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Quinta-feira, 18 de Março de 1993 I Série - Número 49

DIÁRIO
da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE MARÇO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo.

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
Vítor Manuel Caio Roque.
José Mário Lemos Damião.
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 50/VI e do projecto de deliberação n.º 59/VI, tendo ainda sido anunciada a retirada do projecto de lei n.º 203/VI.
A Assembleia aprovou o voto n º 68/VI - De pesar pela morte da escritora e ex-Deputada Natália Correia (subscrito pelo Sr. Presidente e pelo PSD, PS, PCP, Os Verdes e Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mano Tomé), tendo usado da palavra os Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), Mário Maciel (PSD), Miguel Urbano Rodrigues (PCP), Adriano Moreira (CDS), Isabel Castro (Os Verdes), Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca (Indep.)
Foi igualmente aprovado o voto n.º 69/VI - De pesar pela morte do embaixador Franco Nogueira (apresentado pelo PSD), sobre o qual se pronunciaram, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Sousa Lara (PSD), Almeida Santos (PS), Nogueira de Brito (CDS), João Amaral (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
No final das respectivas votações, a Câmara guardou um minuto de silêncio.
Procedeu-se à discussão da proposta de lei n. º 48/VI - Autoriza o Governo a aprovar medidas de combate à corrupção, sobre a qual intervieram, a diverso título, além dos Srs. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva) e Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio), os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Alberto Costa (PS), Nogueira de finto (CDS), Almeida Santos (PS), Mano Tomé (Indep.), José Vera Jardim e Raúl Rêgo (PS), Odete Santos (PCP), João
Corregedor da Fonseca (Indep.), Guilherme Silva e Costa Andrade (PSD).
Entretanto, o projecto de lei n.º 103/VI - Alteração da imagem feminina nos manuais escolares (Os Verdes) foi aprovado, na generalidade, tendo baixado à Comissão de Educação, Ciência e Cultura para apreciação na especialidade.
Foram igualmente aprovados os projectos de deliberação n.º 58/VI - Fixa o elenco, a ordem e a composição das comissões especializadas permanentes (apresentado pelo Presidente da Assembleia da República) e 59/VI - Realização de um debate parlamentar, proposto pelo Governo, sobre política agrícola e integração comunitária (PSD).
A Câmara rejeitou ainda os inquéritos parlamentares n.º 8/VI - Sobre a responsabilidade governamental na manutenção e promoção a elevados cargos da Administração Pública de elementos indiciariamente pertencentes a associação criminosa envolvida no desvio de verbas do Fundo Social Europeu e as garantias de defesa da credibilidade do Estado Português (PS), 9/VI - Sobre as circunstâncias e responsabilidades dos casos e do tratamento dado na fronteira a certos cidadãos estrangeiros (particularmente do Brasil e dos PALOP) (PCP) e 1O/VI - Sobre a extensão, natureza e implicações das irregularidades, ilegalidades e operações de traficância política na gestão, pelo Governo e pela Administração Pública, de subsídios provenientes de fundos comunitários e outras verbas públicas destinadas à reconversão e modernização da agricultura portuguesa, bem como à intervenção nos mercados agrícolas (PS)
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregaria Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carias David Nobre.
Luis Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Maria Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.

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Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luis.
Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota. José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luis Filipe Marques Amado.
Luis Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luis Nogueira de Brito.
Juvenal Alcides da Silva Costa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 50/VI - Autoriza o Governo a legislar no sentido de adequar as competências das administrações central e local aos programas de realojamento e de construção de habitações económicas - e o projecto de deliberação n.º 59/VI - Realização de um debate parlamentar, proposto pelo Governo, sobre política agrícola e integração comunitária (PSD).
Entretanto, a Mesa informa que o Partido Socialista retirou, ao abrigo das normas regimentais, o projecto de lei n.º 203/VI - Revogação do visto prévio do Tribunal de Contas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, constava da ordem do dia de hoje a apreciação do projecto de deliberação n.º 58/VI, que fixa o elenco, a ordem e a composição das comissões especializadas permanentes, mas por consenso da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares não se procederá à sua discussão, sendo apenas votado.
Entretanto, como ocorreu o falecimento de duas ilustres personalidades públicas, que considero relevantes do ponto de vista da Câmara, introduziu-se, também por consenso dos grupos parlamentares, um ponto prévio na ordem do dia.
Refiro-me, em primeiro lugar, ao Sr. Embaixador Franco Nogueira, que conduziu a política externa portuguesa na maior parte da década de 60, constituindo um exemplo de fidelidade aos valores do Estado, tal como o entendeu e serviu, e um exemplo de competência na profissão, da qual percorreu todos os "degraus", tendo-se tomado uma referência para os diplomatas do País, um homem que soube assumir, no fim da vida, um papel retirado e digno.
Esta é uma nota que a Presidência da Assembleia da República gostaria de deixar aqui sobre a personalidade do embaixador Franco Nogueira.
Aliás, acabo de ser informado de que deu entrada na Mesa um voto de pesar que oportunamente será lido.
Por outro lado, subscrito por mim e pelo PSD, PS, PCP, Os Verdes e pelos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé, existe um voto - o voto n.º 68/VI - de pesar pela morte de Natália Correia, voto esse que tive a honra - porque de honra se trata - de redigir, e que passo a ler
Ao clarear o dia de ontem Natália Correia morreu - imprevistamente como imprevista fora a sua vida, tecida numa fidelidade sem quebras à liberdade,

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à independência, ao desassombro e à rebeldia. Em tudo quanto disse, escreveu, e expressou deixa claramente marcada essa criatividade inicial e permanente, com que fez e refez os seus caminhos na arte, na cultura, na política, na vida. A inquietação do seu espírito continuará pelos tempos fora, viva e jamais cansada, na obra literária que nos deixa.
Neste momento doloroso, a Assembleia da República - que Natália Correia enriqueceu com a sua voz livre, com a sua enorme cultura, com os seus repentes fulgurantes, com a sua exemplar tenacidade no combate pela democracia pela justiça social e por um Portugal sempre renovado - curva-se comovida perante a mulher, a cidadã e a artista e, manifesta profundo pesar pela morte inesperada desta sua insigne parlamentar.

Serão atribuídos a cada grupo parlamentar três minutos para apreciação de cada voto de pesar.
Em primeiro lugar, vai ser apreciado o voto de pesar pelo falecimento de Natália Correia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado, Manuel Alegre

Sr. Manuel Alegre (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ela era a Feiticeira Cotovia homens e os deuses, punham em causa ordem e a moral estabelecidas, contestava as certezas e os dogmas combatia, todas as inquisições e todas tiranias. Ela era a que trazia dentro de si todas as utopias, e a que sabia ser navegador/não é termos sido é sermos ainda.
Para ela a poesia era o pão do espírito e, por isso ,podia dizer "O subalimentados do sonho/a poesia é para comer."
Sabia que "as roseiras ao contrário/é que dão rosas". Fiel à raiz, cantou a dimensão "transportuguesa" de Portugal. Senhora da rosa trazia consigo a lira de D. Dinis é a flor de pinho, essa flor "Que onde cai é um país".
Inconformista, iconoclasta, era uma mulher, livre e libertadora. Pela palavra pelo gesto, pela exuberância e pelo seu próprio excesso, marcou o nosso tempo e, a nossa vida. Só no fim, com Sonetos Românticos, conseguiu ganhar, um prémio. E foi, preciso ter escrito um livro, que ficará como um dos grandes livros da nossa literatura.
Contra ela conspiravam os que pretendem fazer da poesia uma charada para especialistas e aqueles de quem nunca nenhum verso e nenhuma frase serão sabidos de cor. Natália já está no nosso ouvido. Os catorze degraus de cada um dos seus sonetos foram também catorze degraus de uma ascese e de uma despedida.
Ela sabia que estava a dizer adeus:

São os fados. Pedir mais vida? Ó sede
Enganosa! A vida é que nos pede
O dever de morrer iniludível.

E por isso escreveu também: "E na morte entrarei de olhos abertos." Creio que sim creio que de olhos abertos ela chegou "além do sol além do Sete-Estrelo". Entrou de certeza sem "carimbo no passaporte". Porque, a sua dimensão já não é a da vida nem a da morte, é a dimensão mágica da poesia. Por isso ficará connosco. Ela própria o disse: "Eu sou romântica. Não falto."

Aplausos gerais.

O Sr.º Presidente: - Para uma intervenção,, tem palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há palavras, nem lágrimas nem discursos, nem homenagens quê consigam interpretar em plenitude a indomável personalidade, a pujança espiritual ë a originalidade intelectual de Natália Correia.
Natália Correia, poetiza da paixão.
Natália Correia, romancista que rompe limites e espartilhos da cultura convencional.
Natália Correia, dramaturga da descoberta fulminante.
Natália Correia, exímia parlamentar, de oratória satírica, persuasiva, corajosa.
Lutou, até o seu cansado coração dizer "basta", por mais e melhor cultura em Portugal Combateu e cravou farpas nas mentalidades retrógradas, na mediocridade, na inércia, na apatia, nas rotinas paralisantes, na moral de sacristia, na opressão da mulher.
Natália Correia insular ,bela mas temível que, partiu da ilha para arrancar grilhetas, mas visceralmente impregnada; de maresia, de vulcões, de lagoas, de Vitorino Nemésio, de Antero de Quental, de nostalgia, de solidão, de
universalidade.
Peço perdão aos literatas de Portugal se discordarem, mas vou ler duas estrofes do poema mais lindo de Natália Correia:

Deram frutos a fé e a firmeza
No esplendor de um cântico novo
Os Açores são. a nossa certeza
De traçar a gloria de um povo.

De um destino com brio alcançado
Colheremos mais frutos e flores
Porque é esse o sentido sagrado
Das estrelas que coroam os Açores.

Li duas quadras da letra do hino da Região Autónoma dos Açores.
Que Natália Correia fique entre 'as estrelas do céu!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Natália foi embora. Partiu serenamente essa mulher, panteísta, explosiva e tema.
Todos nesta Casa, a amávamos: E, aparentemente, convergência não era fácil. Os afectos díspares, fundidos num sentimento de admiração comum, arrancavam da certeza de que ela era diferente, irrepetível, a certeza de que a Deputada atípica pertencia a outro mundo que não o dos parlamentos.
Natália sabia-se diferente e cultivava com requinte a diferença. Quase erigiu a sua excepcionalidade em modo de vida.
Para Natália, terra, povo e poesia formavam vértices de um triângulo mágico.
Neruda dizia que) quando a terra floresce e1 o povo respira a liberdade, os poetas cantam e mostram o caminho. Quando a tirania faz baixar a escuridão sobre a terra, os intelectuais são empurrados para o fundo do poço da história. É então que a voz dos poetas sobe desses paramos sombrios e volta, pela boca do povo, dos mananciais secretos da terra, fazendo renascer a esperança.
O canto de Natália atravessou sempre a tampa do poço durante os anos duros e medíocres do fascismo. Não podia

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ser contido. Lembro-me do que senti ao chegar até mim "a sua queixa das almas jovens censuradas", autêntico grito de insurreição contra o rascismo. Eu estava no exílio e comeram-me lágrimas pelo rosto.
Natália sentia fascínio pela meditação sobre a história. Não porque houvesse nela vocação para o estudo da história. O que a atraía no passado era o mistério que explicava a origem das civilizações, o caminhar do homem, a possibilidade de entendimento, por mínimo que fosse, da luta dos povos pela Uberdade, o desafio ao inelutável.
Para muita gente, a sua linguagem, na poesia como na prosa, ou na mais trivial das intervenções parlamentares, expressava uma atitude aristocratizante perante a cultura. Discordo. O barroquismo verbal de Natália era nela tão espontâneo e límpido como as cascatas da montanha despenhando-se de altos penhascos.
Contemplando a vida como palco do imenso teatro onde se inventa e cumpre o destino do homem, ela foi sempre sincera A pompa de Natália, o seu culto do gesto e da linguagem quase agressivamente florida aparecem-me como indissociáveis da sua identificação com mundividências remotíssimas. Moderna, por vezes roçando o surrealismo, Natália Correia sentia-se, numa parcela daquilo que era, mais próxima de Sófocles ou de Esquilo do que da contemporaneidade.
Atrevo-me a dizer que a sua obsessão pelo mundo greco-romano ajuda a compreender a contraditória, complexa, quase torturada relação que manteve com o Parlamento - uma relação de amor-repulsa.
Nós, tentando compreendê-la, soubemos amá-la e admirá-la. Sendo, em muitos aspectos, a antítese do espírito desta Casa, Natália Correia fez dela, durante largos anos, uma segunda residência - na acepção nerudiana da palavra - para o seu batalhar por causas justas. Foi bom tê-la aqui.
Parafraseando outro poeta, ouvi-a dizer uma vez-fomos amigos desde a juventude, há quase meio século - que o futuro é antes de mais um infinito espaço vazio.
Ao dizer-lhe adeus em nome dos Deputados comunistas, já lhe escuto o canto a romper o silêncio do espaço sem fronteiras.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Natália Correia nasceu em 1923. Não vai ser possível escrever sobre a mudança da sociedade portuguesa em geral, e de Lisboa, e do ruralismo dessa época para os desafios dos modelos das sociedades industriais, pós-industriais e europeias deste fim de século, sem referir a intervenção dinamizadora que lhe pertenceu.
O conceito actual de igualdade de direitos, com formulação normativa e consagração constitucional, assenta num comportamento desafiante das discriminações de algumas mulheres, entre as quais, as que pela década de 40 representavam os valores da Uberdade do espírito, da beleza, da irreverência e de humaníssimas insubmissões, a generalidade reconhecia Natália Correia como uma referência essencial. Foi uma das mulheres símbolo dos jovens da geração que, com ela, está a despedir-se da vida, neste fim de século. Não é altura de grandes notas biográficas, mas julgo que deve recordar-se, em relação com a sua rebeldia a partidos, a disciplinas e a regulamentos, de que tantas vezes deu provas neste Parlamento, o seu apego à cultura do Divino Senhor do Espírito Santo. Era talvez a maior estudiosa, ao lado desse grande português que é Agostinho da Silva, da herança de Joaquim de Flora (ou Fiore), o franciscano da Calábria que, no século XII, assumindo-se como profeta, acreditava poder dividir a história em três idades, a do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo, esta última chamando os homens a uma vida puramente espiritual, inaugurada por Benedito de Núrsia, e com final coincidente com o fim do mundo: "Era uma época de amor, Uberdade, alegria e contemplação." Os livros de Frei Joaquim foram condenados em 1259. Os livros de Natália Correia tiveram outro destino no acervo da cultura portuguesa. Tinha sobre o frade a superioridade de ser poeta.
Na sequência do voto de hoje, a consagração que lhe estava a ser organizada nos Açores, que tanto amou, ganhou razões para ser ampliada. Deve ser uma consagração nacional.
Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu Natália, e com ela, penso, muito daquilo que era a memória do que de mais rico este Parlamento teve como património. O património de uma mulher polémica, muitas vezes controversa, colérica muitas vezes, mas meiga, de extrema doçura, uma mulher que apaixonadamente se entregou à vida e que, surpreendentemente, a morte veio afastar de nós. Afastar fisicamente, porque a memória de Natália fica como sinónimo de alguém que foi irreverente e insubmisso; alguém que amou a liberdade, talvez como mais ninguém; alguém que ousou dizer, recusando falsos pudores, aquilo que outros não ousaram; alguém que sempre dedicou a sua vida à luta pela cultura, enquanto sinónimo de Uberdade e de luta por essa Uberdade. Por isso, hoje, penso que, mais do que as palavras, aquilo que fica é um testemunho extremamente rico de quem connosco partilhou este espaço e muitos outros e de alguém que ficará sempre como uma figura altamente prestigiante do que de mais rico esta Assembleia tem.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos sentir o peso da falta do seu pensamento fecundado pela alma apaixonada, tanto como do poema inerente a cada gesto que a Natália tornava sempre essencial mesmo quando excessivo. Mas o que nos deixa desamparados e pobres sem remédio é a sua ausência.
Sem ela, já esta Assembleia perdera uma pedra basilar do debate político: a simbiose, ou, como ela diria, o abraço permanente da política com a cultura, uma não podendo viver sem a outra. Mas perdera ainda muito mais: a sua intervenção arrebatada, inteligente, comprometida, frontal, demolidora e sem resposta, que apavorava os adversários.
Sem a Natália, o nosso país, a Mátria, fica sem uma referencia fundamental, pese embora a maravilha da sua obra eterna.
Dizer Natália Correia é nomear a Uberdade, com tudo o que contém de provocação e de coragem.
Natália Correia vivia intensamente, impulsionada por um profundo amor à verdade, que ela procurava sempre, mesmo quando parecia peremptória e definitiva, confrontando, criticando e questionando. Mas ia sempre mais longe, por-

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que agia como quem ama, sendo por isso sempre coerente a partir da profundeza telúrica do seu sentir, apoiada no brotar vulcânico do seu verbo.
Por isso, fazia as mais belas sínteses do viver profundo, dionisíaco e erótico das mulheres e dos homens, das suas paixões mas também do seu pensamento crítico.
Natália dizia: «Democracia sem cultura é como um corpo sem alma.» Ou quanto muito, digo eu, em homenagem a Natália, com uma alma de Santana Lopes.
Se a poesia é a palavra exacta no tempo, como disse António Machado, então Natália Correia encarnou a poesia em Portugal.
A necessidade de defender a cultura como vida levou-a a empenhar-se activamente, com tantos outros, na acção. Isso valeu-lhe ser ofendida com acusações descabidas, ao ponto de alguns «melisautos» (é um termo de um anúncio qualquer, mas apetece-me chamar-lhes assim), mesmo no elogio fúnebre, porem em causa a vitalidade da sua alma. «Mesmo assim ficará na história», compuseram de seguida num insulto definitivo e escusado.
Mulher inteira, Natália fez com que os verdadeiros homens chegassem a sentir pena de não serem mulheres. Adeus Natália amiga, açoriana lagoa de fogo.
O meu abraço amigo ao Dórdio Guimarães, que, na sua dor desmedida, continua decerto a sentir a enorme felicidade de ter sido o seu companheiro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vulto maior da nossa cultura, exemplo de independência, voz inconformista na defesa das liberdades cívicas e culturais, assim era Natália Correia. Mulher intelectual, que todos respeitavam, defensora da paz, ela soube corajosamente pugnar, em circunstâncias difíceis, pelos ideais democráticos, abandonando a sua tranquilidade pela intervenção permanente, intervenção que sempre teve até à sua inesperada morte.
Era crítica e generosa, mas nunca deixava passar em claro aqueles que, exercendo funções de responsabilidade, entendem a cultura como um bem menor. Foi sempre interveniente, quer nos meios intelectuais quer políticos, e aqui, nesta Casa, deu o exemplo flagrante desse seu comportamento, sem complexos e sem preconceitos, com elevação e com cultura.
Foi uma voz culta e clara, simultaneamente - e felizmente - incómoda. Era uma personalidade forte e, ao mesmo tempo, fascinante, insubstituível e merecedora de todo o respeito da Assembleia da República e do povo português.
Vamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sentir, sem dúvida, a sua ausência.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 68/VI, de pesar pela morte da escritora e ex-Deputada Natália Correia.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, como já referi, deu igualmente entrada na Mesa o voto n.º 69/VI, de pesar pela morte do embaixador Franco Nogueira, apresentado pelo PSD.
Para proceder à respectiva leitura, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor

