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10 DE FEVEREIRO DE 1993 1359

outras obras que o Governo gosta de mostrar aos seus parceiros comunitários. Este processo deve encerrar tão-só um dever de retribuição e por isso parece-me que as condições para expulsão não devem existir.
De qualquer modo, e essa é uma apreciação política que não está inerente a este projecto de lei, discordamos completamente de soluções que passem por tratar as pessoas nos termos que o diploma aprovado em 22 dê Outubro pelo Conselho de Ministros prevê, nomeadamente da criação dos chamados «centros de acolhimento temporário», que mais não são do que formas de concentrar as pessoas até as expulsar. Não entendemos que deva ser assim e repudiamos completamente esta forma de solucionar problemas.
Esta matéria levar-nos-ia a uma discussão bem mais longa acerca das razoes que fazem com que as pessoas tendam permanentemente a buscar noutros países formas de sobrevivência, mas não é este ponto que está, neste momento, em discussão. Teria muito prazer em analisá-lo, mas não é propriamente em resposta a pedidos de esclarecimento que podemos fazê-lo.
Recusamos, pois, a possibilidade de expulsão de cidadãos e pensamos ser inadmissível a forma como os cidadãos brasileiros têm sido tratados. Aliás, não é só em relação a estes cidadãos que se reportam acidentes. Por outro lado, é de uma ligeireza muito grande afirmar, como o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros fez - e fê-lo porque lhe colocámos a questão na Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste - , que a expulsão dos cidadãos brasileiros é uma questão de polícias e não uma questão política. Em nosso entender é, de facto, uma questão política e como tal deve ser tratada.
Para terminar, do nosso ponto de vista, se se quiser investir objectivamente no êxito deste processo, há condições para o fazer, desde que se altere o modo como se pretende fazer a legalização.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Só porque nasceu dentro do forno o gato não é biscoito», como escrevia Alípio de Freitas. Porque nasceram num espaço físico europeu, os Portugueses não deixaram de ser o que são: um povo cuja história se fez virada para o mar e para o mundo.
Com homens como Fernão Mendes Pinto, Camões, Damião de Gois e o Padre António Vieira, os Portugueses criaram relações profundas e indestrutíveis com outros povos, eles próprios se fixaram em longínquas paragens, a terra ficou mais pequena e a humanidade mais próxima.
Mas o relacionamento externo dos Portugueses tinha, na sua origem, um Portugal, como espaço geográfico e povo, país aberto a outros povos, culturas e religiões. Aliás, ainda recentemente, na zona fronteiriça a norte do Alentejo, patrocinado pela ONU, recordou-se a aceitação dos judeus pelos árabes neste lado da península.
Por seu lado, a etnia cigana, embora maioritariamente nómada ela própria tem vindo a fixar-se, mantendo a sua autonomia.
O facto de Portugal ser um país ex-colonial com responsabilidade ainda não integralmente assumidas acarretou consequências. Desde logo a imigração de africanos e asiáticos, sobretudo de Moçambique. Muitos milhares dos que vieram na altura da independência ainda não estão legalizados, embora tenham sido, melhor ou pior, implícita ou explicitamente, acolhidos, integrados ou reconhecidos.
Muitos ainda focam acolhidos por se reivindicarem como vítimas dos regimes que entretanto se instalaram nas ex-colónias portuguesas. Muitos cidadãos cabo-verdianos foram «imigrantes a força» por iniciativa do Governo de Marcelo Caetano, como meio de «resolver» as secas em Cabo Verde no final dos anos 60.
Muitos cidadãos de países africanos sentiram-se e ainda se sentem também portugueses e detentores de uma dupla nacionalidade legal ou implícita.
Este Portugal que hoje se prepara para, vendendo a alma a Bruxelas, virar as costas aos países com quem se relacionou privilegiadamente durante séculos, foi também um país de emigração desde o século XV e sobretudo a partir dos anos 60. Para o Brasil, no século que decorreu entre 1850 e 1950, emigraram 3 milhões de portugueses.
Não deixa de ser irónico que Portugal, enquanto país exportador de emigração clandestina para França nos anos 60/70, se una agora àquele país para impedir a imigração clandestina ou ilegal de uma forma burocrática e acética, fria e indiferente, incapaz de assumir a sua própria história e de definir normas com os seus próprios fundamentos e princípios...
Aquilo que Portugal reivindicou para si, recuperada que foi a democracia, no que se refere aos direitos de legalização dos seus emigrantes clandestinos (entre os quais muitos dos que hoje ocupam as cadeiras do poder), obtido que foi o estatuto de «país comunitário» e perdendo a memória, nega àqueles que sempre viveram com os Portugueses, em Portugal, em África ou no Brasil.
Portugal é definível como «país de imigração situado no espaço comunitário», como refere um documento do Governo, só a partir de 1986, altura em que a maioria dos imigrantes não europeus já cá estavam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o processo extraordinário de legalização dos imigrantes, em curso, aparece como uma medida acelerada e burocrática - pese embora a contradição - em que Portugal quer evidenciar-se como o mais bem comportado cumpridor do Acordo de Schengen, ainda nem sequer promulgado.
Como um novo rico que vende a alma ao diabo, esquecendo amigos que sempre o ajudaram e entregando-se de corpo e alma aos novos relacionamentos, Portugal arrisca-se a cortar com séculos de história.
No entanto, tudo aconselha a que, e agora não só pela alma e pela memória, mas também pelas consequências que se adivinham, este processo seja tratado com grande cuidado e ponderação.
Não é por acaso que se têm sucedido casos com enfática repercussão na opinião pública.
Os imigrantes brasileiros, tratados, no mínimo, com total irresponsabilidade, provocaram já atritos de monta entre os governos português e brasileiro, a ponto de o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil admitir que as nossas relações não mais serão como dantes. Porém, para 15 000 brasileiros em Portugal há 1,5 milhões de portugueses no Brasil!

ção não só pela questão social mas, com tanto ou mais realce, pelo aparecimento de atitudes de rejeição, de marginalização e de xenofobia.

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