O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 991

Sexta-feira, 28 de Fevereiro de 1982 I Série-Número 34

Diário da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE FEVEREIRO 1992

Presidente: Ex.(tm) Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 Horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a outros.
A propósito da presença de público nas galerias antes da abertura da sessão, interpelaram a Mesa os Srs. Deputados Pacheco Pereira (PSD) e Manuel Alegre (PS), tendo o Sr. Presidente prestado os correspondentes esclarecimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Arménio Santos (PSD) congratulou-se com a assinatura do recente acordo social para 1992 entre o Governo e os parceiros sociais.
Em declaração politica, o Sr. Deputado Jaime Gama (PS) deu conta à Assembleia das conclusões do congresso do seu partido e condenou u política do Governo. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimentos e deu explicações aos Srs. Deputados Duarte Lima, Carlos Coelho, Silva Marques, Guilherme Silva, Cecília Catarino e Reis Leite (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS) abordou aspectos relativos à viagem presidencial à índia. No final, respondeu a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Eduardo Pereira (PS), Correia Afonso (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
Ainda em declaração politica, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) criticou a prova geral de acesso ao ensino superior, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Lélis, Pedro Passos Coelho e Luís Nobre (PSD). Foi aprovado o voto n. º 8/VI (PSD), de saudação pelos recentes êxitos alcançados pelas equipas de atletismo do Sporting Clube de Braga e do Sporting Clube de Portugal. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados António Braga (PS) e Miguel Macedo (PSD).
Ordem do dia. - A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um deputado do PSD.
Procedeu-se à discussão conjunta e na generalidade dos projectos de lei n.ºs 65/VI - Garante a autonomia do Ministério Público, apresentado pelo PS, 78/VI - Dá cumprimento ao princípio constitucional da autonomia do Ministério Público, apresentado pelo PCP, 88/VI - Garante a autonomia do Ministério Público, apresentado pelo PSD, e 89/VI - Garante a autonomia do Ministério Público, apresentado pelo CDS. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio), os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Guilherme Silva (PSD), Narana Coissoró (CDS), Margarida Silva Pereira e Correia Afonso (PSD), Jaime Magalhães (PS), Luís Sá (PCP), Costa Andrade (PSD), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Odete Santos (PCP) e José Vera Jardim (PS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 55 minutos.

Página 992

992 I SÉRIE-NÚMERO 34

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Bissaia Barreto.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
António Barbosa de Melo.
António Barradas Leilão.
António Correia Vairinhos.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernandes Alves.
António Germano Sá e Abreu.
António Paulo Coelho.
António Santos Pires Afonso.
Aristides Alves Teixeira.
Arlindo da Silva Moreira.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata da Silva.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Miguel de Oliveira.
Carlos Oliveira da Silva.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Gomes Pereira.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Bernardino Silva.
Guido Orlando Rodrigues.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João de Oliveira Martins.
João do Lago Mota.
João Granja da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Manuel Barros Sousa.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Alberto Puig Costa.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Silva Marques.
José Bernardo Falcão Cunha.
José Borregana Meireles.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leal Ferreira Piedade.
José Leite Machado.
José Macário Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário.
Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Reis Leite.
Luis António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Azevedo.
Manuel Baptista Cardoso.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Lima Filipe Marques.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Rodrigues Marques.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria Leonor Beleza.
Maria Luísa Ferreira.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro e Holstein, Campilho.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Miguel.
Virgílio de Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Página 993

28 DE FEVEREIRO DE 1992 993

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons de Carvalho.
Alberto Bernandes Costa.
Alberto de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino Salteiro.
Ana Maria Bettencourt.
António Alves Martinho.
António Correia Campos.
António Crisóstomo Teixeira.
António da Silva Braga.
António de Almeida Santos.
António José Martins Seguro.
António Luis Santos Costa.
António Marques Júnior.
António Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.
Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Costa Candal.
Carlos Manuel Luís.
Edite Marreiros Estrela
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Manuel Costa.
Fernando Pereira de Sousa.
Fernando Pereira Marques.
Guilherme de Oliveira Martins.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Ernesto dos Reis.
José Manuel Lello Almeida.
José Manuel Magalhães.
José Rebelo dos Reis Lamego.
José Rodrigues dos Penedos.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho Santos.
Luís Capoulas Santos.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Maria Julieta Sampaio.
Maria Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul Fernando Costa Brito.
Raúl Pimenta Rêgo.
Rogério Conceição Martins.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Agostinho Nuno Lopes.
António Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Teixeira.
Carlos Gomes Carvalhas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Manuel Maia.
Lino Marques de Carvalho.
Luís Manuel Viana de Sá
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Casimiro da Silva Tavares.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria Almeida Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN): Manuel Sérgio Vieira Cunha.

Deputados independentes:

João Corregedor da Fonseca.
Luís Emídio Mateus Fazenda.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do vosso conhecimento, encontra-se reunida no Parlamento a conferência internacional «Cooperação para a Paz, Desenvolvimento e Democracia de Angola».
Neste momento, está presente na Tribuna o Sr. Presidente da AWEPAA (Association of Western Parliementarians for Action Against Apartheid), o Sr. Ministro do Governo de Angola Lopo do Nascimento e os Srs. Deputados Carlos Coelho, Jorge Roque da Cunha e José Apolinário.
Em nome da Câmara, quero saudar SS. Ex.ªs

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.8 21/VI, da iniciativa do Governo, que autoriza o Governo a legislar em matéria de actividades paramédicas, que foi admitida e baixou à 9.º e 10.ª Comissões; projecto de lei n.º 91/VI, da iniciativa do Sr. Deputado Luís Sá e outros, do PCP, sobre o processo de criação e instituição das regiões administrativas, que foi admitido e baixou à 6º Comissão; projecto de lei n.º 92/VI, da iniciativa do Sr. Deputado Luís Sá, do PCP, sobre a lei quadro das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, que foi admitido e baixou à 6." e 7.º Comissões; projecto de lei n.º 93/VI, da iniciativa do Sr. Deputado Luís Sá e outros, do PCP, sobre as finanças das regiões administrativas, que foi

Página 994

994 I SÉRIE-NÚMERO 34

admitido e baixou à 6.º e 7.º Comissões; projecto de lei n." 94/VI, do Sr. Deputado Luís Sá e outros, do PCP, que reforça os poderes das assembleias municipais e garante maior operacionalidade às câmaras municipais, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 95/VI, da iniciativa do Sr. Deputado Luís Sá e outros, do PCP, sobre a organização e quadros de pessoal das associações municipais, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; projecto de lei 96/VI, da iniciativa do Sr. Deputado Luís Sá e outros, do PCP, que aprova o novo regime da tutela administrativa sobre as autarquias locais, revogando as disposições fundamentais da Lei n.º 87/89, de 9 de Setembro, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 97/VI, da iniciativa do Sr. Deputado Luís Sá e outros, do PCP, que altera o Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de Junho, relativo à avaliação de impacte ambiental, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; projecto de lei, n.º 98/VI, da iniciativa do Sr. Deputado Luís Sá e outros, do PCP, sobre a lei quadro das áreas protegidas, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; projecto de deliberação n.9 19/VI, apresentado pelo PCP, sobre a definição de um calendário para a regionalização, que foi admitido em 26 de Fevereiro; e projecto de resolução n.º 9/VI, apresentado pelo PS, para a criação de uma comissão eventual da reforma parlamentar.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Isilda Martins, José Manuel Maia, Macário Correia, Guilherme Oliveira Martins, José Apolinário, Manuel Sérgio, Odete Santos, Cerqueira de Oliveira, António Leitão, Júlio Henriques, Luís Fazenda, Miguel Urbano Rodrigues e Joaquim Anastácio; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados José Manuel Maia, José Leilão, António Leitão, António Filipe, Lino de Carvalho, José Magalhães, Ana Bettencourt, Cerqueira de Oliveira e António Martinho; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Macário Correia, Marques Júnior, José Ferreira da Piedade, Agostinho Lopes, Lourdes Hespanhol, Helena Torres Marques, Artur Braga e Apolónia Teixeira; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Macário Correia, Luís Fazenda, Agostinho Lopes, Odete Santos, Luís Fazenda e Apolónia Teixeira; ao Ministério da Agricultura, formulados pelos Srs. Deputados António Sá e Abreu, Agostinho Lopes e Cerqueira de Oliveira; ao Ministério da Defesa Nacional, formulados pelos Srs. Deputados Marques Júnior, João Amaral, José Magalhães, Guilherme Oliveira Martins, Caio Roque e Cerqueira de Oliveira; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Marques Júnior, Crisóstomo Teixeira, José Apolinário, José Manuel Maia, Cerqueira de Oliveira, Carlos Luís e António Campos; ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Luís Fazenda, Agostinho Lopes, Macário Correia, José Cesário e Artur Penedos; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados, João Amaral, Leonor Coutinho, José Apolinário, Agostinho Lopes, Macário Correia, Jerónimo de Sousa, João Rui de Almeida, José Cesário e Alberto Cerqueira de Oliveira; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Luís, Luís Sá, Macário Correia, José Silva Costa, Melchior Moreira, Cerqueira de Oliveira, Odete Santos e Lourdes Hespanhol; ao Instituto Nacional de Estatística, formulados pelo Sr. Deputado Lemos Damião; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães, Macário Correia, Helena Torres Marques, Caio Roque, Luís Sá e Luís Capoulas; à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Guilherme Oliveira Martins, Isilda Martins e António Alves; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário e Agostinho Lopes; à Secretaria de Estado da Juventude, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Sérgio e João Granja; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Luís Sá; ao Ministério da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados Miguel Macedo, Eurico Figueiredo e Casimiro Tavares; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa , Roque da Cunha, Artur Penedos, Manuel dos Santos, Octávio Teixeira e Leonor Coutinho; ao Tribunal de Instrução Criminal de Faro, formulado pelo Sr. Deputado. Macário Correia; a diversas câmaras municipais, formulados pelos Srs. Deputados Isilda Martins, Carlos Luís, Macário Correia, Luís Sá, António Alves, Almeida Cesário, Artur Penedos e Cerqueira de Oliveira; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Urbano Rodrigues; à Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional, formulado pelo Sr. Deputado João Proença.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Luís Sá, nas sessões de 7 e 13 de Novembro, 6 de Dezembro e 10 de Janeiro; José Apolinário, nas sessões de 13 Novembro, 12 de Dezembro e 9, 21 e 23 de Janeiro; António Vairinhos, na sessão de 13 Novembro; Mário Coutinho Albuquerque, na sessão de 13 Novembro; Agostinho Lopes, nas sessões de 21 de Novembro e 13 e 19 de Dezembro; Macário Correia, nas sessões de 6 de Dezembro e 9, 14 e 31 de Janeiro; Álvaro Viegas, na sessão de 12 de Dezembro; Rosa Albernaz e Isabel Castro, na sessão de 19 de Dezembro; Eurico Figueiredo, na sessão de 20 de Dezembro; António Martinho, na sessão de 20 de Dezembro; Cerqueira de Oliveira, nas sessões de 19 de Dezembro e 7 e 23 de Janeiro; Ana Bettencourt, nas sessões de 7 e 16 de Janeiro; Lino de Carvalho, na sessão de 7 de Janeiro; Fernando Pereira Marques, nas sessões de 10 e 24 de Janeiro; Crisóstemo Teixeira, na sessão de 10 de Janeiro; Mário Tomé, na sessão de 16 de Janeiro; João Amaral, nas sessões de 17, 21 e 30 de Janeiro; José Manuel Maia, na sessão de 30 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para interpelar a Mesa os Srs. Deputados Pacheco Pereira e Manuel Alegre.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da direcção do Grupo Parlamentar do PSD, quero manifestar a minha estranheza e perguntar-lhe em que condições e sob que responsabilidade foi permitida, antes de o Sr. Presidente da Assembleia da República abrir esta sessão e mandar abrir as galerias, a entrada de assistentes para as galerias desta mesma Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de saber a que título e sob que responsabilidade foi permitida a realização, nos corredores da Assembleia da República, de

Página 995

28 DE FEVEREIRO DE 1992 995

uma manifestação pública, situação essa que, em nenhuma circunstância e para nenhumas outras pessoas, tem sido permitida nesta Casa.
A mim ofende-me que os trabalhadores metalúrgicos ou outras pessoas de outra condição social ou profissional...

Aplausos do PSD. Protestos do PS e da PCP.

Insisto, Sr. Presidente, a mim ofende-me, como alguém que luta pela igualdade dos cidadãos, que existam, neste país, cidadãos de l.º e cidadãos de 2.»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os direitos são os mesmos para os trabalhadores que, muitas vezes, estão lá fora em manifestação contra nós ou para qualquer outra pessoa, de qualquer outra condição, nem que essa condição seja considerada de privilégio. As únicas pessoas que, nesta Casa, têm uma situação de privilégio, porque são eleitas pelo povo, são os Deputados e essa condição não pode ser ofendida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe a sua interpelação, ela dirigiu-se à Mesa, sendo a Mesa quem terá de responder.
Há dois pontos na interpelação do Sr. Deputado, mas o Presidente só pode responder a um.
Perguntou o Sr. Deputado sob que responsabilidade ou sob a responsabilidade de quem é que foram abertas as galerias antes de ser, por mim, declarada aberta a sessão. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que tal aconteceu por minha própria responsabilidade.
Aplausos do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luis Fazenda.
Eu dispenso os aplausos, Srs. Deputados. Muito obrigado, mas dispenso os aplausos.
Mas, entendi, por mim, que, nesta circunstância, deveria abrir as galerias, até para evitar que andasse perdido pelo corredores...

Protestos do PSD.

... quem, naturalmente, interessado em saber o que se passa a seu respeito, veio hoje em massa à Assembleia.
Assumo essa responsabilidade, perante VV. Ex.ªs A gestão cabe-me a mim, e não à Assembleia, enquanto este Regimento se encontrar em vigor.

Aplausos do PS.

Quanto ao segundo ponto da sua interpelação, não posso responder porque não sei, não autorizei e seguramente mandarei abrir um inquérito no sentido de saber que manifestações foram essas a que o Sr. Deputado aludiu.

Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para perguntar a V. Ex.ª se porventura lhe foram dadas explicações sobre as razões do atraso do início da sessão.
É que se elas não lhe foram dadas, entendo que deverão sô-lo, porque esta Câmara merece uma explicação. E se é verdade que não há cidadãos de 1.º e cidadãos de 2.º, também é verdade que não há Deputados de l.º e Deputados de 2.º.
Aplausos do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.
O Sr. Presidente: - Agradeço, também, ao Sr. Deputado Manuel Alegre a pergunta que me fez, só que os Deputados, no meu comportamento, são todos tratados igualmente. Nunca abri nenhuma sessão enquanto não se encontrassem presentes os representantes dos grupos parlamentares.
De modo que não há Deputados de 1.º nem de 2.º Esperei que estivessem aqui representados todos os grupos parlamentares para, nessa altura e só nessa altura, declarar aberta a sessão.

O Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, serei breve na minha interpelação.
Em relação à informação prestada por V. Ex." sobre a responsabilidade de quem mandou abrir as portas das galerias antes do início da sessão - e essa responsabilidade foi assumida pelo Sr. Presidente -, queremos referir, em nome do nosso grupo parlamentar, que estamos totalmente de acordo com a decisão tomada por V. Ex.ª, porque, quaisquer que sejam os portugueses que pretendam assistir a uma sessão da Assembleia, sejam eles as pessoas que estão hoje aqui presentes nas galerias, sejam eles os trabalhadores metalúrgicos ou quem quer que seja, do nosso ponto de vista, não podem e não devem ficar à espera, por tempo indefinido, que se abram as portas, se algum grupo parlamentar, como hoje, por exemplo, resolver entrar mais tarde no Plenário.
Aplausos do PCP, do PS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão dos temas agenciados para hoje.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia IS, foi celebrado um pacto social para 1992 entre o Governo e os parceiros sociais, cujo alcance político, económico e social justifica amplamente que o PSD traga esta questão à Assembleia da República.
A importância de tal acordo bem merece, só por si, o nosso aplauso, mas as reacções que tal acontecimento suscitou justificam ainda mais a nossa intervenção neste Parlamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Página 996

996 I SÉRIE-NÚMERO 34

O Orador: - Trata-se de um pacto social histórico, que ocorre na sequência do Tratado de Maastricht e é condicionado pelas respostas estratégicas que o nosso País tem de dar para alcançar os objectivos a que se comprometeu nesse Tratado da União Europeia.
Todos conhecemos as enormes implicações daquele Tratado para toda a Europa comunitária, que nós, portugueses, assumimos voluntariamente, na convicção firme de que é o melhor caminho para o nosso país: a entrada no sistema monetário europeu até l de Janeiro de 1994 e a criação da união económica e monetária, com a fixação irreversível da criação de uma moeda única na Europa comunitária, com datas que não podem ser alteradas, e que pode ser adoptada já em Janeiro de 1997.
Para que cada Estado membro chegue a essa situação, tem de preencher condições económicas e financeiras muito rigorosas, sob pena de ser remetido para uma Europa da segunda divisão até atingir as condições exigidas. Essas condições impedem que qualquer Estado membro tenha um défice orçamental superior a 3 %. A inflação tem de situar-se em níveis iguais ou inferiores a 1,5 % àquela que têm os três países da Comunidade Europeia melhor comportados nesta variável económica. As taxas de juro não podem variar mais de 2 % em relação às taxas praticadas pelos três países .com melhor comportamento nesta matéria.
Ou seja, integrar o escudo no sistema monetário europeu e prepararmo-nos para a união económica e monetária, reduzindo fortemente a inflação, o défice do Orçamento e as despesas públicas, sem custos sociais desnecessários, é uma questão nacional que deve merecer a adesão de todos os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estas preocupações económicas já foram acolhidas no Orçamento do Estado, aprovado na Assembleia da República na passada terça-feira.
Como contrapartida, os países menos desenvolvidos, como é o caso de Portugal, ficam com acesso a importantes fundos comunitários para apoiarem a coesão económica e social e recuperarem dos atrasos acumulados ao longo de décadas. Percebe-se que é muito difícil conseguir realizar aqueles objectivos económicos, mas a alternativa é ficarmos para trás e comprometermos tudo - o progresso económico, o progresso social, o progresso no domínio do ambiente e o progresso cultural.
A concertação social, que o Partido Social-Democrata sempre considerou uma questão central da sua acção governativa, é um dos pilares indispensáveis ao êxito desta estratégia de colocar o nosso país no grupo dianteiro da Europa. O entendimento entre trabalhadores, empresários ,e Governo é fundamental para a realização daqueles objectivos e para evitar a falência de muitas empresas e o agravamento significativo do desemprego.
Todos sabemos que até 1985 a matriz das relações do trabalho em Portugal assentava em eixos de conflitualidade, em eixos de radicalização e demagogia, com efeitos nefastos para os trabalhadores e para o País. Eram os tempos em que os aumentos salariais rondavam os 20 %, mas eram facilmente devorados pela inflação, que deixava os trabalhadores e as famílias portuguesas cada vez mais depauperados.
Foi com o PSD e com os governos do Prof. Cavaco Silva que esta situação se alterou, com a negociação do primeiro pacto social em 1986.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta estratégia de diálogo e concertação prosseguiu e teve novo impulso com o acordo de 1987.
Reforçou-se com o acordo económico e social de 1990, com implicações profundas nos vários domínios da economia e do trabalho.
Com o presente acordo, negociado em condições porventura mais difíceis do que em 1990, consolida-se uma política de concertação em relação à qual, apesar das dificuldades de percurso e das críticas, é justo reconhecer-se que o saldo é claramente positivo para trabalhadores, empresários e famílias portugueses.
O conteúdo do presente acordo, tendo por fundo os nossos compromissos comunitários, vai para além da mera política de rendimentos e preços. Foi acordada uma referência salarial para cada quadrimestre do ano, que procura respeitar uma gradual melhoria do poder de compra dos trabalhadores. Veja-se, a título de exemplo, a negociação que acaba de se realizar na CP, com uma tabela salarial ligeiramente superior àquela referência e com um aumento da massa salarial a rondar os 11,5 a 12 %.

O salário mínimo nacional foi aumentado em cerca de 11%.
Os abonos de família subiram 10 %.
Os pensionistas e reformados com pensões inferiores ao salário mínimo nacional passaram a beneficiar de comparticipações no preço dos medicamentos de 80 % para 85 % e de 50 % para 55 %.
As deduções para efeitos do IRS são alargadas em 240 contos nas despesas de habitação e em 300 contos nas rendas e planos de poupança-habitação.
Estas são algumas das preocupações sociais constantes do acordo que não devem ser ignoradas, porque tem como destinatários os rendimentos do trabalho e visam melhorar as condições de vida dos cidadãos de mais escassos recursos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa referir que, enquanto o diálogo social é uma realidade positiva em Portugal, em nenhum dos outros 11 países da Comunidade Europeia, com fortes tradições de concertação social, foi possível nos últimos anos celebrar um acordo deste género.

Aplausos do PSD.

Em Itália desde 1983 que isso não acontece e em França sucede o mesmo desde 1984. No caso da nossa vizinha Espanha, após os acordos especiais resultantes do Pacto de Moncloa, a UGT espanhola e o Governo Espanhol também não conseguem celebrar um acordo desde 1986, com o facto curioso de, apesar de em Espanha haver um governo socialista e uma central sindical também socialista (a UGT), estas duas entidades não conseguirem entender-se.
Estes factos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, devem servir de meditação para os Portugueses e demonstram a maturidade dos nossos parceiros sociais e a sua capacidade para encontrarem bases de entendimento e assumirem compromissos indispensáveis ao avanço do País, na rota do progresso.

Aplausos do PSD.

Deveriam também merecer o estímulo sobretudo daquelas forças que acreditam e defendem a nossa integração europeia.
Estranhamente, tal não acontece. O Partido Comunista Português, coerente com aquilo que sempre foi e defende,

Página 997

28 DE FEVEREIRO DE 1992 997

opõe-se à assinatura de todo e qualquer acordo, porque, na sua filosofia e na sua prática política, a tese do confronto continua a prevalecer sobre o diálogo. No que respeita à CGTP, quando tenta alguns ensaios de afirmação da sua autonomia, logo a voz tutelar do PCP se faz ouvir, impedindo-lhe qualquer comportamento desalinhado.
Mas esta conduta do PCP e da CGTP a ninguém surpreende. Bem mais graves são as declarações de contestação ao acordo e sobretudo à sua assinatura por parte de uma central sindical proferidas pelo novo líder do PS e por um outro alto dirigente socialista.

Uma voz do PSD: -É grave!

O Orador: - Tais declarações traduzem um corte com a imagem de respeito pela autonomia e independência sindicais que o PS cultivou, manifestam um indisfarçável apetite pela manipulação do movimento sindical e revelam uma clara preferência daqueles dirigentes socialistas pelo confronto, em detrimento do diálogo e da negociação.

Aplausos do PSD.

Incapaz de se fazer ouvir no País, pelas suas próprias ideias e propostas, a nova liderança do PS parece procurar bengalas e caixas de ressonância na oposição social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O acordo desagradou ao PS não porque seja mau para o País, mas por ser um instrumento para que Portugal continue a ganhar a batalha do desenvolvimento e possa integrar o núcleo dos países comunitários mais avançados, sem custos sociais elevados.
Talvez preferissem que o combate à inflação fosse feito à custa da falência das empresas e do crescimento do desemprego, para então terem argumentos para atacar o Governo e acusá-lo de ter falhado o cumprimento do seu Programa.
Gostariam ainda que não houvesse acordo, porque a abertura, a tolerância, a capacidade de diálogo e a disponibilidade do Governo para ouvir e concertar com os vários interesses económicos e grupos profissionais não servem os interesses partidários das oposições.
Compreendemos as dificuldades das oposições, mas é pena que, afinal, o Partido Socialista, na sua frenética sede de se fazer notar, não se aperceba de que está a imitar argumentos e práticas do velho PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os factos do passado desmentem os adversários da concertação social e demonstram que o seu criticismo não é razoável. Aqueles que agora contestam o acordo, como a Intersindical, também dirigiram as mais duras e violentas críticas ao acordo económico e social celebrado em Outubro de 1990 para ter efeitos em 1991. É exactamente a CGTP que agora tece as maiores honrarias a esse pacto social, que há um ano tanto denegrira.
De facto, o emprego subiu e o desemprego desceu a 4 %, nível que coloca Portugal na vanguarda da Europa comunitária. A inflação acabou por situar-se nos 11,4 %, abaixo dos horizontes previstos pelo próprio Governo. Os salários cresceram em bom ritmo, situando-se na média de 16 %, com ganhos importantes para os trabalhadores.
São estes factos concretos que derrubam qualquer argumento em contrário.
Por isso, temos motivos para acreditar em que, no final deste ano, se repetirá a situação, com o PCP, a CGTP e também o PS a darem a mão à palmatória e a reconhecerem as vantagens do pacto social que agora criticam.
É nesse quadro que o PSD felicita o Governo pela celebração de mais este acordo social, em especial o Sr. Primeiro-Ministro, porque ele tem sido o fio condutor e o garante do sucesso desta política de diálogo.
Saudamos também a UGT e, de forma particular, a sua liderança, porque, não obstante as fortes pressões a que foi sujeita por parte do PS e também por parte de instituições que deviam guardar isenção, assumiu as suas responsabilidades no sentido do interesse nacional.

Aplausos do PSD.

Saudamos as confederações empresariais - a CCP, a CIP e a CAP -, porque com a sua participação neste acordo indicaram, de modo muito nítido, a sua confiança no futuro da economia nacional e a sua determinação em contribuir, com a sua quota de responsabilidade, para que Portugal atinja os níveis de desenvolvimento dos seus parceiros comunitários mais avançados.
À CGTP reconhecemos os contributos válidos que deu à mesa das negociações do Conselho Permanente de Concertação Social. Expressamos o desejo sincero de que evolua e de que os muitos trabalhadores que representa passem no futuro a integrar os acordos celebrados em sede de concertação.
Finalmente, reafirmamos o nosso compromisso de contribuir para que a política de concertação iniciada em 1986 seja prosseguida, não por ser bom para o PSD ou para o Governo, mas por ser necessário e importante para o aprofundamento da solidariedade e o progresso de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do último congresso nós, no PS, saímos com uma certeza: não vale a pena continuar a meter a cabeça na areia. A realidade política mudou radicalmente - em tudo o que tinha sido garantido que ia haver estabilidade só há crises. «Crise» é a palavra chave. Podem os governantes dedicar-se em exclusivo à presidência das Comunidades. Aos Portugueses, cá dentro, eles não escondem um facto: o País está em crise, crise profunda, crise geral.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A primeira crise provocou-a o próprio Governo. É uma gigantesca crise de credibilidade. O líder do PSD não foi capaz de manter os seus compromissos públicos com que garantia aos Portugueses o desagravamento fiscal. O seu velho companheiro de lides partidárias, o engenheiro Eurico de Melo, exortou-o - passo a citar - «ter coragem para assumir o facto de ter precisado de aumentar as receitas fiscais para além do que prometera na campanha eleitoral».
O Primeiro-Ministro não teve a coragem de seguir estes conselhos. Resolveu, antes, vir a esta Casa dizer-nos que aquilo que em todos os manuais de finanças públicas e por todas as organizações internacionais é conhecido por carga fiscal não é, afinal, carga fiscal. O Primeiro-Ministro não hesitou, assim, em pôr em causa a sua reputação

Página 998

998 I SÉRIE-NÚMERO 34

de professor de Finanças Públicas para manter, a ficção da infalibilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É contra essa displicência que o País vai continuar a perguntar ao Governo por que nos impôs este brutal aumento da carga fiscal. .

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Ficou provado no debate orçamental que as invocadas directivas de harmonização fiscal da Comunidade afinal não existem. O Governo, que tinha ido a Bruxelas declarar uma redução do défice para 4 %, chegou a esta Assembleia com um défice proposto de mais de 5 % e saiu dela já ninguém sabe com que défice, cobrindo-se de ridículo, desprestigiando o seu grupo parlamentar e não conseguindo esconder o mal-estar para justificar semelhante derrapagem.

Aplausos do PS.

Este ano, a par dos contribuintes, as autarquias locais foram escolhidas para principais vítimas. Rasgando a Lei das Finanças Locais, o Governo subtrai miais de 50 milhões de contos às autarquias e chega a pôr em causa a Constituição. Como tal, tem de ser sindicado.
Os autarcas portugueses não podem ficar sem resposta positiva. Pela nossa parte, temos respostas.
Tenho, por isso, o gosto de anunciar, já para 17 de Março, o agendamento dos projectos do PS de novas competências das autarquias e de novo regime das finanças locais, bem como de definição do processo de regionalização.

Aplausos do PS.

De novo aí o Governo e o PSD vão ser postos à prova. De novo se saberá quem está a favor dos cidadãos, da iniciativa e da descentralização e de quem é pelas clientelas, pelo poder burocrático e pela hegemonia estatal.
A política económica anunciada pelo Governo, que consistia numa terapia de choque centrada no controlo do défice, no controlo da inflação e no desagravamento fiscal, ficou arruinada em apenas três meses de governação.
A partir daqui, o Primeiro-Ministro terá de ser mais modesto ao invocar o 6 de Outubro. É o preço que tem de pagar quem promete uma política para ser eleito e no dia seguinte começa a fazer exactamente o contrário no Governo.

Aplausos do PS.

A razão da primeira crise - crise de credibilidade - é só essa.

Mas a segunda crise, que também aí está em toda a sua evidencia, é a crise da educação. O PS advertiu a tempo contra a PGA. Desde o princípio do ano que está na Assembleia da República um projecto de lei do PS a propor a revisão integral do sistema de acesso ao ensino superior.

A PGA foi lançada em 1988 pelo governo de Cavaco Silva, de uma forma precipitada e contra o parecer do Conselho Nacional de Educação, que recomendou o respectivo adiamento, era então seu presidente o Prof. Mário Pinto, actual Ministro da República para os Açores.
A PGA pretendia assumir objectivos irrealizáveis através de uma prova inspirada em testes de importação apressada: queria avaliar a cultura geral, a maturidade intelectual, a capacidade de expressão. Mesmo esses objectivos foram sendo esquecidos e a prova transformou-se numa charada sem sentido.

Aplausos do PS.

A PGA deste ano era ainda mais absurda do que todas as anteriores e linha erros redondamente grosseiros. O cavaquismo educativo deixou que ela fosse piorando de ano para ano e agora vai ser obrigado a admitir que ela não tem correcção possível. A terceira chamada do Ministro Durão não vai fazer outra coisa se não prosseguir a perturbação do ano escolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que está errado na PGA - e é por isso que ela tem de ser substituída - é que ela é uma prova que avalia não os conhecimentos transmitidos pela escola, mas a cultura adquirida exactamente fora da escola, na televisão, nas conversas, nas explicações (a 3 contos por hora), nos explicadores, nos externatos, nos «manuais de PGA».

Aplausos do PS.

O resultado é que milhares de alunos com notas do secundário superiores a 16 ficaram pelo caminho ou tiveram de esperar um ou mais anos por causa da PGA. Excelentes alunos a Matemática e Filosofia tiveram nota inferior a 50 % na PGA. A mesma prova corrigida por dois avaliadores dá diferenças de classificação de 20, 30 ou 40 %.

A PGA tem de ser substituída. Ou o Governo muda a PGA ou a PGA muda o Ministro.

Aplausos do PS.

Por isso, propusemos ontem um debate de urgência na Assembleia da República, que terá lugar na próxima sexta-feira. O Governo, para sair da confusão, da incompetência e da falta de autoridade em que se encontra, terá de agir com muita rapidez. O Primeiro-Ministro nunca se engana, mas mais cedo ou mais tarde terá de demitir o Ministro da Educação que escolheu.

Aplausos do PS.

A terceira crise é a da economia real. A incapacidade do Governo de controlar as suas contas e encontrar uma política económica credível e coerente não se traduz apenas em cortes financeiros para as autarquias ou em agravamento fiscal sobre as famílias. Ela é particularmente pesada para o sector produtivo, para as empresas, para a economia real.
Vejamos o que se passa com as taxas de juro ao crédito. As estatísticas financeiras do Fundo Monetário Internacional mostram-nos que os mais de 23 pontos percentuais registados em Portugal só são ultrapassados pela Grécia em toda a Comunidade Europeia.
Outro elemento de crucial importância para a vida das empresas é a competitividade real. A sua degradação, que começou no 3.º trimestre de 1988, ultrapassava já, quan-

Página 999

2§ DE FEVEREIRO DE 1992 999

do comparada com as moedas dos nossos parceiros comerciais, os 20 % nos finais de 1991 e a OCDE prevê o seu agravamento nos próximos anos.
Estes dois factores, que se juntam ao aumento dos impostos, fazem que as empresas portuguesas sejam aquelas que enfrentam nas Comunidades Europeias o mais apertado quadro de funcionamento macroeconómico.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que há uma quebra na taxa de utilização da capacidade produtiva e da procura externa em toda a indústria transformadora.
Em Portugal o crédito é um dos mais caros, mas, paradoxalmente, isso não se reflecte na remuneração dos depósitos. A banca goza entre nós de uma margem de intermediação sem paralelo - nem mesmo na Grécia se encontram margens dessas - em toda a Europa.
Com o cavaquismo, todo o sector produtivo passou a trabalhar para os sectores fiscal e financeiro.

Aplausos do PS.

A crise do têxtil, do vestuário e do calçado bem o demonstra. As falências pendentes cresceram 39 % de 1985 a 1990 e vão continuar. A economia real está asfixiada.
Mas a crise mais forte e mais dramática que está para rebentar é a da agricultura. Os agricultores portugueses enfrentam hoje, em condições de grande desigualdade, a concorrência da produção externa.
Taxas de juro (a que não chegou a «harmonização») esmagam as explorações que recorrem ao crédito para se modernizar e que hoje se deparam no mercado com preços em declínio, dificuldades de escoamento e agora impostos acrescidos, como o IVA nos adubos, nos fertilizantes e nos fitofármacos, antes isentos. Muitos jovens recém-instalados já querem desistir. Não é para menos. Apesar do bombardeamento de fundos comunitários, nos últimos seis anos o rendimento agrícola desceu mais de 15 % em Portugal, enquanto subia nos países comunitários em situação idêntica. Entre o princípio da década de 80 e a de 90, o rendimento dos produtores agrícolas em Portugal diminuiu em 3 %, enquanto em Espanha subiu mais de 50 %. Não nos podemos conformar com um rendimento agrícola nacional que é um terço da média comunitária.
Na agricultura, a incerteza sobre o futuro é agravada pela forma sigilosa como o Governo tem vindo a intervir nas negociações do GATT e na reforma da política agrícola comum. A perspectiva de limitações à produção, num país em que o défice alimentar se continua a agravar, justifica a maior das preocupações nacionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Apesar dos meios disponibilizados, o insucesso da política agrícola ficará demonstrado em pouco tempo e essa vai ser, seguramente, a pior e mais desesperante de todas as crises.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou concluir, muito brevemente.

O PS alertou para as crises. O PSD não quis ver e deprecia por sistema qualquer alternativa que seja formulada. Da oposição, dizemos-lhe com frontalidade: continua enganado!
Mas agora é o País inteiro que também está aí para demonstrar que é preciso pôr um limite à arrogância, que é necessário travar os poderes hegemónicos, que tem de haver soluções diferentes.

Aplausos do PS.

Em suma, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que é tempo de começar a substituir a palavra «crise» pela palavra «confiança».

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Duarte Lima, Mário Maciel, Carlos Coelho e Silva Marques.

Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, o meu grupo parlamentar aguardava, com natural expectativa - penso que com expectativa idêntica à dos outros grupos parlamentares desta Assembleia da República -, a intervenção de V. Ex.ª, o que é natural, porque a Assembleia da República e a vida política não podem reagir, indiferentemente, ao congresso do maior partido da oposição, as alterações de liderança - não são de mera continuidade - nesse partido da oposição e, em particular, às propostas políticas que ele pretende formular para o País. Não é um chavão dizer isto.
No entanto, a intervenção de V. Ex.ª daquela tribuna deixou-nos defraudados nesta expectativa, pois ela ficou aquém do que conhecemos do pensamento de Estado de V. Ex.ª, das suas grandes capacidades como líder da bancada do PS e como político, e aquém daquilo que o Sr. Deputado António Guterres merece e promete ao País.

De facto, o Sr. Deputado fez aqui o discurso das «aparas» do Orçamento.

O Sr. José Magalhães (PS): - E que aparas!

O Orador: - Dos três tópicos que enunciou, o primeiro e o terceiro foram as «aparas», os resquícios do Orçamento. Depois tocou num tema da especialidade, um tema, de facto, importante - nós próprios reconhecemos essa importância e demos o nosso acordo para que sobre ele haja aqui um debate de urgência, como sabe-, sobre o qual um colega meu de bancada vai responder.
Estava suspenso da sua primeira afirmação, segundo a qual VV. Ex.ªs saíram com uma certeza do congresso: a de que a realidade política mudou radicalmente.
O que é que eu esperava depois disto? Esperava que dissesse qual era a boa nova, porque os Portugueses tem a legitimidade de esperar que desse congresso tivesse saído uma boa nova, uma formulação clara, global, de uma política alternativa a esta, enfim, que tem alternativas!