Voto n.º 69/VI

De pesar pela morte do embaixador Franco Nogueira

Foi ontem a enterrar o embaixador Franco Nogueira, a quem coube a condução da política externa de Portugal em grande parte da década de 60. Político e diplomata, Franco Nogueira serviu em função do seu próprio entendimento da coisa pública os valores do Estado e exerceu com competência e dignidade a sua profissão.
De igual modo, pôs o seu talento ao serviço da cultura e da docência universitária, onde realizou uma obra notável.
A Assembleia da República, reunida a 17 de Março de 1993, exprime publicamente o seu respeito pela personalidade do embaixador Franco Nogueira e aprova um voto de pesar pela sua morte.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive a honra de ter privado, como colega de docência e como confrade, com o Sr. Embaixador Franco Nogueira.
Republicano convicto, invariável e constante, fiel aos seus princípios, ainda que em boa parte distantes dos do PSD, sempre soube pôr os interesses da nossa pátria acima dos demais. Ao invés da já saudosa Natália Correia, teve a felicidade de ver publicado o seu último livro a que premonitoriamente, pelo menos num sentido, chamou de Juízo Final.
Exemplo de dignidade como diplomata, fica como referência de competência na sua casa, que sempre e bem considerou como instituição fundamental para o passado, para o presente e para o futuro de Portugal.
Nesta semana trágica para a cultura portuguesa, quer o PSD exprimir publicamente o seu respeito pela personalidade do embaixador Franco Nogueira e significar o seu pesar pela sua morte.
Que Deus o tenha em descanso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se eu quisesse encontrar o verdadeiro antípoda das minhas convicções de sempre, iria respeitosamente encontrá-lo no espírito brilhante do Dr. Franco Nogueira. Por isso, não poderia, sem alguma hipocrisia, votar favoravelmente este voto nos seus exactos termos.
Não quereria dizer muito. Mas queria dizer que tudo o que não seja um voto de sincero pesar pela morte de um português, que ficará na história, tudo o que não seja uma homenagem à sua inteligência e à firmeza das suas convicções, à coerência com que sempre as defendeu, para lá do tempo e da lógica e da racionalidade que há nas coisas, seria

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pouco sincero da minha parte. Por se tratar de uma figura que foi e é polémica, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista votará, em sua própria convicção, com inteira liberdade.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O embaixador Franco Nogueira foi, antes de mais, um diplomata distintíssimo, que colocou um grande talento ao serviço de uma clara ideia estratégica sobre a missão do País no contexto planetário dos anos 60, a que aderiu, e que, sem desfalecimento, defendeu até à morte.
Acabei há dias de ler as últimas páginas escritas e publicadas pelo embaixador Franco Nogueira, o seu Juízo Final, que constitui uma prova acabada das suas grandes qualidades de cronista da Idade Contemporânea e de intérprete da nossa história, bem como da grande coerência com que continuou até ao fim fiel à sua visão sobre Portugal e sobre os seus interesses permanentes.
Poderá discordar-se de Franco Nogueira, mas o que não pode é negar-se a inteligência aguda com que definiu o seu pensamento e sempre o defendeu.
Morreu, sem dúvida, um grande português. É justo que lhe prestemos homenagem e é avisado que cultivemos a sua memória num momento em que a defesa da identidade de Portugal volta a estar na primeira linha das nossas preocupações.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa história recente é, por natureza, excessivamente próxima para que dela se possa fazer um juízo fora do tempo e, muito especialmente, fora do debate político.
Os que morrem devem merecer respeito, e, por vezes, o respeito exige, em primeiro lugar, que se evite que este ou aquele fiquem colocados na posição insustentável e insuportável de, perante a morte de alguém, terem de julgar a sua vida política.
Quem escreveu que Franco Nogueira «serviu os valores do Estado» ou não sabe o que está a dizer ou queria deliberadamente que este voto fosse polémico ou não pudesse ser visto sem contestação.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Isso não é sério!

O Orador: - A minha bancada exprime obviamente o seu respeito perante o cidadão que a morte levou, mas não se pode associar a considerandos de comunhão com os valores do Estado que Franco Nogueira defendeu.
É essa a razão do nosso sentido de voto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte do embaixador Franco Nogueira é,
em primeiro lugar, a morte de um cidadão, de um ser humano, que teve a particularidade - e penso que cada um de nós sente esse respeito - de ser um cidadão de extrema inteligência e que, em coerência com as suas convicções e concepções políticas, interveio toda a vida e até à morte. O Grupo Parlamentar de Os Verdes não pode, naturalmente, subscrever este voto de pesar pela morte do Embaixador Franco Nogueira, uma vez que ele está caracterizado e associado a uma carga que tem a ver com um passado definido no tempo e no espaço.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este voto de pesar.

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PSD, do CDS e de quatro Deputados do PS, os votos contra do PCP, de Os Verdes, dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e de um Deputado do PS e a abstenção do PS.
Srs. Deputados, ambos os votos serão comunicados às famílias dos falecidos.

Entretanto, peço à Câmara que guarde um minuto de silêncio em homenagem e por intenção a Franco Nogueira.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Os Srs. Deputados que queiram fazer declarações de voto podem apresentá-las à Mesa por escrito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de comunicar que, nos termos em que acabou de referir, o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins e eu próprio apresentaremos uma justificação do nosso voto favorável.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação da proposta de lei n.º 48/VI - Autoriza o Governo a aprovar medidas de combate à corrupção.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O combate à corrupção é uma tarefa de importância verdadeiramente nacional. Uma tarefa que é da sociedade, que é do Estado, que é de todos e a todos deve empenhar.
Nela se empenhou sempre o Governo. E, por ela, aqui está de novo, reafirmando de forma inequívoca os seus propósitos de reforçar os meios e os instrumentos para um combate mais decisivo e eficaz.
Para o Governo o combate à corrupção constitui, antes de tudo o mais, um objectivo ético, um compromisso com valores sem os quais se perderia toda a dimensão de dignidade e de justiça que nenhuma comunidade pode dispensar.
Sempre defendemos a valorização e o enriquecimento permanentes do conceito de democracia. Nesse contexto sempre nos mostrámos sensíveis aos mecanismos e regras que permitam acentuar o reforço da transparência, o respeito pela legalidade, o controlo administrativo e financeiro dos actos políticos e da Administração.
Por isso, consagrámos no Programa do Governo o reforço do combate à criminalidade em geral e, em especial, à corrupção e às infracções antieconómicas.
Todos sabemos que o fenómeno da corrupção não é exclusivo da época que vivemos. Como sabemos que o feno-

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meno percorre todas as sociedades, em muitas delas com uma expressão que em nada se assemelha à sua dimensão entre nós.
Só que agora, quando os silêncios autocráticos do passado foram definitivamente substituídos pelos princípios democráticos do livre conhecimento e fiscalização de todos os actos, aquele fenómeno revela-se com maior pertinência, notoriedade e acutilância pública. E nesse particular ainda bem que assim é.
Em qualquer caso, o que não pode deixar de ser motivação permanente para o nosso trabalho político é a salvaguarda de uma sociedade sã, onde os princípios éticos recusem e punam as mais graves perversões ou desvirtuamentos aos padrões de uma sociedade livre, adulta e responsável.

Aplausos do PSD.

Trata-se de um imperativo social, uma exigência cultural, um pressuposto de correcta vivência colectiva, um objectivo de toda a sociedade.
Perante as situações que entre nós indiciaram alguma vez a existência do fenómeno, o Governo teve sempre uma postura responsável não só respeitando a independência das investigações, como garantindo as condições indispensáveis para o seu exercício.
Recusámo-nos sempre a pactuar com a suspeita, com a fraude, com a irregularidade que afectam a confiança nas pessoas e nas suas instituições.
Fizemo-lo sempre na base de um imperativo ético, antes mesmo da consagração de um objectivo ou compromisso político.
Fizemo-lo sempre sem olhar a meios ou consequências, sem ceder a pressões ou conveniências, sem a tentação de esconder o que quer que fosse.
Fizemo-lo sempre desta forma, porque temos da política e da gestão pública a concepção de que ela deve assumir, em grande medida, a qualificação de um compromisso com a ética e a moral, valorizando a seriedade de atitudes, a linearidade de propósitos e a transparência de comportamentos.
E fizemo-lo também porque em democracia não há lugar à impunidade para nenhuma pessoa, nenhum responsável, nenhum dirigente ou titular de órgão político ou da Administração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está na moda falar-se de corrupção. Mas a corrupção não é um fenómeno de ontem nem de hoje, não é um fenómeno deste ou daquele país em particular, não é um fenómeno caracterizador desta ou daquela perspectiva política ou político-partidária.
Mas o que está, sobretudo, muito na moda é usar-se a ideia da corrupção ou a suspeita da sua existência como arma de arremesso político, generalizando situações, banalizando insinuações, apontando o dedo acusador ou o juízo condenatório de forma quantas vezes ligeira e superficial, amiúde com intenções que ultrapassam os singulares princípios da ética e da moralidade.

Aplausos do PSD.

Há nesta matéria razões de responsabilidade individual e colectiva em relação as quais todos temos -Governo e oposição, Estados e cidadãos - obrigações idênticas quanto a uma filosofia de actuação que isole o fenómeno na esfera exclusiva dos que nele se envolvem ou dele se alimentam, não permitindo que as suas consequências afectem, no País e fora dele, a imagem dos seus cidadãos e das suas instituições.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não será nunca atitude séria e responsável fazer de actuações particulares indevidas ou de meras suspeitas delas uma arma de luta político-partidária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos, neste como em muitos outros domínios, a noção de que o exibicionismo retórico ou a tirada discursiva devem ceder o seu lugar à seriedade, à normalidade e à eficácia da acção sistemática e atempada.
O que se faz por convicção e imperativo ético não carece de ser justificado por opção ou orientação de política.
Como não será legítimo, numa perspectiva de respeito pelos interesses nacionais, alimentar artifícios discursivos tendentes a transferir para o Governo a responsabilidade de pessoas ou grupos por comportamentos dolosos, irregulares ou fraudulentos que ninguém pode prever ou por inteiro prevenir.
Já o dissemos, e agora o reafirmamos: em democracia não há lugar à impunidade. Mas importa acrescentar, com igual firmeza e convicção, que a suspeição sistemática artificialmente criada ou não provada é um erro grave e uma inaceitável adulteração de princípios podendo constituir mesmo um perigoso caminho sem regresso.

Aplausos do PSD.

A suspeição permanente sobre a política ou os políticos, sobre os seus actos e decisões, como forma de antipoder ou como meio de obtenção de populismos fáceis, pode servir os desígnios de alguns e alimentar as tentações de uns quantos, mas a breve trecho conduzirá à própria perversão dos princípios e da credibilidade de Estado de direito democrático que somos e que queremos continuar a ser.
Artifício ainda mais reprovável será também o de se usar o discurso da corrupção generalizada a todo um sistema, partindo de pontuais situações irregulares que, se são graves e exigem punição adequada e atempada, não podem, todavia, servir de pretexto para rapidamente se tomar em regra o que é excepção ou para facilmente se transformar a árvore em floresta.
Não é sério nem é justo, para Portugal e para os Portugueses, alimentar-se a ideia de que a corrupção é uma culpa nacional.
Nos últimos tempos, alguns meios políticos ou sectores de opinião têm produzido acusações de utilização fraudulenta de fundos comunitários, construindo para o nosso país uma imagem de desonestidade generalizada que, importa dizê-lo categoricamente, não corresponde de forma alguma à realidade.

Aplausos do PSD.

Leviana e irresponsavelmente projecta-se de Portugal a imagem, que é falsa, de país fraudulento na utilização dos apoios comunitários, sabendo que daí podem resultar dificuldades para a defesa dos interesses nacionais e para o encaminhamento de novos fundos para o País.
De resto, tudo isto sucede no mesmo momento em que a boa utilização que Portugal tem feito destes meios financeiros tem sido reconhecida em termos comunitários de forma francamente elogiosa, não só para o Governo, mas fundamentalmente, e é isso que interessa, para o povo português.

Aplausos do PSD.

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Temos disso múltiplos testemunhos, insuspeitos, credíveis e imparciais.
Ainda recentemente, no final do ano passado, os mais altos responsáveis pelos departamentos da Comissão que gerem a utilização dos fundos comunitários afirmaram pública e claramente a sua satisfação pela forma como Portugal tem estado a utilizar os fundos comunitários recebidos.
Por outro lado, o último relatório anual publicado pelo Tribunal de Contas da Comunidade refere, explicitamente, em relação aos apoios concedidos pelo FEOGA (Fundo de Orientação e Garantia Agrícola), que Portugal é um dos três Estados membros que - passo a citar-«têm um sistema de controlo interno que se revela adequado e fiável e uma contabilidade que permite efectuar declarações rigorosas».
Na segunda-feira passada, falando no conselho ECOFIN, o Presidente do Tribunal de Contas, afirmou: «O Tribunal efectua anualmente uma auditoria a vários dos serviços nacionais que asseguram o pagamento da ajuda comunitária à agricultura. Dos oito Estados membros visitados até ao final de 1991, apenas três dispunham de sistemas de controlo interno fiáveis. Nos outros cinco, as disposições relativas à contabilidade e gestão financeira respeitantes às despesas comunitárias são inadequadas.»
Srs. Deputados, os três países com sistema de controlo interno fiáveis são: Luxemburgo, Bélgica e Portugal.

Aplausos do PSD.

Como é natural, ninguém pode garantir que, em todo esse conjunto de cidadãos e instituições de que fazem parte, não haja ou tenha havido aplicações menos correctas, cidadãos desonestos, práticas menos adequadas, menos transparentes ou até fraudulentas.

Vozes do PS: - Ah!...

Infelizmente, isto acontece em todas as sociedades e seria pretencioso admitir que Portugal era, neste aspecto, uma excepção absoluta. Mas esses casos constituem excepções no panorama geral da aplicação dos recursos comunitários em Portugal, e quem o diz são todas as instâncias comunitárias.
E sempre nos casos detectados em que surgiram indícios de uso fraudulento dos fundos comunitários foram ou estão a ser convenientemente investigados e entregues aos tribunais. É assim e deve ser! Sem tibiezas nem discriminações!
Somos uma sociedade de direito e é aos tribunais que compete julgar e punir os que praticam actos lesivos dos interesses gerais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seremos sempre, a esse respeito, firmes e implacáveis, exigentes e determinados, rigorosos e empenhados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seremos sempre os primeiros a pretender que os tribunais e os órgãos incumbidos da investigação criminal actuem sem dependências nem constrangimentos, com firmeza e determinação.
A credibilidade do Estado democrático e a confiança dos cidadãos nas suas próprias instituições exigem e requerem que assim saibamos agir e actuar.
Em qualquer caso, temos todos o dever de juntar esforços no sentido de manter - e se possível reforçar - a imagem de Portugal como Estado membro exemplar na forma como aplica os fundos comunitários, porque esta é a imagem que corresponde à verdade, é a imagem que corresponde ao povo português e que ninguém tem o direito de denegrir, generalizando casos que são, de facto, excepção.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque não vivemos à margem do mundo nem fechados à realidade, não estamos naturalmente imunes ao problema da corrupção, sobretudo neste momento, em que o esforço que vem sendo feito para desenvolver programas de modernização das nossas actividades económicas e vencer carências sociais pode estimular o apetite da corrupção.
Ò risco deste ónus é inevitável! Não o podemos nem devemos ignorar. Temos é de intensificar o combate que se justifica, aperfeiçoando os meios para isso legítimos, de modo a permitir às instâncias judiciais, a quem cumpre julgar e punir aqueles que à margem da lei queiram colocar-se, uma acção eficaz e dissuasora da multiplicação do fenómeno, visando a sua atenuação ou erradicação.
Desse imperativo ético e político não nos demitiremos em nenhuma circunstância.
Ninguém espere de nós, em algum momento ou ocasião, menor empenho, convicção e determinação num combate sem tréguas, nem quartel aos que prevaricam, que abusam, que tentam iludir a boa-fé de pessoas ou instituições, que fazem da irregularidade, da fraude ou da corrupção a sua forma de agir, de actuar ou de sobreviver.

Aplausos do PSD.

A nossa iniciativa política e legislativa para este debate é, dessa postura e compromisso, um testemunho claro e indiscutível. E a minha presença, hoje, aqui e agora, tem o significado da profunda vontade política que nos anima de reforçar e intensificar o combate à corrupção e de encontrar, com todos os representantes legítimos dos Portugueses, as melhores formas, os meios mais eficazes e os instrumentos mais adequados para defender o País, as instituições e os princípios em que firmemente nos empenhamos e alicerçamos.
Não ficaria bem com a minha consciência se não viesse hoje aqui falar-vos, porque a honestidade e a defesa dos interesses do meu país são princípios basilares que informam toda a minha vida.
Espero dos Srs. Deputados o contributo sério, leal e responsável, na pluralidade sadia de opiniões e na fidelidade ao legítimo direito à diferença que cultivamos, para este objectivo que é nacional e que, por isso mesmo, a todos compromete, a todos empenha e a todos responsabiliza.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.
Primeiro-ministro, naturalmente que a exigência de transparência na Administração Pública e o combate fume à corrupção há-de ser uma prioridade política, e do ponto de vista do PCP tem sido sempre e há-de continuar a ser uma prioridade de política.
Não se trata, evidentemente, de aqui discutir -nisto concordo com o Sr. Primeiro-Ministro - o que se passa nos outros países, pelo que não vem nada a propósito fazer

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considerações sobre o que se passa em França ou na Itália. Trata-se, sim, de dizer o que se passa em Portugal e de atender à situação em Portugal.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Assim, faço ao PSD e ao Sr. Primeiro-Ministro apenas uma pergunta muito simples: então só agora é que o PSD reparou naquilo que se passa no pais, na Administração Pública Portuguesa? Só agora é que deram por isso?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Há quantos anos é que o PSD está no Governo, Sr. Primeiro-Ministro?

