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Sábado, 15 de Janeiro de 1994

1 Série - Número 27

VI LEGISILATURA

V SESSÃO LEGISILATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE JANEIRO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque. José Mário Lemos Damião. José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

0 Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos, Em sessão de perguntas ao Governo, usaram da palavra, além dos Srs. Ministros da Saúde (Paulo Mento), do Ambiente e Recursos Naturais (Teresa Patrício, Gouveia), do Sr Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas (Luís Capoulas) e do Sr. Subsecretário da Cultura (Manuel Frexes os Srs. Deputados Luís Peixoto (PCP) João Rui.

de Almeida (PS), Macário Correia (PSD), Ferraz de Abreu (PS), António Bacelar (PSD) Jorge Paulo Cunha (PSD 15abel Castro (Os Verdes Mário Mactel (PSD), Alberto Cardoso e António Martinho (PS), Fernando Santos Pereira (PSD), Fernando Pereira Marques (PS), Ferreira Ramos (CDS-PP), José (PCP) e Ravara (PSD)
0 Sr Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo Gomes de Carvalho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.

anuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.

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Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Simão.
José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguei Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins. 15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda. João Cerveira Corregedor da Fonseca.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de reuniões de comissões.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, informa-se a Câmara de que está reunida a Comissão de Inquérito para averiguação do comportamento e das diligências do Ministério da Agricultura face à divulgação de eventuais irregularidades na utilização de fundos comunitários por parte da Cooperativa Agrícola de Torres Vedras e a Subcomissão do Ensino Superior.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a nossa ordem de trabalhos de hoje compreende uma sessão de, perguntas ao Governo, apresentadas nos termos regimentais, dirigidas aos Ministérios da Saúde, do Ambiente e Recursos Naturais, da Agricultura e à Secretaria de Estado da Cultura.
A primeira pergunta, formulada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, dirige-se ao Ministério da Saúde e diz respeito ao financiamento dos serviços de saúde.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Peixoto, para proceder à sua apresentação, gostaria de relembrar que o Deputado perguntante e o membro do

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Governo, na resposta, dispõem de três minutos cada, seguindo-se uma segunda pergunta ou um pedido de esclarecimento formulado pelo Deputado autor da iniciativa. Abre-se depois um período de perguntas, que pode durar até um máximo de 20 minutos, podendo qualquer Deputado usar da palavra por um minuto, para cada uma das suas perguntas. Por fim, o membro do Governo dispõe de 10 minutos para responder.
Sr. Deputado Luís Peixoto, tem a palavra.

0 Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, julgo que é a primeira vez, em absoluto, que está aqui nesta Assembleia e, por isso, antes de mais, uma saudação muito especial por esse facto.
Como constatou, não dispomos de muito tempo para discutir estas questões, pelo que passava, de imediato, ao seu tratamento.
0 Serviço Nacional de Saúde é hoje um conjunto desarticulado de unidades que se debatem com carências de toda a espécie: administrações incompetentes, com sub-utilização das capacidades material e humana; equipamentos degradados e desactualizados e constantes violações das normas de segurança.
Os trabalhadores da saúde são frequentemente lesados nos seus direitos e legítimos interesses; sentem a consciência profissional afectada por restrições impostas ao exercício das funções, descrença na legitimidade ou competência das chefias, impotência perante as manifestações diárias de descontentamento dos utentes e indignação perante as frequentes tentativas para os transformar em bodes expiatórios de faltas da exclusiva responsabilidade do Governo.
Podem apontar-se várias causas para esta situação. Uma delas é, sem dúvida, o rígido espírito economicista imposto pelo Governo às administrações, que conduziu a uma situação de falência financeira a que chegou a generalidade das instituições de saúde, com acumulações colossais de dívidas a fornecedores, faltas de stocks, cortes de crédito e dívidas em remunerações a trabalhadores.
Os utentes são as principais vítimas: vêem desaparecer regalias, comparticipação e próteses; vêem desaparecer unidades de saúde, valências em centros de saúde, SAPA e centros de saúde mental; não conseguem inscrever-se nos centros de saúde, sofrendo as agruras das listas de espera; tropeçam nas barreiras burocráticas e temem pela segurança social; hesitam em adquirir os medicamentos e até morrem antes de saber a qual serviço de urgência se devem dirigir.
Mas onde a redução dos direitos da população se exprime com maior crueza é no crescimento da percentagem do encargo financeiro individual para as despesas da saúde- lembre-se que em Portugal essa fatia é já a maior da Comunidade Europeia, 50 %.
Sr. Ministro, as perguntas que lhe quero pôr prendem-se exactamente com esta questão do financiamento e da situação económica vivida pelo Serviço Nacional de Saúde.
Assim, vejamos: é verdade que vai ser à custa do aumento da comparticipação dos utentes que se vai financiar o Serviço Nacional de Saúde? Como vai ser resolvido o actual problema, gravíssimo, de falência financeira a que chegou a generalidade das instituições de saúde neste momento?
Não concorda que, além da aplicação de uma rigorosa política fiscal, que irá exigir daqueles que mais posses têm uma maior comparticipação para os serviços de saúde, uma das medidas que se impõe é acabar com muitas gestões nomeadas apenas por compadrio político e que não têm condições para gerir algumas unidades de saúde?
Como evitará o Sr. Ministro, no sistema que pretende implementar, que o serviço público- em concorrência com o sector capitalista- continue sub-financiado, centralizado, burocratizado e de qualidade inferior, destinado apenas a camadas sociais desfavorecidas da população?
Por último, Sr. Ministro, gostaríamos de saber em que é que se distingue do seu antecessor, uma vez que tudo indica que pretende pôr em prática exactamente as questões que o anterior Ministro da Saúde planeou, nomeadamente a implementação do Serviço Nacional de Saúde, que tão criticada tem sido por todas as pessoas ligadas a esta área.
Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

0 Sr. Ministro da Saúde (Paulo Mendo): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, em primeiro lugar, gostava de apresentar os meus cumprimentos à Assembleia da República, nesta minha primeira passagem como Ministro da Saúde, e agradecer ao Sr. Deputado as perguntas que me formulou, permitindo uma reposta que, necessariamente, será baseada em pressupostos completamente diferentes dos seus.
0 Sr. Deputado apresentou uma visão mais ou menos catastrófica da situação portuguesa e, baseado nela, fez-me algumas perguntas. Evidentemente que vou responder, mas não considero a situação portuguesa, de modo algum, catastrófica, pelo contrário.
Considero que - e sou profissional de saúde há muitos anos - nos aproximamos, cada vez mais, de uma medicina e de uns serviços de saúde modernos e eficazes, que, precisamente pela sua eficácia e pelo aumento dessa eficácia, geram necessidades acrescidas e, eventualmente, situações de défice. Estou não só disposto a admiti-as como a senti-las, além de as ter já denunciado muitas vezes.
0 problema que se coloca em relação à saúde, como Sr. Deputado sabe, é gravíssimo e passa-se em todo mundo em que a saúde atinge já valores de volume financeiro superiores ao do mercado do petróleo. Trata-se de uma área que envolve, actualmente, uma tecnologia que usa, cada vez mais, equipamentos sofisticados - surgem, cada vez mais, moléculas terapêuticas mais eficazes e mais caras.
Esta revolução tecnológica, chamemos-lhe assim, teve um avanço espectacular a partir de meados dos anos 80, tendo-se tudo isso reflectido em todos os serviços e sistemas de saúde numa generalizada preocupação de controlo dos custos.
0 controlo dos custos não tem nada a ver com política economicista mas, sim, com a racionalização do sistema. E é em relação a essa forma de racionalizar o sistema - e à maneira de o dirigir, de tal modo que ele seja cada vez mais eficaz - que se tem dirigido e vão dirigir, necessariamente, todos os esforços do Governo.
Em Portugal, como o Sr. Deputado sabe, consagramos aos serviços públicos de saúde 4 % do nosso PIB, o que dá qualquer coisa como 700 milhões de contos, ou seja, cerca de 70 contos per capita por ano para esses

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serviços. Também sabe que um simples internamento num hospital central custa, actualmente, certa de 400 contos, o que significa, mais ou menos, aquilo que o imposto consagra para perto de seis portugueses; que um simples programa, que vamos agora iniciar, de vacinação anti-hepatite-B em todas as crianças, dos onze aos treze anos de idade, significa 3000$0 por cada criança - são 450 mil -, ou seja, envolve custos no valor de 1,2 milhões de contos.
Estes são os valores com que diariamente lidamos em relação à instituição de uma política de saúde num país. E em relação a isto, ao contrário do diagnóstico catastrófico do Sr. Deputado, julgo - tenho-o dito e gostava também de o afirmar aqui - que os profissionais de saúde que trabalham nos serviços públicos portugueses dão ao País um exemplo de eficácia.
Não tenho qualquer dúvida de que, com o orçamento que temos, os profissionais que trabalham no Ministério da Saúde e que conseguem que este país tenha os índices sanitários dos melhores do mundo são obrigatoriamente, e têm de ser, objecto da nossa admiração e, naturalmente, pode fazer-se sobre eles o diagnóstico de que conseguem, em termos de custos/benefícios, qualquer nível que temos de considerar que está acima da excelência - aliás, por vezes até digo que parece milagre aquilo que se pode fazer com tão pouco dinheiro!...
Portanto, a situação não é, de modo algum, catastrófica, pelo contrário, o que significa, quanto a mim, é que quer por imposição tecnológica, quer por imposição do estado da arte, chamemos-lhe assim, quer pelo merecimento de todos os serviços de saúde portugueses, temos de encontrar outras formas de financiamento da saúde e dentro delas, é evidente, temos de ter uma enorme vigilância sobre as nossas despesas, sobre os nossos desperdícios e temos de ter e racionalizar, obrigatoriamente, o nosso comportamento.
Por outro lado, não podemos ter medo da palavra economicista, que não tem qualquer significado em gestão, e temos de atender a que os nossos doentes merecem e justificam, obrigatoriamente, serviços de saúde cada vez melhores, aumentando o financiamento e a justiça social.
Assim, é um facto que defendemos que o Estado seja o garante de toda a população que não pode pagar, mas que toda a restante população, por uma razão de solidariedade, por uma razão de modernidade e de estrutura da sociedade portuguesa tem o dever de comparticipar e o de, em relação aos serviços de saúde, fazer algum sacrifício.
15to, dizem VV. Ex.ª e ainda ontem o li -, é, fazer com que haja portugueses de "primeira" e de "segunda". Sim, eu considero que há portugueses de "primeira" e de "segunda", mas que os portugueses de "primeira" são, para mim, os que mais precisam e os doentes.