Vozes do PS: - Pois temos!

O Orador:- Claro que tem!... A política deste governo tem alternativas e isso é indiscutível!...

Risos do PSD.

Eram essas alternativas que esperava ver aqui formuladas por VV. Ex.ªs, como já por elas esperei no Orçamento e não as vi. Vi as da bancada do CDS, em capítulos importantes, mas não vi as da sua bancada!... E o seu

Página 1000

1000 I SÉRIE-NÚMERO 34

papel, Sr. Deputado Jaime Gama, como o da sua bancada e do seu partido, que é um partido fundamental para a construção da alternância democrática, não pode limitar-se ao jargão de dizer «estamos em crise». Mas qual é a diferença entre esse discurso e o que fez depois das eleições, ainda com a liderança do Dr. Jorge Sampaio, ou antes das eleições, também com a liderança do Dr. Jorge Sampaio?! Que o País está em crise dizem-no os senhores há cinco ou seis anos. Isso não é novo!
Aliás, o próprio Sr. Deputado Jaime Gama disse várias vezes da tribuna desta Assembleia que o País está em crise! Mas não chega, Sr. Deputado Jaime Gama, dizer que o País está em crise. Não peço que o Sr. Deputado diga que o País está em grande progresso! Deus me livre!... Está num partido da oposição, quer ser Poder e, portanto, espero ouvi-lo dizer que o País está em crise: E natural que o diga! Mas é fundamental que o Sr. Deputado enuncie perante a Câmara, de uma forma clara e cristalina, que grande alternativa o PS propõe, o que propõe o PS de novo - e penso que ainda vai ter oportunidade de fazê-lo ria resposta que der ao meu e aos outros pedidos de esclarecimento -, que projecto mobilizador, é que tem!
Não chega dizer que se fala claro! Todos queremos falar claro e o Sr. Deputado, obviamente, fala claro!... Falou sempre claro!... Sempre o percebemos perfeitamente!... Falou sempre claro e eloquente. Tal como o Sr. Deputado António Guterres!... Ele falou sempre claríssimamente!... Foi líder dessa bancada, nós respeitamo-lo. De resto, foi um dos nossos adversários mais difíceis nessa bancada. Quem ousa dizer nesta bancada que o Sr. Deputado António Guterres não falava claro?!... Falou-o sempre!... Não era ele o número dois na campanha eleitoral, ao lado do Dr. Jorge Sampaio? Quer dizer que ele não foi entendido pelos Portugueses antes da campanha eleitoral? Que os Portugueses não entenderam a clareza do seu discurso?

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado, esgotou os três minutos de que dispunha.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

Não me atrevo a dizer uma coisa dessas.

Por isso, Sr. Deputado Jaime Gama, peco-lhe, em nome do respeito que lhe tenho - que é muito, como sabe -, da nossa amizade pessoal e do respeito que nos merece a sua bancada, que nos esclareça sobre esse projecto mobilizador, porque nós, na maioria, precisamos dele.
Termino com o cumprimento - não quero deixar de fazê-lo - à nova liderança do Partido Socialista. Não posso desejar-lhes sorte, porque a vossa sorte seria a minha desgraça!...

Risos.

Mas quero cumprimentar democraticamente-já o tínhamos feito a V. Ex.ª quando iniciou funções como presidente do Grupo Parlamentar do PS - o Sr. Deputado António Guterres, secretário-geral do Partido Socialista, tal como o seu Presidente, o nosso distinto colega, Sr. Deputado Almeida Santos, por terem assumido responsabilidades tão grandes como as que assumiram, para o Partido Socialista e para o País.
Aquilo que vos pedimos é que sejam alternativa, mas uma alternativa que se veja! Com ela o debate vai ser mais rico, as alternativas vão ser mais claras para os Portugueses, ganha a democracia e ganhamos todos nós.

Esperamos isso, mas não desmereçam essa expectativa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão, nas galerias superiores, alunos da Escola Secundária da Parede e do Colégio S. Miguel, de Fátima, para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu distinto conterrâneo, Deputado Jaime Gama, não conseguiu disfarçar o seu embaraço perante o congresso do Partido Socialista.
Por isso mesmo falou pouco desse congresso, pois, a partir dele, deixou de ser o líder parlamentar do PS para passar a ser o porta-voz parlamentar do secretário-geral do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Por isso mesmo, o Sr. Deputado Jaime Gama está embaraçado e nem sequer transpôs para a tribuna da Assembleia da República a dúvida existencial do Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista sobre a falta de democracia nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.

Risos do PSD.

Sobre essa matéria. Sr. Deputado Jaime Gama e Sr. Deputado António Guterres, gostava de deixar bem claro que no congresso do PS o Sr. Deputado António Guterres fez um ataque feroz e gratuito aos órgãos de governo próprio dos Açores e da Madeira e à autonomia regional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado teve mesmo o condão de ofender os insulares ao duvidar da sua capacidade de se organizarem democraticamente, à luz da Constituição da República Portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deu uma péssima imagem de Portugal na Europa e no mundo .inteiro.

Vozes do PSD: - Muito bem! Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - Somos tão amantes da democracia, Srs. Deputados António Guterres e Jaime Gama - temos credenciais históricas que o comprovam - como os senhores,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: --... pelo que dispensamos os ímpetos centralistas e autoritários do novo secretário-geral do Partido Socialista, numa fase de auto-afirmação dentro de um partido democrático que, por isso mesmo, devia respeitar

Página 1001

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1001

as autonomias regionais, a Constituição e os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, considerando que o Sr. Presidente da República jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa e sendo o seu principal postulado o de que Portugal é um Estado democrático, não será essa fantasmagórica interpretação sobre a democraticidade na Madeira e, porventura, nos Açores, um ataque ao Sr. Presidente da República por não ter criado condições para que isso acontecesse?

Aplausos do PSD.

Em segundo lugar, se não houvesse democracia nos Açores e na Madeira não teria já o Sr. Presidente da República dissolvido os órgãos de governo próprio, como, aliás, a Constituição lhe permite no seu artigo 236.º, já que é o garante da democracia em Portugal?
Respondam-me, Srs. Deputados. Quero que isto fique aqui bem claro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Terceira pergunta: como conseguem os Srs. Deputados conciliar o vosso discurso de autonomistas convictos com a vossa pretensão de que a Assembleia da República passe a tutelar e a fiscalizar os Governos Regionais, quando a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 233.º, diz claramente que os Governos Regionais são responsáveis politicamente perante as Assembleias Legislativas Regionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ultrapassou já o tempo de que dispunha.

O Orador: - Já termino, Sr. Presidente.

Quarta pergunta: considera o Partido Socialista que os grupos parlamentares dos Parlamentos Regionais não foram eleitos democraticamente? Não foram eleitos livremente?

Uma voz do PS: - O Adolfo também foi!...

O Orador: - Não tom poderes constitucionais para fiscalizar os governos regionais?
Os senhores têm maioria no parlamento da Região Autónoma dos Açores!... Então por que é que não aprovam uma moção de censura ao Governo Regional dos Açores? Por que é que não a aprovam?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para terminar, quero aliviar esta terrível sensação que tenho de que estamos perante um secretário-geral do Partido Socialista centralista e antiautonomista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jaime Gama levou toda a sua intervenção a falar-nos de crise: da crise de credibilidade, da suposta crise da infalibilidade, da crise governativa, da crise orçamental. No total, foram quatro crises as citadas na intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama, se a aritmética me não confunde.
Sr. Deputado Jaime Gama, não percebo como é que V. Ex.ª vem aqui fazer o discurso da crise quando, indiscutivelmente, o País vive momentos de progresso e de desenvolvimento, quando há obra feita, quando estamos a aproximar a nossa economia e o nosso nível de vida dos padrões europeus, quando temos um Orçamento de rigor e quando estamos todos empenhados num processo de convergência real e nominal com as economias europeias, que vai garantir que Portugal esteja - como aqui foi dito, e bem - no «pelotão» da frente dos países europeus.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Jaime Gama, há dias, numa discussão nesta Assembleia, uma Sr." Deputada do PS, errando a sua percepção, acusava-me de autismo. Julgo que o Sr. Deputado Jaime Gama, sob esse ponto de vista, fez, evidentemente, um discurso autista.
O discurso do Partido Socialista não tem nada a ver com a realidade do Portugal que vemos melhorar e desenvolver a cada momento, e que o Sr. Deputado tão mal retratou na Assembleia da República.
Esta é a primeira crise do PS: uma crise de entendimento e de percepção.
Em segundo lugar, o líder da minha bancada já o referiu, em mais de metade da sua intervenção o Sr. Deputado fez um discurso requentado sobre o Orçamento do Estado. Ficou-nos a ideia de que aproveitou para meter na sua declaração política de hoje aquelas «buchas» que não conseguiu meter no debate do Orçamento.
Bem, Sr. Deputado Jaime Gama, sem fazer mais comentários, essa é a segunda crise: uma crise de novidade no discurso do PS, que apenas veio trazer-nos o que já tinha dito aquando do debate do Orçamento do Estado.
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado Jaime Gama veio falar-nos na PGA e na educação. Fiquei muito confundido com essa iniciativa, porque o Partido Socialista pediu, ontem, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares - e o PSD anuiu - que, na sexta-feira, dia 6 de Março, se agendasse um período antes da ordem do dia para um debate de urgência sobre a PGA. Se o PS acaba de pedir um debate sobre a PGA, por que é que hoje o Sr. Deputado Jaime Gama falou da PGA na sua declaração política?
Percebi depois, Srs. Deputados, tratar-se de um problema de ultrapassagem parlamentar! O Partido Comunista, que nestas coisas não dorme, fez inscrever o Sr. Deputado António Filipe para uma declaração política sobre a PGA e o Partido Socialista, coitado, ficou ultrapassado. Pediu um debate para o dia 6 de Março sobre a PGA e hoje o Sr. Deputado António Filipe faz uma declaração política sobre essa matéria. O Sr. Deputado Jaime Gama não podia perder a liderança da iniciativa do debate do tema!
Srs. Deputados Socialistas, esta é a terceira crise do PS: uma crise de originalidade.
Quarta questão, Sr. Deputado Jaime Gama: de certa forma, o meu líder parlamentar já teve ocasião de referir que estaríamos à espera de um discurso diferente e, quiçá, de uma cara diferente depois do congresso do Partido Socialista.

Página 1002

1002 I SÉRIE-NÚMERO 34

O Sr. Deputado António Guterres fez grande parte do discurso do congresso sob o signo da renovação, do rejuvenescimento, da mudança de protagonismo.
Sr. Deputado Jaime Gama, gostamos muito de o ouvir, lemos em grande apreço a sua inteligência e os seus dotes parlamentares,...

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: -... mas pensava que o PS nos traria aqui uma cara diferente. Quarta crise do Partido Socialista: uma crise de protagonismo.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que mais me contristou na intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama foi ele, no Hm da sua intervenção, ter-se arrogado a capacidade de falar em nome de Portugal inteiro, em nome do País inteiro, que se revolta ou critica - já não recordo bem qual foi a expressão.
Estávamos habituados a ver na bancada do Partido Comunista esta universalização do discurso político, quando o PCP pretendia falar em nome de todos os trabalhadores portugueses. Mas não estávamos à espera de ver o Sr. Deputado Jaime Gama pretender ler a veleidade de falar em nome de Portugal inteiro. Nós todos, com a legitimidade do que representamos -r mas todos nós -. é que podemos falar em nome do País, porque só todos nós representamos a totalidade do País, as suas opções e o seu pluralismo.

Portanto, Sr. Deputado Jaime Gama, quinta crise do Partido Socialista: uma crise de legitimidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: -Termino já, Sr. Presidente.

Depois de enunciar estas cinco crises do Partido Socialista, termino com a seguinte pergunta ao Sr. Deputado Jaime Gama: Sr. Deputado, se não foi este congresso que resolveu a crise do Partido Socialista, qual será o congresso que irá resolvê-la?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queridos socialistas,...

Risos gerais.

... bem-vindos depois do congresso!

Risos gerais.

Antes de formular o meu pedido de esclarecimento, não podia deixar de saudar a nova direcção socialista. Várias vezes aqui, como observador atento, teci os meus comentários sobre a anterior direcção, dizendo que o velho PS estava a ser dirigido por uma nova direcção, um novo PS, o que considerava um fenómeno contra natura que teria curta duração. De facto, assim foi!
E agora qual é o meu comentário de observador atento e humilde? Reflicto, olho para vós e digo: o velho PS voltou a dirigir o PS!

Risos gerais.

Mas, através dos novíssimos, direi que o velho PS está a ser dirigido pelos netos, mas, apesar de tudo, acompanhado pelo tio-avô.

Risos gerais. Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Jaime Gama, não vou abordar as questões do Orçamento do Estado e outros assuntos da política geral, uma vez que alguns colegas meus já colocaram essas questões e rebateram as suas opiniões, apesar de há um dia ou dois termos feito esse debate.
Sr. Deputado, o novo PS, a nova direcção, está a escolher o repetitivismo gratuito como forma afirmativa... Boa viagem!... Espero que cheguem depressa ao fim...

Risos gerais.

Bom, mas a questão que quero colocar-lhe é um tanto ao quanto pessoal mas também política, pois nunca ousei aqui entrar na privacidade de cada um. Li nos jornais que o Sr. Deputado, no último congresso, estava equidistante. Portanto, em crise!

Risos gerais.

O Sr. Deputado falou largamente da crise dos outros, por isso há-de permitir-me falar interpretativamente da sua. O senhor estava, pois, em crise!
Bom, mas a minha modesta pergunta é esta: já resolveu a sua crise ou alguém a resolveu por si?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero agradecer estas palavras simpáticas, que mais não fosse pela existência destes Deputados, do que eles dizem, do que afirmam e do que defendem, o PS tinha no País uma razão fundamental para existir,...

Risos do PS.

... que é a razão de ser contra os seus argumentos, contra as suas convicções, contra as suas piadas, contra a sua ironia e, por vezes também, contra as suas tropelias.

Risos do PS.

O que doeu, e dói sempre, e desta vez doeu muito à bancada parlamentar do PSD,...

- O Sr. Manuel Moreira (PSD):- Já estamos a sangrar...!

O Orador: -... foi que na minha intervenção tirei a conclusão linear, irrebatível hoje no País, e isso politicamente custa-vos muito, sobre um ponto central da vossa acção governativa: a questão da credibilidade.
Os senhores estão aí eleitos nessa bancada, porque antes de 6 de Outubro apresentaram um projecto ao País...

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Apresentámos quatro anos de trabalho!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Apresentámos obra feita!

Página 1003

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1003

O Orador: -... disseram que iam reduzir o défice, que iam realizar programas sociais, que iam manter os salários reais e que não iam subir os impostos .Ora, este Orçamento, apresentado apenas alguns meses depois da vossa investidura, veio demonstrar que os senhores foram eleitos para esquecer as vossas promessas e fazer precisamente o contrário.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Nós não fazemos como o PS!...

O Orador: - O Primeiro-Ministro veio aqui argumentar ao invés, o que naturalmente foi percebido por todos os portugueses, com uma perda colossal da sua coerência e credibilidade para continuar a manter o rumo da palavra dada. Essa erosão de credibilidade está hoje completamento demonstrada!

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado Mário Maciel invocou uma declaração do secretário-geral do PS no congresso do passado fim-de-semana. Nós não fizemos nem faremos qualquer ataque às autonomias democráticas regionais, muito pelo contrário,...

O Sr. Silva Marques (PSD):- Já está a pedir desculpa!

O Orador: - ... defendemos e defenderemos essas autonomias. Agora o que não podemos nem devemos ignorar, nós na oposição e os senhores como partido maioritário e do Governo, é que os direitos dos cidadãos vinculam os órgãos de poder político em qualquer ponto do território nacional.

Aplausos do PS.

Assim, cabe à Assembleia da República fiscalizar esses direitos onde quer que eles sejam violados...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: -... e o que o PS diz é que o Estado democrático português, a opinião pública democrática, não pode tolerar que se instale na Região Autónoma da Madeira o poder de um novo Bokassa.

Aplausos do PS.

Protestos de Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.
Nós não temos medo de nenhum Bokassa! Vozes do PSD: - Isto é uma vergonha!
O Orador: - Não temos medo absolutamente nenhum de nenhum Bokassa, nem do Bokassa madeirense!

Aplausos do PS.

Continuam os protestos de Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.
Ao menos esta...
Vozes do PSD: - Sr. Presidente, isto é uma vergonha! É um escândalo!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-vos contenção na linguagem.
O Orador: - Nós compreendemos a excitação de alguns deputados...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - A revolta, a revolta! Vozes do PSD: - Este é que é o novo PS?!...
O Orador: -... e, hoje, o autismo do PSD está muito sensível naquilo que é a semana negra para o PSD.

Aplausos do PS.

Compreendemos a vossa excitação e o mérito desta intervenção foi, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a de fazer com que o PSD já não diga duas coisas.
Uma, que nós andávamos a reboque da movimentação social. É que nós, politicamente, antecipamos a movimentação social,...

Vozes do PSD: - Nota-se!...

O Orador: -... o estado de crítica da opinião pública e as crises que referimos são as crises passadas e presentes e a crise futura, que nós também apontamos e que os senhores dentro em breve vão ver qual é, será com os agricultores portugueses.

Protestos do PSD.

A segunda grande vantagem desta intervenção é a que VV. Ex.ªs tiraram do vosso discurso político a referência à circunstância de não haver oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores estavam instalados nessa frase grandiosa e magnífica, que já não existe no vosso discurso e que vai deixar de existir cada vez mais.

Aplausos do PS.

Além do mais, VV. Ex.ªs perguntaram quais são as nossas alternativas. Pois bem, temos as alternativas da agenda política imediata: vamos ver o que pensam VV. Ex.ªs sobre o sistema eleitoral e o que nós pensamos;...

Vozes do PSD: - Vamos ver, vamos!

O Orador: -... vamos ver, em concreto, o que propõe o PSD sobre a reforma do Parlamento e o que nós propomos;...

Vozes do PSD: - Vamos, vamos ver!

O Orador: -... vamos ver, em concreto, o que tem o PSD a dizer sobre o fim da PGA e o que tem o PS a propor sobre o acesso ao ensino superior; vamos ver, já a seguir, no debate de hoje, o que pensam VV. Ex.ªs dessa magistratura independente, que é a Procuradoria-Geral da República e o que tem o PS a dizer e a defender.

Aplausos do PS.

O Orador: - Srs. Deputados, vamos também ver no próximo dia 17, como é que os senhores harmonizam as

Página 1004

1004 I SÉRIE-NÚMERO 34

vossas promessas sobre a descentralização e a regionalização com as propostas efectivas sobre a calendarização) da regionalização lançadas pelo PS.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Nós não andamos ao ritmo do PS!

O Orador: - Pois bem, quanto às alternativas, vamos ver uma a uma as nossas alternativas e a vossa ausência radical de propostas e de alternativas, porque desde que os senhores foram eleitos para este Parlamento o único projecto de lei que aqui apresentaram até hoje é; na verdade, uma proposta de lei, porque é a proposta de lei sobre o cerceamento dos direitos dá Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público.

Aplausos do PS.

Portanto, vamos ver quem tem ideias, quem tem opções, quem tem propostas, quem tem projectos e vamos ver como cada um decide!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a estes colegas, a estes dilectos e fraternais colegas e amigos Deputados do PSD, o que o PS vos quer dizer é: juizinho,...

Risos do PS.

... tenham muito cuidado com o PS! Aplausos do PS. -

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, como Deputado natural e eleito pela Região Autónoma da Madeira, considero-me ofendido na minha honra pelas expressões que o Sr. Deputado Jaime Gama utilizou relativamente à personalidade do Presidente do Governo Regional, que tem sido - com o desrespeito que se vê por parte do PS - eleito em sucessivos sufrágios pela população da Madeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): -Sr. Deputado Jaime Gama, penso que quem tem de se lamentar aqui não somos nós, individualmente, pois não somos nós, deputados, os atingidos pelas suas palavras, é o País! É o País que tem de se lamentar pelo facto de um partido, que é è deve ser o primeiro partido responsável pela oposição, saído de um congresso, dar a imagem que o seu secretário-geral e líder da bancada nesta Assembleia dá de si próprio. Esperávamos que o congresso permitisse outro recorte, outra imagem, ao PS. Queríamos uma oposição que fosse efectivamente válida, queríamos uma oposição que não fosse «caceteira», queríamos uma oposição com gente digna à sua frente.

Aplausos do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se a intervenção do Sr. Secretário-Geral do PS, na sequência do congresso, já tinha sido elucidativa quanto ao que pensa o PS sobre a autonomia regional, pois V. Ex.ª, Sr. Deputado Jaime Gama - com grande mágoa para mim, um insular-, confirmou qual é a visão colonial que o PS tem em relação às autonomias regionais. Isso é grave, Sr. Deputado! É grave e V. Ex.ª devia Ter ,a consciência, como insular que é, de que sem autonomia não há democracia e V. Ex.» não tem esse sentido. E a confirmação de que não o tem é o facto de se referir ao Presidente do Governo de uma Região Autónoma, que tem sido eleito em sucessivos sufrágios universais, com um desrespeito total pela vontade do povo que o tem escolhido; com ofensa total a esse povo. V. Ex.ª põe em causa o seu sentido de democracia ,com ,as afirmações que fez, mas as afirmações qualificam quem as faz!

Aplausos do PSD.-

O Sr. Presidente: - Sr.º Deputada Cecília Catarino ,pode a palavra para que efeito?
A Sr.» Cecília Catarino (PSD):- Sr. Presidente, para defesa da honra e da consideração pessoal.

O Sr.º Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama, é com profunda mágoa que tomo a palavra neste momento para lhe dizer que nunca, nem sequer em imaginação, pensei que V. Ex.ª A fosse capaz de proferir as palavras que acabou de proferir, em relação à Região Autónoma da Madeira. Estou em crer que V. Ex.ª estará neste momento um pouco entusiasmado demais com a agressividade contra o PSD e contra o Governo, mas eu sempre tive por V. Ex.ª a consideração ...

Protestos do PSD.

Srs. Deputados socialistas, ouvi o Sr. Deputado Jaime Gama em silêncio, pelo que agradecia de V. Ex.ª a mesma atitude em relação à minha intervenção. É um mínimo em democracia, à qual V. Ex.ª tanto apelam!
Sempre tive por V. Ex.ª, Sr. Deputado Jaime Gama, imensa consideração, não só pessoal mas pela sua capacidade intelectual ,e é com profunda mágoa que vou dizer-lhe o seguinte: penso que V. Ex.ª engana muito bem e não merece a consideração que eu e muitas outras pessoas lemos por V. Ex.ª, pela sua capacidade intelectual, pela sua hombridade, pela sua seriedade e, sobretudo, pelo seu conceito de democracia. A população da Madeira não merece que um deputado da República afirme aquilo que V. Ex.ª acabou de afirmar aqui, nesta Assembleia, em relação à Madeira. A população da Região Autónoma da Madeira sempre se comportou com todo o respeito pelas regras democráticas e pela Constituição - o seu Governo Regional, bem como a sua Assembleia Regional, eleitos ambos por sufrágio maioritário, são disso a prova cabal. Não tem V. Ex.ª legitimidade para proferir as palavras altamente gravosas, altamente insultuosas, que acabou de proferir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Coelho (PSD):.-Sr. Presidente, para defesa da consideração.

Página 1005

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1005

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama, quero dizer-lhe apenas o seguinte: todos estamos obrigados, nesta Câmara, independentemente do calor que emprestamos à defesa das nossas posições, a uma postura de rigor e de seriedade. E se é permitido dizê-lo, essa exigência é particularmente reforçada na presença de um líder parlamentar e de um líder parlamentar com a responsabilidade do Sr. Deputado Jaime Gama, com a sua envergadura pessoal e intelectual, que pelos meus colegas de bancada já foi referida.
V. Ex.ª disse, a páginas tantas, que a única iniciativa legislativa que o meu grupo parlamentar apresentou não passa de uma proposta de lei. Sobre a matéria de fundo, não vamos antecipar o debate - ele não está agendado para a ordem do dia de hoje; sob o ponto de vista factual, para as "fotografias" que cada um pode tirar daquilo que aqui se passa e também daquilo que a comunicação social possa transmitir dos debates que aqui travamos, Sr. Deputado Jaime Gama, não gostaria de dizer com crueza que mentiu, mas, pelo menos, esteve distraído, porque ainda ontem, na conferência de líderes, votou connosco o agendamento de duas outras iniciativas legislativas subscritas pelo meu grupo parlamentar. Isto prova à saciedade que V. Ex.ª faltou à verdade quando fez a afirmação que acabei de referir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Reis Leite, pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente, para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Reis Leite.

O Sr. José Reis Leite (PSD): - Quando pedi a palavra, durante a intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva que estava a defender a posição democrática das instituições insulares, dizendo que tinham sido eleitas democraticamente, houve um aparte de um Deputado socialista (que ficará registado em acta, pelo que este protesto também deverá ficar) de que "o Adolfo também o foi!" Isto é absolutamente inaceitável para as instituições democráticas portuguesas.

Risos do PS.

E se isso provoca o riso dos Srs. Deputados do PS, está tudo dito! E mais uma razão para que o protesto fique registado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Reis Leite, V. Ex.ª usou a palavra para uma interpelação à Mesa mas, por outro lado, fez uma intervenção de defesa da honra.

Risos do PS.

O Sr. José Reis Leite (PSD): - Ficará registada como o Sr. Presidente entender, mas o que eu solicitava ao Sr. Presidente era que o protesto fosse da Mesa.

O Sr. Presidente: - O Regimento não dá direito de protesto em relação às respostas.
Sr. Deputado Duarte Lima, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, apenas para defesa da consideração da minha bancada, já que a honra não foi manchada.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Incumbe-nos a todos a defesa da honorabilidade e do bom nome da Assembleia da República, a começar pela Mesa e por V. Ex.ª, Sr. Presidente. Isso passa, desde logo, pelo não consentimento de afirmações nesta Casa que manchem aquilo que ela deve ser, o espelho da democracia.
Não podemos fazer apenas o discurso demagógico de que respeitamos o Presidente da República porque ele é eleito - e é, de facto - por sufrágio universal e directo, ou invocar a nossa defesa porque também somos eleitos por sufrágio universal e directo e, como tal, os representantes genuínos do povo português, ou fazer, muitas vezes, o discurso demagógico da defesa do poder local, que, também ele, resulta da eleição livre e directa, e, só porque nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, em particular para alguns partidos da oposição e para o PS, a cor política dos seus representantes é outra, esquecermos a mesma marca, a mesma genuína marca democrática que a todos nos traz aqui! Isto não pode passar sem a revolta de V. Ex.ª, em primeiro lugar, como pessoa em quem nós confiamos para a defesa moral desta Casa.

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

O problema, Sr. Presidente, é o da defesa da dignidade das instituições democráticas - e isso começa aqui. E em nome desses princípios e da higiene mental que todos nós aqui devemos preservar, vou pedir a V. Ex.ª que chame à Sala o Sr. Deputado Jaime Gama porque quem eu acabei de ouvir não era o Sr. Deputado Jaime Gama, a pessoa que nos habituámos a respeitar e que eu e o meu partido queremos continuar a respeitar. Foi pena mas foi alguém que por aqui passou de uma forma fugaz e instantânea que, de uma forma viscosa, gorda, flácida, triste e infeliz, se quis afirmar, num número que é apenas um número de circo e que não é digno da Assembleia da República!

Aplausos de pé do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Duarte Lima, na sua intervenção há uma fortíssima censura à Presidência da Assembleia...

Vozes do PSD: - E com razão! Vozes do PS: - Tal é o desespero?!

O Sr. Presidente: - Devo dizer-lhe o seguinte: esta Presidência fez o que é possível fazer, pedindo contenção na linguagem a todos os Srs. Deputados, e é isto que fará sempre, pois não tem o poder de calar ninguém.

Aplausos do PS.

Página 1006

1006 I SÉRIE-NÚMERO 34

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, perdoar-me-á que não entre em diálogo, mas dou o assunto por encerrado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, para uma interpelação à Mesa, quando V. Ex.ª considerar oportuno.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Queria pedir-lhe, Sr. Presidente, que não visse nas minhas palavras qualquer atitude de censura em relação a V. Ex.ª, pessoa que prezamos e respeitamos. Aliás as minhas palavras foram quentes, foram emotivas, porque sentidas.
No momento oportuno, chamámos à atenção da Mesa porque V. Ex.ª disse: «Peço contenção nas palavras»; peço desculpa se me excedo, mas pensamos que V. Ex.ª devia ter salientado que pedia a contenção ao orador, dado que quem estava a ser incontido era o orador.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para dar explicações, se assim o entender, o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, temos de reconhecer que, nesta semana negra, o PSD passou rapidamente do luto ao desagravo e esta série de desagravos vale o que vale e não merece grande atenção da nossa parte, em termos da sua dissecação.
Gostava apenas de reter um ponto: todos os Srs. Deputados sabem que é precisamente pelos sentimentos que nutrimos em relação à população da Madeira que temos vindo a incluir na agenda política o problema do nível de realização das liberdades públicas naquela região autónoma. É ninguém fará retirar este tema da agenda política - é um direito que nos assiste e levá-lo-emos até ao fim.
Aliás as intervenções dos Srs. Deputados e o tom com que as fizeram demonstram bem a necessidade que o País tem de uma oposição forte, muito forte, porque os senhores querem ter ainda mais força e mais poder. É, pois, preciso limitar-vos enquanto é tempo!

Vozes do PS: - Muito bem! Protestos do PSD.

O Orador: - Não é admissível que hoje, na Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PSD tenha já lançado dois «cartões amarelos» ao Presidente da Assembleia. Não é admissível!

Aplausos do PS.

Não lhe basta a guerra contra o Ministério Público, não lhe basta o ataque ao Presidente da República, já agora faz também o ataque ao Presidente da Assembleia da República!...

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome das nossas convicções, em nome da dignidade das instituições e da Assembleia e em nome dos nossos eleitores, vamos prosseguir este combate e repito o que disse: Srs. Deputados, muito juízo! Cuidado com o Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permita-me, V. Ex.ª, que antes de dar início à minha declaração política, saúde democraticamente os Srs. Deputados António Guterres e Almeida Santos, eleitos no último fim-de-semana como secretário-geral e presidente do Partido Socialista, respectivamente.
Queria, em nome da minha bancada e do meu partido, expressar-lhes o gosto que tenho em vê-los à frente da vossa bancada parlamentar e do vosso partido, desejando que as vossas iniciativas para pôr cobro à hegemonia de um partido tenham muito sucesso.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente; Srs. Deputados: A visita de Estado à índia de S. Ex.ª o Presidente da República, à frente de uma comitiva em que o Governo se fez representar pelo Ministro do Comércio e Turismo, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e o Subsecretário de Estado da Cultura, a Assembleia da República pelos Deputados Fernando Correia Afonso (PSD), Eduardo Pereira (PS), Miguel Urbano Tavares Rodrigues (PCP), Isabel de Castro (os Verdes) e eu próprio e ainda pelos conselheiros de Estado engenheiro Alfredo Nobre da Costa e o comandante José Gomes Mota, teve lugar entre 23 de Janeiro, a 3 de Fevereiro de 1992.
A visita tinha como objectivo imediato a retribuição da visita de Estado que o Presidente da República da índia fizera ao nosso País em 1990 e, a partir disto, reforçar as relações políticas entre Portugal e índia que, a bem dizer, nunca tinham até aqui conhecido uma situação de total normalidade, bem como lançar as bases para o intercâmbio cultural e económico entre os dois países.
Em consequência da anexação militar do estado português pela índia em 18 de Dezembro de 1962, no ano lectivo de 1963-1964, já não restava em Goa um único estabelecimento de ensino de língua portuguesa, e qualquer tentativa de a introduzir no curriculum como segunda língua foi olhada com desconfiança pelas autoridades indianas. Definhou-se assim o uso do português na administração, no comércio, nos tribunais e na vida social.
A visita do Presidente da índia foi lambem precedida da resolução do chamado caso «Jóias de Goa».
A índia é uma grande potência do Sueste Asiático, e a sua voz é decisiva naquela área do mundo. Na resolução do problema de Timor Leste, por exemplo, em que nos defrontamos com a ditadura militar da Indonésia, que é o maior Estado islâmico do mundo, também situado na mesma zona geo-estratégica, a posição da índia é de grande relevância e alcance, e, por isso, uma aproximação entre Portugal e a índia pode-nos ser de extrema valia no tratamento deste assunto na ONU ou junto de outros países da Asia.
c O Governo da índia quis rodear a visita do Presidente Mário Soares com grande pompa e circunstância, recebendo-o como único convidado para presidir à Parada do

Página 1007

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1007

Dia da Republica, privilégio que até aí fora concedido apenas à rainha Isabel n de Inglaterra: Na tribuna de honra, ao lado do Presidente da República da índia, em companhia dos altos dignitários do Estado, o Presidente Português pôde assistir ao grandioso desfile militar no qual a índia exibe urbi et orbi o seu arsenal bélico e a riqueza da diversidade das suas culturas que convivem no quadro político da União Indiana.
No discurso pronunciado no banquete oficial, o hóspede português pôde afirmar ao seu colega indiano: «É difícil fechar hoje os olhos ao sistemático desrespeito pelos direito humanos dos regimes ditatoriais que a consciência universal condena, mas que continuam a contar com a condescendência, senão mesmo com o apoio de potências responsáveis. É uma situação, que urge pôr cobro. A índia, que é uma grande potência democrática, está seguramente atenta a esse combate. Por isso gostaria, neste momento, de chamar a atenção para a trágica situação em que se encontra o povo de Timor Leste, anexado à força pela Indonésia, vítima de impiedosa repressão e a quem é negado o direito à autodeterminação, reconhecido pela Carta das Nações Unidas e por sucessivas resoluções da ONU.»
A visita da comitiva presidencial à Embaixada de Portugal em Nova Delhi revelou a inadequação das actuais instalações e a exiguidade do quadro diplomático e administrativo ali colocado para representar condignamente o nosso País em Nova Delhi.
A embaixada de Portugal devia espelhar o Portugal de hoje numa das capitais mais importantes da Ásia, e, ao mesmo tempo, ser o centro irradiador da sua imagem e mensagem em todo área do Índico. Na ausência de outros organismos, além das funções normais do Consulado para efeitos de vistos, a embaixada é procurada para informações de natureza comercial, turística, e tudo quanto se prende com Portugal, cabendo-lhe ainda promover a acção cultural junto das universidades e academias e vigiar discretamente pela sorte do património histórico português (arquivos, edifícios, fortes, igrejas), reminescências do nosso passado glorioso, para efeitos da sua inventariação e preservação, com a colaboração do Governo da índia e da Igreja.
O Centro Cultural Português de Nova Delhi, aberto em 1991, ainda está na sua fase de arranque. Foi aí que o Presidente da República inaugurou uma exposição de pintura portuguesa contemporânea e condecorou o professor brasileiro Doutor José Leal Ferreira, que na Universidade Nchru, há mais de 30 anos, mantém e ensina o português.
Instalado numa pequena vivenda, o Centro Cultural está a ensaiar uma aula de português frequentada por 60 alunos e dispõe de uma colecção de mapas e livros de alguns autores modernos.
A visita ao Parlamento indiano foi breve, em virtude de as duas Câmaras se encontrarem em férias. O Presidente Soares e os Deputados portugueses foram recebidos pelos Presidentes das duas Câmaras e pelos representantes de todos os grupos parlamentares.
Os parlamentares indianos mostraram-se particularmente curiosos em saber a opinião do Dr. Mário Soares sobre o futuro dos partidos socialista e comunista em Portugal, após a derrocada da URSS e as transformações verificadas na Europa Central, e sobre qual o papel da CEE quanto ao Terceiro Mundo. Mas, devido à exiguidade do tempo disponível, não foi possível encetar um diálogo demorado entre os parlamentares portugueses e indianos. Porém, respirou-se uma atmosfera de cordialidade democrática entre todos os presentes.
Nunca antes visitada por qualquer autoridade do Estado Português - depois do ciclo das descobertas-, Cochim pareceu-nos uma terra familiar. Dir-se-ia que Portugal e Cochim guardam na sua alma colectiva o acontecimento da chegada das caravelas lusitanas em 1498, pois no acolhimento popular, nas «pedras vivas da cidade», nos discursos das autoridades, foram constantes as referências e o grande afecto dos naturais da terra para com os visitantes portugueses.
A diocese de Cochim, agora sob a direcção do bispo Joseph Kureethara, vem assumindo um papel relevantíssimo e único ao conservar na memória colectiva a gesta dos Portugueses: pela guarda das relíquias sacras e das peças antigas no paço episcopal, pelo apoio às associações de cultura indo-portuguesa, pela conservação dos documentos seiscentistas.
Todavia, o que mais nos impressionou foi conhecer os dirigentes do Instituto Cultural Luso-Português: Pádua, Dias, Correya e Gomez; todos nomes de origem portuguesa, que hoje no estado de Kerala lideram uma comunidade de cerca de 100 000 pessoas que se orgulha da sua ancestralidade lusitana e quer preservar esta identidade cultural de luso-indianos.
O Presidente da República teve a honra de lançar a primeira pedra do Hospital Fátima, mandado construir pela diocese, e inaugurou no Centro Católico o Salão Alvemaz, que foi o último bispo português de Cochim; estes factos não podem ser tomados como de mera circunstância. Foi uma homenagem emocionante prestada pelas gentes de Cochim ao antigo patriarca das índias, que nos foi dado assistir com grande júbilo.
O ponto mais alto da passagem presidencial por Cochim foi a inauguração da Praça de Vasco da Gama, precedida de uma sessão solene no terreiro amplo situado nas margens do estuário, a que assistiram milhares de pessoas, na sua esmagadora maioria jovens, que empunhavam bandeiras de verde-rubras, num dia de sol radiante e numa atmosfera de entusiasmo contagiante.
Após o discurso do presidente da Câmara de Cochim, que lembrou o feito de Vasco da Gama e sua importância para a índia, o Presidente Mário Soares referiu-se à epopeia marítima e ao encontro das culturas a que deu lugar a chegada dos nossos navegadores na costa de Malabar, inaugurando a Era Moderna da história universal.
A entrada do Presidente da República em Goa foi entusiasticamente saudada pela multidão, que acorreu para o receber com vivas a Portugal e faixas «Bem-vindo, Sr. Presidente Mário Soares», e principalmente por gente jovem, crianças das escolas que não conheceram a Goa colonial, nem falam português, nem fazem parte de lobbies portugueses - que a imprensa local referiu durante os três dias da visita. Com alegria estampada nos rostos, gestos largos de quem saúda um familiar esperado, um amigo que regressa, um visitante que se quer ver bem de perto e apertar num abraço junto do peito, o povo de Goa vitoriava o Dr. Mário Soares e sua comitiva.
A comunicação social local (TV, rádio e imprensa) retratou largamente este espectáculo inesperado, apesar de todos os esforços do pessoal da segurança indiana para conter a população que queria aproximar-se da caravana e tocar no Presidente Soares, desafiando os cuidados de segurança. O clima era de autêntica «reconciliação» entre Portugal e Goa.

