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1046 I SÉRIE-NÚMERO 34

mínimo, a independência e autonomia do Ministério Público, ou teria de policializar a instrução para garantir a intangibilidade dos seus tentáculos de polvo.
O Ministério Público manteve-se intransigente na defesa da sua independência e autonomia, nomeadamente através da sua associação sindical. Daí que, por caminhos ínvios, se tenha caminhado para a policialização da instrução, nomeadamente através da não dotação do Ministério Público com o quadro de pessoal devidamente habilitado para desempenhar as tarefas exigíveis, facto que teria de conduzir ao desempenho pela Polícia Judiciária de funções às quais não podia o Ministério Público dar resposta. Claro como a água e naturalíssimo.
Isto não era, no entanto, suficiente. O cordão umbilical que ligava o Ministério Público ao Governo, tornou-se ainda mais ténue ou quase inexistente com a última revisão constitucional. A consagração de uma composição do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público que arredou, de vez, a possibilidade de representação do Governo através de membros nomeados pelo Ministro da Justiça naquele Conselho terá feito tocar os sinos de São Bento a rebate. Avolumavam-se as possibilidades de uma maior fiscalização pelo Ministério Público das actividades desenvolvidas pela polícia na área da investigação criminal. De toda a investigação criminal e, anoto, não só daquela que tem assento em processo instaurado. Porque só assim é possível defender a legalidade democrática. Porque averiguações sumárias, que transformam um suspeito em inimigo público n.º l, o cidadão incómodo ao Poder, são ilegais. Porque escutas telefónicas feitas contra o que a lei estabelece são desgaste da democracia.
Mas, porque o Governo pretende que a investigação criminal, a instrução, se faça segundo meros critérios de oportunidade política (pelo menos assim parece), formou o desígnio de retirar ao Ministério Público a possibilidade de fiscalizar os órgãos de polícia criminal, nomeadamente a Polícia Judiciária, e de lhe retirar a possibilidade de ordenar inquéritos às suas actividades de investigação.
Ora, é isso que resulta do projecto lei do PSD, das alterações que nele se propõem, nomeadamente aos artigos 32.º, 45.s e 59.º da Lei Orgânica.
Quanto a isto não pode haver confusões, embora o Sr. Deputado Costa Andrade tenha admitido, parece-me que em recuo, através de várias disjuntivas - ou, ou, ou-, uma série de outras soluções. Veremos, na especialidade.
Mas, atente-se no seguinte. Muito recentemente, em Setembro de 1990 - é certo que nessa altura o Governo tinha de ser cauteloso, porque já estávamos a um ano das eleições -, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária previa a dependência funcional dessa polícia face à autoridade judiciária competente, previa a sua fiscalização pelo Ministério Público.
Que aconteceu então desde essa data até hoje? Mudaram as recomendações ou as directivas internacionais?
Não! Para além da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, já realizada em 17 de Dezembro de 1979, da recomendação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 8 de Maio de 1979, de uma directiva da ONU, emitida no ano passado, e das recomendações do XIV Congresso Internacional do Direito Penal promovido pela AIDP, em 1989 - de que resultou como conclusão a necessidade de que a investigação criminal estivesse sobre a direcção e controlo de uma autoridade judiciária-, vemos que todos os instrumentos internacionais apontavam no sentido do reforço da fiscalização.
Mas, como foi salientado pelo Sr. Procurador-Geral, não há um único país da CEE onde não se preveja a fiscalização por autoridade judiciária dos órgãos policiais.
Mas aqui pretendeu-se ir - e o Sr. Ministro da Justiça confessou a paternidade - ao arrepio de toda a evolução histórica; atrevia-me mesmo a dizer que, objectivamente, os senhores apresentaram-se aqui com mais «tartufos» do que o legislador, que no ano de 1945 atribuía poderes de fiscalização ao Ministério Público na Polícia Judiciária, ,mas, de facto, como disse o Sr. Deputado Costa Andrade, administrativizava a instrução criminal, nessa altura, com a sistemática efectivação de actos de instrução pelas polícias.
Agora, apresenta-se aqui uma proposta de lei, sob forma de um projecto, que com toda a impropriedade se encabeça com a epígrafe de autonomia do Ministério Público.
Não, Srs. Deputados! Não é verdadeiramente autónomo quem, sendo detentor da acção penal, tem de pedir autorização para fiscalizar a actuação das polícias nos seus próprios processos; não é verdadeiramente dono da sua casa quem tem de pagar portagem no acesso à mesma.
E não pode falar-se, Sr. Ministro, em autonomia do Ministério Público quando, no temor de que ainda algo lhe escape ao domínio do poder político, se mantém a representação governamental no Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público.
Ora, não pode falar em autonomia do Ministério Público quem, afinal, propugna soluções que transformam esse órgão de justiça num corpo de burocratas, produtor de acusações e abstenções, agente meramente passivo e, além do mais, legitimador da actuação policial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terminarei a minha intervenção não sem me referir ainda à questão dos auditores jurídicos que se revelaram uma componente importante no sistema de garante da legalidade democrática.
Este debate, Srs. Deputados, evidenciou abundantemente que nos encontramos perante uma grave investida contra a administração da justiça, o que interessa, e muito, ao cidadão comum, cujos direitos, liberdades e garantias se podem encontrar em risco.
Na comédia de Aristófanes, no início citada, o escravo Xântias inquieta-se com um sonho que povoou de pesadelo o seu sono. Uma águia enorme descera na Praça Pública para apanhar nas ganas um escudo de bronze.
Este sonho pertence, no entanto, à história. Contamos, apesar de tudo com algum bom senso e contamos, sobretudo, com a impossibilidade de realização do absurdo: o escudo de bronze que é a justiça, continuará incólume.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições e também, praticamente, estão esgotados os tempos, pelo que, nos lermos regimentais, está encerrado o debate dos projectos de lei sobre autonomia do Ministério Público que, hoje, nos ocuparam durante o período da ordem do dia.
Nos termos regimentais, a votação far-se-á na próxima quinta-feira, à hora regimental.
O Plenário reúne amanhã, às 10 horas, e o tema é, como sabem, debate sobre assuntos de interesse regional.

Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 55 minutos.

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