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8 DE JANEIRO DE 1992 433

fomos convocados para debater tão momentoso assunto, o estatuto da televisão privada, o Partido da Solidariedade Nacional (PSN) aproveita para apelar a todos os agentes deste processo para que tal discussão se paute quase exclusivamente por considerações de índole humana, cultural, ética, pedagógica e espiritual.
Vários autores tom chamado a atenção para os perigos que representa um certo narcisismo das maiorias, que, escudados sob a veneranda e mágica umbela do sufrágio directo e universal, geram dentro de si próprios, num clima de comensalismo natural, focos de verdadeira arbitrariedade. As maiorias monolíticas cedem, não poucas vezes, à tentação da acomodação, da instalação, e, em vez de dinamizarem, com a sua vitalidade, a sociedade, eis que a envolvem no processo dissolvente e degenerescente de um superego castrador.
A era comunicacional que vai sendo esta em que temos o privilégio de viver exige, paradoxalmente, a responsabilidade de uma constante autocrítica. Porque todo o acto de comunicação pode condicionar e banalizar.
A crescente socialização do lado de dentro do homem, dos seus medos, dos seus íntimos desejos, das suas frustrações, vai agravando o actual processo de extroversão e dispersão do homem actual, que, perdido cada vez mais na imensa multidão planetária, anémica e igual, se sente perigosamente estranho na sua própria terra. É o espectro do "homem unidimensional" de Herbert Marcuse que nos espreita neste convulso epílogo do incrível século XX.
As maiorias não devem ceder a qualquer tentação hegemónica sobre a televisão, mesmo, eu diria sobretudo, sob o aparentemente edificante pretexto de salvaguardar a cultura nacional. É que essa cultura nacional, ela própria, enquanto modalidade da vivência do humano, alimenta-se justamente da diversidade. Só é possível salientar a particularidade nacional quando posta no cotejo e no confronto vivo com a universalidade do humano e com as demais formas de cultura.
A forma particular que é a Nação participa no todo que é a humanidade. Ora, só há uma via de alimentar saudavelmente este comércio ôntico (cultural) entre a vida da Nação Portuguesa e a Europa e o Mundo - consagrando mecanismos de respeito pela diferença, pela diversidade.
Instrumentos que obriguem, por exemplo, a televisão, quando gerida por entidades privadas, a exibir programas dirigidos aos vários tipos de minorias, sociais, étnicas, religiosas, etc.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Políticas!...

O Orador: - Na sua proporcional expressividade cultural residirá a elevação da alma da Nação, que, com tais influxos, se enriquecerá cada vez mais.
Só a comunicação, baseada no respeito e na verdade enriquece verdadeiramente.
A televisão, dita privada, mas pública porque só existe para conquistar audiências, deverá obedecer a regras de concorrência, segundo as quais lhe deverá ser vedado o recurso a programas que, pelo seu conteúdo ostentivamente apelativo aos instintos e, sobretudo, pelo seu carácter sistemático, fariam à TV pública uma concorrência desleal, que, desta fornia, se veria espoliada de elevadas somas de publicidade, sempre à procura de programas com grande audiência.
Deverá ser-lhe também consignada a obrigatoriedade de fazer passar, em percentagem significativa, programas sobre temas da nossa cultura, sendo-lhe imposto um limiar às importações, nomeadamente de séries televisivas, quantas vezes de mais que duvidoso interesse.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Deverá também ser-lhe fixada uma cota de produção de programas portugueses que envolvam figuras da nossa história e outras que retratem a vida nacional, embora o estatuto da futura TV privada deva caracterizar-se mais pelos mecanismos de estímulo do que pelos instrumentos repressivos.
E a terminar um voto sincero para que a futura televisão privada tenha viabilidade económica, que cresça, que se expanda, mas sempre mostrando Portugal para que a Europa ganhe com Portugal e não seja só, aparentemente, Portugal a ganhar com os fundos estruturais da Europa.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O que está em jogo neste debate e não noutro, aqui e agora, é, na verdade, a questão de saber quem define as linhas mestras de um serviço em que o público não vai consumir sapatos, chouriços ou enlatados e sim opinião, informação, cultura e gosto elaborado: se o Governo, qualquer governo, se a sociedade civil, que o Estado representa mas não substitui.
A UDP manifesta o seu apoio ao projecto do Partido Socialista, que corresponde à instante necessidade de desgovernamentalização do serviço público TV, de participação democrática da sociedade civil na definição e controlo de uma informação e programação de televisão onde imperem o pluralismo, a objectividade, a isenção, a liberdade de criação, o respeito pelos ideais democráticos que orientam a nossa sociedade, o rigor e a qualidade.
Estou certo de que o Partido Socialista não entenderá o seu projecto numa prespectiva redutora de mera afirmação partidária. No nosso entender, o projecto do PS garante, na sua essência, o pluralismo por que nos batemos, o respeito pela democracia participada que é, hoje, a pedra de toque do direito da cidadania.
É claro para todos que esta forma de encarar o serviço público TV está, também, em consonância com a mensagem que o Presidente da República enviou a esta Assembleia, mensagem essa que teve, entre outros bem superiores, o mérito imediato de provocar a demonstração prática de que a RTP é - e esperamos, atendendo ao senso e à seriedade dos Srs. Deputados, que o deixe de ser rapidamente-, ainda, um instrumento aberrante de manipulação e autoritarismo.
Espero, entretanto, que o Partido Socialista corrija uma lacuna do seu projecto e nele inclua a representação dos trabalhadores na administração da empresa. O Dr. Mário Raposo, quando provedor de Justiça, deixou claro que as sociedades anónimas de capitais públicos não estão dispensadas desse preceito constitucional.
Na proposta do Governo detecta-se uma deliberada falta de lisura ao proclamar a desgovernamentalização mas mantendo-a encapotada. Continua a fórmula conhecida: "Não está lá o Governo mas está o Moniz." E os directores de informação e programação só têm acima de si Deus,

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