Página 1008

1008 I SÉRIE-NÚMERO 34

Aliás, foi este o sentimento vivido exuberantemente, quando o Dr. Mário Soares se dirigiu à população na sessão de boas-vindas e recordou o seu acto de reconhecimento da soberania indiana sobre o Estado Português da índia em 1974: «Na verdade», disse, «a tarefa de reconciliação que então me propusera levar a cabo baseava-se em ideias e princípios de grande simplicidade, radicados no que de melhor há na tradição do universalismo e da solidariedade que sei serem partilhadas pelo povo português e pelo povo indiano, nas formas que lhe são peculiares [...]. Dezassete anos depois, imbuído desse mesmo objectivo, eis-me de novo em Goa, no decurso da primeira visita alguma vez realizada por um Chefe de Estado Português à índia.»
Na Assembleia Legislativa de Goa, onde reinava um ambiente festivo, na sessão em que pela primeira vez tomaram lugar muitos ex-parlamentares e ex-ministros de Goa, ao lado de actuais membros e autoridades, o Presidente Português saudou os presentes em Cochim e definiu os objectivos da sua viagem: «Temos agora de ter consciência de que somos fiéis depositários de um legado cultural de valor incomparável. Temos de nos esforçar por entender a história passada e aceitar as suas lições, compreendendo os seus erros, deixarmo-nos estimular pelos seus êxitos de molde a tirar o melhor partido.»
«Portugal e a índia», disse ainda o Presidente Mário Soares, «têm agora à sua frente uma herança histórica de riqueza invejável que é uma lição para gerações vindouras e que urge, por isso, valorizar e fazer frutificar. É uma tarefa em que, a todos os níveis, teremos de colaborar e empenhar a nossa vontade e força criadora.»

A presença do Dr. Mário Soares teve um efeito magnético, pois em dois dias... ;

- O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atenção ao tempo.

O Orador: -... pôs termo ao longo período de três décadas de inércia e ambiguidade entre os Goeses e os Portugueses e conseguiu que os dois povos irmãos revivessem o calor da sua afeição recíproca.
A visita a Diu e a Damão mostrou-nos que a Igreja consegue, hoje, o milagre de manter vivo o sentimento de amor a Portugal por parte de milhares de dimenses e damaneses, não obstante as pretensões do vizinho estado de Gujarate para absorver os dois territórios como sua parte integrante.
Porém, não podemos descansar pensando que a preservação da cultura e do património histórico portugueses estão bem entregue às igrejas locais, como em Cochim, em Diu, em Damão, e talvez noutros pontos esquecidos do Índico como em Bassaim ou Malaca. A visita presidencial demonstrou a enorme necessidade de preservar e desenvolver a nova presença cultural naquele subcontinente. Chegou a vez de passar das palavras aos actos, para aproveitar este salto enorme que o Dr. Mário Soares em 10 dias foi capaz de dar, pondo um ponto final à indefinição, se não à paragem, em que se encontravam as nossas relações culturais com a índia, abrindo uma nova oportunidade para os povos do subcontinente que nos são próximos e querem manter esta proximidade.
Quanto à vertente económica, há a destacar a celebração de dois protocolos, um entre o ICEP e a Federação das Câmaras do Comércio e Indústria da , índia, e outro entre a Associação Industrial Portuguesa e a Câmara de Comércio e Indústria de Bombaim.
Perante os resultados alcançados e a sementeira de ideias e projectos lançados junto do Governo dá índia, nenhum português pode regatear o aplauso e reconhecimento ao Presidente Mário Soares por este importantíssimo serviço prestado a Portugal, pois contribuiu para o reatar, em novas bases, os laços afectivos e culturais com as populações que percorreram connosco 500 anos de história comum e que hoje nos olham com amor e tudo fazem para manter esta prova inequívoca da sua individualidade cultural no mosaico indiano. Tudo isto não é mais que uma gratificante homenagem do Oriente ao espírito universalista do génio popular português.

(O orador reviu.)

Aplausos do CDS, do PS e do Deputado do PSD Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Eduardo Pereira, Correia Afonso e Isabel Castro.

Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró: Sob a forma de pedido de esclarecimento, queria, na verdade, trazer o meu testemunho em reforço das palavras que pronunciou.
As diversas manifestações que presenciei durante toda a viagem e, sobretudo, na índia (em Cochim, em Goa, em Damão e Diu), encheram-me de grande alegria, não só pela satisfação que aqueles muitos milhares de rostos exibiam - velhos, jovens e crianças das escolas - mas também pelo que ela revelava, ou seja, a alegria do reencontro.
Como o Sr. Deputado sublinhou, a visita foi um êxito, o que se ficou a dever ao respeito que o Portugal, saído do 25 de Abril grangeou e ao respeito e consideração de que o Sr. Presidente da República goza em todo o Mundo.
No entanto, quando se segue uma visita presidencial, fica-se sempre com a sensação de que o seu êxito apenas se fica a dever à dignidade do Sr. Presidente da República e sua esposa, que foi isso que os levou aos países visitados. Tudo parece, pois, decorrer da simpatia que irradiam. A viagem presidencial não é adequadamente seguida e, o que é pior, adequadamente preparada pelo Governo e pelos departamentos governamentais, não sendo devidamente satisfeitos os acordos, os pedidos, as ofertas que resultam de trocas oficiais ou de trocas com as populações.
Uma vez terminados os últimos sons das viagens, são esquecidas pelo Governo as vantagens políticas, económicas e sociais que podiam ser obtidas e era precisamente esta a questão que lhe queria pôr, fazendo votos para que, desta vez, e tendo em atenção a relevância das questões em jogo e dos laços a estreitar, os departamentos governamentais e o Governo actuem de forma diferente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado. Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): -Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró: Queria felicitá-lo pela sua intervenção, pois creio que durante os 12 ou 13 minutos que esteve na tribuna acentuou bem, com as suas palavras, todo aquele espectáculo de «portugalidade» a que pudemos assistir naqueles quase de 15 dias que estivemos na índia.

Página 1009

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1009

É certo que a índia é muito grande e que nem tudo foi igual, sentindo-se que havia uma diferença: a índia onde Portugal esteve coloca-se do Centro para o Sul e, principalmente, no litoral do Ocidente.
Refira-se ainda que assistimos na índia a algo mais do que à memória dos Portugueses, porque saímos de lá há 30 anos e não mantivemos ligações. Assim, presenciámos uma cultura que, na pane que mais nos tocou, não & nem indiana nem portuguesa, é uma cultura diferente, com identidade própria, é aquilo a que temos chamado cultura indo-portuguesa.
Mas no aspecto económico, creio que a índia também merece duas palavras. Os analistas - pelo menos alguns deles - dizem que nas próximas décadas os grandes motores do desenvolvimento serão as economias asiáticas: referem em primeiro lugar o Japão - que já o é -, depois a China e, sem falar nos célebres dragões, vem a seguir a índia, com mais de 840 milhões de habitantes e com mais de 3 milhões de quilómetros quadrados. É também uma referencia que não podemos deixar de fazer nesta Assembleia.
Queria fazer apenas mais um apontamento, para os Srs. Deputados, na medida do possível, sentirem o que, na altura, pudemos apreciar. No Parlamento de Goa tivemos um debate com os parlamentares e verificámos, com grande surpresa, que continuava em vigor o Código Civil português; mas, Srs. Deputados, era o Código Civil de 1867, pois a índia tomou-se independente em 1961, antes de entrar em vigor em Portugal o Código actual.
Assim, houve um grande movimento de curiosidade e procura das leis portuguesas e, inclusivamente, foi expressamente solicitado que enviássemos textos legais - recordo para ficar nas actas-, pelo menos a lei sobre a adopção. Tudo isso suscitou um problema interessante, o da medida da autonomia de Goa perante a globalidade da índia, para ter leis prórias. Até porque no aspecto da família, como VV. Ex.ª sabem, a organização familiar da índia é realmente muito diferente da organização familiar do Ocidente.
Sr. Deputado Narana Coissoró, creio que a sua intervenção era necessária. Não basta que se diga que é preciso que na índia haja a memória de Portugal. É preciso que, com estas intervenções, nós, em Portugal, também defendamos a presença da índia. Mais uma vez felicito V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, deu-nos um relato circunstanciado da visita à índia que podia ser subscrito por qualquer dos Srs. Deputados que integrou a comitiva que representou esta Assembleia. Portanto, em primeiro lugar, queria felicitá-lo pela objectividade que teve o cuidado de imprimir ao relato que fez.
Contudo, penso que seria útil acentuar nesta Assembleia, neste momento - perante alguma polémica gerada pela visita de Estado que o Sr. Presidente da República realizou -, uma questão que para o nosso grupo parlamentar foi a mais importante que esta visita propiciou. Refiro-me à possibilidade criada de, em todas as etapas da deslocação, abordarmos a questão de Timor Leste. Foi referido pelo Sr. Deputado Narana Coissoró a importância que a índia tem como potência do Sudoeste Asiático - devido à partilha do espaço geo-estratégico com a Indonésia - e, naturalmente, nos países vizinhos.
Penso que deveria ser valorizada a oportunidade que nos foi dada em inúmeras ocasiões desta visita, quer no contacte com o Parlamento Indiano, quer nas conferências de imprensa - refiro, por exemplo, o encontro que foi permitido pela coincidência da realização de uma conferência de editores - para podermos discutir e alertar, na medida das .possas capacidades, o Governo Indiano, os parlamentares e a opinião pública sobre a questão de Timor Leste.
Portanto, subscreveria as suas palavras e chamaria a atenção - tal como o Sr. Deputado Eduardo Pereira fez - para um aspecto: a viagem pretendeu lançar bases para um intercâmbio cultural e económico com a índia, as quais só terão sentido se lhes for dada continuidade e que poderão contribuir para a resolução, na comunidade internacional, da questão de Timor Leste, mas estas são sementes que só frutificarão se forem alimentadas. Portanto, o nosso desejo pós-visita é que o Governo, a quem cabe agora dar continuidade e dar sentido a esta viagem, se encarregue de o fazer.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho muito pouco tempo para vos agradecer, já que estou a entrar no tempo de amanhã. No entanto, não queria deixar de me manifestar grato pelas palavras dos meus ilustres colegas.
Pensei que o relato, mesmo breve, da visita de Estado do Sr. Presidente da República à índia devia constar das actas da Assembleia da República. Devido à controvérsia que levantou na opinião pública e ao certo descaso com que tão importante visita foi tratada por alguns órgãos de comunicação social, achei que merecia que a Assembleia da República ponderasse neste Plenário a importância que ela teve para o País, para o futuro da nossa presença na índia e para uma nova grande aventura que se pode abrir para a nossa juventude e deve ser estimulado por todos os Srs. Deputados.

(O orador reviu). Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero saudar, em nome da Câmara, os alunos da Escola Secundária do Laranjeira e da Escola Secundária, Tomás Cabreira, de Faro, que se encontram nas galerias superiores a assistir à sessão.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já foi aqui anunciado, vamos fazer uma declaração política sobre a PGA porque entendemos que se trata de uma questão nacional, de uma questão central para os jovens estudantes portugueses que manifestam o maior protesto e travam a maior luta estudantil de que há memória no Portugal democrático.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 1010

1010 I SÉRIE-NÚMERO 34

O Orador: - A PGA está ferida de morte. A movimentação dos estudantes do ensino secundário pela anulação e abolição desta prova absurda e realmente misantró-pica, que percorre Portugal de norte a sul, do continente às Regiões Autónomas, assume uma dimensão e um impacte nacional que ninguém pode silenciar e a que ninguém pode ficar indiferente.
Em nome do Grupo Parlamentar do PCP e como membro da Juventude Comunista Portuguesa, quero saudar todos os estudantes do ensino secundário que lutam contra a PGA, manifestar-lhes a nossa solidariedade activa e expressar o nosso inteiro apoio às suas reivindicações.

Aplausos do PCP.

A transparência dos objectivos assumidos pelos estudantes, a alegria contagiante que tem caracterizado as suas formas de luta e a fraternidade que une os jovens que participam nas manifestações que ocorrem por todo o País são, só por si, um exemplo de maturidade cívica dos jovens portugueses e revelam a confiança e a determinação de quem sabe que tem a razão do seu lado e de quem acredita que, com a sua acção, conseguirá obter uma solução mais justa para o acesso ao ensino superior.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A contrastar com a seriedade com que os estudantes exprimem as suas opiniões e se propõem dialogar francamente para encontrar um sistema mais justo para o acesso ao ensino superior, o governo PSD foge ao diálogo sério e, na falta de boas razões, ensaia manobras de diversão e manipula argumentos, procurando, através de mentiras e manobras de baixa política, confundir e desmobilizar o movimento estudantil.
A incomodidade e a má consciência do Governo, do PSD e da JSD tem causas evidentes. Depois de terem inventado a PGA, depois de aqui, na Assembleia da República, terem votado contra um projecto de lei do PCP que propunha a sua abolição e a adopção de um sistema alternativo, depois de terem esgotado todos os argumentos a defender a justeza e os méritos de semelhante prova, são confrontados com a completa falência do sistema e com a condenação generalizada da PGA.
Não venham agora, Srs. Deputados do PSD e da JSD, abandonar o navio durante o naufrágio, deitando todas as culpas sobre o júri da PGA para fugir a pesadas responsabilidades políticas que são exclusivamente vossas.
É verdade que o conteúdo caricato da PGA só não dá vontade de rir porque o assunto é demasiado sério. É verdade que foram detectados e reconhecidos erros graves de conteúdo no enunciado da PGA deste ano. Estes factos põem, obviamente, em causa a idoneidade do júri. Mas ainda que não tivessem ocorrido e a prova tivesse sido bem concebida de um ponto de vista estritamente técnico, ainda assim, a PGA continuaria a ser um obstáculo injusto e anti-pedagógico ao acesso ao ensino superior e exclusivamente destinado a funcionar como complemento do nu-merus clausus para o acesso ao ensino superior público, que o governo PSD insiste em manter apesar de, por diversas vezes, ter reconhecido os seus malefícios.
Quando o presidente de um Governo Regional, como o Dr. Mota Amaral, possuidor de um diploma de licenciatura, afirma aos estudantes a sua convicção de que «chumbaria» na PGA, isso representa, apesar de alguma confusão da sua parte quanto à natureza da prova, o reconhecimento por um alto responsável de que a PGA introduz graves distorções na sedação dos candidatos ao ensino superior.
É uma evidência que a PGA não se destina a avaliar a capacidade de ninguém.
É uma evidência que uma prova como a PGA que não se destina a avaliar a aprendizagem escolar faz exclusivamente apelo a conhecimentos adquiridos no meio extra-escolar e não tem outro objectivo que não seja o de seleccionar em função da origem social, potenciando o efeito das desigualdades sociais sobre as possibilidades reais de acesso ao ensino superior.
É uma evidência, comprovada pela recolha de dados credíveis, que não há qualquer relação das classificações obtidas na PGA com as classificações obtidas pelos mesmos alunos quer no ensino secundário quer no ensino superior.
É uma evidência, que só não vê quem não quer, que a PGA contraria o que dispõe a Lei de Bases do Sistema Educativo sobre o acesso ao ensino superior.
É uma evidência que a PGA é uma prova aleatória, uma lotaria, uma rasteira sem sentido e que não resta ao Governo outra solução digna que não seja anular a PGA deste ano e aceitar um debate sério e responsável sobre o regime de acesso ao ensino superior.
É uma evidência que a PGA é mais um expediente a que o Governo recorreu para garantir clientela para o ensino superior privado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A argumentação esfarrapada e os métodos baixos com que o PSD, a JSD e o Governo têm procurado justificar a PGA e confundir os estudantes são tão infundados e caricatos como o conteúdo da própria prova e merecem figurar em antologias da hipocrisa política.
Não me vou preocupar com a instrumentalização grotesca de sete cavaquinhos, supostamente independentes, que ontem deram a cara em defesa da PGA, agora que a JSD começa a não ter cara para o fazer frontalmente. Isso não merece, sequer, ser levado a sério.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que importa desmascarar é a atitude da JSD, que agora, face à pressão estudantil, começa a criticar timidamente a PGA deste ano, enquanto, em obediência estrita ao governo Cavaco Silva, continua a defender a continuação da PGA e a enfatizar os seus supostos méritos e virtudes.
Em 6 de Março de 1990, o Sr. Deputado Carlos Coelho, então presidente da JSD, perguntava, virado para a bancada do PCP: «Se este sistema não é bom, então qual é o sistema bom?»
Uma resposta esclarecedora deu-a o actual presidente da JSD neste Hemiciclo, há cerca de dois meses, quando afirmou que a PGA «não só não é uma fonte de graves injustiças, como veio corrigir algumas do anterior sistema» e quando considerou que a PGA, se não é um sistema justo, é porque nenhum pode ser, nem nunca o será.
Talvez nem o próprio júri se atrevesse a tanto!
Destas tiradas, fica o pobre argumento de que mais injusto que a PGA seria o sistema anterior, quando o PSD e a JSD nunca se opuseram ao sistema anterior e quando o seu elemento fundamental - o numeras clausus -, se mantém intocado no actual sistema.

Página 1011

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1011

Estamos também, neste aspecto, com a consciência absolutamente tranquila: combatemos hoje a PGA com a firmeza e a convicção com que desde sempre lutámos contra a imposição de numerus clausus no ensino superior público. Ontem, como hoje, em oposição ao PSD, e numa posição sempre coerente nesta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos consciência de que o Ministro Diamantino Durão não passa de um mero executor da política de Cavaco Silva para a educação. É o Primeiro-Ministro o primeiro responsável pela PGA. Importa Importa deixar bem claro que a atitude do Governo de não querer dar ouvidos aos estudantes e de continuar a defender a PGA contra tudo e contra todos não se deve apenas ao Ministro da Educação, mas sobretudo ao Primeiro-Ministro Cavaco Silva, que por isso mesmo não quer dar a cara nesta matéria.
O comportamento do Governo, através do Ministro da Educação e da sua equipa, face à reivindicação estudantil de anulação e abolição da PGA, merece a mais veemente reprovação. Não é uma atitude digna, depois da recusa formal das associações de estudantes em aceitar como solução uma «terceira chamada», que o Ministro da Educação queria impor, numa atitude que só pode ser entendida como uma provocação aos estudantes em luta.
Como quer o Ministro impor uma terceira chamada se nem sequer tem júri para a fazer?! Que professores se vão sujeitar a ser autores de mais uma PGA em tão pouco tempo.
Quando um Ministro da Educação, conhecendo o conteúdo, a natureza e os resultados da PGA, exige aos estudantes que lhe apresentem «provas científicas» que ponham em causa a validade da prova, disso dependendo a sua eventual anulação, das duas uma: ou não está a ser sério ou revela uma ignorância científica e pedagógica que é incompatível com as funções que desempenha.
Quando o Secretário de Estado do Sistema Educativo afirma, na televisão, que o sistema vai ser revisto porque está na altura de o ser, esquecendo que o sistema todos os anos tem sido revisto e que a revisão tem sido o que já se viu e quando nada adianta relativamente às suas ideias para essa nova revisão, está a tentar deliberadamente enganar os seus interlocutores, lançar a confusão e fugir à questão central, que é, de facto, a exigência de anulação da PGA.
Quando uQuando um Secretário de Estado afirma aos estudantes que com ele se reúnem que a alteração do sistema de acesso ao ensino superior não é da competência do Governo mas sim da Assembleia da República, por implicar uma alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, sabe que está a mentir, porque a PGA foi criada, exclusivamente, pelo governo Cavaco Silva, sem qualquer interferência da Assembleia da República, porque sabe que o Governo pode, se quiser, abolir e anular a PGA e porque sabe que a PGA não está prevista, nem pressuposta, na Lei de Bases do Sistema Educativo.

Aplausos do PCP.

Mais: o Secretário de Estado sabe que o Governo pode anular a PGA deste ano e adoptar um regime de acesso para o próximo ano, ainda que transitório, sem que daí decorram prejuízos seja para quem for.
Mas tem razão numa coisa o Secretário de Estado: é que a Assembleia da República pode, se quiser, acabar com a PGA. Desde Novembro que esta Assembleia tem para discussão um projecto de lei do PCP que extingue a PGA e cria um novo regime de acesso ao ensino superior. O Governo faz por esquecer este facto porque sabe que a PGA não é inevitável e que o PCP tem uma proposta concreta, responsável e alternativa de um sistema de acesso ao ensino superior mais justo e onde a PGA não tem lugar.
O Governo e o PSD receiam discutir seriamente as alternativas à sua política educativa e fazem tudo para que o País e os estudantes as não conheçam.
Quando, há cerca de um mês, aqui afirmámos que a política do PSD tinha lançado o caos no sistema educativo, ficaram registados alguns risos da bancada do PSD. Presumo, Srs. Deputados, que não tenham agora a mesma vontade de rir, no momento em que aspectos basilares da política educativa do PSD, como a PGA ou o aumento de propinas do ensino superior público, são aberta e massivamente contestados nas escolas e nas ruas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A extinção da PGA não é apenas uma reivindicação estudantil, é uma verdadeira exigência nacional, à qual a Assembleia da República não pode permanecer indiferente. É necessário que todos os grupos parlamentares e todos os Srs. Deputados assumam as suas responsabilidades e aceitem debater com a urgência que a presente situação impõe a consagração de um sistema mais justo de acesso ao ensino superior.
Neste seNeste sentido, o Grupo Parlamentar do PCP apresentará na Mesa da Assembleia um requerimento para a adopção do processo de urgência na apreciação do projecto de lei n.º 7/VI, do PCP, que extingue a PGA e cria um novo regime de acesso ao ensino superior.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento registam-se quatro inscrições. Como estamos relativamente atrasados nos nossos trabalhos, cada Sr. Deputado disporá apenas do tempo regimental.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, água dura em pedra mole tanto fura até que dá.

Risos do PCP.

Sei que não é assim que se diz, Sr. Deputado, mas também não é assim que diz a sabedoria que o seu partido diz sempre que é do povo!
Ontem, no Conselho Nacional de Educação, quando quiseram discutir a prova da PGA, de uma forma pertinente, o Prof. Marçal Grilo disse, na condução dos trabalhos: a PGA não está aqui dentro porque está na rua.
O Prof. Marçal Grilo referia - e muito bem - que o Conselho Nacional de Educação não é um órgão de referência ao quotidiano. Não é, presentemente, o caso desta nossa Casa, ainda que a ela a realidade chegue sempre pela mão partidária.
Mas este movimento dos estudantes não está partidarizado e não o tentem Srs. Deputados de qualquer das

Página 1012

1012 I SÉRIE-NÚMERO 34

bancadas. Isto porque as nossas intervenções aqui devem referir, sobretudo, o que aqui vivemos, passamos e dizemos.
Sr. Deputado António Filipe, não sei V. Ex.ª se lembra mas na Comissão disse há dias que, em relação à PGA , estávamos todos no mesmo barco e todos inconfortáveis.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Para uma coisas é o Governo e para outras é a Assembleia!

O Orador: - Foi exactamente essa, Srs. Deputados, a reacção dá oposição naquela sessão de trabalho.

O Sr. António José Seguro (PS): - Não, não!...

O Orador: - É esta a minha afirmação em relação a um problema que, de tão global, é nacional. Penso que, em relação a problemas dessa dimensão, todos somos culpados - uns pelo que fazem...

Vozes do PCP: - Uns mais do que outros!

O Orador: -... outros pelo que deixam de fazer, outros- e evidente - por aquilo que não fazem, outros por aquilo que estragam daquilo que se tenta fazer, outros pela estratégia da aranha que tudo confundem para confrontar....

O Sr. António José Seguro (PS):- Eu não tenho culpa! Não votei PSD!

O Orador: - Quanto à PGA, os Srs. Deputados estão irónicos e divertidos com o próprio problema que dizem que é grave?!... Há Srs. Deputados que querem o fim da PGA, mas que fim?! Que fim? O fim da «instituição» prova? O fim da «instituição» modelo de prova? Os Srs. Deputados não definem, vos senhores põem tudo na maralha e agora não dizem que os estudantes tem direito a esse sentido de recusa. Partidos da oposição, uns mais do que outros, dizem que a palavra de ordem é, hoje, «confronto». A oposição fala, fala, fala, esquecendo que, sobre um problema destes, falar não é fazer.
.. Entretanto, reassumiu a presidência Q Sr: Presidente, Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois esgotou o tempo regimental do pedido de esclarecimento, que são três minutos.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.

Custa sempre não dizer o que pensamos, mas há um debate marcado para o dia 6.
Quanto ao seu discurso,. Sr. Deputado António Filipe, foi tão previsível que me dispenso de pedir esclarecimentos. Estou esclarecido, mas não esqueça, Sr. Deputado, que a razão não é um lado mas, sim, uma ponte e os senhores estão a quebrá-la todos os dias com a vossa actuação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, não tenciono, por razões que compreendem, antecipar o debate que em conferência de líderes ficou agendado, com carácter de urgência, para a próxima semana, sobre esta questão, nem ponho em causa, naturalmente, a legitimidade que o Sr. Deputado António Filipe, do PCP, tem para se antecipar a essa discussão e trazer aqui, hoje, esta matéria. Aliás, não tencionava falar agora, mas o meu nome foi muitas vezes referido, como se houvesse alguma dificuldade da minha parte em assumir aquilo que sempre disse e fiz.
Por essa razão, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado se, por acaso, tem dúvidas quanto ao que a JSD entende sobre o sistema geral de acesso, nomeadamente sobre a PGA. Não 6 preciso o Sr. Deputado recordar as minhas afirmações nesta Câmara, porque nunca faço afirmações num dia para as contradizer no outro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Gostava de saber se tem encontrado alguma contradição nas declarações que tenho proferido, desde que sou presidente da JSD e estou nesta Câmara.
Em segundo lugar, pergunto ao Sr. Deputado António Filipe se o seu interesse prematuro, mas legítimo, nesta questão tem mais a ver com a intenção de esconder as propostas do seu partido sobre esta matéria para apenas dizer o que é fácil e no que estamos de acordo que os estudantes têm toda a razão , ou se tem o Sr: Deputado alguma intenção, com a sua intervenção, de contribuir para encontrar uma saída e uma solução para um problema que está nesta altura a preocupar todo o País e todos os estudantes: o de saber se, este ano, vão ou não aceder ao ensino superior os cerca de 122 700 candidatos que realizaram estas duas primeiras chamadas da prova geral de acesso ou se eles vão ficar em suspenso até Julho, Setembro, Outubro - mais um ano, talvez - para saber se poderão entrar no ensino superior e em que condições.
Portanto e para concluir, queria perguntar ao Sr. Deputado e ao seu partido se o vosso interesse neste debate, hoje e na próxima sexta-feira - em que tenciono intervir, mais uma vez -, é, simplesmente, trazer o aplauso para os estudantes ou encontrar, como lhe compete, julgo eu, uma saída para esta situação, antecipando desde já que não ignoro que ao Governo compete uma resposta primordial na saída que for encontrada.
Finalmente, como nunca me furtei a fazer qualquer declaração - não me podem acusar de não dar a cara, o que, penso, pode ser reconhecido hoje -, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que até mesmo em fase de contestação as duas provas de acesso que decorreram este ano, a JSD não mudou de camisola nem veio aqui, oportunisticamente, dizer que tinha mudado de opinião quanto ao sistema de acesso ao ensino superior. Dissemos só uma coisa, e repito: não concordamos com a existência de uma prova...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe o favor de concluir. :

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

Como dizia, não concordamos com uma prova que julgue a capacidade para o ensino superior, que chumbe alguém, isto é, que impeça alguém de ser candidato. O que é que pensa o Partido Comunista sobre isto?

Aplausos do PSD.

Página 1013

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1013

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.

O Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, das suas palavras e da má consciência da JSD, gostaria apenas de fazer um pequeno pedido de esclarecimento.
No fim da sua intervenção, o Sr. Deputado anunciou que iria requerer um pedido de urgência na tramitação do projecto de lei do Partido Comunista Português sobre o acesso ao ensino superior. Não será isso mesmo também uma má consciência do Partido Comunista, que só conseguiu ver necessidade no acelerar desta questão depois de os estudantes se terem manifestado contra a forma como foram feitas as duas chamadas anteriores da PGA?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Está bem visto!

O Orador: - É que a má consciência avalia-se. Sr. Deputado, nos nossos actos, em todos os momentos da nossa actuação!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E vocês nem agora viram!

O Orador: - E porque o nosso primordial interesse é a defesa dos estudantes, tomámos a decisão, nós, JSD, de solicitar ao Ministro da Educação uma terceira prova de acesso. É que, ao contrário dos senhores, queremos que o próximo ano lectivo haja alunos no l.º ano da universidade,...

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: -... porque os que estudam, os que realizam provas, tem, pelo menos, direito a que as regras do jogo não sejam mudadas a meio do processo. Se erros houve, há que rectificá-los e não alterar essas mesmas regras.
Por outro lado, fiquei com a impressão, e tomei devida nota, de que o PCP e a Juventude Comunista continuam com um estigma muito grande em relação ao ensino superior privado. É um estigma que os alunos do ensino privado não esquecerão de certeza absoluta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Luís Sá (PCP): - É barato e de grande qualidade!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho, também para pedir esclarecimentos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, para facilitar a condução dos trabalhos pela Mesa, tendo em conta o adiantado da hora e o facto de lermos esta matéria agendada para o próximo dia 6, prescindo da palavra.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lélis, V. Ex.ª fez muito bem em referir-se ao Conselho Nacional de Educação, porque se o Governo, há três anos, quando aprovou e impôs o actual regime de acesso ao ensino superior onde consta a PGA, tivesse dado ouvidos aos justos reparos feitos pelo Conselho Nacional de Educação, poderíamos hoje não estar na situação em que estamos.
Se o Sr. Deputado conhece, e creio que conhecerá, o parecer apresentado pelo Conselho Nacional de Educação, sabe que, na sua fundamentação, há provas bastantes e científicas, se quiser, dada a grande idoneidade das pessoas que o apoiam - para que a prova geral de acesso não fosse para a frente e fosse abandonada, porque, segundo a opinião do Conselho Nacional de Educação, e recordo, não é uma prova que se destine a avaliar capacidades e, como tal, não deveria ter lugar no regime de acesso ao ensino superior.
Por outro lado, em relação à sua intervenção, Sr. Deputado, gostaria de deixar bem claro que não estamos, nem nunca estivemos, no mesmo barco. Há pouco dizia que quando o barco naufraga há Srs. Deputados que procuram fugir dele, à última da hora. O Sr. Deputado usou uma táctica diferente: quando o barco naufraga procura agarrar outras pessoas, que lá se não encontram, para que naufraguem consigo.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - De barcos percebo eu!

O Orador: -Para isso, Sr. Deputado, não conte connosco! Nunca estivemos neste barco e, portanto, não contem connosco!
Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, gostaria de dizer-lhe que, ontem, quando a conferência de líderes decidiu agendar um debate sobre o acesso ao ensino superior, já me encontrava inscrito há bastante tempo para fazer esta declaração política, pelo que não foi uma decisão tomada à última da hora. Aliás, é pena que o PSD se tenha oposto a que esse debate ocorresse amanhã em vez de na próxima semana, o que poderia, de facto, ter acontecido.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Há o princípio da estabilidade da ordem do dia!

O Orador: - Não tenho dúvidas, Srs. Deputados, sobre a posição da JSD.

Vozes do PSD: - Mas parece!

O Orador: - Eu não tenho, mas há quem tenha! Portanto, é necessário esclarecer, como procurei fazer daquela tribuna, que, de facto, a JSD sempre teve uma posição clara de apoio e de defesa da prova geral de acesso. Mais: tem assumido como bons os malefícios que todos apontam a essa prova.

O Sr. Deputado acha prematuro ...

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Precoce!

O Orador: - ... que eu tenha trazido, neste momento, a questão à Assembleia da República. É evidente que, com a actualidade que ela tem, se o Sr. Deputado acha prematuro, é porque, naturalmente, deve andar a dormir. Mas isso, então, é problema seu.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Distraído!

O Orador: - Srs. Deputados, todos sabem que temos saída para o problema e, inclusivamente, que um dos

Página 1014

1014 I SÉRIE-NÚMERO 34

primeiros projectos apresentados nesta legislatura foi precisamente o projecto de lei n.º 7/VI, que extingue a PGA e cria um novo regime de acesso ao ensino superior. A posição que tiverem em relação ao pedido de urgência e ao próprio projecto de lei falará pela vossa própria consciência, Sr. Deputado Luís Nobre.
Quero ainda dizer que vou oferecer um exemplar do projecto de lei ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, porque seguramente nunca o leu.

