10 DE DEZEMBRO DE 1991 631
Projecto de União Europeia de 1994 do Parlamento Europeu, o Relatório da Comissão Ad Hoc de 1985 revelaram aquela mudança essencial.
Para o facto chamámos a atenção nesta Assembleia da República, sem qualquer êxito, dizendo então: «Naquilo que, porém, respeita a Portugal, o acontecimento é de uma importância que exige o mencionado debate nacional; porque altera o sentido de uma política secular visto que acarreta responsabilidades em domínios onde neto dispomos, por isso, de qualquer experiência passada.» Acrescentei outras razões. Foi inútil, porque o europeísmo confidencial de uma estrutura político-burocrática europeia confiou mais nas tecnocráticas convicções do que nas lições de história. Ficou-nos a impressão, então aqui dita, de que «o Acto único não é a bandeira erguida no topo da montanha, é um ferro cravado na encosta pelo escalador que não desiste».
O descaso então manifestado frente ao facto novo da soberania já não pôde manter-se frente ao Tratado de Maastricht, porque este apareceu num ambiente externo marcado pela queda do muro de Berlim, pelas revoluções centro-europeias de 1989, pela vingança das nacionalidades, sobretudo nos territórios do antigo império soviético, pela nova solidão da superpotência sobrante em meditação revisionista pelo conflito do Golfo.
Desaparecida a ameaça de meio século, que pela duração pareceu legitimar o bipolarismo, a segurança europeia específica ganhou contornos: a anarquia da cadeia de comando na área do antigo inimigo, o pluralismo atómico, no descontrolo das migrações, a bomba demográfica à porta, a instabilidade no corredor do Norte de África, tudo acelerou subitamente o processo, em função da causa tradicional, que remete para o primeiro plano os valores seculares profundos servidos pela soberania, a independência da nação, o patriotismo, enfim, todos os simbolismos presentes na bandeira.
O europeísmo confidencial assumiu o erro e a responsabilidade de não entender que estes valores exigem debate público, de tecnocraticamente se manter incapaz de reconhecer que os valores hegemónicos, assentam em adesões seculares alheias ao racionalismo empresarial, de obscurecer com abusos semânticos a acção, até porventura, bem fundada e que dispensava tais recursos do discurso político.
O discurso político de convencimento das populações foi agravado com a frequente afirmação de que a soberania não está em causa, quando o tacto evidente - a mudança coerente com a doutrina secular dos projectistas tia paz - é o de que a soberania está em causa. E esta em causa não necessariamente pela ameaça da supremacia política de qualquer Estado mas porque a interdependência mundial desactualizou esse velho poder, quer tua estrutura quer na área de interesses cuja regência pode reclamar. As democracias cristãs sempre assumiram isto e continuamos a assumi-lo.
A redefinição da soberania, mantendo embora o nome, é uma imposição da interdependência mundial, antes de ser uma proposta de forças políticas ou de governos. 15to é sobretudo evidente em relação a Estadas exógenos, isto é, tributários de pressão de factores externos, como liai de longa data o casso português, com tendência para o Estado exíguo, como repetidamente tenho afirmado nesta Assembleia.
Na mesma geração, Portugal mudou de definição de fronteiras por três vezes, sem decisão interna, sendo obrigado a mudar de estrutura territorial, de função internacional e de regime, porque se alterou o sistema euromundista em que estava integrado. A soberania portuguesa abrangia apenas alguns dos elementos do sistema, mas isto, consequência da referida interdependência mundial, acontece em medida diversa em todos os Estados, incluindo a superpotência sobrante. É assim na ordem militar, económica, cientifica e tecnológica e na ordem cultural.
A transferência de poderes, a necessidade de criar, poderes novos para interesses mundialistas, supervenientes, a criação de autoridades funcionais sem antecedente conhecido são respostas que se multiplicam antes, até, de qualquer racionalização, e um Estado exógeno, como Portugal, sente necessariamente de maneira mais profunda que a soberania clássica está a ser afectada e exige frequentemente a criação ou adopção de um modelo de referência para controlar de algum marro o normativismo dos factos.
Foi este gradualismo - repita-se - que, aproveitando da entrega das questões de segurança e defesa ao hipolarismo por 50 anos, avançou até ao Acto único sem que a evidente redefinição da soberania, que foi aceite, tivesse provocado reacção ou sobressalto. A queda do muro ao qual se encostava a pequena Europa e a consequente queda da Europa no mundo arrastou de novo para o primeiro plano os problemas da gestão internacional e da defesa, os que tocam mais fundo na protecção histórica da soberania. Por isso se tornaram evidentes os erros da metodologia do europeísmo confidencial, por isso se multiplicam as reacções desatdesatempadas contra as transferências dos poderes dos Estados, não porque a redefinição das soberanias fosse um tecto novo mis porque aparecia como novidade à opinião pública europeia. Os eurocratas parecem surpreendidos por terem de reconhecer que o debate europeu não pode ser limitado às questões da prosperidade, e que não são estas as que dividem es dinamarqueses, franceses, ingleses, suíços e portugueses.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - A limitação do debate, incluindo a sua forma de referendo, não é um serviço prestado à unidade da Europa, em grande parte surpreendida pelo avanço do processo integrador. Ora, é necessário deixar claro que não há surpresa que possa animar qualquer movimento de retorno, porque a CEE é «estruturalmente insubstituível» na intervenção no processo da tensão entre a economia de mercado e a economia de desastre, bem como no processo da relação Norte-Sul do mundo e ainda no processo de estabilização dos mecanismos de segurança mundial. E o processo dos grandes espaços em formação, impostos pela revolução mundialista, manifesta-se de igual modo em todos os continentes.
Flagrantemente, as duvidas suscitadas pelo Tratado, assinado em submissão sistémica ao que alguns já chamam novo poder constituinte europeu - circunstância que levou os governos a obrigarem-se para além daquilo que lhes consentia a Constituição dos seus países, fiados nas maiorias automáticas parlamentares -, dizem mais respeito ao que lá não está escrito do que àquilo que consigna. E o principal é a ameaça de substituir o gradualismo do passado pelo federalismo imposto no futuro sem referência a um modelo.
O Sr. Manuel Queirú (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Para avaliar o fundamento das perplexidades que dividem horizontalmente os europeus e