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12 DE JUNHO DE 1991 3053

O Orador: - Gosto de ouvir esse optimismo da parte do Governo.
Pensávamos nós que o Governo iria, logo a seguir à intervenção do meu camarada Alberto Martins, fazer o seu mea culpa e encontrar justificações, encontrar aquelas razões de ordem política ou conjuntural que permitissem, se não absolvê-lo, pelo menos condená-lo a um purgatório mais ou menos curto.
A este propósito, lembro-me sempre daquela história - passe o racismo implícito - do cigano que, alegando a sua inocência, contava que era tão sério que, certa vez, encontrara um cilindro de alisar as estradas e não o roubara. Podia o PSD fazer a mesma coisa e dizer: «tivemos tanta ocasião para fazer despautérios e abusos de poder e só o fizemos 50 vezes; por isso, não é caso para que a oposição venha agredir-nos desta maneira».
Só que do Governo exige-se - exige o País, a democracia, as regras constitucionais, as regras de convívio democrático - que não cometa nenhum desses despautérios, salvo grave distracção de que viria penitenciar-se de seguida.
No entanto, o Governo acha que aquilo que fez foi no uso do seu poder normal e isso é que é grave, porque, assim, considera normal o abusar do poder.
Considera normal o que se passou no Ministério da Saúde, o que se passou e passa com as verbas comunitárias, com as verbas do FEF, com as manipulações financeiras e as compensações leoninas que o Governo impõe às autarquias, com o abuso de poder na RTP, com os perdões fiscais em que o Governo, de facto, descriminou, tornando possível a existência de contribuintes mais contribuintes que outros, como num certo clube onde se contava a história de que havia sócios que não eram sócios. Aliás, agora parece que é igual, porque parece que há contribuintes que não são contribuintes, dado que uns têm perdões fiscais e outros, exactamente nas mesmas circunstâncias, não merecem essa generosidade da parte do Governo, que usa, nesses casos, os fundos públicos como se fossem fundos da Rua de Buenos Aires.
Mas há mais! Há dias trouxe aqui, numa intervenção algo insólita, uma acusação gravíssima ...

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Ele próprio a classifica de insólita!

O Orador: -... insólita em regime democrático e só possível com um Governo deste género. É que há um Governo, que é, supostamente, o guardião da verdade das leis, que é o director do órgão oficial de imprensa legislativa, que é o Diário da República, que falsifica uma lei. Bem, nesse dia houve aqui alguma celeuma, alguns Srs. Deputados da maioria, não acreditando que isso era possível, vieram dizer que eslava a lançar um labéu terrível sobre gente honesta. No dia seguinte, todavia, o Governo veio dizer que era verdade, mas ficou por aí.
Então como é que ficamos? Houve uma falsificação, foi publicada no Diário da República uma certidão falsa, que afirmava falsamente um facto que não existia. Quais foram as sanções aplicadas? O funcionário, aliás alto funcionário, que assinou a certidão foi suspenso ou objecto de processo disciplinar? Há algum inquérito a correr termos?
Sabemos que não foi o funcionário o principal responsável. O funcionário em causa foi tão-só o homem de palha que se mandou para a frente para ser queimado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não se queimou!

O Orador: - Alguém por detrás, um distintíssimo ministro, deu a ordem, que o funcionário, revelando ser um funcionário «laranja», acatou, apesar de ser seu dever não acatar. O dever de desobediência a ordens ilegítimas é não só moral mas também jurídico e constitucional. Face àquela ordem, ilegítima, que consistiu em alguém lhe ordenar que fizesse uma certidão falsa, ele deveria ter dito que a não fazia. Mas, como «alaranjado», fê-la. O que é certo também é que quem deu a ordem ainda hoje não deu a cara.
O Governo confessou isto, que, aliás, do ponto de vista criminal, está a correr os seus termos na Procuradoria-Geral da República e que, do ponto de vista político e disciplinar, constitui matéria distinta e autónoma. A responsabilidade política afere-se aqui, na Assembleia da República, e perante o eleitorado, mas já a responsabilidade disciplinar tem a ver com a entidade que exerce competência disciplinar sobre o funcionário em causa, ou seja, com o Governo da República. Do mesmo passo que o criminoso confessa o crime e o corrige ou do mesmo modo que o carteirista, apanhado quando foge com a carteira roubada, a entrega, também o Governo, depois de ter sido apanhado quando precipitadamente fugia após o roubo, entregou a carteira, mas deve dizer por que é que o fez e apresentar-se às autoridades. Não o fez!
Não fiquemos, todavia, por aqui. Este caso é já de si suficientemente grave para, em qualquer democracia normal não sujeita a estes poderes, mais insólitos do que a minha denúncia, que temos vivido em Portugal, fazer cair um ministro ou até mesmo um governo. Não esqueçamos que o Diário da República está sob a tutela directa do Sr. Primeiro-Ministro, através do seu Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Em vez disso, vi aqui o Sr. Ministro Dias Loureiro rebater a intervenção do meu camarada Alberto Martins com coisas simples, dizendo que tudo isto não passa de lentilhas, que não há nada de novo, que o debate foi uma reprise, que o PSD inaugurou uma nova época de diálogo, que o que dói ao PS é o facto de vivermos sob a égide de um governo iluminado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - É verdade!

O Orador: - Dizia o meu querido colega (camarada ainda não) Luís Filipe Meneses que o País progrediu e, como o País progrediu, o Governo é iluminado. Sem querer tirar poderes aos historiadores dos tempos áureos, recordo aqui o D. Sebastião, que organizou uma luminosa força armada, mas era um mentecapto, e o D. João V, que, abençoado pelo ouro do Brasil, fez o Convento de Marra e por isso ficou para a história, mas em cuja época, quando acabou o ouro, acabou a prosperidade.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Os arquitectos eram socialistas!

O Orador: - Não é o progresso aparente do ouro do Brasil que hoje vivemos que toma este Governo num governo iluminado. Este Governo é um governo furta-cores porque também, como aqui se viu há pouco, furta-poderes.
Vim, no passado domingo, de uma ilha cujo presidente diz, escrito e assinado, tratar-se de suma ilha periférica sob a soberania de um país pobre». Essa ilha periférica sob a soberania de um país pobre é muito mais pobre do que o país, porque tem uma assembleia regional com um regimento próprio, mas na qual, apesar de a oposição

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