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Sexta-feira, 30 de Abril de 1993 I Série - Número 64

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE ABRIL DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.

Antas da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 55/17 e do inquérito parlamentar n.º 13/VI, dos requerimentos e das respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS) congratulou-se com a resolução do diferendo entre a Assembleia da República e os profissionais da comunicação social e aludiu à necessidade de um código ético da actividade política, respondendo, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Almeida Santos (PS) e Duarte Lima (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Alberto Costa (PS) responsabilizou o PSD e o Governo pelo agravamento da crise económica, social e das instituições, tendo respondido, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Pacheco Pereira (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado André Martins (Os Verdes), que também saudou a retoma da cobertura dos debates pelos órgãos de comunicação social, criticou a política de ambiente do Governo.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) expressou a satisfação do seu grupo parlamentar pelo restabelecimento do normal funcionamento e cobertura informativa pela comunicação social das sessões plenárias.
O Sr. Deputado Rui Vieira (PS) trouxe à colação alguns problemas do distrito das Caldas da Rainha.
O Sr. Deputado Mário Tomé (Indep.) condenou a política prosseguida pelo Governo, que disse ter sido realçada pelo bloqueio da comunicação social à actividade parlamentar.
Foi aprovado o voto n.º 79/VI- De pesar pelo falecimento do médico e ex-Deputado Prof. Doutor Miller Guerra, tendo usado da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Raúl Rêgo (PS), Fernando Amaral (PSD) e Lino de Carvalho (PCP). No fim, a Câmara guardou um minuto de silêncio.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 127/VI - Para a defesa e valorização do tapete de Arraiolos (PCP), que foi rejeitado. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Carlos Lélis (PSD), Maria Julieta Sampaio e Luís Capoulas Santos (PS) e Maria José Barbosa Correia (PSD).
Foram aprovados quatro pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, dois autorizando três Deputados a deporem em tribunal como testemunhas, outro denegando autorização e o último mandando arquivar o processo.
Após rejeição dos requerimentos apresentados pelo PCP de avocação a Plenário da votação de diversos artigos da proposta de lei n.º 50/VI-Autoriza o Governo a legislar no sentido de adequar as competências das administrações central e local aos programas de realojamento e de construção de habitações económicas, foi a mesma aprovada em votação final global. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Leonor Coutinho (PS), José Manuel Maia (PCP) e Nogueira de Brito (CDS).
O projecto de lei n.º 137/VI-Alarga o período de protecção post mortem dos direitos de autor (PCP) foi discutido, na generalidade, tendo intervindo os Srs. Deputados José Calçada (PCP), Fernando Perora Marques (PS), Nogueira de Brito (CDS) e Margarida Silva Pereira (PSD).
Sobre o projecto de deliberação n.º 60/VI- Constituição de uma Comissão Parlamentar para o Contacto com as Cortes de Espanha (PSD) pronunciaram-se os Srs. Deputados Sousa Iara (PSD), Helena Torres Marques (PS), Octávio Teixeira (PCP) e António Lobo Xavier (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Sá e Abreu Fernandes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Albberto Granja dos Santos Silva
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Peixoto Lima.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.

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António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luis.
Edite de Fátima Santos Matreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
João António Gomes Proença.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl de Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Arménio Horácio Alves Carlos.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.
Juvenal Alcides da Silva Costa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 55/VI - Autoriza o Governo a alterar o regime contra-ordenacional aplicável às violações das normas legais sobre o direito de habitação periódica e direitos análogos e inquérito parlamentar n.º 13/VI - Sobre as irregularidades e ilegalidades praticadas pelo Secretário de Estado da Agricultura em processos de indemnização por abates sanitários de bovinos, com lesão dos interesses do Estado em montante superior a 600 000 contos (PS).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: à Secretaría de Estado da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Pedro Gomes, Ana Maria Bettencourt, Isabel Castro, Caio Roque, Manuel Silva Azevedo, Joel Hasse Ferreira, Álvaro Viegas, Arménio Carlos, Manuel Sérgio e Juvenal Costa; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Casaca; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Raul Castro; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Rui Cunha e Fialho Anastácio; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins; ao Ministério da Administração Interna, formulado pela Sr.ª Deputada Ema Paulista; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Juvenal Costa e Pedro Gomes.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Agostinho Lopes, na sessão de 27 de Fevereiro; Guilherme Oliveira Martins, na sessão de 11 de Junho e na sessão de 11 de Março; José Apolinário, na sessão de 24 de Junho; Lino de Carvalho, na sessão de 16 de Fevereiro; Paulo Casaca, na sessão de 31 de Março; Mário Tomé, na sessão de l de Abril, e António Murteira, na sessão de 2 de Abril.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do vosso conhecimento, já foi distribuído pelos grupos parlamentares o voto n.º 79/VI - De pesar pelo falecimento do Prof. Doutor João Pedro Miller Guerra, que será votado no fim do período de antes da ordem do dia.
Antes de continuarmos, quero informar que o Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano pretende fazer uma reunião no fim do período de antes da ordem do dia.

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Iniciando agora o período reservado a declarações políticas, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS quer saudar, em primeiro lugar, o regresso da normalidade à Assembleia da República.
Para trás ficou, definitivamente, um período marcado por uma conflitualidade de diferentes níveis, com uma gravidade objectiva: vivemos um conflito entre nós próprios, sobre a arrumação da nossa própria Casa, vivemos um conflito com a comunicação social e - com certeza involuntariamente - demos causa a um temporário e inédito divórcio com a opinião pública.
Não é altura para reproduzir, pela milésima vez, as eloquentes acusações e defesa que, ao longo de várias semanas, os protagonistas foram afinando em cada trincheira; muito menos vale a pena que alguns queiram colher os louros das suas profecias cumpridas: se não nos unimos nas causas, se não nos unimos sobre o processo, estamos agora, segundo creio, de acordo quanto a um resultado fundamental, que é o do restabelecimento da comunicação entre o Parlamento e o País e das condições para o pleno exercício do mandato dos Deputados.
É com este espírito, aliás, que felicitamos sinceramente aqueles que, desmentindo um prognóstico geral de pouco optimismo, conseguiram levar a bom termo as negociações necessárias, com o sentido esclarecido do compromisso. Sabe-se, inclusivamente, que nenhum dos contendores deixou pelo caminho o essencial das convicções com que partiu. Isso é positivo!
Errado seria, no entanto, agir como se todo este penoso processo não tivesse deixado sequelas.
Pela nossa parte, julgamos que pode afirmar-se que as relações entre os Deputados e os jornalistas readquiriram o seu conteúdo normal, parecendo que não subsistem reservas de nenhum lado.
Mas não temos a mesma segurança quanto à reconstituição na íntegra das relações entre o Parlamento e a opinião pública.
O receio do CDS é o de que a opinião pública tenha entendido que o conflito entre jornalistas e Deputados, longe de ser apenas um conflito entre o acesso à informação e a privacidade das figuras públicas, era, afinal, um conflito entre a revelação e o segredo, um conflito entre a transparência e a ocultação.
Não basta sabermos que esta perspectiva não é justa. É ainda necessário que ela não pareça justa.
O CDS entende, pois, que este é o momento adequado para fornecer ao País o sinal claro de que aqui não protegemos nunca o lado oculto da política, as ligações inconfessáveis ou a corrupção.
Este parece ser, assim, o momento de mostrar ao País que nunca esteve em causa a protecção da privacidade turva que reclamariam os comprometidos. È altura de emitir um sinal que seja, a um tempo concreto e simbólico, assumido por todos neste dia especial.
Justifica-se, aliás, que esse sinal seja positivo. Tenhamos a consciência de que não bastam protestos nem discursos. É imprescindível assumir inequivocamente um compromisso essencial em torno daquilo que ainda nos cabe decidir, por direito próprio: a moralização da vida pública e a sua subordinação a valores.
No momento em que por todo o lado se fala no combate à corrupção, no momento em que chegam de vários Estados europeus sinais aterradores sobre as proporções que pode assumir a doença da política, no momento, ainda, em que recrudesce a atenção do Governo resta ainda à Assembleia da República alguma iniciativa no domínio da prevenção.
Na verdade, a prevenção da corrupção deveria ser, em Portugal, um combate parlamentar inequívoco, não só por causa das circunstâncias do regime ou dos arranjos constitucionais concretos. É, sobretudo, porque faz sentido que assumamos a nossa própria defesa face ao futuro - diria que se trata, mesmo, do único domínio onde se aceitará, sem dificuldades, que façamos a nossa defesa em causa própria.
Aliás, a prevenção da corrupção é, a todos os títulos, uma causa nobre da democracia. Se a empreendermos, seriamente e sem reservas, estaremos a esconjurar todos os inimigos da representação, todas as modernas subversões do Parlamento: os novos totalitarismos, os voluntarismos moralistas, o poder dos juízes e o recrudescimento da crença na viabilidade de uma política sem políticos.
O CDS vem, há muito, defendendo esta cruzada da moralização da política. Não foi apenas - nem sobretudo- quando criticámos os privilégios; foi, especialmente, quando propusemos a transparência dos rendimentos dos políticos; quando propusemos o alargamento do âmbito das competências do Tribunal de Contas; quando propusemos um novo sistema de incompatibilidades para melhorar o Estatuto dos Gestores Públicos.
Hoje, no entanto, não cremos que a nossa tarefa, neste domínio, se compadeça com um mecanismo apertado de patentes. As propostas e as iniciativas legislativas sobre o combate à corrupção podem bastar-se com o princípio da maioria, podem exigir grande complexidade técnica e grande empenho da Administração, das políticas e da magistratura.
Mas a prevenção da corrupção, essa, só se fará com um compromisso alargado, com uma espécie de pacto de regime - porque é o regime que se encontra em causa. É preciso mudar as leis, sem dúvida. Mas é, sobretudo, preciso mudar os estatutos e hábitos políticos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Presidente do meu partido propôs, há dias, aos vários partidos políticos a adopção de um código ético da actividade política. As bases desse código, anunciadas na altura própria, pretendiam apenas ser um começo, uma proposta. Elas orientavam-se, contudo, em torno de alguns objectivos essenciais que podem ser melhorados, acrescentados, mas que não poderão, por certo, ser recusados.
Trata-se de promover a transição para o princípio da dedicação exclusiva à actividade política e ao serviço público através do alargamento progressivo do quadro de incompatibilidades; trata-se de adoptar um regime eficaz de controlo e publicitação da riqueza dos titulares de cargos políticos; trata-se de alargar o âmbito das competências e do controlo do Tribunal de Contas, em obediência ao princípio de que este Tribunal vai até onde for a utilização de dinheiros públicos; trata-se de melhorar, dignificar e democratizar o instituto dos inquéritos; trata-se, por fim, de rever e tomar mais transparente o regime do financiamento dos partidos.

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Nós não fazemos «questão fechada» destas bases, destes princípios, mas gostaríamos que os vários grupos parlamentares respondessem hoje, neste dia simbólico, à pergunta sobre se estão ou não dispostos a assumir claramente este compromisso em prazo certo.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Almeida Santos e Duarte Lima.

Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, V. Ex.ª fez-nos uma pergunta, que merece uma resposta. E a resposta que temos para dar-lhe já a demos, porque acerca deste texto que acabo de ler pode dizer-se aquele velho aforismo: «O que 6 bom não é novo e o que é novo nem sempre é bom.»
Pensamos que esta iniciativa é basicamente válida, com a diferença de que converte em princípios aquilo que na maior parte dos casos nós já traduzimos em projectos de lei. Os nossos diplomas que se encontram pendentes - aliás, não sei porque é que ainda não foram agendados - dão praticamente resposta às vossas preocupações, às nossas e, creio, às de todos nós.
Pela nossa parte, estamos preparados para passarmos de imediato à discussão desses projectos, inclusivamente para melhorá-los, para fundi-los, no caso de serem de mais de um partido. Aí é que deve ter tradução este código ético. Um código ético é um enunciado de princípios e que terá maior eficácia se for um conjunto de leis ou de regras jurídicas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, conte, portanto, com a nossa inteira disponibilidade para dar resposta afirmativa às vossas preocupações, já antecedidas pelas nossas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, ouvimos com atenção a sua intervenção e quero dizer-lhe que também o meu partido comunga de muitas das preocupações que o Sr. Deputado expendeu daquela tribuna.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PSD já tem a funcionar, há cerca de duas semanas, um grupo de trabalho que está a preparar um conjunto de diplomas relativo a uma parte substantiva das matérias que aqui abordou para poder ser apresentado à Câmara, eventualmente, durante todo o mês de Maio.
Contudo, gostaria de assinalar a forma como V. Ex.ª se referiu a este tema, não o utilizando como arma de arremesso político mas procurando estabelecer um compromisso com outros partidos na Assembleia da República, que eu reputo como um compromisso sério, cujos termos concretos não conheço porque ainda não sei o teor da carta que o líder do seu partido enviou ao líder do meu partido e ao do PS.
Não conheço substantivamente os pontos que essa carta expõe, mas aquilo que posso dizer-lhe é que, em termos de princípios, o repto que aqui nos faz merece a nossa consideração e merece ser abordado em devido tempo e em termos sérios.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, em primeiro lugar, dirijo--me a V. Ex.ª para lhe dizer que admito que o que era bom naquilo que eu disse não era original e o que era original não era bom, mas sei que o Sr. Deputado percebeu aquilo que era meu e o que não era original. Devo dizer-lhe também que, nesta matéria, não tenho qualquer preocupação de originalidade e de ineditismo.
Não quero que o CDS seja tratado como tendo desencadeado este problema, nem pretendo estabelecer qualquer direito de autor relativamente a estas bases. Aliás, entendo que elas são aceites pela generalidade da comunidade política e pela opinião pública e se as propusemos foi, exactamente, com o sentido de que propor coisas básicas não tem qualquer originalidade. Fizemo-lo com a ideia de que é bom existir um compromisso sobre os princípios antes que o processo legislativo moroso, complicado e negociado traga a erosão completa da realidade. Corre-se o risco - e, infelizmente, assistimos a isso todos os dias - de ver um longo e moroso processo legislativo tornar essas matérias tardias e fazer cândida a preocupação com a prevenção.
Ora, entendemos que estes princípios são bons com o sentido da prevenção, pois o problema do combate está abundantemente tratado.
Temos também iniciativas legislativas várias sobre os gestores públicos e já discutimos algumas sobre o Tribunal de Contas, a publicitação dos rendimentos dos políticos, pelo que, nessa matéria, também não pedimos meças ao Partido Socialista e saliento até que, neste dia, dou um sentido simbólico a uma intervenção sobre este tema.
De facto, tenho a preocupação de esclarecer muitas pessoas que entenderam que aqui havia alguém que queria proteger algum segredo e, porque isto não é justo, quero tornar claro que ninguém aqui pretendia proteger segredos e faremos tudo para que tal não seja possível na Assembleia da República.
Ao Sr. Deputado Duarte Lima gostaria de dizer que tive a preocupação de que esta questão não fosse uma arma de arremesso e que a minha intervenção não assumisse o significado de crítica a quem quer que fosse. O tempo das críticas e da referência a assuntos e a questões concretas tem a sua altura própria e, em nosso entender, agora o momento é de alguma unidade e de algum consenso e foi por isso que falei como falei.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontram-se finalmente repostas, em torno da actividade desta Assembleia, as indispensáveis condições de transparência, de publicidade e de comunicação, que uma lamentável iniciativa da maioria pôs em causa, gerando uma situação que só a dificuldade proverbial dos dirigentes do PSD em dialogar e em atingir consensos pode explicar que tenha levado tanto tempo a ser superada.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O incidente está - regozijemo-nos - encerrado. Mas o encerramento do incidente não nos devolve à fantasia do oásis perdido. Faz-nos regressar em pleno à realidade desértica que é a grave crise que lavra na economia, na sociedade e nas instituições.
O incidente está encerrado. A crise continua e agrava-se.

Vozes do PSD: - Agrava-se no PS!

O Orador: - Agrava-se porque desceram a um ponto crítico as condições básicas, os recursos e a autoridade moral e institucional do Governo para a combater.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A versão do PSD, triunfante nos últimos oito anos, revelou à saciedade um deficit de sensibilidade aos valores institucionais, uma postura não só desajeitadamente hostil ao diálogo e à cooperação institucional em torno do que é essencial, como não raro perigosamente orientada para a tensão, o conflito e a colisão institucional.
Os governos de Cavaco Silva são a expressão fiel desta insensibilidade e desta amputada cultura cívica que explica a oscilação entre a timidez política e o autoritarismo.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - E convém lembrar, e a nossa própria história ilustra essa verdade, que a democracia não é o regime nem o estilo mais confortável para os tímidos, mas que o autoritarismo pode sê-lo!
Na sessão legislativa passada, lançámos aqui o desafio: tomem a sério os valores e as reformas institucionais! Não confundam reformas com propaganda! Acompanhem-nos na nossa postura de seriedade frente ao institucional e nas nossas propostas.
Ao longo destes anos, desenvolvemos uma proposta coerente de reforma institucional, orientada - contra o segredo, a discrição e a reserva - para uma institucionalidade de abertura, de visibilidade, de controlo diversificado, de publicidade, de apelo pleno ao olhar, ao juízo e à justificação da confiança dos cidadãos.
Verberámos a hipocrisia e o caldo de cultura, de ilegalidade e de mercado oculto que a falta de anuência da maioria à revisão do quadro de financiamento e controlo das contas dos partidos políticos tem prolongado. Propusemos a administração aberta, a iniciativa popular, trouxemos para a cena parlamentar a proposta do registo dos interesses dos políticos, preconizámos o livre acesso de cidadãos às declarações de património e rendimentos e ao registo de interesses dos políticos, defendemos a publicidade de todos os actos de atribuição de benefícios a particulares, a realização de auditorias por entidades independente à aplicação dos fundos estruturais, o reforço dos meios e condições de actuação do Tribunal de Contas. São tudo propostas que têm datas, texto e a cujo bloqueamento ou retardamento, pela acção ou pela omissão, o PSD deixou até agora o seu nome associado.

Aplausos do PS.

Um mundo de propostas que documentam um modelo cívico de combate às condições de opacidade, segredo, discricionariedade e ausência de controlo de que a corrupção é a filha dilecta, em Portugal como em todo o lado.
O PSD tem sido, à frente das nossas propostas institucionais, um imenso deserto a atravessar. Mais: o PSD, sob a retórica que alguns dos seus têm matraqueado de que seria um partido da decisão e de inovação, especializou-se na abulia e no bloqueamento das reformas institucionais; especializou-se mesmo numa forma particular de instituição - a instituição da tensão, do conflito e mesmo da provocação como norma de conduta em matéria institucional.
Um vice-presidente do grupo parlamentar do partido maioritário reclama para o presidente do Tribunal de Contas, reiteradamente - o Diário atesta-o - o retrato de um guerrilheiro. Um outro tenta branquear o destempera, imputando-o a alguém de outro partido.
Ao mesmo nível institucional clama-se contra o Procurador-Geral da República por, cito, «não ter mantido nos devidos limites a acção de muitos dos seus subordinados».
Os dirigentes do PSD, a começar pelo seu presidente, têm encenado perante o País uma farsa que é a quinta essência da inclinação do partido maioritário para a deturpação institucional. A oposição não existiria, ela seria o Presidente da República e, é claro, o Presidente da República a nada deveria opor-se. Mas que esta invenção da realidade não iluda, como já não pode iludir, os seus próprios autores.
Por muito que isso lhes seja desconfortável e que lhes apeteça negá-lo, em reacção a que os autores dão nome, a realidade é que a oposição existe e o Presidente da República existe. Sabe-o o País, que aplaude, e sabem-no VV. Ex.ªs, Srs. Deputados da maioria, que não aplaudem.
Ao longo deste período, os traços de passagem do elefante de insensibilidade institucional, que é o PSD, pelos espaços da democracia só não são devastadores porque as nossas instituições democráticas são bem mais consistentes do que a porcelana.
Mas são traços abertos dessa passagem as feridas, as tensões e as desconfianças que resultam de uma algo desordenada gesticulação autoritária, numa deriva em que emoções e lógica parecem tardar a reunir-se.

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No fundo, o que o institucional não consente que se improvise ou compre é a cultura cívica de referência e a biografia. E daí a insuperável debilidade institucional e democrática deste governo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Passou-se, em Portugal, nos últimos dias, uma grave demonstração de falta de seriedade e de consistência institucional e democrática.
Há quarenta dias, o Primeiro-Ministro, nesta Assembleia, proclamava, não só com alteração de voz que o País escutou, que Portugal não é um país de corruptos, mas também e mesmo assim que o animava, cito, «a profunda vontade política de encontrar, com todos os representantes legítimos dos Portugueses, as memores formas, os meios mais eficazes e os instrumentos mais adequados» para intensificar o combate à corrupção. Confrontado com a realidade do seu terceiro Ministro da Justiça não ter encontrado justificação para, de Dezembro para cá, abordar tal matéria com a comissão parlamentar competente, o Primeiro-Ministro limitou-se a exarar para a acta que a acusação era injusta. Não discuto o sentido do justo com um homem como Cavaco Silva, mas a acusação é verdadeira e o tempo trouxe-lhe um agravamento intolerável.
É que não obstante as promessas que constam do Diário, não houve até agora qualquer novo passo de cooperação institucional com os representantes legítimos dos Portugueses. E a proposta de autorização legislativa, em matéria tão nevrálgica como o combate à corrupção, apesar das insistências do PS, jaz inerte, votada na generalidade, à espera que o Governo apronte o diploma que em Setembro já dizia estar a preparar. É tempo demais em matéria como esta para quem se reclame de capacidade de decisão!
E, Srs. Deputados, foi neste contexto de inércia, de indecisão e de morosidade que se enxertou, ontem, um acontecimento inaceitável. Ao fim desta «quaresma política», em vez de optar pela via do arrependimento e vir ter com os representantes legítimos do povo, como prometera, o Primeiro-Ministro recorre ao que há de menos sério no arsenal da imaginação institucional. Convoca o Procurador-Geral da República e o Ministro da Justiça, manda chamar os directores-gerais e, Srs. Deputados, faz uma encenação: que o Governo vai combater a corrupção, que vai haver um departamento policial reforçado, que hoje o Conselho de Ministros vai aprovar legislação, que afinal para combater a corrupção é preciso não esquecer aquilo em que há anos vínhamos insistindo: controlo das contas dos partidos, registo dos interesses e acesso às declarações do património, dos rendimentos e interesses dos políticos, regime de incompatibilidades, etc., etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria ingénua, aqui, uma postura bíblica que nos levasse apenas a saudar os operários da undécima hora, relapsos até há pouco na resistência às reformas indispensáveis e à própria temática. A verdade é que também na Bíblia se aprende que há um tempo próprio para cada coisa. O tempo de que este Governo dispunha para ser credível, o tempo em que este Governo podia usar um crédito de confiança para avançar no combate à corrupção está esgotado.

