pode reclamar-se de estar na vanguarda do que quer que seja, pois se está em algum sítio, é a meio do pelotão - e digo isto para usar uma linguagem conhecida-, uma vez que faltam alguns dos pressupostos básicos da execução integrada de uma política de defesa do consumidor.
Na verdade, esta política, como se sabe, não depende de um só ministério mas, sim, da conjugação de, praticamente, todos os ministérios; ela não depende da Lei de Bases do Consumidor mas, sim, de um conjunto de reformas, desde logo, legislativas, que incluem leis tão importantes como a lei da acção popular, o Código de Publicidade ou, até, o Código Penal, cujo adiamento registamos agora por incapacidade governamental, como pudemos verificar no debate anterior.
Isto é, continuam a faltar peças fundamentais do enquadramento legal, ao mesmo tempo que, do ponto de vista da estruturação da Administração Pública, segunda

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componente fundamental, há igualmente um défice organizativo, financeiro e de estratégia política.
Por outro lado, no que respeita ao incentivo à intervenção da sociedade civil propriamente dita no processo de defesa do consumidor, temos ainda imensos passos a dar e não encontramos, por parte do Governo, incentivo bastante para esses progressos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: aquilo que hoje aqui esperaríamos era ouvir uma fundamentação sucinta, ainda que por parte do membro do Governo que está presente, da proposta de autorização que é apresentada. Não um ditirambo, como aquele que o deputado António José Moita Veiga, por razões compreensíveis, teve de fazer, mas, sim, uma explanação, ainda que sucinta e magra, sobre este tema, coisa que o membro do Governo aqui presente foi incapaz de fazer.
Não exigíamos a presença do Sr. Ministro Carlos Borrego, aquele que assegurou aos jornais que tanto podia estar no PS como no PSD; não exigíamos a presença do anterior ministro, uma vez que ele já saiu do Governo por razões que são compreensíveis e que tem a ver também com a eficácia do Governo, ou seja, nenhuma nesta área; não exigíamos que o Governo dissesse todos os seus segredos, porque isso é matéria eleitoral que ele reserva para a altura própria; mas exigíamos que ele nos dissesse aqui, à puridade, na Câmara, o que ia fazer com esta autorização legislativa.
E, apesar de todos os esforços, apesar de todas as perguntas, apesar de tudo, não conseguimos mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados, do que um desafio para a pedalada.
Devo dizer que fiquei profundamente contestado, não porque deteste a «pedalada», acho perfeitamente irrelevante, mas porque temos em Portugal membros do Governo que vem para o Hemiciclo telefonar - o que é um direito - ou que vêm para aqui não para defender as suas propostas mas, sim, para convidar os deputados para a «pedalada». Um dia destes convidam-nos para um jogo do berlinde!...
Julgo, pois, que isto não é adequado. Por isso protestei e foi isso que ficou registado no Diário. E é com esse protesto que termino.

O Sr. Jorge Lemos (indep.): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Para usar do direito de defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Sr. Presidente, temos assistido, nos últimos tempos, a que o Sr. Deputado José Magalhães exiba uma das suas facetas mais negativas, que é a do provocador.
O Sr. Deputado José Magalhães tem duas facetas típicas que tem exibido nesta Câmara: a do provocador e a de deputado sério, responsável, do homem que é capaz de dar contributos válidos para esta Câmara.
Quando o Sr. Deputado José Magalhães iniciou esta sua última intervenção ainda pensei que aquela sua Segunda faceta ia sobrepor-se à primeira e que, naquele desafio dialéctico permanente entre «ele e ele», iria prevalecer a sua melhor parte.
Mas, na verdade, logo desesperei, porquanto o Sr. Deputado José Magalhães, em vez de fazer uma intervenção séria, sensata, ponderada - como ameaçava -, mais não fez do que continuar a verter a sua tristeza e angústia.
E as suas tristeza e angústia têm sempre um caminho definido, que é o de tentar aparecer nos órgãos de comunicação social, de preferência na televisão,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... seja a propósito do que for, justificando, porventura, uma atitude que perante o eleitorado será difícil de justificar.
Na verdade, gosto, e sempre gostei, de debater com o Sr. Deputado José Magalhães e de dar alguma tónica de alegria e vivacidade ao debate, por isso permito-me, embora entrando um pouco dentro do seu campo, fazer-lhe uma sugestão amiga e útil: para que V. Ex.ª deixe a sua tristeza e angústia e para que veja o futuro de maneira diferente, recomendo-lhe que compre um casaco igual ao do Sr. Deputado José Sócrates...

