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2082 I SÉRIE - NÚMERO 65

cráticas lançadas logo nos primórdios da independência, tendo o povo sempre participado nos grandes desígnios nacionais, não faria sentido que, neste último decénio do século XX, com todas as técnicas de que dispomos para informar e auscultar a vontade popular, impedíssemos a actual geração, a que podemos chamar a geração europeia, de dar o seu veredicto sobre uma nova e decisiva etapa da sua história pátria, qual seja a da sua participação na nova arquitectura europeia.
No preciso momento em que a Europa se organiza, se reforça e avança para a sua nova configuração,.com a participação plena de Portugal em todos os seus centros decisores, seria inconcebível e intolerável que o soberano, que é o povo português, não manifestasse pelo seu voto directo, expresso e concreto o modo como pretende estar nessa nova entidade supranacional gizada em Maastricht e a forma como quer preservai a sua própria identidade moral, cultural e política nesse projecto.
Nada está ainda definitivamente adquirido para Portugal, nem para os Portugueses, nem para a Europa, nem para os Europeus, para que o povo se sinta resignado perante uma escolha para a qual não contribuiu nem conhece os seus fundamentos. O eleitorado preza os ditames irrenunciáveis do regime democrático em que vive e não admite que os representantes que elegeu para exercer em seu nome a soberania, por prazos curtos e bem limitados, tomem compromissos que ultrapassam o tempo do seu mandato, impondo aos futuros eleitos as decisões em que não se comprometeram nem podem considerar-se vinculados; os actuais representantes, aqui, no Parlamento, no Governo, ou na chefatura do Estado não se podem considerar investidos nos poderes para a definição irreversível do projecto europeu e consequentes obrigações e sequelas, que obviamente ultrapassam a vontade do representado no tempo e no acto de eleição, porque loca com o próprio conceito de soberania nacional. Só o povo, e só ele, pode directamente definir as suas opções para uma vigência superior à dos mandatos políticos normais.
Os factos históricos são sempre e necessariamente desenvolvimentos uns dos outros. Caracterizá-los desta maneira simplista banaliza o próprio acontecimento que se quer importante para o nosso devir colectivo.
Maastricht é, sem qualquer contestação, um facto histórico sem precedentes, uma nova etapa da integração europeia, que reforça a posição da Europa comunitária no cenário mundial, cria uma moeda única, avança na democratização das instituições europeias, procura organizar uma política externa e de segurança comuns. Através do Pacote Delors II, tende a criar um espaço político-económico e social organizado e equilibrado, fundado em três pilares: concorrência, cooperação e solidariedade. Como afirmou o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, o Pacote Delors II é a consequência lógica do Tratado e constitui o primeiro passo para pôr em execução este último.
O Tratado de Maastricht não dá respostas claras a todas as interrogações e dúvidas; a complexidade do poder de decisão e o peso da burocracia de Bruxelas na elaboração e formulação da legislação comunitária, o défice democrático do Parlamento Europeu, a indefinição do conceito de subsidariedade para o efeito de transferências de competências nacionais e das próprias parcelas de soberania, a imprevisibilidade das consequências da moeda única, o papel dos pequenos países na definição da política externa e da segurança, a linha divisória entre as decisões (ornadas por unanimidade e por maioria qualificada que tranformam os países minoritários sujeitos aos interesses dos outros, os efeitos do aprofundamento e do alargamento que são objectivamente contraditórios, poderiam ser alguns dos exemplos mais evidentes.
Como é notório, não têm existido até agora entre nós os debates necessários para informar o País sobre a natureza e efeitos do Tratado da União Europeia para Portugal e para os Portugueses, nem nunca o Governo deu a conhecer às oposições as suas próprias posições sobre as questões controversas que estão a ser esmiuçadas por toda a parte.
A França acaba de fazer um grande debate, a propósito da revisão necessária para a ratificação; a Irlanda obteve um protocolo especial para o problema do aborto; a Alemanha debate o défice democrático e os problemas dos lander, a Inglaterra não quer abdicar do controlo sobre as suas fronteiras; em França ainda não é pacífica a solução quanto aos vistos; a Espanha tudo fax para entrar no directório dos grandes.
Só aqui, em Portugal, o Sr. Primeiro-Ministro quer que a Assembleia da República, a toque de caixa, ratifique o Tratado num abrir e fechar de olhos, impedindo dar voz ao povo que, segundo uma sondagem recente, por esmagadora maioria de 74 %, quer ter a sua palavra.
Pode a maioria, por meras questões de estratégia eleito mais e de glorificação do seu líder partidário - apresentado como o herói da integração europeia -, reduzir o debate e o processo político da ratificação parlamentar a uma troca de algumas considerações sábias numa destas tardes de Verão, cumprindo assim a recomendação do Grupo Liberal e Reformista do Parlamento Europeu que exige dos seus membros uma ratificação rápida e expedita. A opção do Partido Socialista nesta matéria é a de imitar o poder e conformar-se com as directivas da Internacional Socialista.
O chamado «consenso sobre a ratificação» de que falam alguns políticos influentes não passa de uma camuflagem do verdadeiro dissenso existente entre todos os partidos.
Tem o PSD e o PS a mesma noção de subsidariedade? Têm o PSD e o PS uma única opinião sobre as transferências de soberania? O PSD é igual ao PS quanto aos progressos da Carta Social Europeia? Têm o PSD e o PS a concepção idêntica sobre o papel da Assembleia da República na fiscalização da política comunitária do Governo? Aceita com igual à vontade o bloco central o calendário da União Monetária? Tem o Sr. Deputado Duarte Lima o mesmo entusiasmo pelo projecto da Europa federal como tem o Sr. Deputado Jaime Gama. E será esta identidade dos pontos de vista que, depois da conversa em segredo entre o Prof. Cavaco Silva e o Sr. Engenheiro António Guterres, leva os líderes socialista e social-democrata a combaterem o referendo e a fazerem juras que ratificarão o Tratado, substituindo-se à vontade popular?
Se não é público nem transparente o acordo PS-PSD que está na base deste «grande consenso», como podem os Deputados dos dois partidos representar os respectivos eleitorados? Será que a soberania nacional é negociável, conforme as conveniências pontuais dos chefes dos partidos do bloco central? Não! Numa democracia representativa, os Deputados (em de ter a exacta noção dos limites do seu mandato e do dever de, excepcionalmente, devolver aos seus mandantes - os eleitores - a opção sobre o futuro de Portugal, como sucede com a União Europeia. Nenhum Deputado, e muito menos o Primeiro-Ministro, tem o privilégio de definir por seu livre alvedrio as limitações à independência nacional e confiscar o direito que cada português tem de defender a identidade cultural do País como povo milenar que somos.

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