Aplausos do PS.

O Sr. Primeiro-Ministro ajudou a pôr-lhe termo quando, aqui, veio pontificar sobre a corrupção em Portugal, num dos últimos dias de actividade parlamentar de que o País teve notícia. O País já não acreditou. Os agentes económicos e sociais, personalidades políticas sérias, do passado e do presente, do PSD sabem que a corrupção está aí, preocupante, e não acreditam, não confiam nem no que o Primeiro-Ministro veio aqui dizer, nem nas suas encenações de última hora.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O País perdeu a confiança em quem governa. Quando o Governo comanda ou assiste, impávido, ao bombeamento sigiloso de uma indemnização de 10 milhões de contos, não fixada por qualquer tribunal, para a bolsa de um cidadão, e recusa as indemnizações aos contaminados pelo vírus da SIDA, por sangue fornecido pelo Serviço Nacional de Saúde, salvo decisão judicial, está intoleravelmente posto em causa o princípio da igual consideração e respeito devido a cada cidadão.
A primeira condição de um combate empenhado à corrupção, drama maior que mina a confiança dos cidadãos, é a seriedade política. A primeira condição da seriedade política, em democracia, é a seriedade institucional, é o sentido da cooperação institucional, é, em última análise, o recurso em que este governo é mais deploravelmente pobre: o sentido institucional.
Medindo as palavras, é preciso dizer que à dimensão da tensão e do conflito institucional contra as chamadas «forças de bloqueio», que a direcção do PSD vinha erigindo em rotina e a que já nos habituara, se acrescenta agora uma nova vertente, a que resulta da demonstração de falta de requisitos fundamentais de seriedade e de confiança institucionais para conduzir um combate de fundo contra a degenerescência das instituições, pela vitalidade da democracia e pela credibilidade da acção política.
A hora exige o restabelecimento de confiança. São precisos novos homens que sejam pelo acesso do público às declarações do património de rendimentos e interesses dos políticos e não contra esse acesso. Homens que não tenham a tentação de conceber o diálogo institucional como conversa fiada. Homens que tenham mais tempo para dialogar e procurar as melhores soluções no combate contra a corrupção. Homens que, quando há amnistias para decretar, ou para não decretar, manifestem claramente a sua opinião sobre a matéria. Homens que não tenham da política criminal a postura cultural de quem mandou construir o Centro Cultural de Belém: a de que, sendo obra vistosa a revisão de um código penal, é bom que primeiro se faça e vejamos depois para que vai realmente servir!
Homens que dos trabalhos da reforma eleitoral não tenham um entendimento tão estreito que a reduza a uma peregrinação que começa e acaba à volta do voto dos não residentes. Homens que, ao lidar ou ao deixar lidar com os dinheiros públicos dêem à sociedade motivo sério para pensar que o que tem a haver, ou não, 10 milhões de contos não receberá da parte do Estado tratamento, respeito e consideração diferentes daquele que tem a haver 10 mil contos ou 10 mil escudos.
O País já não tem confiança moral e institucional nos que governam. Por isso, há que proclamar, aqui, que este Governo, quaisquer que sejam as encenações de que lance

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mão - dos pacotes de milhões ao pacotinho anticorrupção de última hora - perdeu a capacidade de convencer. O País quer investir a sua confiança em novos homens. É preciso recuperar a confiança dos cidadãos. A política não pode ser reduzida a uma disputa, por sucesso mediatico, entre actores individuais ou grupos. A política tem de ser obra continuada de justificação da confiança dos cidadãos. Tem de voltar a sê-lo e vai voltar a sê-lo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Pacheco Pereira e Silva Marques.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, em primeiro lugar, começo por observar que ao fim de 35 dias de silêncio - e há bem pouca coisa menos transparente do que o silêncio - o PS, praticamente, nada de novo tem para nos dizer, a não ser falar. Muito bem!

Aplausos do PSD.

Registámos que o fez! Sejam bem-vindos ao grupo de Deputados que têm aparelho fonador, o que, felizmente, é a maioria dos Deputados desta Casa.
Em segundo lugar, queria dizer ao Sr. Deputado Alberto Costa que não temos uma amputada cultura cívica, porque, em matéria de cultura cívica e democrática, temos os membros todos.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Alguns doentes!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não são capados!

O Orador: - Repito, porque o Sr. Deputado José Magalhães, ao fim de tanto tempo de silêncio, perdeu a capacidade de entender o que se lhe diz. Então, vou repetir: em matéria de cultura cívica e de democracia, temos os membros todos.

O Sr. José Magalhães (PS):- Eu percebi, Sr. Deputado. Não são capados!

O Orador: - Em terceiro lugar, o PS veio dizer-nos também uma coisa muito interessante e que faz parte daquele tipo de coisas que nunca se diz a não ser que haja um problema qualquer. De facto, veio dizer que a oposição existe. Muito bem! Com que então a oposição existe?! Ora, só há obrigação de dizer isto quando há dúvidas quanto à sua existência.

Aplausos do PSD.

Nós registamos a frase e o seu significado profundo. Sim senhor, a oposição existe!
Em quarto lugar, veio enunciar aquilo que chamou as medidas do Partido Socialista, que têm data e texto. Pois é, têm data e texto, mas nem sempre têm nexo e talvez fosse bom que, para além da data e do texto, elas tivessem um pouco mais de nexo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O discurso que aqui nos foi presenteado é um bom exemplo do principal problema do Partido Socialista e de qual a razão por que tem de vir aqui anunciar que a oposição existe. Aliás, muito significativamente, a frase do Sr. Deputado Alberto Costa é uma frase elíptica cujo significado eu gostaria de conhecer porque, francamente, não a percebi. De facto, o Sr. Deputado diz--nos que «a oposição existe e o Presidente da República existe». Ora, que o Sr. Presidente da República existe sabemos nós, mas quanto à existência da oposição é que temos dúvidas.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - A maioria é que já não existe!

O Orador: - A razão por que as duas coisas vêm na mesma frase é que, francamente, não percebemos e gostaríamos que nos explicasse.

Aplausos do PSD.

Para terminar, Sr. Deputado Alberto Costa, devo dizer-lhe que conheço esse discurso, que o Partido Socialista faz há vários anos, de enunciação de medidas ao sabor das circunstâncias do momento. Agora, a tentativa é clara, é a de tentar transformar o discurso sobre a corrupção num discurso contra o Governo e sobre isso já lhe dissemos tudo quanto tínhamos a dizer: somos intransigentes no combate contra a corrupção.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Não aceitamos a utilização desse discurso como instrumento de luta política, porque se há alguém que tem de estar incomodado com o discurso sobre a corrupção não é o Governo nem o PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por último, a enunciação dessas tais medidas, essa espécie de catálogo que o senhor vem repetir-nos, tal como D. João repetia o catálogo na ópera, apenas representa uma coisa: a grande ausência de políticas. E sobre isso o Sr. Deputado disse nada!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Costa, pretende responder de imediato?

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, sabe bem que, desde a segunda metade dos anos 60, acompanho com admiração o seu trajecto político e também sabe da consideração pessoal que tenho por si. Daí a minha enorme decepção intelectual pelas questões que me coloca. Esperava mais da sua capacidade e da sua inteligência que, sinceramente, admiro.

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V. Ex.ª referiu o silêncio a que nos tínhamos votado, ao longo deste período. Sr. Deputado, há silêncios que são mais audíveis do que muitas palavras! E pode V. Ex.ª estar certo de que o País ouviu e percebeu o nosso silêncio.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - A esse respeito, estamos tranquilos. Assim tranquilos pudessem também estar VV. Ex.ªs!

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado disse que, em matéria de cultura cívica e democrática, não havia amputação da parte de VV. Ex.ªs. Ora, reclamo para o meu partido e para mim próprio uma tradição cívica e uma tradição de luta em que, certamente, V. Ex.ª poderá inserir alguns passos da sua própria biografia, mas que na sua bancada rareiam de forma assustadora.

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - Reitero esta acusação e vou exemplificá-la um pouco mais adiante, a propósito da política de combate à corrupção, porque quero seguir a ordem das suas próprias perguntas.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira parece ter ficado espantado com a ideia de que a oposição existe. Ora, Sr. Deputado, o incrível não está connosco - esta é uma banalidade! -, o incrível está convosco! O incrível está na afirmação de que a oposição não existe. Os senhores lêem as sondagens, os senhores reagem aos sinais de descontentamento social, ignorando que a oposição existe. Os senhores desconhecem a existência da oposição. Os senhores chegaram ao ponto de demonizar tanto a Presidência da República que só vos movimenta a existência de um órgão institucional como o Presidente da República.
Sr. Deputado Pacheco Pereira, não esperava tão escandalosa denegação da realidade institucional!
V. Ex.ª também disse que as medidas por nós preconizadas, tendo data e texto, não tinham nexo. Então, pergunto: porque é que, ontem, o Sr. Ministro da Justiça veio aderir a tantas das nossas propostas? Porque é que veio falar em tudo aquilo que, quando se discutiu a corrupção nesta sede, não estava na sua cabeça nem na do Primeiro-Ministro?
Sr. Deputado Pacheco Pereira, quem tem uma cultura cívica não amputada não se lembra de umas coisas quando reúne os directores-gerais e esquece-se delas quando comparece perante a Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - E esta adesão de undécima hora à problemática das reformas institucionais aconteceu, não no termo de um debate parlamentar durante o qual o Sr. Primeiro-Ministro não se lhes referiu, mas no termo de uma reunião em que prevaleceram os directores-gerais. Isto é a demonstração de uma cultura cívica amputada.

Aplausos do PS.

Quem prefere discutir com directores-gerais a discutir com os Deputados tem uma cultura cívica amputada!

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, há vários anos que preconizamos reformas. A nossa linha de intervenção institucional é coerente. Onde não há coerência é, como aconteceu ontem, quando se diz coisa completamente diversa - e, por isso, incredível - da que aqui foi dita no dia 17 de Março. Recomendo-lhe que leia a acta do debate sobre a corrupção e que verifique que quem mudou não fomos nós próprios mas o Ministro da Justiça e o Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário para dar conta das escolas que, hoje, vieram visitar a Assembleia da República e assistir à reunião plenária.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão presentes nas galerias para assistirem à sessão 50 alunos da Escola Secundária de Penafiel, 50 alunos da Escola Secundária Madeira Torres, de Torres Vedras, 105 alunos da Escola Secundária da Amadora, 30 alunos da Escola Profissional do Nervir, de Vila Real, 45 alunos da Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo, de Leiria, e 25 alunos da Escola Secundária da Lousã.

O Sr. Presidente: - A Câmara saúda-vos a todos. Aplausos gerais.

O Sr. Deputado Silva Marques encontra-se inscrito para pedir esclarecimentos mas já não dispõe de tempo. No entanto, se não houver oposição, a Mesa concede-lhe dois minutos para o fazer.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, eu ia referir o facto de o Sr. Deputado Alberto Costa ter citado uma frase minha que me pareceu deturpada e, por isso, aprestar-me-ia a invocar o direito de defesa da honra e da consideração. Mas, de qualquer modo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa concede-lhe dois minutos para fazer o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. José Magalhães (PS): - O melhor é falar no fim!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, o Sr. Presidente dar-me-á a palavra para exercer o direito de defesa quando assim entender. Pode até fazê-lo no fim da reunião...
Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, o senhor constituiu mais um exemplo do princípio pendular de que um extremo traz o outro. E o extremo do silêncio trouxe o extremo do discurso sem consistência, mais preocupado com a invectiva tonitruante do que, propriamente, com a consolidação dos argumentos.
O Sr. Deputado disse que, em tempos, eu próprio fiz um comentário ao estilo de actuação do Sr. Presidente do Tribunal de Contas, o que é verdade, e escandalizou-

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se com isso. Então, compare as minhas palavras com as declarações oficiais de um republicano, laico e socialista, impoluto, quando, sendo Primeiro-Ministro, se referia ao Presidente da República da altura. Compare-as e chegará à conclusão de que o meu comentário relativamente ao Sr. Presidente do Tribunal de Contas é algo de ténue e de quase elogioso em termos comparativos.
Quero citar-lhe outro caso mas, aí, para pôr em evidência o problema que está em causa. É que o Partido Socialista, atado a velhas convicções ou desprovido de novas convicções, não tem tido a capacidade de dar passos concretos connosco, quer no sentido da consolidação das instituições do Estado democrático bem recente - ainda existe há tão poucos anos! -, quer no da respeitabilidade das suas instituições.
Ora, sempre que o Partido Socialista deu algum passo nesse sentido, nós apoiámo-lo, enquanto que, sempre que nós próprios demos algum passo no mesmo sentido, o Partido Socialista, por falta de novas convicções - repito, por antigas convicções ou por mero oportunismo -, não nos seguiu. Vou dar-lhe exemplos concretos.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe para concluir, Sr. Deputado!

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Quando o Dr. Mário Soares era Primeiro-Ministro, foi preso em frente da sua residência - e bem! -, por provocação às autoridades, não apenas um cidadão mas um Deputado, e nós apoiámos. Não levantamos aqui a nossa voz para protestar contra o Primeiro-Ministro Mário Soares, que, evidentemente, era um republicano democrata socialista impoluto. Não era nossa razão vir aqui aproveitar esse incidente para criar problemas ao Primeiro-Ministro. Pelo contrário, pensávamos que a actuação estava correcta e ninguém - Deputado inclusive - tem o direito de criar deliberadamente conflitos à autoridade a propósito da luta política.
Em sentido contrário, dou-lhe outro exemplo. Como sabe, fizemos aqui sozinhos a primeira revisão do Regimento e os senhores estiveram sempre contra por razões de oportunismo político.
Um outro exemplo foi a propósito do Estatuto dos Deputados: os senhores estiveram sempre a levar ao extremo do oportunismo político a vossa atitude, por mero jogo das circunstâncias políticas. Nós não! Nós tivemos sempre a hombridade de tomar iniciativas concretas, decerto imperfeitas, mas concretas, no sentido de consolidar as constituições e a sua respeitabilidade.
O último exemplo da vossa incapacidade de caminhar de fornia concreta nesse sentido foi o mais recente, o relativo ao conflito com os órgãos de comunicação social.
Sr. Deputado, se o senhor considera...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: -... que a vossa decisão inicial de abdicação nesse domínio está correcta, continuem a abdicar, porque nós continuaremos a caminhar em frente com convicções e com diálogo. O senhor, sem convicções...

O Sr. Presidente: - Já terminou, Sr. Deputado.

O Orador: - Só vou terminar a frase, Sr. Presidente.
Só para dizer que o PS, sem convicções, está convencido que o oportunismo lhe dá uma oportunidade, mas não tem oportunidade quem não tem ideias nem convicções.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, o seu discurso ilustra os fantasmas e as obsessões que povoam a sua mente e a da maioria: fala sem qualquer problema «Presidente», «forças de bloqueio», etc.
Sr. Deputado, estou saturado desta conversa. Os senhores têm uma falta de imaginação incrível. Dizem que repetimos palavras e discursos, mas os senhores repetem até ao insuportável esse discurso, essa conversa e essa retórica. E não é por serem os senhores a usá-la que ela deixa de ser retórica. Seria importante que compreendessem isso de uma vez por todas!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, V. Ex.ª disse algo de curioso, disse que a oposição vota contra, que o PS está contra tudo, etc. Em simultâneo, o seu colega de direcção de bancada disse que a oposição não existe e, por isso, é que vem dizer que existe.
Sr. Deputado, isto leva-me a pensar que aquilo que gostariam era de uma oposição à vossa medida. Isto é, uma oposição que votasse contra quando VV. Ex.ªs achassem bonito para a oposição votar contra e que votasse a favor quando VV. Ex.ªs achassem certo que assim fosse.
Srs. Deputados da maioria, a oposição não pode corresponder à vossa imagem de oposição. Os vossos juízos sobre a existência da oposição são os juízos da situação e, aqui, não é o juízo da situação que conta. Conta, aliás, o juízo do País, e VV. Ex.ªs, aparentemente, já não estão muito tranquilos acerca do País. Deixem-me dizer-vos que têm alguma razão para isso!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado disse também que os argumentos que empreguei não têm nexo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Apresente casos concretos! O que interessa são os casos concretos.

O Orador: - Sr. Deputado, sem ofensa da consideração que lhe é devida, devo dizer que as suas preocupações acerca do nexo dos meus argumentos deixam-me inteiramente indiferente. V. Ex.ª fica com as suas dúvidas e interrogações, eu com os meus argumentos.
Por último, o Sr. Deputado aludiu ao conflito entre a Assembleia da República e a comunicação social, mas, na realidade, o PS manteve uma postura de tranquilidade e de coerência ao longo de toda esta «quaresma política».
Repare, Sr. Deputado, terminámos este período no ponto em que o começámos; o PSD termina este período muito atrás, termina-o derrotado. É bom que isso fique

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claro, é bom que nos anais parlamentares e da democracia fique registado este recuo e que fique registado que o PS entrou neste combate como sai: serena e tranquilamente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Terminado o bloqueio informativo aos trabalhos parlamentares, provocado e arrastado pelo PSD durante mais de trinta dias, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes congratula-se pelo facto ao voltar a participar nos debates em Plenário.
Considerando que a situação criada só aproveitou ao PSD e aos seus propósitos - e basta lembrar que, enquanto os partidos da oposição eram silenciados no Parlamento, a actividade e a propaganda do Governo continuaram a ser divulgadas e que, com o arrastamento da situação de boicote, o PSD viu concretizada uma das suas mais profundas aspirações, acalentada há mais de 18 anos, pois conseguiu que este ano a Assembleia da República não comemorasse o 25 de Abril - o Grupo Parlamentar de Os Verdes, reconhecendo a necessidade de desbloquear a «crise» provocada, independentemente da solução agora encontrada, afirma, mais uma vez, que, em nome da transparência e da dignidade que se exige e deve ser reconhecida e vivida no órgão de soberania Assembleia da República, é necessário reformular o regulamento que o PSD impôs ao Parlamento, designadamente no que se refere às condições de trabalho dos profissionais de comunicação social.
A forma como o PSD e o seu Governo entenderam condicionar o trabalho dos jornalistas na Assembleia da República é, claramente, mais uma atitude reveladora da maneira de ser e de estar de uma maioria que cada vez faz levantar mais interrogações sobre a legitimidade da sua acção política e governativa face aos interesses do País e aspirações dos Portugueses.
De entre as muitas situações em que a política e a acção do Governo têm merecido contestação generalizada na sociedade portuguesa é a chamada política de ambiente.
Neste domínio, a propaganda, como solução para resolver os problemas, subiu já a parada para 384 medidas e acções a distribuir por 74 instituições, 17 pelouros ministeriais e 42 áreas temáticas. Nesta altura, já não podia ser feito por menos.
Depois da criação do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, sem lei orgânica nem orçamento, foi preciso mudar de ministro para credibiliza! a propaganda. Perante uma campanha eleitoral sem quaisquer resultados práticos foi necessário subir as promessas. No entanto, ainda hoje estamos à espera do Plano Nacional de Política de Ambiente e Ordenamento do Território, da Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e, naturalmente, da regulamentação da Lei de Bases do Ambiente.
E se todos reconhecemos que não é tarefa fácil implementar em Portugal, de forma credível, coerente e consequente, as deliberações da ECO/92, ao governo do PSD
não restava agora outra alternativa senão subir cada vez mais a parada, dado o nível de envolvimento e o número de promessas feitas em iniciativas mediáticas anteriores.
O que foi anunciado e prometido, na semana passada, pelo Governo em matéria de ambiente, se ainda está longe das promessas de garantir um sol para cada português, aproxima-se já muito das campanhas que prometem tinta verde para cidades, vilas e aldeias se ganharem as próximas eleições autárquicas.
Esta atitude ridícula, que tem caracterizado a política do Governo, teve resposta adequada na segunda parte do programa televisivo, em que o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais pretendeu dar resposta a perguntas de cidadãos conhecedores da crescente degradação ambiental no nosso país. A cada tentativa de argumentação, porque respostas o Ministro não deu, seguia-se a gargalhada geral.
Porque estamos na Assembleia da República exigimos, agora e mais uma vez, do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e do Governo a publicação do segundo Livro Branco sobre o Estado do Ambiente em Portugal, cujo prazo legal de publicação já terminou.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Para Os Verdes e para o cada vez maior número de portugueses, continuando com este Governo e com esta política, Portugal é cada vez menos o país que Abril nos proporcionou sonhar e viver.
Compete-nos, em nome das gerações futuras, assumir responsabilidades na mudança deste estado de coisas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que já não há inscrições para formularem declarações políticas, vou dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As sessões plenárias da Assembleia da República regressam hoje ao seu normal funcionamento, no sentido da intervenção regular de todos os grupos parlamentares nos debates e da sua normal cobertura informativa pelos órgãos de comunicação social.
Por esse facto, expresso a satisfação do Grupo Parlamentar do PCP.
O funcionamento regular e na sua plenitude deste órgão de soberania é necessário ao regime democrático, à dignidade e transparência da Assembleia da República e à defesa dos interesses do País e dos Portugueses.
O acordo, ontem obtido, quanto à circulação dos jornalistas nos corredores que dão acesso aos gabinetes do Grupo Parlamentar do PSD pressupõe, naturalmente, que a solução encontrada agrada às duas partes directamente interessadas. Assim sendo, o Grupo Parlamentar do PCP entende não dever pronunciar-se sobre a bondade dessa solução.
Mas é curial que, neste momento, nos interroguemos sobre as razões profundas que levaram ao prolongamento da anómala situação que a Assembleia da República viveu durante mais de um mês. Afinal, a solução era possível e, pelos vistos, não era difícil.
São, por isso, reforçadas as razões que nos têm levado a responsabilizar o PSD, não só por ter criado uma situação caricata e insustentável como por tudo ter feito