Aplausos do PCP.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Já o leu três vezes!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos no período da ordem do dia, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do voto n.8 8/VI, de saudação pelos recentes êxitos alcançados pelas equipas de atletismo do Sporting Clube de Braga e do Sporting Clube de Portugal, subscrito por Deputados do PSD.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto n.º 8/VI, distribuído no dia 13 de Fevereiro, é do seguinte teor:
A equipa feminina de atletismo do Sporting Clube de Braga venceu recentemente, pela sexta vez consecutiva, a Taça dos Clubes Campeões Europeus de Cross, alcançando, assim, um êxito inédito que merece justo realce.
Acresce que, para além da vitória colectiva, foi também uma atleta do Sporting Clube de Braga que se sagrou campeã europeia de cross, marcando de forma clara uma supremacia portuguesa numa modalidade tão exigente.
Realçar este feito é reconhecer a qualidade do trabalho desenvolvido por toda a equipa técnica e pelas atletas sem deixar de recordar a necessidade de ser intensificado o apoio que, ao abrigo do Estatuto de Atleta de Alta Competição, atenue as dificuldades que ainda embaraçam a expressão plena das capacidades que se adivinham.
Orgulho de uma cidade, de uma região e do País, as atletas do Sporting Clube de Braga bem podem ser apontadas como exemplo a seguir não só pelos relevantes resultados desportivos que conseguem mas também pela motivação que emprestam aos jovens para animar uma prática desportiva regular e salutar.
Também a equipa do Sporting Clube de Portugal venceu colectivamente esta edição da Taça dos Clubes Campeões Europeus de Cross, reforçando de forma indiscutível o prestígio internacional do atletismo português, pelo que são, igualmente, credores de admiração de todos nós.
Superiormente orientada no plano técnico, a equipa masculina do Sporting Clube de Portugal marcou, uma vez mais, a superioridade portuguesa numa prova de grande importância internacional.
Se é verdade que nos vamos habituando a resultados desportivos de relevo, tal facto não deve constituir motivo para esquecer ou ofuscar feitos que, como estes, contribuem para projectar Portugal no contexto do desporto internacional.
Assim, a Assembleia da República saúda o Sporting Clube de Braga e o Sporting Clube de Portugal pelos brilhantes resultados desportivos alcançados e felicita os atletas e técnicos pelo trabalho e capacidade uma vez mais demonstrados e que muito contribuíram para o reforço do prestígio desportivo do País.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Luís Fazenda.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reconhecer o mérito de pessoas ou instituições, qualquer que seja o campo da actividade por onde desenvolvem as suas acções, é de elementar justiça e faz mesmo parte do óbvio.
No caso presente, mais do que o louvor ao mérito, os socialistas honram a responsabilidade de apoiar e de criar condições para que p valor dos atletas possa distinguir-se em todas as competições. É publicamente conhecido o esforço que as autarquias de Braga e de Lisboa, concelhos a que pertencem os clubes referidos na proposta de louvor, têm feito, na ausência de uma política desportiva nacional.
Por isso, não posso deixar de denunciar a hipocrisia que constitui esta proposta de louvor, apresentada pelo PSD, que pretende vestir a pele do cordeiro para disfarçar o lobo mau, que é o Governo. O louvor deve ter uma tradução em acções concretas, o que até aqui não teve, e o PSD tem a faca e o queijo na mão. Por exemplo: se em Braga há uma pista aberta para a prática de atletismo isso deve--se ao município respectivo de presidência socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

Q Orador: - O Governo não deu sequer um tostão para comparticipar nos 100 OOO contos que ela custou aos Bracarenses. E se no concelho de Braga, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as instalações desportivas ultrapassam a média europeia de 4 m/habitante, também se deve inteiramente à gestão socialista, pois o Governo nunca financiou qualquer projecto.
Os Deputados proponentes e o PSD teriam crédito se comprometessem o Governo que apoiam e o seu grupo parlamentar em premiar os atletas e os clubes, contribuindo de forma significativa para a implantação da pista sintética que a autarquia vai instalar. Essa seria, aliás, a melhor forma de homenagear o trabalho que, ao longo dos últimos anos, tantas alegrias tem dado aos Bracarenses e naturalmente aos Portugueses.
Não posso esquecer, por exemplo, a realização da última Taça dos Clubes Campeões Europeus de Corta-Mato, realizada ern Braga, em 1990 (que as atletas do Sporting Clube de Braga, mais uma vez, venceram), em que, por ciúmes de protagonismos políticos de membros do governo PSD em relação à Câmara Municipal de Braga, a Radiotelevisão Portuguesa não transmitiu. E, nessa altura, ninguém ouviu os Deputados do PSD protestarem, como fiz, aliás, dando voz aos protestos, justos, dos Bracarenses.

Vozes do PS: - Muito bem!

Página 1015

28 DE FEVEREIRO DE 1992

1015

O Orador: — Da nossa parte, é justo que o voto de louvor leve em consideração a acção da Câmara Municipal de Braga, pelo que votámos a favor, a quem se deve, aliás, a criação de condições que permitiram às atletas a demonstração do seu valor. E é, aliás, no prosseguimento dessa política de apoio à actividade amadora que a autarquia emprega cinco atletas de nomeada ao serviço do Sporting Clube de Braga, dando-lhes as facilidades que um Governo atento ao fenómeno desportivo já deveria ter dado há muito.

Os socialistas saúdam, pois, os atletas e os clubes e salientam o exemplo do trabalho da Câmara Municipal de Braga, que bem deve envergonhar o Governo pela sua inércia na política desportiva nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de salientar que continuamos a assistir a um lamentável desacerto da bancada socialista, de que a declaração de voto do Sr. Deputado António Braga é um triste exemplo. E digo isto com mágoa, porque nutro pelo Sr. Deputado António Braga a maior amizade e consideração. Portanto, entristece-me ver, como, aliás, o Sr. Deputado António Braga acabou de reconhecer, que ele está sempre pronto para protestar, mas está muito pouco disponível para saudar.

Com efeito, o que nós aqui quisemos fazer foi saudar um feito, que, aliás, nunca aqui tinha sido saudado, mas, se calhar, o Sr. Deputado António Braga teve mais hipóteses do que nós para saudar feitos da equipa feminina do Sporting Clube de Braga.

Gostaria ainda de aproveitar esta declaração de voto para esclarecer que, em primeiro lugar, não é exacto que o Governo não vá comparticipar na construção da pista sintética em Braga e, em segundo lugar, que me penitencio por não ter incluído neste voto de saudação, que, aliás, o Partido Socialista e toda a Câmara votou favoravelmente, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Braga, porque, através das imagens que foram transmitidas pela Televisão, não o vi a cortar a meta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, em face das declarações de voto que acabam de ser feitas, não posso deixar de manifestar que continuo a ter algumas dúvidas sobre a conformidade das mesmas com o Regimento.

Entretanto, informo a Câmara de que terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e W minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Fernando Costa, do PSD, a partir do dia 26 de Fevereiro, pelo Sr. Deputado Manuel Simões Rodrigues Marques, do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Luís Fazenda.

Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.ro 65/VI — Garante a autonomia do Ministério Público (PS), 78/VI — Dá cumprimento ao princípio constitucional da autonomia do Ministério Público (PCP), 88/VI — Garante a autonomia do Ministério Público (PSD) e 89/VI — Garante a autonomia do Ministério Público (CDS).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção, gostaria de fazer duas breves referencias. Uma, para agradecer aos Srs. Deputados que quiseram ter a amabilidade de se referirem ao facto de eu ter sido eleito para presidente do Partido Socialista — é, de facto, uma honra para mim — e, outra, para saudar, respeitosa e efusivamente, os Srs. Magistrados do Ministério Público, aqui presentes.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de organização do Estado, há que mexer nas leis «com mão tremente», como disse alguém.

Quase dois anos e meio volvidos sobre a última revisão constitucional, que reforçou a autonomia do Ministério Público, os governos que depois vieram dormiam na paz do Senhor em flagrante pecado de omissão.

Como as oposições parlamentares tem, entre outras utilidades, a de funcionarem como despertador das maiorias sonolentas, entendeu o grupo parlamentar do meu partido que era tempo de dar conteúdo normativo ordinário às supraditas inovações.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Muito bem!

O Orador: — E redigiu um projecto de lei com esse salutar propósito. Outrotanto viriam a fazer Deputados dos Grupos Parlamentares do PCP e do CDS.

Como vem sendo hábito, a maioria, estremunhada, não quis deixar às oposições o privilégio da iniciativa. Encomendou ou fez — tanto faz — um texto cozinhado à pressa, do qual, sendo sua a firma, é sua a responsabilidade.

Sabia-se existir — menos ostensiva do que surda — uma certa «querela» entre o Governo e o Ministério Público. Este vinha-se revelando por demais incómodo para o gosto de um executivo muito pouco resignado aos constrangimentos da separação dos poderes.

Com o Parlamento já acomodado e o Presidente da República — ern si inacomodável — em tratos de despromoção, revelou-se-lhe de repente intolerável a petulância autonómica do Ministério Público. Bem lhe bastava, à espera de melhor oportunidade, a independência irresponsável dos tribunais.

Apesar disso e por se tratar da matéria de que se trata, partirei do princípio de que os subscritores do projecto de

T

Página 1016

1016 I SÉRIE-NÚMERO 34

lei agiram de boa fé e na melhor das intenções e por isso coloco-me, e ao meu grupo parlamentar, à disposição de todos vós, Srs. Deputados, sem distinção parai com seriedade e sem preconceitos de posicionamento político, nós pormos de acordo sobre as modificações da Lei Orgânica do Ministério Público, que a letra da Constituição exige e o seu espírito recomenda. Se é de melhorar a arquitectura do Estado que se trata, no respeitante a um dos seus órgãos fundamentais, esqueçamo-nos de que temos divergências e tentemos honestamente convergir.
Descuidarei a miuçalha e ocupar-me-ei apenas dos seguintes aspectos essenciais: da fixação de um limite temporal à duração do exercício de funções de cada Procurador-Geral da República; da proibição de um terceiro mandato consecutivo; da proposta composição do Conselho Superior do Ministério Público; da redução da competência do Ministro da Justiça em matéria de directivas ao Ministério Público; da exclusão da fiscalização dos órgãos de polícia criminal do âmbito da competência própria do Ministério Público; da extinção das auditorias jurídicas do Ministério Público.
Nos termos da Constituição, compete ao Presidente da República, relativamente a outros órgãos, «nomear e exonerar, sob proposta do Governo [...] o Procurador-Geral da República». Estamos assim em face de um sistema de dupla confiança: em face do Governo, que propõe, e em façe do Presidente da República, que nomeia e exonera. Foi a opção constitucional. Podia ter sido outra, nomeadamente a de assegurar ao Procurador-Geral da República a garantia de um mandato de duração determinada, mas preferiu-se medir a confiança a medir o tempo.
Não se pode, apesar disso e em meu entender, encarar a situação assim criada em termos de vitaliciedade. Sei que é esse o entendimento do actual Procurador-Geral da República (e não apenas dele), e eu respeito essas opiniões, nada me custando reconhecer, em relação à do actual Presidente, que, ao menos nestas matérias, a sua opinião costuma valer mais do que a minha. Ele próprio, aliás, me deixa à vontade para dele divergir, neste ponto, ao afirmar que não arvora o seu entendimento em fonte de direitos.
Os lugares vitalícios são a expressão do privilégio, logo a antítese do direito. Num Estado de direito democrático, ern que os próprios órgãos de soberania de natureza electiva são sujeitos à prova da periódica confirmação da vontade que os elegeu, não pode admitir-se, tão-só com base no silêncio da lei, a vitaliciedade de um cargo público. Isto apesar de a vitaliciedade ser a regra aplicável aos magistrados e de o actual Procurador-Geral da República ter de origem essa qualidade. Tem-na, mas podia deixar de tê-la. E o cargo de Procurador-Geral da República é também uma magistratura política.
Mas não é, sequer, invocável aqui o argumento do silêncio. Como vimos, a Constituição quis dizer, e disse, que o Presidente da República é competente para nomear e exonerar o Procurador-Geral da República, sob proposta do Governo. Seria absurdo pretender que, em caso de exercício regular e continuado da função, o Presidente que nomeasse só poderia exonerar causa mortis ou que dificilmente o que nomeasse seria o mesmo a exonerar. Excluo, é evidente, o caso caricatural e absurdo de o Procurador-Geral da República assaltar o Banco de Portugal!
Não! O que a Constituição quis foi o contrário disso: uma duração medida pela perduração da dupla confiança inicial que normalmente será mais dilatada como no caso presente - do que a proposta duração do mandato.
A maioria vem agora propor que «o Procurador-Geral da República [seja] nomeado para um período de cinco anos».- E envolve esta proposta no papel de celofane, com laço a condizer, da consideração de que esta medida se destina a retirar ao cargo de Procurador-Geral da República «a natureza de precariedade que agora o caracteriza, introduzindo clareza no lacunoso regime actual».
Como hoje acordei bonzinho, acredito metodicamente nisso!
Mas haverá lacuna? Vimos que não! Há lacuna constitucional na ausência de mandato fixo para os Ministros da República? Ou para o presidente do Tribunal de Contas? Sempre que não há mandato constitucionalmente fixado, há lacuna?
Não havendo, como eu entendo que não há, a questão que pertinentemente se coloca é a de saber se a lei ordinária pode preencher uma lacuna que constitucionalmente não existe!...
Dito de outro modo: se a Constituição confere ao Governo e ao Presidente da República competência para, sem limite de tempo, propor e decidir, respectivamente, pode a lei ordinária limitar essa competência?
Quanto ao Governo, ainda pode a lei acrescentar-lhe novas competências, mas não retirar, limitar ou condicionar as que a Constituição lhe confere. Quanto ao Presidente da República, nem sequer restringi-las nem acrescê-las. A competência do Presidente da República é reserva da Constituição: não pode ser aumentada, nem limitada, nem condicionada, sequer, para que só possa exercer de cinco em cinco anos uma faculdade que agora pode exercer, ia a dizer, caricaturalmente, quase todos os dias.
Os n.ºs 4 e 5 do artigo 105.º do projecto de lei apresentado pelos Srs. Deputados da maioria encontram-se, assim, sem dúvida alguma, em meu entender, feridos de inconstitucionalidade.

Aplausos do PS.

Outrotanto o n.º 6 do mesmo artigo, ao prescrever que «não é admitida a nomeação para um terceiro período consecutivo, nem durante o quinquénio imediatamente subsequente ao termo do segundo período consecutivo».
As razões são paralelas. A competência do Governo para propor e a do Presidente da República para decidir são, como vimos, ilimitadas no tempo. Assim como não é possível suspender o exercício dessas competências pela duração de um mandato fixo, também o não é condicioná-lo, excluindo-o em relação ao mandatário que tenha completado dois mandatos. Esta inconstitucionalidade, pelas mesmas razões, é, em meu entender, suficientemente clara.
Dito isto, cumpre dizer que não fora o obstáculo constitucional- eventualmente, a remover na próxima revisão- e não seríamos, em princípio, contra a medida proposta, entendida como os autores do projecto de lei dizem entendê-la, ou seja, como garantia mínima da estabilidade temporal do exercício do cargo. A medida da confiança deixaria de ser objecto de avaliação contínua, passando a ser objecto de avaliação periódica. O Governo deixaria de poder tentar ver-se livre de um Procurador-Geral da República excessivamente incómodo e o Procurador passaria a dispor de uma garantia de relativa inamovibilidade, salvo por razões de efectivação de responsabilidade.
Mas, para tanto, fazia-se mister a norma transitória que se refere no preâmbulo do projecto de lei, invocando

Página 1017

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1017

surpreendentemente ânsias de consensualização. A verdade é que não estávamos, nem estamos, habituados a isso!...
Sem ela, fica aberta a porta ao risco de uma nova inconstitucionalidade: a da aplicação retroactiva da alteração proposta, o que traduziria uma atitude ad hominem. Logo, sectária; logo, injusta. Ainda bem que não!
O Conselho Superior do Ministério Público foi constitucionalizado como órgão na última revisão constitucional. Do texto anterior, vinha a referencia indefinida a «um órgão colegial que inclui membros de entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público». Esta forma inconcreta de definir a composição de um órgão do Estado não impediu que a lei ordinária nela incluísse as «três personalidades de reconhecido mérito designadas pelo Ministro da Justiça», constantes da Lei Orgânica de 1978, de que fui o principal responsável político.
E com razão. Estávamos a um lustro da segunda revisão constitucional, em que o Conselho Superior do Ministério Público adquiriu status constitucional e em que se vinculou a lei ordinária a uma composição que inclua «membros eleitos pela Assembleia da República e membros de entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público». Não obstante, continuou a cometer-se à lei a precisão da sua composição e competência.
Diversamente entenderam os subscritores dos quatro projectos de lei apresentados a composição do Conselho Superior do Ministério Público inspirada pela Constituição: os do PS, do PCP e do CDS excluíram dessa composição representantes do Ministro da Justiça; o do PSD manteve esses representantes, limitando-se a encolher para dois membros a representação do Ministro da Justiça. Espero que este facto não constitua um sinal, ainda que frusto, de má consciência.

Como encarar mais esta «altíssima questão»?

Não posso, à puridade, pretender que a solução proposta pelo projecto da maioria incorra numa inconstitucionalidade de texto. Uma referência aos membros que o Conselho inclui não pode em pura linguística ser exclusiva de outros. E não nos havemos de esquecer que, segundo a própria Constituição, é à lei ordinária que compete definir o todo de que o texto constitucional definiu a parte. E quando a Constituição quis definir in totum a composição do Conselho Superior da Magistratura, usou a expressão «composto pelos seguintes vogais». A diferença é, formalmente, elucidativa.
Mas não colidirá, Srs. Deputados da maioria, com o espírito da Constituição manter na composição do Conselho dois representantes do Ministro da Justiça? Pois, como sabem, também há inconstitucionalidades por violação de princípios e do espírito da Constituição.
Eis o que nos merece, ao menos, uma cautelar reserva. Ponho isto à vossa consciência e à vossa consideração. É que a novidade introduzida pela segunda revisão constitucional não se limitou a constitucionalizar o Conselho e a vincular o núcleo essencial da sua composição. Foi mais longe e disse que o Ministério Público goza de autonomia. É verdade que acrescentou «nos termos da lei». Mas não necessitava de dizer para que assim se entendesse, que a lei tem de precisar em que se traduz essa autonomia, mas não pode fazê-lo com ingredientes de sujeição ou de tutela. Quando a Constituição comete ao legislador ordinário uma incumbência, não lhe comete a incumbência contrária!

Aplausos do PS.

Entendemos nós que o conteúdo essencial dessa autonomia de que o Ministério Público goza se há-de traduzir numa relação de separação de poderes «em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local», fórmula que vem da Lei Orgânica de 1978 e resistiu à sua nova versão de 1986.
Logo, autonomia também em relação ao Governo. Dir-se-ia que sobretudo em relação a ele. É que o Ministério Público é o único órgão do sistema com competência para, no quadro judiciário, «[...] defender a legalidade democrática [...]». É certo que o Governo tem igual competência, mas no plano estritamente administrativo. Também é certo que a legalidade democrática não é indiferente aos tribunais, mas compete a estes a tarefa específica de reprimir a sua violação.
Disto isto, dito fica que o Ministério Público é o único órgão do Estado ao qual compete reconduzir a acção do Governo ao respeito da legalidade democrática. É o guarda que guarda os guardas.

Aplausos do PS.

Por isso se acentuou na Constituição a sua autonomia em geral e na lei ordinária a mesma autonomia em relação aos órgãos do poder central.
Mas não é também a Assembleia da República - expressão que continua a figurar na lei, mesmo depois do projecto de lei do PSD que não propôs a alteração dessa consagração - um órgão do poder central? Apesar disso, não exige a Constituição que da composição do Conselho Superior do Ministério Público façam parte membros eleitos por esta Assembleia? É então verdade que a designação pelo Ministro da Justiça de membros do Conselho Superior do Ministério Público não colide com a autonomia do Ministério Público?
Eu não iria tão longe, nem tão depressa. É que não devemos esquecer que compele aos tribunais - de que o Ministério Público é uma peça fundamental - administrar a justiça em nome do povo. É a forma da sua legitimação como órgão de soberania. Assim sendo, compreende-se a necessidade do apelo a membros eleitos pela Assembleia da República como forma de legitimação popular - ainda que por recurso a uma dupla representação - do poder exercido, em competência própria, pelo Ministério Público.
Não é o caso dos representantes do Ministro da Justiça, ele próprio carecido de legitimação popular directa. Se alguma analogia é invocável aqui que seja com o facto de, na composição vinculada do Conselho Superior da Magistratura, a Constituição não ter incluído membros designados pelo Ministro da Justiça. Decerto em homenagem à independência dos tribunais. Não justificará idêntico cuidado a autonomia do Ministério Público?
Eis porque consideramos feridente do espírito da Constituição, na parte respeitante a esta autonomia, a presença no respectivo Conselho Superior de dois representantes do Ministro da Justiça - um que fosse!... - com forte cheiro a tutela, onde tutela não cabe.
Relidas as competências do Conselho Superior do Ministério Público, sobretudo na versão reduzida do projecto da maioria, nenhuma se encontra que, em razão da matéria, justifique que «olheiros» - salvo seja - do Ministério da Justiça nelas metam o bedelho.
Digamos tudo: a presença de representantes do Ministro da Justiça, qual cordão umbilical com um órgão de tutela, vem do tempo em que o Ministério Público não era

Página 1018

1018 I SÉRIE-NÚMERO 34

o que hoje é e surge aberrante na Procuradoria-Geral da República de um Estado de direito democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vem do tempo em que a maioria parlamentar que suporia o Governo não linha no Conselho, ela também, representantes do Parlamento por si mesma designados. A partir de agora, a actual maioria lerá no Conselho não dois mas três elementos da sua confiança, logo do Governo. Os «olheiros», como entendi, com alguma originalidade, poder chamar-lhes, sempre lá estarão, mas a outro título, mas com outra legitimidade.
Quererá a maioria reconhecer este facto ou vamos dormir? Quererá o Sr. Ministro da Justiça convir na arquitectura do Estado que decorre dos seus excelentes discursos ou apenas na que resulta dos seus às vezes surpreendentes decretos?

Eis a questão!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O banimento dos representantes do Ministro da Justiça desposaria, além do mais, a proposta também inclusa no projecto da maioria, no sentido de ser retirada ao Ministro da Justiça competência para «dar ao Procurador-Geral da República instruções de ordem genérica no âmbito das atribuições do Ministério Público».
Esta inovação já constava dos projectos de lei do PS e do PCP, mas nem por isso hei-de deixar de ovacionar a adesão da maioria a este salutar reforço de autonomia do Ministério Público. Só que a agora via reduzida das competências do Ministro, com referência à tutela limitada aonde ela cabe - ou seja, na relação de mandato correspondente ao patrocínio das acções cíveis -, não ajuda a justificar, antes pelo contrário, a presença de dois representantes seus no Conselho Superior do Ministério Público. Basta o cordão umbilical da ligação ao Governo constituído pelo poder de propor ao Presidente a nomeação ou a exoneração do Procurador-Geral da República. Mais do que isso seria demais!
Do proposto «enterro» da fiscalização dos órgãos de polícia criminal pelo Ministério Público - em que o projecto da maioria faz o papel de «gato-pingado» - o que diremos? Condolências à família da defunta?

Risos do PS.

Algo menos resignado do que isso. E desde logo que a actual competência da Inspecção do Ministério Público para «proceder a inspecções, inquéritos e sindicâncias aos serviços [...] da Polícia Judiciária» é uma garantia de defesa da legalidade democrática consagrada na totalidade dos Estados de direito europeus.
Assim sendo, do mesmo passo que nos integramos progressivamente na Europa comunitária, com ela comungando numa progressiva unidade institucional, dela nos afastaríamos neste aspecto essencial, de acordo com uma experiência que vem desde 1945, ou seja, desde os alvores do pós-guerra e que nasceu à revelia e resistiu com êxito aos apetites centralizadores da própria ditadura! Será que devo regressar às minhas sombrias premonições sobre a avidez concentracionista da actual maioria? Será que tenho de admitir a contragosto que neste somenos estou de acordo com o governo de Salazar e em desacordo com o actual Governo?

Risos do PS.

Uma coisa é certa: não é por distracção, nem por inadvertência, nem por desamor à separação de poderes e ao Estado de direito, que todas as democracias europeias convergem no pretenso «erro» que a maioria se propõe, agora, corrigir. Nem é decerto por amor à exacerbação desse «erro» que, nas mesmas democracias, são mais latos do que são, hoje, entre nós os poderes de fiscalização que se visa proscrever.
Lá como cá, o normal é que a fiscalização pertença ao orgão que defende a legalidade democrática; ao órgão a que compete o exercício da acção penal, competência que inclui a condução dos processos de inquérito penal. Deixaria o Ministério Público de fiscalizar também estes, quando delegados em órgãos de polícia criminal?
Sc só no quadro de cada processo crime isso fosse lícito ao Ministério Público, teria este, sempre que recebesse uma denúncia ou tivesse uma suspeita fundamentada, de promover mais um processo para poder fiscalizar o que, de outra forma, deixaria de poder? E quando se tratasse de denúncia de irregularidades consistentes em escutas telefónicas ilegais ou suspeitas de corrupção, cometidas pelos próprios agentes da Polícia Judiciária, que infelizmente também já aconteceu, embora a título excepcional? Como era? Ou processas ou não fiscalizas?
E quando a Polícia Judiciária, por hipótese teórica, atrasasse intencionalmente os processos? E quando intencionalmente os fizesse prescrever? E quando tudo isso pudesse conjugar-se com uma investigação envolvendo responsáveis do próprio Governo?

Aplausos do PS.

Espero que uma reflexão mais profunda leve a maioria a concluir que o resultado mais saliente da inovação proposta seria deixar mais expostos quer os órgãos de polícia criminal quer o próprio Governo.
Um último argumento de raiz analógica: seria impensável - além de inconstitucional - a aplicação de medida semelhante aos juízes de instrução criminal. A Constituição reserva a instrução à competência de um juiz. Será forçar muito as coisas invocar similitude de razões relativamente à competência fiscalizadora do Ministério Público sobre a Polícia Judiciária? E será despropositado admitir aqui mais um vício de inconstitucionalidade - ainda que com reservas, salvo seja -, se tivermos em conta que a Constituição comete ao Ministério Público o exercício da acção penal e que a lei ordinária não pode negar-lhe um instrumento fundamental desse exercício?
É minha convicção de que os ilustres subscritores do projecto da maioria leram mal e tentaram resolver pior um certo clima conjuntural de conflitualidade entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público. A corda deve partir pelos princípios e não pelos humores.
Quanto à proposta extinção das auditorias jurídicas, hesito entre concluir que a não entendo ou que a entendo demais. Mas faço questão de resistir à tentação de admitir que a alteração proposta visa imunizar o Executivo contra o controlo da legalidade que constitui a sua razão de ser.
As referidas auditorias são hoje um mero prolongamento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República junto de cada ministério ou departamento equivalente. Existem entre nós desde o início do século e sempre se entendeu, cá dentro e lá fora, até ao advento da originalíssima proposta do seu enterro, que os auditores desempenharam no passado, desempenham no presente e

Página 1019

28 DE FEVEREIRO DE 1992 5059

mostram-se aptos a desempenhar no futuro um relevante serviço de consulta técnico-jurídica, facto atestado por frequentes louvores e condecorações.
A consulta que prestam, sem ser vinculante para as entidades consulentes, não deixa de responsabilizar os que divirjam dos pareceres em que se traduz. Se a entidade consulente foi advertida e não fez caso da advertência, cometendo uma ilegalidade, mais óbvia é a sua responsabilidade. Mas a regra não é essa, a regra, felizmente, é a homologação do parecer e, em qualquer caso, o seu respeito.
Talvez por isto, o Supremo Tribunal Administrativo criou a praxe de solicitar pareceres dos auditores como elemento de aferição do mérito ou demérito dos actos que neles se fundam ou que deles se afastam.
Será porventura a incomodidade deste elemento de controlo, ainda que ténue, da legalidade democrática a verdadeira génese da medida que se propõe? Será que o Governo se deixou cair na tentação de remover também essa incomodidade, prescindindo do aviso técnico dos auditores ou propondo-se substitui-lo pelo apoio funcionalizado de outros tantos directores-gerais, hierarquizados à vontade do consulente e dela atentos e veneradores? Será uma vez mais a repulsa do heterocontrolo?
Custa-me admitir que assim seja. Mas o que seguramente não será é o que se diz no preâmbulo do projecto da maioria, ou seja, uma forma de «adaptar as competências próprias do Ministério Público ao âmbito da sua autonomia agora reforçada». Essa não, Srs. Deputados subscritores do projecto! Pois em que é que a existência de auditores jurídicos sem qualquer grau de vinculação ao respectivo ministério pode colidir com a sua autonomia, reforçada ou não?
Não deixará de alimentar suspeitas - em que não quero incorrer - o silêncio do projecto da maioria (e espero que em breve cesse, a esse respeito, o do Sr. Ministro da Justiça) sobre a forma de preencher o vazio assim criado!
Com o que é vamos deparar-nos? Com um novo Conselho de Estado de tipo francês, de competências mais amplas, a criar na futura revisão constitucional? Mas então para que se criaria o vazio já? Com um novo modelo de Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República com poderes alargados? Neste caso, que Conselho e quais poderes? Também neste caso, porquê a antecipação do vazio?
Uma coisa é certa: não se imaginam os ministérios sem o apoio técnico de um jurista independente, integrado num órgão do Estado que goze de autonomia em relação ao poder central, regional e local, e vinculado apenas a critérios de legalidade e objectividade e às directivas, ordens e instruções a que hierarquicamente deve obediência. Trata-se de qualidades que são apanágio exclusivo dos magistrados do Ministério Público. Nessa medida, quem, com iguais garantias, aconselharia o poder político e administrativo?
Assim, endireitemos a vara torta: é pelo facto de o Ministério Público gozar de autonomia em face do poder político que o seu conselho é insubstituível por quem não oferecer igual garantia de exclusiva vinculação a critérios de objectividade e legalidade.

Aplausos do PS.

É tempo de findar, mas não sem chamar a atenção dos Srs. Deputados para a circunstância curiosíssima de, num projecto de lei destinado a consumar o reforço constitucional da autonomia do Ministério Público, o essencial da parte não vinculada a imperativos constitucionais ir no sentido da redução dessa autonomia. Creio ter feito essa demonstração mas, ainda assim, acredito na boa fé das correspondentes propostas.
Com igual boa fé, espero de vós, Srs. Deputados da maioria, uma atitude não arrogante, não autoritária, não inflexível e não impositiva dos erros do vosso projecto de lei. Os que lá fora nos julgam exigem de todos nós, e não só de vós, um Estado de direito não amputado de nenhuma das suas garantias fundamentais.

Aplausos do PS, do PCP e do Deputado independente Luís Fazenda.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva, Narana Coissoró, Margarida Silva Pereira e Correia Afonso.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado, Sr. Deputado Almeida Santos, antes de colocar as questões que a sua intervenção suscita e, apesar de o meu colega de bancada e líder do grupo parlamentar ter já cumprimentado V. Ex.ª pela sua eleição para presidente do Partido Socialista, quero também, pela amizade e consideração que tenho por V. Ex.ª, felicitá-lo por isso.
Sr. Deputado Almeida Santos, estava à espera de vê-lo apresentar o projecto de lei do Partido Socialista e, pura e simplesmente, vi V. Ex." criticar, com preocupações obviamente construtivas, o projecto de lei do Partido Social Democrata. Receio que essa circunstância se possa dever, eventualmente, a uma não total identificação de V. Ex.ª com o projecto de lei do seu partido e, eventualmente, à circunstância de haver aí alguém que tenha levado debaixo do braço um diploma que não era rigorosamente o do Partido Socialista, mas V. Ex.ª, com a habilidade que lhe é conhecida, torneou a dificuldade, centrando a sua intervenção no projecto de lei do Partido Social-Democrata.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Quem terá sido?

O Orador: - No entanto, queria dizer-lhe que as preocupações do Partido Social-Democrata nesta matéria e a forma que utilizou na elaboração deste projecto de lei, articulada com o Ministro da Justiça e com o seu Ministério, são profundas preocupações de Estado que não se podem cingir a uma óptica corporativa ou mesmo sindical. Apesar de essa ser uma vertente que temos obviamente em consideração, preocupa-nos o cidadão e a justiça numa óptica global e, portanto, pretendemos que com este projecto de lei ou com aquilo que vier a ser aprovado, na sequência de nós próprios termos feito questão de inserir na Constituição a autonomia do Ministério Público, se encontrem as soluções que respondam à forma como o cidadão quer ver o Ministério Público exercer as suas funções, ou seja, como parte integrante do tribunal.
O Sr. Deputado levantou o problema da inconstitucionalidade da definição temporal, no nosso projecto de lei, em relação ao cargo do Sr. Procurador-Geral da República, mas lembro-lhe que V. Ex.ª subscreveu, como Ministro do Estado e conjuntamente com o Sr. Dr. Mário Soares, então Primeiro-Ministro, uma proposta de lei que definia exactamente, no seu artigo 105.º, a regra de que o

Página 1020

1020 I SÉRIE-NÚMERO 34

Procurador-Geral da República era nomeado e exonerado nos termos da Constituição - que eram exactamente os mesmos de agora - e que a sua nomeação era feita pelo prazo de cinco anos.
Ora, penso que V. Ex.ª, que é um jurista insígnio e um parlamentar ilustre, não tem, com certeza, uma óptica da Constituição quando está no Governo e outra quando está no Parlamento, nem tem uma óptica dos poderes do Sr. Presidente da República quando está no seu exercício o Sr. Dr. Mário Soares e outra quando é outra figura que exerce essa função. Assim, não percebo como é que se coloca esta questão em termos constitucionais.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É uma hipótese candidamente optimista!

O Orador: - Por outro lado, penso que a razão da delimitação temporal das funções do Procurador-Geral da República sai reforçada com a inserção da autonomia na revisão constitucional, porque, como V. Ex.ª expressou, a sua visão 6 a de que o Procurador tem uma situação precária, dado que a qualquer momento, por proposta do Governo, o Sr. Presidente da República pode exonerá-lo. Pergunto se esta situação, que corresponde à sua interpretação e penso mesmo que é a dominante, não é efectivamente atentatória da autonomia do Ministério Público, sendo o Procurador-Geral, como é, uma figura central da sua estrutura. Será que a função do Procurador-Geral da República na dependência constante do poder político, e é só uma dependência do poder político, não afecta efectivamente a sua autonomia e, pelo contrário, a estabilização temporal da sua função não a vai reforçar?
Registo com agrado que V. Ex.ª referiu não haver inconstitucionalidade, ao contrário da óptica que era veiculada na Vomissão por companheiros seus, na inserção de elementos designados pelo Ministro da Justiça no Conselho Superior do Ministério Público.
Neste âmbito, porque não podemos analisar todas estas questões numa leitura isolada deste ou daquele preceito constitucional, temos antes de proceder a uma leitura conjunta de todos eles, e porque decorre da Constituição a representação do Estado-Administração pelo Ministério Público, sendo uma das primeiras funções que ela lhe confere, pergunto: climinando-se, como se elimina, o poder de o Ministro da Justiça dar instruções genéricas ao Ministério Público, em homenagem ao reforço e ao reconhecimento da autonomia constitucional deste órgão, não será legítimo que haja efectivamente uma designação de membros por parte do Ministro da Justiça para integrar o Conselho Superior do Ministério Público? Isto porque há, obviamente, uma série de questões em que o' Ministério Público intervém, e que decorrem desta função constitucional expressa, que justificam plenamente a possibilidade de diálogo entre representantes do Ministro da Justiça no órgão próprio, que é o Conselho Superior do Ministério Público.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almeida Santos pretende responder já ou no fim?

O Sr. Almeida Santos (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Narana Coissoró.