Aplausos.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

0 Sr. Luís Peixoto (PCP):'- Sr. Ministro, também creio que a situação da saúde em Portugal não é catastrófica, mas para lá se caminha!... No entanto, isso não se deve à política do Governo mas, sim, à boa vontade dos profissionais - o Sr. Ministro sabe isso muito bem - que, contra tudo e contra todos, exercem com muita dignidade a sua profissão.
Portanto, não é a política do Governo que conduz a que a situação se encontre como está, porque no dia em que os profissionais baixarem os braços, desiludidos como muitos começam a estar, de certeza que a situação vai ser muito mais grave do que é neste momento.
0 Sr. Ministro disse que o Estado tem de garantir cuidados de saúde à população que não os pode pagar, e aqui é que está a questão fundamental. Nós entendemos que, a pôr em prática esta política, essa saúde, que se vai garantir àquela população que não pode, vai ser uma saúde de segunda e com muito menos qualidade, porque, é óbvio, os profissionais passarão todos, com armas e bagagens, para o sector privado, para o sector do lucro, para aquele sector que noutros países, como, por exemplo, nos Estados Unidos da América, levou à ruína do sistema de saúde - aliás, é por isso que hoje se tenta inverter a situação, curiosamente, saindo daquilo para onde Portugal pretende caminhar.
De facto, o Sr. Ministro admite que é preciso financiar mais a saúde - nisso estamos todos de acordo -, fixa-se nos 4 % do PIB, que o Estado passa para o Serviço Nacional de Saúde, esquecendo que em Portugal quase outro tanto já é pago pela iniciativa privada e pelos utentes, sendo Portugal o país onde os utentes mais pagam, e apontando como única solução o facto de os utentes terem de gerir o seu dinheiro, conhecer as suas economias e usá-las quando precisarem de tratar da sua saúde.
Ora, isto não pode ser assim, porque vai conduzir, de certeza absoluta, a que os serviços que o Sr. Ministro vai disponibilizar para aqueles que não podem serão, como antigamente, os hospitais dos pobrezinhos, os hospitais da Mitra, etc.
Não podemos pôr em risco esta questão. E mais Sr. Ministro: julgo que o estatuto do Serviço Nacional de Saúde não serve, principalmente porque não foi discutido com os profissionais, pelo que nunca irá funcionar.
Sr. Ministro, mais uma vez lhe pergunto: vai ou não discutir o estatuto com os profissionais de saúde? Vai ou não arrepiar caminho?

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

0 Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Ministro, em primeiro lugar, gostaria de cumprimentá-lo.
0 Sr. Ministro disse-nos aqui e ao país uma coisa extremamente importante: é que o Governo e o senhor querem acabar com o Serviço Nacional de Saúde, universal, geral e tendencialmente gratuito. Bom, até agora nunca ninguém tinha tido a coragem de o fazer, mas o senhor, pelo menos, teve essa coragem e os Portugueses ficaram a saber que este Governo e este Ministro querem acabar com o Serviço Nacional de Saúde.
Mas o mais grave, no meu entender, é que o Sr. Ministro quer acabar com o Serviço Nacional de Saúde mas não sabe como, porque não respondeu concretamente à pergunta que lhe foi feita no sentido de saber quais eram as outras formas de financiamento, dizendo apenas que a população deve comparticipar. Bom, mas há muitas formas de comparticipar, portanto não ficámos esclarecidos nesta matéria.

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De qualquer forma, o Sr. Ministro quer criar um modelo de saúde em Portugal em que os portugueses passam a pagar propinas para a saúde e que, como disse, será gratuito para a camada de portugueses com menos posses, enquanto que a classe média e a de maiores posses passará a ter de pagar para a saúde.
Então, e a Constituição, Sr. Ministro? É que o Sr. Ministro pode querer acabar com o Serviço Nacional de Saúde, mas o senhor não tem poderes, nem o próprio Governo, nem a actual maioria do PSD, para retirar da Constituição este conceito de que os portugueses têm direito a um Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

0 Sr. Macário Correia (PSD): - Em primeiro lugar, quero começar por saudar o Sr. Ministro da Saúde nesta sua estreia no Hemiciclo e aproveito a circunstância para tecer alguns comentários e pedir-lhe um esclarecimento relativamente à questão levantada pelo Sr. Deputado Luís Peixoto.
Ouvi com muita atenção a pergunta formulada, todavia fiquei com uma dificuldade considerável relativamente à qual peço ao Sr. Ministro ajuda para tentar esclarecer.
Tenho imenso respeito por todos os que trabalham, e entre os quais se contam, evidentemente, alguns, ainda!, militantes do PCP, no Serviço Nacional de Saúde, pela sua eficácia e dedicação, mas aquilo que não consigo vislumbrar na exposição feita é se o PCP nos últimos 10 anos propôs politicamente alguma coisa de novo e se apresentou alguma sugestão concreta e positiva para mudar, para melhor, a política de saúde em Portugal.
Há, de facto, um discurso clássico, repetitivo, a cassete, anos após anos, de maneira que pergunto ao Sr. Ministro, como profundamente conhecedor das
que questões da saúde em Portugal, se vislumbrou algo de novo na questão apresentada pelo PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Em primeiro lugar, saúdo o Sr. Ministro.
Sr. Ministro, para si os inimigos, as causas do mau funcionamento do Serviço Nacional de Saúde são a gratuitidade e a obrigação do Estado como garante da prestação dos cuidados de saúde a todos os cidadãos.
Assim, pergunto-lhe até que ponto é que culpa os sucessivos orçamentos insuficientes que tem havido para a saúde e a má gestão desses parcos recursos, dada a partidarização dos órgãos de gestão, preenchidos, na grande maioria dos casos, por pessoas exclusivamente escolhidos pela sua filiação partidária e não pela sua competência e experiência.
Por outro lado, Sr. Ministro, está convencido de que os ricos vão pagar - já ouvimos diversas vezes "os ricos que paguem! - para que os menos desfavorecidos tenham mais benefícios? Alguma vez viu algum rico, às seis ou sete horas da manhã, nas filas dos centros de saúde para "conquistar" uma consulta? Alguma vez viu um rico a inscrever-se na lista de espera para ser internado nos hospitais?
Portanto, tem ou não consciência de que quem vai pagar é a classe média, que vai continuar a ser espoliada - apesar de ser já muito - através de uma fiscalidade terrivelmente injusta?

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para formular a sua pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

0 Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Ministro da Saúde, tenho o privilégio de o conhecer há longos anos, pois trabalhei no hospital onde V. Ex.ª era director. Aproveito, pois, esta oportunidade para o cumprimentar pela sua primeira intervenção na Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ainda ontem o Sr. Deputado Luís Peixoto, pessoa que muito estimo e prezo, proferiu aqui uma intervenção tendo afirmado que "mudam os ministros, mas continuam as políticas".
Sr. Deputado Luís Peixoto, não tenho que me intrometer na vida interna do Partido Comunista Português, mas, nessa altura, não resisti a perguntar-lhe por que é que, mudando o Secretário-Geral do PCP, este continua a ser o mesmo PCP e os seus militantes continuam a ser comunistas. 0 Sr. Deputado respondeu-me que assim era porque, como a política que desenvolviam era correcta, achavam que não havia necessidade de mudar.
Como ontem não tive oportunidade de lhe responder, faço minha a sua resposta.

0 Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

0 Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Posso dar-lhe a mesma resposta, só com uma diferença: é que a política que estamos a seguir foi sufragada por 52 % dos portugueses.
Sr. Ministro, dado haver uma certa confusão - e isso tem sido notado nesta Câmara -, gostaria de saber o que entende como "serviço tendencialmente gratuito"?

0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Boa pergunta!

0 Orador: - É exactamente para poder esclarecer o PS, que eu faço esta pergunta.

0 Sr. Presidente: - Para formular a sua pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha.

0 Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Sr. Ministro, saúdo-o também nesta sua primeira vinda ao Hemiciclo.
Gostaria de colocar-lhe duas questões.
A primeira tem a ver com o papel que os subsistemas devem ter na questão do financiamento do sistema de saúde. E, por mais que custe à oposição e a quem está no poder, sabemos que os custos das novas tecnologias, da procura de novos exames, da natural exigência de quem tem acesso a esses cuidados, têm necessariamente de encontrar outro cabimento que não só no Orçamento do Estado e nos impostos.
Parece-me ser um debate com toda a razão de ser, com sentido de Estado, não com aquelas provocaçõezinhas da questão das propinas para a saúde, porque o problema do seu financiamento é também uma área muito séria.
A segunda tem a ver com a questão dos ganhos de produtividade. É evidente que também temos de ter

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atenção às despesas e às receitas, mas de que forma é que entende que os hospitais e os conselhos de gerência podem ser também mais exigentes na sua actividade em termos desses ganhos de produtividade?

0 Sr. Presidente:- Para responder, no tempo regimental de 10 minutos, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

