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28 DE FEVEREIRO DE 1992 1045

debandada geral por parte do grupo parlamentar do PSD, sou tentada a começar a minha intervenção com uma prestação de homenagem ao Sr. Ministro da Justiça, que sempre, quando vem a esta Assembleia, sabe mostrar que lira, com muita habilidade, «coelhos de uma cartola», não utilizando, como 6 óbvio, ainda o tom de vendedor de «banha da cobra», mas ameaçando, como fez, que poderia dedicar-se a isso.
A minha idiossincrasia despertada pela intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, de facto, arrepiou-se com - e devo dizê-lo claramente - a demagogia da intervenção do Sr. Ministro da Justiça, que, ao mesmo tempo que podia invocar Hamlet, como o fez sem o referir (ser ou não ser, eis a questão), escondia na sua mão a caveira que poderia simbolizar a morte do Ministério Público autónomo e independente.
O debate que hoje aqui travamos, centrado sobre a questão da autonomia do Ministério Público, não é novo e, pela dimensão das suas consequências, não se restringe unicamente ao sujeito processual que é o Ministério Público - e nisso tinha razão o Sr. Deputado Costa Andrade, é ao público que isto interessa - nem sequer fica confinado intramuros da «máquina» da justiça. Aliás, a nossa posição sobre o Ministério Público e a sua autonomia apareceu, logo na altura da Constituinte, quando propusemos como definição para o Ministério Público que ele fosse um órgão da justiça e não representante do Governo. Este é um debate velho de séculos, que opõe o autoritarismo aos anseios de liberdade e de justiça.
A subjugação dos intervenientes na administração da justiça, a sua transformação em meros instrumentos da cólera do poder, esteve sempre presente em todos os momentos da história, caracterizados por refluxos na concretização dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Não é ainda a altura de fazer intervir o coro da comédia de Aristóteles As Vespas, precisamente sobre este tema da tutela das funções judiciais pelo poder político.

Risos do PSD.

É pena que o vosso riso demonstre que não têm o mínimo conhecimento de uma obra moderna e de plena actualidade - mas o Sr. Ministro tem seguramente!
Também em Portugal, neste final de século XX, lemos, como nessa peça, um Cleónc (que era o chefe do partido que então também se denominava «popular» em Atenas) e um amigo do Cleóne, um Filocleóne, preparado para executar superiores orientações, com mão de ferro sob garra de veludo. E lambem, como naqueles tempos em Atenas, se demonstra que os magistrados não querem ser joguetes do poder político e, como membros de um órgão de justiça, apenas tem por função a defesa da legalidade democrática, do Estado de direito, dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
O debate já demonstrou, até aqui - ca realidade social que pulsa lá fora comprova-o à evidência - que as soluções consagradas no projecto do PSD (será que os subscritores, concedo-lhes o benefício da dúvida, atentaram bem nas consequências do projecto?) tomam possível uma intromissão abusiva na «máquina» da justiça. Tudo o que está ensejado e articulado nesta proposta governamental, transformada por obra e graça do PSD num projecto de lei do PSD, estrutura um quadro em que não tem assento a legalidade democrática, um quadro de domínio da investigação criminal pelo poder político que ditará aquilo que na gaveta deve ficar encerrado (por hipótese, processos de corrupção) e aquilo que deve ser objecto de acusação por parte do Ministério Público.
A esta estratégia pertencem, simultaneamente, os seguintes elementos: a fixação de um prazo renovável para o mandato do Procurador-Geral da República; a extinção (que já ocorreu) dos tribunais de instrução criminal e a policialização da instrução; a supressão dos poderes de fiscalização do Ministério Público relativamente aos órgãos de polícia criminal, nomeadamente em relação à Polícia Judiciária.
Relativamente ao primeiro ponto - a questão do mandato -, para além dos problemas que se colocam em sede constitucional quanto à solução, parece - pelo menos, parece - constituir uma vindicta ad hominem.
Não se pode esquecer - e neste momento, uma grande turbação, como diria Augusto Gil, «entra em mim e fica ern mim presa» - o inquérito ordenado pelo Sr. Procurador-Geral à Polícia Judiciária sobre o caso «São Bento Gale». Será que a fiscalização ordenada pelo Sr. Procurador-Geral à Polícia Judiciária, em geral, revelou dados incómodos? Será que isso está na base desta vin- dieta?
Processos em atraso, arrastando-se ao longo de anos, alguns de especial importância para a defesa do regime democrático, revelaram a importância da actuação do Sr. Procurador-Geral, no âmbito da natural competência de fiscalização sobre a investigação criminal conduzida pela Polícia Judiciária.
Foram, é certo, actuações incómodas para o poder político, e daí que, sem que nada o justificasse, já que, segundo vem afirmando o Sr. Ministro da Justiça, tudo tem corrido muito bem nas relações Ministério da Justiça/Procurador-Geral, sem qualquer justificação senão a da incomodidade sentida, se venha propor para o Procurador-Geral da República um contraio a prazo, renovável por uma vez, se for bem comportado, se se revelar cordato em relação aos desígnios do Poder. Só faltaria exigir ao Procurador-Geral, depois de condenado, uma caução de boa conduta!
Mas, dentro do quadro da indispensabilidade do reforço do autoritarismo, tem assumido especial importância ao longo dos anos a questão daquilo a que podemos continuar a chamar, para maior facilidade, instrução criminal, cuja problemática tem aparecido estreitamente ligada à questão da autonomia do Ministério Público. Um dos membros de comissão revisora do Código de Processo Penal afirmava em 1981: «Não creio que o Ministério Público possa, da mão do mesmo legislador, obter a competência instrutória e a autonomia funcional. Porque a instrução é demasiado importante para que o executivo dela se alheie e, portanto, a concessão simultânea da instrução e autonomia seria a concessão de um contrapoder dentro do Estado.»
Sendo assim a instrução tão importante para o poder político autoritário, bem se perceberá que denodadamente se lenha encadeado um ataque sistemático aos juízes de instrução, nomeadamente depreciando essa figura e mantendo-a num estado de quase completa ausência de meios técnicos e humanos necessários ao cabal cumprimento das suas funções. Exterminados os tribunais de instrução criminal, fácil foi justificar a atribuição da competência instrutória ao Ministério Público.
Isso faria afirmar, no IV Congresso Internacional de Magistratura do Ministério Público, a um representante português, e muito avisadamente: «Ora, tendo a competência instrutória sido atribuída ao Ministério Público, temos razões para estar cépticos relativamente à bondade da oferta». De facto, com tal atribuição, das duas uma: ou o poder político conseguia fragilizar, no

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