- Tem a palavra o Sr. Deputado

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, há uma grande diferença entre-o que hoje sustenta e o que sustentou durante a revisão constitucional sobre esta mesma matéria.
V. Ex.ª foi de opinião, e tenho aqui os textos, de que era preciso a tal «mão tremente» para pôr a autonomia na Constituição. E a sua interpretação foi sempre,; durante todos os debates, a de que a autonomia que a Constituição ia consagrar no novo texto era a mesma que estava prevista na Lei n.º 47/86.
Durante muito tempo V. Ex.ª defendeu que a autonomia já fazia parte da expressão «estatuto», que vinha de 1982, e disse que sendo a autonomia parte do estatuto não era preciso dizer mais.. No entanto, a certa altura condescendeu em incluir no texto constitucional a palavra «autonomia», mas disse claramente que esta autonomia fazia parte da expressão «estatuto» que estava na Lei n.º 47/86.
Ora, vem a propósito referir que o conceito de autonomia que está consagrado na Constituição actual não aumenta nem diminui a autonomia que está na lei ordinária, de que V. Ex.ª é autor político. Ê, se assim é, temos de tirar todas as conclusões, e vamos tirá-las quando falarmos do Conselho, mas, antes disso, queria tratar rapidamente do problema da temporalidade do mandato do Procurador-Geral da República.
Naturalmente que o argumento do Sr. Procurador-Geral da República não me convence, apesar do imenso respeito que lenho por ele. Ele refere que o Procurador-Geral da República é, segundo a Constituição, nomeadamente no seu artigo 221.º, n.º 3, um magistrado e, sendo magistrado, aplica-se-lhe o estatuto de magistrado, só podendo ser demitido por processo disciplinar ou pedindo ele próprio a exoneração.
Contudo, tenho impressão de que não é assim, porque qualquer cidadão pode ser nomeado, por lei, Procurador-Geral da República. Antigamente, o estatuto judiciário referia-se a magistrados judiciais, altos magistrados do Ministério Público ou professores de Direito e hoje já não o refere, mas, pelas suas competências, será naturalmente um jurista. No entanto, qualquer jurista poderá ser nomeado Procurador-Geral da República e, como tal, custa muito a acreditar que pelo facto da nomeação ele se torne automaticamente magistrado e se lhe apliquem, para sempre, os privilégios da magistratura.
O que está na lei, e parece-me ser esta a interpretação correcta, é que enquanto um determinado sujeito exerce as funções de Procurador-Geral da República tem as prerrogativas da magistratura, mas, uma vez exonerado pelo Presidente da República, como V. Ex.ª diz, em qualquer momento, ele perderá a categoria de magistrado. Por isso mesmo, quando o Sr. Procurador-Geral da República nos veio dizer: «Não, porque a minha interpretação é esta: eu só posso ser demitido se eu próprio pedir a exoneração ou se fizer qualquer mal que ocasione uma infracção disciplinar e por esta via possa ser demitido. Eu vou pôr o meu lugar à disposição para não criar esse problema.» . Ora isto não pode ser assim. E se não pode ser assim, por que é que a Fixação do mandato é contrário à Constituição? A Constituição, ao dizer que ele é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo, indica apenas uma formalidade de nomeação, tal como em relação aos embaixadores e a muitas autoridades para as quais é preciso um decreto de nomeação. A Consumição não fala

Página 1021

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1021

do conteúdo deste mandato mas vem meramente dizer a forma da nomeação e da exoneração.
Quanto ao conteúdo substantivo, ele em nada fica ferido se se lhe fixar um tempo, seja 5, 6 ou 10 anos. E em política, tratando-se de uma magistratura que releva da politicidade - V. Ex.ª chamou-lhe até um magistrado político -, não faria sentido que esta magistratura política não tivesse estabilidade, isto é, estivesse sob a espada de Dâmocles do Presidente da República, que poderia sempre combinar com o Sr. Primeiro-Ministro e demiti-lo em qualquer altura.
Ora isto não pode acontecer numa democracia, isto é, os lugares das magistraturas políticas têm de ter uma garantia prévia de estabilidade e, em segundo lugar, esta garantia de estabilidade tem de ser de tal modo que a legitimidade seja reforçada de tempos a tempos. Não se pode de forma nenhuma esperar que um titular de um cargo se mantenha eternamente sem que a sua legitimidade seja periodicamente refrescada. A legitimidade do Governo é refrescada, a legitimidade do Presidente da República é refrescada, a legitimidade dos presidentes de câmaras é refrescada e não se compreenderia que houvesse um magistrado político sem haver o refrescamento de legitimidade.
Em terceiro lugar, não parece certo que, perante a opinião pública, perante o Estado, perante a Constituição, haja um órgão que, uma vez nomeado, nunca mais pode sair ou que pode sair todos os dias. Essa situação não faria sentido.
No entanto, o que me parece e ao meu partido? Há, primeiro, o problema da ética política. Este Procurador-Geral da República foi nomeado num determinado quadro político. E este deve ser entendido, no acto da sua nomeação, como um contrato tripartido entre o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Presidente da República e o próprio, que aceitou ser Procurador-Geral da República. Não pode uma lei ordinária posterior modificar-lhe o quadro em que ele aceitou ser Procurador-Geral da República e daí o seu empenho em pedir a exoneração. E pede-a porque lhe estão a modificar, através de lei ordinária, o quadro em que ele foi nomeado, o que não deve fazer-se porque é contrário às regras do jogo democrático.
Portanto, só pode haver duas maneiras de resolver a situação: esperar pela revisão constitucional, e, como V. Ex.ª disse e bem, aí resolvia-se esse problema, ou, então, esperar que um destes dois pilares caia. Isto é, quando o Sr. Presidente da República terminar o seu mandato seria altura propícia para fazermos uma lei ordinária, porque o pacto que havia entre o Presidente da República, o Primeiro-Ministro e este Procurador-Geral da República estaria alterado, pelo que seria a altura propícia para revermos a lei ordinária, se entretanto não chegasse a revisão constitucional. Até lá mantínhamos este Procurador-Geral e assim se honrava o compromisso assumido.
Quanto ao Conselho Superior do Ministério Público, tenho um argumento que me parece decisivo. Quando esse Conselho foi constitucionalizado, o legislador constitucional linha diante dos seus olhos a Lei n.º 47/86, que admitia os três representantes do Ministro da Justiça. Ora, depois de ter debaixo dos olhos esses três representantes do Ministro da Justiça, se a lei constitucional não falou neles propositadamente é porque retirou esta possibilidade ao Ministro da Justiça. Isto é, a coisa mais normal seria: o que está aqui vamos salvar e vamos acrescentar mais alguma coisa. Mas, se se tira da lei que tem à freme e se se mete aí a outra composição, que é a representação da Assembleia da República, ó sinal absolutamente seguro de que o legislador constitucional quis tirar ao Ministro da Justiça os lugares que estavam dentro do conceito de autonomia e, por isso mesmo, não posso receber como bom o seu argumento de que é contrário à autonomia a presença, no Conselho Superior do Ministério Público, de representantes do Ministro da Justiça. Aliás, V. Ex.ª fez a Lei n.º 47/86, em que define que o Ministério Público tem autonomia e colocou os representantes do Ministro da Justiça nesse Conselho Superior.
Portanto, para si, pelo menos como autor desta lei, o facto de o Ministro da Justiça ter representantes no Conselho Superior não era contrário à autonomia, porque V. Ex.ª definiu a autonomia na Lei n.º 47/86 e não lhe repugnou pôr lá os representantes do Executivo. Isto não tem nada que ver com autonomia, isto tem que ver com uma opção política tomada pelo legislador constitucional de retirar aquilo que estava na Lei n.º 47/86. E isto basta-me para não falar mais nos representantes do Ministro da Justiça no Conselho Superior. Aliás, o próprio Ministro da Justiça tem lá lugar e não precisa de ler lá «olheiros», porque ele próprio tem olhos para ver e naturalmente pode exercer essa função de estar presente. Finalmente, quanto as auditorias, eu não vejo que, pelo facto de as extinguirem, seja inconstitucional ou que daí possa vir muito mal ao mundo. Porque, ao contrário do que V. Ex.ª disse, o Conselho Consultivo não é extinto, o projecto da maioria mantém o Conselho Consultivo e este servirá para a consulta jurídica dos ministérios. No entanto, o que é preocupante é que o partido maioritário não diga como é que vai suprir a consulta jurídica dos ministérios. Não há dúvida de que vai para o mercado, vai recrutar advogados, vai recrutar consultores jurídicos privados, o que é uma maneira de arranjar clientela para os ministérios de forma a recrutar, dentro do partido, os jovens advogados ou dar emprego a milhares de pessoas.
Ora bem, é isso que está em causa e, por isso mesmo, a auditoria garante a impessoalidade, a isenção, a independência. Não faz mal a ninguém e os pareceres são realmente exemplares, mas o Ministro da Justiça não tem a obrigação de os homologar. No entanto, há uma coisa de que V. Ex.ª falou, isto é, no contencioso para o Supremo Tribunal. Naturalmente que o Supremo quer saber o que o auditor jurídico disse e isto dói porque o Sr. Ministro, qualquer que ele seja, tem de justificar por que razão não seguiu o parecer.
É por isto que as razoes de V. Ex.ª não são tão claras como poderiam ser.

(O orador reviu)

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, houve vários protestos em relação à duração do seu pedido de esclarecimento. Li o artigo 150.º, n.º 6, do Regimento e pareceu-me que dele resulta, quando há tempo global fixado, que não se aplica o artigo 98.º e que o tempo utilizado é deduzido no tempo global. Em lodo o caso, sou informado de que não tem sido esta a prática seguida, pelo que, daqui em diante, seremos mais estritos e aplicar a regra do n.º 3 do artigo 90.º

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado para dar um esclarecimento.

Página 1022

1022 I SÉRIE-NÚMERO 34

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, não é só ir contra a praxe mas contra a própria lógica, pois que assim os Srs. Deputados que tem intervenção marcada ficariam prejudicados em relação a um Deputado que, assim, transformaria o seu pedido de esclarecimento em intervenção.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a partir deste momento, a Mesa será estrita nesses casos, pelo que não se estabeleceu qualquer precedente mas tratou-se apenas de uma distracção da parte da Mesa.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, que dispõe, no máximo, de três minutos.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Deputado Almeida Santos, ouvi com muita atenção, como me competia, a sua exposição e a questão que lhe coloco releva da dificuldade que tenho em encontrar um fio de coerência entre aquilo que V. Ex.ª acabou de dizer a esta Câmara e algumas declarações exaradas em acta e que também foram produzidas por V. Ex.ª nos trabalhos da revisão constitucional.
Peço vénia à Câmara para citar as declarações a que me refiro e que são as seguintes: «Alguma diferenciação tem de haver entre os magistrados judiciais e os do Ministério Público. É essa uma das razões por que as magistraturas são separadas. Enquanto os juízes dos tribunais judiciais são irresponsáveis e não subordinados hierarquicamente, os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados.» E continuava: «Não pode deixar de ser assim, sob pena de criarmos mais problemas do que os que resolvemos. O Ministério Público deve ter um grau de autonomia compatível com o exercício que faz das suas funções, mas não nos esqueçamos de que ele representa o Estado nos tribunais e portanto é justo que algum cordão umbilical, por mais ténue, fique a ligar o representante e o representado.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos, tenho alguma dificuldade, repito, em encontrar coerência entre este cordão umbilical de que V. Ex.ª falava aqui...

O Sr. Silva Marques (PSD): - O cordão está cortado!

A Oradora: - ... e a intervenção que acaba de fazer. No entanto, devo acrescentar que, infelizmente, encontro, isso sim, algum cordão umbilical entre este texto e aquele que nos aparece a seguir, qual seja a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães - suponho que proveniente de uma outra bancada!... - nos mesmos trabalhos.

Risos do PSD.

Termino a minha intervenção, perguntando-lhe o seguinte: não será que o Sr. Deputado encontra possibilidade de recuperar o tão desejado - e penso que justamente desejado! - cordão umbilical numa outra sede, qual seja na composição do Conselho Superior do Ministério Público? Ou seja, por que razão, imperceptível para mim, não encontrará V. Ex.ª uma forma expedita e constitucionalmente permitida, que pode ser alvo de um debate profundo sobre esta matéria, de resolver a questão colocando representantes do Governo nesse Conselho Superior, representantes esses que o projecto de lei subscrito pelo meu partido integra agora com muito mais parcimónia do que na lei actualmente em vigor?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, eu ouvi a sua intervenção com o cuidado que V. Ex.ª me merece, mas confesso que não reconheci nela aquele grande parlamentar que tem sido sempre o meu velho amigo Almeida Santos. Digo isto porque numa intervenção podemos e temos o direito de dizer de aquilo que gostamos e de que não gostamos, aquilo com que concordamos e aquilo com que não concordamos, a forma como discorremos ou não discorremos, mas o que temos de descobrir é o que está por detrás dos silêncios, e das contradições. E esses não são explicados da Tribuna.
Primeiro silêncio: o Sr. Deputado faz a apresentação do projecto de lei do Partido Socialista e só falou do projecto de lei do PSD. Este é um silêncio que temos de compreender! Por que será? Será que é porque o projecto de lei do Partido Socialista faz parte do enxoval do Sr. Deputado José Magalhães?

Risos do PSD.

Nas contradições, eu iria apenas olhar para o seu argumento de ordem constitucional: o que é autonomia?
Julgo que o grande tema, o núcleo essencial deste debate, se cifra em duas perguntas: o que é o Ministério Público e o que é a autonomia?
Vamos deixar para daqui a pouco descobrir, começar a desvendar, o que é o Ministério Público. Para já, o que é a autonomia? A autonomia não é mais, e já é muito, do que a garantia dada ao Ministério Público para praticar actos próprios da sua competência com isenção e imparcialidade. Isto é que é a autonomia!
Como o Ministério Público é uma estrutura hierarquizada, com uma subordinação hierárquica, é evidente que a maior força dessa autonomia, dessa garantia, tem de estar na sua cúpula, no superior hierárquico, porque se assim não for fica em crise toda a estrutura que dele depende.
Estamos a falar, Sr. Deputado Almeida Santos, como é evidente, do Sr. Procurador-Geral da República. Ora, uma das formas que o projecto de lei do PSD encontrou para reforçar a tal garantia de, com isenção e imparcialidade, o Ministério Público praticar actos próprios, da sua competência, foi precisamente a do reforço da autonomia, começando pelo Sr. Procurador-Geral da República.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que tenha atenção ao tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, o tempo de que dispomos devia ser diferente, conforme falamos mais devagar ou mais depressa. Posso gerir o tempo, mas tenho dificuldade de gerir os meus próprios silêncios para pensar. De qualquer modo, muito obrigado pela sua condescendência, Sr. Presidente.

Risos do PSD e do PS.

Estava a dizer que essa garantia é concentrada principalmente, e não apenas, no Procurador-Geral da Repú-

Página 1023

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1023

blica e a forma que se encontrou para a reforçar foi estabelecer um limite temporal ao mandato, porque, assim, esse mandato decorrerá sem problemas nem questões e só será usado o poder do Sr. Presidente da República se alguma anomalia muito forte suceder, o que não acontece no regime actual, que será a forma anormal de destituir o Procurador-Geral da República.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a minha condescendência vai só até aos cinco minutos. Queira concluir, por favor.

O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos diz que há aqui uma lacuna, porque se viola ou reduzem-se os poderes do Presidente da República, mas esquece-se que o seu raciocínio está atrasado no tempo, porque, entretanto, introduziu-se na Constituição a ideia de autonomia e quando existem direitos, poderes ou conceitos que se opõem temos de os compatibilizar.
Portanto, Sr. Deputado Almeida Santos, há que completar o seu raciocínio com a compatibilização dos poderes do Sr. Presidente da República e com a autonomia introduzida na segunda revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sempre um privilégio ser questionado por muitos de vós. Tenho sempre a impressão de que pelos melhores, não sei se é verdade, mas, de qualquer modo, lisonjeia-me que pareça assim.
Queria também agradecer as palavras de felicitação que alguns de vós me dirigiram e dizer-vos algumas coisas.
O Sr. Deputado Guilherme Silva começou por referir que eu não apresentei o projecto de lei do meu partido. Estava distraído, com certeza! Isto porque, acontecendo que o projecto de lei do meu partido tem apenas duas medidas de fundo e que as restantes são medidas de forma eleitorais, eu, ovacionando uma das medidas de fundo que coincide com as nossas e contrariando a medida que se opõe às nossas, obviamente defendi o nosso projecto de lei.
Desculpe, mas não era preciso dizer: «A nossa solução é a contrária desta. Se esta não presta, a nossa é que é boa!» Eu disse isso. Fiz essa demonstração...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, mas no seu tempo, não no meu.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, a minha referência à superabilidade de V. Ex.ª confirma-se!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Não me identifico com o meu projecto de lei? Sr. Deputado, há uma coisa que quero dizer, e respondo também a outro colega seu que me veio com essa insinuação: é que não assino de cruz projectos em que não tenha intervindo.

Aplausos do PS.

Por outro lado, caracterizei claramente aquilo que me parece ser a inconstitucionalidade: a fixação de um limite temporal de um mandato do Procurador-Geral da República.
Gostava, uma vez mais, que os Srs. Deputados, quando não concordam comigo, dissessem porquê. Agora, dizerem que eu não disse nada, que não fiz o discurso da minha vida, que, normalmente, os meus discursos são todos bons, menos o último...

Risos do PS.

Resposta ao meu amigo Fernando Correia Afonso: já sei, os meus discursos são todos excelentes, menos o último. O último é que não presta! De maneira que, da próxima vez, este ficará entre os bons e não se fala mais nisso!...

Risos do PS.

Depois, disse-me que subscrevi o artigo 105.9 de uma proposta de lei do Governo do bloco central. O Ministro da Justiça era o Dr. Rui Macheie, Sr. Deputado! Limitei-me a assinar uma proposta de lei que não podia vir para o Parlamento sem a minha assinatura!...

Risos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Que inocência!...

O Orador: - Srs. Deputados, não se riam daquilo que é uma evidência. Oiçam o que vos digo e acreditem na seriedade dos outros.
Nem sempre concordei com todos os artigos de todos os diplomas que subscrevi e que foram enviados ao Parlamento. Ou os senhores admitem que não é assim? Claro que é assim!
Agora, vou dizer-vos uma coisa: estive entre os que discordaram da fixação desse mandato. O Sr. Deputado Rui Macheie, que há dias deu uma entrevista a um jornal, disse que há várias correntes. E eu estava na outra!

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Peco-lhe desculpa, mas não vou deixá-lo interromper-me apenas porque não disponho de tempo. É apenas por esse motivo, porque, se assim não fosse, teria muito gosto.
O que lhe digo é o seguinte: esse diploma veio para aqui e por alguma razão o artigo 105.º não foi aprovado. Se a solução era tão boa, por que é que os senhores não a aprovaram?

Vozes do PS: - Exacto!

O Orador: - Parece que não estavam de acordo com ela!
Portanto, não me venham com argumentos do que eu disse em «mil novecentos e não sei quanto», porque também são peritos nisso!...
É claro que não estiveram tantas vezes no Governo como eu, não intervieram em tantas revisões constitucionais como eu, não fizeram tantas leis como eu. Eu lenho um handicap brutal em relação aos senhores, porque há sempre um diabo de uma frase que não está inteiramente de acordo com aquilo que eu digo hoje!

Risos do PSD.

Página 1024

1024 I SÉRIE - NÚMERO 34

Bom, não aceito esse handicap!
Narana Coissoró, mais uma vez lá veio o meu amigo com a diferença entre o que sustento hoje e o que sustentei. Deve estar lembrado - o senhor estava lá e tem de lembrar-se - que, quando tomei atitudes de alguma moderação, repito, de alguma moderação, em relação ao nível de autonomia do Ministério Público que devia ser consagrada - porque há, de facto, uma diferença entre o Ministério Público e a magistratura judicial, e nem sequer me preocupo em demonstrá-lo nos mesmíssimos termos em que a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira me citou, porque quase me apeteceu bater palmas à minha própria intervenção -, estava a contra-argumentar aquilo que, na altura, com razão ou sem ela, parece-me que com razão, considerei os excessos da proposta do PCP em termos de avanço da autonomia, brilhantemente defendida pelo Deputado José Magalhães. Aliás, todos sabemos a capacidade que ele tinha e tem para defender não direi o maior disparate, que não era o caso, mas os excessos que, nessa altura, a proposta continha. Ora, a minha afirmação, da qual não retiro uma palavra, vem exactamente dessa atitude de espírito.
Agora, quando digo que o facto de o Ministério Público gozar de um estatuto próprio já implica um grau de autonomia, isso é verdade! Mas tenha paciência, Sr. Deputado, porque, quando se coloca, na Constituição, uma referência expressa à autonomia e a representantes no Conselho Superior do Ministério Público da Assembleia da República, a autonomia, com certeza, que aumenta, sobretudo se é correcta a minha interpretação de que é contra essa autonomia, contra o espírito da Constituição, a presença de dois elementos representativos do Sr. Ministro da Justiça.
«Não pode, em democracia, haver cargos sem duração mínima!» Pode! Então e o caso do Governador de Macau? Se o Sr. Presidente da República acordar maldisposto e disser: «Nomeei ontem o Governador de Macau, mas já não é aquele que eu queria. Venha outro!», o que é que isto tem de inconstitucional? Pode ser um erro político e ele ser sancionado por isso!
O próprio Primeiro-Ministro foi, durante muito tempo entre nós, livremente demissível. Agora, é preciso que esteja em causa o regular funcionamento das instituições, mas é uma expressão tão vaga que o Presidente da República pode retirar esse «irregular funcionamento» do facto de as pessoas andarem a assobiar na rua!... Ele tem a sanção política, como é óbvio, mas pode fundamentá-la também num erro. Não me venham dizer que isso constitui um grande obstáculo!...
O Ministro para as Regiões Autónomas e o Presidente do Tribunal de Contas são, efectivamente, cargos baseados na confiança, sem mandato. Só que é evidente que o Presidente da República não é um tolinho e não vai demitir um alto funcionário que ele próprio nomeou sem haver uma razão fundamental! Se o fizer, está louco, e, então, temos que o mandar internar!...
Portanto, não julgue que as instituições funcionam assim tão cegamente como isso, porque o Sr. Deputado sabe que não!
«Não podemos alterar o quadro em que o actual Procurador-Geral foi designado.» Bem, infelizmente para todos nós, esse quadro foi alterado depois da morte do Prof. Mota Pinto. Acho que não é o quadro, porque, embora os governos tenham outra composição, são sempre o Governo do País, com a legitimidade que lhe dá o facto de terem sido legitimados pela designação do Presidente da República e pela aprovação da Assembleia.
Disse que não concordo muito com o argumento do silêncio. O Sr. Deputado é que invocou o mérito. Eu não jogo muito nesse argumento! De duas, uma: ou a composição que vem proposta é contra a autonomia do Ministério Público ou não é. Se não é, em meu entender, não é inconstitucional. Não é o silêncio que conduz à inconstitucionalidade!
Podemos tirar um argumento e dizer: «Então, eles sabiam que, na altura, faziam pane três elementos, referiram 'membros eleitos pela Assembleia* e não referiram do Governo?» Pode ajudar, mas não é isso que veicula uma inconstitucionalidade.
A Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira fala, outra vez, no fio de coerência das minhas declarações. Sabe uma coisa engraçada? O seu partido, na altura, quando acabei de falar, disse que dava por suas as minhas palavras! Disse que dava por suas as minhas palavras! Nem sequer fez o menor esforço de dizer que eu tinha dito um disparate. Tenha paciência, mas agora não o diga!

Risos do PSD e do PS.

Gostaria de dizer o seguinte: julguei que a Sr.ª Deputada - e peço ao Sr. Ministro da Justiça que não me leve a mal uma pequena picardia que aqui vou fazer-lhe, pois sou muito seu amigo e estimo-o muito - iria lembrar que o Sr. Ministro, há dois anos, defendeu uma opinião contrária a uma das soluções que aparece no vosso projecto de lei e que agora mudou de opinião. Está no seu direito! Não sou eu quem lhe rouba o direito de mudar de opinião! No entanto, eu não mudei. Algumas vezes, tenho mudado, mas, nesse caso, não mudei. Também só os burros é que não mudam, a verdade é essa!

Risos do PS.

Nessa altura, o Sr. Ministro da Justiça dizia: «Será aquele [e referia-se ao terceiro campo] o campo em que se exerce a acção fiscalizadora sobre a Polícia Judiciária, em que o sistema, em nome do princípio da sua própria transparência [repito, transparência!...] e por isso, numa outra vertente, da afirmação do Estado de direito [repito, afirmação do Estado de direito!... ], comete ao Ministério Público de novo, e agora mais do que nunca, tendo em conta a sua autonomia [repito, tendo em conta a sua autonomia!...], neste quadro se inscrevendo, a título de exemplo, as inspecções aos serviços da Polícia Judiciária, tão naturais aqui como o são as dezenas de inspecções anuais aos serviços do próprio Ministério Público...»
O Sr. Ministro da Justiça, agora, vem dizer: «Não, não! Dêem-me essa competência a mim, que eu delego.» Mas é evidente que a nós não nos satisfaz a equiparação entre uma delegação e uma competência própria, como calcula.
Mas eu dou ao Sr. Ministro da Justiça o direito de mudar de opinião. Nós mudamos!... Às vezes, enganamo-nos!... A evolução das coisas convence-nos de que é melhor mudar do que ficarmos agarrados a um disparate! E não é o caso das minhas declarações naquela altura.
E digo-lhe mais, Sr.ª Deputada: a primeira lei orgânica de que fui responsável, e só fui responsável por essa, trazia já uma marca e uma dimensão de autonomia para o Ministério Público que, na altura, devo dizer-lhe, era superior à que agora é consagrada na Constituição e na próxima lei, porque, na altura, era o primeiro salto a caminho da autonomia.

Página 1025

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1025

A autonomia fez o seu caminho e esse primeiro salto foi o maior de sempre. Nunca mais a autonomia do Ministério Público poderá dar um salto maior do que deu nesse decreto. E creia que também havia opiniões contrárias, que foi preciso vencer!
Correia Afonso, já se viu que, hoje, não estou nos meus dias. Paciência!... Será no próximo que terei sido brilhante neste outrora, agora, quando falarmos nisso, como diria o Fernando Pessoa.
Quanto ao silêncio sobre o meu projecto de lei, já expliquei porquê.
Sobre o que é a autonomia, podemos defini-la pela positiva ou pela negativa. Eu disse o que não é. Disse que não é autonomia haver dois representantes do Ministro da Justiça no Conselho Superior do Ministério Público; que não é autonomia o Ministro da Justiça dar directivas directas; que é autonomia fiscalizar as polícias criminais e que não é autonomia retirar-lhas; que é autonomia exercer a legalidade democrática através dos auditores junto dos ministérios. Aqui tem, meu caro amigo, um esboço prático e pragmático, por casos, embora casuísta, do que é a autonomia do Ministério Público: é não ter de pedir ordem ao Sr. Ministro da Justiça, nem a nenhum orgão de tutela, para exercer a sua fiscalização e a sua função de defender a legalidade democrática. Em meu entender, é isso que é autonomia.

Aplausos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PS): - Para exercer o direito de defesa da honra, em primeiro lugar, em relação ao Sr. Deputado Correia Afonso, e, em segundo lugar, em relação à Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, fá-lo-ia separadamente, porque gostaria de distinguir os dois casos.
Sr. Deputado Correia Afonso, devo dizer-lhe que fiquei verdadeiramente deliciado com o facto de V. Ex.ª ter tido a memória rigorosa e histórica e, simultaneamente, a capacidade metafórica de me assinalar como me tendo bati do pela autonomia do Ministério Público. É verdade! Bati--me, e tenho imenso orgulho nisso, devo dizê-lo. E, se isso constitui um «enxoval» meu, que excelente enxoval, que excelentes lençóis de linho constitucionais, que bela coisa!... Mas gostava que V. Ex.ª não se deitasse em cima dessa coisa para a estragar! É isso que está a preocupar-me, agora! Não vou fazer tiradas poéticas do género «não poluas os meus lençóis de linho...». O Sr. Ministro da Justiça é que adora...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, peco-lhe que se cinja ao exercício do direito de defesa da honra e que não faça uma intervenção complementar.

O Orador: - Sr. Presidente, não conheço um livro de estilo para a defesa da honra - cada qual imagina-a como a tem. É evidente que, neste caso, vou ater-me à referência que faz, Sr. Presidente.
Quero unicamente sublinhar, Sr. Deputado Correia Afonso, que considero que a caminhada realizada foi importante e que a revisão constitucional de 1989 foi um momento extremamente positivo na consolidação da autonomia do Ministério Público. Nós tínhamos conseguido, ao longo do tempo, desde a Constituinte, em que a matéria foi polémica, até 1986, em que certas prerrogativas do Ministério da Justiça foram suprimidas na lei - aliás, por consenso, sublinho! -, na sequência de uma proposta apresentada e defendida pelo Sr. Ministro Mário Raposo, suprimir essas excrescências, mas faltava consagrar a autonomia em toda a sua dimensão e daí tirar corolários. Foi um debate difícil, esse, em que as posições iniciais passaram por ajustamentos, como bem lembrou o Sr. Deputado Almeida Santos, e foi um ajustamento positivo que culminou - o que, infelizmente, não aconteceu noutros casos-, neste caso, muito positivamente, numa norma aprovada por consenso. É esse o meu enxoval, Sr. Deputado! Deitemo-nos nele, mas não estraguemos a lei nem a Constituição!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Hoje, estou no dia das desilusões, porque nunca esperei que o Sr. Deputado não tivesse o sentido de humor suficiente e pedisse a palavra para defender a honra por eu ter falado no seu enxoval. Mas não foi só o sentido de humor que perdeu, foi também a memória! É que se há alguém que tem defendido a autonomia do Ministério Público é o PSD. E posso documentar esta afirmação: a primeira lei que consagra, preto no branco, tal autonomia é a Lei n.º 47/86, aqui aprovada com a maioria do PSD - este é o primeiro documento...

O Sr. José Magalhães (PS): - Maioria? Em 1986?!

O Orador: - Sim. Com maioria, em 1986 ....

Protestos do PS.

Se me deixarem continuar... O segundo documento importante em que aparece consagrada a autonomia é o texto da Constituição, após a revisão de 1989, e foi o PSD que a levou aí com as grandes reservas do PS pela voz do Sr. Deputado Almeida Santos. Este é o segundo documento escrito em que o PSD defende a autonomia.
Mas não defendemos só esta autonomia. Somos campeões das autonomias, nomeadamente, as regionais, que também fomos nós que defendemos, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães também pediu a palavra para a defesa da honra, relativamente a uma expressão ofensiva - é assim que se lhe refere o Regimento -, usada pela Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira. Solicito aos Srs. Deputados que, quando pedirem a palavra para exercer o direito de defesa da honra, indiquem qual é a causa dessa ofensa, para podermos cumprir o que consta do Regimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Presidente provavelmente dirá que tenho excessiva sensibilidade mas, se me permite, quero abordar a questão do «cordão umbilical». É que esta questão «enrolou» de tal forma o racio-

Página 1026

1026 I SÉRIE - NÚMERO 34

cínio de alguns Srs. Deputados do PSD que até lhes turvou a memória. Por exemplo, o Sr. Deputado Correia Afonso, que tem uma excelente memória, esqueceu-se...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que se circunscreva à autora das palavras.

O Orador: - Estou apenas a ganhar balanço para a autora - Honni soit qui mal y pensei
Como dizia, o Sr. Deputado Correia Afonso esqueceu-se de que a Lei n.º 39/78 já consagrava expressis verbis que «o Ministério Público goza de autonomia em relação aos demais órgãos». É uma questão de memória mas, se quiser, tenho aqui os documentos que o comprovam.
O que gostava de sublinhar, Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, em atenção às suas palavras e à sua preocupação com o justo «cordão umbilical» que supostamente, e deveras, me liga à autonomia, é que quem tem um problema de «cordão umbilical» são VV. Ex.ªs.
Repare: estão sem «cordão umbilical» em relação à vossa posição originária, aquela que foi defendida na Constituinte, em nome do PSD, por alguém que se centra no alto desta tribuna, neste momento, e em relação às posições do PSD sobre o mandato. VV. Ex.ªs eram contra a fixação de um mandato, por ser inconstitucional. «Devolvendo-lhe a dose», passo a citar a declaração de voto do PSD, inserta no Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 75: «O PSD é contra o não estabelecimento de um prazo certo por se entender que com tal fixação em nada lucraria o prestígio e a independência do titular do cargo, cujo preenchimento advém de nomeação e não de eleição, bem como poderia pelo menos virtualmente coarctar a disponibilidade de actuação do Governo e do Presidente da República nos termos da Constituição.»
Esta é a declaração de voto final do PSD, Srs. Deputados! Estão a brincar connosco?!
Portanto, em matéria de «cordões umbilicais», Srs. Deputados, estamos conversados. E ainda não entrámos nos «cordões umbilicais» do Sr. Ministro da Justiça... O Sr. Ministro da Justiça, Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, desgraçadamente - e espero que V. Ex.ª tenha isto em consideração -, foi contra a manutenção de «olheiros» do Governo no Conselho Superior do Ministério Público, embora depois tenha retractado a sua posição, e contra várias outras coisas. Portanto, quanto a «cordões umbilicais», estamos conversados, Sr.ª Deputada. Quem não os tem são VV. Ex.ªs!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, apenas em sede de refrescamento da memória, quero chamar aqui à colação a extraordinária luta ideológica, jurídica e política conduzida pelo meu partido e pelos seus principais mentores, ao longo dos tempos - designadamente desde 1972, e então encabeçada pelo Dr. Sá Carneiro, passando pelos trabalhos da Assembleia Constituinte, pela voz do então Deputado Barbosa de Melo, e ao longo de todos estes trabalhos -, pela autonomia do Ministério Público, que o projecto hoje a ser aqui apresentado pelo meu partido sedimenta na ordem jurídica portuguesa, como, aliás, será demonstrado, dentro de momentos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero saudar, em nome da minha bancada, os magistrados do Ministério Público, através daqueles que estão aqui presentes.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Têm travado uma luta digna e têm tido uma intervenção cívica exemplar, que honra a democracia portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Ministério Público é, numa concepção autoritária, o representante do Governo e não o representante do Estado; o perseguido dos cidadãos e não o protector das liberdades e zelador da legalidade, dos interesses colectivos ou com dificuldades de protecção; o meio de ingerência do Governo nos tribunais e não uma das suas partes integrantes, com plenas garantias de autonomia, isenção e dignidade.
O que está hoje em causa é saber se vamos caminhar no primeiro ou no segundo sentido.
A nossa resposta é clara. No primeiro sentido, vai o projecto de lei do PSD, exactamente ao arrepio do que acaba de ser referido pela Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, ao arrepio do projecto de lei de revisão constitucional de 1972, de Sá Carneiro, ao arrepio da intervenção na Constituinte do Sr. Deputado Barbosa de Melo, hoje nosso Presidente, e ao arrepio também de intervenções de alguns Ministros da Justiça do PSD, ao longo do tempo.
No segundo sentido, pelo contrário, vai o projecto de lei do PCP e de outros partidos da oposição. Se fossem só estes que estivessem em causa, estaríamos a viver um dia importante para a justiça e para a democracia portuguesa: o dia da concretização, na lei, da autonomia do Ministério Público, que foi consagrada na última revisão constitucional, abrindo caminho à redefinição da composição do Conselho Superior do Ministério Público, das relações entre esta magistratura e o Governo e delimitando os poderes do Ministro da Justiça, em relação ao Ministério Público.
Em vez disso, estamos a viver um dia, que pode ser negro, de ameaças para essa autonomia. Onde a revisão constitucional quis ampliar o campo e os meios de actuação do Ministério Público, corremos o risco de ver escandalosamente eliminado o poder de fiscalização das polícias criminais e mantida a participação dos representantes do Governo no Conselho Superior do Ministério Público. Isto é, o PSD e o Governo aproveitaram a tentativa de partidos da oposição de dar, finalmente, neste campo, cumprimento à lei fundamental para apresentar um projecto que contém uma das maiores concentrações de inconstitucionalidades por metro quadrado de que há memória em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Assim, quarenta e oito horas após ter tomado o acesso ao direito e à justiça mais difícil, através da duplicação da taxa do IVA sobre os serviços prestados pelos advogados, o PSD prepara-se para desferir novos golpes sobre os direitos cios cidadãos, ao atingir aspectos do Estatuto do Ministério Público. Não se pode represen-

Página 1027

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1027

tar eficazmente o Estado, exercer a acção penal e defender um amplo leque de interesses, que vão do ambiente e do património aos direitos dos consumidores e dos mais fracos, sem autonomia face ao Governo e às entidades públicas, sem dirigir a investigação criminal e fiscalizar a Polícia Judiciária e outras polícias criminais.
Assim o compreendeu a Constituição. E se não foi mais longe, designadamente em maioria de direcção da investigação e Fiscalização da polícia criminal, é, como resulta dos trabalhos preparatórios da revisão constítucional, porque entendeu não ser obrigatório dizer o que parecia evidente, não tendo nunca sido contestado, o que foi várias vezes proclamado por Ministros da Justiça do PSD, incluindo o actual. Parecia evidente, mas afinal não é.
Comecemos pela composição do Conselho Superior do Ministério Público. Foi inequívoco, durante muito tempo, o entendimento de que o que estava estabelecido na Constituição implicava a não participação de representantes do Governo.
É certo que a Constituição não definiu o número, mas definiu quem designava os seus membros: a Assembleia da República e os magistrados do Ministério Público. Isto resulta, com clareza, dos trabalhos preparatórios da revisão constitucional. O PSD vem agora defender que «inclui», quer dizer «não exclui» e que, portanto, o Governo também pode nomear membros para este Conselho. A tese, a nosso ver, não tem cabimento do ponto de vista jurídico-constitucional.
O problema não é resolúvel provavelmente face ao argumento meramente literal; o que nos leva a considerar que a Constituição pretendeu excluir representantes do Governo do Conselho Superior do Ministério Público não é tanto o facto de eles não serem referidos na Constituição como essa exclusão ser uma consequência lógica da consagração constitucional da autonomia do Ministério Público, que é, antes de mais, uma autonomia face ao Governo e à Administração.
Mas a participação de membros indicados pelo Governo é descabida também do ponto de vista democrático.
Enquanto os partidos da oposição propõem sete membros designados pela Assembleia da República, o Governo propõe cinco membros designados pelo Parlamento e dois pelo Governo, o que, com certeza, leva a distorcer a representatividade do Conselho e leva a uma sobre-representação do partido do Governo. Isto é: a tomar mais maioria quem é maioria e menos minoria quem o é, ao contrário do que resulta do voto popular.
Sobre a fiscalização dos órgãos de polícia criminal pelo Procurador-Geral da República, apenas direi que, a nosso ver, é uma aberração a proposta da sua eliminação e que pode pôr em causa liberdades e direitos individuais. A investigação criminal e o combate à corrupção podem passar a pautar-se por critérios meramente políticos e partidários. A polícia criminal depende, e não pode deixar de depender, do Ministério Público. E essa dependência decorre da Constituição e das funções que confere ao Ministério Público. Estas não podem deixar de envolver a direcção da investigação criminal e o poder de fiscalização está associado à direcção da investigação criminal.
De resto, e já que falámos aqui em citações de intervenções passadas, creio que vale a pena, também pela minha parte, fazer uma citação do Sr. Ministro da Justiça, concretamente de um discurso feito na Polícia Judiciária, em 6 de Abril de 1990. Aí se disse que a Polícia Judiciária, pela sua natureza, deve definir-se como um orgão de polícia criminal, auxiliar da administração da justiça, organizada hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizada pelo Ministério Público. Creio que é importante o facto de ter sido incluída nesta definição da Polícia Judiciária, ligando-a à respectiva natureza, a ideia de que a fiscalização compete ao Ministério Público.
Estamos, no entanto, num período de evoluções e aquilo que posso temer é que o Governo e o PSD evoluam do momento de eliminar a fiscalização da Polícia Judiciária para eliminar uma outra questão, que também nesta definição era de natureza e pode deixar de ser, que é a dependência da Polícia Judiciária do Ministério da Justiça, e passar, como os jornais dizem, para o Ministério da Administração Interna.
De resto, o Sr. Ministro da Justiça nega, ainda hoje, em declarações ao Diário de Noticias, qualquer intenção de separar a investigação criminal da dependência do Ministério Público. Mas o preâmbulo do projecto de lei do PSD afirma expressamente: «exclui-se do âmbito de competência própria do Ministério Público a fiscalização dos órgãos de polícia criminal, por se tratar de competência que, originariamente, deve caber ao Governo»; e as novas redacções que o PSD propõe para os artigos 3.º e 10.º afastam claramente essa competência do Ministério Público e do Procurador-Geral da República.
Quanto à proposta de eliminação dos auditores jurídicos, que o PSD igualmente pretende, manifestamos o nosso desacordo. As suas funções de consulta jurídica de membros do Governo, que podem não acatar os respectivos pareceres, e de acompanhamento de processos em que é parte ou interessado o respectivo ministério podem ser úteis, e mais ainda quando não se propõe qualquer alternativa para apreciar preventivamente a legalidade.
Que quer o PSD afinal? Que o Supremo Tribunal Administrativo, nos processos contenciosos, deixe de poder solicitar cópias dos pareceres de auditores que não foram respeitados pelos membros do Governo? Perder-se-ia um factor de defesa preventiva de legalidade sem proposta de uma alternativa e sem que se veja o que se ganharia em troca!
Finalmente, acerca da limitação do mandato do Procurador-Geral da República, a grande questão é perguntarmo-nos qual é a razão da oportunidade deste debate, introduzido pelo PSD na vida política portuguesa. É difícil não ver nele uma medida que visa directamente, embora de forma envergonhada, a figura do actual Procurador-Geral da República, a cuja dignidade, isenção e independência queremos prestar homenagem, bem como à forma discreta e competente como tem desempenhado o seu cargo.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Poderíamos fazer de conta, ao debater esta proposta, que apenas está em causa o perfil de um cargo em abstracto. Poderíamos comparar soluções de vários países, debater vantagens ou desvantagens de cada regime. Poderíamos, até, debater em que medida, com a limitação do mandato do Procurador, seriam afectados ou não os poderes do Presidente da República e, em consequência, questionar a constitucionalidade desta solução.
Mas o essencial é sublinhar que a opção actual tem funcionado bem e é isso que incomoda o PSD e o leva a abandonar a posição do seu então Ministro da Justiça, Mário Raposo, que afirmava que a fixação de um prazo

Página 1028

1028 I SÉRIE-NÚMERO 34

certo para o mandato do Procurador-Geral da República «não aproveitaria ao prestígio e "independência do titular do cargo» e «poderia, pelo menos, virtualmente coarctar a disponibilidade de actuação do Presidente da República».
O projecto de lei do PSD/Governo é um verdadeiro atestado de desconfiança ao Ministério Público e um vendaval de fúria governamentalizadora. Além dos problemas que tem vindo a ser mais referidos, como a composição do Conselho Superior do Ministério Público, o problema da fiscalização das polícias criminais e o mandato do Procurador-Geral dá República, a desconfiança para com o Ministério Público aflora outros pontos em termos que - se me permitem - atingem o ridículo. Dois exemplos: onde se atribuía competência para promover e coordenar acções de prevenção da criminalidade, o PSD quer extinguir a competência para as coordenar (artigo 3.º); onde se atribuía competência ao Ministério Público para informar o Governo acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais e propor as devidas alterações, o PSD quer extinguir a competência de propor as referidas alterações.
Para terminar, não posso deixar de pôr em relevo que os projectos de lei do PCP e de outros partidos da oposição têm o acordo dos representantes dos magistrados do Ministério Público, através do seu sindicato, que saudamos, enquanto o projecto do PSD tem a sua oposição.
De resto, o próprio facto de este projecto, da responsabilidade directa do Sr. Ministro da Justiça, ser apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD insere-se, como foi publicamente referido, num processo de défice de diálogo entre o Governo e o sindicato, que não pode deixar de ter a nossa reprovação.
Por nós, continuaremos a bater-nos por um Ministério Público imparcial e autónomo, que não confunda representação do Estado com representação do Governo, que não subordine o exercício da acção penal a critérios de oportunidade política ou partidária, que seja um firme defensor da Constituição e da legalidade democrática, do ambiente, do património, dos direitos dos consumidores, dos órfãos, dos menores, do interesse geral público.
O perigo, entretanto, é grande. Esperemos que a maioria, ao aprovar o projecto que apresentou, possa reconsiderar e eliminar as propostas mais gravosas aquando do debate em sede de especialidade, para que, como eu dizia no início, este dia não fique marcado como um dia negro para a democracia portuguesa.
Foi também por causa da autonomia do Ministério Público que se fez o 25 de Abril. Pela nossa parte, queremos continuar a honrar o 25 de Abril.