Risos gerais.

Assim, de certeza que as suas tristeza e angústia serão redimidas e V. Ex.ª, já que não vê o futuro de «cor-de-rosa», ao menos verá dessa cor essa peça de vestuário.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (indep.): - Sr. Presidente, é preciso dar razão ao adversário quando ele a tem e, neste caso, tenho de dar razão ao adversário: o Sr. Secretário de Estado disse uma boa piada, uma piada interessante! Porém, a questão que eu tinha colocado era uma questão política, como é evidente -aliás, esta é uma Câmara política -, mas se o Sr. Secretário de Estado quer discutir a cor das peúgas, da roupa íntima ou dos casacos, podemos perfeitamente entrar por esse caminho... Aliás, não o fiz não só porque estamos numa Câmara política como porque o adiantado da hora não o permite. Mas se V. Ex.ª quer fazer descambar o debate para esse caminho... De facto, eu quase estou tentado a fazê-lo, mas não o faço por uma razão, que vou explicitar - e com isto termino.
O PSD e os membros do Governo quando vêm a esta Câmara não têm absolutamente nada que se abespinhar ao serem interpelados com perguntas difíceis, porque para fazer perguntas fáceis está cá a bancada governamental, que cumpre o seu papel...
Na verdade, quando os deputados da oposição praticam o «crime» de querer sair na imprensa - e quem ouvisse o Sr. Secretário de Estado ficava com essa impressão, pois disse que eu leria falado só para dar nas vistas, para aparecer na televisão, o que deve ser o crime máximo na tabela do PSD!...-, isso é o máximo!... Deputado da oposição que aparece na televisão é um díscolo, é um tipo perigoso, é um indivíduo que tem a cabeça a soldo... Aparecer na televisão é o «crime» máximo da oposição, porque quem sai na televisão são o Primeiro-Ministro e o

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Governo. Assim, quem da oposição sair na televisão está a violar uma regra de chumbo do PSD...

Aplausos e risos do PS.

Portanto, quando o Sr. Secretário de Estado aqui exprime o seu horror por descobrir em mim duas facetas - e devo avisá-lo de que tenho mais -...

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Estas são as mais notórias.

O Orador: -... e quando faz passar o debate da análise política para a análise freudiana, eu repito-lhe: Sr. Secretário de Estado, saímos desta Sala. sentamo-nos - e sublinho o «sentamo-nos» - no divã e conversamos tudo o que V. Ex.ª quiser! Mas dentro desta Sala vamos discutir política.
Ora, em relação à política eu apontei ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor uma responsabilidade política, que foi a de vir à Câmara defender uma proposta de lei e não adiantar uma ideia, sequer, sobre o conteúdo do pedido de autorização legislativa.
De facto, o Sr. Secretário de Estado aproveitou para me desafiar a andar a correr na Avenida da Liberdade, mas eu daria tudo para que ele me dissesse ao abrigo de que alínea é que ele quer autorização para vincular as regiões autónomas a deveres em matéria de defesa de consumidores.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Posso interrompê-lo. Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado, para além dos problemas que já lhe diagnostiquei, verifico agora que V. Ex.ª é surdo!...

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, devo ser muito mais coisas do que essa, mas uma é certa: o que não sou é mudo! Portanto, quando o Sr. Secretário de Estado é incapaz de exprimir por «A+B» o que vai fazer - e isso é rever a Lei de Defesa do Consumidor -, eu insisto: quem é mudo é ele, que aqui está calado e não responde às perguntas.
Quanto à cor do casaco, devo dizer-lhe que eu não usaria aquela cor, mas V. Ex.ª acha que é criminoso andar com um casaco cor-de-rosa? Será que o senhor já chegou a isso? Já censura a cor dos casacos?