0 Sr. Ministro da Saúde:- Srs. Deputados, tendo em conta todas as perguntas que me foram feitas, gostaria de responder desde já definitivamente a uma que me tem sido formulada desde que assumi estas funções, ou seja, se há alguma diferença entre mim e o meu antecessor.
Primeiro que tudo, gostaria de prestar ao meu antecessor as minhas homenagens e dizer, mais uma vez, que o Programa do Governo foi apresentado e sufragado por esta Casa, que aceitei o lugar de Ministro da Saúde porque concordo com esse Programa e não para vir fazer um programa contra o que está devidamente estabelecido e consignado em tudo aquilo que significa uma sociedade democrática. Nesse sentido, venho, provavelmente com as diferenças que caracterizam duas personalidades, continuar a política do meu antecessor, com muito gosto e, também, com todo o entusiasmo.
As diferenças estão na mera diferença de personalidade e, eventualmente, de prioridades na execução e na condução da mesma política e objectivos.
Julgo estarmos de acordo- quero acentuar bem esta questão, porque me parece que podemos cair numa forma de discussão que pouco tem a ver com a realidade - em que a saúde precisa de ser melhor financiada e administrada. Garanto que tudo farei nesse sentido.
Em relação às acusações que fazem pela forma como está a ser administrada a saúde, aceito todas as críticas que possam fazer no sentido de me darem, inclusive, informação e capacidade para as melhorar. É evidente que um serviço incorrectamente gerido não pode tapar as suas deficiências com aumentos sucessivos de orçamento. Não é disso que se trata. Está perfeitamente demonstrado - e por isso já o disse - que, em termos macro-económicos, este sistema produz trabalhos em relação aos quais os custos de benefícios podem ser considerados excelentes.
É evidente que devemos melhorar a gestão, é evidente que podemos, em muitos sítios, racionalizar os comportamentos, evitar desperdícios, mas, de um modo geral, não são esses desperdícios, não vai ser essa nova forma de gerir que vai poder suprir inteiramente uma deficiência estrutural de financiamento.
0 problema está onde ir buscar o financiamento para a saúde. Sinceramente, não conheço nenhuma outra fonte que não seja a própria sociedade portuguesa. Infelizmente, não temos, nem o Governo nem ninguém tem, um tesouro fora daquilo que é a riqueza própria do cidadão português. É a ele, obrigatoriamente, e é a nós como seus representantes, que compete definir a maneira como nos vamos financiar.
E há apenas duas maneiras: aumentando os impostos ou, então, fazendo com que o utilizador pague uma parte do que necessita, sem haver nenhuma modificação dos serviços de saúde no sentido de passarem a ser uns para quem paga e outros para quem não paga. Pelo contrário, tenho sempre anunciado- e gostaria de o frisar aqui mais uma vez- que um dos meus objectivos é fazer com que o cidadão português possa transportar consigo os seus próprios direitos e possa escolher
prestador, rigorosamente, com os mesmos direitos, não lhe sendo perguntado se é pobre ou rico, dizendo-se-lhe quais são os seus direitos e podendo cada um administrá-los como quiser. Este seria, e é, um dos meus objectivos.
Srs. Deputados, julgo que, nesta minha introdução, estou já a dar algumas respostas às vossas questões.
Em relação ao magno problema do financiamento é, pois, esta a nossa posição política, a minha posição política, a posição política da maioria, a que já está expressa na Lei de Bases de Saúde e no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, ou seja, a de que o cidadão pagará de acordo com as suas possibilidades. Para tal não será necessário alterar a Constituição, se à Constituição for dada a interpretação de que, precisamente, ela não refere serviços "generalizadamente gratuitos" mas "tendencialmente gratuitos". E quem me dera pô-los já gratuitos para 50 % da população - significa que uma parte imediata estará a ser cumprida, ou seja, a de 40 % ou 50 % da população não pagar. Resta ver quais são as possibilidades do País.
Mas Sr. Deputado, não tenho, em relação à Constituição, nenhuma forma de subserviência atávica, considerando que aquilo há-de ser o meu talismã em que não posso tocar durante toda a minha vida política.
É evidente que as constituições se mudam. Compete a VV. Ex.ª encarar essa possibilidade, e é por isso que periodicamente esta Câmara se debruça sobre o articulado constitucional e é capaz de o mudar. Se este tipo de financiamento for aceite, não tenho dúvida de que, para bem do povo português, VV. Ex.- haverão de encontrar maneira de mudar a Constituição e a tornar consentânea com as necessidades do povo português.
Quero ainda responder à pergunta do Sr. Deputado Macário Correia no sentido de saber se há algo de novo na apresentação do Partido Comunista. Julgo que não. É isso que faz diferir, naturalmente, as concepções políticas de um e outro grupos. Não tenho absolutamente nada a objectar. Longe de mim está a ideia de mudar as vossas convicções, como provavelmente estará longe de VV. Ex.ªs a ideia de mudar as minhas.
Sei que o vosso programa de serviço nacional de saúde não é igual ao meu. Ao contrário de um serviço nacional de saúde, defendo um sistema nacional de saúde do qual faça parte um serviço nacional de saúde, que não pretendo nem tentacular nem monopolista, mas concebido como um serviço que dê espaço a toda uma série de outras iniciativas, que ainda há pouco foram referidas pelo Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha, e que respeitam aos sub-sistemas das áreas seguradoras e dos sectores privados. Temos de criar um ambiente natural propício a que todas essas iniciativas contribuam para que os serviços de saúde se diversifiquem e sejam capazes de colaborar entre si, de estabelecer convénios, de competir.
Não aceito nem nunca aceitei um serviço nacional de saúde mono-color preenchendo totalmente o espaço social português e criando o que em princípio seria a sua tendência, ou seja, um sistema que se auto-financia, se auto-avalia, se administra e se encerra na sua própria legislação interna, sem se abrir nem à competição, nem à crítica, nem, sobretudo e fundamentalmente, à colaboração com os outros sistemas. É isto o que penso fazer como Ministro da Saúde.
Direi que estamos actualmente com uma situação orçamental que já permitiu que no ano passado não aumentasse o défice.

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0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Esse orçamento permitiu o aumento das dívidas!

0 Orador: - Não, Sr. Deputado. 0 que precisamente acabei de dizer foi que o orçamento para 1993 permitiu que o défice não tenha aumentado.
0 que se passa é que, como já referi, qualquer estrutura que está a evoluir e a modernizar-se gera, naturalmente, défice. Vamos tratar esse défice, durante este ano, de uma forma isolada em relação ao próprio orçamento de manutenção, de modo a sermos capazes de fazer uma gestão sem ter o peso de um défice a interferir na gestão diária.
Queremos, por outro lado, ver se durante este ano conseguimos fazer com que se abra de uma forma espectacular a forma de colaboração entre o Serviço Nacional de Saúde e as entidades privadas. Aqui está outro campo onde, como é evidente, teremos toda a oposição do Partido Comunista. Espero que pelo menos da parte do Partido Socialista não haja essa oposição. A verdade é que muitas pessoas do campo socialista com que tenho falado costumam dizer-me, pelo menos fora desta área, que estão de acordo com este tipo de política.
Termino referindo que esta opção, além de ser uma opção política muito clara que tenho tomado desde há muito tempo, é também a opção do Governo e, obrigatoriamente, por ser opção do Governo, a causa fundamental de ter aceite o lugar em que estou. Não sou eu que estou a impor esta política, mas o Governo que já a tem traçada. Será esta a política que irá ser defendida pelo meu Ministério.
Estarei sempre pronto a comparecer nesta Assembleia para prestar contas de tudo o que acharem que devo prestar. Espero da parte de todos os Srs. Deputados não só uma compreensão para a política que irei desenvolver, como também uma lucidez crítica sobre tudo o que farei, porque sempre gostei do diálogo e considero ser essa a melhor forma, provavelmente de correcção permanente, com que poderei desenvolver a política que pretendo seguir.
Sei perfeitamente que essa não é a opção política de muitos grupos parlamentares. Não quero convencer VV. Ex.ªs a mudarem a vossa forma de pensarem, mas desejo convencê-los da bondade da política que irei desenvolver na área da saúde do meu país.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da consideração em relação a afirmações do Sr. Deputado Macário Correia, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

0 Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Macário Correia, julgo que V. Ex.º deveria mudar a cassette, essa sua cassette que muitas vezes o leva a esse espírito de provocação e não lhe permite discernir aquilo que é essencial.
Permita-me que lhe diga que, como Presidente da Comissão de Saúde, deveria estar mais atento. Ainda ontem, nesta Assembleia, apresentei, em nome do meu partido, as linhas-mestras das propostas que fazemos. 0 meu partido tem discutido, está preocupado com o problema da saúde em Portugal e tem apresentado propostas.
Ainda recentemente, fruto de uma grande discussão no seio do partido, surgiu um documento que também pensamos debater com outras forças políticas e no qual são apontadas as questões principais para a reforma democrática dos serviços da saúde. Nele preconizamos- permita-me que lho repita para pelo menos tomar conhecimento disso, uma vez que diz que o meu partido não apresenta propostas - a desgovernamentalização, a descentralização, a autonomia e o financiamento suficiente do Serviço Nacional de Saúde. Pergunte ao Sr. Ministro se ele também não concorda com isto.
Defendemos a promoção da eficácia do Serviço Nacional de Saúde. Se o Sr. Deputado estivesse mais atento, estaria com certeza preocupado com estas questões.
Propomos uma gestão democrática e participada. Propomos ainda a avaliação da qualidade em saúde e também a humanização dos serviços de saúde.
Apresentamos questões concretas para pôr em prática esta política.
Sr. Deputado Macário Correia, contrariamente aqui]o que V. Ex., disse ainda há relativamente pouco tempo - e que demonstra uma falta de atenção que o leva muitas vezes a fazer a figura que fez - permita-me que o lembre que em relação à necessidade de vacinação contra a hepatite - B, hoje, poucos meses depois, é o próprio Governo que admite - e nós também - que é muito importante que toda a juventude e todos os cidadãos sejam vacinados.
Assim, seja mais atento, preocupe-se mais com a cassete de provocação que traz constantemente consigo, pois evitará mais a figura que fez quando abordou estas questões.
Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

0 Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, de facto, assistiu-se aqui à utilização por parte de alguns Deputados, o que já é habitual - , de uma figura regimental que muitas vezes não tem a ver com a questão de fundo.
Julgo que talvez tenha sido esta a circunstância que levou o Deputado Luís Peixoto a pedir para usar da palavra. Mas, já agora, e regimentalmente, tenho direito a apresentar aqui as minhas explicações. Elas são simples e são três.
Em primeiro lugar, em relação à hepatite - B, o que defendi há um ano atrás é o mesmo que defendo hoje, isto é, que, a haver vacinação, ela seja por razões técnicas claras e precisas para grupo de risco e não generalizadamente, por interesse de qualquer laboratório ou de qualquer grupo de médicos, como, às vezes, parece que alguns desejam.
Em segundo lugar, a cassete do PCP é a mesma - e isso comprovou-se aqui -. porque quando algum deixa de tocar a cassete, quando algum desafina do coro, é metido na rua, passa para a bancada ao lado, onde está o Deputado José Magalhães, para onde virá um dia o novo Presidente da Câmara de Cascais, ao não conseguir ser reeleito, para onde virão vários outros quando desafinarem da cassete.

Protestos do PS.

Por último, Sr. Deputado Luís Peixoto, se alguém está desatento não sou eu mas sim o colega. E sabe porquê? É que ainda há dias o ideólogo do PS para as

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questões da economia, o "grande" Professor Daniel Bessa, dizia que importava desfazer rapidamente o equívoco da saúde, que tinha de passar a ser gerida pela economia de mercado e que a questão da gratuitidade tinha de ser esclarecida de uma vez por todas. 0 colega está distraído, não reparou nisso e não aproveitou para esclarecer o PS de que a economia de mercado já chegou. Portanto, é preciso ter outra visão para resolver estas questões, mas não a do PCP, que é a visão estatizante da cassete em que nada muda.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

0 Sr. João Rui de Almeida (PS): - 0 Sr. Deputado Macário Correia referiu-se impropriamente, e de uma forma indigna, à bancada do PS, tendo-o feito de uma forma que nos chocou a todos. Por isso, Sr. Deputado, a baixeza e o nível que colocou nas suas palavras levam-me apenas a dizer o seguinte: tenha tino e educação.

