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2646 I SÉRIE-NÚMERO 81

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dirijo-me a VV. Exas. animado do melhor espírito, como, aliás, faço sempre, mas também munido de azorrague da opinião dos cidadãos do nosso pais que, desconsiderados pelo presidencialismo governativo do PSD e pela insensibilidade desatenta do PS, põem os olhos na Assembleia da República e dela esperam uma resposta à sua inquietação. Não que tenha qualquer mandato dessa vontade de participação democrática, mas porque, revelando-se ela já de forma tão explicita e evidente, através das sondagens de opinião e por meio de um número crescente de diversíssimas e altamente qualificadas personalidades da nossa vida política, social, cultural e jurídica, cada um de nós, Deputados, tem por dever e obrigação não só dar-lhe ouvidos mas também dela se fazer eco.
O que pedem, o que solicitam, é pouco: saber o que se passa e, passando a saber, terem a possibilidade de serem ouvidos, de expressar a sua vontade e que ela seja atendida e cumprida. Ou seja, a opinião pública exige um mecanismo institucional para se pronunciar autorizadamente sobre o futuro do seu pais, que está a ser traçado por quem tem mandato relativamente limitado para tão ingente tarefa. Falo-vos, naturalmente, da União Europeia e do referendo.
O movimento pelo referendo está a constituir-se numa das mais entusiásticas, empenhadas e importantes afirmações de participação democrática que o nosso país viveu desde o 25 de Abril. E que fazer se depois do "não" da Dinamarca, que pôs todos em polvorosa e tornou irrequietos, como raramente os corredores desta Assembleia, se instalou a discussão entre os Deputados e possibilitou aquilo que já parecia apenas uma miragem: os Deputados a afirmarem as suas opiniões independentes, mesmo que em desacordo, por vezes, com a opinião das direcções dos seus grupos parlamentares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A crítica ao centralismo burocrático, que quase unanimemente é feita na caminhada europeia, certamente não se satisfará com um novo "centralismo democrático"... Seria demasiado irónico!...
A subsidariedade, para ser efectiva, tem de alicerçar-se na soberania dos Estados membros e esta na soberania popular. O défice democrático, que todos fazem questão de notar, no funcionamento dos mecanismos e instituições da Comunidade europeia, nasce da falta de ligação das decisões à vontade dos cidadãos. Há, decerto, uma representatividade constitucional que confere legitimidade às decisões, mas a exorbitância de algumas delas, a sua marginalidade constitucional e o facto de terem dispensado a consulta e o controlo institucional do órgão de soberania que representa a vontade popular, da Assembleia da República, e o acompanhamento informado e participado, por parte dos cidadãos, coloca-nos na necessidade inultrapassável, chegados a um ponto de viragem cheio de consequências dificilmente avaliados, de ouvir e atender a vontade expressa e legítima dos cidadãos do nosso pais.
De outra forma teremos uma democracia tolhida, ineficaz, contraditória e que abre o caminho ao seu contrário.
O referendo não é apenas utilizável quando os governantes têm dúvidas. Ele é mais necessário ainda quando são os governados a tê-las.
O referendo sobre a União Europeia tomou-se uma exigência da democracia. As palavras do Primeiro-Ministro, de que "se não gostam de Maastricht não votem em mim nas próximas eleições", seio de uma grande insensatez e revelam pouco respeito pela democracia, enquanto essência de um regime e não apenas como orgânica e burocracia.
O Primeiro-Ministro ameaça-nos com a instabilidade, com a perda de poder negocial, com a falta de confiança dos investidores, se houver um referendo. Mas é o contrário que sucede.
O poder negocial do nosso país é tanto maior quanto o for o apoio expresso pelos cidadãos a uma política, único aval de que ela não será inviabilizada nas dinâmicas sociais criadas, perante as suas consequências, pela acção dos próprios cidadãos.
De facto, o que se passa é que Cavaco Silva, como não tem uma política de independência nacional, não pode procurar o apoio popular para ter força para exigir as melhores condições para Portugal e para os portugueses na Europa. Optou por isso pela tarefa, pouco dignificante, de entregar aos Burocratas um país amarrado de pés e mãos: cidadãos impedidos de participar; trabalhadores com os direitos cerceados; política de baixos salários; Estado dispensado de apoios sociais; pacote laboral para liberalizar os despedimentos e desregulamentar as relações de trabalho; proposta de lei antigreve para tutelar as greves e tomá-las um apêndice dos interesses dos empresários; lei dos excedentes e disponíveis para limitar a capacidade reivindicativa dos trabalhadores, para baixar os níveis salariais com maior oferta de mão-de-obra.
O Governo assemelha-se, assim, a um subempreiteiro que assegura mão-de-obra barata e com poucos encargos sociais às multinacionais europeias, usando a concertação social para colocar os direitos sociais num plano descendente.
Cavaco Silva na Europa não exige! Cede!
Por isso, logo garantiu, quando assumiu a presidência, que não iria favorecer Portugal. Espera, certamente, que Portugal seja favorecido pelas presidências inglesa, francesa ou alemã. Como Salomé com a cabeça de João Baptista, Cavaco Silva entrega, numa bandeja, a cabeça de Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso, sinceramente, que não há grande alternativa ao referendo. As sondagens são esmagadoras: 60% a 70% dos portugueses querem o referendo. Os líderes dos partidos, certamente, depois de um tempo de perplexidade com o "não" dinamarquês, da hesitação e de dúvida, a que não faltou uma certa tentação de fuga em frente, vão reexaminar, estou certo, os novos dados e reconsiderar a sua posição, principalmente quando concordam que a democracia não é apenas o voto de quatro em quatro anos. Ou não irão assumir a responsabilidade de partirem sozinhos, sem apoios e sem reservas? Quando vierem a acentuar-se as dificuldades, com que apoios contarão? Acham que ainda podem reivindicar-se, o PSD e o PS, dos quatro quintos desta sociedade em movimento e tocada pelo "não" dinamarquês? O PS acha que o PSD mantém o mesmo apoio que tinha em 6 de Outubro?
Não é isso, pelo menos, que tem feito constar.
A ratificação do Tratado da União Europeia, de facto Maastricht já não existe, é um facto novo e de extrema importância. E mesmo que não fosse, o "não" da Dinamarca alterou muita coisa.
O referendo não representa, aberta que foi a revisão constitucional, nenhum precedente plebiscitário. Não configura nenhum perigo para a democracia representativa, antes, lhe dará maior solidez. O referendo apenas será um perigo para os que da democracia têm uma visão restrita, burocrática, centralizada.

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