O Sr. Secretário de Estado, haja calma!... As eleições não causam tanto desespero!...

Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer que também eu gosto de uma boa piada e, ao contrário do Sr. Secretário de Estado, até de uma boa provocação; não vejo mal algum nisso, principalmente na Assembleia da República!
Estimo muito que o Sr. Secretário de Estado tenha reparado na cor do meu casaco e até noto nisso uma pontinha de inveja,...

Risos gerais.

... mas ainda bem que reconheceu que esta cor me fica bem, tanto mais que esta cor para a bancada do Governo seria difícil... Contudo, quero dizer-lhe que, dada a sua juventude, esta cor também lhe ficaria bem!... Não seja invejoso, Sr. Secretário de Estado! Tenho a certeza de que melhoraria muito se mudasse, se desse alguma frescura à sua indumentária!... Tenho a certeza de que isso lhe cairia, a si e ao Governo, tão bem quanto a mim!... Portanto, deixe-se de invejas! Aliás, se quiser, ofereço-lhe ou empresto-lhe o casaco! Por favor, não tenha pudor!

Risos gerais.

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Ou um corte de bigode como o do seu colega António Guterres!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa, sem querer meter-se neste debate, apenas gostaria de frisar ao Sr, Secretário de Estado que o casaco do Sr. Deputado José Sócrates visto pelo monitor do circuito interno de televisão ainda é muito mais bonito!...

Aplausos e risos gerais.

Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor: - Vejo, com alegria, que o Sr. Presidente também é fã daquele casaco!

Risos gerais.

É um casaco que, aliás, «mal se nota»!... É que olha-se para a bancada do PS e praticamente só se vê o casaco do Sr. Deputado José Sócrates, pouco mais!

Risos do PSD.

O Sr. José Sócrates (PS): - Ó Sr. Secretário de Estado,... mas olhe que estão aqui senhoras!...

O Orador: - Perdoe-me a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, pois, com certeza, que se nota a sua beleza, tal como o perfil do líder parlamentar do PS, mas, na verdade, o casaco é aquilo que mais se nota na bancada do PS.

Risos gerais.

De qualquer forma, Sr. Deputado José Sócrates, eu não queria desdizer do seu casaco, nem comentar, nem criticar - como há pouco tentou sugerir o Sr. Deputado José Magalhães - a sua maneira de vestir e o seu gosto, de forma nenhuma!
O que eu disse foi uma coisa completamente diferente e o que recomendei ao Sr. Deputado José Magalhães - que está agora de alma e coração com a bancada do PS - foi que se metesse de alma, de coração e de corpo dentro desse casaco e visse um futuro mais risonho, porque um futuro cor-de-rosa - e eu apenas utilizei a simbologia da cor e mais nada - não tem nada de mal! Aliás, aquele ar barbado do Sr. Deputado José Magalhães dentro de um casaco cor-de-rosa era o futuro do PS neste país!...

Aplausos e risos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da sessão de amanhã, que terá início às 15 horas, constará a apreciação da proposta de lei n.º 190/V - Lei de Bases da Organização das Forças Armadas -, estando também previstas algumas votações para as 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 50 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Oliveira de Matos.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Soares Pinto Montenegro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Mário Júlio Montai vão Machado.
Muno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Manuel Henriques Oliveira.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Matreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Paulo Sacadura Coelho.
José Manuel Fernandes Miranda.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Laurentino José Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Mana de Lourdes Hespanhol.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Partido Renovador Democrático (PRD):

José Carlos Pereira Lilaia.

Deputado independente:

José Manuel Santos Magalhães.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Pereira da Silva.
João José da Silva Maças.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Júlio Vieira Mesquita.
Licínio Moreira da Silva.
Manuel José Dias Soares Cosia.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Ademar Sequeira de Carvalho.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
Mário Manuel Cal Brandão.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
João Amónio Gonçalves do Amaral.
José Manuel Antunes Mendes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

AS REDACTORAS: Ana Marques da Cruz - Isabel Barral - Maria Amélia Martins - Maria Leonor Ferreira.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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