Aplausos do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): -Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Assumo, com outros companheiros, a honrosa incumbência de apresentar e, na medida do que for necessário, defender o projecto de lei subscrito pelo Grupo Parlamentar do PSD, relativo à autonomia do Ministério Público, concretizado pela via de alterações à respectiva lei orgânica. Proponho-me fazê-lo respeitando o sentido,, as exigências e os limites próprios de um debate na generalidade.
O meu propósito será, por isso, enfatizar mais as matrizes fundantes e os grandes horizontes de enquadramento do projecto do que uma aproximação analítica à pletora dos singulares e concretos enunciados normativos, que só citarei se tal se me afigurar conveniente para ilustrar e suportar o discurso.
Esta postura é de resto, reclamada por um debate que se queira aberto à compreensão - e, por vias disso, à participação - de um público que está para além deste Hemiciclo. Precisamente aquele público de onde vimos na perspectiva da legitimação e para onde devemos permanentemente caminhar na perspectiva da responsabilização. E um público que facilmente perderia o fio de Ariana se tentássemos atraí-lo para o labirinto das complexas construções exegéticas e dogmáticas, tão próprias de uma academia científica como inoportunas na agora parlamentar. Afrontemos, pois, as grandes questões, as que maior ressonância encontram no público e que podem mobilizar o seu interesse.
Para uma melhor classificação das questões e para deixar a descoberto alguns tópicos possíveis de discussão reconduzirei a minha intervenção a três enunciados fundamentais, que adiantarei em jeito de proposições conclusivas.
Primeira, o projecto de lei do PSD não enferma da menor inconstitucionalidade. Ajustando-se escrupulosamente ao teor literal dos pertinentes textos constitucionais, o projecto de lei que sustentamos dá ainda e ao mesmo tempo cabal expressão às exigências do espírito da lei fundamental.
Mais, no confronto dos projectos em debate, temos como seguro que é o nosso que, de forma mais coerente, consistente e sistemática, dá satisfação às implicações normativas, decorrentes, por via de sã hermenêutica, do horizonte material da própria Constituição quando projectada sobre a figura do Ministério Público. Estarão aqui connosco os que, sem prejuízos e sem reservas, se dispuserem a encarar a Constituição como o estatuto jurídico do Estado de direito próprio de uma sociedade secularizada.
Uma Constituição, assim compreendida, não pode albergar no seu seio a pretensão à intemporalidade ou, mais modestamente, ao vitalício, aspiração só legítima ao exercício do Poder em nome dos deuses ou, pior ainda, dos ídolos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No Estado de direito democrático todo o poder tende a viver e a realizar-se no tempo e na angústia invencível do tempo. Para além disso e sobretudo, o Estado de direito democrático, que aspira a tomar todo o poder transparente à racionalidade, não comporta experiências de poder que, de algum modo, relevem do oculto, do iniciático do mistério. Mistério que acaba por aureolar as formas de poder sobre cuja dimensão temporal pairam as sombras, as dúvidas, mesmo a controvérsia.
Segunda, o projecto de lei do PSD é o que perspectiva a autonomia do Ministério Público em termos mais amplos e lhe assegura a tutela mais consistente. É à conta deste propósito que devem levar-se as nossas propostas de eliminação consequente de todas as formas anómalas de comunicabilidade entre um órgão autónomo de administração da justiça e a actividade administrativa em geral e a polícia em particular. Este um caminho onde não fomos acompanhados pelos demais projectos, que, apesar de tudo

Página 1029

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1029

e de forma tão ruidosa como contraditória, vêm desfraldando a bandeira da autonomia.
Trata-se, com efeito, de projectos que, com o mesmo alento que gritam autonomia, se batem por formas mais ou menos larvadas de funcionarização do Ministério Público ao serviço do Executivo. E, por vias disso, abrem caminho à colonização da acção do Ministério Público pelos valores da utilidade, da finalidade e da discricionariedade, em prejuízo dos valores da legalidade e objectividade que emprestam a marca da identidade aos modelos de acção de uma autêntica magistratura.

Aplausos do PSD.

A minha terceira proposição é de índole metodológico-hermenêutica. Segundo ela: do Direito Comparado não emerge qualquer lição capaz de pôr pertinentemente ern causa o acerto das soluções para que aponta o projecto de lei do PSD.
A começar, o direito comparado oferece um quadro irredutivelmente polícromo, heterogéneo e centrífugo de soluções, inseridas em contextos institucionais diferentes do português e ditadas por representações culturais e idiossincráticas, sem correspondência entre nós.

O Sr. José Magalhães (PS): - Diga lá uma! Veja-se o caso dos polícias!

O Orador: - Cale-se um bocadinho, Sr. Deputado! Ouça! Faz-lhe bem!

Trata-se, pois, de soluções que só a benefício de prudente e cuidada ponderação poderão figurar como tertium comparalionis no plano do direito interno.
Apesar de tudo, não será arriscado adiantar que, sempre que confrontados com o mesmo problema e o equacionam num quadro constitucional homólogo ao nosso, os direitos estrangeiros acabam por sancionar soluções fundamentalmente sobreponíveis às do nosso projecto. Isto vale, sobretudo, para a área problemática das relações entre o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal.
É o que claramente permite concluir a citação - feita sob a vigilância de uma leitura integrada e sistemática - das soluções oferecidas pelo direito vigente alemão, francês e italiano, reconhecidamente os que a este propósito mantêm uma relação mais estreita com o direito português. Bem podendo, por isso, acreditar-se que, se chamado a intervir no contexto de instituições como as vigentes entre nós, o legislador italiano, francês e alemão acabaria por sancionar soluções convergentes com as do nosso projecto.
Impressiva e paradigmática a lição do direito positivo alemão: para um quadro institucional idêntico ao português soluções idênticas às do projecto de lei do PSD. Resumidamente, e para efeitos de processo penal - mas só para efeitos de processo penal - o Ministério Público alemão tem sob a sua dependência a Kriminalpolizei, polícia sobre a qual, e para além do espaço demarcado do processo penal, o Ministério Público não detém qualquer competência. Esta pertence por inteiro à hierarquia da própria polícia e, por vias disso, ao governo ou aos governos dos Laender.
E o modelo vale mesmo, e integralmente, para os chamados Hilfsbeamte der Staatsanwaltschaft, os chamados funcionários adjuvantes do Ministério Público, funcionários qualificados da polícia criminal, com uma intervenção alargada no processo penal e com uma vinculação funcional mais estreita ao Ministério Público.
Só aparentemente é divergente a lição oferecida pelo direito italiano, que consagra soluções de máxima integração da polícia criminal nas estruturas das magistraturas judiciárias. Só que aqui trata-se de uma polícia atomizada, organizada por secções, com uma competência territorial correspondente à das magistraturas e dos pretores, estando ausente qualquer organização hierarquizada de nível nacional. Para além disso e sobretudo, trata-se de uma polícia exclusivamente votada às tarefas da investigação processual penal, sem qualquer intervenção na actividade de polícia, em sentido técnico, da competência do Governo. Diferentemente do que acontece na Alemanha e em Portugal.
Tendo como pano de fundo as considerações expostas e a partir da luz e das perspectivas que elas oferecem, proponho-me agora deixar algumas notas sobre as soluções concretas do nosso projecto, privilegiando para o efeito as de mais óbvio relevo político no contexto de uma discussão na generalidade. Um exercício que empreenderei, apostado em sustentar a pertinência das proposições conclusivas que comecei por enunciar.
Antes, porém, permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, socorrendo-me da conhecida e feliz fórmula do autor dá Eneida - quantum mutatis ab illis! - deixo aqui lavrada a expressão do meu espanto. Radica este espanto na surpresa de voltar a ver reunidas contra o projecto de lei do PSD as mesmas vozes que, vão já decorridos alguns anos, invectivaram, com o mesmo estrépito, as inovações então introduzidas pelo Código de Processo Penal. Isto na parte em que o diploma cometia ao Ministério Público a competência para a investigação criminal e erigia esta magistratura em dominus daquela fase processual. Também então a inovação foi esconjurada com o anátema da inconstitucionalidade e os estigma da administrativização e da policiarização da investigação criminal.
Ora, é precisamente em nome daquelas soluções do Código de Processo Penal, e erigindo-as agora em bandeira, que as mesmas vozes voltam a fazer coro contra as propostas que aqui fazemos.

Aplausos do PSD.

Assim, se outro alcance não tivesse, o presente debate sempre valeria como a celebração do consenso mais alargado em torno da bondade daquelas soluções, por nós adiantadas, vão decorridos alguns anos. Mesmo que para tanto alguns tenham de beber agora como límpida a água que então turvaram e tenham, implícita e envergonhadamente, de confessar que também aqui e invariavelmente marcam atrasados o encontro com a história. E nós temos de continuar a fazer caminho de encontro ao vento, na esperança de que, talvez depois de alguns anos decorridos, outros venham a fazer suas as propostas que são hoje as nossas.
Dias virão, assim - parece inevitável -, em que os opositores de hoje se renderão à bondade da nossa proposta de definição do horizonte temporal do exercício das funções do Procurador-Geral da República.
Uma proposta que avançamos, desde logo, em benefício da clarificação e de ganhos de racionalidade do ordenamento jurídico português que em nada contende com a autonomia do Ministério Público, antes a reforça com coeficientes de estabilização, tendo naturalmente em conta que sempre se tratará de autonomia compatível com uma

Página 1030

1030 I SÉRIE-NÚMERO 34

ordenação democrática da vida e do poder, que não comporta santuários de mistério, de sagrado e de intemporal.
Trata-se, por outro lado, de uma proposta que em nada contende com os poderes constitucionais do Presidente da República, não estando, por isso, exposta à acusação de inconstitucionalidade.
Por um lado, o Presidente da República mantém os poderes que detinha e que - importa confessá-lo ninguém sabe bem quais são.

Protestos do PS.

Por outro lado, oferecem-se ao Presidente da República novas e efectivas oportunidades de exercício de poderes reais e acrescidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por último, trata-se de uma proposta que deve ser lida ao nível da clarificação das instituições e posta, por isso, entre parêntesis qualquer referência pessoal, de um exercício de ascese e de renúncia às gratificações da dramatização pessoalizada. Hoje, de resto, extremamente facilitado a partir das clarividentes e esclarecedoras declarações do Sr. Procurador-Geral da República, a quem a lei não é manifestamente dirigida e que, depois da sua entrada em vigor, só não ficará em posição igual à dos demais cidadãos porque a tanto se opõe a posição ímpar de privilégio de que parte, privilégio que, seguramente, lhe emprestam tanto o modo como vem exercendo o cargo como as suas muitas e reconhecidas qualidades e qualificações que, incansável e generosamente, vem pondo ao serviço da causa pública.

Aplausos do PSD.

Na verdade, o actual Procurador-Geral da República não tem sido apenas o jurista tranquilamente resguardado atrás da cortina da mera aplicação mecanicamente subsuntiva da lei positiva. Tem sido, também, o legislador empenhado em desvendar caminhos de mudança, assumindo, com coragem, os custos das escolhas em que acredita.
Para além disso, e de representante prestigiado e prestigiante de Portugal em areópagos internacionais, a sua figura emerge também como conferencista disputado pela finura, acerto e nível académico do seu discurso.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É o que julgamos por bem enfatizar como penhor da postura e da distanciação que neste debate assumimos.
É também com serenidade e a confiança de acreditarmos no acerto da solução que nos pronunciamos pela continuidade da presença de membros designados pelo Ministro da Justiça no Conselho Superior do Ministério Público.
Também contra esta solução se invocará ern vão o argumento da autonomia. Desde logo, por ser um elemento integrante e legítimo do sistema normativo da autonomia que antecede a própria revisão da Constituição. E é, para além disso, uma solução que dá cabal satisfação aos pertinentes dispositivos constitucionais que regulam a matéria em termos de universo aberto e não de enumeração de numerus clausus.
Só em nome de textos constitucionais apócrifos em frontal colisão com a letra e o sistema da lei fundamental que nos rege ou de ilegítima contrafacção constitucional se pode sustentar o contrário. Obedientes à Constituição, incluímos, como ela impõe, membros eleitos pela Assembleia da República e membros de entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público. Para além disso, utilizamos, com prudência, a margem de conformação que a Constituição reserva ao legislador ordinário.
Por último, são, no essencial, infundadas as críticas que se vêm ouvindo à proposta de eliminação dos dispositivos legais que cometem a fiscalização dos órgãos de polícia criminal ao Ministério Público.
Trata-se de críticas, em boa medida, assentes na menor compreensão do quadro institucional, legal e processual vigente, a partir da entrada em vigor do Código de Processo Penal e a que não tem faltado, aqui e além, o apoio que se acredita encontrar numa visão incompleta, mesmo por vezes manipulada, da história do direito pátrio ou da lição do direito comparado.
A este propósito, a nossa posição é unívoca. Não é seguro que os preceitos cuja eliminação propomos acrescentem algo ao Código de Processo Penal. Se for assim, a eliminação não tem alcance prático e não merece a polémica que se vem travando.
A entender-se que acrescenta algo, que estende a fiscalização do Ministério Público para além do espaço em que os órgãos de polícia criminal intervêm como tal, então, deve ter-se a coragem de afirmar que deve ser eliminado.
Os órgãos de polícia criminal são hoje recrutados e representados, entre outros, pela Polícia Judiciária, pela GNR, pela PSP e por outras forças de segurança. Mas enquanto órgãos de polícia criminal, estão na inteira dependência funcional e na direcção do Ministério Público, que é o dominas da fase de inquérito, e do juiz de instrução, que é o dominas da fase de instrução.
Nestes termos, é quixotesco esgrimir com o fantasma da policiarização da investigação criminal. Nem o Código de Processo Penal, que nos rege, nem o Ministério Público, que domina a investigação, nem o juiz de instrução criminal, que domina a fase de instrução, consentiriam tais veleidades aos órgãos de polícia criminal.
Acresce que os órgãos de polícia criminal não são só órgãos de polícia criminal, como o são na Itália mas não o são na Alemanha nem em Portugal. Tanto na Alemanha como em Portugal, os órgãos de polícia criminal tem o estigma do rosto de Jano (olham para dois lados, tem dois rostos). Participam, para além de órgãos de polícia criminal, em igual título na actividade de polícia em sentido administrativo. Aquela polícia que a Constituição define no artigo 272.º em termos unitários e cuja responsabilidade comete inteiramente ao Governo.
Como tarefa da Administração, esta polícia e a actuação dos órgãos de polícia criminal, enquanto actuando nesta matéria, fazem-no subordinada às categorias da utilidade, da finalidade e da discricionariedade.
A fiscalização, a intervenção do Ministério Público nesta matéria é contrária à autonomia, funcionarizaria o Ministério Público e colonizaria a acção do Ministério Público por critérios que são adversos dos critérios de legalidade e de objectividade.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mais: a intervenção do Ministério Público seria mesmo contrária ao princípio da divisão dos poderes.

Página 1031

28 DE FEVEREIRO OE 1992 1031

Para além disso, seria geradora de conflitos que ao legislador cabe prevenir e antecipadamente dirimir.
Se esta for a interpretação dos textos legais vigentes, correctivamente feita, como já o é pelos comentadores mais credenciados da vida jurídica portuguesa, então, ern boa razão podíamos conviver com as normas previstas na actual Lei Orgânica do Ministério Público.
Para evitar dúvidas, talvez fosse possível, e a isso não nos oporíamos desde que no sentido de clarificar esta área problemática, recorrer a fórmulas que precisassem aquilo que já hoje se entende que deve ser a boa doutrina.
Poderíamos perfeitamente aceitar fórmulas como «fiscalizar a actividade processual penal dos órgãos de polícia criminal» ou, em alternativa, «fiscalizar a actividade dos órgãos de polícia criminal no campo da investigação criminal» ou «fiscalizar a actuação dos órgãos de polícia criminal no âmbito do processo penal» ou «fiscalizar a actividade dos órgãos de polícia criminal nos termos da lei processual penal».

Terminei, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Luís Sá.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa Andrade: É evidente, Srs. Deputados, VV. Ex.ª tom acompanhado muito seriamente este debate!

Risos do PSD.

Até agora estiveram a ver televisão e nos corredores da Assembleia a beber café e quando o vosso representante começou a usar da palavra vieram todos a correr. O tal problema das multas obriga-os a isso!

Risos do PSD.

Essas gargalhadas balofas, Srs. Deputados, vêm de quem nem sabe o que está a aqui a discutir-se!
Sr. Deputado Costa Andrade, tenho muito pouco tempo e, portanto, pegando já nesta questão das polícias, que V. Ex.ª referiu no final da sua intervenção, quero recordar-lhe duas coisas.
No vosso projecto, apoiado pelo Governo - aliás, espero que o Sr. Ministro termine com o seu homérico silêncio, espero ouvi-lo , quanto à questão das polícias, retira-se a competência ao Ministério Público e também à Procuradoria-Geral da República de fiscalizar superiormente o exercício das funções dos órgãos da polícia criminal!
E, já agora, porque andam sempre a estabelecer confrontos com o que se passou antes, há alguns anos, recordo-lhe o que o Sr. Ministro da Justiça declarou na Polícia Judiciária, em 6 de Abril de 1990, a propósito da fiscalização das polícias: «Em nome do princípio da sua própria transparência, numa outra vertente da afirmação do Estado de direito, comete ao Ministério Público e agora mais do que nunca tendo em conta a sua autonomia».
Ora, VV. Ex.ª hoje dizem rigorosamente o contrário.
Portanto, na exposição de motivos e ern tudo o que V. Ex.ª disse até agora e mesmo na argumentação do Sr. Deputado Guilherme Silva, verificámos que há aqui uma posição oposta à assumida pelo Sr. Ministro, naquela altura.
É evidente que o vosso projecto é agressivo. É uma postura de confronto e isto não é por acaso que acontece. O confronto do Governo e do PSD com vários estratos sociais do País é claro, é notório.
Este é um tema muito sério, que não se compadece com determinadas superficialidades como o vosso grupo parlamentar- a parte de trás da linha da frente - está a demonstar.
Por isso, pretendo que me explique, em relação à Procuradoria-Geral da República, as expressões respeitantes ao «limite temporal», constante do vosso projecto.
Sr. Deputado, não sou favorável a lugares vitalícios, claramente não o sou por razões óbvias.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): Se é para mudar de partido, ainda bem!

O Orador: - Tal sistema pode revelar-se perverso. Mas é sabido que um Procurador-Geral da República tende a ser independente, revelar-se isento e competente, como, aliás, é o caso. E quando é assim, toma-se incómodo para os poderes, principalmente para o poder executivo.
Pergunto-lhe se não será exactamente por isso que surge esta vossa proposta?
Sr. Deputado, também gostaria de saber, em relação ao Procurador-Geral, se esta lei vai ter efeitos retroactivos. Diga-nos, realmente, em relação a este caso, se vai haver esses efeitos.
Quanto aos auditores jurídicos, é evidente que a experiência diz-nos que os auditores jurídicos podem e devem ser úteis. Isso é um facto!
Ora bem, gostava de saber o que pensam para o futuro, uma vez que o vosso projecto nada diz, acaba simplesmente com eles. Os auditores jurídicos têm um papel a desempenhar e têm-no desempenhado. Não estará no cerne desta proposta o facto de, há dias, os jornais terem publicado pequeninas notícias, que não foram desmentidas, de que o Governo, agora passará a solicitar pareceres a universidades e faculdades escolhidas, nomeadamente universidades privadas, para exercerem exactamente as mesmas funções e terem o mesmo tipo de actuação dos auditores jurídicos?

Vozes do PSD: - Não percebe nada disto!

O Orador: - E já agora, só para concluir, ainda em relação ao Conselho Superior do Ministério Público, gostava de o ouvir mais sobre a invasão do Governo no Conselho Superior do Ministério Público. V. Ex.ª diz que não é anticonstitucional mas a verdade é que o artigo 222.º da Constituição diz-lhe, claramente o contrário.

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade, deseja responder já ou no final?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - No final, Sr. Presidente.

Página 1032

1032 I SÉRIE-NÚMERO 34

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa Andrade, a questão que desejava colocar-lhe é muito curta. E a questão é se, entretanto, com as alternativas de redacção que formulou no final da sua intervenção, tenciona encontrar alternativas para garantir a autonomia do Ministério Público, com respeito pela Constituição.

Esta a questão central.

A outra questão era a seguinte: tenho aqui um conjunto de textos legais de vários países, como a Franca, a Itália, a Espanha.
Ouvimos, ainda há dias, na terceira Comissão, uma ilustre figura referir o facto de em nenhum país da Europa comunitária não ser garantido ao Ministério Público a direcção e fiscalização das polícias criminais.
Respeito muito os conhecimentos e as grandes qualidades de jurista que são conhecidas em V. Ex.ª, mas não quero deixar de lhe pedir um comentário sobre este facto.
Finalmente, quero sublinhar o facto de, publicamente, V. Ex.ª ter feito um elogio - é um elogio rasgado que nós perfilhamos - ao Sr. Procurador-Geral da República. Creio que isto é sinal de que vale a pena falar ao País e que o PSD às vezes é forçado a ouvir.

Aplausos do PCP.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Luis Sá: Há uma parte das perguntas que é comum e tem a ver com a valoração da pessoa do actual Procurador-Geral da República.
Devo dizer que me esforcei por tentar deixar claro que, enquanto legislador e aqui temos a honra de sermos legislador-, preocupo-me em definir instituições e não valorar pessoas.
Na minha actividade pessoal, também faço exames e também valoro pessoas, mas aqui não, pois sou legislador, e, portanto, aperfilo-me perante instituições e tento modelá-las segundo princípios que penso que são os melhores. Não me cabe valorar pessoas!
De resto, se tivesse de valorar a conduta ou a postura do Sr. Procurador-Geral de República, temo que tivesse, necessariamente, de recorrer a algumas hipérboles, porque, além da admiração sincera, nutro por ele grande sentimento de amizade pessoal e, portanto, são coisas que não tenho de esconder. Mas aqui sou legislador, modestamente sou um dos 230 avos do poder legislativo e é como legislativo' que gostaria de me portar.
O Sr. Deputado pergunta-me se a lei vai ter efeitos retroactivos. Sr. Deputado, é minha convicção que a lei não pode ter efeitos retroactivos, pois as leis como esta não devem, por princípio, ter efeitos retroactivos.
Quanto ao facto de o Governo ir ou não pedir pareceres às universidades privadas, etc., digo-lhe, mais uma vez, que sou Deputado, tenho muita honra em o ser, e nunca tive o privilégio nem a vontade de ser membro do Governo. Portanto, o Governo que responda.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão da constitucionalidade, diz o Sr. Deputado que não demonstrei que o nosso projecto de lei, sobretudo na parte atinente ao Conselho Superior do Ministério Público, respeita a Constituição. Penso que sim, Sr. Deputado, à luz de uma argumentação que não andou longe, de resto, da argumentação expendida pelo Sr. Deputado Almeida Santos.
Não andamos longe na nossa argumentação, pois ambos acreditamos que a Constituição não impõe um determinado sentido. A letra da lei e o seu próprio sistema inclinam-se no sentido da legitimidade que assiste ao Governo de, por si, designar membros para o Conselho Superior do Ministério Público, e o Sr. Deputado Almeida Santos, a partir daí, proeurou no espírito uma violação da Constituição. Eu não tive asas para voar tão longe e não acedi a esse espírito da Constituição, portanto, penso que ò nosso projecto de lei é constitucional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta resposta vale também, em parte, para o Sr. Deputado Luís Sá, quando me pergunta se eu não era capaz de escogitar soluções que respeitassem a nossa Constituição. Tenho, sinceramente, para mim, com a modéstia do meu empenhamento profissional de jurista, que aquilo que propomos é constitucional. . Sc instâncias competentes no nosso sistema jurídico-constitucional entenderem o contrário, acataremos naturalmente, mas continuarei, apesar de tudo, a entender o mesmo: nem sempre as decisões do Tribunal Constitucional merecem inteira concordância, nem sempre a legitimidade é sinónimo de razão.
Tenho para mim que a razão está do nosso lado, mas acataremos, todavia, as decisões que o Tribunal Constitucional venha a dar.
O Sr. Deputado enveredou, depois, por um caminho extremamente perigoso, que tentei prevenir na minha intervenção, que é minado de dificuldades. E, agora, sem qualquer tomada de posição partidária, entendo que o caminho do direito comparado é minado das maiores dificuldades. Só lhe quero dizer que, na maior parte dos países em que o Ministério Público tem competência para fiscalizar a polícia criminal, esse Ministério Público depende, do Ministro da Justiça e, portanto, a fiscalização do Ministério Público da polícia criminal é a fiscalização do Ministro dá Justiça por interposta pessoa.
É essa comunicabilidade, essa colonização do pensamento e da acção do Ministério Público que deve obedecer a estritos critérios e a estritos princípios de legalidade e de objectividade e não deixar penetrar no seu discurso as categorias da utilidade, da nacionalidade funcional. É em nome de considerações como essas que entendemos que não se deve trazer essa lição do direito camparado.
De resto, também foi muito usada uma argumentação com base no antigo regime, dizendo-se coisas como esta: «também no tempo de Salazar o Ministério Público fiscalizava a Polícia Judiciária». Pois fiscalizava. É que no tempo de Salazar, se bem se lembram, havia um Salazar que se chamava António de Oliveira e vinha de Santa Comba. Era o Salazar um Abaixo desse, havia um outro, que nomeava como Ministro da Justiça, que era, mais ou menos, outro Salazar dois. E, abaixo desse, havia um outro, que se chamava Procurador-Geral da República, dependente do Ministro da Justiça que era uma espécie de Salazar três, e esse Salazar três fiscalizava a Polícia Judiciária, que era uma espécie de Salazar quatro.

Página 1033

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1033

Essa fiscalização de Salazar era um negócio de Salazar consigo mesmo. Nós não gostaríamos de regressar a isso.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados e Srs. Magistrados: Por impulso das oposições, regressam hoje ao Plenário da Assembleia da República algumas questões importantes sobre a estruturação do Ministério Público em Portugal.
Apesar de consideráveis transformações sofridas, ao longo dos últimos 18 anos, em que se foi legislando e implementando a passagem do Ministério Público, de órgão subordinado ao Governo à sua actual configuração constitucional de orgão de Estado dotado de estatuto próprio e de autonomia, não se pode afirmar que a querela sobre os contornos desta autonomia tenha definitivamente terminado ou que o seu estatuto, mormente quanto ao relacionamento com o poder político, esteja já esclarecido.
O debate que, hoje, aqui travamos é a prova cabal de que ainda há muito por rever e que o apetite de, por uma forma ou outra, sujeitar o Ministério Público ao controlo partidário, por via do Executivo, ainda saliva bocas de alguns políticos. Os magistrados do Ministério Público, por isso mesmo, tem de manter-se vigilantes para defenderem a sua independência e o exercício livre das importantes atribuições e competências que conquistaram nos últimos anos.
Diga-se, desde já, que os temas trazidos hoje à discussão não esgotam toda a problemática concernente ao estatuto e autonomia do Ministério Público, mas trata-se, tão-somente, de alterar a lei ordinária vigente - a Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro -, para a adaptar às emendas introduzidas no texto constitucional, designadamente nos artigos 221.º e 222.º, na última revisão constitucional.
Quem se der ao trabalho de reler as actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (CERC) respeitantes aos referidos artigos e aos demais sobre a matéria respeitante aos tribunais reconhecerá imediatamente que o tratamento recebido pelo Ministério Público não é a última palavra, e há matérias, agora constantes de legislação ordinária, que podem vir a merecer, na próxima revisão, a respectiva constitucionalização. Quiçá, os assuntos como a estabilidade do cargo de Procurador-Geral da República, a fiscalização da polícia criminal pelos magistrados judiciais ou do Ministério Público, a reformulação do actual Conselho Consultivo, estarão, certamente, nestas condições.
Diga-se, aliás, que esta preocupação nem sequer será nova, porquanto na última revisão tal possibilidade foi amplamente proposta pelo Sr. Deputado José Magalhães, então porta-voz do PCP, e algumas delas só não tomaram assento na lei fundamental por os restantes partidos, e muito especialmente por os Srs. Deputados Rui Macheie, Costa Andrade e Maria Assunção Esteves, pelo PSD, Almeida Santos e José Vera Jardim, pelo PS, Nogueira de Brito e modestamente eu próprio, pelo CDS, e Miguel Galvão Teles, pelo PRD, terem defendido que a Constituição devia consagrar apenas os grandes princípios e não descer ao que podia parecer uma excessiva regulamentação, ou que as soluções adiantadas no Código de Processo Penal, no tocante à fiscalização da polícia criminal ou judiciária, ainda não estavam suficientemente enraizadas para serem elevadas à categoria constitucional.
Isto é, evitou-se, umas vezes, aquilo que poderia ser uma «absolutização» das normas ordinárias, mas outros temas houve que, não obstante uma certa oscilação quanto ao modo da sua definição ou redacção, os constituintes entenderam que não se deveria adiar mais a sua inclusão na Constituição, deixando ern aberto o debate sobre o seu exacto alcance.
O n.º 2 do artigo 221.º, que estatui que «o Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei», é o principal deles todos.
Com efeito, na revisão de 1982, declarou-se somente que «o Ministério Público goza de estatuto próprio», sem qualquer referência expressa à autonomia. Mas parece claro que, na mente de muitos constituintes, a autonomia era já adquirida, pelo menos, de uma forma mitigada, desde 1976.
O Sr. Deputado Almeida Santos - e cito o texto já aqui referido hoje por ser lapidar quanto ao conceito e ao alcance da autonomia - dizia: «Quanto ao n.º 2, não sou, como se calcula, contra um certo grau de autonomia do Ministério Público, que, antes, estava na dependência da tutela do Ministério da Justiça, mas alguma diferenciação tem de haver entre os magistrados judiciais e os do Ministério Público.
Essa é uma das razões por que as duas magistraturas devem ser separadas. Enquanto os juízes dos tribunais judiciais são irresponsáveis e não subordinados hierarquicamente, os agentes do Ministério Público são responsáveis e hierarquicamente subordinados.
Não pode deixar de ser assim, sob pena de criarmos mais problemas do que os que resolvemos. O Ministério Público deve ter», e estou a citar ainda o Deputado Almeida Santos, «um grau de autonomia compatível com o exercício eficaz das suas funções, mas não nos esqueçamos de que ele representa o Estado nos tribunais e, portanto, é justo que o cordão umbilical, por mais ténue que seja, fique a ligar o representante ao representado.
O que agora se propõe é a total autonomia em relação aos órgãos de poder central, regional e local e a exclusiva vinculação a critérios de legalidade e objectividade. Isto está na lei e, remata o ilustre Deputado socialista, «isto é uma formulação que já vem da Lei Orgânica do Ministério Público, de que fui responsável. Isto não impede que nesse mesmo estatuto se diga que eles são magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados».
Pelo PSD, a Sr.º Deputada Maria Assunção Esteves aderiu ao que acaba de ser exposto, dizendo que «todas as observações feitas pelo Sr. Deputado Almeida Santos são consideradas, da nossa parte, extremamente pertinentes e, portanto, subscrevo-as desde já».
Só o PCP, pela voz do Sr. Deputado José Magalhães, exigiu a consagração expressa porque - cito - «as dúvidas do que é a autonomia do Ministério Público e os contornos desta autonomia têm pairado, indesejávelmente, no horizonte das discussões sobre esta matéria».
O presidente da Comissão, Sr. Deputado Rui Macheie, entendia que - e cito - «ainda não temos experiência do comportamento dessa novidade para estarmos a consagrá-la na Constituição», mas, na formulação final, acrescentou-se a expressão «autonomia», no exacto sentido que ele revestia na Lei Orgânica então em vigor.
Quer isto dizer que a revisão constitucional de 1982 apenas consagrou a autonomia do Ministério Público como fazendo parte do seu estatuto, sem que, no entanto, tenha fixado o seu exacto contorno. Se, por um lado, como vimos, não acolheu totalmente a similitude com o estatuto