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, não se recorda, por exemplo, de que esta Assembleia fez um inquérito às verbas atribuídas pelo Fundo Social Europeu que concluiu, apenas com o voto do seu partido, que não havia nada incorrecto, que estava tudo bem? E agora V. Ex.ª vem dizer que há muitas questões a resolver? Não se recorda do que se passou com o inquérito a actos praticados pelo Ministério da Saúde, no qual o grupo parlamentar do seu partido concluiu que estava tudo bem, que «corria tudo sobre rodas», e que depois houve uma série infindável de casos de polícia, de actuações criminais em relação a esta matéria? Não se recorda do que se passou, muito recentemente, com o presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional, que já era arguido num processo alegadamente por associação criminosa e que nesse ínterim foi nomeado para esse cargo?
Sr Primeiro-Ministro, creio que V. Ex.ª veio aqui fazer uma reflexão sobre a questão da corrupção mas fê-lo relativamente a uma proposta que pouco adianta para resolver isso. Devem ter enganado V. Ex.ª acerca do conteúdo dessa proposta! O Sr. Ministro da Justiça não lhe contou tudo! Não lhe contou, por exemplo, que a proposta de lei resolve muito pouco, que é muito frágil, que pouco adianta (aliás, também vai ter pouca oportunidade para explicar isso!) e que até deixa a suspeita, legítima, de que, numa boa componente do seu articulado, em vez de se destinar a combater a corrupção, destina-se antes a seleccionar os alvos de combate à corrupção, isto é, a escolher aqueles que devem ser combatidos e aqueles que devem ser objecto de sigilo absoluto e erga omnes. Essa é uma questão gravíssima que se coloca em relação à proposta de lei.
Sr. Primeiro-Ministro, em matéria de corrupção podemos teorizar, mas o essencial é a prática. E, quanto a isso, quero colocar-lhe duas questões muito concretas.
Em primeiro lugar, quanto ao processo de privatizações houve acusações públicas, com casos concretos divulgados em toda a imprensa, de que este processo estava a ser um monumental cambão! Houve um jornal que publicou um artigo com esta afirmação: «um monumental cambão!». Existem casos relativos a pelo menos quatro empresas. Pergunto, pois, ao Sr. Primeiro-Ministro, quanto a esta situação em concreto, por que é que o grupo parlamentar do seu partido votou contra a proposta de inquérito apresentada pelo meu partido com vista a averiguar-se todo este processo.
Em segundo lugar, relativamente à transparência dos rendimentos dos titulares de cargos políticos, por que é que V. Ex.ª e o seu partido continuam a opor-se a que seja alterada a lei por forma a que seja possível o acesso às declarações de rendimentos do titulares de cargos políticos e deixe de suceder o que sucede actualmente, que é a situação de segredo completo em que elas estão, pelo que não pode haver investigação nesse âmbito?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª referiu que esta obra de combate à corrupção e à criminalidade económica é uma obra nacional. Concordamos que o seja, mas uma obra com essas características só pode ser prosseguida em clima de cooperação institucional.
Ora, esta Assembleia procede ao debate desta matéria na mais deplorável das condições institucionais: o seu Ministro da Justiça, o seu terceiro ministro da Justiça, não encontrou tempo na sua agenda, desde Dezembro até hoje, para vir à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias esclarecei e dialogar sobre os propósitos desta legislação que, em Setembro, já anunciava que estaria pronta no fim de Dezembro.
Esta é uma situação da maior gravidade, porque atenta contra o espírito de cooperação entre as instituições e porque tem graves precedentes, nomeadamente no que se refere a um diploma tão conexo com esta área como é o Código Penal, onde se passa idêntica, inaceitável e afrontosa situação em relação a esta Assembleia.
Sr. Primeiro-Ministro, é esta uma situação tão inexplicável que muitos dos Srs. Deputados da maioria dizem baixo - e é bom que isto seja aqui dito alto - que não compreendem esta atitude, que a consideram afrontosa e que são incapazes de a explicar! Faço questão de, perante esta Assembleia, dizer que há casos concretos em que Deputados da maioria, homens honrados, protestam contra esta maneira de o Ministério da Justiça lidar com esta Assembleia.

Aplausos do PS.

Contudo, mais grave, Sr. Primeiro-Ministro, é que V. Ex.ª veio falar de obra nacional, mas previamente fez rodear toda esta matéria, com a ajuda do seu Ministro da Justiça, de um intolerável clima de tensão institucional: com o Ministério Público e o Procurador-Geral da República, com os magistrados judiciais (quem o negara?), com a Ordem dos Advogados, que se sente marginalizada e nos repete isso de cada vez que falamos sobre esta matéria e, muito especificamente, sobre o Código Penal! E mais, Sr. Primeiro-Ministro, como é que é possível fazer crer que o Governo interpreta esta obra como uma obra nacional quando fez preceder esta restrita iniciativa (e sobre isso, bem como sobre as nossas propostas, falaremos a seguir) da criação de um clima institucional de afrontamento e suspeição em relação aos órgãos independentes de fiscalização do Estado na sociedade portuguesa, nomeadamente a Procuradoria Geral da República e o Tribunal de Contas?
Sr. Primeiro-Ministro, qual é a racionalidade política - V. Ex.ª é suposto ser um homem racional - de um comportamento que faz preceder um apelo à cooperação institucional da abertura de um clima de guerra em relação a órgãos independentes, próprio de quem não suporta o controlo prático da democracia?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Primeiro-Ministro, não há dúvida de que esta sessão vai ficar na história porque V. Ex.ª, com a sua presença entre nós, hoje, quis, sem dúvida, sublinhar a importância do tema que aqui estamos a discutir. E fez mesmo mais do que isso: quis em-

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prestar o seu prestígio pessoal, que sublinhou, ao empenho nesta discussão. Isso é importante-nós reconhecemo-lo -, pois ficou definitivamente sublinhada a importância do fenómeno da corrupção nos dias de hoje, no mundo de hoje e também na medida em que ele contribui para nos preocupar a nós, Portugueses.
Contudo, Sr. Primeiro-Ministro, a forma como V. Ex.ª decidiu intervir é, a meu ver, merecedora de alguma crítica. Tal como a iniciativa que estamos hoje aqui a discutir, a preocupação que a enforma é a de diminuir ou limitar as consequências do combate à corrupção e não a preocupação fundamental com o próprio fenómeno da corrupção.
V. Ex.ª falou no bom nome do País, no cuidado que é necessário ter e, depois, invocou as suas qualidades pessoais de honestidade que sempre põe no exercício das suas actividades. Mas temos pena que V. Ex.ª não as ponha antes ao serviço de uma iniciativa que atravessasse todo o espectro político partidário e que, no seio da Assembleia Legislativa, que é a detentora da verdadeira legitimidade democrática, servisse para, em conjunto e em colaboração, estudarmos e repensarmos o fenómeno. Não para inquirir o caso A, ou o caso B, ou o caso C, ou o caso do secretário de Estado, ou do ministro, ou do director-geral, mas sim para averiguar as causas profundas do fenómeno, numa sociedade como aquela em que vivemos hoje e que V. Ex.ª apontou em alguns aspectos fundamentais de caracterização, e para encontrarmos para a resolução do fenómeno linhas gerais de actuação.
Sr. Primeiro-Ministro, isso permitiria unir-nos, não nos dividiria, faria dele um fenómeno de Estado e uma razão para a sua preocupação, e serviria para projectar no estrangeiro o nosso nome e a nossa imagem de forma positiva.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado João Amaral, agradeço as suas questões e, se o Sr. Presidente da Assembleia me conceder tempo, respondo-lhe a todas e com seriedade.
Primeiro, para reafirmar que a preocupação do Governo não é de hoje; a minha preocupação pessoal e a de todo o Governo é de sempre, desde o dia em que assumi esta função. Quero aqui recordar que, em 1987, por minha iniciativa, o Conselho de Ministros, face a alguns indícios que surgiram, pediu uma sindicância ao Fundo Social Europeu. Isto passou-se em 1987, estamos hoje em 1993, tendo sido um procurador-geral-adjunto que conduziu essa investigação.
Sr. Deputado, ela existe e continuará a existir mas a força do PCP nesta luta - e admito que a tenha-nunca será maior do que a minha própria força! Admito que seja igual, não o contesto, mas não será maior do que a minha força no combate a este fenómeno que existe em todos os países, e que, felizmente, no nosso ainda não tem a dimensão que tem em outros. No entanto, como disse, e bem, não devemos preocupar-nos com casa alheia mas concentrar-nos sobre a nossa própria casa.
V. Ex.ª focou, de raspão, pois talvez pensasse que eu o deixasse de fora, o caso da nomeação do director-geral do Instituto de Emprego e Formação Profissional, mas não o deixo de fora! Devo dizer que não conheço a pessoa, nunca a devo ter encontrado na minha vida mas, como é óbvio, interroguei o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social sobre o assunto. Assim como não tenho nenhum
indício de que V. Ex.ª não seja uma pessoa séria, também não tenho nenhum indício de que o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social não seja uma pessoa séria. Portanto, aceitei a sua explicação: a pessoa que foi ocupar aquele lugar é um funcionário de carreira que ascendeu na função pública durante mais de 20 anos, com um curriculum considerado não limpo mas limpíssimo, e o Ministro só o nomeou depois de parecer favorável de todos os parceiros sociais.
V. Ex.ª sabe que foi assim, sabe que o Ministro nomeou a pessoa não por qualquer preferência política-porque se trata de um funcionário público, de carreira e pode consultar o seu curriculum -, mas na convicção, partilhada igualmente pelos parceiros sociais, de que estava a nomear uma pessoa adequada para o lugar.
Pode ter surgido depois um ou outro indício mas, Sr. Deputado, V. Ex.ª, que invoca tantas vezes a Constituição, tal como o seu partido, sabe que há um princípio de que não podemos abdicar o da presunção da inocência. No dia em que se abdicar deste princípio, penso que muito mal irá o próprio regime. E estou convencido de que tanto os partidos da oposição como o partido da maioria não irão apadrinhar aqueles que falam da corrupção apenas para corroer o sistema.

Aplausos do PSD.

Em relação à proposta de lei, permita-me que deixe essa questão para ser tratada seguidamente pelo Sr. Ministro da Justiça.
Quanto às privatizações também não vou fugir à resposta.
Relativamente às privatizações em Portugal, das quais V. Ex.ª e o seu partido discordam - e eu respeito totalmente a vossa posição, que é bem conhecida, só não aceito que se utilizem estratagemas para impedir que elas se realizem -, V. Ex.ª sabe bem, porque tem boa informação a este respeito, que o Governo sempre privilegiou o concurso público, em que cada um tem a liberdade de oferecer o seu preço. Ora, os preços base que o Governo considera, V. Ex.ª também o sabe, são os que lhe são fornecidos pela comissão de acompanhamento das privatizações e pela comissão de acompanhamento do mercado de capitais. Penso que se contam pelos dedos - metade dos dedos de uma mão devem chegar! - os casos em que o Conselho de Ministros deu algum retoque à proposta que lhe chegou da comissão de acompanhamento das privatizações. Se o fez, foi, com certeza, em permilagens, não deve ter chegado tão-pouco às percentagens. Ora, parece-me que essa comissão, que foi votada nesta Assembleia da República, tem feito um trabalho sério e honesto.
Por isso, Sr. Deputado, admito que discorde das privatizações, mas, desculpe, não posso aceitar que se utilizem estratagemas para eventualmente pôr em causa a confiança da iniciativa privada, a fim de depois esta não querer «ir» às privatizações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Primeiro-Ministro.
O Orador: - Isto não é matéria que tenha a ver com o Governo e sim com a Assembleia, mas não deixo de lhe dar um pequeno esclarecimento.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): -Foi o Champalimaud que o disse, Sr. Primeiro-Ministro.

Risos do PSD.

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O Orador: - Sr. Deputado, se está a pôr em causa aquilo que estou a dizer, tem de apresentar algum facto. Desafio-o, pelo menos em relação ao que é do meu conhecimento, a apresentar algum facto que mostre que o Governo actuou de forma diferente daquela que lhe foi aconselhada pelas instâncias a quem, de acordo com a lei votada nesta matéria, compete actuar.
Sr. Deputado João Amaral, o Sr. Presidente disse-me que tenho pouco tempo, mas em relação às declarações de rendimentos, que são matéria da competência desta Assembleia, digo-lhe desde já que considero que elas devem ser públicas quando existe um interesse legítimo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não considero que toda a vida de um político, ou de alguém que esteja na vida política, tenha de ser revelada nos meios de comunicação social.
O Sr. João Amaral (PCP): - Não é toda a vida, é a vida financeira!

O Orador: - No entanto, se o Sr. Deputado tiver algum interesse legítimo em relação a esta matéria, mesmo que a lei não o permita e naquilo que me diz respeito, dirija-se a mim.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Isto não é uma questão pessoal!

O Orador: - O partido do Governo, com certeza, dialogará com o Sr. Deputado e com o seu partido sobre esta questão.
Sr. Deputado Alberto Costa, considero que foi um pouco injusto em relação ao Sr. Ministro da Justiça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estamos a iniciar um debate e, com certeza, a comissão parlamentar
vai debruçar-se sobre esta matéria com grande profundidade.
Quanto à tensão, Sr. Deputado, não a noto. Ainda ontem estive reunido, talvez mais de uma hora, com a Ordem dos Advogados, e devo dizer-lhe que a conversa foi de uma normalidade total.
Notei é que o Sr. Deputado estava um pouco tenso ao fazer a sua afirmação,...

Risos do PSD.

... mas da parte do Governo não existe qualquer tensão, nem com as entidades que mencionou, nem com os órgãos fiscalizadores do Estado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Vê-se, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - Nessa matéria, digo-lhe mesmo que todo o debate que temos sugerido, e que penso ser útil realizar, tem apenas um propósito: garantir o prestígio e a credibilidade dos órgãos fiscalizadores do Estado e não permitir que outros tentem transformá-los em órgãos de contrapoder.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que queremos é, precisamente, defender o prestígio e a credibilidade dos órgãos fiscalizadores do Estado.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, o que seria da nossa democracia se o partido do Governo não pudesse falar livremente?! É preciso que todos possam falar livremente, quer os partidos da oposição, quer o partido do Governo.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Nogueira de Brito, agradeço as suas palavras.
Penso que este debate marca um início e, por isso, vim aqui para colocar todo o peso do Primeiro-Ministro e o empenho do Governo nesta matéria.
Não queremos caminhar sozinhos. Estamos abertos para caminhar e discutir aprofundadamente com todos os partidos da oposição. Nesta matéria, não seremos fechados.
É verdade que se trata de uma questão de Estado, mas não podemos aceitar que se «passe lá para fora» a ideia de que Portugal é um país de corruptos, porque isso é falso, e digo-o aqui categoricamente!

Aplausos do PSD.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Está um pouco tenso, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - Sr. Deputado, se cometemos algum erro, nomeadamente o de o diálogo ter sido insuficiente até este momento, faremos o possível para o corrigir.
No entanto, reafirmo que não posso aceitar, e como Primeiro-Ministro repudio totalmente, que se projecte para o exterior a imagem de que os Portugueses são corruptos, quando os casos de corrupção existentes são, felizmente, casos de excepção.
Acredito que os Srs. Deputados, desde o Partido Comunista Português ao Partido Socialista, ao CDS, estão tão empenhados como o Governo e como o partido da maioria em reduzir ainda mais esses casos, que, com certeza, nos envergonham a todos nós.

Aplausos do PSD.

O Sr. Alberto Costa (PS): - A mim não me envergonham! Era o que faltava!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro, quero homenageá-lo com algumas breves considerações sobre a sua intervenção, mas, desde logo, quero dizer-lhe que, quando o vi subir àquela tribuna, fiquei mais preocupado do que estava. Isto porque comungo com a generalidade dos portugueses, e com o Sr. Primeiro-Ministro, como acabo de concluir, relativamente à preocupação com a situação em que se encontram os resultados da ética e da responsabilidade ao nível do exercício do poder político. Todos estamos de acordo sobre isso.
No entanto, fico preocupado com o que os Portugueses pensarão quando disserem assim: «A que tal ponto vai a corrupção, para justificar que o Primeiro-Ministro vá, pela primeira vez, ao Parlamento falar sobre uma proposta de lei de autorização legislativa!»

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

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É que não me lembro de nenhuma outra vez em que isso avesse acontecido!

O Sr. Silva Marques (PSD): - E qual é o problema?

O Orador: - Ao mesmo tempo, fiquei com pena de que o Sr. Primeiro-Ministro não tivesse sentido que era mais útil ter vindo discutir connosco uma proposta de lei, em vez de um pedido de autorização legislativa, parecendo até que, desta vez, houve a preocupação, contra o que já vai sendo prática corrente, de não mandar à Assembleia, juntamente com o pedido de autorização, a lei a autorizar. É que, se assim fosse, podíamos fazer aqui, com o Sr. Primeiro-Ministro, um debate útil sobre as medidas contempladas nesse projecto. Desta forma, não sabemos o que estamos a autorizar.
Sabemos que o Governo sentiu a necessidade de «fazer um número», e perdõe-me esta expressão, no dia em que vão ser aqui votados três inquéritos que visam precisamente inquirir da eventualidade de crimes de corrupção, ou perto disso. Não sei se é coincidência, mas admito que sim, porque aceito sempre a boa-fé das pessoas.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É coincidência!...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Em relação a estes inquéritos, devo até dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que os pedimos - dois são do meu partido - com plena consciência de que estávamos a colaborar com o Governo e a ir ao encontro das suas apreensões.
A ideia de que lá fora também há corrupção não nos tranquiliza. Neste caso, o mal de muitos não é conforto, é reforço do desconforto.
Por outro lado, relativamente à ideia de que nós, propondo a investigação destes crimes eventuais, destas irregularidades eventuais, estamos a dificultar a obtenção de futuros fundos estruturais, quero dizer muito frontalmente ao Sr. Primeiro-Ministro que o meu partido, por este preço, não quer os fundos.

Aplausos do PS.

Se o preço dos fundos é o nosso silêncio cúmplice, antes a pobreza orgulhosa, de que falava Salazar, quando dizia, com total exagero, «que um país que tivesse a coragem de ser pobre era invencível».

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não é nada disso!

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou acabar, Sr. Presidente, e porque um pedido de esclarecimento implica que formule alguma questão, quero fazê-la.
O Sr. Primeiro-Ministro pediu-nos um contributo sério e responsável e tê-lo-á, institucional e não institucional.
No entanto, coloco-lhe uma questão: podemos concluir, pelo seu discurso e pela sua vinda aqui, que veria, com bons olhos, a maioria parlamentar desta Assembleia votar a favor os dois pedidos de inquirição de irregularidades, que em parte já estão provadas e noutra parte estão suficientemente indiciadas para poderem ser levadas a sério?

Aplausos do PS.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Se for inquérito, votamos, mas não votamos favoravelmente condenações antecipadas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Primeiro-Ministro, esta iniciativa surge apenas devido à pressão da opinião pública, da oposição e, nomeadamente, do trabalho da comunicação social, que tem exigido um combate sério à corrupção.
Este fenómeno, que mina as sociedades, desmoraliza as instituições e se espalha como um polvo, tem origem profunda na pouca transparência dos actos públicos, na modesta participação democrática dos cidadãos e no lento apoderamento do aparelho do Estado pelo partido da maioria. É a governamentalização, é a opacidade instituída em método - aliás, o nascimento escondido desta iniciativa é a prova disso -, é o medo dos olhos da opinião pública, sempre intencional e até, naturalmente, impudica quando se trata da salvaguarda dos seus interesses frente ao Estado.
Daí a teoria das forcas de bloqueio - Presidente da República, oposição, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas. Todas as instituições não controladas, definitiva e absolutamente, pelo Governo são acusadas de não deixarem governar.
Em primeiro lugar, está talvez a liberdade da imprensa e os próprios jornalistas (vide o inquérito à vírgula e a limitação, ou a tentativa dela, ao trabalho dos jornalistas nesta própria Casa).
Em segundo lugar, é a política de recuperação e formação dos grandes grupos económicos, é a enormidade dos fundos aplicados, mais para destruir a economia do que para a estruturar.
Por isso, devemos, desde já, questionar o processo de liquidação da Lisnave/Margueira, ligada à especulação imobiliária e ao despedimento de 4000 trabalhadores, uma autêntica sabotagem económica, com milhões de contos a irem para o bolso de Manuel de Mello, destruindo-se, assim, um importante sector industrial.
O Sr. Primeiro-Ministro disse que temos tudo o que precisamos e que estamos à frente na Europa. Quererá isto dizer que este pedido de autorização legislativa se destina a obviar ao necessário, institucional e permanente controlo político e democrático, único que pode prevenir e dissuadir?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, sobre quem tem apresentado nesta Assembleia propostas sobre a transparência da Administração Pública, sobre a administração aberta, sobre a acção popular e sobre muitos outros mecanismos que podem contribuir directamente para a luta contra a corrupção, iremos ter ocasião de falar daqui a pouco.
Antes de lhe colocar as duas questões que a sua intervenção me suscitou, quero dizer a V. Ex.ª que, em matéria de patriotismo, estamos todos iguais. V. Ex.ª não pode
- nem isso, certamente, lhe passou pela cabeça! - vir aqui argumentar com os interesses superiores do País para calar, eventualmente, todas as críticas da imprensa, da oposição ou de quem quer que seja àquilo que se passa em muitos casos que têm vindo a lume nos últimos tempos.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Mas já não é a primeira vez que V. Ex.ª traz a esta Assembleia, como argumento, a imagem do País perante o exterior.
Por isso, pergunto muito frontalmente a V. Ex.ª o seguinte: perante estes dois valores, o da verdade, da objectividade e da transparência, por um lado, e o dos interesses do País no exterior, por outro, qual é o que V. Ex.ª escolhe?
Aplausos do PS.
A segunda questão, Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver com a responsabilidade do Governo. V. Ex.ª, a certa altura da sua intervenção, disse: «O Governo não é responsável pela actuação de alguns funcionários, pois não podemos prever todas as suas actuações.» Sr. Primeiro-Ministro, significa isto que V. Ex.ª está a «pôr de pernas para o ar» o princípio da responsabilidade política do Governo pela actuação da Administração Pública?