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para prolongar, no tempo e injustificadamente, essa mesma situação.
Nesse sentido, dou aqui por reproduzidas todas as considerações sobre a situação criada e as acusações que fizemos ao comportamento do PSD na declaração política que, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, produzi neste Plenário no passado dia 14 de Abril.
Com o prolongamento da situação, o PSD conseguiu criar as condições suficientes para que a Assembleia da República não comemorasse o aniversário da revolução de Abril. Mas com isso o PSD não conseguiu calar a reafirmação popular da sua ligação aos ideais e aos objectivos do 25 de Abril, que, em muitos casos, estão a ser contrariados e atacados por práticas do PSD e pela política do Governo.
Com o prolongamento da situação, o PSD conseguiu impedir que a opinião pública tomasse conhecimento das posições dos grupos parlamentares da oposição sobre iniciativas legislativas do Governo contrárias aos interesses dos cidadãos e sobre a responsabilidade e profundidade da crise económica e social que se abate sobre o País.
Mas com esse silêncio provocado, o PSD não alterou a realidade do País nem calou a luta popular.
Prosseguiram as manifestações públicas dos agricultores portugueses, dos trabalhadores da indústria naval ou da TAP, hoje mesmo afectados por uma inaceitável situação de salários em atraso e ameaçados de despedimentos em larga escala.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

Prosseguiram igualmente, é certo, as manifestações de intolerância e de falta de transparência na vida democrática.
Reafirmo aqui a nossa indeclinável postura de sempre de combate aos fenómenos de corrupção, de autoritarismo, de intolerância, que se têm vindo a adensar.
Recordo, nesta matéria, várias iniciativas já apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PCP, de que aqui destaco a relativa ao acesso público às declarações do património e rendimentos dos titulares de cargos públicos.
Com ou sem códigos de ética prosseguiremos com a prática de conduta ética que sempre assumimos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, com o regresso ao funcionamento normal do Plenário e à normal publicitação da actividade parlamentar, maior será a contribuição do Grupo Parlamentar do PCP para dar eco institucional aos protestos populares, para denunciar a recessão económica e a degradação social, para criticar e acusar o Governo e o PSD.
O silêncio gerado pelas posições assumidas pelo PSD foi prejudicial para o País.
O regresso à normalidade na Assembleia da República redundará, inevitavelmente, em benefício dos Portugueses.
Por isso, a satisfação do Grupo Parlamentar do PCP que há pouco manifestei.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Caldas da Rainha é, como sempre foi, ao longo dos últimos séculos, a principal referência no campo económico e cultural da Região Oeste.
Pólo agregador de uma vasta área, que integra os municípios do sul do distrito de Leiria e do norte do distrito de Lisboa, com cerca de 200 000 habitantes, em muito pouco tem beneficiado da proximidade da capital. Dou dois exemplos reveladores: as grandes carências no sector da saúde e o desleixo que o Governo há muito vem revelando quanto à preservação da lagoa de Óbidos.
O Hospital Distrital das Caldas da Rainha é um dos hospitais distritais, se não mesmo o único, com maior carência de camas no País. As condições de alojamento para internados atingiram há muito tempo, o ponto de ruptura, daí resultando a recusa de inúmeros internamentos por falta de camas. Desde a década de 70 que a lotação está completamente desajustada à população da sua área de influência.
Tal desajustamento é ainda maior face ao acréscimo de procura resultante da reconhecida qualidade dos actos médicos prestados por esta unidade hospitalar. A ampliação das áreas de internamento, da urgência e do bloco operatório, aliada às obras de remodelação do ambulatório, dotará o Hospital das Caldas da Rainha dos meios mínimos indispensáveis à assistência condigna da população.
É inegável - todos o sabemos - que ali se prestam cuidados de saúde de elevada competência técnica e de enorme sentido humanitário. Por isso, não pode aceitar--se que o profissionalismo da gestão e do corpo médico e de enfermagem seja posto em causa pela exiguidade e insuficiência do internamento hospitalar e de condições gerais de habitabilidade. São os profissionais que ali trabalham os primeiros a reconhecer, através de uma experiência quotidiana muitas vezes dolorosa, que o hospital distrital, com a sua actual incapacidade estrutural, já não é suficiente para o atendimento das situações clínicas urgentes, médicas, cirúrgicas e obstétricas.
Há 15 anos que as populações aguardam em vão pela ampliação da área de internamento do Hospital das Caldas da Rainha.
Em Outubro de 1976 teve início a execução do primeiro plano director, por ter sido considerada primeira prioridade a ampliação do hospital. Esse plano foi concluído e aprovado durante a vigência do n Governo Constitucional. Com a queda deste governo, o plano cai também no esquecimento.
O processo é reactivado em 1984 pelo então ministro Maldonado Gonelha e paralisado novamente em 1986. Reaberto pelo ex-secretário de Estado engenheiro Costa Freire, que aprova uma ampliação faseada, conhece nova paragem com a demissão deste membro do governo.
Entretanto, em 1992, é finalmente inscrita no PIDDAC uma verba para a remodelação de alguns serviços e a instalação de um novo bloco operatório. Mais uma vez a questão central do alargamento das áreas de internamento ficou esquecida.
Já é tempo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de o Governo dar uma resposta positiva aos legítimos anseios das populações da área das Caldas da Rainha.

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Impõe-se também rever o sistema de financiamento deste hospital distrital. Paradoxalmente, o alto grau de eficiência que se traduz num dos índices mais elevados de produtividade do País, em vez de induzir um reforço no financiamento, acarreta, por distorções e perversidades do sistema em vigor, penalizações que se traduzem num sub-financiamento que prejudica o normal funcionamento desta instituição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outro exemplo da indiferença deste Governo pela região é o estado de abandono dia lagoa de Óbidos. Objecto de muitos estudos, muitos projectos e muitas promessas ao longo dos últimos tempos, a lagoa continua ameaçada de morte.
O assoreamento provocado pelo mar e pelos caudais sólidos carreados pelos afluentes tem vindo a reduzir progressivamente a área aquática. Parte daquilo que eram fundos da lagoa há décadas atrás é hoje área de cultivo. Nas últimas décadas, o volume das águas sofreu uma redução de cerca de 60 %. Metade da capacidade útil actual espalha-se por uma área com os fundos praticamente à superfície, o que provoca o aquecimento exagerado da água e a consequente diminuição do teor de oxigénio, bem como, em consequência, o risco de todo o ecossistema. É, pois, a própria existência da lagoa que está em causa.
As medidas anunciadas pelo Governo tardam. Terá o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais alguma coisa a dizer? Perfilhará ele a opinião do Sr. Ministro Valente de Oliveira de que a lagoa de Óbidos é apenas um problema local?
É que existe na região a convicção, cada vez mais arreigada, de que quando o Governo finalmente decidir actuar pode já ser tarde demais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, ao abrigo do n.º 2 do artigo 18.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de tudo, um sorriso nas faces, antes tensas, dos Deputados sublinha a reentrada em funcionamento do «pulmão da democracia», na expressão, como sempre feliz, do Deputado Fernando Amaral.
Ao fim de um mês de luta séria dos jornalistas parlamentares e da generalidade dos órgãos de comunicação social, numa unidade exemplar em defesa da liberdade de informação e da transparência da relação dos Deputados com a opinião pública, num contributo ímpar para a dignificação do próprio Parlamento, o PSD foi obrigado a reflectir e a aceitar um compromisso. A cedência do PSD foi racional e deveria ter-se dado há mais tempo. O próprio 25 de Abril poderia ter sido condignamente celebrado pela Assembleia da República.
É, contudo, uma cedência incompleta, fazendo lembrar a solução de Raul Somado para a guerra onde havia falta de balas: às segundas e terças, os Deputados do PSD, livres como pássaros numa gaiola ou como os monges beneditinos que já alvoroçaram estes corredores, longe das vistas do mundo; às quartas, quintas e sextas, aguilhoados pelos jornalistas, mas em contacto com o mundo cruel a que afinal pertencem. Não é difícil saber como cumprirão mais cabalmente a sua missão de Deputados.
Graças a uma luta exemplar, a democracia e a instituição parlamentar recuperam dignidade, mas não saem ilesas: o PSD deixou claro que manda na Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desrespeito do PSD pelo Parlamento é acompanhado pela posição de Cavaco Silva no Expresso, onde, insensível a quem trabalha, se recusa a aumentar a dívida pública; ou quando manda congelar as estatísticas do desemprego; ou ainda quando «lava as mãos» do Governo e do anterior ministro da Saúde no caso Costa Freire, como se este fosse um simples cidadão (teoria, aliás, do «jovem agricultor» Braga de Macedo ou da velha raposa Pacheco Pereira), e não assume uma atitude política de acordo com a gravidade da tragédia do Hospital de Évora, dando cobertura ao desastrado Ministro da Saúde.
A tragédia de Évora mostra como, na partidarização do Estado e da Administração, a própria vida humana deixa de contar. O Governo protege o candidato do PSD à Câmara Municipal de Évora e os seus homens de mão na administração do hospital e manda o Ministro procurar bodes expiatórios e responsabilizar a câmara. Mas mais de 80 médicos do Hospital de Évora exigem a demissão da administração, confrontando o Ministro da Saúde, o mesmo Ministro que há seis meses disse que o Hospital de Évora era exemplar pelos seus serviços e baixos custos, o mesmo Ministro que andou a fazer a política da saúde privada, incentivando clínicas particulares com lucros fabulosos, onde os doentes têm de recorrer por falta de resposta pública, pagando metade da vida para salvar a outra metade.
E parece que teve êxito, pois o director da unidade de hemodiálise do Hospital conseguiu que a água a que atribui as culpas das mortes não fizesse dano aos hemodialisados na clínica particular de que também é director.
A saúde está doente e o Ministro deveria ter vergonha e demitir-se. O Governo não revela respeito pela vida humana nem caridade face aos mortos, como não tem respeito pelos hemofílicos contaminados pelo vírus da SIDA como consequência da irresponsabilidade do Ministro e da política de contenção nas despesas da saúde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do Parlamento ao Hospital de Évora, o papel dos órgãos de comunicação social tem-se revelado de fundamental importância na defesa da democracia, no combate à corrupção, na luta pela transparência das instituições e da Administração. Tanto pior para quem julga que vai conseguir governar no segredo dos deuses e pela manipulação da opinião pública!
O black out dos jornalistas não parou a vida política; pelo contrário, fez aparecer com mais nitidez a necessidade de uma nova política para o País.
O governo de Cavaco Silva revela-se incapaz de responder aos desafios que lhe estão colocados. O PSD empurra as instituições, em particular o Parlamento, para uma grave crise.
À oposição não compete arranjar bálsamos mas, sim, encontrar formas superiores de resposta democrática e mobilizadora para a dignificação das instituições.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o voto n.º 79/VI - De pesar pelo falecimento do Sr. Prof. Doutor João Pedro Miller Guerra, subscrito pelo PS.

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O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o referido voto é do seguinte teor

Voto n.º 79/VI

Faleceu o Prof. Doutor João Pedro Miller Guerra, figura grande da medicina, da investigação, do ensino e cidadão de verticalidade exemplar. Deputado da Ala Liberal na Assembleia Nacional, nela foi intérprete das aspirações democráticas do povo português e em defesa destas se manifestou sempre, chegando por vezes à confrontação física com elementos fascistas do regime de então.
Foi ainda Deputado à Assembleia Constituinte, tomando lugar na bancada do Partido Socialista e socialista se manteve até ao fim.
A Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar pela morte do Professor Miller Guerra e apresenta à família as suas sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre o voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu o Professor Miller Guerra, médico e mestre de Neurologia na Faculdade de Medicina de Lisboa, exemplo dos cidadãos que não abdicam dos seus direitos porque vão sempre além no cumprimento dos seus deveres.
Deputado à antiga Assembleia Nacional, seria Deputado à Constituinte e depois à Assembleia da República. Ele, que fora a voz da resistência neste mesmo Hemiciclo, seria um dos obreiros da nova Constituição, garante da cidadania para todos os portugueses, não admitindo nem servos nem senhores, mas tão-somente uma república de cidadãos.
Toda a tirania se vai desgastando e quando um regime absoluto sentia a necessidade de conviver e atrai a si homens como Miller Guerra, Sá Carneiro, Magalhães Mota, Pinto Balsemão e outros, era porque sentia já dentro de si mesmo que a tirania não compensa, que a vida é essencialmente comunitária e que não há república sem consciência da cidadania.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Além disso, a comunicabilidade dos homens é cada vez maior e os segredos tornam-se de dia para dia património de todos. Mas há ainda quem tenha ilusões e busque voltar ao mofo do passado.
Miller Guerra entrou na Assembleia Nacional com Sá Carneiro, Magalhães Mota, Pinto Balsemão, Pinto Leite, Correia da Cunha e Mota Amaral. O regime que os convidara julgava ludibriar os cidadãos, mudando apenas o nome às coisas.
Ao mesmo tempo, na imprensa, a Comissão de Censura passava a chamar-se de Exame Prévio. Era uma tentativa vã de fingir que se andava marcando passo no mesmo sítio, mas, de facto, não pode haver hoje em dia povos ou homens isolados. É que as notícias nos vêm do ar e as mensagens atravessam as paredes mais espessas.
O conflito teria de dar-se e deu-se: Miller Guerra, Pinto Balsemão, Sá Carneiro e Magalhães Mota não se limitaram às suas funções de Deputados; falaram para os jornais e romperam a Censura, então também chamada de Exame Prévio.
O Deputado Jaime Gama ouviu-os a todos para o República e nesta Casa se chegaria quase à confrontação física de Miller Guerra com um dos valentões do passadismo do mofo dos nossos avós.
O regime estalou e ruiu no dia 25 de Abril de 1974. Um ano depois, dia por dia, Miller Guerra era eleito Deputado à Assembleia Constituinte da República. Essa nova república resistiu a todas as tentativas de manipulação que se buscaram tanto à direita como à esquerda, algumas bem duras, como o sequestro que aqui sofremos.
Homem de ciência, investigador, cidadão entre cidadãos, Miller Guerra voltou às suas aulas, ao seu consultório, aos seus alunos e aos seus doentes, buscando sempre tornar os homens mais solidários e mais independentes da dor humana e de todas as escravidões físicas, morais e intelectuais.
É a república que se vai tornando uma realidade nessa vivência e solidariedade entre os homens. Não será isso também uma religião como a entendia o católico Miller Guerra?
Lembro com emoção esse homem simples e bom, tão ansioso de saber como solidário com todos os que sofrem moral ou fisicamente. Era realmente, no seu saber e na sua simplicidade, o exemplo perfeito do cidadão, quero dizer do verdadeiro republicano.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia, expressão mais subida da vontade colectiva do povo que somos, tem o hábito, delicado e salutar, de não esquecer todos quantos contribuem para o processo difícil, mas aliciante, da democratização do nosso relacionamento. Factos e personalidades vão marcando e indiciando esse admirável processo que nos serve de enriquecimento da memória que carinhosamente guardamos. É que a sociedade só vive enquanto tem essa memória e se alimenta das esperanças que aqueles testemunham.
Miller Guerra, como também foi dite» pelo meu companheiro e amigo Raúl Rêgo, pertenceu à Ala Liberal. Aí foi um valoroso contraditor do regime ditatorial.
Mas ele passou por aqui, pela Constituinte, onde foi tribuno vibrante e esclarecido, mostrando os fulgores de uma inteligência e de um saber feito de competência e bom senso, como cidadão, como profissional e como político de um precioso testemunho para enriquecer a nossa memória colectiva.
Guardemos, pois, a sua memória e prestemos-lhe a nossa homenagem pelo precioso contributo, que nos legou. É nessa perspectiva que o meu grupo parlamentar se associa, com os seus sentimentos de profundas condolências, ao voto de pesar apresentado. A ele me associo, com a tristeza de ver perdido um amigo que admirava e respeitava, com a ternura que só a amizade explica e justifica.

Aplausos gerais.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associamo-nos por inteiro à recordação da memória e à manifestação de pesar pelo falecimento do Prof. Miller Guerra, exemplo de figura destacada no foro da Medicina - lembramos que foi assistente do grande Prof. Egas Moniz.
Foi também figura destacada na defesa dos direitos cívicos e humanos, que, como deputado da Ala Liberal na Assembleia Nacional anterior ao 25 de Abril e na articulação, que muitas vezes fez, com a acção da oposição democrática no exterior da Assembleia, contribuiu também, a seu modo e nesses termos, para o desenrolar dos acontecimentos que conduziram à madrugada libertadora de 25 de Abril.
Não podemos, por isso, deixar de nos associar hoje ao voto de homenagem e à recordação da memória do Prof. Miller Guerra.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero também subscrever as palavras que foram proferidas pelos diferentes grupos parlamentares a propósito da figura de Miller Guerra e evocar os tempos em que participou activamente na chamada Ala Liberal, ao lado de Pinto Machado, Joaquim Macedo e Sá Carneiro - homens que vieram do norte -, e de outros, aqui já lembrados, que também a integraram, por parte de Lisboa.
Gostaria de salientar - porque não foi aqui lembrado - um aspecto relevante da vida pública de Miller Guerra: o seu contributo, na década de 60 e princípio da de 70, para a ideia da necessidade de uma urgente reforma da universidade portuguesa.
Invocando esse cidadão exemplar e esse político fiel às suas convicções, solicito à Câmara um minuto de silêncio em sua homenagem.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 79/VI, já lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Raul Castro.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 12 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão do projecto de lei n.º 127/VI - Para a defesa e valorização do tapete de Arraiolos (PCP).

ara uma intervenção, e na qualidade de autor do projecto, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como afirmamos no preâmbulo do projecto de lei que apresentamos, o tapete de Arraiolos, uma das expressões mais genuínas do artesanato regional, «tem conhecido nos últimos anos uma crescente reputação, interesse e expansão, tanto no País como no estrangeiro».
Estas importância e expansão crescentes têm arrastado, contudo, também, a proliferação de imitações, abastardadas e adulteradas. Impõe-se, pois, instituir um quadro legal que defenda e valorize a verdadeira tapeçaria de Arraiolos e, através dele, as milhares de artesãs produtoras existentes, tanto na vila e concelho, de onde tomaram o nome Arraiolos, como por todo o País.
É o que pretendemos com esta iniciativa, que, apresentada já na última legislatura e retomada agora, obteve então o apoio unânime da Subcomissão de Cultura e agora, de novo, o apoio da própria Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que registamos. Esperamos que esse apoio se repita, agora, no Plenário.
Sr. Presidente, Srs Deputados: A arte da tapeçaria, que teve provavelmente a sua origem no Egipto antigo, atingiu em Portugal, com o tapete de Arraiolos, grande originalidade e valor decorativo.
De inspiração persa, os mais antigos tapetes de Arraiolos que se conhecem remontam ao século XVII, embora investigações existentes apontem que a verdadeira origem desta jóia do artesanato regional se radica nos finais do século XV quando, expulsas da mouraria de Lisboa e a caminho do Norte de África, várias famílias muçulmanas se terão fixado na vila de Arraiolos, no Alentejo.
Habilíssimos artesãos depressa se acolheram à população local, com quem mercadejavam as lãs dos rebanhos e a quem, em troca, empregavam na cardação, na fiação e tingimento, bem como no fabrico de telas com que começaram a manufacturar os tapetes.
A técnica empregue, conhecida noutros países como «ponto cruzado oblíquo», «ponto de cruz curto e comprido» ou «ponto de trança eslavo», presente nos bordados hispano-árabes e de origem eslava, muito praticada pelos povos do Norte de África e divulgado em todo o Garbe-Al-Andaluz pelos povos muçulmanos, assumiu entre nós o nome de ponto de Arraiolos.
Exemplos da técnica presente na tapeçaria de Arraiolos podem ver-se na Catedral de Astorga ou no Palácio do Oriente, em Madrid.
A verdade é que pelos séculos XV e XVI, e empregando técnica do ponto cruzado oblíquo, terá começado em Arraiolos a fabricação da tapeçaria que, nos séculos seguintes, se foi afirmando com o nome dos bordados ou tapetes de Arraiolos.
Podemos, pois, dizer que a história da tapeçaria de Arraiolos se confunde com a história do nosso país e, sobretudo, que é parte integrante das raízes árabes da nossa formação e da nossa cultura que subsistem até hoje.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei em debate teve o consenso e a contribuição de especialistas, artesãs, produtores e autarquias.
Hoje produzem-se tapetes de Arraiolos por todo o País - mas também nas Filipinas, na China e no Brasil. Por exemplo, no estado de Minas Gerais, no Brasil, existe uma Cooperativa de Artesanato Regional numa pequena vila, Diamantina, que só aí ocupa 2500 tapeteiras. Trata-se de tapetes vendidos como sendo de Arraiolos. Em Arraiolos, origem histórica dos tapetes, existem 17 empresas e mais de 2000 artesãs dedicam-se à tapeçaria.