Página 1034

1034 I SÉRIE-NÚMERO 34

dos magistrados judiciais, por outro, foi-se aproximando deste quadro em direcção à independência, e é com este objectivo que, neste momento, devemos encarar a autonomia do Ministério Público.
A inclusão constitucional do Conselho Superior do Ministério Público, com a composição taxativamente fixada no n.º 2 do artigo 222.º da CRP, tal como sucede com o Conselho Superior a Magistratura, é um afloramento importante da autonomia do Ministério Público, façe aos demais órgãos do poder central, designadamente ao Governo.
Todo o combate pela autonomia foi sempre contra a apertada tutela do Ministro da Justiça que vigorou no anterior regime. Quer isto dizer que a revisão de 1982, não obstante, formalmente, ter consagrado, de modo expresso, a autonomia do Ministério Público do ponto de vista substantivo e material, nada veio inovar e muito menos ampliar os contornos do conceito estatuído em 1986.
Só na próxima revisão constitucional poder-se-á ir mais longe em direcção à «independência», aproximando as duas magistraturas até onde for possível.
A autonomia do Ministério Público não é compatível com qualquer forma velada de tutela governamental sobre ele, como pela inclusão no Conselho Superior do Ministério Público de dois representantes do Ministro da Justiça.
Perdida a batalha, ern sede da revisão constitucional de 1989, de incluir os representantes governamentais no Conselho Superior da Magistratura, pretende o partido maioritário ter agora uma avantajada quota no órgão máximo da gestão do Ministério Público, acrescentando à sua própria participação, através dos eleitos pela Assembleia da República, mais dois membros da sua cor política através do Governo da sua confiança. Nada justifica esta intromissão, absolutamente dispensável face ao poder conferido ao próprio Ministro da Justiça no artigo 29.ª da Lei Orgânica de poder comparecer às reuniões do Conselho para fazer comunicações e solicitar e prestar esclarecimentos.
Repare-se que, face à composição do Conselho Superior da Magistratura, a Assembleia da República pode e deve designar sete membros ao Conselho Superior do Ministério Público. O PSD prefere diminuir a representação parlamentar, ern favor do Governo, mesmo que, para tanto, tenha de incorrer em manifesta inconstitucionalidade material.
O projecto do PSD pretende destarte fazer entrar pela janela da Lei Orgânica o que foi expulso pela porta grande da Constituição.
A tentativa seguinte de governamentalização é a outorga da chamada «competência originária» ao Governo para fiscalizar a polícia criminal, em frontal contradição com as posições assumidas pelos Deputados do PSD na Comissão Eventual de Revisão Constitucional e contra a prática, pacificamente aceite em todos os países europeus, de entregar tal fiscalização funcional ao Ministério Público.
Durante os trabalhos da revisão constitucional, esta matéria foi objecto de debate, no dia 14 de Julho de 1988. O PCP propunha o seguinte dispositivo: «Nas suas funções de investigação, os órgãos da polícia criminal actuam sob a direcção dos magistrados judiciais e do Ministério Público competentes, e na sua dependência funcional.»
Tratava-se de constitucionalizar o artigo 32.º da Lei Orgânica do Ministério Público e proceder, nos termos da lei, a inspecções, inquéritos e sindicâncias aos serviços do Ministério Público e aos órgãos de polícia criminal e à instrução de processos disciplinares, em conformidade com as deliberações do Conselho Superior do Ministério Público ou por iniciativa do Procurador-Geral da República.
O Sr. Deputado Costa Andrade, o mesmo que há pouco ouvimos aqui dissertar, foi solicitado pelo presidente da Comissão, Dr. Rui Macheie, a emitir uma opinião, o que fez nestes termos (e cito o Dr. Costa Andrade de 1988): «A nossa posição não pode ser contrária à substância da proposta, uma vez que consagra soluções do Código de Processo Penal. Segundo: Tal proposta representa um contributo esclarecedor em relação a muitas questões que suscitaram polémica. Desta proposta resulta claro que, quando na Constituição se refere que toda a instrução é da competência de um juiz, se admite uma distinção conceituai entre instrução e investigação, investigação esta que deve ser comandada pelo Ministério Público. Esta proposta tem além do mais a vantagem de superar esta controvérsia.»
O Sr. Deputado Costa Andrade de hoje desautoriza o eminente jurista Prof. Costa Andrade de 1988 e entra em plena violação do n.º 4 do artigo 32.º da Constituição quando retira ao magistrado judicial a prática de actos instrutórios, para conferir tal competência originária ao Ministro da Justiça. E quanto aos actos de investigação governamentaliza a Polícia Judiciária - parece-me ser o que resulta da pane final do seu discurso ao atribuir ao Ministro a competência de decidir «originariamente» sobre quais os actos de investigação que devem ou não ser investigados pela polícia criminal.
A autonomia do Ministério Público nada tem a ver com a extinção das auditorias. Nunca a Lei n.º 47/86, que consagra tal autonomia, foi objecto de qualquer reparo neste sentido. Trata-se de um argumento que nada prova. Os auditores são uma espécie de embaixadores residentes da Procuradoria-Geral da República junto dos ministérios.
Na Administração Portuguesa a sua instituição vem do Decreto n.º 3, de 24 de Dezembro de 1901, e o seu papel tem sido importante e relevante, tanto na consulta jurídica que lhes é solicitada como na defesa da legalidade das decisões administrativas, o que nunca foi posto em dúvida que me conste. O poder de homologação dado aos ministros impede que a Administração fique sujeita aos critérios da Procuradoria-Geral da República, mesmo tratando-se de juízo de legalidade.
Na verdade, não se vê qualquer motivo para extinguir tal prestigiada instituição, admirada noutros países, que até tentam introduzi-la nas respectivas legislações. Sucede que o projecto do PSD não avança com qualquer solução para preencher o vazio que assim se vai criar, sabido como é que a necessidade de consulta não desaparece com a supressão dos auditores. Certamente este serviço será obtido através do recurso a juristas ou assessores livremente escolhidos pelos ministros. É uma seara que se abre para o clientelismo e compadrio que campeia no «Estado laranja», com manifesto prejuízo para a defesa da legalidade.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, o problema designado por temporalidade do exercício do cargo de Procurador-Geral da República.
Nos termos da Constituição vigente, o Procurador-Geral da República é nomeado e exonerado, nos termos da

Página 1035

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1035

alínea m) do artigo 136.º, pelo Presidente da República, sob proposta do Governo. Ao contrário do que sucedia com o Estatuto Judiciário, que indicava que o Procurador-Geral da República deveria ser escolhido, entre magistrados judiciais de qualquer categoria, magistrados superiores do Ministério Público, lentes de Faculdades de Direito de algumas das universidades ou jurisconsultos de reconhecido mérito, a actual Lei Orgânica do Ministério Público não indica o critério de recrutamento do Procurador-Geral da República.
Ninguém duvida que o Procurador-Geral da República deverá ser um jurista, dadas as competências que lhe são atribuídas, mas, ao contrário do que temos ouvido defender, o Procurador-Geral da República não tem de ser originariamente magistrado, nem se toma magistrado do Ministério Público ao tomar posse do seu cargo. E por isso mesmo não é obrigatório aplicar-se-lhe as regras de destituição previstas para esses magistrados. Ele goza de prerrogativas dos magistrados enquanto se mantiver nas funções de Procurador-Geral da República, podendo ser livremente exonerado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo.
Trata-se, pois, de um cargo a ser exercido a tempo indeterminado enquanto durar a dupla confiança do Primeiro-Ministro e do Presidente da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não sendo um cargo electivo, mas de nomeação, não se impõe, por exigência democrática, que haja necessariamente um prazo de duração para o exercício do cargo para cada titular, mas também é verdade não fazer sentido que a duração do exercício desta alta magistratura apenas esteja na esfera da vontade do seu titular.
Se assim fosse, o Governo e o Presidente da República apenas teriam substancialmente o poder de nomear o Procurador-Geral da República e jamais de o exonerar - o que nos parece um absurdo, dada a natureza do cargo indissociável, de confiança política no acto de nomeação.
Parece-nos também recomendável que a legitimidade do titular do cargo seja periodicamente refrescada, para assim o Procurador-Geral da República saber que existe um juízo político sobre a sua actuação, o que necessariamente reforçará a sua imagem na opinião pública, com manifesta vantagem para o desempenho das funções.
Todavia, como reverso da medalha, é intuitivo que o Procurador-Geral da República não pode ser um comissário político - como na vizinha Espanha-, um titular de confiança partidária do Primeiro-Ministro, em que necessariamente se transformaria se, «uma maioria, um Governo, um Presidente», como foi tentado duas vezes, viesse a ser consagrado na prática no nosso país.
Nestas circunstâncias, seria evidente a precariedade do lugar no sistema global, mesmo no caso de mandato, pois o Procurador-Geral da República seria automaticamente sujeito à alternância do Governo.
Julgamos, por isso, que ainda não é altura propícia para alterar o actual sistema, porquanto na próxima revisão constitucional poder-se-á debater exaustivamente esta questão na sede própria, ou, se se preferir mexer no assunto - passe a expressão - em sede de outra revisão da Lei Orgânica do Ministério Público, depois do termo do mandato do actual Presidente da República.
Em segundo lugar, independentemente das qualidades do actual titular, exemplares quanto à probidade, competência, honestidade, independência e saber, não se deve esquecer que ele foi nomeado dentro do quadro que vigora actualmente. E não seria eticamente admissível que este quadro viesse a ser modificado apenas com o voto maioritário do PSD na Assembleia da República. O projecto de lei do CDS mantém, por isso mesmo, embora com algumas reservas, o sistema actual até à nova revisão.
Entende o CDS que o cargo de Vice-Procurador-Geral da República não deve ser encarado como um alter ego institucional do Procurador-Geral da República, mantendo-se alheio a todos os órgãos colectivos da Procuradoria-Geral da República. Ele deve fazer parte deles ex officio e a sua presença no Conselho Superior do Ministério Público será um reforço da autonomia do Ministério Público, no caso de o Procurador-Geral da República vir a ser um comissário político de partido hegemónico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, em termos estatutários, o Ministério Público adquiriu importantes prerrogativas: a sua autonomia constitucional face os demais órgãos do poder central, regional e local; o quasi paralelismo em relação à magistratura judicial; o princípio da hierarquia interna que termina no Procurador-Geral da República; a estabilidade; a independência façe ao Executivo, principalmente quando se retira ao Ministro da Justiça o poder de dar instruções genéricas ou nomear seu representante no Conselho Superior do Ministério Público; o facto de o princípio da hierarquia e da responsabilidade não impedir a objecção de consciência e o incumprimento de orientações superiores com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica.
Mantém-se o poder do Governo, quando se trata de acções judiciais em que o Estado seja parte, de fazer recomendações ou dar autorização para que o Ministério Público possa confessar, transigir ou desistir. O novo quadro jurídico decorrente do Código do Processo Penal amplia a sua intervenção na prevenção e perseguição do crime.
Autonomia e independência do Ministério Público são, pois, uma questão de Estado. Uma magistratura a quem cabe estar na primeira linha da defesa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, no controlo da actividade da Administração Pública, com intervenção no acesso ao direito, na tutela dos interesses do Estado e exercício do direito de perseguir a criminalidade não deve receber desta Assembleia da República um agravo gratuito, através de modificações irrazoáveis e até injustas para a dignidade do seu estatuto e das suas competências.
Prosseguir neste caminho seria um atropelo contra a própria democracia. Ninguém poderá contar com o voto do CDS para semelhante investida.

(O orador reviu.) Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja-me permitida uma primeira palavra para saudar e felicitar V. Ex.ª, Sr. Deputado Almeida Santos, pela sua recente eleição como presidente do Partido Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a consagração em lei ordinária da autonomia do Ministério Público, elevada à categoria de valor constitucional na última revisão da

Página 1036

1036 I SÉRIE-NÚMERO 34

Constituição da República Portuguesa, que hoje aqui nos reúne ern debate, que se deseja, e felizmente se confirma, pautado apenas por exigências de uma ética política que não pode deixar de enformar a discussão em torno das grandes questões de Estado.
O que está em causa é a definição de uma das pedras de suporte do Estado de direito democrático e isso deveria bastar para impor clareza às propostas apresentadas, que, por isso, constituem, elas próprias, o espelho onde se projecta o real compromisso de cada um perante aquela autonomia. É aqui, na opção que determinou cada projecto em discussão, que se escancara a diferença entre aqueles que, apregoando a autonomia do Ministério Público, afinal a temerão e, portanto, embora sem o reconhecerem, a limitam; e aqueles outros, como nós, que, partindo do imperativo constitucional, a aceitam, dela retirando todas as consequências.
Desde logo, importa garantir, pela natureza própria das competências do Ministério Público, que, excepção feita à representação dos interesses privados do Estado, a autonomia se aproxime do conceito de independência. Para tanto há que retirar ao Governo, por intermédio do Ministro da Justiça, a competência para emitir instruções, ainda que de carácter genérico.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E aí iodos os projectos são concordantes, embora seja de registar, a proposta inscrita no projecto do CDS, que pretende, inaceitavelmente quanto a nós, substituir aquelas instruções por meras recomendações, instrumento que se não coaduna com a natureza executiva dos actos de vontade política do Governo, que, ou actua em termos políticos, no domínio da sua competência e decide, responsabilizando-se pelo resultado, ou se situa fora daquela esfera de atribuições e, pura e simplesmente, não deve intervir.
Não é, todavia, aí que, fundamentalmente, se joga a questão da autonomia de uma magistratura do Ministério Público que se queira independente face aos restantes poderes do Estado.
Com efeito, tratando-se, como se trata, de uma magistratura hierarquicamente organizada, dirigida pelo Procurador-Geral da República, com ampla competência, ele sim, para a emissão interna de instruções vinculativas e de natureza específica, é aí, na definição do estatuto do Procurador-Geral da República, que se evidenciam aqueles que, de pleno, advogam a autonomia e, portanto, garantem ao cargo estabilidade política; e aqueles outros que, discursando sobre a autonomia, permitem e defendem afinal a total e permanente dependência do cargo de Procurador-Geral da República de critérios da mais pura discricionariedade política.
Definir, por isso, o mandato do Procurador-Geral da República é apenas uma exigência que decorre, logicamente, da consagração real da autonomia do Ministério Público. Fazê-lo, impede, por um lado, a sua nomeação vitalícia, inconcebível num Estado de direito democrático por impeditiva do saudável princípio da alternância;...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... e, por outro lado, garante a estabilidade ao longo do mandato, pressuposto sem o qual se retirará qualquer verdadeiro sentido à afirmação de uma autonomia com independência.
Autonomia com mandato significa, portanto, independência. Autonomia sem mandato estável nega a própria autonomia, afecta a transparência do sistema e permite a manobra e a pressão políticas que, então contraditoriamente, se diz pretender evitar-se.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso que o Governo apoie a nomeação do Procurador-Geral da República por um período de cinco anos renovável uma vez e durante o qual se garanta que a sua exoneração, a ter lugar, apenas poderá ocorrer a pedido seu ou por motivos de natureza disciplinar.
E não se pretenda desviar a atenção da essência do problema tentando lançar equívocas suspeições relativamente à permanência no cargo do actual Procurador-Geral da República.
Temos claramente afirmado o reconhecimento da elevada dignidade com que tem exercido as suas funções e eu próprio tive já ocasião de afirmar publicamente entender que a norma que venha a definir o respectivo mandato não deve ter aplicação rectroactiva. É isso que resulta para já da inexistência de qualquer disposição transitória.
Todavia, para a hipótese de se entender dever produzi-la, adiantarei ser já da opinião de que com a entrada em vigor da nova lei, e só aí, deverá dar-se início ao primeiro período de cinco anos, mantendo-se assim, no cargo, o actual Procurador-Geral da República.
Deste modo se dignifica o sistema, se respeita totalmente e sem hipocrisias ou subserviências a autonomia do Ministério Público e se renova a confiança na pessoa do Procurador-Geral da República.
E não se diga também, tentando justificar o inexplicável, que desta forma desaparece, sobre o Procurador-Geral da República, o duplo controlo democrático radicado na possibilidade da sua exoneração a lodo o tempo por acordo entre o Governo e o Presidente da República.
Quem tem a independência como atitude, como convicção interiorizada e como conceito claramente assumido não pode deixar de manifestar a sua perplexidade perante uma proposta que, por um lado, se afirma defensora da independência do Procurador-Geral da República enquanto magistrado e, por outro lado, faz dele o único magistrado cuja permanência no cargo depende de um controlo e de uma vontade meramente políticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -É, pois, aqui, Srs. Deputados, que se joga a verdadeira autonomia do Ministério Público, sendo justamente na composição do seu Conselho Superior que deve estabelecer-se a matriz de democraticidade que uma magistratura não electiva não comporta originariamente.
E por isso que em tomo daquela composição novas questões se suscitam.
E, uma vez mais, também aí uma reflexão desapaixonada se imporia. Alguns projectos, invocando, apressadamente (a meu ver) a Constituição, e de uma assentada, varrem do Conselho os procuradores-gerais distritais e as personalidades designadas pelo Ministro da Justiça. Em ambos os casos agora mal, percebendo-se, porém, agora também, que de entre a autonomia aparente afirmada no Conselho e a autonomia efectiva garantida no Procurador-Geral da República há que optar, nós optamos pela efectiva.

Página 1037

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1037

Também não é essa, nesta matéria, a posição do Governo.
O Conselho Superior é um orgão de Estado com alargadas competências inspectivas, disciplinares e de gestão sobre a magistratura do Ministério Público, que, repete-se, constitui uma magistratura hierárquica. Nele terão, portanto, de ter assento aqueles que, no topo da hierarquia e nos vários distritos judiciais, são os directos responsáveis pelo funcionamento do Ministério Público, os procuradores-gerais distritais. Excluí-los seria retirar ao órgão a eficiência e a responsabilidade de decisão que jamais lhe deve ser negada.
Por outro lado, o Ministério Público, ainda que com autonomia reforçada, continua a servir a sua matriz fundamental de representante do Estado, exercendo actividade vinculada e na dependência de instruções do Ministro da Justiça no domínio da defesa dos interesses privados do Estado, do mesmo modo que lhe cabem ainda competências a serem exercidas no quadro da política definida também pelo Governo, como seja, por exemplo, a de promover acções de prevenção criminal.
Tanto basta, pois, para justificar a presença, em número, aliás, muito reduzido de personalidades designadas pelo Ministro da Justiça, que não são, sequer, suas representantes. E se tal podia discutir-se num quadro do dependência do Procurador-Geral da República façe ao Governo e ao Presidente da República, torna-se agora, para nós, indiscutível, uma vez garantida ali a autonomia do Ministério Público.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É então, na colegialidade do orgão e na pluralidade da sua composição, que se garante o acompanhamento crítico democrático do funcionamento da magistratura do Ministério Público, por esta via se mantendo o óbvio mas ténue cordão umbilical que, na expressão de Almeida Santos, deve continuar a ligar o representante e o representado. Falar, por esse motivo, em violação da autonomia do Ministério Público não tem, pois, qualquer credibilidade.
Mas pior ainda, quando da composição de um órgão de Estado se trata, é o modo como surpreendentemente o projecto apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera a eleição, para o Conselho Superior, dos magistrados do Ministério Público.
Aderindo, acriticamente, a outras propostas, o Partido Socialista faz seu um projecto que obviamente lhe não pertence nesta parte,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ...conseguindo aqui ficar, de novo, ligado ao Partido Comunista, que o acompanha em tão patente manifestação de corporativismo. Terá sido, certamente, distracção, já que ver o PS confundir democracia, que sempre respeitou e continua a respeitar, com legitimação de classe para integrar um órgão de Estado deixa em todos nós fundadas preocupações quanto - permitam-me o humor - a algumas incidências no Partido Socialista de algumas dissidências do Partido Comunista!

Aplausos do PSD.

Um colégio eleitoral único, em que todos os magistrados elegem todos os seus membros do Conselho, sem respeitar a escolha ditada por interesses de Estado, ern que o que deve contar é o conhecimento, em cada escalão da hierarquia, dos problemas e dos temas próprios que a cada um respeita, transforma aquela representação ern projecção de classe, deixando-se sempre o orgão ferido, na sua própria concepção do pecado original do corporativismo, e marcado pela disputa político-ideológica, quando afinal se lhe reclama sentido de Estado e independência.
Ninguém nega, numa sociedade democrática, o preponderante papel das organizações sindicais ou das classes profissionais, mas transformá-las em agente legitimador de um órgão de Estado será, certamente, excessivo!
É por tudo isso que, entre todos os projectos de lei ern discussão, apenas aquele que vem subscrito pelo Grupo Parlamentar do PSD garante, ao mesmo tempo: a efectiva autonomia do Ministério Público, definindo a estabilidade e não a precariedade do cargo de Procurador-Geral da República e retirando ao Ministro da Justiça a competência para a emissão de instruções de carácter genérico;...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... a democraticidade da respectiva magistratura, fazendo intervir no seu Conselho Superior membros designados ou eleitos por órgãos de soberania originariamente legitimados pelo voto popular; e a eficácia da gestão, garantindo a participação, no mesmo Conselho, de magistrados responsáveis na hierarquia e de outros realmente representativos dos vários escalões em que esta se desdobra e das principais regiões onde se situa a sua actuação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, dois outros pontos merecem referência especial. O primeiro, o que conduz à reflexão da relação a estabelecer entre o Ministério Público e os órgãos da polícia criminal; o segundo, o que se prende com a figura do auditor jurídico.
No que ao primeiro se refere e é bem conhecido, confirmo que sim, o meu pensamento de sempre nesta matéria - importa distinguir, nomeadamente na Polícia Judiciária, a sua dependência orgânica do Governo, onde se inscreve como departamento, da sua dependência funcional ou processual do Ministério Público. Por força desta dependência, garantida pelas leis do processo penal, detém o Ministério Público competência própria para a fiscalização processual da polícia, fazendo-o por iniciativa própria quando quiser e se quiser em todos os processos.
O que ao Ministério Público deve estar vedado, como competência originária própria, e agora mais em façe da sua total autonomia neste domínio, é apenas a inspecção orgânica da Polícia Judiciária, como está e sempre esteve vedada igual inspecção aos serviços prisionais ou de menores ou a quaisquer outros dependentes de diferentes órgãos de soberania e cuja competência fiscalizadora cabe à Assembleia da República e ao Governo, ele próprio directamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deve, portanto, ficar claro que ao Ministério Público assiste a competência própria de fiscalizar processualmente a polícia, não sendo de excluir, se tanto for considerado mais clarificador, mas apenas nesse

Página 1038

1038 I SÉRIE-NÚMERO 34

sentido, que tal competência venha ainda a constar da Lei Orgânica agora em revisão, sendo certo, todavia, constituir isso uma verdadeira redundância face ao que dispõe o Código de Processo Penal.
Entretanto, a própria fiscalização para lá do processo não só mantém, no projecto do PSD, a solicitação, como deve ser, do Ministro da Justiça, como pode ser determinada ainda pelo Ministério Público, directamente, a coberto da sua outra competência, que se mantém, a de promover a defesa da legalidade.
Que outro sistema se conhece tão transparente como este?
E será bom não esquecermos, Srs. Deputados, que, no dia em que transferirmos para uma magistratura do Ministério Público assim independente e autónoma competências e poderes que o Estado de direito lhe não deve atribuir não estaremos a dignificar o Ministério Público, mas antes a passar um atestado de menoridade às virtudes da própria democracia e à nossa capacidade de nela acreditar.

Aplausos do PSD.

Mas se ao Ministério Público não cabe governar, não cabe também ao Governo funcionalizar ou governamentalizar o Ministério Público, pelo que cumpre rever o actual estatuto do auditor jurídico, ao qual não está hoje cometida qualquer, f unção de controlo sobre os actos do Governo, mas apenas, de acordo com a lei, uma função meramente consultiva e a ter lugar apenas a solicitação do membro do Governo ou do departamento junto do qual actua.
Extinguir o auditor jurídico é, assim, também uma decorrência lógica do respeito pela autonomia do Ministério Público.
Não se vê, porém, que numa discussão alargada, na especialidade, não possa admitir-se a colocação, em seu lugar, de membros destacados a' partir, por exemplo, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, com funções idênticas, dependendo, porém, tanto de solicitação nesse sentido como de decisão favorável do Procurador-Geral ou do Conselho Superior do Ministério Público.
O que está em causa é a essência da figura do auditor como categoria profissional, não necessariamente a existência da consultadoria jurídica a prestar, em determinadas condições, por magistrados superiores do Ministério Público, desde que garantido, no concreto, o necessário encontro de vontades entre a entidade que solicita e o próprio Ministério Público. Também aqui é a autonomia do Ministério Público que se respeita.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é o projecto pelo grupo parlamentar do PSD aquele que se mostra constitucional e democraticamente credível, sem embargo, certamente, dos aperfeiçoamentos que a discussão na especialidade sempre permite.
Afinal, Srs. Deputados, se num exercício de imaginação admitíssemos que a lei actual previa já um mandato não precário para o cargo de Procurador-Geral e um partido, por exemplo o PSD, apresentasse um projecto alterando a lei no sentido de permitir a exoneração daquele, a todo o tempo, pelo Presidente da República sob proposta do Governo, que alarido não faria a oposição, e então bem, em defesa da autonomia do Ministério Público!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E se a lei não previsse a existência de auditores jurídicos e um grupo parlamentar, por exemplo o do PSD, apresentasse um projecto consagrando aquela figura com o seu actual perfil, que alarido não voltaria a fazer a oposição, e então de novo bem, contra a funcionalização e a governamentalização do Ministério Público?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porquê então este alarido, agora mal, contra um projecto apresentado por um grupo parlamentar, na circunstancia o do PSD, que aprofunda a democracia, que dignifica o Estado de direito e que leva ao sistema um suplemento de transparência, tudo no reforço da independência de um órgão próprio dos tribunais?
É que a independência, Srs. Deputados, todos o sabeis, radica lá no fundo da ética política ali onde as coisas são ou não são e onde as palavras dos discursos só têm eco no significado das acções que realmente as confirmam.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Odete Santos, José Vera Jardim, José Magalhães, Narana Coissoró e Luís Sá.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro, confesso que já desesperava de ouvir V. Ex.ª durante este debate, até porque queria que esclarecesse um mistério.
V. Ex.ª disse, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, quando a ela foi para debater o orçamento do Ministério da Justiça, que ern Março, o Governo apresentaria uma proposta de lei sobre uma revisão global da Lei Orgânica do Ministério Público.
Ora, poucos dias depois, apareceu-nos, sim, um projecto de lei apresentado pelo PSD.
Pergunto, pois, a V. Ex.ª se esse projecto de lei era, de facto, a proposta de lei que o Governo linha preparada ou se ainda pensa apresentar qualquer outra revisão da Lei Orgânica do Ministério Público.
Como ainda vamos proceder a mais uma intervenção em que abordaremos algumas das questões que o Sr. Ministro da Justiça focou, queria agora perguntar se V. Ex.ª acha que, de facto, é suficiente a fiscalização da Polícia Judiciária e das outras polícias pelo Ministério Público apenas no âmbito dos processos, naquela zona que o Sr. Procurador-Geral da República referiu como sendo uma zona de fronteira antes de uma actividade processual. Isto é, a zona que envolve reais perigos para os cidadãos: a das averiguações sumárias e das escutas telefónicas sem processo instaurado e a zona em que determinado indivíduo se toma um «suspeito» sem que o seja de facto? Essa zona não o preocupa? Não entende que deverá o Ministério Público intervir nessa área?

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 1039

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1039

A Oradora: - Por último, Sr. Ministro da Justiça, acha que o PSD ou V. Ex.ª - não sei bem -, ao propor alterações aos artigos 32.º, 45.º e 59.º da Lei Orgânica do Ministério Público, precisamente naquelas alíneas em que se previa a fiscalização dos órgãos da polícia criminal pelo Ministério Público, pode aqui vir dizer, em nome da legalidade democrática, que o Ministério Público pode intervir directamente?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Ministro da Justiça, ao verificarmos que V. Ex.ª ia intervir, reservámo-nos para lhe colocar algumas questões. Não que o Ministério da Justiça' seja o autor confesso deste projecto, mas a intervenção de V. Ex.ª veio dar o imprimatur oficial àquilo de que já tínhamos conhecimento ao longo destas últimas semanas, quanto à autoria moral do projecto.
As questões que queria colocar-lhe tem que ver com a grande «secura» do preâmbulo e eu que gostaria de receber mais «molho». Não o «molho» exegético ou doutrinário da intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, mas outro tipo de «molho». Assim, fiquei à espera da intervenção de V. Ex.ª para ver se isso vinha. Não veio. Tenho, portanto, de pedir a V. Ex.ª para me esclarecer.
Em relação à fiscalização da polícia criminal pelo Ministério Público, V. Ex.ª apoia o projecto do PSD e as respectivas soluções em argumentos de estrita ordem jurídica e, assim sendo, a questão que colocarei a V.Ex.ª vem no seguimento da intervenção do meu colega Almeida Santos - é que, nestas questões, deve tocar-se, como ele referiu, com mão «tremente».
Pergunto a V. Ex.ª, com grande sinceridade - e espero que me responda com igual sinceridade: o que é que estava mal até agora na prática da fiscalização do Ministério Público sobre a polícia de investigação criminal? Havia erros? Havia omissões? Havia problemas? Havia dificuldades?
É que se não havia, Sr. Ministro da Justiça, deixe-me dizer-lhe que não foi com mão «tremente» e com cuidado que se resolveu esta questão. Porque não é justificação plausível e suficiente a teoria, originalíssima, dos direitos originários.
Igual questão coloco relativamente às auditorias. V. Ex.! vem tentar convencer a Câmara de que o problema é de natureza jurídica, que é um problema de correcção jurídica. Volto a colocar-lhe a questão: o que é que estava mal no trabalho das auditorias? Quais eram os erros e as omissões para que se tivesse caminhado para uma solução deste tipo, contra uma solução que, ainda há menos de vinte e quatro horas, o Sr. Procurador-Geral da República qualificava como ímpar na Europa, como recebendo da generalidade dos países europeus o grande apoio e grande elogio.
Era sobre estas duas questões que queria saber se V. Ex.ª trazia algum «molho», alguma substância, para além da «secura» dos argumentos jurídicos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Vera Jardim usou todo o tempo de que dispunha o PS. Entretanto, foi cedido algum tempo ao Sr. Deputado José Magalhães pelos Grupos Parlamentares de Os Verdes e do CDS.
Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Ministro da Justiça, V. Ex.ª revelou verdadeiramente «amor de pai» na sua intervenção e acho quo isso é positivo. Este projecto é um caso de «procriação assistida». V. Ex.ª foi o dador, apresentou-se como «pai» - o que não aconteceu relativamente ao segredo de Estado -, é positivo que tenha dado a «cara».
Agora, os argumentos é que não são bons.
Repare que V. Ex.ª é o principal responsável por este embróglio - assumamos isto! -, pois há um ano e tal que se está à espera de uma iniciativa nesta matéria. Entretanto, houve a renovação da Câmara, mas V. Ex.ª apresentou no Conselho de Ministros, em 1990, uma proposta, que não foi avante, em que propunha a supressão dos «olheiros» no Conselho Superior do Ministério Público. Estava V. Ex.ª ao serviço de alguma dissidência estranha e levou para trás do Governo, coisa que o corrigiu até à data?!
Em segundo lugar, V. Ex.ª disse a um jornalista, que ali está sentado pacificamente, no início de Janeiro, que o Governo apresentaria uma proposta de mini-revisão da lei orgânica, exactamente como nós o fizemos, no sentido de acatar a Constituição. Não o fez! Dias depois, aparecia com a ideia de uma revisão global em Março - já não se fazia a mini-revisão - e, dias depois, aparece a dar o material substantivo que originou esta proposta.
Hoje diz-nos: «Os senhores querem atacar a autonomia e nós somos «campeões!»
Sr. Ministro, isto não tem credibilidade nenhuma. Ainda por cima, porque surge com uma concepção em relação a teses suas no passado, hoje desautorizadas, que rompem radicalmente com aquilo que sustentou preteritamente, como já foi demonstrado.
V. Ex.ª tem uma noção de polícia em que, aparentemente, se quer assumir como hierarca dos hierarcas da polícia, o polícia dos polícias, não aceitando esta ideia normal que é a de que as polícias tem de ser fiscalizadas pelo Ministério Público. Está o Procurador-Geral da República, quando nos vai dizer à 3.ª Comissão que isto rompe com uma regra fundamental, no banco dos réus de alguma dissidência ou incidência perigosa que deva ser objecto de vigilância? É preocupante, Sr. Ministro!
Outro argumento é o respeitante à articulação da reforma que agora estamos a discutir e a reforma que V. Ex.ª estava a preparar secretamente, que interrompeu alvoroçadamente, e que foi obrigado a reatar quando os magistrados o descobriram, porque estamos em Estado democrático e à luz do dia. Como vamos fazer agora, Sr. Ministro?
Estão aqui em debate as normas para uma mini-revisão; há um mês V.Ex.ª não achava necessário colocar em causa o mandato do Procurador-Geral da República e declarava-o ao jornal Semanário, peremptoriamente - essa não era uma questão que se colocasse na mini-revisão. Agora é! Rompe com as teses do PSD, de sempre, nessa matéria, e fá-lo com um ar de que foi sempre assim. Não foi! E, agora, anuncia que vai fazer uma revisão alargada, talvez em Março.
Pergunto-lhe, então, qual é o âmbito dessa revisão alargada e o que é que estamos aqui a fazer. Como é que «articula» - outra palavra essencial no novo léxico, para além de «harmonizar» - esta operação de inseminação artificial com a revisão alargada?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

Página 1040

1040 I SÉRIE-NÚMERO 34

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, quero desde já dar uma explicação em relação ao reparo que V. Ex.ª fez sobre o nosso projecto, ao afirmar que utiliza, em vez de «instruções», o termo «recomendações» a propósito das acções cíveis em que o Estado é parte privada. A única vez em que aparece «recomendações», em vez de «instruções», é efectivamente no artigo 59.º, no qual se diz que compete ao Ministro da Justiça «fazer recomendações ao Procurador-Geral da República de ordem específica quanto à actuação do Ministério Público em acção cível em que o Estado seja parte, sem prejuízo da autonomia científica, técnica e estatutária do Ministério Público».
É esse o único preceito do nosso projecto em que aparece a palavra «recomendações», o que acontece pela simples razão de que no referido caso o Ministério Público é advogado do Estado e, como tal, seu procurador e não núncio. Não vai, pois, um advogado do Estado cumprir fielmente no tribunal, tintim-por-tintim, o que o Ministro da Justiça lhe diz. O Ministro da Justiça dirige-lhe uma recomendação, mas é ele que tem de gerir a estratégia do processo no tribunal. Sc é certo que um advogado não gostaria de receber instruções do seu cliente, não vejo por que razão tem o Ministério Público de receber instruções do seu patrão, que é o Ministro da Justiça. O que ele recebe são recomendações para, no melhor momento do processo, sem prejuízo da sua autonomia científica e técnica e da autonomia que qualquer advogado tem, concretizar esta recomendação.
V. Ex.ª leva aio longe a sua subordinação ao Ministério Público que lhe quer dar instruções para ele, no tribunal, dizer o que o Ministro quer. Penso, todavia, que não é necessário tanto.
Quanto à volta que hoje V. Ex.ª veio aqui dar, julgando que a dá de cima, dir-lhe-ei que não a dá de cima, mas de baixo, porque, ao dar agora a explicação da cisão entre a competência orgânica e a competência no processo, a verdade é que não é isso que consta do projecto do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No projecto do PSD está uma coisa totalmente diferente. Tanto assim é que ele deu esta polémica toda e que o próprio Sr. Deputado Costa Andrade veio aqui fazer sugestões de redacção, aditando novas frases, o que - diga-se de passagem - veio estragar ainda mais o texto.

Risos do PS e do PCP.

Agora, V. Ex.ª vem dar uma explicação angélica do que consta do projecto mas que não encontra qualquer fundamento no texto literário em causa. O que aqui está escrito é a competência global, tanto orgânica, como funcional, do Ministério Público, na dependência do Ministro da Justiça.

O Sr. Cosia Andrade (PSD):- Errado, não está lá orgânica nenhuma!

O Orador: - É o que está no vosso projecto. A distinção é bem vinda e será apreciada em sede de especialidade, bastando a sua palavra, como autor do projecto, para termos a garantia de que assim será. Já é um avanço muito importante a discussão na especialidade desta matéria, com o que ficamos satisfeitos. Não nos venha é dizer que é isto o que está no projecto do PSD, porque realmente não está.

(O orador reviu).