Vozes do PS- - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

0 Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, não compreendi! Desta vez não compreendi, apesar de ter estado com atenção! No entanto, vou fazer um esforço para dar as explicações que a Câmara merece.
Pensava que em matéria de política económica houvesse alguém na bancada do PS que fosse capaz, aqui no Parlamento, de explicar as ideias, as propostas e as medidas do Professor Daniel Bessa. Estranhamente, ninguém da área económica ergue aqui a voz para defender essas ideias, sinal de que elas são incómodas. Ele escreve sem pedir autorização à direcção da bancada e à direcção do partido e, de um momento para outro, cria embaraços, dificuldades e situações que ninguém pode vir aqui defender com convicção. E tem de ser alguém que, lateralmente, invocando uma inexistente atitude incorrecta de algum outro Deputado, dá sinal de existência. 15to é algo que me preocupa. Preocupa-me profundamente que o PS chegue a isto!
Que muitas pessoas descontentes do PCP se tenham acolhido no PS compreendo. Também compreendo que isso crie dificuldades de coesão do discurso, mas tanto também não! Temos de ter alguma paciência e esperar que este "caldeirão" tenha outro contexto de modo a que as coisas tenham mais qualidade para que este tipo de circunstâncias não se verifique, para que as ideias do PS sejam claras, concisas e precisas. Nessa altura talvez saibamos o que pensa o PS em matéria de saúde, o que pensa o PS em matéria de economia e se o PS vai ou não ao congresso "Portugal: que futuro?".

Protestos do PS.

É que ainda não sabemos se o PS vai ou não ao congresso. A questão da saúde é uma questão vital para o congresso e ainda não se sabe se o PS vai ou não! E é isso que tem de ficar aqui esclarecido.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário para dar conta à Câmara das escolas que hoje nos visitam.

0 Sr. Secretário (Belarmino Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontram-se a assistir a esta sessão um grupo de 47 alunos do Colégio Marista, de Carcavelos, um grupo de 82 alunos da Escola Técnica e Liceal Salesianos, de Santo António do Estoril, e um grupo de 80 alunos da Escola Primária n.º 1, de Carnaxide.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para formular a segunda pergunta, que é dirigida ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, tem a palavra a Sr a Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.2 Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: É nosso entendimento, e penso que é consensual, que a cooperação entre os países é particularmente importante quando estes partilham uma identidade cultural, histórica, geográfica e social muito grande como é o caso de Portugal e Espanha.
Com isto, o que queremos dizer é que atribuímos a maior importância à cimeira realizada em Dezembro pelos dois países ibéricos. Nós atribuímos grande importância a esta cimeira, mas, curiosamente, e sendo ela tão relevante para ambos os países, pouco se soube sobre o conteúdo das questões que estiveram em agenda. A comunicação social foi sóbria naquilo que disse mas, de qualquer modo, as questões ambientais estiveram na agenda pois a Sr. Ministra fez parte da equipa levada pelo Sr. Primeiro-Ministro. No entanto, sabemos, e tão só pela comunicação social, que questões que têm merecido a nossa atenção ao longo de todo o ano parlamentar estiveram em agenda.
Referimo-nos, concretamente, ao plano hidrológico espanhol e a questões que se prendem com o nuclear. 0 plano hidrológico espanhol, como é do conhecimento desta Câmara, mereceu toda atenção do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes no ano transacto - em 19 de Janeiro de 93 fizemos um requerimento sobre esta matéria, em 28 de Janeiro apresentámos um projecto de deliberação para que fosse discutido no Parlamento, em Maio tivemos uma iniciativa parlamentar no sentido do acompanhamento dessa questão - pois 40 % das águas de superfície que correm no nosso país têm origem no território espanhol. No entanto, e apesar de conhecermos alguma coisa sobre esta matéria (através da comunicação social e do que nos vem de Espanha sobre esta matéria), a questão tem sido pouco abordada por parte do Governo.
Aliás, também as questões de segurança nuclear foram objecto da nossa vontade de acompanhamento. Entre essas, permito-me salientar a questão do cemitério nuclear que tinha sido projectado, no âmbito do terceiro plano nacional espanhol de resíduos, para Sayago; questões que se prendem com o funcionamento de uma fábrica de enriquecimento de urânio não longe da fronteira portuguesa; problemas relacionados com a possibilidade de utilização dos fundos marinhos para resíduos nucleares numa área que afecta os dois países e questões que se prendem com a segurança das centrais nucleares espanholas.
Como estas são questões que mereceram atenção por parte de Os Verdes durante todo o ano e que não obtiveram resposta eficaz por parte deste Parlamento gostaríamos que a Sr a Ministra, já que antes da cimeira nós, parlamentares portugueses, não tivemos opor-

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tunidade, nem de conhecer a sua agenda, nem posteriormente de obter qualquer informação, que nos esclarecesse, fundamentalmente em torno das questões ambientais, sobre quais os assuntos tratados e o que é que se preconiza em relação a tudo isto?

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente.

A Sr.ª Ministra do Ambiente (Teresa Patrício Gouveia): - Sr.ª Deputada, agradeço que me tenha feito esta pergunta porque, na realidade, aquilo que foi acordado durante a cimeira luso-espanhola, penso eu, foi extremamente relevante e positivo para a cooperação entre os dois Estados, cuja importância também me parece ser grande, tal como referiu no início da sua intervenção.
0 que me parece mais relevante das conclusões da cimeira, foi justamente o facto de colocar a questão da cooperação ambiental, nomeadamente da cooperação em matéria de gestão de recursos hídricos, no plano que a importância desta cooperação exige, ou seja, no piano político mais elevado, através da criação de um grupo de trabalho que será presidido pelos Ministros responsáveis de ambos os países para tratarem desta questão.
Penso que até agora, justamente, essa era uma grande parte do problema e, até agora também, reconheço que da parte espanhola não teria havido uma grande abertura para colocar a questão neste pé institucional. Assim, se me perguntar quais foram as conclusões da cimeira, sem prejuízo de poder expandir um pouco mais de informação circunstanciada sobre outros aspectos tratados e sobre os pormenores desta mesma questão, parece-me que o aspecto mais relevante foi recolocar no novo plano institucional o relacionamento entre os dois países para tratar destas matérias especificamente.
Como lhe digo, foi criado um grupo de trabalho ao mais alto nível político a quem, segundo as conclusões da cimeira, incumbirá analisar a problemática da gestão do recurso água e do controlo da sua qualidade, quantidade e prevenção de inundações num plano que, até agora, também não tinha sido tratado. E não só no plano institucional. Também no plano qualitativo destas matérias, as fórmulas existentes eram fórmulas datadas, resultavam de convénios que tinham sido celebrados há mais de 30 anos e, segundo esses próprios convénios, o objectivo da cooperação resumia-se aos troços internacionais dos rios comuns e, por outro lado, as matérias centravam-se apenas em questões de natureza energética e hidroeléctrica. Entre 1960 e hoje a natureza dos problemas é bem diversa e é justamente a actualização dessas matérias que será também objecto do grupo de trabalho criado.
Para além do tratamento da gestão da água, o grupo de terá como incumbência preparar os de um novo convénio e actualizar os termos diplomáticos do relacionamento entre Portugal e Espanha nestas matérias.
Por outro lado, o objectivo do grupo de trabalho que foi criado e da cooperação entre Portugal e Espanha nesta matéria será o de coordenar os respectivos planeamentos por bacia hidrográfica. Também aqui ' existe inovação do ponto de vista dos princípios. Pela primeira vez os dois países acordaram - aliás, até porque em ambos existe já consagrado o princípio do planeamento por bacias hidrográficas, que em Portugal foi estabelecido por legislação aprovada já no ano passado e cuja publicação se espera para breve - na colaboração em matéria de planeamento dos comuns, através da articulação desse próprio planeamento.
Durante a cimeira luso-espanhola, e, para além deste aspecto das questões hidrológicos e da gestão de recursos hídricos, que me pareceu crucial - por isso também a comunicação social lhe deu maior relevo, embora não tenha atendido ao pormenor porque na cimeira trataram-se outras matérias, para além das questões do ambiente -, houve igualmente troca de intenções e impressões relativamente à cooperação em matéria da conservação da natureza. Os dois países reconheceram ser um objectivo comum o estabelecimento de áreas protegidas transfronteiriças, reafirmando o seu empenho no estudo de determinadas zonas, nomeadamente do rio Minho, o Parque Nacional da Peneda-Gerês e a sua correspondente espanhola e a questão do Douro e do Tejo internacional. Foram aspectos que ambos os países consideraram relevantes e a classificação simultânea destas áreas pareceu também consensual.
Sr.ª Deputada, penso que esgotei o meu tempo, pelo que, talvez, através de outras perguntas, possa continuar a esclarecê-la quanto ao que me perguntou.

0 Sr. Presidente: - Muito bem, Sr.ª Ministra.

Aplausos do PSD.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro para fazer outras perguntas, se assim o entender.

A Sr a 15abel Castro (Os Verdes): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr.ª Ministra, penso que a sua resposta nos situa um pouco no âmbito da resposta dada ao requerimento que fiz em 19 de Janeiro passado, relativamente ao modo como a questão do plano hidrológico espanhol foi abordado com Espanha. Efectivamente, o meu requerimento apontava para uma certa ligeireza no acompanhamento dessa questão, se tivermos em conta que desde 1985 o governo espanhol tem um plano de revisão da água.
Por outro lado, sendo, de facto, a questão do plano hidrológico espanhol, como se constata pela sua resposta, tão importante quanto nós sempre a entendemos, penso que o problema, neste momento, não se coloca tanto em relação à existência só de um grupo de trabalho, nem a princípios genéricos.
Fala-se, e tem de se falar, penso eu, de propriedade da água. Tem de se falar, isso sim, de uma coisa em relação à qual gostaria que a Sr.ª Ministra concretamente nos respondesse: existe ou não estudo de impacte ambiental relativamente aos efeitos resultantes da alteração dos caudais nos três rios que vão ser afectados? Gostava de ter uma resposta clara, porque até este momento não nos foi dada.
A questão que se coloca, e a constatação óbvia, até pela sua própria resposta, é que todo o trabalho do Grupo Parlamentar Os Verdes e todas as iniciativas que empreendeu ao longo do ano foram pertinentes, tinham relevância. Daí que não entendamos a razão pela qual o PSD tenha obstaculizado e, no Plenário, tenha ridicularizado as nossas propostas dizendo que não tinham pertinência e que o plano hidrológico espanhol era uma questão que não tinha de ser debatida pela Assembleia.
Aliás, penso que esta questão nos coloca o problema de saber qual é o papel da Assembleia da Repúbli-

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ca em tudo isto. Ou seja, como é que os Deputados eleitos pela Nação exercem o seu poder, o seu mandato e cumprem as suas obrigações constitucionais, se não lhes são dadas possibilidades de acesso à informação e se lhes é negado o acompanhamento de questões que não são menores, mas de importância nacional? Pelo que esta é também a questão que se coloca em torno desta cimeira.
Não somos meros espectadores daquilo que se passa lá fora. A Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, como sabe, segunda-feira vai fazer um debate sobre esta matéria. Nós, com o Sr. Provedor de Justiça, tivemos oportunidade, numa reunião, de discutir esta questão. Nessa reunião soubemos que o Sr. Provedor de Justiça e a Sr a Provedora espanhola têm esta questão em agenda. Vê-se assim que toda a gente a discute, excepção feita aos Deputados portugueses, que por vontade da maioria o não podem fazer porque o PSD de facto obstaculizou a que a Assembleia fizesse esse grande debate, pois é de um grande debate que se trata.
Já agora, e porque não tivemos oportunidade também de ter resposta a outras questões e não fomos ouvidos relativamente à agenda...