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Mas, como disse, não ignoramos que a técnica do bordado de Arraiolos e o fabrico de tapetes estão difundidos por vários pontos do País, com relevo para as zonas do Porto e de Viseu e para os concelhos vizinhos de Lisboa, onde, aqui ao longo dos anos, devido à migração interna, se têm fixado milhares de alentejanos e arraiolenses que, transportando com eles a técnica do ponto e a criatividade do desenho, se dedicam hoje ao fabrico de tapetes, constituindo, do ponto de vista económico, dentro e fora do concelho de Arraiolos, uma importante fonte complementar de receitas para as economias familiares e uma significativa actividade de muitas empresas.
No conjunto do País estima-se em 50 000 o número de pessoas que se dedicam à arte da tapeçaria de Arraiolos.
Não ignoramos estas realidades, como não ignoramos que, por exemplo, na Cadeia das Mónicas muitas das detidas se ocupam na confecção de tapetes que, infelizmente, muitas vezes não têm condições de prosseguir depois de libertadas quando isso poderia constituir um importante contributo para a sua reinserção social.
Por isso, os critérios que seguimos no projecto de lei valorizam a vertente cultural que atravessa toda a tapeçaria, o tipo de bordado usado em diferentes épocas e a qualidade e composição do tecido sobre o qual é trabalhado o tapete. Isto é, o que deve valorizar mais o tapete deve ser, sobretudo, a sua genuinidade e a sua obediência a padrões de qualidade. Há bons e maus tapetes tecidos em Arraiolos; há bons e maus tapetes tecidos fora de Arraiolos.
Nesta perspectiva, tivemos em conta que desde o início do século XX o tapete de Arraiolos está classificado por épocas, de acordo com as suas características, padrões, cores e bordados.
A primeira época remonta à segunda metade do século XVII, onde o tapete era bordado sobre linho e na sua composição surgem os motivos persas misturados por vezes com motivos zoológicos.
A segunda época pertence aos dois primeiros terços do século XVIII, onde surgem desenhos da inspiração popular. A terceira época cobre o último terço do século XVIII e a primeira metade do século XIX e a quarta época vem até aos nossos dias com uma grande diversidade de motivos, não sendo possível definir ainda com rigor os seus padrões e características.
Partindo desta distribuição por épocas - mas em que as fronteiras nem sempre são fáceis de definir-, propomos uma classificação baseada no género de bordado usado e na composição do tecido sobre o qual é feito, indo desde os tapetes de qualidade extra até aos de terceira qualidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para dar corpo institucional a uma estrutura que tenha como funções - à semelhança, aliás, do Instituto do Bordado da Madeira - promover e controlar a qualidade e genuinidade dos tapetes, incentivar e apoiar a actividade da tapeçaria de Arraiolos e defender a sua denominação de origem; prestar assistência técnica, promover estudos e acções para a sua divulgação e valorização; promover e colaborar no estudo e criação de novos padrões de desenhos, promover acções de formação profissional, propomos também a criação do instituto para a defesa e valorização do tapete de Arraiolos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que as questões que hoje se colocam à tapeçaria de Arraiolos envolvem também situações de ordem fiscal, laboral - ligadas estas às condições de trabalho e de remuneração das bordadoras -, de formação profissional, de estudo de novos padrões e desenhos.
Pensamos que o projecto que agora propomos e, em particular, a criação do instituto criam também instrumentos necessários a uma intervenção futura nestes domínios. Mas também afirmamos que, tanto quanto ao conjunto de padrões de qualidade como quanto à figura institucional que também propomos para o controlo da genuinidade dos tapetes, estamos abertos à discussão, em sede de especialidade, de outras soluções alternativas desde que todas elas apontem ao objectivo primeiro do nosso projecto: procurar defender e valorizar o tapete, criando um quadro legal para protegê-lo das falsas imitações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como Deputado eleito pelo distrito de origem histórica da tapeçaria de Arraiolos, sinto-me gratificado pela apresentação deste projecto, que, não sendo um texto acabado, está, como já referi, plenamente aberto à sua melhoria em sede de especialidade, ouvindo os directamente interessados.
Com este espírito pensamos que estão reunidas as condições para a sua aprovação na generalidade, contribuindo todos, deste modo, para a valorização de um produto cultural típico dos nossos artesãos, do nosso país.
A defesa e a valorização da nossa produção da tipicidade regional, do nosso artesanato são também, sem dúvida, um caminho para a valorização das economias locais e regionais, designadamente no distrito de Évora e no Alentejo, mas também no resto do País, para a criação de iniciativas de emprego e para o reforço da nossa identidade cultural.
Esperamos que a Assembleia nos acompanhe, dando corpo legal ao projecto de lei que acabamos de apresentar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Carlos Lélis e Maria Julieta Sampaio.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, diria que tem algum simbolismo este agendamento: V. Ex.ª quis «atapetar» o re-

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - À normalidade!...

O Orador: -... dos meios de comunicação social à sala da Assembleia da República com tapetes de Arraiolos! Realmente, trata-se de uma manifestação de bom gosto e de respeito por tais meios.
Mas o Sr. Deputado Lino de Carvalho, de certo modo, respondeu já, na parte final da sua intervenção, a duas objecções que, por procuração do meu Presidente do Grupo Parlamentar, António Lobo Xavier, tinha para colocar-lhe, uma vez que não pôde estar presente.

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Em todo o caso, as objecções que lhe apresento são as seguintes: através da redacção do artigo 12.º, o Sr. Deputado Lino de Carvalho dá duas ideias. Em primeiro lugar, diz que quer circunscrever regionalmente o tapete de Arraiolos, o que já resulta desmentido com a sua intervenção. De facto, a composição da comissão instaladora deste instituto vai nesse sentido, uma vez que ela é - talvez com algumas saudades da reforma agrária - completamente alentejana, de Arraiolos mais propriamente, cheia de sindicatos, representantes de cooperativas, etc.
Posto isto, apenas diria que hoje - e o Sr. Deputado concordará, e muito bem - o tapete de Arraiolos é uma aquisição nacional e, apesar da angústia com que ultimamente temos acompanhado as patéticas tentativas de definição de um novo padrão de especialização, naturalmente vamos acabar no tapete de Arraiolos e pouco mais. Em todo o caso, entendo que esta comissão não pode ficar circunscrita a este carácter puramente regional.
Assim sendo, pergunto se o Sr. Deputado está aberto a um alargamento que não circunscreva esta comissão à Câmara de Arraiolos, por exemplo, mas à Associação dos Municípios; que não a circunscreva às cooperativas e sindicatos mas às associações de produtores, que podem estar em formação, o que já lhe daria um carácter nacional, alargando, efectivamente, a sua composição.
Através do alargamento da composição da comissão prevista no artigo 12.º, vamos, nitidamente, dar a ideia de que, hoje em dia, não estamos a pensar no tapete de Arraiolos como um produto apenas local mas, sim, como um produto nacional.
A segunda ideia, Sr. Deputado Lino de Carvalho, prende-se com o facto de me dizerem que o elemento caracterizador do tapete não se traduz apenas na tecnologia do ponto e dos materiais mas também no desenho inspirador dos mesmos. Portanto, conviria V. Ex.ª - ou a Assembleia da República - incluir, efectivamente, nos normativos que vão até ao artigo 6.º do projecto de lei, elementos que fizessem referência ao desenho. Isto é, qualquer desenho não deve ser susceptível de reproduzir e, embora com estas técnicas, configurar o tapete dito de Arraiolos.
Deve-se, pois, adoptar um tipo de desenho inspirado em modelos do século XVII, que são, efectivamente, os característicos desse tapete.

O Sr. José Lello (PS): - Por que é que os senhores, já que andam com as campanhas de tudo, não fazem a campanha do tapete?!

O Orador: - Com certeza lá iremos! E quando fizermos a campanha do tapete convidamos o Sr. Deputado José Lello. Não o faremos para tirar o tapete a ninguém, obviamente, mas para pôr o tapete!...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em resumo, pergunto ao Sr. Deputado Lino de Carvalho se está aberto a estas duas possibilidades: alteração do artigo 12.º e introdução da questão do desenho nos elementos caracterizadores do tapete de Arraiolos.
Considero assim cumprida a minha tarefa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, os Deputados regionais - todos somos, porque eleitos por círculos - conhecem, em especial, alguns assuntos no terreno.
Não sou um Deputado eleito pelo Alentejo, sou de «além-Tejo» - da ilha da Madeira -, mas, de qualquer forma, o Sr. Deputado trouxe à colação...

O Sr. José Lello (PS): - De muito além-Tejo!...

O Orador: - Exacto! De muito além-Tejo - aliás, V. Ex.ª está sempre convidado a visitar a ilha!
Como dizia, o Sr. Deputado trouxe à colação uma circunstância: em relação aos pareceres que informam este processo, referiu a unanimidade obtida em anterior legislatura - a V Legislatura -, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, acerca deste projecto de lei.
Acontece que, na anterior legislatura, eu pertencia à Subcomissão de Cultura e, portanto, recordo-me de haver um parecer elaborado pela Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes. Agora, nas sessões legislativas desta legislatura não me recordo de tal ter acontecido.
Actualmente, quer a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes quer eu próprio, já não integramos esse mesmo grupo de trabalho. De qualquer forma, quis esclarecer o Sr. Deputado acerca desta circunstância.
Por outro lado, concorda o Sr. Deputado que se houver diferença nessa unanimidade invocada - e que coloco noutra legislatura -, ela poderá dever-se a alterações processuais no terreno e não a uma mudança de opinião?
Mas sobre essas condições no terreno não quero falar, na medida em que - e reconhecendo direitos muito próprios aos Deputados da região em causa - há uma colega minha, de Arraiolos «tal e qual», que poderá, exactamente e pelo conhecimento que tem da questão no terreno, falar desse assunto.
Queria apenas que não aceitasse como argumento inamovível a unanimidade invocada, pois teríamos de colocá-la no tempo, na situação, na legislatura ou na sessão legislativa para saber se ela - que envolve, naturalmente, o meu partido - é susceptível de ser ou não invocada aqui pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr. Deputada Maria Julieta Sampaio.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, tal como o Sr. Deputado Carlos Lélis acabou de referir, este projecto de lei do PCP já vem da legislatura anterior. Mas, por isso, não deixa de ser importante, pelo que gostaria de felicitar o

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Sr. Deputado Lino de Carvalho e o PCP por o terem trazido de novo a esta sessão legislativa.
Cada vez se torna mais importante que nos orgulhemos das nossas tradições culturais e que preservemos o nosso artesanato.
Ora, os tapetes de Arraiolos são, porventura, uma das grandes preciosidades desse mesmo artesanato português. Eles são apreciados em todo o mundo e muitas vezes somos nós, portugueses, quem os não tem em suas casas - e devíamos tê-los. Mas isso acontece porque eles são hoje um bem que custa caro e nem todos os portugueses têm uma bolsa que lhes permita um acesso fácil a esse bem.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, na sua apresentação do projecto de lei n.º 127/VI - Para a defesa e valorização do tapete de Arraiolos-, mostrou uma abertura para o diálogo e para que se encontrasse aqui um consenso ou uma unanimidade que valorize os tapetes de Arraiolos, esse bem precioso, o que o projecto em debate não faz. Na verdade, ele afunila, restringe e o Sr. Deputado acabou por dizer da tribuna - e bem! - que, hoje, o tapete de Arraiolos é confeccionado em várias regiões do País, nomeadamente na região do Porto.
Lembro-lhe que, hoje, há até muitas escolas que, nas suas aulas de trabalhos técnicos, ensinam os alunos a confeccionarem tapetes de Arraiolos, por isso ele é cada vez mais difundido no território continental, o que, quanto a mim, é um bem, porque a difusão da nossa cultura é sempre de apoiar.
Por isso gostaria de frisar as perguntas que aqui lhe foram colocadas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, ou seja: está o PCP aberto a que o seu projecto de lei baixe à Comissão respectiva e nele tenha um debate que possa levar à unanimidade que os tapetes de Arraiolos merecem e que é necessária a um projecto desta natureza? Ou será que o PCP continua a restringir o Instituto para a Defesa e Valorização do Tapete de Arraiolos à região do Alentejo?
Esta é, na verdade, uma das nossas preocupações. Na realidade, como iremos fazer uma controlo de qualidade, como iremos distinguir o que é genuíno do que o não é se a centralização do instituto for feita no Alentejo e, sobretudo, nos moldes constantes do projecto de lei n.º 127/VI?
Termino apelando ao PCP para que tenha a abertura necessária para que este projecto de lei obtenha a unanimidade que os tapetes de Arraiolos merecem.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, para responder às questões que lhe foram colocadas, gostava de informar a Câmara de que, na companhia do Sr. Presidente do Conselho de Administração desta Casa, se encontram na galeria do meu lado esquerdo, reservada aos representantes diplomáticos, ilustres Deputados da Comissão das Questões Sociais, da Saúde e da Família do Conselho da Europa.
Como sabem, estes Srs. Deputados estão reunidos em Lisboa e tiveram a gentileza de vir assistir aos nossos trabalhos.

Aplausos gerais, de pé.

Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Obrigado ao Sr. Presidente e obrigado aos Srs. Deputados que me colocaram as questões.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, concordo consigo quando diz que o agendamento para boje, por consenso da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, do projecto de lei n.º 127/VI foi uma manifestação de bom gosto, por coincidir com a reabertura normal do funcionamento dos nossos trabalhos.
Mas a sua apresentação tem também um outro simbolismo: é que, hoje, o artesanato constitui uma importante fonte de riqueza, uma destacada actividade económica do nosso país e um importante elemento complementar das receitas de muitas economias familiares, mas não só!...
Ora, em Portugal - e infelizmente - o artesanato não tem tido apoio em vários âmbitos, desde o fiscal até ao de uma lei que o proteja, ou seja, a um enquadramento legislativo, como não tem tido também um apoio do Estado, que lhe permitissem valorizar, defender e criar as condições necessárias à melhoria e à valorização das várias manifestações do artesanato português, que constituem hoje, sem dúvida, um importante sector da nossa actividade e um importante aspecto de distinção da nossa própria cultura.
No momento da inserção numa Europa aculturada, em que se querem fazer perder as raízes nacionais e culturais de cada povo, pensamos ser bom, ser simbólico e ser importante que se valorizem os aspectos específicos da cultura de cada povo. Naturalmente, o artesanato é um desses aspectos e, no quadro do artesanato, os tapetes de Arraiolos são, seguramente, um dos símbolos do nosso artesanato regional.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito e pela Sr.ª Deputada Julieta Sampaio ela resume-se a saber se nós, em sede de especialidade, estaremos disponíveis para uma reflexão aberta sobre algumas das soluções concretas que propomos. Já disse, aquando da minha intervenção, que estamos totalmente abertos tanto a encontrar a melhor solução, quer em relação à definição dos padrões de qualidade como em relação aos contornos, ao conteúdo, à composição da estrutura que tenha poderes para fazer o controlo de qualidade da tapeçaria de Arraiolos.
Não desconheço que, hoje, a tapeçaria de Arraiolos, que nasceu na vila de Arraiolos, está expandida por todo o País. Compreendo também que os naturais de Arraiolos, que as empresas sediadas em Arraiolos e que os artesãos de Arraiolos reivindiquem alguns direitos de natureza histórica sobre a tapeçaria que hoje está difundida pelo País, mas também não deixo de reconhecer, obviamente, que esta difusão pelo País nele criou um conjunto de actividades empresariais e familiares que não podem deixar de ser protegidas.
Por isso, o nosso projecto de lei, como devem ter reparado, não propõe que o tapete seja definido em função do local de produção mas, sim, em função de um conjunto de padrões de qualidade que devem ser respeitados, quer os tapetes sejam feitos na vila de Arraiolos ou fora dela.

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Portanto, este elemento significa que não estamos a restringir - e daí discordar da Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio - o tapete e a sua valorização. Estaríamos a fazê-lo se limitássemos a sua definição de origem, a sua qualidade e a sua genuidade apenas aos produzidos naquele local. Definimo-lo em função de padrões de qualidade e, logo aí, há uma grande abertura a que sejam aceites como tapetes de Arraiolos todos os que respondam a um conjunto de padrões de qualidade.
Quanto ao Instituto para a Defesa e Valorização do Tapete de Arraiolos estamos, naturalmente, abertos a que da sua composição, como propôs o Sr. Deputado Nogueira de Brito, façam parte, não entidade locais, regionalizadas, mas as entidades que possam ter uma representatividade de âmbito nacional e que, depois, indiquem os representantes que assim entenderem. Achamos que, por exemplo, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses pode ser um bom substituto para o órgão que propomos. Aliás, aproveito para dizer que o nosso projecto não propõe só, Sr. Deputado Nogueira de Brito, associações de carácter sindical, pois propõe também associações de carácter patronal, que constam já da composição da comissão instaladora.
A questão do desenho, Sr. Deputado Nogueira de Brito, é controversa. Na verdade, é extremamente difícil, no plano técnico, determinar quais os desenhos que podem ser considerados genuínos, não tanto os desenhos dos séculos XVII e XVIII mas, sobretudo, os padrões da actualidade. Relativamente a estes, não há ainda uma estabilização dos padrões de desenhos. No entanto, é uma matéria que deve ser discutida e, certamente, encontraremos a solução que melhor se adapte ao actual mercado e que corresponda à necessidade de defender a genuinidade dos tapetes de Arraiolos, o que passa, naturalmente, pelo respeito pelos desenhos em relação aos séculos anteriores. A questão tem de ser ponderada e aprofundada, porque, segundo os técnicos, não há ainda uma estabilização dos desenhos da última época dos tapetes.
Sr. Deputado Carlos Lélis, realmente o senhor é Deputado do «além-Tejo», que tem também os bordados da Madeira, um produto do artesanato regional, para os quais encontraram soluções institucionais relativamente parecidas com as que propomos.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Relativamente!

O Orador: - O Sr. Deputado disse que houve alterações de condições processuais no terreno - e eu, como não as conheço, espero que as esclareçam para, depois, poder falar sobre elas - e trouxe em seu favor o depoimento da Sr.ª Deputada do seu partido, natural do concelho, que irá intervir de seguida.
Quero apenas dizer que nós, Deputados regionais, embora conheçamos muito os problemas concretos, deles não temos, por isso, um certificado de garantia. Às vezes o facto de estarmos muito envolvidos nas questões locais obscurece a nossa clareza de raciocínio e faz sobrelevar para primeiro plano questões locais e pessoais que têm pouco a ver com a dimensão nacional das questões que estão em discussão. Esperamos que não seja esse o caso da Sr.ª Deputada do seu partido que irá intervir a seguir.
Não conheço qualquer alteração das condições processuais - fico a aguardar a sua definição -, de qualquer modo, Sr. Deputado, em relação ao parecer da Comissão de Educação, quero dizer-lhe que tenho aqui o parecer da Comissão de Educação de hoje, na qual manifesta o seu apoio à iniciativa, naturalmente sem prejuízo das posições que cada grupo parlamentar aqui vá tomar no concreto. Portanto, estes pareceres não são só da última legislatura, são também desta legislatura.
O que eu quero acentuar, Srs. Deputados, é que estamos aqui com boa-fé e com grande abertura e disponibilidade para, em sede de especialidade, podermos encontrar as soluções que melhor correspondam ao objectivo - e esse é o central - de criar um quadro legal que permita defender e valorizar a genuidade dos tapetes de Arraiolos.

O Sr. António Filipe (PCP): -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A afirmação do Alentejo no quadro de uma Europa das regiões implica a promoção de uma imagem diferenciadora, alicerçada na tradição, na história, na cultura e no património natural, fazendo dos produtos alentejanos produtos específicos que simbolizem uma forma própria de desenvolvimento, sem cedência à produção massificada.
Os tapetes de Arraiolos constituem, sem dúvida, um dos produtos de marca da qualidade que o Alentejo pode propiciar e desempenham, além disso, um importante papel na economia da região, particularmente do concelho que lhes dá o nome.
Urge, por isso, tudo fazer para a preservação da sua genuinidade e qualidade, sobretudo quando se sabe que a produção de tapetes com esta denominação tem vindo a sofrer grande incremento e se assiste, ao mesmo tempo, a um considerável aumento da procura.
Além destas, outras razões poderiam ser invocadas para que o projecto de lei em causa merecesse, em traços gerais, a nossa concordância, sem prejuízo de algumas críticas pontuais e da manifestação de contributos para a sua melhoria. Estou certo de que, serenamente debatidas, poderão ser susceptíveis de concitar o consenso de todas as bancadas.
O debate desta matéria suscita, porém, de imediato, uma reflexão um pouco mais lata acerca da profunda crise que o Alentejo atravessa. As razões conjunturais constituídas pela seca e pela reforma da PAC acentuaram-na e precipitaram-na, mas não podem ser confundidas com ela.
E sinto-me com total à-vontade para, neste contexto, suscitar esta reflexão, porque há cerca de ano e meio, quando pela primeira vez usei da palavra nesta Câmara, foi precisamente para apelar para a imperiosa necessidade de ser estabelecido aquilo que designei como «um pacto de solidariedade entre a Nação e o Alentejo».
Nessa altura, o espectro da seca apenas se perfilava e a reforma da PAC não constituía ainda o «estrondoso êxito» da presidência portuguesa da Comunidade Europeia.