Aplausos do PS.

Então, quem é que tem essa responsabilidade?! Então, daqui para o futuro, há que fazer a distinção entre tudo aquilo que é censurável em muitos dos sectores da Administração Pública que lidam com fundos e que atribuem benefícios e o Governo? Sempre aprendi - e, Sr. Primeiro-Ministro, nessa matéria, o meu patriotismo é constitucional - que a Constituição diz que o Governo é responsável pelos actos da Administração Pública.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª vem agora «pôr tudo de pernas para o ar» e dizer que só quando o Governo previamente conhece é que tem responsabilidade! Gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse sobre esta questão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, agradeço as suas perguntas e começo por dizer-lhe que este não é apenas um debate sobre um pedido de autorização legislativa, pois o Governo pediu um debate sobre este tema.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Este!...

O Orador: - Sim, sim! O Governo pediu um debate, penso que em carta dirigida ao Sr. Presidente da Assembleia da República, e, por esse facto, foi alargado o debate deste pedido de autorização legislativa. É por isso que aqui estou, Srs. Deputados.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, dá--me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, obrigado por me ter permitido que o interrompesse.
E verdade que o Governo propôs um debate que, por razões que não vêm ao caso, não foi possível fazer. Por isso,
ele foi substituído por uma discussão alargada de uma proposta de autorização legislativa.

Vozes do PSD: - Exacto!

O Orador: - Admito que o Sr. Primeiro-Ministro não conhecesse tal facto, por isso mesmo lhe quis prestar este esclarecimento.
O Orador: - Mas, como penso que o Sr. Deputado Almeida Santos é sensível à argumentação e porque o Sr. Deputado José Vera Jardim voltou a focar o mesmo assunto, permitam-me que volte a referir a questão da imagem de Portugal no exterior.
Sr. Deputado, não se trata de uma questão de esconder aqui no País!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Ah!

O Orador: - Não é esse o preço a pagar. O Sr. Deputado sabe muito bem que as instâncias comunitárias comparam os países, uns com os outros.

O Sr. Armando Vara (PS): - Então, não há problemas!

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me terminar! Eu não interrompi ninguém!...
As instâncias comunitárias fazem uma comparação entre diferentes países e nós - e penso que mesmo esta Câmara - devíamo-nos sentir satisfeitos por o Presidente do Tribunal de Contas comunitário, que foi na segunda-feira à ECOFIM, ter dito: «Verificámos as contas de oito países. Nesses oito, só três tinham sistemas fiáveis e, desses três, um era Portugal.»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com isso, não quis o Presidente do Tribunal de Contas dizer que, em Portugal, não existam algumas ilegalidades na utilização dos fundos do FEOGA, nem que se devam esconder os casos de corrupção. Não é isso que ele quis dizer!
Por isso, Sr. Deputado José Vera Jardim, digo que a minha preferência é pela verdade. E esta é que os Portugueses não são corruptos, e os casos que existem em Portugal são de excepção.
Rejeito, portanto, a imagem, que se quer «passar», de que há a generalização da corrupção no nosso país.

Aplausos do PSD.

Por isso digo, perante esta Câmara, o que significa fazê-lo perante os representantes legítimos do povo, que a imagem de generalização da corrupção, em Portugal, é falsa, não é verdade, é mentira. É isso que continuarei a dizer enquanto as informações de que disponho apontarem neste sentido. Por respeito, em primeiro lugar, a quem? A mim e ao Governo? Não! Mas, sim, por respeito ao povo português!

Aplausos do PSD.

No que se refere aos pedidos de inquérito, Sr. Deputado Almeida Santos, o Governo não colocará a mínima objecção.
No que diz respeito à Administração Pública, Sr. Deputado José Vera Jardim, V. Ex.ª é advogado e, portanto, com muito mais habilidade do que eu nestas coisas, com muito mais capacidade de retórica - sobre isso não

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tenho a mínima dúvida -, aceitará, com certeza, que um Governo, responsável politicamente, com certeza, pela Administração Pública -e são 600000 funcionários -, só possa actuar quando existam indícios claros. É que me parece perigoso que a simples notícia num qualquer jornal ou mesmo o início de um processo, que pode vir a ser arquivado, possa ser suficiente para demitir um qualquer funcionário público.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Este é o meu julgamento honesto e sério! Não sei se estou totalmente seguro, mas devo dizer que me custa lançar na lama, eventualmente, o nome de uma pessoa -e o direito ao bom nome é um direito constitucional -, só porque surge uma insinuação, que hoje é com este funcionário, amanhã é comigo, com os membros do Governo, com os Deputados, com um juiz ou com qualquer um.
Penso que temos de ter muito cuidado nesta matéria e, por isso, no caso em que, certamente, está a pensar, quando surgiu o despacho de pronúncia, e para credibilidade das instituições, imediatamente o Governo actuou.
Penso que esta foi a forma correcta de actuar. No entanto, não quero dizer que, do ponto de vista do Sr. Deputado, a considere totalmente correcta, mas quero que acredite que, honestamente, estou convencido que esta é a actuação correcta.
Sr. Deputado Mário Tomé, V. Ex.ª não fez qualquer pergunta em relação àquilo de que falei, mas aproveito esta ocasião para lhe apresentar cumprimentos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra não propriamente para pedir esclarecimentos mas, sim, para fazer uma interpelação à Mesa.
Na minha qualidade de presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e uma vez que foi aqui focada pelo Sr. Deputado Alberto Costa uma questão colocada no âmbito dessa comissão relativamente ao seu relacionamento com o Sr. Ministro da Justiça, queria prestar aqui alguns esclarecimentos, usando a figura da interpelação à Mesa.
Muito antes de o Sr. Deputado ser membro dessa Comissão, já o Sr. Ministro da Justiça vinha, a seu pedido,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, permita-me que o interrompa.
Fará a sua interpelação à Mesa no fim dos pedidos de esclarecimento ao Sr. Primeiro-Ministro, porque ainda falta um.

O Orador: - Sr. Presidente, não sabia que havia mais pedidos de esclarecimento!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, queria saber como é que vai o inquérito ao Ministério da Saúde e se já se sabe por que é que o irmão da ex-Ministra Leonor Beleza fugiu do País.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado Raúl Rêgo, essa é a única questão a que não posso responder. Trata-se de uma matéria sujeita à apreciação dos tribunais, aos quais, normalmente, não dirijo perguntas.
Assim, apresento-lhe as minhas desculpas pela impossibilidade de dar resposta à questão que me colocou.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, referindo-me à intervenção do Sr. Deputado Alberto Costa e à questão que nela abordou quanto ao relacionamento entre a Comisssão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e o Sr. Ministro da Justiça, gostaria de salientar que já antes de o Sr. Deputado ser membro da mencionada Comissão, o Sr. Ministro da Justiça vinha, a seu pedido, reunir connosco muitas vezes para tratar e debater as questões da área da justiça. Posso até afirmar que, durante largo tempo, foram mais as vezes que o Sr. Ministro se deslocou à Comissão a seu próprio pedido do que a solicitação desta.
No que diz respeito a este aspecto particular da proposta de lei de autorização legislativa, hoje aqui em debate, ela não é regimentalmente objecto de parecer da Comissão, sendo sim debatida, na generalidade, em sede do Plenário.
Com efeito, temos regras regimentais que não devemos subverter. Não é por acaso que as coisas estão regimentalmente estabelecidas dessa forma e que o momento próprio para o Sr. Ministro debater e aprofundar connosco a reflexão sobre esta proposta de lei é, exactamente, em sede de especialidade.
Ainda hoje dei conhecimento à Comissão do ofício que recebi do gabinete do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, informando da disponibilidade do Sr. Ministro para, na sequência deste debate, se deslocar à Comissão no sentido de aprofundar a reflexão sobre este diploma, em sede de especialidade. O Sr. Ministro deu ainda conta da sua disponibilidade para, nessa altura, pôr à nossa disposição o projecto de decreto-lei - lamentando não o poder ter feito já, por não dispor ainda desse elemento - que o Governo aprovará na sequência da votação desta proposta de lei de autorização legislativa.
Como sabe, este procedimento não é regimentalmente exigível, mas o Governo adopta-o por norma e já temos a promessa do Sr. Ministro da Justiça de que, neste caso, também vai ser assim. Queria, pois, deixar clara esta situação.
Quanto à questão relativa ao Código Penal, o Sr. Ministro teve o cuidado de me esclarecer que gostaria de habilitar a Assembleia e a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias com a versão definitiva do novo Código aprovada pelo Governo, mas uma vez que os membros da Comissão, ao tomarem conhecimento de que várias instituições já dispunham, pelo menos, do anteprojecto, mostraram interesse em, desde já, conhecer essa versão, dessa forma, apressei-me a insistir com o Sr. Ministro para que também o fizesse e, no dia seguinte à apresentação do meu pedido, fê-la chegar à Comissão com a indicação de que aquela não era ainda a versão definitiva.
Por outro lado, também sabemos, já o disse até em sede de Comissão, que o momento próprio para conhecer o di-

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ploma há-de ser aquando da apresentação da proposta de lei à Assembleia e, nessa altura, não vamos fazer, com certeza, o seu debate de um dia para o outro. Pelo contrário, vamos ter, seguramente, a oportunidade de a debater profundamente, de receber o Sr. Ministro, os elementos da comissão da reforma do Código Penal e de procedermos à audiência das entidades que entendermos.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, em simétrica interpelação à Mesa, gostaria de dizer que me pronunciei, sobretudo, sobre a atitude do Sr. Ministro da Justiça em relação a esta concreta proposta de lei, que hoje vamos discutir e, neste caso, as iniciativas do Partido Socialista, formalizadas perante a Comissão desde o dia 6 de Janeiro, não encontraram qualquer disponibilidade para serem discutidas.
Ora, em meu entender, esse aspecto reveste-se da maior importância, porque uma discussão prévia poderia contribuir para que outras pudessem ser as posições e as preocupações que vamos manifestar em relação a esta proposta de lei.
Para terminar, queria apenas dizer que compreendo, muito em especial, que o Sr. Deputado Guilherme Silva tenha manifestado uma grande sensibilidade em relação a uma declaração em que referi que muitos Deputados honrados do PSD estavam também constrangidos e inquietos com esta atitude do Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir o debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar, para apreciação e votação da Assembleia da República, uma proposta de lei de autorização para legislar em matéria de combate à corrupção e, em geral, às infracções antieconómicas, o Governo não pretende apenas desencadear uma discussão em tomo da bondade da sua acção legislativa mas também, mais do que isso, proporcionar um debate tão rico e tão sereno quanto possível sobre uma matéria que nos interpela, hoje, a todos e a propósito da qual se afigura imperioso que aos processos de intenção se substitua uma análise rigorosa dos contornos do problema, da sua dimensão real e dos seus efeitos políticos, em termos de Estado e de regime, tudo na convicção de que tratamos um tema onde hão-de ser bem mais as preocupações que nos aproximam do que as propostas que nos separam.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Como estímulos para a iniciativa do Governo apontarei, entre outros, a verificação, ainda que empírica, do aumento da criminalidade na área das infracções antieconómicas, a relativa novidade e a evidente sofisticação dos procedimentos adoptados pelos infractores, e a reconhecida insuficiência de meios, actualmente, disponíveis para garantir um mais eficaz combate ao fenómeno.
Revela, assim, a proposta de lei, agora apresentada, uma inequívoca vontade política de intervenção, já consagrada no Programa do Governo, que esta Câmara sufragou, e que,
obviamente, não deixará de encontrar eco em todos os sectores da vida política portuguesa aqui representados.
Com efeito, para lá das balizas que delimitam a questão da corrupção enquanto fenómeno do foro criminal, outras áreas de projecção do problema devem preocupar-nos, nomeadamente aquelas onde se joga a própria credibilidade do sistema político e, assim, do regime, sugerindo que, no debate que agora se abre, não deixemos de atentar numa distinção hoje fundamental, entre aqueles que, interessados num efectivo combate à corrupção, legitimam aí a validade das suas opiniões divergentes, e aqueles outros que, menos estimulados por aquele objectivo, antes procuram, no fenómeno, um pretexto para a corrosão do sistema, atingindo, primeiro este e, depois, os próprios fundamentos legitimadores da democracia.
O combate à corrupção surge, assim, não apenas como exigência específica de um projecto mais vasto de luta contra a criminalidade, mas também como tarefa inadiável em defesa da democracia, do Estado de direito, e da honorabilidade do Estado, isto é, da credibilidade do político perante o indivíduo e a sociedade, cujos interesses legítimos lhe cabe representar.
Importa, por isso, que, a uma estratégia efectiva de intervenção, anteceda um discurso claro e transparente, estruturado, sem reservas, no reconhecimento sério de um conjunto de pressupostos que habilitam o sentido da proposta de lei agora apresentada.
Assim, cumprirá reter, em primeiro lugar, que, revestindo-se a corrupção de cambiantes novas e ligando-se ela a outro tipo de fenómenos recentes próprios das sociedades modernas, escasseiam ainda dados suficientemente credíveis para poder afirmar-se a sua exacta dimensão entre nós. Tal circunstância não deve, porém, justificar abrandamento na atenção a dedicar ao problema, permitindo apenas afirmar que, não sendo Portugal um país de corruptos, nele se praticam actos de corrupção que urge atacar, também em nome do respeito devido à grande maioria dos portugueses que pautam pela seriedade os seus comportamentos.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, e ainda como consequência das já referidas recentes mutações, importa reconhecer serem ainda modestos os instrumentos, quer técnicos quer legislativos, à disposição das estruturas de combate à corrupção, urgindo aí um rápido e eficiente processo de mudança que permita realizar, na prática, os objectivos de política que todos, certamente, partilhamos.
É verdade que passos importantes foram dados já nesse sentido, tanto no âmbito de intervenção do Ministério Público, como no processo de reorganização da Polícia Judiciária onde, há dois anos, veio prever-se, pela primeira vez, um departamento especializado para a investigação deste tipo de criminalidade. Há, porém, que ir bem mais longe e por isso, também, esta proposta de lei.
Por outro lado, ainda, importa reconhecer estarmos perante uma criminalidade cujo desvalor ético revela sempre uma especial especial censurabilidade, seja pela qualidade do agente, seja pelo seu estatuto pessoal e social, seja ainda pelos propósitos que conduzem à prática do crime, valendo aqui, de forma ainda mais evidente, a afirmação de que ninguém está nem deve estar acima da lei.
Finalmente e como corolário das razões já antes alinhadas, importa reter que a área de intervenção que agora nos ocupa não pode esgotar-se no domínio do crime de corrupção, devendo invadir também toda a esfera da criminalida-

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de económica em geral, do mesmo modo que àquele não pode deixar de aproximar-se um conjunto de práticas marginais que incluam o agenciamento, o tráfico de influências e o tráfico de informação, tudo na perspectiva da construção de uma sociedade que encontre na legalidade democraticamente definida e no seu respeito a essência ética da própria democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decidida, oportunamente, pela Assembleia da República, a extinção da Alta Autoridade contra a Corrupção a primeira ideia a reter perante a presente proposta de lei é a de que nenhuma relação causal deve estabelecer-se entre aquela extinção e esta iniciativa. Não se trata, portanto, agora, nem de suprir uma lacuna, que não existe, nem de proceder à transferência de quaisquer competências, que se não impunha. Interessa, por isso, deixar claro que o aumento de poderes que agora pretende ver-se consagrado junto das instituições de combate à corrupção, resulta, exclusivamente, de exigências de eficácia, na linha das opções de política expressas no Programa do Governo e nunca da acomodação, noutras estruturas, do conjunto de competências antes atribuídas à Alta Autoridade.
Assim, como enformadores da estratégia agora proposta, haverá que destacar, entre outras, a ideia, para nós óbvia, de que não haverá verdadeiro combate à corrupção sem uma adequada acção de prevenção técnica, definindo-se áreas tipo, despistando-se comportamentos e fiscalizando-se procedimentos.
Do mesmo modo que não haverá investigação eficaz sem instrumentos legislativos adequados que consagrem, de forma rigorosamente controlada, mecanismos de excepção, como sejam o abrandamento do segredo bancário e a previsão de acções de colaboração ou instrumentais por parte dos agentes de investigação.
Mas, por isso mesmo também, não haverá acções de prevenção ou mecanismos de excepção, sem instrumentos seguros de controlo que salvaguardem sempre os direitos, liberdades e garantias fundamentais, como limite à intervenção.
Nestes termos, toma esta proposta de lei como ponto de referência o quadro institucional já existente, designadamente em sede de processo penal, já que não encontra razões sérias para lhe introduzir entorses ou nele abrir excepções particulares.
Assim, atribui-se, como, aliás, já hoje sucede, à Polícia Judiciária a competência para a execução da investigação; ao Ministério Público, num plano superior, a competência para a direcção desta em todos os casos; ao juiz a competência para o controlo da legalidade dos actos sempre que estejam, ou possam estar, em causa direitos fundamentais, quer aqueles actos sejam praticados pela Polícia Judiciária, quer o sejam pelo Ministério Público.
Como regras fundamentais estruturantes do sistema, retiram-se as de que nenhuma competência atribuída à Polícia Judiciária deixa de o ser também ao Ministério Público, seja no domínio da prevenção, seja no domínio da investigação; e nenhuma intervenção da Polícia Judiciária terá lugar sem a fiscalização do Ministério Público ou do juiz.
De tudo resulta um sistema articulado onde os inconvenientes, se alguns houver, são claramente superados pelas vantagens evidentes, entre estas avultando a da não concentração do poder e da informação num único órgão; a da exploração da especialização técnica e científica da Polícia Judiciária, em matéria de investigação criminal; a da intervenção em pirâmide garantindo sucessivos graus de controlo; a do alargamento dos poderes de acompanhamento por parte do Ministério Público.
Garante-se, deste modo, uma apertada rede de segurança que permite agora, com alguma afoiteza, a previsão de soluções mais consistentes no plano dos mecanismos de eficácia, nomeadamente, no que se refere aos instrumentos legislativos, aí se destacando, como áreas fundamentais, as do acesso à prova; da entrada na relação de corrupção; e a da fiscalização.
No que se refere ao problema, particularmente, importante do acesso à prova, surgem como novidades indispensáveis a quebra do sigilo bancário, sem a qual não pode, seriamente, falar-se em combate à corrupção. Do mesmo modo que, com aquele objectivo, se prevê a possibilidade da prática de acções de colaboração ou instrumentais.
Mas logo, num caso e noutro, se articulam os novos poderes com equivalentes mecanismos de segurança, prevendo-se, no segundo caso, sempre, a autorização prévia, da autoridade judiciária competente -juiz ou Ministério Público - e, no primeiro caso, um regime em tudo semelhante ao previsto para a utilização de escutas telefónicas, desde a autorização até à destruição dos documentos recolhidos, sempre com a intervenção do juiz competente.
No que respeita à necessidade de quebra da relação de corrupção, importa caminhar para uma clara distinção entre o agente passivo ou verdadeiro corrupto e o corruptor activo, isto é, aquele que corrompe, com vista a quebrar, entre ambos, a cadeia de solidariedade que, as mais das vezes, impede o conhecimento do crime.
Assim, em articulação com a revisão do Código Penal, que agravará a pena relativa ao primeiro, prevê-se agora, para o segundo, se este auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, ou a atenuação especial da pena, ou mesmo, em casos especiais, a suspensão provisória do processo.
Mas, uma vez mais, ao lado destas soluções que apontam no sentido da eficácia, aí estão normas de salvaguarda fundamentais, como sejam agora as que sublinham o dever de sigilo, até à instauração do procedimento criminal, dos agentes de investigação, dever esse que se estende à própria identificação de cidadãos que forneçam quaisquer elementos informativos ou que prestem às autoridades de investigação qualquer tipo de colaboração.
Noutro plano, agora no que respeita aos indispensáveis meios técnicos e humanos, além da reorganização em curso no que se refere aos serviços competentes do Ministério Público e à melhoria de instalações, reequaciona-se o actual departamento competente da Polícia Judiciária, revendo-se, nomeadamente, o respectivo quadro, e cria-se, como novidade, o Departamento de Perícias Financeiras e Contabilísticas, apetrechando-o de forma a garantir o apoio necessário tanto ao Ministério Público como ao juiz, nas fases de inquérito, de instrução e de julgamento, estando subjacente a todo o diploma uma filosofia de desejável cooperação entre as várias estruturas envolvidas.
Por último, uma palavra sobre as normas que virão configurar as chamadas acções de prevenção. Desde logo, para afirmar a sua indispensabilidade, já que sem elas qualquer combate à corrupção não passará de mera afirmação de intenções, obviamente, inconsequente.
E depois para sublinhar que as competências que aí venham a ser atribuídas à Policia Judiciária em nada excederão idênticas competências previstas para o Ministério Público, com uma diferença, porém, essencial, já que a este caberá sempre fiscalizar, acompanhando e analisando, a actuação daquela também neste domínio.
Caberá, assim, a ambos, nesta área, proceder à recolha de informação relativamente a notícias de factos que permi-