0 Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
... há algumas questões que gostaria de ver mais concretizadas.
A Sr., Ministra falou das áreas protegidas transfronteiriças. Colocam-se problemas relativos quer ao Parque Peneda-Gerês, quer em relação ao Parque de Montesinho, pelo que sobre eles pedimos uma informação detalhada.
Pergunto também se abordaram, ou não, a questão da floresta mediterrânica afecta aos dois países, que é um assunto importante.
0 que é que foi dito sobre a protecção das águas internacionais? Foi abordada a problemática do trânsito de barcos nas águas dos dois países?
Em relação ao nuclear, insisto na pergunta que há três meses fiz, através de um requerimento ao Governo, sobre a inspecção feita nas centrais nucleares de Asco e Almaraz, de que não obtive ainda resposta. Entretanto, a razão de ser ficou mais do que evidente corri o ocorrido em Almaraz não há muito tempo. Pelo que pretendemos saber quando é que vamos ter acesso, finalmente, ao último relatório elaborado pelo conselho de segurança nuclear espanhol?

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

0 Sr. Mário Maciel (PS ): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: não iria usar da palavra, todavia, a segunda intervenção da Sr a Deputada 15abel Castro suscita da parte do Grupo Parlamentar do PSD um pequeno esclarecimento. A sua pergunta está imbuída de legítimas preocupações, todavia foi muito injusta ao dizer que o meu partido obstaculizou um debate sobre o plano hidrológico espanhol. 15so não é verdade!
0 meu partido propôs uma audição parlamentar sobre essa matéria, que se realizou na Assembleia da República e produziu conclusões importantes que foram lidas no Plenário. Houve mesmo várias intervenções prévias a essa audição parlamentar no Plenário: o meu grupo parlamentar abordou essa matéria e lembro-me de que o Sr. Deputado André Martins também o fez. Reunimos durante uma tarde inteira com o Sr. Ministro Carlos Borrego, a Sr.ª Secretária de Estado e outras entidades na área dos recursos hídricos para apurarmos conclusões acerca da especificidade do Plano Hidrológico Espanhol.
Essas conclusões foram lidas à Assembleia da República e resultaram num conjunto de preocupações legítimas, viradas para a defesa do interesse nacional. A sua referência a obstáculos colocados pelo grupo parlamentar do PSD nesta matéria foi gratuita e injusta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.

A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, creio que a sua pergunta, sobre qual o papel da Assembleia da República nesta matéria e no que toca ao Governo, foi, em parte, respondida pelo Sr. Deputado Mário Maciel. Recordo a existência de uma audição parlamentar sobre este mesmo assunto e recordo ter estado aqui presente num debate, em que não intervim directamente mas ao qual assisti na qualidade de Secretária de Estado. Portanto, não me parece que tenha havido falta de informação, pelo menos por parte do Governo à Assembleia da República.
Aliás, este é, precisamente, o tipo de questão que este órgão de soberania deve acompanhar. Aliás, julgo que o Governo tem todo o interesse - porque é esse o interesse nacional- que esta questão seja acompanhada o mais amplamente possível. Trata-se de uma matéria com implicações estratégicas e parece-me natural e útil que a Assembleia da República possa acompanhá-la. Da parte do Governo, estarei disponível para vos dar todas as informações que nos forem sendo facultadas e todos os estudos que forem sendo feitos no âmbito do Ministério e do Governo sobre estas questões. Reafirmo a importância que foi dada pelo Governo a esta temática, a tal ponto que o Sr. Primeiro-Ministro resolveu considerá-la e tomar a iniciativa de a incluir no âmbito desta Cimeira luso-espanhola.
Relativamente ao problema do Plano Hidrológico Espanhol, gostava de dizer que, quer o presidente do governo espanhol quer o respectivo ministro do Ambiente, nos reafirmaram que estariam disponíveis- esta é uma atitude nova por parte do governo espanhol- para transmitir toda a informação disponível relativa a esse plano, à medida que ele for evoluindo; temos já elementos sobre ele que nos têm vindo a ser facultados, bem como uma nova versão que nos foi fornecida no ano passado.
Ainda acerca deste Plano, quero dizer também que não é agora a primeira vez que o Governo o vai analisar; ele tem vindo a ser analisado em várias instâncias, não só no Ministério do Ambiente mas noutras instituições, nomeadamente a EDP, o Ministério da Agricultura, pelo que se conhece bem as implicações ambientais e de quantidade de água que o Plano tem para Portugal.
Acontece que essa informação estava dispersa e pouco sistematizada e isso está agora a ser feito em colaboração com o Laboratório Nacional de Engenha-

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ria Civil, a quem pedimos que sistematizasse todo o conhecimento disponível até ao momento- e, repito, ele existe nos vários departamentos- para que possa ser usado na próxima reunião deste grupo de trabalho, que terá lugar em Fevereiro.
No próximo dia 25 de Janeiro, o Secretário de Estado do Ambiente vai a Espanha falar com o seu homólogo espanhol para preparar esta reunião e será acompanhado não só por departamentos do Ministério do Ambiente mas também por outros, da Administração, com implicações e interesses nesta matéria hidrológica.
Foi-nos facultado também pelo governo espanhol, no âmbito da Cimeira, o plano de obras de 1994, porque o Plano Hidrológico Espanhol apenas diz respeito às transferências entre bacias, uma vez que essas transferências, segundo a lei espanhola, devem ser presentes ao parlamento espanhol. 0 calendário do Plano Hidrológico é ainda remoto. Gostava, pois, de vos dar a informação de que apenas no fim de 1994, após uma larga discussão pública, onde os interesses portugueses serão ouvidos, será entregue ao parlamento espanhol, pelo que só será aprovado durante o ano de 1995 e as obras apenas começarão cerca de 1997198.
Relativamente ao plano de obras de 1994, penso que também é interessante saber que ele incide sobretudo em obras de regularização, com efeitos positivos para os rios, na parte portuguesa dos mesmos rios. Por outro lado ainda, foi-nos dito que a parte espanhola está a levar a cabo um plano de depuração de águas nas bacias dos rios comuns, que terá um efeito positivo na qualidade da água que entra em Portugal- e isso será concretizado até ao ano 2000.
Penso que Portugal está a fazer aquilo que deve fazer, não só no plano bilateral mas também no plano comunitário. Não esqueçamos que, para além dos convénios bilaterais e responsabilidades que os dois governos têm relativamente aos efeitos das suas obras no outro país, existe também legislação internacional à qual ambos os países se vincularam.
Estou a referir-me, nomeadamente, à Convenção de Helsínquia, para apenas mencionar a última, que estabelece regras de utilização dos rios, bacias e lagos comuns com respeito pela natureza dos caudais e da água nos países que estão a jusante. Espanha também subscreveu essa Convenção e foi definido que os respectivos princípios orientariam os trabalhos nesta matéria entre os dois países.
Por outro lado, não podemos esquecer-nos de que fazemos parte de uma comunidade internacional - a Comunidade Europeia- em que todos estes projectos terão de ser analisados, pelo que, também aí, Portugal fez o que tinha a fazer no sentido de criar as condições para que estes projectos sejam observados no contexto das suas implicações para Portugal e não apenas das implicações no território do país que candidate projectos à Comissão Europeia.
Por último, respondendo à sua pergunta sobre os aspectos nucleares, estes não foram objecto desta Cimeira, uma vez que o responsável pela, questão nuclear em Espanha é o ministro da Indústria, com quem não tive oportunidade de falar, mas posso dizer que houve uma reactivação da Comissão Mista luso-espanhola que se ocupa da temática nuclear. 0 presidente da Presidente portuguesa foi nomeado, uma vez que esse cargo estava vago e a Comissão iniciará os trabalhos brevemente. Trata-se de uma comissão permanente que irá, com certeza, acompanhar todas as questões que têm sido suscitadas neste âmbito. Em relação ao acidente verificado na Central, houve informações que nos foram dadas pelos canais, próprios, tal como estava previsto e como acontece, naturalmente, nestes casos acerca do âmbito desse acidente, que não foi de grande gravidade.
Quero ainda dizer, a propósito de depósitos de resíduos nucleares nos fundos marinhos, que referiu há pouco, que Portugal, na Convenção de Londres, e pela primeira vez, recusou definitivamente a deposição marinha de resíduos nucleares.
Penso que tem havido algum equívoco porque tenho visto na comunicação social algumas leituras talvez menos informadas sobre aquilo que se passou. A posição portuguesa foi claríssima, foi de recusa, inclusivamente de recusa de moratórias nesta matérias; Portugal recusou que pudesse haver deposição de resíduos nucleares nos fundos marinhos.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª 15abel de Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

0 Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª 15abel de Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, não tenho por hábito fazer uso desta figura parlamentar, que me parece um pouco ridícula, por norma, mas as imprecisões do Sr. Deputado Mário Maciei obrigam-me a falar.
É muito diferente fazer uma audição nos termos em que foi feita, em comissão, e fazer um debate, organizado pela Assembleia da República, sobre esta matéria. A Sr.ª Ministra, nessa parte da resposta, foi clara relativamente à importância do plano hidrológico nacional. Como é óbvio, o Plano Hidrológico Espanhol não tem fronteiras tão definidas que permitam dizer que é uma questão restrita do Ministério do Ambiente - tem também a ver com o Ministério da Indústria. Aliás, foi nessa perspectiva que, durante anos, foi encarada pelo Governo português, de que tinha mais ver com a questão energética, pelo que, durante muito tempo, foi só nessa base que foi tratada.
Esta é uma matéria que tem, obviamente, reflexos nas regiões, tem reflexos para os municípios, tem reflexos envolvendo múltiplos ministérios, não sendo exclusiva de um ministério.
0 Sr. Deputado Mário Maciel está aqui há muito mais anos do que eu e conhece, se calhar até melhor do que eu, a diferenciação regimental entre a utilização de várias figuras e a importância que cada uma delas teria - uma audição ou um debate
Penso que estar a ziguezaguear e dizer que o Grupo Parlamentar do PSD foi claro nesta matéria e foi favorável - não o foi - é uma imprecisão que deve ser corrigida. Do mesmo modo, remeto o Sr. Deputado para a leitura das actas, porque será menos fastidioso do que estar agora a repeti-las, no que se refere à intervenção do seu companheiro de bancada, o Deputado Nuno Delerue, quando nós propusemos a criação de uma comissão para acompanhamento desta questão.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