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A crueza que os principais indicadores económicos e sociais já evidenciavam exigiam a adopção de uma urgente terapia de choque para o Alentejo.
A insensibilidade então demonstrada pela maioria e a evolução desde então verificada justificam, plenamente, esta nova chamada de atenção, porque a situação não só confirmou as expectativas mais negativas como aponta, tendencialmente, para o seu agravamento: confirmou-se a regressão da população que, no Baixo Alentejo, atingiu os 10 % na última década; existem já concelhos com densidades populacionais abaixo dos 10 habitantes/km2; o envelhecimento da população torna cada vez mais dramática a resposta aos principais problemas da terceira idade; a mortalidade é das mais elevadas do País e a natalidade das mais baixas; o produto regional apresenta uma das mais desequilibradas estruturas do País; os índices de desemprego não param de crescer e duplicam a média nacional; os fundos estruturais não tiveram impacte significativo na melhoria da estrutura produtiva; a própria CCR reconhece que a animação da vida económica não tem sido conseguida, que o número de postos de trabalho não tem tido um crescimento eficaz, que o Alentejo continua numa situação de «colonização» face a outras regiões e que, a manterem-se as tendências descritas, estarão comprometidas as perspectivas de desenvolvimento futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação descrita demonstra, claramente, que o estabelecimento urgente do pacto de solidariedade que propus, mais do que uma reivindicação, é um imperativo de justiça. O Alentejo, mais do que uma região marginalizada, é uma região ferida no seu orgulho e na sua dignidade.
É por isso que a questão do desenvolvimento do Alentejo, inserida no desenvolvimento global do País, deve ser aqui debatida profundamente e sem demora. O debate do projecto de lei em discussão não pode ser dissociado deste contexto.
Nesse sentido, reitero o acordo do Grupo Parlamentar do PS relativamente ao essencial do seu conteúdo, isto é, à classificação a atribuir aos tapetes de Arraiolos e à necessidade da criação de uma entidade certificadora idónea e competente.
Levantam-se-nos, porém, dúvidas quanto à denominação, à figura que deve revestir e à sua composição.
Parece-nos, pois, que se impõe a criação do Instituto Certificador da Denominação de Origem e da Qualidade dos Produtos do Alentejo, o qual deveria ter um âmbito muito mais amplo do que um simples Instituto para a Defesa e Valorização do Tapete de Arraiolos que é proposto. Tal instituto poderia abranger, além dos tapetes de Arraiolos, outros produtos genuinamente alentejanos, tais como as tapeçarias de Portalegre, os enchidos tradicionais, o presunto do porco preto alentejano de Barrancos, o mel, a doçaria regional, o azeite, os queijos, os curtumes, a olaria do Redondo, de Estremoz e de S. Pedro do Corval, o mobiliário regional, os artefactos de cortiça e outros tipos de artesanato, as mantas tradicionais de Reguengos de Monsaraz, certos produtos da agricultura biológica, as plantas aromáticas e a carne de ovino e de bovino das raças autóctones.
Poderia ser estudada a eventual integração nesse instituto da Comissão Vitivinícola Regional, que, neste sector, tem vindo a demonstrar, com pioneirismo mas com eficácia digna dos maiores elogios, a forma como podem e devem ser efectuadas, com êxito, a promoção da região e a defesa da qualidade.
Parece-nos, por isso, que o instituto proposto no projecto de lei em discussão poderia, com vantagem, ser substituído por uma figura mais simples como uma comissão, com uma estrutura muito ligeira e com uma composição mais ajustada à realidade, designadamente com uma componente cultural mais acentuada, englobando a Universidade de Évora e um maior número de personalidades de reconhecido mérito científico do País.
É esta a perspectiva que pomos à discussão, convictos de que este projecto constitui um pequeno contributo para a valorização desta componente do nosso património cultural.
Concedemos a esta iniciativa o mérito de poder suscitar um debate mais ambicioso acerca da valorização, da promoção e da preservação da qualidade e da genuinidade dos produtos de uma região que, certamente como as outras, pode e quer contribuir mais activamente para o progresso do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, V. Ex.ª, afinal, veio piorar bastante as coisas. Nós já estávamos a chegar aqui a um entendimento sobre o alcance que o PCP aceitava dar a este projecto, mas V. Ex.ª veio estragar tudo.
Devo dizer-lhe que até julguei que estava a ter visões quando vi a Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio bater-lhe palmas. Deve ter sido pelo brilho oratório que V. Ex.ª imprimiu ao discurso, porque ela também está em desacordo consigo, suponho eu!

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Talvez não!

O Orador: - Sr. Deputado, compreendo que, tendo V. Ex.ª estado, durante semanas, reprimido por não usar da palavra neste Hemiciclo, tenha aproveitado esta oportunidade para tecer loas ao Alentejo. Devo dizer-lhe que todos nós estamos também dispostos a tecê-las - não tenha qualquer dúvida a esse respeito -, mas havemos de fazê-lo na oportunidade própria.
Agora, o que há que superar aqui é essa perspectiva ou visão regional em relação a este produto, que, hoje, é nacional, embora originário do Alentejo. Ele é denominado «de Arraiolos» - e só isso é suficiente para não permitir que se adultere essa origem ou que se venha a tentar enganar alguém quanto a essa mesma origem, mas hoje - convenhamos - trata-se de um produto nacional e, por isso, o instituto a criar deve reflectir, na sua composição e não apenas nas suas competências e na forma como caracteriza o produto em si, esse carácter nacional do tapete de Arraiolos.
Do Alentejo e da protecção e genuinidade dos seus produtos iremos falar, mas fá-lo-emos no momento adequado. Neste momento, pergunto a V. Ex.ª se está de acordo em convocar esta figura do instituto de defesa e genuinidade do tapete de Arraiolos num organismo com

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carácter nacional, que vise acentuar, na sua composição, o carácter nacional deste produto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, penso que não há qualquer contradição entre a dupla perspectiva que foi trazida aqui ao debate.
O facto de a genuinidade e a origem dos tapetes de Arraiolos terem tido origem no Alentejo, concretamente nesta vila, não impede que o instituto certificador tenha a sua sede ou deva ter a sua sede precisamente no Alentejo.
Por outro lado, penso que seria ter uma visão extremamente restritiva das potencialidades da nossa vasta região, pretender circunscrever a certificação de genuinidade simplesmente a um único produto.
Devo dizer que, concretamente em relação ao queijo de Serpa, foi tomada, recentemente, uma iniciativa que levou à demarcação da sua região, que circunscreve ligeiramente o queijo de Serpa, o que não impede que esteja localizada em Serpa a entidade que o certifica, uma vez garantida a genuinidade do produto que abrange sete ou oito concelhos.
Penso que nada impede, por conseguinte, que a certificação dos tapetes de Arraiolos, independentemente da sua origem, desde que respeite a regulamentação que vier a ser estabelecida, venha a ser feita, designadamente, por uma comissão da tapeçaria de Arraiolos, integrada num instituto de denominação de origem dos produtos do Alentejo.
Penso, assim, que a questão não é de todo incompatível e merece, por isso, ser aprofundada e estudada, porque não nos parece que seja, pura e simplesmente, pelo simples facto...
Eu devolver-lhe-ia a seguinte pergunta: como V. Ex.ª certamente sabe, neste momento produz-se vinho do Porto desde as estepes da ex-União Soviética até à América Latina. Será que V. Ex.ª entende que, por esse facto, o Instituto do Vinho do Porto deve passar, pura e simplesmente, a certificá-lo?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Esse vinho não é do Porto, é uma aldrabice!

O Orador: - E eu não excluo a hipótese de algum desse vinho poder ter as características aproximadas das do vinho do Porto genuíno!...
Penso, portanto, que o assunto tem a sua relevância. Por isso, na minha qualidade de alentejano e de Deputado eleito pelo Alentejo, entendo que não se deve abdicar, de barato, dum traço da nossa cultura que é fundamental.
Porque este assunto justifica uma discussão aprofundada em sede de comissão, damos a nossa abertura para que, efectivamente, seja estudada a melhor forma institucional de fazer a preservação deste produto. De qualquer modo, ele nunca poderá, em qualquer circunstância, ser dissociado da sua origem e de ser permanentemente reclamado como um valor cultural, património do Alentejo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Barbosa Correia.

A Sr.ª Maria José Barbosa Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 127/VI - Para a defesa e valorização do tapete de Arraiolos, apresentado pelo PCP, retomou o projecto de lei n.º 508/V, com idêntica designação.
Depois de uma análise cuidada e minuciosa do referido projecto de lei, gostaria de, sobre o assunto, tecer algumas considerações que me parecem imprescindíveis para a clarificação desta matéria, que subdividiria, para uma mais fácil arrumação das ideias, em duas partes: o contexto local e o projecto de lei n.º 127/VI apresentado pelo PCP.
No que se refere ao contexto local, devo dizer que se perde no tempo a origem do tapete de Arraiolos, embora se avancem algumas hipóteses com fundamentação histórica.
A referência mais antiga está contida na Pauta da Alfândega de Lisboa de 1699, que refere: «Tapetes de Arraiolos a pagar 40 mil réis a vara», publicada em 1979 no catálogo Anes Decorativas Portuguesas - Séculos XV a XVII, do Museu Nacional de Arte Antiga. No entanto, todos os estudiosos concordam que existem exemplares anteriores, fabricados a partir do primeiro terço do século XVII.
Outra prova da sua antiguidade foi encontrada pelo P.e Nogueira Gonçalves no Inventário da Sé de Coimbra, de 1710, referindo-se a um tapete grande, feito no Alentejo, para o coro da Sé e doado por frei Álvaro, bispo de Coimbra (1672/1683).
Também numa comédia do Judeu se fala de tapetes que foram usados como decoração mural e a cobrir as arcas «com o seu tapete de Arraiolos».
A sua antiguidade é indesmentível e o seu valor artístico permite considerá-los as obras-primas do artesanato alentejano.
A riqueza das decorações e ornatos, a policromia do seu matiz, a perfeição do seu bordado, os segredos técnicos, que só as bordadeiras conhecem, e as adequadas matérias-primas são as componentes básicas de tais obras de arte artesanal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante longos anos, as tapeçarias de Arraiolos ficaram circunscritas à vila e concelho que lhe deram o nome. Mas, entretanto, e à medida que se tornavam mais conhecidas no mercado, ocorreu um fenómeno de dispersão, não acompanhado pelas regras básicas de fabrico, nem pela qualidade das matérias-primas utilizadas.
Arraiolos sentiu que era necessário agir com rapidez para evitar o abastardamento de uma arte que lhe era tão querida e, simultaneamente, impedir a desvalorização dos autênticos tapetes de Arraiolos.
Algumas iniciativas foram levadas a efeito por algumas empresas locais que pouco se fizeram sentir, não só porque se limitavam a actuações individuais e isoladas mas também por falta de apoios oportunos.
Foi em 1986 que se iniciou um movimento de defesa e preservação dos tapetes de Arraiolos com impacte local.
Como o tempo é curto e o historial bastante longo, resumirei as acções então implementadas.

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Em 9 de Abril de 1986, a vereadora do PSD apresenta na Câmara Municipal de Arraiolos uma proposta para criação de uma marca de autenticidade ou selo para ser aplicada aos tapetes reconhecidamente autênticos, fabricados pelas empresas sediadas e tributadas no concelho, e do dia e feira do tapete. Esta proposta não foi aprovada na reunião da câmara, tendo sido deliberado, pela maioria, que descesse para análise aos Serviços Culturais e, posteriormente, após parecer, voltasse a ser apreciada em reunião do executivo.
Em 16 de Julho de 1986, não tendo ainda havido qualquer informação relativamente à proposta anterior, a mesma vereadora tenta simplificar o processo e propõe que se crie a marca de origem «Manufacturado em Arraiolos» e se proceda ao registo no Instituto da Propriedade Industrial (IPI). A proposta não foi aprovada, tendo sido votada favoravelmente apenas pela proponente.
Em 3 de Dezembro de 1986, uma comissão de empresários expõe à Câmara Municipal de Arraiolos as suas preocupações e considera urgente a criação da marca acima referida, pelo menos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A câmara promete estudar o assunto e, em 17 de Dezembro de 1986, apresenta uma proposta, não discutida com os directamente interessados mas posteriormente debatida em reunião com os empresários. Os empresários e os artesãos aguardaram pacientemente a concretização dos projectos discutidos, mas, entretanto, continuaram a reunir e a discutir o assunto, procurando outras estratégias de actuação.
Em 10 de Novembro de 1989 - muito tempo foi dado à Câmara Municipal de Arraiolos (três anos) e muita paciência se esgotou ao longo desse percurso no tempo! -, contactado o Núcleo Empresarial da Região de Évora (NERE), o mesmo mostrou interesse pelas propostas apresentadas pelos produtores de tapetes e por mim própria.
É, então, criada uma comissão especializada com a denominação «Comissão de Tapetes de Arraiolos» no seio do NERE e elaborado o seu regulamento, no qual se prevê a criação de uma marca colectiva de origem.
Em 13 de Dezembro de 1989, a marca é, finalmente, aprovada e registada no Instituto da Propriedade Industrial. A comissão desenvolve outras actividades, tais como a realização de mostras e acções de formação profissional.
Em 19 de Dezembro de 1990, embora mantendo o melhor relacionamento com o NERE, os empresários que formavam a Comissão de Tapetes de Arraiolos constituem a Associação de Produtores de Tapetes de Arraiolos do Concelho de Arraiolos (APTACA), cuja escritura é lavrada nesse mesmo dia.
A marca de origem «Manufacturado em Arraiolos» e registada no IPI passa, por protocolo assinado com o NERE, para a tutela da associação. Os objectivos essenciais tinham sido atingidos com grande empenho de muitos bons colaboradores. As dificuldades surgidas foram facilmente ultrapassadas pela coesão dos associados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todas estas iniciativas foram por mim acompanhadas, pois era, então, a vereadora do PSD na Câmara Municipal de Arraiolos, tendo os empresários de tapetes manifestado a sua confiança para nos acompanhar em todas as iniciativas subsequentes no processo desenvolvido após o processo autárquico.
Por isso estou hoje nesta Assembleia suficientemente à-vontade para poder afirmar que esta iniciativa do PCP se enquadra na mais perfeita demagogia política.

O Sr. António Filipe (PCP): - Ao que isto chegou!...

A Oradora: - O PCP procura mistificar um processo de que perdeu completamente o controlo e, hipocritamente, vem aqui defender aquilo que recusou noutras instâncias, porque a maioria da Câmara Municipal de Arraiolos é PCP.
No que toca à análise do projecto de lei n.º 127/VI apresentado pelo PCP, começarei por dizer que ele se estrutura em dois capítulos principais, além da introdução. Nela se segue a classificação de D. Sebastião Pessanha, elaborada por este estudioso em 1916, embora actualmente haja outras teorias classificativas, tais como a de Maria José Mendonça, que introduzem nesta matéria algumas alterações. Considera-se, no entanto, aceitável, até porque não seria este o momento oportuno para uma discussão tão académica quanto esta.
No capítulo I, o projecto de lei do PCP classifica os tapetes em várias categorias, tendo em consideração as matérias-primas e os tipos de pontos. Grave erro! Nunca se poderá classificar um tapete como de Arraiolos, ignorando o padrão, o matiz e a técnica.
Podem existir matérias-primas adequadas e o ponto ser correcto, mas se o desenho - mistura dos diversos elementos decorativos-, a que se chama padrão, não for o tradicional de modelo - e por isso os tapetes de Arraiolos têm nomes-, se a mistura de cores e o matiz não corresponder aos modelos e se a bordadeira não seguir os preceitos técnicos correctos, não teremos tapetes de primeira, nem de segunda, nem de terceira ou de qualidade extra; teremos simplesmente um tapete tipo Arraiolos. É este o grande perigo do abastardamento deste artístico artesanato!
Além de que os tapetes classificados como de segunda e terceira qualidades no projecto de lei não podem ser considerados autênticos Arraiolos, uns porque utilizam o ponto três, que não é considerado típico nem autêntico, e outros porque permitem a mistura de fibra na lã.
No capítulo II, o projecto de lei do PCP propõe a criação de um instituto para a defesa e valorização do tapete de Arraiolos, com uma estrutura instaladora extremamente complexa, e especifica, no artigo 9.º, as respectivas atribuições. Muito elucidativo, mas completamente extemporâneo!
A Associação de Produtores de Tapetes de Arraiolos do Concelho de Arraiolos, nas suas atribuições próprias, propõe-se tomar as iniciativas contidas neste ponto e muitas mais. A APTACA é uma associação constituída pelos interessados, não é uma estrutura imposta, tal como passaria a ser o instituto que propõem. Devemos respeitar o direito à organização própria dos diversos grupos profissionais. Isto, sim, é constitucional! O instituto proposto pelo projecto de lei afigura-se-nos, assim, concorrente de uma estrutura associativa já existente.
Gostaria, à laia de conclusão, de deixar alguns alertas: é preciso continuar a defender os tapetes de Arraiolos e a preservar a sua genuinidade e autenticidade; é preciso não esquecer que cada tapete é uma obra de arte do nosso artesanato e, como tal, deve ser reconhecido; é preciso deixar de confundir o tapete tipo Arraiolos com o Arraiolos autêntico, por isso existe a marca registada e o certificado das diversas empresas sócias da associação, que expõem em todas as mostras e feiras.

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Numa política que privilegia a qualidade, é preciso saber conhecer os produtos com essa garantia. Tapetes de Arraiolos de qualidade são, por enquanto, apenas os que se apresentarem devidamente selados.
Deixamos também aqui um alerta ao ministério da tutela, à Secretaria de Estado do Comércio Interno e à Secretaria de Estado da Cultura para a necessidade de darem consistência às iniciativas que localmente já se concretizaram. Há contactos que vão ser continuados.
O artesanato constitui uma riqueza patrimonial incalculável, que não pode estar sujeito a certos oportunismos que apenas procuram desestabilizou- e lançar confusão entre os interessados, produtores locais e artesãos. É necessário não esquecer que, quanto mais reconhecidos forem como artesanato de qualidade os tapetes de Arraiolos, maior será a sua implantação, tanto no mercado nacional como no internacional, e tanto maior será a capacidade das empresas para criar um maior número de postos de trabalho e melhores condições de vida às artesãs bordadeiras, que, desde crianças, se dedicam à tarefa de compor as verdadeiras maravilhas que, como por milagre, lhes saem das mãos.
Orgulho da terra arraiolense, as mulheres bordadeiras sabem que muito têm a beneficiar com o reconhecimento da qualidade e autenticidade das suas tapeçarias, e não é o projecto de lei do PCP que pode responder a esses anseios.
Sendo o conteúdo essencial deste projecto de lei a criação do Instituto para a Defesa e Valorização do Tapete de Arraiolos, bem se compreende, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se não concordamos com este projecto de lei não nos parece, pois, que este diploma deva ter qualquer tramitação na especialidade.
Daí que, liminarmente, o sentido de voto da minha bancada seja desfavorável.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, se ainda houvesse dúvidas sobre as principais causas que determinaram a actual situação do Alentejo e a razão de ser do quadro de «indicadores negros» que tracei para caracterizá-la, bastava ter ouvido e considerado verdadeira esta sequência de factos que V. Ex.ª apresentou para concluir que, efectivamente, temos estado sujeitos a uma lógica tenebrosa de partidarização de tudo e de mais alguma coisa, o que só pode contribuir para o retrocesso regional e para a progressão dos indicadores que nalguns aspectos podem hoje ser considerados de miséria.
Infelizmente, desde há 15 ou 16 anos que aparentemente nem o PCP nem o PSD perceberam que a supressão dos obstáculos ao desenvolvimento de uma região como o Alentejo e o aproveitamento das suas potencialidades devem resultar da mobilização dos cidadãos, deve ser tarefa de todos, não podendo ser apropriadas por quem quer que seja nem sequer ser trazidas para este nível de debate.
Digo isto porque a problemática que está em causa nesta discussão à volta desta aparentemente simples questão de certificação dos tapetes de Arraiolos ainda há poucos dias teve expressões bastante mais graves no tristemente célebre caso do Hospital Distrital de Évora. Ao mesmo tempo que morriam pessoas, acusavam-se reciprocamente o PCP e o PSD na continuação e na repetição sistemática desta lógica tenebrosa, que, repito, é grandemente responsável pelo atraso significativo de uma zona do País que tinha todas as condições para não ser atrasada.
Gostaria, pois, de perguntar à Sr.ª Deputada Maria José Barbosa Correia o seguinte: considera ou não que é imperioso garantir a qualidade e proteger quem produz e quem compra os tapetes? Se considera que efectivamente o é, não acha que devem ser, no mínimo, desenvolvidos todos os esforços e não adoptar aqui o procedimento da sua bancada, procedimento de que acabou de acusar o PCP de ter na Câmara de Arraiolos?
Segunda questão: considera ou não que, face à situação que atravessamos, face à situação de grave crise que atravessamos, devemos envidar todos os esforços para tentar proteger e recuperar todos os recursos, sem qualquer excepção, que possam propiciar algum aumento de rendimento a alguns milhares de trabalhadores que vivem em situações, em termos de exercício do trabalho e de retribuição do mesmo, quase ao nível da Idade Média?
Peco-lhe que reflicta, que pondere e que me responda sobre se efectivamente ouvi bem, isto é, se o sentido de voto da sua bancada é aquele que acabou de referir e se recusa que, ao menos, este assunto seja discutido em sede de comissão eventualmente com mais serenidade.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr.ª Deputada, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Maria José Barbosa Correia (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, a nossa iniciativa legislativa tem um título muito claro e os objectivos foram muito bem definidos na minha intervenção: defender, valorizar a tapeçaria de Arraiolos! Portanto, recuso este discurso demagógico do Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, na linha, aliás, de outro tipo de intervenções que tem feito, em que é ele que introduz o tal elemento a que chama partidarização para dizer que os outros estão a partidarizar.
Independentemente das questões e dos diferentes pontos de vista, da nossa parte temos uma lógica partidária. É nessa qualidade que aqui estamos. Temos uma lógica ao serviço das populações, ao serviço dos interesses regionais e nacionais e é no quadro dessa lógica que apresentamos o projecto de lei que aqui está em discussão.
Sr.ª Deputada, confirmaram-se os meus piores receios quando há pouco respondia ao Sr. Deputado Carlos Lélis. Ouvi com muita atenção a sua intervenção

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- parte dela, aliás, constituída por actas das sessões da Câmara Municipal de Arraiolos-,...