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tam fundamentar suspeitas susceptíveis de legitimarem a instauração de procedimento criminal e, bem assim, solicitar a realização de inquéritos, sindicâncias, inspecções e outras diligências, como ainda propor a adopção de medidas susceptíveis de conduzirem à diminuição da corrupção.
Simplesmente, no que à Polícia Judiciária respeitará, não só todas as acções tem de ser documentadas, como devem ser comunicadas mensalmente ao Ministério Público e transformadas em inquérito logo que surjam suspeitas da prática de uma infracção.
Fica, assim, a um tempo, garantida uma actividade essencial e cuja imprevisão ridicularizaria o sistema e afastada a interpretação que configurava tal procedimento como pré-inquérito que, de facto, não existe, nem se pretende.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que o Governo propõe à Assembleia da República é um projecto sério, corajoso e coerente de combate à corrupção. Um projecto que articula, com transparência, a intervenção das várias estruturas de investigação e que garante a sua independência. Um projecto que tem em si uma expressão de confiança nas instituições, como forma de credibilidade da própria democracia e que repousa, por isso, numa perspectiva saudável de confiança controlada e não numa visão patológica de desconfiança permanentemente vigiada. Um projecto que se pretende partilhado e que, por isso, me leva a sugerir a V. Ex.ª que, após o debate em tomo da presente proposta de lei, e então sim, eu próprio solicite, ainda que informalmente, sessões de trabalho no seio da Comissão Constitucional de Direitos, Liberdades e Garantias para apresentação e discussão do texto do decreto-lei que, entretanto, vier a ser elaborado pelo Governo.
Um projecto que será articulado com diplomas complementares essenciais, como sejam os respectivos regulamentos de funcionamento, com acções de formação específicas já iniciadas, com encontros para coordenação de meios já decididos e com programas de divulgação privilegiando os vários sectores da administração pública.
Um projecto, enfim, capaz de defender Portugal e a ainda jovem democracia portuguesa daqueles que se servem da democracia para chegarem à corrupção, mas também daqueles outros, felizmente poucos, que se servem da corrupção para atacarem a democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, muito rapidamente, gostaria de colocar três questões e, desde já, lamento não poder partilhar mais inteiramente o debate com V. Ex.ª, mas - e não posso deixar de salientar isto - o texto do projecto do decreto-lei faz muita falta.
Assim, em primeiro lugar, gostaria de saber em que é que difere, na economia da proposta de lei, o que vem referido sobre o levantamento do sigilo bancário e o que já está previsto no Código de Processo Penal.
Em segundo lugar, queria saber por que é que, em vez de se considerar este sigilo absoluto, não ficam os funcionários sujeitos ao segredo de justiça que actualmente se define no Código de Processo Penal. É que, eventualmente, para prova da verdade dos factos -e estou a pensar na comunicação social -, se o artigo 164.º do Código Penal for melhorado - o que tenho algumas dúvidas -, poderá ser necessário haver recurso à quebra do segredo de justiça.
Por último, Sr. Ministro, perante esta proposta de lei, que não pode fazer esquecer o que diz a Lei Orgânica do Ministério Público com as alterações que lhe foram sendo introduzidas, pergunto: é ou não verdade que estas acções de prevenção podem conduzir a averiguações sumárias, feitas sem fiscalização do Ministério Público?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, deseja responder já ou no fim dos pedidos de esclarecimento?
Suponho, Sr. Ministro, que sabe que o nosso Regimento foi alterado. Se responder individualmente a cada perguntante dispõe de três minutos para o fazer, mas se agregar os perguntantes só dispõe de cinco minutos.
Tem, pois, a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer as questões colocadas pela Sr.ª Deputada Odete Santos e, se me permite, muito rapidamente porque não queria reproduzir a intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, mas uma vez que referiu essa questão, embora não a tenha colocado como pergunta, gostaria de dizer, sem qualquer exacerbação de voz, que não é necessária, que esta Câmara tem por experiência vivida o conhecimento da total abertura ao diálogo que o Ministro da Justiça tem revelado ao longo do tempo em que tem exercido o seu cargo.
Há aqui uma atitude que me parece claramente definível e que depois é objecto da concordância ou discordância de VV. Ex.as Mas aquilo que sempre entendi, sendo certo que a maioria dos diplomas aprovados pelo Governo na área da justiça pressupõem a intervenção da Assembleia da República, é que o debate que se deve estabelecer e o desenvolvimento do diálogo que a partir dele se deve desencadear há-de partir da primeira apresentação em Plenário, e por uma razão simples: é que não confundo diálogo com "conversa fiada" e entendo, por isso, que é fundamental que o diálogo parta de uma atitude assumida por parte do Ministro ou do Governo, no sentido de apresentar, já ele próprio, uma proposta que o responsabilize politicamente.
A partir daí há sempre abertura à possibilidade de introduzir alterações, mas creio que não posso converter a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias naquilo que, eventualmente, seria uma reunião de subsecretários de Estado, em que pela primeira vez o ministro da Justiça apresenta o borrão de um projecto, que levará à reunião de secretários de Estado, a Conselho de Ministros, para depois voltar à Assembleia da República.
Não há nenhum exemplo, durante os três anos em que exerci funções como Ministro da Justiça, em que depois da primeira apresentação em Plenário de qualquer iniciativa legislativa eu não esteja sistematicamente disponível para participar nas reuniões da 3.ª Comissão. Aí está o exemplo do Código de Procedimento Administrativo; aí está o exemplo da inspecção à Polícia Judiciária; aí está o exemplo de todo um conjunto de intervenções legislativas, em que, sem qualquer dever constitucional, sem qualquer obrigação dessa natureza, eu próprio assumi sistematicamente essa posição.
Assim, será com esta proposta de lei, assim será com o Código Penal, porque é na Assembleia da República que o espaço de debate e de diálogo deve ser desenvolvido, mas no momento adequado. Não podemos confundir aquilo que é o direito de acesso à informação com aquilo que, noutras circunstâncias, podia ser mera bisbilhotice. Há uma área específica do Governo, que lhe é própria, há depois uma área

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aberta de diálogo aprofundado que cabe a esta Casa e onde .eu nunca, em circunstâncias nenhumas, me recusei uma só vez a participar.
Creio que a afirmação da aparência pública de diálogo do ministro e da sua incapacidade de diálogo interno não corresponde à verdade, não é certa e não é justa, porque tem por detrás de si uma longa experiência que demonstra exactamente o contrário.
Quanto às questões concretas que a Sr.ª Deputada me colocou, começaria por dizer que, no domínio do sigilo bancário, é fundamental que neste diploma possamos prevê-lo especificamente, porque se trata de uma matéria em que o acesso à informação bancária é indispensável, para garantir verdadeiramente o combate à corrupção. Além disso, era necessário que ele viesse a pertencer concretamente a este diploma para se conjugar com a previsão que foi feita na lei do combate à droga e para vir a conjugar-se com o diploma que, a breve trecho, apresentaremos à Assembleia relativamente à previsão da intervenção administrativa na área do branqueamento de capitais.
Quanto ao problema do sigilo absoluto, a Sr.ª Deputada teve ocasião de ver - e a sua experiência profissional de advocacia demonstra bem - que esta é, de alguma maneira, uma norma, diria, de simbolismo, que vinca alguma realidade existente já no âmbito do processo penal, mas que pretende colocar como essencial esse dever de sigilo como salvaguarda, ou norma/salvaguarda, a um conjunto de outro tipo de intervenções, de normas de excepção, que surgem na estratégia do próprio combate.
Quanto às obrigações sumárias, não, Sr.ª Deputada, não haverá averiguações sumárias, mas apenas intervenção de prevenção da Polícia Judiciária, como está previsto exactamente para o Ministério Público e, neste caso, com regras específicas de documentação, de comunicação ao Ministério Público e de imediata instauração de processo de inquérito, se alguma suspeita surgir nesse sentido.
Estamos, portanto, num caminho diferente do das averiguações sumárias. Não é isso o que se pretende fazer mas, sim, uma intervenção na área da chamada prevenção técnica, que tem um conceito específico que VV. Ex.ª conhecem bem e, portanto, não vale a pena explicitar mais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ouvi-o atentamente pois é um assunto que nos preocupa a todos, pelo que temos de estar atentos ao que o Governo diz sobre esta matéria.
V. Ex.ª disse que não haverá combate eficaz sem uma acção de prevenção técnica e disse também que não pode haver investigação eficaz sem a adopção de mecanismos de excepção, tendo citado, nomeadamente, a necessidade de quebra do sigilo bancário.
Estamos preocupados com o fenómeno de corrupção em Portugal, como manifestamos a nossa preocupação com o crescente aumento da criminalidade. Não sei se foi o Sr. Primeiro-Ministro se foi V. Ex.ª que citou essa criminalidade, que, na minha opinião, terá de ser devidamente apreciada e investigada nas suas diversas facetas. Nessa apreciação o aspecto sociológico tem de ser considerado neste país, para tentarmos determinar as razões por que um novo tipo de criminalidade está a avançar em Portugal.
V. Ex.ª disse: «Temos um projecto sério, corajoso e eficaz.» Como não o tenho comigo, ninguém o tem, ouvi a resposta que V. Ex.ª deu à Sr.ª Deputada Odete Santos. Assim, ficaremos à espera da vossa proposta de lei e da presença do Sr. Ministro na Assembleia para podermos trabalhar em conjunto sobre esta vossa iniciativa. Qualquer iniciativa válida, que sirva para atacar a corrupção e a criminalidade, será sempre bem vinda. Vamos ver como é que esse diploma vai ser elaborado e posto em prática.
Apesar das suas respostas tenho, ainda, uma dúvida: o vosso pedido de autorização baseia-se fundamentalmente na quebra de sigilo bancário. Ora, pergunto se essa decisão será o aspecto fundamental, a considerar, se essa questão vai solucionar, só por si, todo o problema relacionado com a corrupção.
Este será o tal mecanismo de excepção de que falava? Realmente, poderemos ficar tranquilizados? Será que é o suficiente para atacar decisivamente o fenómeno de corrupção em Portugal? Deveríamos ou não considerar outros «mecanismos de excepção» ou outro tipo de acções para atacar este lamentável fenómeno?

(O orador reviu).

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro informou a Mesa de que, a partir de agora, responderá só no final dos pedidos de esclarecimento.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, não tenho dúvidas da análise que fiz da proposta de lei de autorização legislativa,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Se não tem dúvidas, é um homem feliz!

O Orador: -... depois da intervenção feita pelo Sr. Primeiro-Ministro e da que V. Ex.ª acabou de fazer, não tenho dúvidas das preocupações e da pertinência das medidas que se pretendem adoptar para conseguir um combate eficaz à corrupção.
No entanto, à margem desta iniciativa legislativa, tenho ouvido algumas preocupações, designadamente quanto à reforma a que se está a proceder em relação ao Código Penal, no sentido de que haveria uma redução das penas relativamente ao crime de corrupção. Seria até incongruente a preocupação veiculada por esta iniciativa legislativa com essa outra de redução das penas relativas à corrupção, incongruência que gostaria de colocar a V. Ex.ª para que pudesse explicar se esta observação é pertinente.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, não tencionava falar nisto, mas já que o Sr. Ministro o chamou «à baila», quero dizer que eu e todos os Deputados da 3.ª Comissão temos sempre muito prazer em conversar com V. Ex.ª , mas não com «conversas fiadas». Embora V. Ex.ª seja um brilhante conversador, «conversa fiada» não.
No entanto, concordará que, embora o Sr. Deputado Guilherme Silva tenha percebido tudo, nem toda a gente pode ter essa brilhante inteligência. Portanto, há dúvidas.

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Se V. Ex.ª nos tivesse dado o prazer de uma «conversa não fiada» antes desta discussão, poderia ser que estas dúvidas já estivessem solucionadas e julgo que isso não abalaria equilíbrio institucional algum, antes pelo contrário. V. Ex.ª não ficaria mal e nós também não. Sr. Ministro, pense nisto e pode ser que, para a próxima ocasião, melhoremos um pouco o nosso diálogo.
Por outro lado, quero agradecer-lhe o obséquio de ter enviado a esta Câmara o projecto do Código Penal. De facto, já começava a estar preocupado, porque os jornais já falavam do assunto e nós ainda não tínhamos conhecimento.
Assim, em primeiro lugar, quero colocar-lhe uma questão que tem a ver com o Código Penal. Já começámos a discussão, não com efeitos retroactivos, mas já estamos a começá-la... O crime de corrupção está aí previsto mas, no entanto, não está previsto, à semelhança do que se passa com o Código Penal francês ou com o projecto do Código Penal espanhol, o crime de tráfico de influências.
V. Ex.ª conhece certamente a moldura penal deste crime, que começa a entrar nos sistemas penais, designadamente quanto ao crime económico e, assim, gostaria de perguntar se, das muitas conversas que vamos ter e das muitas lucubrações que V. Ex.ª ainda vai ter ocasião de fazer até o Código Penal ser discutido a sério nesta Câmara, pensa poder incluir-se no Código Penal o crime de tráfico de influências, que é um problema da corrupção mas não é só crime de corrupção.
Em segundo lugar, no n.º 3 da proposta de autorização legislativa diz-se o seguinte: «Legitimar [...], a prática de actos de colaboração ou instrumentais relativamente aos crimes [...].» Sr. Ministro, com um conjunto de eufemismos que aí se fazem sentir, muito carrément, quero perguntar-lhe se isto é o agente provocador.
Se assim é, como parece, tenho algumas dúvidas -o Sr. Deputado Guilherme Silva não as tem - e explico-lhe porquê: é que a seguir é o juiz que autoriza o agente provocador.

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por último, Sr. Ministro, continuo, apesar de tudo, preocupado com as funções de prevenção, previstas no n.º 5 da proposta de autorização legislativa. É que elas existem e, por isso, pergunto por que é que aparecem aqui. Será que V. Ex.ª admite - desculpe-me, mais uma vez, esta pergunta, mas, se for repetida 30 vezes e se 30 vezes tiver resposta, tanto melhor-que, numa fase de prevenção, sem inquérito, a polícia possa proceder a buscas ou a pedidos sobre as contas bancárias, não direi dos arguidos mas das pessoas levemente indiciadas de crime de corrupção?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, apontou já V. Ex.ª várias razões para a não apresentação, neste caso, do projecto de diploma a autorizar. Diria, todavia, que neste caso, mais do que em muito outros, esse diploma faz uma falta extrema.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na realidade, quase não conseguimos ler o presente pedido de autorização legislativa e descortinar-lhe o sentido sem o diploma a autorizar, desde logo, por exemplo, no que toca à criminalidade fiscal. Propõe-se. V. Ex.ª legislar em matéria de criminalidade fiscal. Para quê, Sr. Ministro? Com que sentido vai legislar em matéria de criminalidade fiscal se depois, ao longo do diploma, nunca mais fala dela, nunca mais a ela alude? Qual é o sentido da legislação em matéria de criminalidade fiscal?
Surge depois a questão do segredo bancário. Admite o Sr. Ministro a quebra do sigilo bancário, dizendo que a cedência desse direito pode ocorrer mediante autorização do juiz, a qual, no entanto, pode ser dada de forma genérica, embora para pessoas determinadas? Pode o Sr. Ministro prestar algum esclarecimento sobre esta matéria?
Outra questão que pretendo suscitar respeita à actividade de prevenção. Suponho ser na actividade de prevenção que reside a razão de ser fundamental deste diploma, o qual, embora tenha merecido as honras de intervenção do Primeiro-Ministro, mais não é do que, numa sequência habilissimamente preparada (falarei depois um pouco sobre ela), substituir a Alta Autoridade contra a Corrupção. Havia aqui uma falha, porque pelo menos não estava consagrada, em relação a todos estes crimes, a actividade preventiva devidamente localizada. É, assim, por causa da actividade preventiva que V. Ex.ª vem aqui apresentar o diploma. Estarei a aventar uma hipótese ou a adiantar uma resposta, mas V. Ex.ª me corrigirá se assim não for.
De acordo com o Estatuto da Polícia Judiciária, a actividade de prevenção da polícia aparece tipificada através de comportamentos. O que vai V. Ex.ª fazer: servir-se dos mesmos comportamentos ou acrescentar alguns, como, por exemplo, o de que a Polícia Judiciária poderá ir para a porta dos ministérios averiguar sobre se há ou não corrupção nesses organismos?
Risos do PS e do PCP.
É que nesse diploma a tipificação dos comportamentos é determinada através dos locais onde a Polícia Judiciária exerce a actividade preventiva.
Estou certo de que V. Ex.ª irá legislar abundantemente no que se refere as actividades de prevenção. Estou certo disso, até porque essa é uma das razões que descortino para este diploma. Gostaria, pois, que V. Ex.ª nos adiantasse a sua ideia sobre esta matéria, já que não dispomos do projecto de diploma a autorizar.
No que diz respeito à enumeração dos delitos que passam a caber, em matéria de investigação e prevenção, à Polícia Judiciária, os três primeiros estão tipificados em diplomas já existentes, concretamente no Código Penal e na legislação sobre infracções contra a economia e a saúde. Mas fala depois V. Ex.a, em geral, em «infracções económico-financeiras cometidas de forma organizativa, com recurso à tecnologia informática» e em «infracções económico-fi-nanceiras de dimensão internacional ou transnacional». Percebemos o qualificativo, mas gostaríamos de saber que infracções tem V. Ex.ª em mente ao falar delas.
Outra questão ainda que gostaria de ver esclarecida pelo Sr. Ministro refere-se aos crimes em conexão. Qual é a extensão desta conexão?