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0 Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, às vezes, a figura regimental da defesa da consideração pode tomar-se ridícula - é o caso! A Sr.ª Deputada não tinha razões para defender a sua consideração, nós é que as tínhamos e não invocámos essa figura regimental até para não desviar o debate.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Mas a Sr.º Deputada obriga o Partido Social Democrata a dar, novamente, explicações sobre esta matéria e, por isso mesmo, vou explicar-lhe tudo o que se passou.
0 Sr. Presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes, desloca-se a Espanha, hipoteticamente, para estabelecer contactos com o governo espanhol sobre matéria hídrica, sobre o plano hidrológico espanhol.
0 Partido Social Democrata respeita mas estranha essa deslocação- e tem o direito de estranhar -, pelo que pede explicações. Vem, então, a saber-se, pela boca do próprio secretário de Estado espanhol, que o Sr. Presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes, não só não se encontrou com o governo espanhol como, encontrando-se com meros funcionários, nada decidiu, nada tratou, nada defendeu relativamente aos interesses nacionais.
0 Grupo Parlamentar do PSD, preocupado com a questão do plano hidrológico espanhol, não a nível da mera guerrilha partidária mas da defesa do interesse nacional, propôs, imediatamente, a realização de uma audição parlamentar, que teve efectivamente lugar e onde estiveram presentes especialistas portugueses, de renome, nesta matéria, durante uma tarde inteira.
Lembro-me de ter estado aqui uma tarde inteira e de ter registado a indiferença e a ausência do Partido Ecologista Os Verdes, que não esteve representado.
Vem agora a Sr a Deputada 15abel Castro, com a honra ofendida e a consideração afectada, dizer que o Partido Social Democrata ficou apático e indiferente a esta questão. Ora, Sr.ª Deputada, quem deve defender aqui a consideração somos nós. É que até foi feito e aprovado um relatório, em sede de Comissão, e as suas conclusões foram lidas e debatidas no Plenário da Assembleia da República. A tribuna desta Assembleia serviu de palco, pelo menos por duas vezes, a oradores que se pronunciaram sobre esta matéria.
Por outro lado, o Governo, na altura, esteve sempre disponível para prestar todas as informações de que dispunha sobre a matéria. Quem não esteve disponível
para prestar as informações de que dispunha .

Sr. Presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes, que se recusou a vir à Assembleia da República.
Portanto, Sr a Deputada 15abel Castro, não devia ter trazido aqui estas questões, porque fez uma mistura lamentável entre as legítimas preocupações que manifestou a esta Câmara e as questões de natureza partidária, às quais o Partido Social Democrata é completamente alheio.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir com uma pergunta dirigida ao Ministério da Agricultura, relativa ao pagamento das comparticipações pelo IFADAP aos vitivinicultores que apresentaram projectos de reconstituição da vinha. Trata-se de uma pergunta formulada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista e- vai ser apresentada pelo Sr. Deputado Alberto Cardoso.

0 Sr. Alberto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e da Qualidade Alimentar, como é sabido, sobre a agricultura portuguesa reina um estado de desgraça global.
0 descrédito dos agricultores portugueses pela política agrícola deste Governo é preocupante e geral. 0 desânimo e a descrença são, hoje, sentimentos profundos na sociedade portuguesa. Tudo isto por falta de objectivos claros e precisos que nos poderiam levar a caminhos de sucesso que não existem.
A provar estes argumentos, Sr. Secretário de Estado, permita-me que lhe caracterize a situação económica de centenas de empresários agrícolas, mais precisamente, de pequenos e médios vitivinicultores do Douro Norte e Sul, que, num esforço de esperança, acreditaram nos benefícios da reconstituição da vinha. Acompanhados e aconselhados pelo Instituto da Vinha e do Vinho, elaboraram e apresentaram projectos, que vieram a ser aprovados com os montantes pecuniários de comparticipação. Realizaram os projectos, endividaram-se e as comparticipações devidas pelo IFADAP não apareceram. Resultado: a pouca capacidade económica dos vitivinicultores, por razões obviamente conhecidas, conduziu-os à situação de falência, já que não têm dinheiro para pagar aos industriais de máquinas de surriba, ao pessoal, aos fornecedores de postes e arame e até o próprio bacelo utilizado.
Sr. Secretário de Estado, vitivinicultores que apresentaram os seus projectos em 1992, que já têm videiras a dar uvas, e até hoje, ainda não receberam um tostão do benefício a que têm direito.
Pergunto, pois, Sr. Secretário de Estado, quais as razões pelas quais ainda não foram pagas as comparticipações em dívida e para quando prevê o Ministério da Agricultura o seu pagamento.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e da Qualidade Alimentar.

0 Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e da Qualidade Alimentar (Luís Capoulas): Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Alberto Cardoso, naturalmente, não vou antecipar-me ao debate que irá ter lugar aqui no próximo dia 27, sobre política agrícola, mas não posso escamotear a questão que colocou sobre a situação catastrófica do sector e a falta de objectivos.
Os objectivos que, porfiadamente, temos vindo a prosseguir em toda a agricultura, muito em particular, na vinha, são os da aposta na qualidade. Temos clara consciência de que a aposta que vale a pena, no vinho, como na generalidade dos produtos agrícolas, é a aposta na qualidade. E a qualidade começa, naturalmente, pela melhoria e pela reestruturação do potencial produtivo, pela vinha, apesar de, cada vez mais, não poder acabar aí.
Por isso mesmo, logo em 1986, foi negociado com a Comunidade um programa para a reestruturação da vinha, programa que foi implementado a partir de en

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tão. Provavelmente fruto da conjuntura de preços que então se antevia, porque reestruturar a vinha significa perder rendimentos durante três, quatro ou cinco anos, o programa não teve a adesão que almejávamos. Em termos médios, em 1988, em 1989 e em 1990, reestruturámos cerca de 500 halano. Aliás, em 1990, estávamos ainda com candidaturas de apenas 500 lia por ano.
Exactamente porque entendemos que este objectivo tinha de ser cada vez mais incentivado, alterámos o regulamento de reestruturação da vinha e constituímos e fizemos aprovar, pela Comissão das Comunidades, um programa operacional em que as ajudas à reestruturação da vinha foram substancialmente maioradas: de uma comparticipação média pública, nacional e comunitária, de 53 %, passou-se para uma comparticipação média de cerca de 79 %.
Mesmo assim, em 1991 e em 1992, as candidaturas andaram pelos 1500 lia, muito aquém daquilo que é desejável que façamos no sentido da reestruturação da nossa vinha. Só que, um pouco inexplicavelmente, em 1993, talvez porque se sabia que iria terminar um Quadro Comunitário de Apoio e teríamos um novo Quadro, as candidaturas subiram para 4500 ha.
Ora, nós não poderíamos deixar de avocar a outros programas, a outras medidas, as sobras do programa de reestruturação da vinha, pois ninguém poderia prever que, no último ano, iria verificar-se uma explosão de candidaturas desta dimensão.
Por outro lado, existem ainda processos pendentes, mas o facto de existirem processos pendentes, já entrados no 1W, não significa que haja subsídios em atraso. Aliás, ontem mesmo, pude confirmar junto do IFADAP que não há nenhuma candidatura aprovada, com justificativos de despesa apresentados, que o IFADAP não tenha pago. Se houver, peço aos Srs. Deputados para me darem nota de situações concretas, para que eu possa, eventualmente, confirmá-las junto do IFADAP. Mas, repito, a informação oficial que tenho, e que recolhi, ontem mesmo, junto do IFADAP, é a de que não há pagamentos em atraso.
Assim, muito claramente, a situação actual é a seguinte: continuamos a pensar que o vinho é um produto em que vale a pena apostar, sobretudo no que se refere à sua qualidade, pelo que pretendemos que, no próximo Quadro Comunitário de Apoio, o sector continue a ter verbas e recursos, de - forma a prosseguirmos o trabalho e o desafio de modernização da vinha.
Obviamente, o que não podemos fazer, no contexto de uma viragem de um Quadro para outro, é prever verbas ou "sacos azuis" para atender a esta subida vertiginosa de candidaturas, a qual, seguramente, foi fruto da alteração da conjuntura de mercado.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra, por dois minutos, o Sr. Deputado Alberto Cardoso.

0 Sr. Alberto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ouvi-o com muita atenção, mas parece-me que tudo aquilo que disse tem pouca correspondência com a realidade.
Tenho conhecimento de situações pontuais de vitivinicultores que apresentaram, em 1992, projectos de reconstituição da vinha, os quais foram aprovados e que, até hoje, ainda não receberam as comparticipações em dívida. Com certeza que o Sr. Secretário de Estado tem consciência dos problemas que esta situação provoca a esses agricultores, pois, não sendo pessoas endinheiradas, viram-se obrigadas a recorrer à banca, recaindo sobre eles, neste momento, o direito de penhora pelas restituições bancárias relativas ao crédito concedido.
Portanto, é verdade que foram aprovadas candidaturas, em 1992, em que as verbas devidas pelo IFADAP ainda não foram pagas.

0 Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

0 Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, esta é uma das questões fundamentais no que diz respeito à qualidade de um produto tão importante como o vinho na nossa actividade económica e, sobretudo, do vinho da região do Douro, o vinho do Porto, que é considerado um sector estratégico da nossa economia.
As debilidades da aplicação deste programa operacional e a necessidade da sua implementação correcta são evidentes para melhorar a qualidade do produto e proporcionar a obtenção de custos de produção. Aliás, a reconstituição da vinha, tal como o programa operacional o prevê, deve integrar-se numa política de reconversão da própria vinha de toda a região demarcada.
0 Sr. Secretário de Estado falou numa reconversão média de 500 halano. Tenho comigo dados que demonstram que, para ser possível a renovação da vinha em Portugal em 45 anos, seria necessário que se renovassem anualmente 8200 ha. Esta meta não está a ser alcançada na região demarcada do Douro, onde temos um produto tão importante e que tão abandonado tem sido nas negociações, até internacionais, por este Governo.
Sr. Secretário de Estado, os agricultores estão apreensivos porque lhes consta que o dinheiro foi desviado para outras iniciativas. É isto verdade?
A acção específica, que sei estar em preparação, tem as mesmas características que este programa operacional ou é mais uma cedência do Governo português face às negociações da OCM dos vinhos?

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, em tempo não superior a 10 minutos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar.

0 Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Cardoso, quanto às questões que formulou, tudo o que posso dizer-lhe é que me submeta concretamente esses casos pontuais que referiu para poder averiguar junto do IFADAP, contrariamente à informação que me foi dada, se há algum caso pontual em que a regra geral não tenha sido respeitada, isto é, em que todos os pagamentos, devidamente justificados, não tenham sido feitos.
Quanto à problemática do Douro, Sr. Deputado António Martinho, naturalmente que as questões da vinha têm uma relevância essencial nessa região. Toda a economia da região é sustentada pela vinha, razão pela qual dedicamos uma atenção muito especial à região do Douro e temos tomado medidas muito significativas, importantes e de natureza excepcional relativas à região do Douro.