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - São documentos!

O Orador: -... mas, Sr.ª Deputada, queria recordar-lhe que estamos no Plenário da Assembleia da República e não na reunião da vereação da Câmara Municipal de Arraiolos !... Por isso, talvez fosse útil trazer o debate para outro plano e outro nível.
De facto, repito, confirmaram-se os meus piores receios e agora percebo o que o Sr. Deputado Carlos Lélis disse há pouco, isto é, que se tinham alterado as condições no terreno. Efectivamente, as condições no terreno que se alteraram foram resultado de os Deputadas do PSD terem sido substituídos na Assembleia da República e a Sr.ª Deputada, que gostaria de ter apresentado um projecto de lei da sua autoria, não o fez (está aqui o meu colega António Filipe a dizer que «está com dor de cotovelo», mas não é essa a minha expressão), tendo acabado por fazer uma análise desta problemática que lhe ofuscou o raciocínio. Sr.ª Deputada, peco-lhe que abandone as pequenas razões de carácter local, que podem ter, como é natural, relevo, para nos atermos à verdadeira importância e dimensão da questão que estamos aqui a discutir.
V. Ex.ª afirmou que já existe um conjunto de iniciativas em curso para resolver o problema e que existia até uma associação de produtores de tapetes que envolvia as empresas da região e que estava de acordo com as iniciativas em curso, pelo que a nossa iniciativa era extemporânea, deslocada. Mas, ó Sr.ª Deputada, como sabe, a associação que V. Ex.ª referiu está paralisada... Só que a questão não é essa! A questão é a de que mais de metade, a quase totalidade das empresas sediadas no concelho que a Sr.ª Deputada referiu nos enviou - porque foi com elas que nós discutimos o projecto de lei - um conjunto de ofícios e de respostas relativas ao texto do projecto que lhes enviámos para obter opiniões e informações, onde nos diziam estar inteiramente de acordo com o projecto de lei.
Afinal, os «directamente interessados» desconhecem as tais iniciativas locais... As empresas que auscultámos, a quase totalidade das empresas do concelho afirmam: «Vimos manifestar a nossa concordância com esta iniciativa legislativa.» «Damos condições de apoio à vossa iniciativa.» «Conseguiram elaborar um projecto que corresponde às reais necessidades de protecção,» etc. E entre elas está a direcção da tal associação que a Sr.ª Deputada acabou de referir!...

A Sr.ª Maria José Barbosa Correia (PSD): -É falso!

O Orador: - Isto para dizer, Sr.ª Deputada, que a iniciativa que apresentámos não é imposição alguma àqueles que produzem os tapetes; pelo contrário, é uma iniciativa que parte da vontade daqueles que os produzem. Foram feitas reuniões - e V. Ex.ª esteve presente a uma delas! - e foram os seus contributos, as suas opiniões e os seus apelos que nós procurámos traduzir nesta iniciativa legislativa.
A Sr.ª Deputada sabe que é assim e que está a faltar à verdade quando afirma o que afirma. O que poderia talvez dizer-lhe é que nestes dias andou de casa em casa no concelho de Arraiolos, do qual a senhora é originária, a tentar que as empresas produtoras enviassem fax. a contrariar o projecto de lei que apresentámos, o que não conseguiu.
Mas, Sr.ª Deputada, a lógica que presidiu ao nosso projecto de lei foi a que partiu dos interesses, das propostas e das sugestões dos interessados (como poderá confirmar nos documentos que aqui temos).

O Sr. António Filipe (PCP): -Muito bem!

O Orador: - Portanto, face à nossa disponibilidade para, em sede de especialidade, podermos encontrar as soluções consensuais adequadas que projectem e garantam o objectivo central deste diploma, que é a valorização dos tapetes, que são um património histórico da vila do qual não abdicamos mas que tem hoje uma expressão de âmbito nacional que não podemos deixar de reconhecer, a minha questão é esta: por que razão essa perspectiva tão fechada a um debate necessário para podermos melhorar e dar uma resposta às necessidades evidentes? Porquê essa atitude tão fechada à criação de um quadro legal que possa valorizar e apoiar este produto do artesanato regional, este produto da cultura nacional?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, eu não me meto nessa questão, porque hoje, uma vez mais, dou graças a Deus por ser minhoto. Realmente, não tenho nada a ver com a vossa questão alentejana!...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Só hoje?!

O Orador: - V. Ex.ª já estava a querer tirar dividendos locais, mas não lhe dou essa possibilidade.
Não vou pronunciar-me sobre essa questão, mas a verdade é que VV. Ex.ªs conseguiram afunilar o problema dos tapetes de Arraiolos. Não conheço a forma como está registada - e deste tapete vamos acabai por ter um funil muito complicado - a marca de origem.
A Sr.ª Deputada disse aqui que a marca de origem estava registada no Instituto da Propriedade Industrial, pelo que a pergunta que vou fazer pode ser um pouco descabida, uma vez que V. Ex.ª pode sempre dizer-me que eu tenho obrigação de saber como é que isso está feito.
Mas sempre lhe pergunto o seguinte: considera que a certificação de origem «Tapetes de Arraiolos» deve ter em linha de conta o elemento regional como equiparado aos outros que V. Ex.ª definiu na tribuna - dando um contributo que me agradou, porque acentuou um aspecto que eu realmente já tinha acentuado e que respeita ao problema do padrão e do desenho, que seria essencial para a definição dessa origem - e entende que, se o elemento origem, isto é, fabrico local/confecção local não for algo de essencial - como parece que não poderá ser

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hoje em dia-, basta considerar um elemento realista básico? Faço esta pergunta porque há mais pessoas que fazem tapetes de Arraiolos de enorme qualidade fora de Arraiolos do que em Arraiolos. Se V. Ex.ª quiser provocar um desemprego considerável, basta considerar um elemento realista básico: é que, hoje em dia, trabalham mais em tapetes de Arraiolos, de enormíssima qualidade, fora de Arraiolos do que lá.
Portanto, se quiser provocar um desemprego considerável, basta realmente recusar a certificação dos tapetes, que têm todos os requisitos, à excepção do regional.
Sr.ª Deputada, apesar de simpatizar com a ideia da Associação de Produtores de Tapetes de Arraiolos do Concelho de Arraiolos, gostaria de saber se essa associação está aberta à ideia de alargar o seu âmbito regional ou se insiste em permanecer pura e simplesmente como associação de âmbito concelhio.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Barbosa Correia.

A Sr.ª Maria José Barbosa Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, começo por V. Ex.ª, visto ter sido o primeiro a colocar-me uma série de questões que, aliás, não me surpreenderam.
O Sr. Deputado disse-me que não vai aqui adoptar os procedimentos do PSD e do PCP. Repare numa coisa: no âmbito da Câmara Municipal de Arraiolos, o PSD teve sempre a maior abertura e nós tivemos sempre a maior boa vontade. As propostas que apresentámos eram para serem discutidas abertamente entre a minoria e a maioria, só que a maioria torpedeou a minoria da altura e não houve possibilidade de encontro e de coesão nas nossas decisões. Logo, foi não só por isto mas também porque era urgente resolver o assunto e porque os empresários pressionavam nesse sentido os poderes instituídos localmente que se iniciou um trabalho local com os directamente interessados, ou seja, com os empresários. Aliás, esta ideia saiu da orientação dada, inicialmente, nas reuniões camarárias.
A partir daí, as coisas modificaram-se completamente, só que alguém, que ficou por fora de todo este processo, pelo que deixou de acompanhá-lo, aparece-nos com um projecto de lei desfasado e ultrapassado, visto propor algo que já está feito, porque a marca de origem já está registada e a ser aplicada há mais de um ano...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não está nada! Não seja mentirosa!

A Oradora: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, conheço essas técnicas de intimidação, pelo que não vale a pena chamar-me de mentirosa, porque não o ofendi. Desde 1976 que sou intimidada no Alentejo e não venha agora, em 1993, o senhor intimidar-me na Assembleia da República, porque não o consegue!

Aplausos do PSD.

Continuando, foram aqui feitas afirmações que não correspondem à realidade e que tenho de corrigir.
O Sr. Deputado perguntou-me se, face à situação de crise que atravessamos, não seria bom salvaguardamos os valores alentejanos, alargando nesse aspecto o contexto de intervenção do tal instituto, se vier a ser aprovado. Sr. Deputado, eu sou uma defensora acérrima de todos os bens artesanais produzidos no Alentejo e penso ter deixado isso bem demonstrado na intervenção que produzi da tribuna.
No entanto, embora possa ser acusada de bairrismo, quero dizer-lhe que, a meu ver, cada bem, cada produto artesanal pertence à região onde é produzido. O Sr. Deputado falou nos queijos de Serpa e eu falo nos bordados de Niza, que estão reconhecidos. São de Niza, Sr. Deputado, não podem ter imitações!
Os tapetes de Portalegre, que referiu, já estão autenticados, pelo que também não pode haver imitação noutras zonas do País. E lembro uma coisa que todos conhecem, com certeza: o queijo da Serra, que é fabricado na serra da Estrela. Embora se possa fabricar muito queijo tipo Serra, o queijo da Serra só se fabrica na serra da Estrela. Ora, do mesmo modo, os tapetes de Arraiolos só se fabricam em Arraiolos; os outros são tapetes tipo Arraiolos. É esta a verdade e a posição que defendo.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria ainda de dizer-lhe que as referências que fiz na minha intervenção pertencem a documentos autênticos, a actas - e tenho-os aqui todos -, pelo que posso comprovar tudo o que disse.
O Sr. Deputado referiu também que a associação não estava a funcionar. Mas está.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr.ª Deputada Maria José Barbosa Correia, peco-lhe que termine, pois já ultrapassou o tempo regimental.

A Oradora: - Sr. Presidente, peço a benevolência de V. Ex.ª, porque ainda não intervim muitas vezes.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, a Associação de Produtores de Tapetes de Arraiolos do Concelho de Arraiolos está em funcionamento. Simplesmente, a direcção da associação está, neste momento, substituída por uma comissão de intervenção, estando marcadas novas eleições para o dia 21 de Maio, porque o seu presidente teve de se afastar por razões profissionais, já que se encontra no Algarve e não pode estar em Arraiolos. É esta a única razão por que a direcção está a ser assegurada por outros elementos da direcção.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho disse-me que tinha recebido, de pessoas de Arraiolos, muitos fax a manifestarem-lhe a sua concordância. Porém, devo dizer-lhe que também aqui tenho uma colecção de fax, enviados por pessoas de Arraiolos, a manifestarem-me a sua concordância. É engraçado, Sr. Deputado, como as coisas são!... Quer dizer, no meio de tudo isto, recebemos os dois fax de arraiolenses!...
Só mais uma coisa, Sr. Deputado Lino de Carvalho: os habitantes e as empresas de Arraiolos não desconhecem as iniciativas, porque trabalharam directamente com o NERE e comigo; hoje, sou Deputada mas na altura não era. Não desconhecem, pois foi ali que, serão a serão, noite a noite, dia a dia, hora a hora, com trabalho moroso, deu os seus frutos.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, quanto à possibilidade de a Associação de Produtores de Tapetes de Arraiolos do Concelho de Arraiolos poder ou não ser alargada,

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infelizmente devo dizer-lhe que, tal como os estatutos estão neste momento organizados, nada prevê o seu alargamento. Os estatutos estão aprovados e a associação está registada notarialmente, como sabe, o que é um preceito legal. Portanto, só se houver uma alteração posterior ou se todo o contexto que referi sofrer uma profunda modificação, isto é, se os objectivos forem outros, completamento diferentes dos que nos movem, talvez aí exista alguma possibilidade de isso acontecer. Neste momento, os nossos objectivos são locais, porque tivemos - e fomos obrigados e empurrados para essa situação, já que ninguém fazia nada - de agir.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr.ª Deputada, peco-lhe que conclua.

A Oradora: - Sr. Presidente, dou por terminado os meus esclarecimentos e peço desculpa aos Srs. Deputados se, porventura, não esclareci tudo capazmente, mas guiei-me pelos apontamentos que tomei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, para apresentar o relatório e parecer sobre o projecto de lei n.º 127/VI (PCP), a Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, penso que não será muito oportuno apresentar agora o relatório, uma vez que já terminou o debate.
No entanto, gostaria de dizer, em nome da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que este relatório, do qual fui a relatora, ainda não obedece aos parâmetros actualmente exigidos pelo Regimento, visto o projecto de lei ter baixado à Comissão muito antes da aprovação, por esta Câmara, do actual Regimento. Ou seja, este parecer foi, por essa razão, elaborado com base no anterior Regimento e não no actual.
Parece-me importante que esta justificação aqui seja dada, uma vez que o relatório, que os Srs. Deputados têm à vossa frente e que foi aprovado por unanimidade na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, não condiz com os parâmetros do Regimento actualmente em vigor.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, entrados no período regimental de votações, informo a Câmara de que deram entrada na Mesa vários requerimentos apresentados pelo PCP de avocação a Plenário da votação de diversos artigos da proposta de lei n.º 50/VI - Autoriza o Governo a legislar no sentido de adequar as competências das administrações central e local aos programas de realojamento e de construção de habitações económicas.
Assim, enquanto se procede à distribuição desses requerimentos de avocação, o Sr. Secretário vai dar conta de quatro pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: De acordo com o solicitado pelo S.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de, face ao despacho de 16 de Março do corrente ano, proferido pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, conforme ofício n.º 542, de 18 de Março, o presente processo, relacionado com o Sr. Deputado Jaime Gama (PS), ser arquivado.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em discussão.

Não havendo inscrições, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Freitas do Amarai

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A solicitação da 4.ª Divisão da Polícia de Segurança Pública, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Macário Correia (PSD) a ser inquirido no âmbito do processo em referência.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo pedidos de palavra, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: De acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca da Horta, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo (PSD) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A solicitação da 1.ª Secção do 2.º Juízo dos Juízes Criminais da Comarca de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados Joaquim Vilela Araújo e Nuno Delerue (PSD) a prestarem depoimento, por escrito, na qualidade de testemunhas, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

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Srs. Deputados, visto a discussão do projecto de lei n.º 127/VI - Para a defesa e valorização do tapete de Arraiolos (PCP), ter terminado antes do período regimental de votações, vamos proceder à sua votação na generalidade.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos agora dar início ao processo de votação da proposta de lei n.º 50/VI - Autoriza o Governo a legislar no sentido de adequar as competências das administrações central e local aos programas de realojamento e de construção de habitações económicas.
Como já foi anunciado pela Mesa, o PCP requereu a avocação pelo Plenário da votação, na especialidade, de diversos artigos.
Para proceder à leitura do requerimento de avocação do artigo 1.º, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 1.º é demonstrativo das intenções do Governo e a prova de que não existe um programa de financiamento da administração central às autarquias para ocorrer ao grave problema das barracas e de outras habitações degradadas mas, sim, um programa para forçar os municípios a financiar o que deveria ser um encargo governamental.
Mesmo que as autarquias disponham de linhas de crédito para satisfazer a sua parte do financiamento do programa, também é verdade que os empréstimos terão de ser pagos, pelo que é inquestionável o prejuízo para outras acções e investimentos que as autarquias necessitam de fazer em benefício da população.
A contabilização do empréstimo, ainda que a 50 %, para efeitos do cálculo da capacidade de endividamento, é insuficiente porque todos sabemos que a maioria dos municípios já esgotou ou vai esgotar essa capacidade de endividamento. E fizeram-no não só para garantir realizações para a população num quadro financeiro difícil - o Governo, com a não aplicação da Lei das Finanças Locais, retirou aos municípios 53 milhões de contos em 1992 e 64 milhões de contos em 1993 - mas também como única forma de corresponder a financiamentos comunitários e aos contratos-programa e de cooperação com a administração central.
Com este artigo, o Governo e os Srs. Deputados do PSD também prejudicam os municípios no recurso ao indispensável crédito complementar a obter no futuro Quadro Comunitário de Apoio.
É assim claro que a questão substancial em toda esta problemática da radicação das barracas e demais habitações degradadas é a da capacidade financeira das autarquias com vista ao seu reforço de forma a que os encargos adicionais resultantes deste programa não se traduzam na redução da quantidade e da qualidade dos serviços prestados às populações.
É neste quadro que o Grupo Parlamentar do PCP requer a avocação do artigo 1.º e a sua alteração para que os empréstimos não sejam contabilizados para efeitos do limite de endividamento dos municípios.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PCP, do PS, do CDS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.
Era o seguinte:

Onde se lê «redução a metade da contabilização dos empréstimos [...] para efeitos de endividamento» propõe-se «não contabilização dos empréstimos [...] para efeitos dos limites do endividamento».
Para proceder à leitura do requerimento de avocação do artigo 2.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP propõe a exclusão da autorização para legislar em matéria do «licenciamento das operações de loteamento, das obras de urbanização e das obras de construção civil», através da supressão destas expressões do n.º l do artigo 2.º e da eliminação da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, que explicita o referido licenciamento.
Na verdade, a proposta do Governo pretende retirar às câmaras municipais uma competência própria e a responsabilidade de condução do processo de ordenamento do território e de controlo do processo de urbanização, o que é de todo inaceitável. A manter-se este impedimento ao licenciamento pelos municípios dos empreendimentos a promover por particulares, é violada a autonomia municipal e os direitos dos cidadãos a um ambiente urbano qualificado.
Esta situação criará sérios problemas à gestão da política urbanística municipal, possibilitando a violação dos Planos Directores Municipais e dos Planos de Urbanização já aprovados, com graves reflexos no esforço de racionalização da ocupação do território e preservação do património e recursos naturais.
O Grupo Parlamentar do PCP defende a manutenção do licenciamento municipal e apoia inequivocamente a simplificação do sistema administrativo, nomeadamente com a radical diminuição da tramitação do burocratizante Decreto-Lei n.º 445/91, da responsabilidade do Governo.
O PCP, uma vez mais, assume-se contra a burocracia, mas também como acérrimo defensor da autonomia do poder local consagrado na Constituição e na lei. É neste quadro que se insere a proposta apresentada.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PCP, do PS, do CDS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Para proceder à leitura do requerimento de avocação da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP é clara-

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mente favorável ao encurtamento dos prazos para qualquer entidade emitir pareceres, autorizações ou aprovações.
No entanto, requeremos a avocação desta alínea porque, em primeiro lugar, é necessário clarificar que a redacção dos prazos fixados na lei se aplica às câmaras municipais e às entidades da administração central com intervenção nos processos de licenciamento. Assim, a competência mantém-se nos municípios que são as entidades capazes, porque conhecem o território, de articular os empreendimentos com os PDM e os Planos de Urbanização.
Em segundo lugar, é importante não confundir critérios técnicos com critérios de oportunidade política como pode deduzir-se da parte final da referida alínea b). Na verdade, a última parte do texto da alínea diz o seguinte: «[...] bem como condicionar a eventual natureza vinculativa daqueles pareceres à confirmação pelo membro do Governo da respectiva tutela, no prazo máximo de 15 dias». E, se não confirmar, deixa o parecer de ser vinculativo?
Srs. Deputados do PSD, quer isto dizer que os pareceres deixam de obedecer, como deviam, a um critério técnico, passando a obedecer a um critério de oportunidade política?
Neste contexto, o Grupo Parlamentar do PCP requer a avocação propondo a substituição da alínea por uma redacção clara e transparente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PCP, do PS, do CDS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Era o seguinte:

Propõe-se a seguinte redacção:

Reduzir os prazos fixados na lei às câmaras e entidades da administração central com intervenção nos processos de licenciamento necessários ao programa a que se refere a autorização.
Para proceder à leitura do requerimento de avocação da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a avocação a plenário desta alínea, o Grupo Parlamentar do PCP pretende que se assegure que os custos inerentes às ligações de todas as infra-estruturas existentes às do empreendimento a construir sejam da responsabilidade do Governo que, além do mais, recebe o produto da venda dos terrenos. Se assim não for, a imposição às câmaras municipais de assegurar as referidas ligações é mais um acto gratuito de violência administrativa em clara violação da autonomia do poder local.
Como é possível consentir ao Governo que imponha aos municípios a violação dos seus planos de actividade e orçamentos pela obrigação de introduzir obras não aprovadas pelas respectivas assembleias municipais?
Importa também ter em conta que esta alínea, articulada com a alínea a), pode levar a uma situação de ruptura na ligação das infra-estruturas, porque as cargas previstas de água, esgotos, electricidade ou tráfego, numa determinada área, podem ser de forma abrupta completamente alteradas com prejuízo para os residentes do empreendimento, como também nas vastas áreas adjacentes.
Tudo isto devido a um empreendimento que o município não licenciou. Pensemos na cidade de Setúbal em que o IGAPHE é proprietário de 600 ha de terreno, o que permite construir cerca de 25 000 fogos. Importa ter em conta que Setúbal tem 35 000 fogos. Como é possível impor ao município a ligação das infra-estruturas sem que os custos sejam assumidos pelo Governo?
É neste contexto que se justifica a proposta do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PCP, do PS, do CDS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Era o seguinte:

Propõe-se aditar ao texto da proposta a seguinte expressão:

Sendo o respectivo financiamento da responsabilidade do Governo.