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

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O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, responderei rapidamente, dentro do tempo de que disponho, aos Deputados que me interpelaram.
Ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca direi que, como é evidente, não posso afirmar-estou mesmo convencido de que, infelizmente, assim não será - que através deste conjunto de diplomas se acaba a corrupção em Portugal. Bem gostaríamos que assim acontecesse! É óbvio, em todo o caso, que haverá outros meios complementares desses para que possamos intervir, em grelha, no domínio da criminalidade antieconómica em geral e do combate à corrupção e não tenho é qualquer dúvida de que, através deste conjunto de diplomas, iremos ter instrumentos e meios de combate à corrupção bastante mais eficazes, conseguindo--se, assim, resultados também mais óbvios nesse combate que a todos nos interpela.
Ao Sr. Deputado Guilherme Silva, que coloca a questão de saber até que ponto é verdade ou não que, nomeadamente, o projecto de Código Penal venha reduzir a pena aplicável ao crime de corrupção, respondo que não é verdade. O que sucede é que temos no actual Código Penal a mesma pena para os chamados corruptor passivo e corruptor activo, quando o passivo é que é efectivamente o corrupto. Como o Sr. Deputado sabe, o crime de corrupção releva da qualidade de funcionário público. Esse é que é o corrupto e é sobre esse que é necessário intervir de forma mais significativa.
Ora, é a pena aplicável a esse - ao corruptor passivo - que é agravada, passando o seu limite máximo de seis para oito anos. A pena que é reduzida é a do corruptor activo, aquele que corrompe o outro, que neste diploma vai encontrar a possibilidade de uma especial atenuação, ou até da própria suspensão provisória do processo, para permitir que se quebre esta placenta de cumplicidade entre quem corrompe e o corrupto, por forma a não possibilitar que, seja em que circunstâncias for, intervenhamos nesse domínio.
Não faria qualquer sentido que, por um lado, combatêssemos a corrupção e, por outro, diminuíssemos as penas. Diria que o verdadeiro agente e delinquente de um crime vê a punição agravada, e não diminuída, com o projecto de Código Penal.
Relativamente às observações do Sr. Deputado José Vera Jardim, fui eu próprio a dizer que não queria «conversa fiada». Só que, quando o disse, não estava a acusar a oposição de fazer «conversa fiada», mas a acusar-me a mim próprio de a poder fazer nessas circunstâncias. É importante que, quando alguém, em representação do Governo, vem à Assembleia, esse alguém apresente uma posição razoavelmente definida para poder dialogar, não vindo numa altura em que, numa fase vestibular, ainda esteja a preparar, em borrão, aquilo que virá a ser o diploma posterior.
Quanto ao facto de V. Ex.ª me ter agradecido o envio do texto do novo Código Penal, não tem nada a agradecer, porque, como sabe, normalmente envio as coisas que me pede. Tratou-se apenas da repetição de um acto normal na nossa relação.
No que se refere ao crime de tráfico de influências, V. Ex.ª esteve, como sempre, atento à minha intervenção. Referi efectivamente o tráfico de influências e é possível que, após a discussão que venhamos a travar acerca do futuro Código Penal, tal crime venha a integrá-lo. Neste momento, porém, a tendência é para o fazer integrar no diploma das infracções antieconómicas, no qual também estamos a trabalhar, mas ainda numa fase muito distante daquela em que até se pode admitir a hipótese de virmos a conversar sobre ele, embora um pequeno grupo de trabalho esteja a estudar essa matéria, que constitui, evidentemente, um ponto que nos interessa e nos preocupa.
Em relação aos actos de colaboração ou instrumentais, trata-se, no fundo, de uma possibilidade que é dada ao agente provocador. Não quereria chamar-lhe assim, porque, como V. Ex.ª sabe, com certeza melhor do que eu, a evolução do conceito foi-se verificando até nos delimitar hoje aquela que é a área possível de intervenção neste tipo de actividade. Porém, trata-se de uma matéria obviamente indispensável para podermos intervir com eficácia nesse domínio, mas sempre salvaguardada - é importante sublinhar isto - pela autoridade judiciária competente.
A autoridade competente não é o juiz (V. Ex.ª colocou a questão em termos de ser o juiz) mas, em princípio, o Ministério Público, porque esta situação se verifica numa fase de inquérito. Assim, neste caso, é sempre com autorização do Ministério Público. Referimos a «autoridade judiciária competente», que tanto pode ser o Ministério Público como o juiz, mas podemos ter o processo em fase de instrução...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É que às vezes dizem «autoridade judicial»!...

O Orador: - Não tenho grandes preocupações sobre a terminologia, Sr. Deputado, porque nesse aspecto estamos sempre de acordo.
Porquê as acções de prevenção, se já estão previstas? Exactamente por isso, Sr. Deputado! É que no diploma vimos, precisamente, restringir a possibilidade de acções de prevenção. Não quisemos remeter para o bojo das acções de prevenção previstas na Lei Orgânica da Polícia Judiciária mas, sim, dizer que nesta sede as acções de prevenção vão ser específicas. Portanto, não se visa a panóplia de que o Sr. Deputado falou.
Logo que tenha ocasião de vos enviar o diploma já com esse conjunto de matérias definido, verificarão que se trata de acções restritas, específicas, aquelas e naquelas particulares circunstâncias, exactamente para não deixar nenhuma «porta aberta» à possibilidade de, a pretexto de uma interpretação extensiva das competências actuais, virem a verificar-se questões como algumas das que aqui foram colocadas e que avançaria já em termos de resposta.
Não é possível fazer buscas e devassa de contas bancárias, ou seja, não é possível realizar qualquer acto tecnicamente de investigação, mas apenas um acto de recolha de informação para a possibilidade de criação, minimamente previsível, de uma suspeita. Estamos, pois, numa fase anterior, como a que acontece, por exemplo, no combate à droga e ao banditismo, em que, evidentemente, se regista uma acção prévia, que tem, por isso, a noção de prevenção técnica, no seio da qual a polícia nunca pode levar a cabo qualquer actividade material de investigação. Neste caso concreto, não só tem de documentar tudo o que fizer, como também tem de participar ao Ministério Público, mensalmente, toda a documentação. A partir daí, o Ministério Público tem sempre o poder de controlo e vigilância sobre as acções que a Polícia Judiciária vá exercendo nessa matéria.
O problema da criminalidade fiscal é, Sr. Deputado, um dos motivos pelos quais aceitarei, com toda a facilidade, que a Câmara altere a proposta de lei de autorização legislativa, visto que o «fiscal» está efectivamente a mais, quando entendemos que não deveríamos caminhar já para um alargamento tão grande desta área de intervenção.
Quanto à possibilidade de autorização genérica do acesso, é genérica relativamente à pessoa. Por isso acontece sempre mediante despacho do juiz, que tem de ser fundamentado, e

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em relação a situações onde num determinado momento possa ser necessário fazer, simultaneamente, uma devassa à conta bancária global da mesma pessoa. Nessa altura, poderemos ter de pedir, por circunstâncias específicas da investigação, que se proceda a essa investigação não apenas para uma determinada conta ou um determinado extracto de conta de uma pessoa. Mas lá estará sempre presente a garantia da intervenção do juiz, que tem de a fundamentar no próprio despacho que a determina.
Quanto à questão das actividades de prevenção, considero-a respondida por tudo o que disse no esclarecimento que dei ao Sr. Deputado José Vera Jardim.
No que respeita às infracções económico-financeiras e aos crimes em conexão, trata-se, pura e simplesmente, da reprodução do que já existe na Lei Orgânica da Polícia Judiciária, que lhe atribui, nessa matéria, as mesmas competências.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A luta contra a corrupção representa, neste final de século, um domínio fundamental para a credibilidade e mesmo para a subsistência dos sistemas democráticos que hoje conhecemos. A corrupção é um fenómeno velho, mas é nova e grave a ameaça que dele agora decorre para sistemas que, em princípio - ao contrário de outros em que a corrupção tradicionalmente mais parecia ter condições para se desenvolver -, asseguram espaços, oportunidades e procedimentos institucionais apropriados para que ela seja denunciada, averiguada e imparcialmente punida.
Não está em causa só a dimensão do fenómeno - que, em certos casos limite, parece pôr em causa a própria autonomia dos processos públicos de decisão - ou seja, a autonomia do espaço do Estado em relação ao do mercado, a autonomia do espaço público em relação à rede do tráfico privado.
Não está só em causa a confiança dos cidadãos e a descida da credibilidade das instituições para níveis que parecem colocar em novos termos a própria questão das motivações para a participação pública. Está posta também a questão -que é essencial e, essa, própria de um sistema democrático - da articulação de instrumentos eficientes de combate à corrupção com garantia de direitos fundamentais dos cidadãos, e nomeadamente do seu bom nome e privacidade, porque a democracia é aqui, no fundamental, também um sistema em que são os processos que legitimam os fins.
No dia em que uma democracia acolhesse, no seu interior, espaços em que os direitos dos cidadãos concretos fossem suspensos a pretexto de qualquer nova cruzada, então, não seria a democracia a defender-se da corrupção, ou de ameaça semelhante, mas alguém, no bojo dela, a transgredir e a perverter o essencial da democracia.
E é o próprio carácter fundamental que o debate contra a corrupção hoje assume e a intrínseca dificuldade que ele comporta numa sociedade democrática - que não pode ser concebida, como bem advertiu o Procurador-Geral da República, como uma sociedade de delatores ou uma sociedade policializada - que toma nesta matéria essencial a cooperação institucional. Pois bem: é preciso repetir que o Governo, e em concreto o Sr. Ministro da Justiça, rodearam este debate dos precedentes e condições mais lamentáveis do ponto de vista dessa cooperação institucional.
Desde Dezembro que, neste domínio, os Deputados à Assembleia da República foram tomando conhecimento pela
comunicação social de detalhes e contradetalbes de anteprojectos e projectos, de juízos públicos de várias entidades chamadas a pronunciar-se sobre tais projectos e de outras que a elas dizem ter tido acesso, de comentários e contra-comentárïos. Mas, apesar das propostas, requerimentos e insistências que da parte do Partido Socialista se estenderam dos primeiros dias de Janeiro até ao último dia dos trabalhos parlamentares, o Sr. Ministro da Justiça não encontrou nem justificação nem espaço na sua agenda para vir explicitar e debater os propósitos que subjazem aos ambíguos e, nalguns casos, desastrados termos da autorização legislativa que hoje apreciamos.
Ficámos agora a saber que essa diligência, a ter ocorrido, na ilustre concepção ministerial, seria de subsumir ao novo tipo político-parlamentar da «conversa fiada», como também não se descobriu nem o tempo nem a preocupação política de, em matéria deste melindre, fazer chegar à Assembleia da República o projecto de decreto-lei com que se pretende fazer uso da autorização legislativa pedida. Ê a preocupação chegava - que o tempo, esse, sobrou desde que, na primeira quinzena de Setembro do ano passado, o Sr. Ministro da Justiça asseverou que em fins de Dezembro último disporíamos dos instrumentos legislativos que há seis meses se dizia estarem já em fase de elaboração.
Desmentimos assim, mais uma vez, que assista ao Governo, em matéria de elaboração legislativa, rapidez sequer de longe paralela à que é pedida, e obtida, para a intervenção desta Assembleia!
A luta contra a corrupção e a criminalidade económica deveria constituir um traço de união entre instituições e partidas políticos, uma obra de defesa da autonomia e da integridade do espaço público levada a cabo pelo método do diálogo e da consensualização. Não deveria constituir o terreno de afirmação de uma lógica adversaria! e de uma tão crua manifestação de indisponibilidade para o diálogo e para a cooperaçâo institucional.
Mas foi essa lógica e essa indisponibilidade que o Governo lamentavelmente escolheu - talvez porque sinta que, para branquear a sua imagem degradada no meio do pântano de escândalos que vão surgindo, precisa de «mostrar serviço» a qualquer preço.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Optando por esta atitude, o Governo não contribuiu para que corruptos e candidatos a corruptos sentissem a força de uma frente comum que a acção do Estado democrático devia exprimir neste combate.
Era outro o método que um comportamento democrático responsável ditaria. Mas era outra também a ambição que nesta matéria se esperava e se impunha.
A luta contra a corrupção não pode ser reduzida a uma questão de polícia, inquérito, instrução, julgamento, punição, e muito menos a uma questão de mais poderes policiais, menos segredo bancário, mais informadores, mais colaboradores e mais arrependidos. Seria deplorável que prevalecesse, nas nossas instituições, uma mera compreensão policial do fenómeno da corrupção.
Sr. Presidente da Assembleia da República, como V. Ex.a, noutro momento, a este respeito notou, é este um domínio em que se torna indispensável uma cultura pública sensível à relevância própria do institucional no contexto das sociedades democráticas. Um programa de combate à corrupção que assente numa cultura pública moderna e democrática não pode deixar de ter, no seu centro, um programa de reformas institucionais que introduzam mais transparência, mais

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visibilidade, mais controlabilidade no agir público, seja no estatuto da decisão pública seja no estatuto do decisor público.
Devem ser dadas ao País razões para acreditar que menos actos de corrupção ficarão impunes. Mas são-lhe sobretudo devidas razões para acreditar que as instituições e o seu procedimento são reformulados de forma a diminuírem substancialmente as ocasiões de corromper e ser corrompido e que, por isso, nelas pode fundadamente depositar mais confiança.
A corrupção é filha da opacidade, do segredo, da complexidade burocrática e do excesso de regulamentação, da discricionariedade e do casuísmo nas decisões públicas. É por isso que a nossa perspectiva de combate à corrupção tem um alcance e uma ambição e uma cultura pública de referência de todo diferentes das que o Governo aqui manifesta.
No nosso programa são peças essenciais a abertura dos processos administrativos e a adequada publicidade das decisões, a simplificação burocrática, a transparência e a sujeição a controlo público das contas dos partidos políticos, o acesso do público às declarações de património e rendimentos dos titulares de cargos políticos e equiparados, ao registo dos seus interesses e às respectivas declarações de IRS - tudo medidas que insistentemente vimos propondo sem que tenhamos obtido até ao momento a anuência da maioria.
Na linha dessas preocupações, quisemos assinalar hoje a diferença de perspectiva que nos separa de uma leitura redutora do tratamento institucional da corrupção, apresentando dois projectos de lei, a cuja entrega à Mesa procederei no termo desta intervenção. Um prevê a realização de auditorias à aplicação de fundos estruturais, através de entidades independentes, seleccionadas por concurso público por iniciativa da Assembleia da República ou do Governo; o outro assegura a publicidade das decisões de entidades públicas que atribuam benefícios a particulares.
O Estado -e, em Portugal, em particular a partir da adesão às Comunidades - é hoje um enorme distribuidor de vantagens a particulares, através de subsídios, subvenções, incentivos, donativos, prémios, ajudas, compensações, restituições, perdões, dilação de dívidas e indemnizações não fixadas judicialmente. É preciso que tudo isso passe a ser decidido e aplicado sob a luz da publicidade, para que a corrupção e o desvio encontrem dificuldades, resistências, controles e desencorajamentos que até hoje têm faltado.
Srs. Deputados da maioria, o nosso desafio é: dêem connosco um passo contra a corrupção, aprovando os nossos projectos e fazendo com que a publicidade e a transparência adquiram direitos que lhes têm faltado nas nossas leis e nos nossos costumes políticos.
A restrita proposta que o Governo hoje nos traz, no termo de tão absorventes e reservados trabalhos preparatórios, se é frustrante como sucedâneo de um verdadeiro programa de combate à corrupção, inspira-nos, nas suas ambiguidades e imprecisões de concepção e redacção - aliás, já aqui admitidas -, interrogações e dúvidas sérias, nomeadamente em sede de constitucionalidade.
Que tipo de ordens genéricas de levantamento de segredo profissional poderão ser compatíveis com um juízo de adequação e proporcionalidade entre o sacrifício do segredo profissional e os concretos condicionalismos de uma situação investigatória?
Até onde se pretende e se poderá ir no domínio de uma legitimação ou de uma pré-credenciação dita judiciária de actos de colaboração e que actos de colaboração se tem em vista?
Até que ponto, numa sociedade democrática, pode um programa de luta contra a corrupção assentar no paradigma de uma sociedade de delatores, como bem prevenia o Procurador-Geral da República?
Quem decide, em última análise, da suspensão do processo num modelo em que o requerido é apenas «a concordância do juiz de instrução criminal?»
Inclui o Governo, nas acções preventivas, os inaceitáveis «pré-inquéritos», em que, à semelhança do que se passava em processos de averiguações sumários de dezenas de volumes, se acumule informação sobre cidadãos sem que estes tenham conhecimento desse processo de armazenamento, mesmo quando se não confirmam as suspeitas de que sejam alvo?
Tomei agora boa nota das respostas do Sr. Ministro às perguntas da Sr.ª Deputada Odete Santos e do Sr. Deputado Vera Jardim, mas voltaremos ao tema na especialidade.
A atribuição de uma competência, dita exclusiva, à Polícia Judiciária prejudica ou não, conforme já foi publicamente equacionado, a possibilidade de o Procurador-Geral da República entender de outro modo?
São, entre muitas outras, interrogações e suspeições que esta proposta, desacompanhada de um projecto de decreto-lei, não esclarece e que um diálogo recusado não pode ajudar a ultrapassar.
É doentio que se tenha chegado ao início deste debate com incertezas em relação a questões tão fundamentais como estas. É ainda mais doentio que possamos ter chegado a esta fase do debate sem que algumas dessas incertezas tenham sido cabalmente dissipadas. Esperamos que o Governo queira dar provas de bom senso antes da conclusão deste processo legislativo, arrepiando caminho em relação à postura inaceitável em que até agora se colocou em relação ao Parlamento, de modo a poder apurar-se a forma do diploma e clarificar os seus pontos obseuros. E esperamos, sobretudo, que o nosso repto de fundo seja aceite.
Acompanhem-nos, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados da maioria, num programa mais ambicioso de combate à corrupção que inclua reformas institucionais que levem mais transparência e publicidade, para começar, às decisões e ao estatuto dos titulares de cargos políticos e decisores públicos equiparáveis. O País tem, neste domínio, direito a mais e a melhor. Tem direito ao que não foi trazido aqui hoje, a um verdadeiro programa de combate à corrupção à altura dos desafios e ameaças que neste campo se colocam à sociedade portuguesa neste fim de século e, ouso dizê-lo, neste fim de capítulo político.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Propõe-se o Governo, com a proposta de lei em debate, adoptar um conjunto de soluções de índole substantiva, adjectiva e organizatória pré-ordenadas a melhorar a actuação das instâncias formais de controlo na prevenção e perseguição, no domínio da corrupção e da criminalidade económica em sentido amplo, daquilo a que, com os Franceses, podíamos designar criminalité dês affaires, o que em Espanha se chamam delitos sócio-económicos e que os alemães tratam como Wirtschqftskriminalitaet, uma realidade que, no plano da teoria criminológica, vem sendo