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Quando fala na necessidade de se proceder à reestruturação a uma cadência de 8200 halano, parece-me perceber da sua intervenção que pretende que o Governo obrigue os produtores a reestruturarem a sua vinha, mas a verdade é que o Executivo não pode obrigar os produtores a fazerem-no.
As candidaturas apresentadas, até ao momento, particularmente na região do Douro, não permitem atingir o objectivo que o Sr. Deputado enunciou, a não ser que, autoritariamente, obrigássemos os agricultores a reestruturar quando não estão interessados em fazê-lo. De facto, as médias nacionais são muito inferiores e no Douro não conseguimos atingir, em nenhum ano, candidaturas superiores a 500 ha.
Naturalmente que, no próximo PDR e nas negociações em curso, acautelamos os interesses de todo o sector, em que se incluem os da vinha, e naturalmente que à região do Douro, pelas razões há pouco expostas, ser-lhe-á dedicada uma atenção especial, mas sempre com a única postura construtiva de sensibilização dos agricultores para a necessidade da reconversão, da aposta na qualidade, sendo que, na agricultura, como em qualquer outro sector, o risco é sempre de quem investe, do empresário, do agricultor.
É por força de orientações, de pressionar excessivamente as pessoas para investirem, que os senhores nos fazem acusações de que hoje há dificuldades na agricultura.
Há dificuldades na agricultura como em qualquer outro sector, mas não posso concordar com o facto de este sector estar à beira da catástrofe, como o Partido Socialista pretende afirmar, insinuar e transmitir para a opinião pública. Tal situação leva-me a fazer uma pergunta e uma constatação: a quem aproveita, afinal, esse discurso permanente e sistemático de que o sector não tem viabilidade, que está à beira da falência? Quando queremos disputar em Bruxelas mais verbas, mais recursos para apoiar a modernização da agricultura e, internamente, a nossa oposição anda a dizer que tudo o que se investe na agricultura é malbaratado, afinal, qual é a vossa verdadeira intenção? Se queremos modernizar o sector, o que é fundamental para a melhoria da sua competitividade e para a sua sobrevivência no futuro, julgo que temos de ter um discurso realista, que não pode ser optimista porque conhecemos as dificuldades com que se debate, nem tão-pouco catastrofista como o Partido Socialista vem fazendo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.

0 Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, já estarmos habituados, na Comissão de Agricultura e Mar e no Plenário, às acusações do Governo ao Partido Socialista de fazer um discurso miserabilista em virtude das debilidades da política agrícola.
Acabei de fotocopiar um artigo de jornal, que não contém propriamente uma afirmação do Partido Socialista, mas de um observador da realidade da agricultura portuguesa, no qual se diz, através de dados numéricos,
que a agricultura está em falência técnica. Não foi o Partido Socialista a fazer essa acusação!
Sr. Secretário de Estado, queremos para a agricultura portuguesa uma política com objectivos definidos, corri estratégias, adequada a proporcionar aos agricultores uma vida de qualidade e de recompensa pelo seu trabalho.
Conhecemos os problemas que a agricultura tem no contexto da Comunidade Europeia - é um facto! -, mas também temos consciência da necessidade de os agricultores portugueses, do mundo rural, praticarem uma agricultura minimamente compensadora, mas constatamos que não se verifica essa situação e, se fazemos essa denúncia política, é a bem dos agricultores portugueses.
Sr. Secretário de Estado, em nome da minha bancada, proponho que o Ministério da Agricultura, de uma vez por todas, abandone esse discurso e que, em confronto político, procuremos encontrar as melhores políticas para a agricultura portuguesa. Estamos do lado dos agricultores, que o Governo esteja também!

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar.

0 Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, não ofendi, com certeza, a honra de V. Ex."'. Quando muito, divergi das posições que o Partido Socialista tem assumido em matéria de política agrícola, o que é naturalmente salutar nas relações entre o Governo e os partidos da oposição, que não pode deixar de ter um discurso desta índole. Porém, como a oposição pode ser construtiva, apelei para que o seu discurso, sendo natural e necessariamente da oposição, fosse construtivo.
Queria dar esta explicação porque penso que é, efectivamente, prejudicial para os objectivos que, afinal, nos devem nortear a todos, que se continue a alimentar este prenúncio de catástrofe da nossa agricultura. Acreditamos que é possível modernizar o sector e tomá-lo mais competitivo no quadro comunitário e julgo que não há outra via a seguir que não seja a das medidas concretas e consensualizadas, com uma postura crítica e construtiva da oposição. Esse é o caminho que temos de almejar para conseguirmos atingir o objectivo da modernização do nosso sector.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à primeira pergunta dirigida à Secretaria de Estado da Cultura, sobre a reabilitação da igreja do convento de Vilar dos Frades, em Barcelos, formulada pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Para a sua apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Santos Pereira.

0 Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado da Cultura, as minhas primeiras palavras são necessariamente de agradecimento a V. Ex.ª pela disponibilidade que manifestou em vir a esta Assembleia abordar a problemática de um monumento nacional tão importante como é a da igreja

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do antigo Convento de Vilar de Frades, localizada em Areias de Vilar, no concelho de Barcelos.

Trata-se de um concelho possuidor de um rico e vastíssimo património histórico-cultural do qual se podem destacar os monumentos de Paço dos Condes, da Igreja Matriz, do Castelo de Faria e, naturalmente, da igreja do Convento de Vilar de Frades.
Para que se possa abordar esta questão, penso ser importante relembrar, de forma rápida, a história do imóvel. 0 convento foi fundado em 566 por S. Martinho, bispo de Dume, foi destruído aquando das invasões árabes e reconstruído nos primeiros anos deste milénio, sendo elevado à categoria de couto, no reinado de D. Sancho 1 Até ao século XIV caiu em ruína, tendo posteriormente, com D. Diogo de Sousa, arcebispo de Braga, merecido ampliação com uma importante reconstrução manuelina. Desde essa época até à extinção das ordens monásticas recebeu vários restauros e reformas, por vezes, inadequados.
Neste século, mais precisamente em 1910, foi declarado monumento nacional, tendo, desde essa altura até aos nossos dias, o seu estado de conservação vindo a degradar-se, de forma mais ou menos gradual, e a sofrer o desaparecimento de grande parte do seu espólio.
Hoje, a igreja quinhentista de Vilar de Frades está num estado preocupante, com telhados esburacados, fendas nas paredes e apodrecimento de madeiras, tendo esse estado sido agravado, neste ano, especialmente pelas condições climatéricas anormais que têm fustigado a região.
Esta situação. vem sendo acompanhada, quer pela Câmara Municipal de Barcelos quer pelos órgãos de comunicação social, que têm tido uma acção divulgadora do estado do imóvel. Sabe-se que a obra de recuperação chegou a estar adjudicada, pelo IPPC, em finais de 1991, mas a celebração do contrato com o empreiteiro nunca chegou a acontecer.
Entretanto, em resposta a um requerimento por mim elaborado, a Secretaria de Estado da Cultura informou, no ano transacto, que iria proceder a uma nova consulta a empreiteiros para se realizarem as obras de recuperação do imóvel. Tive, assim, também conhecimento da vontade da Secretaria de Estado da Cultura de implementar um plano global de intervenção no monumento, que, aliás, bem se justifica, e no qual se destacavam as seguintes acções: o inventário de todas as peças móveis, designadamente talhas, azulejos e santuário; o projecto de obras de reabilitação e restauro do interior da igreja, reabilitação e reutilização das áreas conventuais afectas ao Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico.
É conhecido que a Secretaria de Estado da Cultura, através do IPPAR, tem acompanhado este caso e manifestado intenção de avançar na recuperação do monumento cuja abóbada, em perigo de desabamento, é considerada a mais bela e a mais importante obra de arte manuelina do norte do País.
Sr. Subsecretário de Estado, sem deixar de ter consciência das políticas e acções encetadas pela Secretaria de Estado da Cultura, na área da recuperação e reabilitação de imóveis classificados, facto que aproveito para enaltecer, gostaria de formular duas perguntas relacionadas com essa área e, concretamente, com a igreja quinhentista do Convento de Vilar de Frades.
Assim, gostaria de saber quando será realizada uma nova consulta a empreiteiros para se iniciar a recuperação do imóvel e para quando está prevista a concretização do plano de intervenção global referente ao monumento.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.

0 Sr. Subsecretário de Estado da Cultura (Manuel Frexes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Santos Pereira, quero agradecer-lhe por ter colocado esta
questão, porque permite à Secretaria de Estado da Cultura e ao Governo explicar um pouco melhor a política seguida para a preservação do património, que tem
vindo a ser desenvolvida por todo o País, com alguma incidência até no distrito de Braga, o que, aliás, decorre dos próprios pergaminhos do distrito, dado que é uma zona do nosso país riquíssima em bens patrimoniais.
Relativamente à questão concreta sobre o Convento de Vilar de Frades, posso adiantar-lhe' que, como o Sr. Deputado certamente sabe, o imóvel foi classificado como monumento nacional, em 1990, tendo estado até essa data à guarda da igreja. Ora, durante esse período, as pessoas que tinham a guarda desse património, cometeram várias irregularidades, algumas bastante graves, que ofenderam a estética e a traça daquele património.
Perguntou-me o Sr. Deputado para quando é que se previa a intervenção do IPPAR. Pois bem, neste momento, redireccionámos toda a política respeitante à intervenção em Oliveira de Frades, que vai ocorrer em 1994, e devo dizer, desde já, que há verba inscrita em PIDI)AC destinada a esse monumento, uma vez que o estado de degradação em que ele se encontra é muito preocupante e, embora ele já fizesse parte do grupo das nossas, preocupações, agora fomos mais longe em relação ao plano anteriormente definido.
Com efeito, já encomendámos um projecto de intervenção global em todo o monumento e não nos limitámos a obras parciais de recuperação das coberturas, que, durante algum tempo, estiveram para ser adjudicadas e só não foram porque, como o Sr. Deputado sabe, o empreiteiro não conseguiu reunir os documentos exigidos pelo Tribunal de Contas para obtenção do respectivo visto necessário para o início da obra.
Assim, o que lhe posso dizer, neste momento, é que o projecto de intervenção global nesse monumento já foi adjudicado ao arquitecto Alfredo Jorge Vilarinho Ascenção, que tem o prazo de 45 dias para o apresentar, e estou convencido de que até ao final do mês de Janeiro, princípio do mês de Fevereiro, o projecto estará pronto e as obras de intervenção global nesse monumento terão o seu início.
Como sabe, a verba inscrita em PIDI)AC para o corrente ano é, neste momento, de 10000 contos, mas para nós o importante é abrir a inscrição. A partir do momento em que tenhamos a inscrição aberta, poderemos reforçar essa verba para fazer face a outras obras que sejam necessárias.
Deste modo, em termos de intervenção directa- e penso que o esclareci relativamente ao que a Secretaria de Estado da Cultura tenciona fazer nesse monumento -, devo dizer-lhe que no distrito de Braga temos previstas intervenções sem precedentes na nossa história, quer no que respeita aos últimos tempos quer às décadas que os antecederam.
Com efeito, planeámos intervenções em monumentos importantíssimos como o Mosteiro de Tibães, de

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Santa Maria do Bouro, a Igreja de Amares, a Sé de Braga, e estamos a fazer um investimento que vai muito além de um milhão de contos, só nos anos de 1993 e 1994. De facto, estamos muito preocupados com essa situação e, em face disso, estamos a canalizar recursos cada vez maiores para esta área, que consideramos como um grande desígnio nacional e um grande objectivo da política cultural e até da identidade nacional do nosso país.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Santos Pereira.