Para proceder à leitura do requerimento de avocação da alínea e) do n.º 2 do artigo 2.º, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Lei das Finanças Locais diz textualmente que o valor das isenções de impostos que revertem para os municípios deve ser-lhes compensado integralmente. Este princípio não tem qualquer excepção.
A sua sucessiva e ilegal violação em várias leis do Orçamento tem causado prejuízos de milhões e milhões de contos aos municípios e, na prática, traduz-se em pôr os municípios a financiarem os objectivos de política que o Governo se propõe executar.
No caso presente, os programas de habitação em discussão envolvem já pesado;; encargos para os municípios. Nestes termos, esta isenção deve ser acompanhada da explicitação da regra de que o respectivo custo deve ser integralmente compensado aos municípios. É o que é proposto no aditamento apresentado pelo PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PCP, do PS, do CDS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Era o seguinte:

Propõe-se o seguinte aditamento:

[...] compensando os municípios através da transferência dos valores das referidas isenções, de acordo com o estipulado no n.º 7 do

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artigo 7.º da Lei n.º 1/87 (Lei das Finanças Locais).

Para proceder à leitura do requerimento de avocação de aditamento de um novo artigo 2.º-A, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O novo artigo 2.º-A, proposto pelo Grupo Parlamentar do PCP, visa permitir que seja garantido aos não nacionais o acesso às habitações no âmbito do Programa Especial de Realojamento. Trata-se de fazer cessar uma gravíssima e inaceitável discriminação que o Governo pretende estatuir neste Programa Especial de Realojamento.
Para que seja viável um programa de erradicação de barracas, é fundamental uma acção integrada por todo um bairro ou aglomerado de forma a impedir a proliferação de novas barracas junto das que lá ficaram. Ou seja, é importante construir o número suficiente de habitações por forma a acabar com todo o bairro de barracas.
Todos sabem que muitos dos habitantes de barracas são estrangeiros pelo que, se a legislação continuar a discriminar os emigrantes no acesso à habitação social, não será possível extinguir as barracas. A continuar esta situação, inviabiliza-se na prática a execução do programa além dos problemas políticos e humanitários que, com certeza, se agudizam.
Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP propõe que o Governo fique ainda autorizado no sentido de garantir aos não nacionais o acesso às habitações construídas no âmbito do Programa Especial de Realojamento.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PCP, do PS, do CDS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Era o seguinte:

Propõe-se o seguinte artigo novo:

Fica ainda autorizado o Governo a legislar no sentido de garantir aos não nacionais o acesso às habitações construídas no âmbito do Programa Especial de Realojamento.
Para proceder à leitura do requerimento de avocação de aditamento de um novo artigo 2.º-B, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O novo artigo 2.º-B, proposto pelo Grupo Parlamentar do PCP, visa permitir a definição do enquadramento legislativo adequado para possibilitar a adopção de outros mecanismos de promoção de habitação social, além dos previstos na autorização legislativa e nos projectos de diplomas legais a emitir ao abrigo desta autorização.
O novo artigo 2.º-B refere particularmente três desses mecanismos, designadamente, a promoção directa pelos municípios, a autoconstrução e os acordos com cooperativas.
O sistema proposto nesse novo artigo é o da contratualização entre o Governo e as autarquias, tendo por objecto programas concretos.
Como justificação geral, não seria explicável que, por falta de enquadramento legal ou ausência de orientação normativa, esses mecanismos não pudessem ser usados quando é certo que, em várias situações, eles podem revelar-se os mais adequados para os objectivos gerais dos programas habitacionais incluídos na presente autorização legislativa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro e a abstenção do CDS.

Era o seguinte:

Propõe-se o seguinte artigo novo:

Fica também o Governo autorizado a definir o enquadramento legislativo adequado a permitir a contratualização entre o Governo e as autarquias tendo em vista a promoção de habitação social através de outros mecanismos, como a promoção directa pelos municípios, a autoconstrução e acordos com cooperativas.
Para proceder à leitura do requerimento de avocação de aditamento de um novo artigo 2.º-C, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Propõe-se a avocação do novo artigo 2.º-C, com os fundamentos seguintes.
O novo artigo 2.º-C, proposto pelo Grupo Parlamentar do PCP, visa garantir que a legislação a publicar ao abrigo da presente autorização legislativa salvaguarde rigorosamente o actual enquadramento jurídico-constitucional das autarquias, em especial, o princípio da autonomia no que respeita ao exercício das atribuições e competências.
Trata-se de uma norma orientadora e de garantia tornada necessária face ao que é publicamente conhecido quanto ao conteúdo dos projectos de decretos-leis em preparação, onde são propostas numerosas violações destes princípios.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro e a abstenção do CDS.

Era o seguinte:

Propõe-se o seguinte novo artigo:

Na legislação a publicar ao abrigo da presente autorização legislativa deve ser rigorosamente salvaguardado o actual enquadramento jurídico-constitucional da autonomia local no

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respeito pelas atribuições e competências dos municípios.
Srs. Deputados, a Mesa regista, com agrado, a maneira eficiente como o Partido Comunista Português apresentou os requerimentos de avocação imediatamente seguidos das propostas por escrito. Era bom que este exemplo frutificasse no nosso Parlamento.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 50/VI, que autoriza o Governo a legislar no sentido de adequar as competências das administrações central e local aos programas de realojamento e construção de habitações económicas.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS e votos contra do PS, do PCP e dos deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - A Sr.ª Deputada Leonor Coutinho pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Para fazer uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este pedido de autorização legislativa, que acabámos de votar, é, em nosso entender, um exemplo da violência administrativa que o Governo pretende impor no que diz respeito à habitação social neste país.
Assim, trata-se de permitir condições diferentes daquelas que são permitidas a qualquer promotor para a venda de terrenos do Estado, que foram expropriados para o Governo promover habitação social, mas que este pretende agora vender para outros fins, isentando os promotores que vão promover estas novas urbanizações das regras que se impõem aos outros.
Trata-se, portanto, de um mecanismo de valorizar estes terrenos, permitindo um encaixe ao Estado que se abstém de fazer habitação social, uma vez que a transfere para os municípios.
Neste caso de licenciamento, isentando não só as construções mas o próprio loteamento dos terrenos em que se pretende promover estas habitações. Esta isenção de loteamento diz respeito não só a «casas económicas» - conceito que, aliás, não tem conteúdo legal-, mas também a casas a promover em regime livre. Esta isenção é tanto mais grave, pois não se destina à promoção de loteamentos pelo IGAPHE, uma vez que essa já está consagrada na lei, mas sim a pôr a concurso público as próprias regras do loteamento.
Também, no primeiro artigo, o Governo estabelece dois regimes para limites de endividamento, um para os municípios das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e outro para o resto do País. Ora, o recente recenseamento de 1991 prova que não é nessas áreas metropolitanas que o número de barracas aumentou, mas sim nos distritos do resto do País, havendo mesmo vários distritos em que o número de barracas, nos últimos 10 anos, mais que duplicou.
Assim, haver dois regimes de limite de endividamento para os municípios que pretendam da resposta a esta chaga social é, em nosso entender, iníquo.
O Governo impõe também aos municípios das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, que pretendam construir habitação social para erradicação das barracas, um regime extremamente rígido e mais rígido do que a lei em vigor, estabelecendo condicionantes que vêm protelar e dificultar a resolução do problema dessas mesmas barracas.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP votou contra o texto da proposta de lei n.º 50/VI, que autoriza o Governo a legislar no sentido de adequar as competências das administrações central e local aos programas de realojamento e de construção de habitações económicas, mas fez mais, apresentando propostas alternativas. Tais propostas permitiriam elaborar legislação capaz de resolver seriamente o problema dos cidadãos que não têm uma casa condigna.
O Grupo Parlamentar do PCP encara o problema da habitação como um dos maiores problemas sociais com que Portugal se debate e não apenas nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Com a autorização legislativa hoje aprovada, o PSD e o Governo tentam fugir às suas responsabilidades e inventar bodes expiatórios para lançar as culpas desta situação. Não é sério, Srs. Deputados do PSD, pretenderem empurrar responsabilidades para as autarquias quando nem o regime de atribuição e competências, nem a capacidade financeira o permitem. O PSD e o Governo avançam com mais uma manobra propagandística tendente a suster o processo de impopularidade crescente da política da maioria.
Pela nossa parte, não pactuamos com a política espectáculo para iludir responsabilidades, penalizar os municípios e continuar a deixar milhares de famílias carenciadas, entre elas os imigrantes, sem uma casa condigna.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS votou favoravelmente o pedido de autorização legislativa e, no entanto, também votou favoravelmente os pedidos de avocação aqui apresentados pelo PCP acompanhados de uma justificação e de propostas alternativas.
Votámos favoravelmente porque consideramos que este diploma, que vai alterar competências nesta matéria, é uma das peças que se inserem no conjunto das medidas destinadas a promover a construção de habitação social, como uma medida que por sua vez pertence ao conjunto das que procuram inflectir a crise que neste momento aflige a economia do País.

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Concordamos com estas medidas, muitas vezes aqui dissemos que nesta matéria era precisa uma política de habitação que o Governo se recusava sistematicamente a definir, e entendemos que nesse conjunto o esquema a que se pretende fazer face com esta autorização legislativa tem racionalidade e é, em nosso entender, uma peça indispensável à definição dessa política.
No entanto, também estamos com o PCP quando este pretendia ver discutidas mais detidamente estas matérias em Plenário, porque são matérias que têm gerado alguma polémica com o poder autárquico e, por isso, seria bom que essa polémica não ensombrasse a verdadeira natureza das medidas de conjunto que aqui foram propostas e não ensombrasse o início de uma nova fase na política de habitação que o Governo e as autarquias entendem levar a cabo em conjunto.
Por isso, votámos desta forma e entendemos que fizemos bem.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão do projecto de lei n.º 137/VI - Alarga o período de protecção post mortem dos direitos de autor (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faz precisamente amanhã um ano, dia por dia, que deu entrada nesta Câmara o nosso projecto de lei n.º 137/VI, o qual alarga o período de protecção post mortem dos direitos de autor, de 50 para 70 anos, e que hoje sobe a Plenário. Entre as opiniões que advogavam a perpetuidade do direito autoral e aquelas outras que quase olhavam os direitos de autor como se de uma violência contra a comunidade se tratasse, tem-se pretendido adoptar soluções que conciliem os diversos interesses legítimos em presença - e agora no âmbito do Mercado Interno e tendo em conta a necessidade de harmonização neste domínio. É neste processo que se enquadra a (ainda proposta de) Directiva da Comunidade Europeia sobre a duração da protecção dos direitos de autor, a qual, não se encontrando ainda formalizada, não só não nos impede como até nos impõe a defesa do carácter tempestivo e da necessidade deste nosso projecto.
Aliás - nesta como noutras situações concretas -, não se entende porque nos havemos de atrasar só porque outros se não nos adiantaram. Seria um péssimo precedente, uma péssima metodologia de trabalho e conduziria, em última análise, que esta Câmara construísse para si mesma uma imagem de inaceitável menoridade ou de a democrática subserviência. Trata-se de uma questão de princípio- não tendo nós competência para alienar o que nos é inalienável por competência.
Não ponhamos o «carro adiante dos bois». A Europa comunitária, esta Europa comunitária, é ainda um edifício em construção, ou uma circunstância epidérmica, numa história europeia velha de séculos e séculos. A identidade portuguesa tem mais de 800 anos - o razoável, parece-nos, e à escala da vida humana, para lhe concedermos uma prioridade que outras circunstâncias históricas certamente não estarão ainda em condições de merecer. Na verdade, é também uma questão de identidade que neste momento aqui se coloca, uma questão de identidade cultural, uma questão de identidade de um povo.
Numa Europa comunitária que nasceu à sombra dos valores do mercado, e onde essas sombras continuam a adensar-se, nessa Europa em que os negócios se transformam em valores e os valores se transmitam em negócios - uma «maior justeza e eficácia na protecção post mortem da criatividade cultural e dos direitos de autor» passa também pelo alongamento do período de tempo durante o qual não cairão no domínio público. Mais do que um acto de «coragem» pretensamente consubstanciado no adiamento da «colectivização» dos direitos de autor («coragem» e «colectivização» com algum humor assinalados por um digno Sr. Deputado de uma outra bancada desta Casa) coloquemos «necessidade» onde está «coragem» e «mercantilização europeia» onde está «colectivização», e tudo acabará em bem.
A Europa e a Comunidade Europeia têm destas coisas: nem sempre são lineares, nem sempre significam o mesmo. A Europa/mercado não pode esmagar tudo nem que para o impedirmos tenhamos de nos socorrer da extensão de direitos até há bem pouco tempo olhados com «desconfiança» ou mesmo com «suspeição».
São ínvios e difíceis muitos dos caminhos a trilhar. Temos a consciência da modéstia deste nosso projecto de lei. A perspectiva da criação do instituto do «domínio público remunerado», o qual sucederia ao período de 70 anos de protecção post mortem dos direitos de autor, é uma hipótese em aberto. Consistiria esse instituto na criação de um fundo constituído a partir da existência de uma taxa de entre 0,5 % e 1 % cobrada sobre o preço de venda das obras, e que se destinaria ao apoio social a criadores em dificuldades, ao apoio a sociedades de escritores, e autores. Instituto cuja concretização passaria necessariamente por uma negociação consensual entre todos os interessados, nomeadamente representantes dos autores e dos editores e comerciantes.
Aliás, é-nos grato referir que este nosso projecto de lei mereceu, na generalidade, o apoio expresso quer da Associação Portuguesa de Escritores quer da Sociedade Portuguesa de Autores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se vê, estamos naturalmente abertos a todos os contributos que coincidam no sentido, quer da melhoria técnica quer da amplitude deste nosso projecto de lei, em sede de especialidade. Certamente é o que esta Câmara não deixará de proporcionar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, na intervenção que farei a seguir terei oportunidade de me pronunciar sobre a substância deste projecto de lei. No entanto, vejo-me na necessidade, para melhor fundamentar a minha opinião sobre esta vossa iniciativa legislativa, de lhe pedir um esclarecimento.

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Na sua intervenção referiu-se, sobretudo, à protecção post mortem dos direitos de autor. No entanto, o vosso projecto de lei tem um artigo 2.º, de natureza diferente, que se refere à duração da protecção dos direitos conexos, definindo, nomeadamente, que a protecção desses direitos é de 50 anos.
Sr. Deputado, a minha questão concreta é no sentido de saber se V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar tiveram em conta, ao elaborarem o artigo 2.º do vosso projecto de lei, a Lei n.º 114/91 votada por esta Assembleia. É que este diploma, nos seus artigos n.08 183.º, 186.º e 188.º, já altera, prolongando, a duração da protecção dos 25 anos previstos na Lei n.º 45/85 para 50 anos? Isto, partindo do pressuposto que, ao referir-se à duração da protecção dos direitos conexos, se refere à protecção do artista, do produtor e à emissão de radiodifusão que são, precisamente, as três componentes deste artigos que referi.
Sr. Deputado, agradecia que me esclarecesse sobre esta questão.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, devo dizer que ouvi atentamente a sua intervenção, mas, apesar disso, não consigo alcançar os verdadeiros objectivos que levaram VV. Ex." a propor este prolongamento.
Principalmente, dois anos volvidos sobre a aprovação na Assembleia da República da revisão do Código dos Direitos de Autor, na qual teve intervenção preponderante um elemento da vossa bancada e que o aceitou não fazendo incidir as suas intervenções nestes aspectos da protecção post mortem.
Repito: o que leva VV. Ex.ªs a propor este prolongamento, que está em linha, efectivamente, com o que propõe a Comissão da Comunidade Europeia, mas que, de certo modo, na Comissão, reflecte um pouco a política de directório?
É que o único país que tem uma período de vigência de 70 anos, uniforme para todos os direitos de autor post mortem, é a Alemanha, não tendo mais nenhum país previsto esse período. Como sabe, a França tem também um período de 70 anos, mas não é para todos os direitos de autor. A Espanha tem um período de 60 anos, mas é um período que, inclusivamente, resulta já de uma redução. Isto é, resulta já de uma experiência que, porventura, não terá sido inteiramente positiva.
O que leva realmente VV. Ex.ªs, Deputados do Partido Comunista Português, a propor que seja adiada a queda no domínio público dos direitos de autor e se mantenha na família do autor, efectivamente, a vantagem patrimonial destes por um prazo que se supõe equivalente a duas gerações? O que levou VV. Ex.ªs a isto?
V. Ex.ª dá uma ideia, mas devo dizer-lhe que a articulo com dificuldade com a parte substancial e fundamental do vosso projecto, que é o encadeamento deste prolongamento com a criação de um instituto que iria expropriar, no fundo, a queda no domínio público. Isto é, iria efectivamente reservar a queda no domínio público dos proveitos económicos que daí pudessem resultar para determinadas finalidades específicas.
Sr. Deputado José Calçada, a pergunta é muito simples e é só esta: qual é o objectivo que VV. Ex.ªs pretendem alcançar? Não estou a ver nada de escondido. Com certeza, que é um objectivo claro, mas ainda não me apercebi dele inteiramente, pelo que lhe agradecia que o Sr. Deputado contribuísse um pouco para o meu esclarecimento.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Respondendo pela ordem das questões colocadas, quero dizer que, relativamente ao artigo 2.º do projecto de lei, sobre a duração da protecção dos direitos conexos ser de 50 anos, ao contrário do que eventualmente foi entendido, o que fazemos é ter em conta exactamente o normativo existente sobre este aspecto. Inclusivamente, podemos dizer que o temos em conta, reafirmando-o.
Pode perguntar-se porque é que o reafirmamos se já estava antes afirmado. É porque entendemos que a duração dos direitos de autor e dos direitos conexos são questões de tal modo interligadas e inter-relacionadas que não seria, nem sequer tecnicamente, correcto deixá-las aqui no ar apenas no pressuposto que o normativo anterior já as contemplava.
Quanto ao porquê do prolongamento da protecção dos direitos de autor post mortem, de 50 para 70 anos, quero dizer que esta questão se encadeia numa outra que, enfim, fez parte da minha interpelação e que, reconheço, pode surgir à primeira vista e aparentemente como contraditória. Provavelmente, não era suposto nesta Casa que fosse exactamente o Partido Comunista Português o autor de uma proposta desse tipo.

Risos.

A verdade, é que o Partido Comunista Português age de acordo com princípios e tem também em conta as circunstâncias.
Assim sendo, tendo em conta a circunstância de estar em preparação - é uma questão de mera formalidade, sabemos que é um dado já adquirido - uma directiva comunitária no sentido de um prolongamento de 50 para 70 anos; pensando nós que compete também à Assembleia da República pronunciar-se sobre esse tipo de situações e sobre essa problemática, entendemos igualmente, também, que, de algum modo, deveríamos anteciparmo-nos a ela.
Aliás, devo lembrar aos Srs. Deputados aquilo que já sabem, certamente: é que este nosso projecto de lei foi apresentado há um ano atrás - não foi por acaso que há pouco enfatizei esse aspecto-, faz amanhã uma ano. Já há um ano atrás que essa proposta de directiva comunitária estava sobre a mesa, mas, pelos vistos, parecem ainda mais lentos do que nós, se é que a expressão lentidão aqui se deve aplicar. Daí um pouco a necessidade de, embora aparentemente fora de tempo, reafirmarmos este prolongamento.