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abordada sob o nome e a teoria do white collar crime, originária das escolas de criminologia dos Estados Unidos
Chamados a discutir e valorar a iniciativa legislativa do Governo, o nosso discurso deve privilegiar dois tópicos fundamentais: em primeiro lugar, a adequação político--criminal das inovações sugeridas pelo Governo - trata-se fundamentalmente de se indicar se as medidas propostas se mostram necessárias e idóneas para alcançar as metas indicadas, um exercício que terá de fazer-se com os olhos postos no recorte criminologia) destas condutas, tal como nos é mediatizado pela mais avalizada investigação criminológica
Em segundo lugar, havemos de interrogar-nos sobre a legitimação formal e, sobretudo, material das medidas propostas. Trata-se, aqui, fundamentalmente de se indicar se o necessário empenhamento na luta contra esta criminalidade se mantém ou não nos limites impostos pelo Estado de direito; trata-se, noutros termos, de prevenir que o balanceamento para uma lógica de eficácia-aquela racionalidade orientada para fins de que nos falava Max Weber nos faça perder de vista as exigências de uma racionalidade axiológico-moral, uma Werterationalitaet de que nos fala o mesmo autor, étimo último de legitimação de toda a acção estadual. Isto por forma a assegurar-se que, mesmo na luta mais empenhada contra as manifestações mais intoleráveis e rebeldes de criminalidade, o Estado mantenha a sua irrenunciável distanciação e superioridade ética em relação aos agentes de comportamentos criminosos.
É sobre estes dois complexos de questões que me proponho, nos curtos minutos postos à minha disposição e com a aceleração aconselhável pelas circunstâncias e pela hora, deixar registadas algumas notas de forma intencional e assumidamente sincopada e fragmentária.
A começar, alguns traços que nos permitam referenciar o perfil criminologia) das práticas em exame. Nesta perspectiva avultam, em primeira linha as elevadas cifras negras. À semelhança do que acontece na criminalidade em geral, na criminalidade de corrupção ou contra a economia é mais acentuado o desfasamento entre a criminalidade real e a chamada criminalidade oficial. Tudo sugere que também aqui, talvez de forma ainda mais acentuada, a criminalidade oficial representa apenas uma ínfima ponta de um grande iceberg que fica submerso.
Na literatura criminológica tanto numa perspectiva empírica, como numa perspectiva teórica, regista-se, hoje, um assinalável consenso quanto à indicação dos factores ou causas desta selecção privilegiada da criminalidade de corrupção e da criminalidade antieconómica.
Em primeiro lugar, tal deriva das estruturas ou modelos de acção e interacção intersubjectiva das condutas que dão expressão à corrupção e ao crime económico.
Ao contrário do que acontece na criminalidade tradicional e normal, aqui não há perfeitamente identificado, em termos psicológicos, um agressor e uma vítima. Não há também, ao contrário do que acontece num crime de roubo ou de furto, uma conflitualidade exposta entre uma vítima e um agente de um crime, conflitualidade que emerge nas relações reais da vida e é depois transportada para a dramatização do processo feito sob a égide das instâncias formais de controlo. A relação é, aqui, claramente outra.
Entre agentes, medeia uma relação que podemos, com a criminologia, apodar de cliente e fornecedor de serviços. À semelhança do que acontece em todas as outras formas de criminalidade onde são incriminadas a prestação de serviços ou a permuta de bens, também aqui as relações não são de conflitualidade entre as partes, pelo contrário, são relações de cumplicidade e de solidariedade contra a devassa e a intromissão das instâncias formais de controlo, a começar pelas polícias.
Em segundo lugar, como factor determinante desta selecção privilegiada a nível da criminalidade de corrupção e da criminalidade económica, avulta a extremamente reduzida visibilidade das condutas.
Estes crimes não são particularmente visíveis, nem no plano das suas expressões fácticas, nem no plano das suas valorações morais, isto é, no plano da sua qualificação normativa Quanto às expressões fácticas, a invisibilidade é uma nota comummente acentuada para caracterizar o «crime de colarinhos brancos», de que a corrupção é uma expressão paradigmática.
É que, diferentemente do que se chegou a acreditar, os sinais distintivos de classes ou de grupos não passam apenas pela detenção ou não de meios de produção, nos termos da vulgar e ultrapassada vulgata marxista. Há outras formas de determinação e de demarcação de grupos e de classes sociais e uma delas é, precisamente, a distribuição diferencial da privacidade. Os ricos têm mais tempo de privacidade do que os pobres. Os crimes dos ricos ocorrem, por via de regra, na sua maior parte, sob a invisibilidade e substraídos, portanto, à devassa das instâncias formais do controlo. Os crimes dos nobres, o blue collar crime, ocorrem, normalmente, em espaços mais publicizados, mais expostos à devassa.
Se é assim no que loca à expressão fáctica das condutas, que não se vêem facilmente, que muitas vezes assumem a forma de invisíveis acordos, invisíveis transações, por maioria de razão também assim é ainda a nível da sua própria qualificação normativa. Normalmente, pelo menos ao nível da consciência colectiva e dos estereótipos mais fortes da consciência colectiva não há muito a ideia de que o crime contra a economia e o crime de corrupção sejam crimes com a mesma gravidade, com a mesma ressonância emotiva, do crime de rua ou do crime tradicional. Para muitos cidadãos, a diferença que separa estes crimes dos grandes actos de inteligência e de génio, e que faz deles meros kavalliersdelikte, é muito ténue.
Acresce que também aqui e do lado das vítimas se verifica uma grande invisibilidade. Estas, por via de regra, são vítimas dispersas, difusas, e para além de não terem consciência das praticas e dos efeitos lesivos que sobre elas impendem, não têm sequer consciência da qualificação jurídica das condutas.
Significa isto que, ao contrário do que acontece na criminalidade normal, o sistema penal não pode contar com o papel tradicional da vítima. A vítima é, na criminalidade, normal, o gate keeper de todo o sistema É a vítima, por via de regra, que faz de guardião do sistema, é ela que introduz os casos criminais no sistema de resposta ao crime. É através da vítima ofendida na sua integridade física, na sua liberdade sexual, através dos parentes da vítima de homicídio, através da denúncia das vítimas do roubo, que os crimes são, na sua esmagadora maioria, levados ao conhecimento das instâncias formais de controlo.
Nestes casos, na criminalidade normal, por via de regra, o sistema penal tem apenas uma resposta ao input feito pela vítima.
Na criminalidade de corrupção, na antieconómica, o quadro é manifestamente outro. Se as instâncias formais de controlo querem ter alguma eficácia, não podem ficar à espera das denúncias, têm, pelo contrário, que tomar uma atitude pró-activa e não reactiva à criminalidade.

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Não é por acaso que entre os autores se discute muito sobre se a melhor categorização do crime de corrupção e da criminalidade económica, em geral, não devia ser uma caracterização criminalística. Isto é, uma caracterização que pusesse em evidência as singularidades deste crime do ponto de vista da descoberta e da repressão. Por último ainda, e no plano criminologia), o que caracteriza esta criminalidade é o carácter massivo e particularmente intolerável da sua danosidade social, danosidade que se expressa, desde logo, em termos materiais.
Estudos feitos, por exemplo, na República Federal da Alemanha, dizem-nos que a criminalidade económica em geral, aí incluída a criminalidade fiscal, absorve, por ano, aos contribuintes qualquer coisa com 12 a 15 biliões de marcos alemães, acrescentando-se que os impostos podiam descer um terço se não houvesse, por exemplo, evasão fiscal.
Mas, para além disto, há um efeito mais deletério e mais grave: é que a corrupção e a criminalidade económica confrontam a colectividade com o estigma negativo das suas próprias élites. São as élites do mundo dos negócios, as do próprio Estado, os que fazem as leis, os que governam, os que administram, os que aplicam a justiça, etc., que aparecem nesta criminalidade como os agentes do próprio crime.
Ora, isto tem uma eficácia destrutiva sobre os sentimentos de adesão colectiva às normas e tem, para além disto, uma eficácia de dissolução dos princípios fundamentais de confiança que a colectividade tem de ter nas suas normas. Uma colectividade que não tem confiança nas suas normas é abandonada à barbárie. Ora, esta criminalidade pode ter precisamente este efeito.
Além do mais, esta criminalidade desperta no cidadão e amplia aquilo que, de algum modo, corresponde a um estereótipo comum: a ideia de que a lei penal apanha o peixe miúdo, mas deixa fugir o peixe graúdo. Tem, também por isto, um efeito particularmente deletério.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegados aqui e numa apreciação própria de generalidade, é óbvio para nós que as propostas apresentadas pelo Governo - e postas, «por enquanto», de parte as que relevam do mero organizatório a nível da Polícia Judiciária, que em rigor o Governo nem sequer careceria de trazer à Assembleia da República -, fixando-nos nas acções de prevenção e de investigação, se mostram perfeitamente adequadas a curto-circuitar o sistema e o desafio desta criminalidade de corrupção e antieconómica.
Trata-se de repostas marcadamente pré-ordenadas a quebrar os vínculos de solidariedade e de cumplicidade entre todos os agentes do crime e, por via de regra, a abrir caminho a uma intervenção pró-activa da polícia, já que de intervenção reactiva não se pode esperar, como tive oportunidade de assinalar.
Mas, acentuada a racionalidade política ou criminal das medidas, cabe agora questionar da sua legitimação material e indagar sobre se o sacrifício necessário de alguns direitos ultrapassa ou não aquele paradigma da proporcionalidade para que aponta manifestamente a nossa Constituição.
Certo e sabido que toda a convivência implica necessariamente sacrifícios, nem é preciso ser adepto fervoroso de Sartre e acreditar que o inferno são os outros, para acreditar que conviver é aceitar limites às próprias liberdades e aos próprios direitos. É conatural a toda a organização comunitária, juridicamente institucionalizada, a ideia de limitação de direitos, pois também aqui há-de haver limitação de direitos. Tudo está em saber, em aferir, numa adequada balança de ponderação, pré-ordenada à realização de uma concordância prática constitucionalmente validável, se os valores que são sacrificados são mais que compensados pelos valores a salvaguardar nesta luta contra a corrupção. Valores que, repito, não têm apenas a dimensão dos valores económicos postos em causa, mas têm também e, sobretudo, a dimensão de princípios ou valores fundamentais do Estado de direito, do princípio da igualdade, da confiança em todo o sistema, que é posto em causa por esta criminalidade.
Se for assim, temos para nós como correcta a ponderação a que o Governo nas suas propostas procedeu. Dentro do mais original avulta a abertura do sigilo bancário, nos casos de inquérito, investigação, instrução e julgamento deste tipo de criminalidade. Como manifestamente está já claro, da discussão travada, trata-se de uma abertura perfeitamente legítima, controlada pela autoridade judiciária e que fica muito aquém daquela que era aberta à Alta Autoridade contra a Corrupção, instituição que, por maior que seja o respeito e a consideração que tenhamos perante o seu titular, era manifestamente anómala e representava do ponto de vista das garantias do Estado de direito, uma certa aventura.
Pois bem, agora, a abertura do sigilo bancário está apenas circunscrita às acções de investigação e não de prevenção e, por outro lado, trata-se de uma medida sob a vigilância e controlo de uma autoridade judiciária.
Para além disso, também, não queremos que as chamadas medidas de prevenção suscitem as mínimas reservas. Como aqui já foi assinalado por um Sr. Deputado da oposição, medidas de prevenção sempre terão de existir. Só que há um ganho de transparência se estas medidas de prevenção forem normativamente enquadradas, como propõe o Governo.
Por outro lado, são medidas sobre as quais o Governo propõe um reforço de controlo da Polícia Judiciária por parte do Ministério Público. Em rigor, as medidas de prevenção não estão incluídas no vínculo de dependência funcional da Polícia Judiciária em relação ao Ministério Público. Porém, o Governo, aqui, entendeu ir mais longe.
Portanto, ao contrário do que já se disse e do que alguns partidos têm feito crer em conferências de imprensa, não há, neste ponto de vista, um abrandamento e um relaxamento das garantias do cidadão mas, sim, um manifesto reforço destas garantias, o que aplaudimos.
Com isto, termino a minha intervenção, para gáudio e descanso dos estimados colegas.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos fazer uma interrupção no curso da ordem do dia para procedermos às votações, aliás, também previstas na ordem do dia.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.
O
Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de pedir um esclarecimento sobre se o Partido Socialista, relativamente aos dois pedidos de inquérito parlamentar que formulou, um relativo ao Fundo Social Europeu e outro aos fundos afectos à agricultura, apresentou ou não qualquer alteração em relação ao seu pedido inicial.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tanto quanto a Mesa pode saber, o Partido Socialista não apresentou nenhuma modificação.

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Em todo o caso, como o Sr. Deputado Almeida Santos está, neste momento, a pedir a palavra, penso que será para esclarecer a Câmara sobre esta questão.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, para, em jeito de interpelação à Mesa, dizer que estamos abertos às sugestões de alteração formal do PSD. A bola está no seu terreno, faça favor de chutá-la.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que as críticas por nós feitas à forma como estão apresentados os pedidos de inquérito, que eram verdadeiras conclusões antecipadas, que lhes retiravam seriedade e isenção, seriam bastantes para o Partido Socialista os alterar sem necessidade de, pela nossa mão, reinscrevennos os seus pedidos de inquérito.
Mas, nestas circunstâncias, vamos naturalmente, pelas razões expostas, votar contra e apresentar os nossos próprios pedidos de inquérito, com a redacção adequada às exigências regimentais e o carácter escorreito e sério que tais matérias exigem.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para esclarecer a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, é que as críticas que tomamos em conta são as que são feitas aqui e não as que são feitas ía fora, em eventuais conferências de imprensa.
Por outro lado, as nossas propostas também são por nós consideradas sãs e escorreitas, pois cada um de nós tem a sua própria visão da maneira como formula as coisas. Não temos uma posição rígida. Se for caso de discutir palavras sem descaracterizar o objectivo, estamos de acordo; se se trata de minimizar o objectivo a propósito da discussão de palavras, estamos claramente fechados a essa possibilidade.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, dentro dos mesmos pressupostos das intervenções anteriores, quero lembrar que, ontem mesmo, depois da conferência de imprensa do PSD, um distinto membro da bancada do Partido Socialista, o seu vice-presidente, creio, fez também uma declaração pública dizendo que estava disposto a fazer a reconsideração da forma como estava redigido o texto dos pedidos de comissão de inquérito, sobretudo, no aspecto que nós invocámos.
Com efeito, os dois pedidos de comissão de inquérito pressupunham já, na sua redacção, uma condenação e, obviamente, se se tratava já de condenar nem valia a pena inquirir, uma vez que inquirir pressupõe uma fase posterior de absolvição ou de condenação.
Portanto, das duas uma: ou o Partido Socialista retira, neste momento, da votação os seus dois pedidos de inquérito e os reformula, possibilitando assim o acordo; ou, então, ficarão na Mesa os nossos pedidos de comissão de inquérito sobre o mesmo objecto para serem discutidos e votados.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto Costa pede a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, para, também em jeito de interpelação à Mesa, dizer que a posição que ontem tive ocasião de manifestar é aquela que acabou de ser expressa, aqui, pelo Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do PS e que é exactamente esta: se se trata de melhorar palavras ou frases, de corrigir preâmbulos, nós queremos é que os inquéritos se façam; se, porém, se trata de descaracterizar ou de alterar os objectivos do inquérito, isso não aceitaremos.
Foi este o conteúdo essencial da nossa posição e foi este também que transmiti oportunamente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa nada mais pode esclarecer e vai seguir a ordem que VV. Ex.ª lhe impuseram, submetendo à votação tudo o que temos para votar agora.
Assim, vamos começar por votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 103/VI - Alteração da imagem feminina nos manuais escolares, apresentado por Os Verdes.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Deu entrada na Mesa um requerimento, assinado por vários Srs. Deputados, solicitando a baixa deste diploma à Comissão de Educação, Ciência e Cultura para apreciação na especialidade pelo prazo de 90 dias.
Vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos passar à votação dos inquéritos parlamentares e dos projectos de deliberações, começando pela votação do inquérito parlamentar n.º 8/VI - Sobre a responsabilidade governamental na manutenção e promoção a elevados cargos da Administração Pública de elementos indiciariamente pertencentes a associação criminosa envolvida no desvio de verbas do Fundo Social Europeu e as garantias de defesa da credibilidade do Estado português, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi rejeitado, com os votos contra do PSD e os votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Agora, vamos votar o inquérito parlamentar n.º 9/VI - Sobre as circunstâncias e responsabilidades dos casos e do tratamento dado na fronteira a certos cidadãos estrangeiros (particularmente do Brasil e dos PALOP), apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com os votos contra do PSD e os votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

De seguida, vamos votar o inquérito parlamentar n.º 10/VI - Sobre a extensão, natureza e implicações das

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irregularidades, ilegalidades e operações de traficância política na gestão, pelo Governo e pela Administração Pública, de subsídios provenientes de fundos comunitários e outras verbas públicas destinadas à reconversão e modernização da agricultura portuguesa, bem como à intervenção nos mercados agrícolas, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi rejeitado, com os votos contra do PSD, os votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSN.

Vamos passar, agora, à votação do projecto de deliberação n.º 58/VI - Fixa o elenco, a ordem e a composição das comissões especializadas permanentes, apresentado pelo Presidente da Assembleia da República.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mano Tomé.