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente, não está!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, ouvi com muita atenção a sua intervenção, sobre a qual pretendo colocar-lhe apenas três breves questões.
Uma dessas questões refere-se à composição do Conselho Superior do Ministério Público. 'Não voltando à questão da constitucionalidade, quero colocar-lhe, muito concretamente, a seguinte: como é que o Sr. Ministro reage ao problema da representatividade democrática dos membros do Conselho designados, no conjunto, pela Assembleia da República e pelo Governo? Como é que reage à questão, de numa determinada forma de entender (a do PSD), a designação corresponder, no fim de contas, a tornar a maioria mais maioria e a minoria ainda mais minoria do que é de acordo com os resultados eleitorais? Tenciona eventualmente o Sr. Ministro designar personalidades de reconhecido mérito da área dos partidos da oposição?
Quanto à questão do colégio eleitoral único, considera o Sr. Ministro que o colégio eleitoral único é corporativismo. A pergunta concreta que lhe faço é a seguinte: não será corporativismo, por exemplo, o facto de os procuradores-adjuntos designarem o Procurador-Gcral-Adjunto?
De resto, creio que o grande problema que nos opõe em relação ao corporativismo reside na respectiva concepção autoritária e no modo como ele foi invocado, para justificar uma ditadura, quando não envolvia efectivamente qualquer grau de participação.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Passando à última questão que desejo colocar-lhe, o Sr. Ministro justificou a limitação do mandato do Procurador-Geral da República numa questão de estabilidade. Sem abordar o problema de fundo, quero, concretamente, dizer que das duas uma: ou prevalece o entendimento de que o Procurador-Geral da República tem o mesmo estatuto constitucional que o dos outros magistrados - e, nesse sentido, só pode ser demitido a seu pedido ou por razões disciplinares - ou, em alternativa, é necessária a conjugação de vontades de dois órgãos de soberania - o que significa realmente que não haja a precariedade e o perigo para a estabilidade que o Sr. Ministro considera tanto ameaçar a respectiva figura.
Creio, de resto, que a própria estabilidade que tem havido em relação às figuras dos procuradores-gerais demonstra, com bastante clareza, que o perigo não é tão iminente ou, melhor, que na realidade nem sequer existe perigo nesta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

Página 1041

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1041

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por responder à primeira pergunta colocada pela Sr.ª Deputada Odete Santos, a pergunta do mistério, que hoje, por acrescida razão, é, obviamente, um «mistério público».
O que aconteceu no esforço de produção legislativa que cabe à Assembleia da República, como lugar por excelência da elaboração de diplomas legislativos, e ao Governo é explicado em função do que são, primeiro do que tudo, a escolha das matérias essenciais para que sobre elas se intervenha legislativamente e, em segundo lugar, a compaginação da opção pelo órgão que vai ler a iniciativa legislativa em função daquilo que é, também por parte da Assembleia da República, a eventual tomada de iniciativa legislativa por outro tipo de grupos parlamentares.
VV. Ex.ª não perdoariam certamente ao Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, que se preocupa com estas matérias, que, uma vez pedido, no uso do direito potestativo de agendamento pelo Partido Socialista, o agendamento de um projecto de lei que revê a Lei Orgânica do Ministério Público, não viesse também ele solicitar o agendamento de um projecto nesta área, do mesmo modo que seria perfeitamente natural - até por não termos problemas nem de autoria nem de esconderijo relativamente às origens e ao modo como concebemos a produção legislativa - que o Partido Social-Democrata, sabendo que o Governo eslava ele próprio a preparar uma iniciativa legislativa nesta área, quisesse articular aquilo que seria o seu projecto de lei com aquilo que viria a ser a proposta de lei a organizar pelo Governo.

Aplausos do PSD. Protestos do PCP.

Pergunta agora a Sr.ª Deputada Odete Santos se as soluções contidas no projecto são minhas. Certamente, Sr.ª Deputada, que adiro a estas soluções, o que não significa que elas sejam necessária e originariamente minhas. Mas adiro realmente a estas soluções, o que faço em termos claros e em termos que obviamente tem capacidade para convencer VV. Ex.ª, porque quando VV. Ex.ª seguem a técnica de interromper sistematicamente o orador, é por saberem que, se o deixam falar, ele acaba por vos convencer.

Aplausos do PSD.

Não há equívocos nem mistérios nesta matéria. As coisas são transparentemente assim.

O Sr. José Magalhães (PS): - Completamento!...

O Orador: - E são tão transparentemente assim que não perguntamos nem lemos de perguntar como foram feitos os projectos de lei apresentados pelos outros partido da oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - São projectos de lei que tem a autoria e a responsabilidade dos grupos parlamentares que os subscrevem, sendo igualmente certo que qualquer grupo parlamentar tem o legítimo direito de recorrer a quem entender para, em conexão com essas entidades, pessoas ou grupos quo escolheu, elaborar o projecto que, uma vez subscrito por ele, é o seu projecto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este projecto é claramente o projecto do Grupo Parlamentar do PSD e tem claramente a articulação com o Governo através do seu Ministro da Justiça. Dissemo-lo desde o princípio. Nós não falamos de transparência: vivemo-la!

Aplausos do PSD.

Permitir-me-ia, para não esgotar o tempo, responder a uma pergunta colocada pela Sr.ª Deputada Odete Santos e que também foi colocada por outros Srs. Deputados que me deram o prazer de questionar a minha intervenção, e que é a que tem a ver com a fiscalização dos órgãos de polícia criminal.
Srs. Deputados, não vou, evidentemente, invocar o debate político nem sempre permite que se reconheça, publicamente, o que se sente na alma - a questão de saber se poderia vir aqui com um mínimo de tranquilidade ética se o projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, em articulação comigo, fosse a radical, a lotai inversão daquilo que eu pensava serem as relações entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária, sendo certo que neste domínio se esgotam interesses, valores e direitos fundamentais do Estado de direito, da democracia e dos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Podemos, Srs. Deputados, iodos e cada um, mudar de opinião. Agora, há pontos nucleares essenciais na existência e no percurso de cada um de nós que, aí, outra vez, vêm da profundeza da ética e ou são ou não são. E nós ou somos a favor dos direitos do homem ou somos a favor da essência, ela própria da democracia e, portanto, somos a favor de um combate claro à ilegalidade ou à possibilidade de ilegalidade ou, então, fechamos a porta, vamos embora, vender, porventura, banha da cobra, mas aqui, neste lugar, não!

Aplausos do PSD.

Ê justamente por isso, Srs. Deputados, que ler numa Lei Orgânica do Ministério Público como competência sua fiscalizar a Polícia Judiciária acontece, justamente, naqueles sistemas e naqueles países onde não lendo o Ministério Publico, tradicionalmente, competência para dirigir a investigação criminal e sendo, simultaneamente, uma magistratura dependente do governo, então este, legislativamente, delega naquela estrutura de si dependente uma competência própria da administração que é a de fiscalização dos órgãos de polícia-criminal,...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É isso mesmo!

O Orador: -... mas não lha dá, normalmente, no processo penal - que é, como todos sabem, um diploma de direito adjctivo-substantivo - a competência própria para dirigir por si, autonomamente, a investigação criminal.
Isso acontece no sistema jurídico-legal português, acontece em consequência de um Código de Processo Penal proposto pelo anterior governo, apoiado por esta mesma maioria que agora está aqui a dizer, tranquilamente, que o Ministério Público não tem de fiscalizar organicamente a Polícia Judiciária, porque ali, no local certo onde se diz que relação se estabelece entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária e onde, politicamente, tantos não

Página 1042

1042 I SÉRIE -NÚMERO 34

querem que isso aconteça, se consagrou que o Ministério Público é o dono e o senhor da investigação criminal. Por essa via, o Ministério Público fiscaliza, inspecciona todos os processos da Polícia Judiciária, sempre que queira.
Para lá disso, Srs. Deputados, ao Ministério Público cabe fiscalizar a legalidade democrática e o problema, quando construímos uma lei, que é um problema jurídico e tem de ter qualidade técnica, não está em sossegar os espíritos políticos mais ou menos exacerbados, está em legislar com qualidade técnica. E se o Ministério Público, por força da sua lei orgânica, fiscaliza a legalidade democrática, se o Ministério Publico, por força do Código de Processo Penal, dirige a investigação criminal, ele tem aí, por essa via, todos os instrumentos para fiscalizar o funcionamento da Polícia Judiciária, seja no âmbito do processo, seja no domínio das escutas telefónicas, seja no domínio das averiguações sumárias, porque são situações onde, em concreto, podem pôr-se questões de legalidade.

O Sr. «Guilherme Silva (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Mas, mais do que isso, a única coisa que se entende que não deve caber ao Ministério Público é isso que fica residual de uma fiscalização sobre o número de funcionários, sobre o número de departamentos, sobre a organização dos departamentos. Até aí, para que se não deixasse uma qualquer brecha no sentido da capacidade de resposta do Ministério Público, prevê-se a possibilidade de, a solicitação do Ministro da Justiça, até isso ser feito.
Agora o que há por detrás de tudo isto, Srs. Deputados, é uma questão de fundo. É que nós temos, no projecto que o PSD apresentou, a total autonomia do Ministério Público enquanto independência do Ministério Público. E nós assumimos essa independência.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então o Procurador-Geral da República não percebeu isso?

O Orador: - E porque assumimos essa independência, sabemos o que fica no Ministério Publico totalmente independente do Executivo e sabemos aquilo que, residualmente, pertencendo ou relevando do domínio do poder da administração, deve caber ao Governo e deve ser fiscalizado pela Assembleia da República, a que VV. Ex.ª, Srs. Deputados, pertenceis, que tem poderes de fiscalização dos actos do Governo e que não deve também, necessariamente, abrir mão deles.
Srs. Deputados - e eu sei que é esse o vosso objectivo - , o que nos traz a este debate é, sobretudo, a ideia de Estado e de procurar - na especialidade, com certeza que o conseguiremos - concretizar um projecto que possa congraçar as várias opiniões essenciais em torno desta matéria.
Mas, Srs. Deputados, se a certa altura puxamos a corda ao ponto de legitimarmos a nossa tranquilidade do dia a dia, transferindo todos os poderes de controlo sobre o Estado de direito, sobre os cidadãos, sobre a legalidade, para uma estrutura que - nobilíssima, de grande competência, como o é a do Ministério Público - não releva de uma eleição democrática, estamos, sem querer - repito que não quero injuriar quem quer que seja - , a passar um atestado de menoridade à democracia, estamos a não acreditar na Assembleia da República, estamos a não acreditar no Governo, estamos, no fundo, a sonhar com exemplos que não são os que, hoje, aqui nos têm e aqui nos trazem.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, eu não disse que isto está no espírito de VV. Ex.ª O que digo é que é fundamental que sejamos confrontados com uma articulação equilibrada de heterocontrolo entre os vários poderes do Estado. Não importa que um qualquer poder do Estado ou um qualquer órgão tão nobre como o é o Ministério Público, noutro poder do Estado que são os tribunais, tenha, a dado passo, a imagem da referência moral e ética única, pois é por esse caminho que, normalmente, se começa com boas intenções e se acaba onde todos VV. Ex." sabem. Não pelas pessoas concretas, mas pela ideia, pelo que subjaz à intenção, pela incapacidade de viver o risco da democracia, que é isso mesmo: é desafio, é risco, é conflito, mas é isso mesmo!
Não podemos descansar sobre uma estrutura, sob a capa diáfana da independência que ela tem de ter e que deve ter, mas que é um elemento fundamental no conjunto dos vários valores fundamentais que, esses sim, edificam aquilo que verdadeiramente releva de uma concepção democrática do mundo e da vida.
Quanto ao Sr. Deputado José Vera Jardim, esclareço que partilho a autoria moral do projecto. Não sou o único autor moral do projecto, mas partilho essa autoria moral.
E passaria agora à fase do «molho», relativamente às questões que tem a ver com os problemas que VV. Ex.ª dizem serem apresentados muito a seco no preâmbulo.
Quanto à fiscalização, V. Ex.ª colocou, com inteligência - e, portanto, colocando mais difícil a questão - não o problema de saber como resolvíamos a questão da fiscalização - V. Ex.ª já tinha percebido que a tínhamos resolvido -, mas sim a questão de saber o que funciona mal na situação actual.
Sr. Deputado, é fácil responder-lhe que, sabendo agora, como sabe, qual é a intenção do projecto de lei do Partido Social-Democrata quanto à fiscalização da polícia, posso dizer-lhe - e digo-o com perfeita convicção do que afirmo - que nada tem funcionado mal a esse propósito e tanto não tem que o Ministério Público continua a ter capacidade para inspeccionar a partir da sua dependência processual, a partir do controlo da legalidade.
Agora o que é importante dizer é que não podemos, do ponto de vista legislativo e quando lemos de intervir sobre uma questão estrutural do Estado de direito, legislar ou não apenas porque o que está em vigor funciona bem ou funciona mal.
Sc não estivesse a dirigir-me ao Sr. Deputado José Vera Jardim e se estivesse a dirigir-me a alguém que nem sequer se incluísse na raiz ideológica de V. Ex.ª, nem tivesse a postura democrática que o Partido Socialista tem, diria, como mera brincadeira, que as ditaduras não se mudam apenas porque os ditadores são maus. Mudam-se porque não prestam enquanto ditaduras, mesmo que um ditador seja bom e, por isso, se atrase a mudança.

Aplausos do PSD.

Não é essa a questão. Felizmente estamos longe disso. O que é importante é que todos assumamos - e estamos longe disso - que em cada momento, no dia a dia dos direitos e da afirmação dos direitos de cada um, pode haver

Página 1043

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1043

violação de legalidade. Mas a maneira de evitar a violação da legalidade é termos também um espírito aberto ao funcionamento da democracia, e nós próprios termos, sobre o mundo e a vida, uma concepção que não é uma concepção de permanente lula contra uma ditadura que pode surgir ou não, mas uma permanente lula, tranquila, pela democracia que, felizmente, aí está, e na qual todos nós, uns mais outros menos, tivemos o prazer de participar.
O mesmo digo relativamente às auditorias jurídicas. V. Ex.ª viu - e, por ventura, para um espírito que não lenha formação jurídica pode, imediatamente, parecer que estamos aqui a encontrar uma solução que deixa tudo como está - que o Grupo Parlamentar do PSD admite que, na especialidade, possamos entender que, a solicitação do membro do Governo e por decisão do Procurador-Geral ou do Conselho Superior do Ministério Público, um Procurador-Gcral-Adjunto seja colocado como consultor jurídico junto de um departamento ou de um gabinete. Aqui sim, estamos, no fundo, a ter, se quiser, a mesma coisa, mas com uma origem de decisão totalmente diferente. Isto é, não haverá pessoas a precisar consulta jurídica a simples solicitação do Governo se o Ministério Público não tiver o poder originário de entender que sim ou de entender que não. Isso é a autonomia do Ministério Publico!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agora, o que não podemos é ter auditores jurídicos - em alguns casos eles tem, e profundamente, razão para se manifestar - que não são consultados. Ou, pura e simplesmente, pedem-se os pareceres aqui ou ali, sem consultar o auditor jurídico, ou pura e simplesmente entrega-se ao auditor jurídico um trabalho menor, funcionalizando-o e, portanto, tirando não só autonomia mas lambem dignidade à magistratura do Magistério Público.
Assim, a colocação desses consultores jurídicos tem de resultar de uma convergência de quem solicita e, por isso, se responsabiliza por aquilo que vai determinar ao auditor que faça e quem dá autorização, isto é, a estrutura onde se radica originariamente este magistrado superior do Ministério Público.
Isto é dignificar e respeitar a autonomia e não pôr em causa, minimamente, o trabalho importante e de qualidade que, sobretudo junto de vários departamentos, os auditores jurídicos tem lido.
Dir-me-ão que é apenas mudar a aparência, mas não é! É mudar a essência, só que esta, muitas vezes, confundindo-se com a aparência, acaba por diluir-se perante o aspecto mais histriónico da pura aparência.
Sr. Deputado José Magalhães, também reconheço a paternidade, sou o autor moral. Sou!... Já não sei muito bem o que foi sugerido antes. Serei um pai, com certeza que sim, embora não seja, obviamente, o pai, porque cada pai não gera por si só um filho, como calcula...

Risos gerais.

O Sr. José Magalhães (PS): -Eu não sei!...

O Orador: - Bem, por enquanto não! Mas as dúvidas postas por V. Ex.ª deixam-me, de facto, alguns problemas quanto ao controlo agora não da legalidade mas, sim, da natalidade...

Risos do PSD.

Aliás, espero que VV. Ex.ª não queiram atribuir também essa competência ao Ministério Público para que venha a fiscalizar o controlo da natalidade.

Risos do PSD.

V. Ex.ª disse que eu, em 1990, suprimia aquilo que chama de «olheiros». Devo dizer-lhe que só não aceito essa designação, porque estou profundamente convencido de que VV. Ex.ª se convencerão de que no quadro actual se justifica a presença de duas personalidades designadas pelo Ministro da Justiça.
Assim, não quero deixar-vos perante a situação, porventura embaraçosa, de amanhã terem de chamar «olheiros» a duas pessoas que serão, certamente, personalidades distintas deste País.
Porém, posso dizer-lhe duas coisas, Sr. Deputado: já reconfirmei duas vezes as actuais três personalidades designadas pelo Ministro da Justiça. De facto, nunca perguntei o que elas eram do ponto de vista ideológico e onde é que elas se filiavam do ponto de vista partidário, calculando, no entanto, que um era militante do PS -julgo que ainda é! - e foi Ministro da Justiça de um governo do PS.
Então, por que razão essa pessoa não há-de ser membro do Conselho Superior do Ministério Público, ainda que num Governo apoiado maioritariamente pelo PSD, se foi ministro da Justiça, se está filiado do PS, se este é um partido democrático e se o que está em jogo é o acompanhamento democrático crítico? Por que não?

O Sr. José Magalhães (PS): - Quem?

O Orador: - O Dr. Santos Paes.

Outra das personalidades, soube-o mais tarde, era dissidente do PSD, o Dr. Castro Caldas, e a outra era independente. Mas, seja como for, eu não me preocupei com isso!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Ele pertencia ao conselho de jurisdição do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Ministro é independente e não sabe o que o PSD fez!

O Orador: - Então, pertencem ao conselho de jurisdição do PSD, mas eu espero que, depois...

Vozes do PS: - Então, são do PSD!

Uma voz do PCP: -Nós é que não temos!...

O Orador: - Srs. Deputados, não tenho qualquer preocupação com isso. VV. Ex.ª podem dizer-me que pertencem a qualquer partido, que eu não tenho com isso qualquer preocupação! No entanto, há limites e esses são os da representatitivide.
Aliás, não lenho qualquer dúvida cm, se escolher uma pessoa que lenha qualidade para ser designada para o Conselho Superior do Ministério Público e se souber, depois, que ela é militante do PCP, não lenho qualquer dúvida, repito, em designá-lo; o problema é encontrar ainda algum que seja militante do PCP!...

Risos e aplausos do PSD.

Página 1044

1044 I SÉRIE-NÚMERO 34

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Essa afirmação é mera demagogia!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe o favor de terminar, porque esgotou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, preciso só de mais um minuto para poder responder rapidamente ao Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Ministro, falia responder à articulação!

O Orador: - Já «articularei» daqui a pouco se me derem algum tempo, porque tenho estado a tentar distribuir algumas respostas de acordo com as questões colocadas.
Sr. Deputado Narana Coissoró, peço-lhe imensa desculpa, mas trata-se de uma questão de vírgulas. O artigo proposto por VV. Ex.ª diz «fazer recomendações ao Procurador-Geral da República, de ordem específica quanto à actuação do Ministério Público em acção cível em que o Estado seja parte, sem prejuízo da autonomia científica, técnica e estatutária do Ministério Público».
Portanto, Sr. Deputado, se bem leio as entrevírgulas e as extravírgulas, VV. Ex.ª admitem duas recomendações...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Recomendações sobre competência técnica?!

O Orador: - Mas, tirando a primeira vírgula, estamos de acordo e não vale a pena estarmos a perder tempo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Recomendações sobre competência técnica?!

O Orador: - Exactamente, Sr. Deputado! Só que às vezes pôr uma vírgula a mais ou uma vírgula a menos...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ó Sr. Ministro, e só uma vírgula, não é importante!...

O Orador: - Sr. Deputado, então depois da intervenção que V. Ex.ª teve o ano passado acerca do acordo ortográfico está agora a dizer que o problema da vírgula não é importante?!...

Aplausos do PSD.

É essencial, Sr. Deputado! V. Ex.ª com esta vírgula diz uma coisa e sem ela diz outra!

Sr. Deputado, façamos um pacto que não vale a pena ir à especialidade: V. Ex.ª dá-me a vírgula e eu dou-lhe as recomendações.

Risos gerais.

Sr. Deputado Luís Sá, já respondi à questão de como é que eu reajo à legitimidade de quem convido para ser representante, embora, repita, que não se trata de representação mas, sim, de personalidade designada pelo Ministro da Justiça.
Quanto ao colégio eleitoral único, evidentemente que não tenho nada contra colégios eleitorais únicos! As questões aqui não são de tudo ou nada, elas tem de ser reconduzidas as suas próprias referências! O que precisamos é de saber o que é o Conselho Superior do Ministério Público e a que título os magistrados se auto-elegem para participar nesse Conselho.
Evidentemente que os magistrados não estão no Conselho Superior do Ministério Público para representar os seus interesses de classe, estão lá para representar aquilo que são os temas e os problemas da magistratura do Ministério Público nos vários escalões da magistratura hierarquizada.
Que todos os magistrados elejam um procurador-geral-adjunto, que todos elejam os procuradores, que todos elejam os delegados, creio que isso é corporalivizar, no mau senado, o Conselho Superior do Ministério Público e é dar-lhe uma nota de não isenção clara e transparente que, assim, resulta pela escolha que deve ser feita em função dos interesses que determinam a eleição e não colocando nesse lugar outros interesses que não aqueles que determinam democraticamente a composição de um orgão desta natureza.
Quanto ao mandato, volto a dizer-lhe o mesmo que respondi há pouco, isto é, não se trata de saber se o que está está bem ou se o que está está mal!
Do que se trata é que o Procurador-Geral da República é um magistrado, enquanto exerce funções, e é o único magistrado no nosso país que pode ser exonerado a lodo o tempo, por um acordo, mais ou menos explícito, mais ou menos transparente, entre o Governo e o Presidente da República.
Assim, entendemos que isto viola, na sua essência, com o pecado original, a independência e a autonomia do Ministério Público...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eu também acho!

O Orador: -... e é aqui que radicamos a diferença fundamental entre aqueles que, querendo a autonomia, vão até ao fim - e nós vamos - e os outros que a querem, não duvido, mas que apesar de tudo encontram aqui um cordão umbilical, não ténue, porque tem a argamassa da Constituição, embora interpretada de maneira enrolada, para que de um cordão umbilical pareça tratar-se.
Não é essa a nossa posição! Se o que está em causa é a autonomia, assumamo-la, então, com todas as suas consequência.
O projecto de lei apresentado pelo PSD, sempre susceptível de ser corrigido - aliás, nós próprios apresentámos já soluções alternativas -, é um projecto que garante, na totalidade, a autonomia do Ministério Público e retira daí todas as consequências.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro excedeu é minutos o tempo limite da sua intervenção, para a qual teve cedência de tempo por parte do PSD.
Em todo o caso, .gostaria de dizer-lhe que, de acordo com o Regimento, para o qual há pouco pedia a atenção de todos, o tempo disponível para o Sr. Ministro responder as questões que lhe foram colocadas não deveria exceder 15 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odeie Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a intervenção do Sr. Ministro e a

Página 1045

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1045

debandada geral por parte do grupo parlamentar do PSD, sou tentada a começar a minha intervenção com uma prestação de homenagem ao Sr. Ministro da Justiça, que sempre, quando vem a esta Assembleia, sabe mostrar que lira, com muita habilidade, «coelhos de uma cartola», não utilizando, como 6 óbvio, ainda o tom de vendedor de «banha da cobra», mas ameaçando, como fez, que poderia dedicar-se a isso.
A minha idiossincrasia despertada pela intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, de facto, arrepiou-se com - e devo dizê-lo claramente - a demagogia da intervenção do Sr. Ministro da Justiça, que, ao mesmo tempo que podia invocar Hamlet, como o fez sem o referir (ser ou não ser, eis a questão), escondia na sua mão a caveira que poderia simbolizar a morte do Ministério Público autónomo e independente.
O debate que hoje aqui travamos, centrado sobre a questão da autonomia do Ministério Público, não é novo e, pela dimensão das suas consequências, não se restringe unicamente ao sujeito processual que é o Ministério Público - e nisso tinha razão o Sr. Deputado Costa Andrade, é ao público que isto interessa - nem sequer fica confinado intramuros da «máquina» da justiça. Aliás, a nossa posição sobre o Ministério Público e a sua autonomia apareceu, logo na altura da Constituinte, quando propusemos como definição para o Ministério Público que ele fosse um órgão da justiça e não representante do Governo. Este é um debate velho de séculos, que opõe o autoritarismo aos anseios de liberdade e de justiça.
A subjugação dos intervenientes na administração da justiça, a sua transformação em meros instrumentos da cólera do poder, esteve sempre presente em todos os momentos da história, caracterizados por refluxos na concretização dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Não é ainda a altura de fazer intervir o coro da comédia de Aristóteles As Vespas, precisamente sobre este tema da tutela das funções judiciais pelo poder político.

Risos do PSD.

É pena que o vosso riso demonstre que não têm o mínimo conhecimento de uma obra moderna e de plena actualidade - mas o Sr. Ministro tem seguramente!
Também em Portugal, neste final de século XX, lemos, como nessa peça, um Cleónc (que era o chefe do partido que então também se denominava «popular» em Atenas) e um amigo do Cleóne, um Filocleóne, preparado para executar superiores orientações, com mão de ferro sob garra de veludo. E lambem, como naqueles tempos em Atenas, se demonstra que os magistrados não querem ser joguetes do poder político e, como membros de um órgão de justiça, apenas tem por função a defesa da legalidade democrática, do Estado de direito, dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
O debate já demonstrou, até aqui - ca realidade social que pulsa lá fora comprova-o à evidência - que as soluções consagradas no projecto do PSD (será que os subscritores, concedo-lhes o benefício da dúvida, atentaram bem nas consequências do projecto?) tomam possível uma intromissão abusiva na «máquina» da justiça. Tudo o que está ensejado e articulado nesta proposta governamental, transformada por obra e graça do PSD num projecto de lei do PSD, estrutura um quadro em que não tem assento a legalidade democrática, um quadro de domínio da investigação criminal pelo poder político que ditará aquilo que na gaveta deve ficar encerrado (por hipótese, processos de corrupção) e aquilo que deve ser objecto de acusação por parte do Ministério Público.
A esta estratégia pertencem, simultaneamente, os seguintes elementos: a fixação de um prazo renovável para o mandato do Procurador-Geral da República; a extinção (que já ocorreu) dos tribunais de instrução criminal e a policialização da instrução; a supressão dos poderes de fiscalização do Ministério Público relativamente aos órgãos de polícia criminal, nomeadamente em relação à Polícia Judiciária.
Relativamente ao primeiro ponto - a questão do mandato -, para além dos problemas que se colocam em sede constitucional quanto à solução, parece - pelo menos, parece - constituir uma vindicta ad hominem.
Não se pode esquecer - e neste momento, uma grande turbação, como diria Augusto Gil, «entra em mim e fica ern mim presa» - o inquérito ordenado pelo Sr. Procurador-Geral à Polícia Judiciária sobre o caso «São Bento Gale». Será que a fiscalização ordenada pelo Sr. Procurador-Geral à Polícia Judiciária, em geral, revelou dados incómodos? Será que isso está na base desta vin- dieta?
Processos em atraso, arrastando-se ao longo de anos, alguns de especial importância para a defesa do regime democrático, revelaram a importância da actuação do Sr. Procurador-Geral, no âmbito da natural competência de fiscalização sobre a investigação criminal conduzida pela Polícia Judiciária.
Foram, é certo, actuações incómodas para o poder político, e daí que, sem que nada o justificasse, já que, segundo vem afirmando o Sr. Ministro da Justiça, tudo tem corrido muito bem nas relações Ministério da Justiça/Procurador-Geral, sem qualquer justificação senão a da incomodidade sentida, se venha propor para o Procurador-Geral da República um contraio a prazo, renovável por uma vez, se for bem comportado, se se revelar cordato em relação aos desígnios do Poder. Só faltaria exigir ao Procurador-Geral, depois de condenado, uma caução de boa conduta!
Mas, dentro do quadro da indispensabilidade do reforço do autoritarismo, tem assumido especial importância ao longo dos anos a questão daquilo a que podemos continuar a chamar, para maior facilidade, instrução criminal, cuja problemática tem aparecido estreitamente ligada à questão da autonomia do Ministério Público. Um dos membros de comissão revisora do Código de Processo Penal afirmava em 1981: «Não creio que o Ministério Público possa, da mão do mesmo legislador, obter a competência instrutória e a autonomia funcional. Porque a instrução é demasiado importante para que o executivo dela se alheie e, portanto, a concessão simultânea da instrução e autonomia seria a concessão de um contrapoder dentro do Estado.»
Sendo assim a instrução tão importante para o poder político autoritário, bem se perceberá que denodadamente se lenha encadeado um ataque sistemático aos juízes de instrução, nomeadamente depreciando essa figura e mantendo-a num estado de quase completa ausência de meios técnicos e humanos necessários ao cabal cumprimento das suas funções. Exterminados os tribunais de instrução criminal, fácil foi justificar a atribuição da competência instrutória ao Ministério Público.
Isso faria afirmar, no IV Congresso Internacional de Magistratura do Ministério Público, a um representante português, e muito avisadamente: «Ora, tendo a competência instrutória sido atribuída ao Ministério Público, temos razões para estar cépticos relativamente à bondade da oferta». De facto, com tal atribuição, das duas uma: ou o poder político conseguia fragilizar, no

Página 1046

1046 I SÉRIE-NÚMERO 34

mínimo, a independência e autonomia do Ministério Público, ou teria de policializar a instrução para garantir a intangibilidade dos seus tentáculos de polvo.
O Ministério Público manteve-se intransigente na defesa da sua independência e autonomia, nomeadamente através da sua associação sindical. Daí que, por caminhos ínvios, se tenha caminhado para a policialização da instrução, nomeadamente através da não dotação do Ministério Público com o quadro de pessoal devidamente habilitado para desempenhar as tarefas exigíveis, facto que teria de conduzir ao desempenho pela Polícia Judiciária de funções às quais não podia o Ministério Público dar resposta. Claro como a água e naturalíssimo.
Isto não era, no entanto, suficiente. O cordão umbilical que ligava o Ministério Público ao Governo, tornou-se ainda mais ténue ou quase inexistente com a última revisão constitucional. A consagração de uma composição do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público que arredou, de vez, a possibilidade de representação do Governo através de membros nomeados pelo Ministro da Justiça naquele Conselho terá feito tocar os sinos de São Bento a rebate. Avolumavam-se as possibilidades de uma maior fiscalização pelo Ministério Público das actividades desenvolvidas pela polícia na área da investigação criminal. De toda a investigação criminal e, anoto, não só daquela que tem assento em processo instaurado. Porque só assim é possível defender a legalidade democrática. Porque averiguações sumárias, que transformam um suspeito em inimigo público n.º l, o cidadão incómodo ao Poder, são ilegais. Porque escutas telefónicas feitas contra o que a lei estabelece são desgaste da democracia.
Mas, porque o Governo pretende que a investigação criminal, a instrução, se faça segundo meros critérios de oportunidade política (pelo menos assim parece), formou o desígnio de retirar ao Ministério Público a possibilidade de fiscalizar os órgãos de polícia criminal, nomeadamente a Polícia Judiciária, e de lhe retirar a possibilidade de ordenar inquéritos às suas actividades de investigação.
Ora, é isso que resulta do projecto lei do PSD, das alterações que nele se propõem, nomeadamente aos artigos 32.º, 45.s e 59.º da Lei Orgânica.
Quanto a isto não pode haver confusões, embora o Sr. Deputado Costa Andrade tenha admitido, parece-me que em recuo, através de várias disjuntivas - ou, ou, ou-, uma série de outras soluções. Veremos, na especialidade.
Mas, atente-se no seguinte. Muito recentemente, em Setembro de 1990 - é certo que nessa altura o Governo tinha de ser cauteloso, porque já estávamos a um ano das eleições -, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária previa a dependência funcional dessa polícia face à autoridade judiciária competente, previa a sua fiscalização pelo Ministério Público.
Que aconteceu então desde essa data até hoje? Mudaram as recomendações ou as directivas internacionais?
Não! Para além da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, já realizada em 17 de Dezembro de 1979, da recomendação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 8 de Maio de 1979, de uma directiva da ONU, emitida no ano passado, e das recomendações do XIV Congresso Internacional do Direito Penal promovido pela AIDP, em 1989 - de que resultou como conclusão a necessidade de que a investigação criminal estivesse sobre a direcção e controlo de uma autoridade judiciária-, vemos que todos os instrumentos internacionais apontavam no sentido do reforço da fiscalização.
Mas, como foi salientado pelo Sr. Procurador-Geral, não há um único país da CEE onde não se preveja a fiscalização por autoridade judiciária dos órgãos policiais.
Mas aqui pretendeu-se ir - e o Sr. Ministro da Justiça confessou a paternidade - ao arrepio de toda a evolução histórica; atrevia-me mesmo a dizer que, objectivamente, os senhores apresentaram-se aqui com mais «tartufos» do que o legislador, que no ano de 1945 atribuía poderes de fiscalização ao Ministério Público na Polícia Judiciária, ,mas, de facto, como disse o Sr. Deputado Costa Andrade, administrativizava a instrução criminal, nessa altura, com a sistemática efectivação de actos de instrução pelas polícias.
Agora, apresenta-se aqui uma proposta de lei, sob forma de um projecto, que com toda a impropriedade se encabeça com a epígrafe de autonomia do Ministério Público.
Não, Srs. Deputados! Não é verdadeiramente autónomo quem, sendo detentor da acção penal, tem de pedir autorização para fiscalizar a actuação das polícias nos seus próprios processos; não é verdadeiramente dono da sua casa quem tem de pagar portagem no acesso à mesma.
E não pode falar-se, Sr. Ministro, em autonomia do Ministério Público quando, no temor de que ainda algo lhe escape ao domínio do poder político, se mantém a representação governamental no Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público.
Ora, não pode falar em autonomia do Ministério Público quem, afinal, propugna soluções que transformam esse órgão de justiça num corpo de burocratas, produtor de acusações e abstenções, agente meramente passivo e, além do mais, legitimador da actuação policial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terminarei a minha intervenção não sem me referir ainda à questão dos auditores jurídicos que se revelaram uma componente importante no sistema de garante da legalidade democrática.
Este debate, Srs. Deputados, evidenciou abundantemente que nos encontramos perante uma grave investida contra a administração da justiça, o que interessa, e muito, ao cidadão comum, cujos direitos, liberdades e garantias se podem encontrar em risco.
Na comédia de Aristófanes, no início citada, o escravo Xântias inquieta-se com um sonho que povoou de pesadelo o seu sono. Uma águia enorme descera na Praça Pública para apanhar nas ganas um escudo de bronze.
Este sonho pertence, no entanto, à história. Contamos, apesar de tudo com algum bom senso e contamos, sobretudo, com a impossibilidade de realização do absurdo: o escudo de bronze que é a justiça, continuará incólume.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições e também, praticamente, estão esgotados os tempos, pelo que, nos lermos regimentais, está encerrado o debate dos projectos de lei sobre autonomia do Ministério Público que, hoje, nos ocuparam durante o período da ordem do dia.
Nos termos regimentais, a votação far-se-á na próxima quinta-feira, à hora regimental.
O Plenário reúne amanhã, às 10 horas, e o tema é, como sabem, debate sobre assuntos de interesse regional.

Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 55 minutos.

Página 1047

28 DE FEVEREIRO DE 1992 1047

Entraram durante à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Lélis.
Fernando Cardoso Ferreira.
Guilherme Rodrigues da Silva.
José Ângelo Correia.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Manuel Casimiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Mário Belo Maciel.

Partido Socialista (PS):

José Gameiro dos Santos.
Manuel António dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):
João Gonçalves do Amaral.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Maria Manuela Aguiar.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Parado Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Eurico José de Figueiredo.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
José Martins Goulart.
Júlio Miranda Calha.
Luís Filipe Madeira.

Partido Comunista Português (PCP): Miguel Urbano Rodrigues.

Centro Democrata-Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Página 1048

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E.P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

1 - Preço de página para venda avulso, 6$; preço por linha de anúncio, 178$.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 348$OO

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida á administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda F.P. Rua de D. Francisco Manuel de Melo 5 - 1092 LISBOA-Codex.

Páginas Relacionadas
Página 1028:
1028 I SÉRIE-NÚMERO 34 certo para o mandato do Procurador-Geral da República «não aproveita
Página 1029:
28 DE FEVEREIRO DE 1992 1029 e de forma tão ruidosa como contraditória, vêm desfraldando a
Página 1030:
1030 I SÉRIE-NÚMERO 34 ordenação democrática da vida e do poder, que não comporta santuário
Página 1031:
28 DE FEVEREIRO OE 1992 1031 Para além disso, seria geradora de conflitos que ao legislador

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×