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Acresce ainda que, neste novo enquadramento da Europa comunitária e dentro da perspectiva do Mercado Interno- aliás, também o assinalámos na introdução-, nos pareceu que relativamente aos bens de natureza cultural - e os que se relacionam com a criação são isso antes de tudo - há que ter alguns cuidados, alguma sensatez, quanto à pressa da nua mercantilização, embora entendamos que levante alguns conflitos, como é evidente.
Sabemo-lo. Já foi assinalado pelo Sr. Almeida Garrett, Deputado nesta Casa noutros tempos, há 150 anos, que dizia precisamente o seguinte: «Não basta a criação mental para fazer existir a propriedade literária, é precisa a concorrência da sociedade e daí é manifesto que a propriedade literária fica indivisa entre a sociedade e o autor.» Isto era dito há 150 anos.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, entendemos que este conflito ainda não se resolveu - é um conflito em si mesmo - e creio que não é, em última análise, solucionável. O que se pode é encontrar - isso sim - medidas razoáveis para minorar o conflito. Neste sentido, lembro V. Ex.ª que, no final da minha intervenção, falei na hipótese da criação - estamos abertos para isso, por que não -, em sede de especialidade, daquilo que se designa por o domínio público remunerado.
Sr. Deputado, devo dizer que gostei muito do seu sentido de humor, quando disse que isso era, no fundo - vou tentar citar - expropriar a queda do domínio público. A frase é bonita, mas não corresponde à realidade. Na verdade, tratar-se-ia, tão-só, de evitar aqueles subsídios miserabilistas, que nada dignificam a criação nem os criadores, nem dignifica o Estado que, por vezes, e de modo muito aleatório, acaba por concedê-los para evitar situações verdadeiramente trágicas de criadores que acabam a sua vida, não digo em situação de miséria, mas que, de modo algum, não são condignas com aquilo que deram ao País.
Sr. Deputado, bem sabe que se um país permanece é, antes de tudo, por aí.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A importância da questão dos direitos de autor e dos designados direitos conexos é um facto incontroverso que justifica a atenção que nos merece a iniciativa legislativa do PCP agora em discussão.
Importância que assenta não só na dimensão económica desses direitos, inclusive a nível da Comunidade, como também no seu significado no plano cultural. Assim, do ponto de vista da sua protecção, há que ter em conta e que conciliar os interesses legítimos, morais e patrimoniais dos autores, dos cidadãos fruidores e da sociedade globalmente considerada a quem pertence em última instância o património cultural.
O aparecimento de novas tecnologias, com incidência no acto da criação e interferência nas possibilidades de fruição, reprodução e difusão das obras, vieram aumentar a complexidade desta questão. Compreende-se, assim, o acompanhamento que a mesma tem vindo a ter, nomeadamente por parte da Comissão da Comunidade, para não referir outras instâncias.
No que diz respeito concretamente à protecção dos direitos de autor pó st mortem, as convenções internacionais prevêem períodos mínimos de protecção. Na Convenção de Berna, a que Portugal aderiu em 1978, o prazo mínimo consignado é de 50 anos ou de 25 anos para obras fotográficas ou do que é designado como artes aplicadas. Já a Convenção Universal sobre Direito de Autor de 1952, a que aderiram 53 Estados também membros da Convenção de Berna, estipula, respectivamente, os prazos mínimos de 25 e de 10 anos.
No entanto, no caso português, o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos estabelece prazos de protecção de 50 anos e de 25 anos (com ainda outros desvios à regra geral devidamente tipificados), a exemplo do previsto na Convenção de Berna.
Ou seja, verifica-se que, mesmo no quadro comunitário e dentro dos limites das convenções, os Estados adoptam, em graus distintos, períodos de protecção diferenciados.
Tal situação, sobretudo na perspectiva da criação do Mercado Único, provoca entraves à livre circulação dos bens e serviços culturais e distorções nas condições de concorrência, que é necessário ponderar, salvaguardados os interesses em jogo que sejam legítimos mas também a vitalidade da criação cultural, a propagação da cultura e o seu usufruto.
Na linha do declarado pelo próprio Tribunal de Justiça Europeu, no seu Acórdão Patrícia, de 24 de Janeiro de 1989, a Comunidade Europeia tem envidado esforços, ainda não totalmente conseguidos, no sentido não propriamente de uniformizar mas, sim, de harmonizar os períodos de protecção.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Consideramos particularmente merecedoras de discussão e de reflexão, no quadro desta problemática da protecção do direito de autor e dos direitos conexos, as questões suscitadas pela reprodução sonora e audiovisual privada, pela criação de programas de computador e compilação de bases de dados, pela radiodifusão por satélite e retransmissão por cabo, assim como pela reprografia das obras impressas através da fotocópia ou processos idênticos.
Trata-se, com efeito, de fenómenos originados pelas modernas tecnologias, que, criando novas situações, exigem novas práticas jurídicas e novas medidas.
Foi tendo em conta estas realidades que o PS apresentou, na anterior legislatura, o seu projecto de lei n.º 411 IV, propondo alterações no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, alterações em alguns aspectos contempladas na Lei n.º 114/91, de 3 de Setembro, desta Assembleia.
Mas mantêm-se ainda na actual legislação matérias que exigiriam revisão e melhoramentos, como a do artigo 82.º, que continua a aguardar a concretização de um diploma regulamentador, ou a do artigo 179.º, que se encontra desactualizada. Isto para além de haver situações, que urge ultrapassar, como a de ainda não ter sido ratificada por Portugal a Convenção de Roma de 1961, relativa aos direitos dos artistas, intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão.

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Todas estas questões, que constituem outros tantos desafios de grande relevância cultural e económica, exigem respostas eficazes. Por isso, toma-se necessário abordá-las de uma forma articulada e global, tanto a nível nacional como a nível comunitário, mas também mundial, no âmbito das negociações do GATT e da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual).
Não duvidamos que as motivações que estão por detrás do projecto de lei em discussão têm a ver com preocupações que partilhamos no sentido da protecção do direito de autor e dos direitos conexos, enquanto elementos centrais da criação e da produção culturais. Consideramos, porém, que se trata de uma iniciativa parcelar face à dimensão e à natureza multifacetada dos problemas, mas sobretudo extemporânea no que concerne ao estádio do debate e da tomada de decisões, em particular ao nível da Comunidade e na perspectiva da necessidade de harmonização a que fizemos referência.
Antes de terminar, Sr. Presidente, para que fique registado em acta e por uma questão de rigor, gostaria de dizer o seguinte: há pouco referi que o período previsto nos artigos 183.º, 186.º e 188.º da Lei n.º 45/85, de duração da protecção no quadro dos direitos conexos, era de 25 anos. Ora, não é assim. Essa lei previa uma protecção, no artigo 183.º, de 40 anos; no artigo 186.º, de 25 anos e, no artigo 188.º, de 20 anos. A Lei n.º 114/91 uniformizou esta protecção para 50 anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi elaborado no âmbito da então ainda 3.º Comissão um parecer sobre este projecto de lei n.º 137/VI, hoje em apreciação, cuja autoria é do Sr. Deputado Almeida Santos. Por qualquer razão, não foi possível ao Sr. Deputado proceder aqui à apresentação do relatório. No entanto, e porque o mesmo foi aprovado por unanimidade, permitia-me fazer minhas as palavras por via das quais ele apresenta duas considerações.
A primeira é de saudação ao partido proponente pelo facto de ter tido, segundo os termos do relatório da Comissão, a lucidez, e eventualmente a coragem, de propor o reforço no tempo da protecção da propriedade, propriamente designada de literária, nos termos em que o fez.
A segunda tem a ver com um juízo em meu entender de inoportunidade da apresentação do projecto em causa e sobretudo da sua votação por esta Casa. Efectivamente, estava já em curso, no momento da apresentação, a elaboração de uma directiva comunitária cujo âmbito de aplicação é bem mais vasto e cuja temática contende com problemas mais profundos do que aqueles que nos são suscitados aqui pelo projecto de lei n.º 137/VI. Ora, o facto de essa directiva estar hoje em fase de ultimação reforça a inoportunidade de uma aprovação pela Assembleia da República.
Pensamos que, em nome de uma correcta aplicação do princípio da subsidiariedade, melhor será que a directiva entre em vigor e, depois, com o cuidado necessário, façamos a adaptação nacional das suas propostas e do seu âmbito temático.
Acresce a tudo isto uma consideração, aliás já feita pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, que tem a ver com a apreciação cuidada desta matéria, ainda há relativamente pouco tempo, pela Assembleia da República. Essa apreciação deveu-se ao trabalho de uma comissão de especialistas que se debruçaram sobre este tema. Essa é uma das razões, a acrescer a todas as outras, que nos leva a pensar não ser este o momento calhado para se fazer a aprovação do projecto em causa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado José Calçada, já há pouco aflorei os princípios fundamentais de enquadramento da nossa abordagem deste problema.
Em primeiro lugar, temos de verificar cuidadosamente do que é que se trata. A sua intervenção e algumas outras podem ter deixado entender que estávamos a tratar da protecção do autor. Ora, não estamos a tratar da protecção do autor mas, sim, da dos seus herdeiros, prolongando-a para duas gerações, em detrimento da possibilidade alargada e facilitada de acesso da generalidade das pessoas ao produto da criação intelectual e artística. Efectivamente, é isso o que acontece, se realmente optarmos pela tese do prolongamento, apenas seguida por um número muito limitado de países, desta protecção post mortem.
Qual é o estádio da questão, neste momento, em Portugal? Em Portugal, procedemos à revisão do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, há muito pouco tempo, com uma intervenção activa do seu partido, nomeadamente do Dr. Luís Francisco Rebelo, que, em substituição de um elemento da bancada do PCP (porque também tinha feito parte das listas do partido), esteve aqui a trabalhar activamente, durante um ou dois meses, numa comissão de que também fiz parte (por isso, rejeito o qualificativo de especialistas dirigido a todos os elementos da Comissão; alguns, de que ele é um exemplo, eram-no efectivamente).
Na revisão do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, prolongámos o prazo de protecção dos direitos conexos para 50 anos, protecção esta expressa em três ou quatro artigos do Código - e essa é uma razão que também me leva a ter dúvidas sobre a bondade do vosso projecto -, e mantivemos em 50 anos o período de protecção post mortem dos direitos de autor.
Neste momento, no âmbito das Comunidades, está a proceder-se a uma revisão da directiva sobre esta matéria, visando a harmonização dos vários direitos internos. O projecto da Comissão da Comunidade aponta para a harmonização por cima, isto é, a harmonização pela duração alemã, de 70 anos para os direitos de autor e de 50 anos para os direitos conexos.
Agora, como há pouco, interrogo-me: que vantagem terá Portugal em harmonizar por cima e não, como acontece relativamente a 90 % dos países signatários da Convenção de Berna, em harmonizar por baixo, isto é, pelos 50 anos, período mínimo admitido pela Convenção?
Recordaria ao Sr. Deputado que a maior vantagem que podemos ter nesta matéria é conseguir a harmonização

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dos direitos nacionais, porque a diferença entre os vários direitos nacionais, no que respeita à protecção post mortem, pode introduzir elementos de distorção graves no comércio intercomunitário, na troca destes produtos preciosos que são os bens de criação intelectual e artística.
É pois importante que procedamos à harmonização, mas parece-me que não o devemos fazer pelas normas mais rigorosas, isto é, pelo período mais largo, que é o alemão, de 70 anos. E porquê? Porque devemos ter em conta a protecção dos direitos dos consumidores deste tipo de produto, que resultarão prejudicados, pois o prolongamento do período de protecção post mortem traduz-se, sem dúvida, num encarecimento dos produtos da criação intelectual e artística.
É que o prolongamento dessa protecção vai traduzir-se num incremento da actividade de pirataria neste domínio, o que é, também, negativo. Além disso, um país como Portugal terá vantagens em alinhar pelo período de 50 anos, pelo mínimo, e não em se aproximar dos 70 anos.
Daí, Sr. Deputado, que me pareça que o momento não é o mais adequado. Em minha opinião, devemos aguardar pela publicação da directiva. Admito mesmo que a defesa dos nossos interesses se possa identificar com o prolongamento para os 70 anos, mas se formos forçados a fazê-lo pela directiva, fá-lo-emos; caso contrário, se conseguirmos - inclusive, agora, com a introdução da participação da Assembleia da República no processo de produção legislativa que tem a ver com a nossa competência - ter um papel bastante mais acentuado na redacção final dessa mesma directiva, devemos reservar para esse tipo de intervenção todas as nossas capacidades e a nossa força.
Por um lado, Sr. Deputado, parece-me incorrecto que proceda, por exemplo, à unificação da protecção post mortem, no que respeita aos direitos conexos, quando essa protecção se distribui por vários artigos no código, que representa uma codificação do regime jurídico dos direitos de autor. A meu ver, será inconveniente, do ponto de vista técnico, introduzir-lhe este tipo de discussão.
Por outro lado, Sr. Deputado, diria que, no aperfeiçoamento do código há, porventura, tarefas mais urgentes do que o prolongamento da protecção post mortem dos direitos de autor, como a definição mais cuidadosa dos direitos conexos, que, como V. Ex.ª sabe, são ainda uma matéria que está sujeita a uma grande variação, pois a criatividade e o progresso tecnológico possibilitam novos meios de reprodução de obras artísticas intelectuais.
Em minha opinião, deveríamos empregar o nosso esforço nesse sentido e no da protecção de outros institutos dentro do Código dos Direitos de Autor, como a protecção da obra produzida ao abrigo de contratos de prestação de serviços ou de contratos de trabalho subordinado, matéria em relação à qual as dificuldades são inúmeras e as divergências de interpretação são também várias.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, embora saiba que não é especialista, agradeço-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Muito embora registando o nosso apreço por esta atitude do Partido Comunista Português, que entendeu prolongar a protecção post mortem dos direitos de autor, mantendo-os na esfera privada dos criadores - o que significa alguma inovação dos processos de actuação do seu partido, com a qual me congratulo, pois é uma atitude que releva da perestroika soviética, embora V. Ex.ª tenha aparecido...

O Sr. José Calçada (PCP): - Não é preciso ir tão longe!

O Orador: - Não vou tão longe, ficamos mais perto. Se ficássemos pela Itália já não ficávamos mal.
Apesar disso, Sr. Deputado, tenho a impressão de que não devemos aprovar esta iniciativa mas, sim, reservar as forças que a ela conduziram para discussão da directiva, pois devemos reivindicar que esta seja elaborada ao abrigo do novo poder de intervenção da Assembleia da República.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, damos por encerrado o debate do projecto de lei n.º 137/VI. A sua votação far-se-á em momento oportuno.
Sr. Deputado Carlos Lélis, queira desculpar a distracção da Mesa. Tem a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, encontrava-me, na verdade, inscrito para usar da palavra. Mas tinha intenção de prescindir desse uso, na medida em que cada um dos partidos - hoje, finalmente, todos com voz - só destacaram, em termos militares,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Uma unidade!

O Orador: -... uma unidade de serviço, pelo que não vejo razão para que a minha bancada tenha de levantar outra voz, ainda que sob outro ângulo, como me costuma sempre atribuir.
Pela circunstância, embora havendo já muitos aspectos que o Sr. Deputado Nogueira de Brito acentuou, a montante e não apenas a jusante do problema, e porque há alguma bondade na intenção do projecto do PCP, prescindo do uso da palavra, reservando a minha colaboração para qualquer eventual trabalho subsequente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Carlos Lélis, apenas para que fique esclarecido, não foi por nada a montante nem a jusante que não lhe dei a palavra. Foi apenas porque não tinha aqui a sua inscrição, embora tenha sabido, agora, pelos Srs. Secretários, que se tinha inscrito.
Srs. Deputados, passamos à discussão do projecto de deliberação n.º 60/VI (PSD) - Constituição de uma Comissão Parlamentar para o Contacto com as Cortes de Espanha.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou cansá-los com grandes intervenções. Apenas direi que justifico a posição favorável que temos

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relativamente à recriação da Comissão para o Contacto com as Cortes de Espanha pelo bom trabalho que a anterior Comissão soube fazer.
Como é do conhecimento geral, celebraram-se duas cimeiras, uma em Lisboa - da qual há actas publicadas - e outra em Madrid. Essas duas cimeiras de parlamentares souberam chegar a conclusões que apontavam para atitudes dispositivas e que, sob forma de recomendação, foram apresentadas aos dois governos.
São os próprios Deputados espanhóis que contactam a Assembleia da República desde 1991 para que se prossigam os trabalhos e é possível ver que houve um esforço de grande solidariedade, não só entre todas as bancadas e todos os grupos parlamentares representados nessas comissões como também entre Deputados portugueses e espanhóis, num sentido construtivo, chegando-se a resultados positivos, que abrangem desde problemas de natureza autárquica até problemas de ambiente, passando pelos trabalhadores outrora clandestinos e os títulos académicos.
Foi, de facto, um trabalho proveitoso, diferente, que suponho ter sido profundamente positivo e criador e que, além do mais, teve a vantagem de aproximar as pessoas concretas, aquelas nas quais se consubstanciam as representações nacionais. E não é tarefa de somenos aproximar as pessoas, torná-las visíveis e conhecidas, estreitar entre elas os laços de solidariedade e amizade, apesar das diferenças de opinião e das clivagens políticas.
Neste momento, alguns projectores de iluminação da Sala apagam-se.

pesar de nos ensombrecerem à força, diria que a comissão faz luz e, portanto, é boa. Votemos a favor da comissão.

Vozes do PS: - Estão a cortar a luz!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Foi apenas como forma de fazer sobressair ainda mais a intervenção do Sr. Deputado.

Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, tem a palavra para uma intervenção.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou fazer uma intervenção alongada, mas gostaria de citar alguns dos aspectos por que me parece ser muito importante que tenhamos estas relações privilegiadas com os nossos irmãos espanhóis.
É que, por acaso, os espanhóis que visitam Portugal são uma vez e meia a população portuguesa, ou seja, 16 milhões de entradas de espanhóis em Portugal, o que, logo aí, mostra o peso enormíssimo que têm as relações, inclusive pessoais, com os Espanhóis.
Mas o que se realça, sobretudo, e o meu colega Sousa Lara, do PSD, já reforçou esse aspecto, é o facto de ser muito importante para estes dois países, essencialmente para Portugal, que só tem fronteiras com a Espanha, que os Parlamentos tenham relações mais fortes. Tome-se, por exemplo, o caso do plano hidráulico espanhol. É um caso da maior importância - de Espanha não vêm só espanhóis, mas também a água -, que este Parlamento não acompanha e penso que é extremamente importante que o coloquemos aqui.
Mas sobretudo o facto de estarmos na Comunidade Europeia com a Espanha obriga, na minha perspectiva, a que se acompanhe de muito perto as relações com a Espanha. Efectivamente, estamos a desenvolver um Plano de Desenvolvimento Regional e um Quadro Comunitário de Apoio que deveria ter, conjuntamente com a Espanha, um tratamento privilegiado. Tenha-se em atenção o Fundo de Coesão, em que quase 70 % das receitas vão para a Espanha, mas que se dirigem ao ambiente - são questões transfronteiriças- e às redes transeuropeias.
Os Parlamentos português e espanhol deveriam ter nesta matéria tão relevante uma tarefa de conciliação da programação, o que, penso, é importante que se faça não só ao nível do Governo como, também, ao nível do Parlamento.
O mesmo se passa, aliás, relativamente às relações comerciais. A Espanha é, actualmente, o país de onde Portugal mais importa, continuando a ser um país para onde nós exportamos relativamente pouco. Penso que é extremamente importante que conheçamos o comércio externo espanhol. Para Portugal, a Espanha passou de um fornecedor médio - era um país de onde importávamos relativamente pouco - para principal mercado importador. É, pois, necessário que as exportações acompanhem essa tendência e que a internacionalização da economia portuguesa relativamente à Espanha se intensifique.
É extraordinário como a Espanha investe tanto em Portugal. Aliás, mesmo em 1992 houve um crescimento do investimento estrangeiro em Portugal, ou seja, as nossas economias estão a ligar-se mais, mas só em sectores específicos e é importante que isto seja conhecido. É Lisboa e é a banca que absorvem 80 % do investimento externo espanhol.
Nesta perspectiva, o Partido Socialista votará a favor da constituição de uma comissão que, espera-se, à semelhança do que aconteceu anteriormente, trabalhe de forma regular e que intensifique os contactos de todos os tipos: não só culturais e de amizade, mas também de todos os aspectos económicos e comunitários que interessam aos dois países e que se impõe que os respectivos Parlamentos acompanhem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, depois de nos termos questionado aqui, na Mesa, concluímos que a transferência do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira para a bancada do PSD, onde se encontra sentado neste momento, apenas queria reforçar a abrangência e o consenso que este projecto de deliberação proporcionava.
Tem a palavra, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, mas pode falar da outra bancada!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, apenas quero dizer que pensei que a bancada do PSD, até porque está muito vazia, talvez precisasse de uma comissão administrativa, pelo que fui dar uma ajuda!

Risos.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para muito rapidamente referir que da parte do Grupo Parlamentar do PCP existe tam-

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bem toda a disponibilidade para aprovar a constituição da Comissão Parlamentar para o Contacto com as Cortes de Espanha.
Fazemo-lo por razões múltiplas que já aqui foram aduzidas, mas fundamentalmente por uma razão que não é menor e que consiste no facto de sermos vizinhos. Este facto implica que haja muitos interesses comuns e que muitas vezes possam ocorrer conflitos de vizinhança que convém tentar despoletar tão cedo quanto possível.
O caso concreto, já aqui reportado nesta reunião, da situação dos recursos hídricos, designadamente aquele que num passado recente veio a público sobre eventuais alterações do curso do Douro, merece ser analisado e discutido. Aliás, os contactos regulares entre os dois Parlamentos poderão, muitas vezes, obviar a este tipo de problemas.
Para terminar, a única questão que poderíamos suscitar seria a da oportunidade, na medida em que neste momento está em curso um processo eleitoral na vizinha Espanha. No entanto, uma vez que foram as próprias Cortes Espanholas que solicitaram esta formalização à Assembleia da República, votaremos a favor.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer que também votaremos favoravelmente o projecto de deliberação n.º 60/VI, não apenas porque existem interesses em comum mas, justamente, porque é raro haver interesses em comum e porque queremos acompanhar as Cortes Espanholas, até por razões inconfessáveis...

Risos.

... que depois se vão ver nos contactos que se forem estabelecendo, sobretudo nos que tiverem lugar do lado de lá.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está encerrado o debate. A votação do projecto de deliberação n.º 60/VI - Constituição de uma Comissão Parlamentar para o Contacto com as Cortes de Espanha (PSD) far-se-á em momento oportuno.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia uma sessão de perguntas ao Governo.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António José Caeiro da Mota Veiga.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Pereira Lopes.
Luis António Carrilho da Cunha.
Luis Carlos David Nobre.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Rui António Ferreira da Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Carlos Martins Peixoto.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.

Alberto Monteiro de Araújo.
Ana Paula Matos Barros.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Maria Pereira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Francisco Antunes da Silva.
José Leite Machado.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel de Lima Amorim.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Jaime José Matos da Gama.
José Eduardo Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Paulo Martins Casaca.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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