Srs. Deputados, por último, vamos proceder à votação do projecto de deliberação n.º 59/VI - Realização de um debate parlamentar proposto pelo Governo, sobre política agrícola e integração comunitária, apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Srs. Deputados, terminadas as votações que faziam parte dos nossos trabalhos de hoje, vamos retomar o debate.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Justiça: Depois da infindável série de escândalos e suspeitas de corrupção em que se viu atolado, ao longo destes anos, vem agora o PSD, completamento a reboque dos acontecimentos, tentar o golpe de mágica e aparecer, ele também, associado à luta contra a corrupção.
Esta é a razão de ser desta operação, como foi também esta a razão de ser de, ontem, contra tudo o que fez ao longo dos anos, o PSD ter finalmente aceite que existem, na gestão e na aplicação dos fundos estruturais, indícios mais que seguros de corrupção e outras ilegalidades, tudo justificando a realização de inquéritos por esta Assembleia.
Inquéritos que o PSD foi rejeitando ao longo dos anos, como o fez, ainda há escassas semanas, ao inquérito proposto pelo PCP ao processo de privatizações e ao cortejo de escândalos que lhe estão associados, tudo com nomes e factos escarrapachados nos jornais, à vista de toda a gente.
Rejeitando o inquérito do PCP, o PSD impediu a Assembleia da República de averiguar os indícios de uma enorme fraude, que se cifram nestas coisas de pequena monta - ao que parece para a maioria parlamentar- e que são o favorecimento do grupo Espírito Santo, de António Cham-palimaud, do Banco Espanhol Banesto, do grupo adquirente do Banco Fonsecas & Bumay, tudo em detrimento do Estado, gravemente lesado pelas subavaliações dos patrimónios imobiliários da Tranquilidade, da Mundial Confiança, do Banco Português do Atlântico.
Assim, a encenação que, à última hora, o PSD quis impor a este debate não pode evitar as marcações desencontradas, papéis mal sabidos, e, talvez mesmo, a voz do ponto que mudou de texto e substituiu a Lusitânia Vicentina, o Todo o Mundo (que busca dinheiro) e Ninguém (que busca consciência) por discurso tartufiano mas despido da sagaz crítica de Molière.
E por que actua assim o PSD, cujo Governo é rebelde a qualquer fiscalização, inclusivamente à do Tribunal de Contas?
Casos de corrupção aparecem todos os dias na nossa imprensa. Dou meia dúzia de exemplos ao acaso:

«Governo através da Secretaria de Estado da Segurança Social adjudica publicidade a empresa inexistente»;
«Projecto de florestação acusado de passar recibos falsos»;
«Administração florestal e empresa privada de caça funcionam em comum»;
«Fraudes de milhões no comércio dos cereais»;
«O erário público foi lesado em centenas de milhar de contos com os subsídios agrícolas»;
«Empresa tem nas mãos 30000 contos há mais de três anos para formação profissional que nunca chegou a fazer»;
«Responsável dos fundos europeus engana o Estado»;
«Presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional foi nomeado para o cargo já depois de contra ele ter pendente processo por associação criminosa destinada à prática de fraudes».

Não obstante as afirmações do Sr. Primeiro-Ministro, obviamente, é muito estranho que, tendo já procedido a investigações sobre esta pessoa, não houvesse conhecimento de estas terem sido levadas a efeito.
Tudo o que acabei de referir, e a que poderia acrescentar outros exemplos - alguns muito recentes -, são títulos que abalam a credibilidade do Estado de direito democrático.
Perante isto, o que faz o PSD? Não só nada tem feito como impediu, e já o demonstrei, a efectiva averiguação destes casas.
É isto que marca, afinal, a actuação do PSD nesta área e que põe em causa o PSD e o Governo.
O rol de indícios de corrupção é já tão grande que nem com uma vírgula, em jeito de parêntesis para retemperar forcas, o PSD conseguiu «armar-se em cavaleiro andante»!
E a recusa do PSD em fiscalizar, de facto, estes casos de fraude e corrupção que poderá colocar mal o País e não o empenhamento da Assembleia da República no desvenda-mento desses casos.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - O PSD também não consegue, com a presente proposta de lei, «armar-se em cavaleiro andante», como se demonstra pela sua análise.
O facto de - e mais uma vez peço desculpa por repeti-lo - não ter sido cumprida a promessa feita de envio do projecto de decreto-lei, que o Governo tem pronto (e, se está pronto, seria bom que a Assembleia, já em sede de generalidade, se debruçasse sobre as questões concretas), retira transparência à proposta e coloca uma série de interrogações que, em última análise, questionam o próprio título do diploma.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Será que, com propriedade, poderemos vir a apelidá-lo de «lei anticorrupção»?
Ou será que poderá visar outros objectivos?

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Adivinha-se que houve recuos no diploma após as primeiras críticas vindas a público e isso é" notório no que toca ao sigilo bancário, que, de uma maneira geral, corresponde ao que consta de Código de Processo Penal. Mas, com isto, não ficam definitivamente afastadas as preocupações manifestadas no processo pré-legislativo.
E as interrogações subsistem, nomeadamente, se entrosarmos o texto do diploma com as alterações introduzidas pelo PSD na Lei Orgânica do Ministério Público.
Os termos em que a proposta se encontra redigida parecem deixar em aberto - deixam em aberto, pois as explicações dadas não convenceram - a possibilidade de a Polícia Judiciária poder proceder a averiguações sumárias à margem da fiscalização do Ministério Público, as quais se realizarão, nomeadamente, na área da prevenção criminal que, paralelamente com o Ministério Público, é desenvolvida pela Polícia Judiciária.
Não se esqueça que o PSD recusou, na Lei Orgânica, que fosse o Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República, a coordenar as acções de prevenção e estabeleceu um paralelismo dessas acções com o evidente objectivo de deixar «mãos largas» à Polícia Judiciária para fazer o que entender em matéria de prevenção.
Anote-se mesmo o seguinte facto anómalo: a proposta estabelece que as autoridades judiciais coadjuvam a Polícia Judiciária, assim se invertendo a posição relativa daquelas em relação a esta!
Quais são, então, os verdadeiros objectivos da proposta?
Parece que somos conduzidos à conclusão de que a Polícia Judiciária está lá, actua na prevenção para desenvolver averiguações sumárias, determinadas pelo Governo, segundo critérios de oportunidade.
Não se trata, como é óbvio, e gostaria que ficasse clarificado, de colocar dúvidas relativamente à Polícia Judiciária mas de questionar o Governo, nomeadamente o Sr. Ministro da Justiça, sobre a forma como vai actuar nas ordens que emitir relativamente à averiguação de factos passíveis de procedimento criminal.
Serão todos transpostos para inquérito, ou, por critérios de conveniência de uma pretensa estabilidade governativa, para garantir um caminho com regresso -parafraseando uma expressão do Sr. Primeiro-Ministro - para o PSD,...

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: -... ficarão na gaveta os casos que não convenham ao Governo, a coberto de um dever absoluto de sigilo do agente da Polícia Judiciária, previsto no diploma?
E que destino será dado à documentação recolhida nesta fase do pré-inquérito, quando não se siga a instauração do processo? A alínea da autorização legislativa fala tão-só no destino dos documentos recolhidos no âmbito do processo.

O Sr. João Amaral (PCP): -Muito bem!

A Oradora: -É legítimo questionar sobre a possibilidade de ser utilizada a fase de prevenção, totalmente na mão do Governo, para o desaparecimento de indícios de crimes. Anote-se que, na Lei Orgânica do Ministério Público, o PSD retirou a este poderes de fiscalização relativamente a esta área do pré-inquérito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): -Não é verdade!

A Oradora: - E é legítimo concluir que deste diploma e das alterações à Lei Orgânica do Ministério Público resulta que o Governo, face à autonomia e independência deste, quis reservar para si o comando da acção penal relativamente, à corrupção.
Afinal, o que é que se pretende com a proposta? Diz-se que se pretende combater a corrupção. Mas, nestes termos, não é legítima a dúvida de que se esteja a protegê-la em certas circunstâncias?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo: Da nossa parte, PCP, consideramos o combate contra a corrupção e pela moralização da vida pública como um objectivo central de uma política democrática e de dignificação das instituições.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O PCP continuará a insistir na realização de inquéritos parlamentares (verdadeiros inquéritos), com vista ao apuramento de compadrios económicos e políticos, de fumos de corrupção.
Continuaremos a propor o reforço dos meios de detecção e combate à corrupção a todos os níveis.
Neste debate apresentamos duas propostas concretas. A primeira refere-se à questão da transparência dos rendimentos dos políticos. E uma questão central para quem queira efectivamente combater a corrupção. Sobre essa matéria temos o projecto de lei n.º 117/VI, há quase um ano pendente (e há projectos de outros partidos). Propomos que sejam discutidos com urgência para que, com brevidade, se possa dispor de um diploma eficaz no combate à corrupção.
A segunda proposta diz respeito às despesas confidenciais das empresas, permitidas pelo Decreto-Lei n.º 408/89. Propomos a extinção destas despesas. É ou não é verdade, Srs. Deputados, que está nessas despesas a fonte das luvas que se pagam,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: -... dos favores que se compram, das ofertas que se fazem sob a aparência de um mero dever de cortesia, mas destinadas, de facto, sinuosamente, ao afrouxamento de regras e dispositivos legais?

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - É inadmissível que a própria lei indique, afinal, o caminho da corrupção.
Confidencialidade, de facto, não casa com democracia. Nunca permitiremos que a mesma se instale na vida pública, salvaguardando interesses que são, precisamente, os opostos aos do povo português.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Os Verdes cederam ao PCP quatro minutos de que dispunham e dos quais a Sr.ª Deputada usou 1,6 minutos, pelo que deve ser feita a correcção do tempo disponível por parte do PCP.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a palavra para uma intervenção.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste começo dos anos 90, o fenómeno da corrupção está, sem dúvida e um pouco por todo o lado, a corroer as relações de confiança entre os cidadãos e as instituições próprias da democracia representativa.

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18 DE MARÇO DE 1993 1753

Por isso, justifica-se que redobremos a atenção que lhe Medicamos e que o tratemos, não com dramatismo, mas como questão de Estado e que procuremos em conjunto investigar-lhe as causas e delinear-lhe os remédios adequados.
Nesse sentido e na sequência da questão que hoje colocamos ao Sr. Primeiro-Ministro, vamos apresentar uma proposta de resolução, que esperamos ver em breve discutida e votada pela Câmara.
Infelizmente, a iniciativa que hoje discutimos não pode considerar-se como peça de um tal conjunto, sério e preocupado, de remédios. Ela não pode deixar de ser considerada, antes, no contexto da evolução legislativa respeitante à Polícia Judiciária, ao Ministério Público e à expressão institucional do combate à corrupção.
Não me parece inocente ou desprovido de significado que esta proposta tenha surgido depois de se terem alterado as relações entre a Polícia e o Ministério Público, no sentido de aliviar o controlo do segundo sobre a primeira e de, em consequência, se ter acentuado a subordinação hierárquica da Polícia ao Governo.
E é pleno de significado que apenas alguns dias tenham mediado entre esta modificação, nos idos de Agosto de 1992, e a publicação do diploma que extinguiu a tal expressão institucional do combate à corrupção - a Alta Autoridade contra a Corrupção.
Tudo numa sequência demonstrativa de que, ao menos objectivamente, se preparou todo um caminho adequado ao resultado final expresso nesta proposta. Ao fim e ao cabo, o que se obteve foi a transferência das funções de prevenção deste tipo de criminalidade, de uma entidade que dependia da Assembleia da República, para outra que passou a depender mais claramente do Governo.
Isto precisamente quando o Ministério Público deixou de coordenar as acções de prevenção da Polícia Judiciária, em geral, para passar apenas a desempenhar, em relação a tais funções, tarefas de cooperaçâo.
Ora, este resultado parece-nos, em princípio, negativo, sendo certo, como é, que o essencial do combate a uma actividade criminosa, que tem os próprios agentes administrativos como principais autores, deveria situar-se em esfera autónoma em relação à Administração e à entidade por ela responsável a nível político-o Governo.
Por outro lado, são várias as dúvidas, que já tivemos a ocasião de exprimir e colocar ao Sr. Ministro da Justiça, que o articulado da proposta não consegue esclarecer, com destaque para o domínio da limitação aos direitos fundamentais e que, antes pelo contrário, avoluma.
Ficamos, pois, na expectativa, a aguardar posteriores desenvolvimentos que o processo possa conhecer.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, V. Ex.ª está inscrito para formular pedidos de esclarecimento. O Sr. Deputado Nogueira de Brito já não dispõe de tempo para responder. Se lhe conceder tempo, tem a palavra para esse efeito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, na sua intervenção levantou uma dúvida que me deixa manifestamente preocupado. V. Ex.ª fez uma correlação entre alterações do relacionamento da Polícia Judiciária com o Ministério Público e esta lei e, designadamente, salientou que haveria aqui uma perda de autoridade daquele relativamente a esta, o que se iria
reflectir na intervenção da Polícia Judiciária no domínio desta lei, na sequência do diploma que vier a ser aprovado pelo Governo.
Ora, V. Ex.ª sabe que esta é uma actividade que se vai desenvolver no domínio do processo penal, onde a Polícia Judiciária mantém uma efectiva dependência do Ministério Público. Neste diploma e naqueles que anteriormente trataram esta matéria, sempre esteve longe da ideia do Governo interferir no âmbito processual, pois a relação Polícia Judiciária/Governo sempre se manteve, exclusiva e puramente, num âmbito administrativo e não tem nem teve, na nossa estrutura de Estado de direito e de separação de poderes, a mínima interferência no âmbito processual.
É bom que isto fique claro e que se não vá aqui levantar uma questão que poderia, se tivesse o menor fundamento -mas, felizmente, não tem -, ser grave.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.1 deseja responder já ou no fim?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Então, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, a sua intervenção deixou, de facto, algumas dúvidas. Ela foi curta e creio não ter havido a possibilidade de explicitar bem os termos do seu próprio pensamento, pelo que este pedido de esclarecimento propiciará, talvez, esclarecer melhor as coisas.
Não percebi bem se a crítica que o Sr. Deputado fez à proposta de lei era a de que, com ela, não se faria investigação criminal alguma, porque, afinal, a Polícia Judiciária depende do Governo e, como a corrupção se materializa em actos do Governo e da Administração, este não se autofiscaliza, pelo que a lei, em si, não é idónea, é ineficaz, peca por menos.
Mas, ao mesmo tempo e por outro lado, invoca a ideia de que esta é uma lei que contém uma ameaça terrível para os direitos, liberdades e garantias. De todo o modo, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, essa ameaça é muito menor, quanto ao que o Sr. Deputado tem em vista, do que se consentia à Alta Autoridade contra a Corrupção, contra a qual creio que o CDS sempre esteve e, não obstante, continuaram a ter saudades da instituição em si, independentemente das pessoas.
Os poderes que a Polícia Judiciária vai ter, em matéria de sigilo bancário, são manifestamente mais reduzidos do que os que tinha a Alta Autoridade contra a Corrupção. Não sei se tem esta ideia clara: a devassa do segredo bancário podia estender-se aos actos de prevenção, o que não acontece nesta proposta de lei.
Mas, em que ficamos, Sr. Deputado? A lei peca porque ataca de mais, como parece ser aquilo que diz a actual direcção do seu partido, a lei ofende demais os direitos dos cidadãos e, portanto, parece que tudo concede à lógica da investigação do crime e da repressão da criminalidade?
O Sr. Deputado fez-se eco disto e, ao mesmo tempo, da ideia contrária: a lei, afinal, não permite nada porque a polícia estará paralisada nas mãos do Governo. Há aqui uma crítica contraditória. Qual é, exactamente, a lógica?

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1754 I SÉRIE - NÚMERO 49

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa Andrade, eu distingo dois planos. Considerei, aliás, desde o início, em questões que coloquei ao Sr. Ministro da Justiça, que a grande razão para esta lei foi encontrar um quadro normativo que presidisse à sucessão da Alta Autoridade contra a Corrupção e enquadrasse devidamente a actividade de prevenção.
E em relação a essa actividade, faço a crítica do menos, porque digo o seguinte: a actividade de prevenção está, neste momento, entregue a um órgão de polícia criminal - a Polícia Judiciária- que, neste momento, atente à evolução das relações entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público, depende mais do Governo do que dependia até agora.
Aliás, esse debate foi feito, e não preciso de lho dizer, porque V. Ex.", com certeza, ensina isto aos seus alunos, mas, se o Sr. Deputado compulsar realmente as relações de intervenção do Ministério Público na Polícia Judiciária - ainda há dias o Procurador-Geral da República falava sobre isso -, verifica que elas se diluíram, designadamente, em relação às actividades de prevenção e no que respeita às de fiscalização, que se limitam agora às funções processuais da Polícia Judiciária.
Agora, aí há, realmente, uma alteração que representa o menos, muito embora tenhamos uma perspectiva crítica em relação à Alta Autoridade contra a Corrupção. Era necessário encontrar outras soluções, mas esta, neste momento, representa o menos.
No que respeita à investigação deste tipo de crimes, dissemos que o articulado da proposta de lei deixava algumas dúvidas sobre se não haveria o mais.
Ora, nós entendemos que, nesta matéria, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio, como, aliás, resultou das intervenções aqui proferidas pelos Srs. Deputados Costa Andrade e Alberto Costa, do PS.
É preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre os valores defendidos no tipo de crime e aqueles que podem ser atacados no seu combate.
Concordamos com essa ideia e foi esse o sentido da minha intervenção: distinguir dois planos e, em relação a eles, ter uma visão distinta, como parece resultar da natureza do diploma em análise.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, sendo destinado o período de antes da ordem do dia a declarações políticas e o período da ordem do dia à apreciação do relatório da comissão sobre o inquérito parlamentar n.º 6/VI e à discussão conjunta dos projectos de lei n.º 203/VI - Revogação do visto prévio do Tribunal de Contas (PS), 229/VI-Lei Orgânica dos Serviços de Apoio ao Tribunal de Contas (PCP), 267/VI- Alterações à Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (reforma do Tribunal de Contas) (PSD), e 270/VI - Fiscalização das empresas públicas e sociedades de capitais exclusivamente públicos (CDS). Serão ainda realizadas as votações agendadas.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa ao voto de pesar pela morte de Natália Correia •

Vulto maior da nossa cultura, exemplo de independência, voz inconformista na defesa das liberdades cívicas e culturais, assim era Natália Correia!
Mulher intelectual, que todos respeitavam, defensora da paz, soube corajosamente pugnar, em circunstâncias bem difíceis, pelos ideais democráticos trocando a sua tranquilidade pela intervenção cívica permanente, intervenção que manteve até à sua inesperada morte.
Crítica e generosa, nunca deixava, contudo, passar em claro aqueles que exercendo funções de responsabilidade, entendem a cultura como um bem menor.
Sempre interveniente quer nos meios intelectuais, quer políticos, deu, aqui, nesta Câmara, um exemplo flagrante desse seu comportamento sem complexos, sem preconceitos, com elevação, com cultura.
Foi uma voz culta, clara, espontânea e felizmente incómoda.
Era uma personalidade forte e ao mesmo tempo fascinante, insubstituível, que merece todo o respeito da Assembleia da República e do povo português. Portugal vai, sem dúvida, sentir a sua ausência.

O Deputado Independente, João Corregedor da Fonseca.

Declaração de voto enviada à. Mesa, para publicação, relativa ao voto n.º 69/VI

Votámos favoravelmente o voto de pesar pela morte do embaixador Franco Nogueira em nome da tolerância democrática e do respeito pela memória de alguém que se destacou pelo contributo dado ao pensamento português, independentemente das suas opções políticas com as quais patentemente discordam os subscritores do presente voto.
Reconhece-se o contributo intelectual, coerente e inteligente, não se julgam, nesta oportunidade, os valores de referência política.
Esse julgamento caberá à história, sem ocultação da ur-banidade e da elevação pessoal expressas em vida pelo embaixador Franco Nogueira.

Os Deputados do PS: Jorge Lacão - Guilherme Oliveira Martins.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
António Maria Pereira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Pereira Lopes.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. Luís Filipe Nascimento Madeira.

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DE MARÇO DE 1993 1755

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. João António Gonçalves do Amaral.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da SUva Pinto. Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto. Aristides Alves do Nascimento Teixeira. Carlos Manuel Duarte de Oliveira. Fernando dos Reis Condesso. Filipe Manuel da Silva Abreu. José Alberto Puig dos Santos Costa. Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Elisa Maria Ramos Damião.
Helena de Melo Torres Marques.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.

Deputado independente:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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