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680 I SÉRIE-NÚMERO 20

grupo parlamentar. Convicções e valores levados até ao final da sua vida quando usou, pela primeira vez em Portugal, numa causa que considerava justa, o direito de acção popular previsto na Constituição.
De uma forte consciência e de convicções morais, de sólida formação cultural e jurídica, grande advogado e uma por vezes ácida personalidade e independência intelectual, Salgado Zenha encontrou-se e desencontrou-se ao longo da sua vida com os caminhos de outros democratas e das várias forças do campo democrático.
Também isso se passou com muitos dos que estamos no PCP, com o PCP e com o confronto sobre ideias e valores em que divergimos.
Mas isso não obsta a que Salgado Zenha seja lembrado por nós como um democrata de corpo inteiro que, à liberdade, à democracia - em particular, à democracia participativa - e à transparência da vida pública, expressa na estreme defesa que assumiu do princípio da administração aberta, deu o melhor de si próprio. Nem obsta a que os elementos de convergência tivessem sido suficientemente fortes para lhe expressarmos o apoio que demos ao voto na sua candidatura à Presidência da República, em 1986.
Salgado Zenha desempenhou um importante papel na oposição à ditadura fascista, derrubada com a revolução de 25 de Abril. Oposição iniciada, desde logo, na vida universitária onde, recordamos foi o primeiro estudante a ser eleito presidente da Associação Académica de Coimbra, em plena ditadura de Salazar, de onde foi, aliás, arbitrariamente demitido por se recusar - e levar o plenário de estudantes a recusar - a participar numa manifestção de apoio ao ditador.
Foi essa luta de jovens que o levou, com muitos outros jovens democratas, entre
os quais muitos jovens comunistas, à criação do MUD Juvenil, que estaria na origem da sua primeira de várias passagens pelas prisões fascistas, onde sempre assumiu uma postura profundamente digna face aos esbirros da PIDÉ e que o levou também, bastas vezes, à barra do tribunal, em defesa de muitos presos políticos. Oposição que desembocou na madrugada libertadora do 25 de Abril, que teve a felicidade de viver e que proximamente iremos de festejar o 20.º aniversário.
Infelizmente, Salgado Zenha não conseguiu ver concretizados plenamente os princípios da justiça social por que sempre se bateu. Se hoje estivesse connosco, seguramente que se continuaria a bater por uma sociedade onde os valores éticos, de transparência, de justiça e de solidariedade se afirmassem como valores do Estado contra os valores do obscurantismo, do tráfico de influência, da ausência de referências solidárias que se têm vindo a perfilar no consulado que, transitoriamente, governa o País.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: A ausência, por morte, de Salgado Zenha, bem como o seu afastamento anterior, por vontade própria, de uma intervenção mais activa na vida pública e política do País, foi - e é, seguramente - uma perda para todos nós, para o País, para todos os que se batem por uma sociedade mais solidária. E as sociedades mais solidárias só se constróem com aqueles que perfilham os valores da solidariedade. Salgado Zenha era, seguramente, um deles.
Neste momento de homenagem à memória de Salgado Zenha, queremos aqui reafirmar o pesar do Partido Comunista Português e seu Grupo Parlamentar pela sua morte e transmitir, de novo, à sua família as nossas mais profundas condolências.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o representante do Grupo Parlamentar Socialista, Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Querida Maria Irene Zenha e restante família de Salgado Zenha, Ilustres Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: De entre os presentes, nenhum decerto deixou de admirar e respeitar Francisco Salgado Zenha, mas reivindico para mim o privilégio de tê-lo idolatrado. É que o conheci desde os meus recuados tempos de estudante do liceu de Coimbra. Já na Universidade, Salgado Zenha, avesso a deixar-se aureolar, espargia luz.
Foi a ouvi-lo que me iniciei no fatum para sempre irresistível das convicções políticas. Ter ideias era nesse então proibido. Exprimi-las, quando não convencionais, um risco. Daí a clandestinidade de tantos heróicos combatentes. Salgado Zenha preferiu, a céu aberto, «as frias punhaladas do silogismo». Dotado de um espírito prisioneiro da evidência, os seus raciocínios sucediam-se com precisão geométrica. Morreram, nas suas famosas intervenções nos plenários da Associação Académica de Coimbra, os últimos floreios ocos da oratória barroca.
Pensam talvez que exagero, mas quem viu perpassar no céu da sua admiração esse «cometa», sabe que respeito as proporções da verdade. Quando eu próprio entrei na Universidade, a três anos da sua formatura, Salgado Zenha era um ídolo da Academia do meu tempo. Quando, como primeiro candidato eleito, foi designado Presidente da Associação Académica, esse facto pouco acrescentou ao mito em que entretanto se tornara.
Mas foi sol de pouca dura. Rebelde ao espírito de corte, recusou-se a render preito ao ditador e foi demitido. Essa demissão, sim, acresceu a sua glória.
De admirador embasbacado, passei a amigo de aturados convívios. Era visita habitual da minha República, agora de todas as rebeldias. Discutia-se até altas horas, Zenha pontificava. À realidade triste de um País censurado, oprimido e travado por todos os medos, sobrepúnhamos nós a sedução das mais generosas utopias. E auto-gozávamos a exaltação de ter coragem.
Certo como o Natal em Dezembro, o nosso Chico Zenha chamava-nos à realidade. Ferver em entusiasmos suicidas de nada servia. O que era preciso era explorar as fraquezas do inimigo. Este dependia da ignorância generalizada que cientificamente ministrava. As nossas bazucas seriam a informação e a cultura. As munições os livros proibidos. E passou-se à formação dos monitores. Recebi e dei lições de formação política (e recebi-as dele, naturalmente)..De tempos a tempos, a PIDE, de tudo suspeitosa, atravessava a rua - estava instalada mesmo em frente da minha República - e vaculhava-nos os colchões. Lá se iam, a caminho da fogueira, o precioso Jorge Amado, o forte Leão de Cantuária, os missais do casal Webb e o mais que, em edição original ou policopiado, circulava de sede em sede.
Aluno brilhante, a Universidade esqueceu-se de ser isenta, recusando a Zenha o valor a mais que lhe teria aberto as portas de uma carreira académica. O regime temia-o, tanto quanto nós o admirávamos. E fazia-se mister tirá-lo do seio dos seus idólatras.
Fez o estágio em Lisboa, com outros rebeldes, os irmãos Palma Carlos, após o que abriu escritório e enfrentou o gelo temeroso do poder económico de então. O seu avassalador mérito profissional acabaria por quebrar o gelo. A golpes de audácia - nomeadamente, nos famigerados plenários criminais -, de saber e de talento, acabaria por somar tantas admirações profissionais como políticas.
Na campanha da candidatura do General Norton de Matos à presidência da República, pude revê-lo em Coim-

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