0 Sr. Fernando Santos Pereira (PSD):- Sr. Presidente, não pretendo pedir esclarecimentos, mas gostaria apenas que ficasse registada a minha satisfação pela resposta dada pelo Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado, muito telegraficamente, porque o tempo não permite que seja de outra maneira, gostaria de salientar que V. Ex.3 manifestou interesse em dissertar sobre a política do património do Governo e, em meu entender, esta questão concreta que foi colocada não se poderá isolar de toda essa política em termos globais.
Assim, nesse sentido e muito rapidamente, solicitaria a V. Ex.ª que nos dissesse em que ponto está a célebre regulamentação, desde há muito falada mas sempre adiada, da Lei n.º 13185, de 8 de Julho, se vão regulamentá-la ou fazer uma nova lei.
A este propósito, e como, possivelmente, V. EX.ª ainda não sabe, gostaria de informar que o meu grupo parlamentar apresentou há dias um projecto de lei sobre a questão da utilização de detectores de metais, tendo em conta que, no que se refere à área da arqueologia, é uma matéria extremamente importante.
Mas, concretamente, Sr. Subsecretário de Estado, qual é a situação da Lei n.º 13/85, sobre o património, que é fundamental para resolver problemas como o da articulação entre o Estado e a Igreja, que V. Ex.ª utilizou como justificação para o estado de degradação desta igreja a que o meu colega se referiu?
Sr. Subsecretário de Estado, uma vez que é difícil obtermos respostas aos nossos requerimentos, aproveito a sua presença no Parlamento para, depois de ter feito um requerimento em Julho de 1992 e outro em Março de 1993 sobre a questão do inventário do património cultural móvel, pedir que me faça o ponto da situação, nomeadamente no que diz respeito à situação contratual dos inventariantes e às suas remunerações, que, pelo que a imprensa tem publicado, estão em atraso.
Para finalizar, os cidadãos de Lisboa- e não só continuam a ver os pórticos do Mosteiro dos Jerónimos cobertos. 0 meu grupo parlamentar já teve a possibilidade, inclusive, de fazer uma visita ao local para, de perto, tentar aperceber-se da realidade. No entanto, os pórticos continuam cobertos, não se sabe porquê e até quando, ou seja, quando acaba o processo de limpeza desses pórticos. Sr. Subsecretário de Estado, agradeço-lhe a gentileza de me dar uma resposta sobre essa questão.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.

0 Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, tenho sempre muito prazer em responder às suas questões, que, aliás, só demonstram o seu interesse por esta área e ficamos sempre muito satisfeitos por isso.
Quanto à grande questão que colocou, a da lei do património,- que é também um dos objectivos fundamentais desta Secretaria de Estado da Cultura nesta legislatura, constando, aliás, do Programa do Governo -, posso dizer-lhe que já temos um projecto concluído. Estivemos a trabalhar, ao longo destes anos, nessa lei, que é uma lei fundamental, até porque vai permitir pôr um pouco de ordem em todos os intervenientes nesta questão da classificação do património e quais as responsabilidades e obrigações do Estado e dos particulares.
V. Ex.ª focou o caso da Igreja. Nunca responsabilizei a Igreja, como não responsabilizo os particulares. Todos sabemos que o património de Portugal é muitíssimo rico e que grande parte desse património não está à guarda do Estado, não é sua propriedade ou titularidade e estou a falar do património imóvel e não do móvel, porque, aí, a situação é muito mais vasta. De facto, esta é uma situação bastante preocupante. Apesar da unanimidade nos parlamentos quanto aos objectivos, por vezes, depois, em termos práticos, as coisas não funcionam.
De qualquer modo, essa proposta de lei virá ao Parlamento e espero - eu ou o Sr. Secretário de Estado da Cultura -, em breve, estar aqui de novo para discutir e debater esse assunto, para o qual gostaríamos de ter o contributo de todos os grupos parlamentares, quer sejam da oposição quer não, porque trata-se de uma lei fundamental para o nosso país.
No que respeita ao inventário do património móvel, esse projecto, na sua concepção inicial, quanto aos seus objectivos, é correcto. Em minha opinião, é importantíssimo para o nosso país fazer um inventário do património móvel, que já deveria ter sido feito há muitas décadas e estamos a recuperar atrasos de décadas, se não de séculos, relativamente a certas matérias.
Na verdade, foi criada uma comissão que englobava os serviços ou os organismos que mais se relacionavam com o património móvel, nomeadamente o Instituto Português de Museus, o IPPAR, os arquivos, as bibliotecas. Porém, como não se institucionalizou uma comissão, pois a que existe é uma comissão meramente criada através de despacho, como ela não tem força legal, verifica-se, muitas vezes, principalmente no final e no início dos anos económicos, uma certa falta de capacidade para acorrer ao pagamento de despesas e a todos os procedimentos administrativos e financeiros que a Direcção-Geral da Contabilidade Pública exige.. Ainda por cima, é um programa co-financiado pelo PRODIATEC e pelo PIDI)AC, ou melhor, por fundos comunitários vindos destes programas, o que, no fim dos anos económicos; acarreta sempre alguns problemas.
Relativamente a 1993, como houve um atraso na requisição de fundos da Direcção-Geral da Contabilidade Pública e alguns problemas nessa matéria, houve, de facto, alguns pagamentos em atraso. Tenho já garantido...

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Já não é a primeira vez!

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0 Orador: - Eu sei que não é a primeira vez, Sr. Deputado e, devo dizer-lhe que ninguém ficou, nem está, mais preocupado do que eu em resolver o problema dessas pessoas.
Se há algo que considero completamente intolerável é que os que trabalham não recebam, no final do mês, a contrapartida pecuniária da sua prestação, tal como está estipulado. Ninguém está mais preocupado do que eu e ninguém fez mais do que eu no sentido de regularizar essa situação imediatamente. Mas quero regularizá-la não só quanto ao ano de 1994, o que vai acontecer já a partir da próxima semana, como, daqui para o futuro, quero ter um quadro completamente diferente que possa evitar esse tipo de problemas, que tenho todos os anos.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Subsecretário de Estado, permite-me que o interrompa?

0 Orador: - Faça favor.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Subsecretário de Estado, obviamente, não ponho em causa a sua boa vontade, mas considera que vai conseguir essa estabilidade financeira do projecto com os 200000 contos inscritos no P11)DAC para 1994?

0 Orador: - Considero, sim, Sr. Deputado. Essa é uma questão que tem sido levantada, mas as pessoas não conhecem bem a realidade. Em primeiro lugar, o prazo de inventariação dos bens móveis era de três anos. Já estou a alargar o prazo...

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Terá de alargar muito mais!

0 Orador: - Exactamente. Sei que terei de o alargar muito mais. Por isso mesmo lhe digo, Sr. Deputado, que não só vou ser capaz de o resolver como vou fazer tudo para que seja resolvido, nem que faça algo que deveria ter sido feito em 1991, a institucionalização, através de decreto-lei, de uma comissão para o assunto. É um dos aspectos que estou a considerar. Como vê, Sr. Deputado, estamos a estudar as circunstâncias em que se obterá a melhor solução para conseguirmos o nosso objectivo.
Devo dizer-lhe também, Sr. Deputado, que 200 000 contos são suficientes. As pessoas, muitas vezes, confundem as questões e pensam que a gestão dos recursos só se faz se tivermos muito dinheiro, o que não é verdade. Uma boa gestão e uma gestão racional é a que se faz com os recursos que temos e aplicando-os da melhor forma.
Ora, com 200 000 contos para o ano de 1994, consigo levar a cabo os objectivos previstos no inventário para 1994. Provavelmente, poderá haver algumas publicações que poderão "deslizar" para 1995, mas...

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Subsecretário de Estado, permite-me que o interrompa, de novo?

0 Orador: - Faça favor.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Não lhe vou fazer aqui as contas, mas, fazendo-as com realismo, os 200 000 contos dão para pouco mais do que para os ordenados dos contratados.

0 Orador: - Não, Sr. Deputado, desculpe, mas...

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Se calhar, tem dossiers mais completos do que os meus!

0 Orador: - Pois tenho, por isso mesmo estou mais à vontade para falar sobre o assunto.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Acredito que sim, desde que estas situações não se repitam.

0 Orador: - Exactamente, e é isso que quero evitar. Já disse ao Sr. Deputado que vou envidar todos os esforços para que isso não se repita no futuro.
Quanto aos recursos que tenho afectos a este programa, neste momento, são suficientes e da verba de 200 000 contos apenas entre 70 a 75 % serão gastos com despesas correntes. Os restantes 30 % serão para publicações, o que, neste momento, é suficiente, quanto a nós.
Provavelmente, deverá haver algumas pessoas que deixarão de participar nestes programas, porque há áreas onde temos avançado relativamente bem, o que permite a dispensa de alguns recursos, mas este ano isso ainda não vai acontecer, pelo que, quanto a essa matéria, estou relativamente descansado corri os recursos que tenho disponíveis para esse caso.
Finalmente, quanto à questão dos pórticos do Mosteiro dos Jerónimos, esse é um problema técnico que tem sido acompanhado pelo IPPAR, como sabe. Tanto quanto fui informado, muito brevemente o IPPAR terá o assunto devidamente resolvido. Mas essa matéria é uma questão muito técnica e, neste momento, não lhe posso dizer mais do que isto, Sr. Deputado.

0 Sr. Presidente: - Para formular a pergunta do CDS-PP, sobre a Orquestra das Beiras, dirigida à Secretaria de Estado da Cultura, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

0 Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de mais, permitam-me que deixe aqui uma pequena nota. A ponderação é vantajosa, a parcimónia na tomada de decisões irreversíveis pode ser compreensível, o cuidado é louvável, a análise é essencial, a competência é exigível, mas a capacidade de decisão ainda o é mais. Refiro-me à organização administrativa, ao quadro das regiões, à regionalização, se quiserem.
A primeira nota é que a falta de decisão, num sentido ou noutro, a indefinição, o deixar arrastar esta questão para além do admissível é susceptível de causar danos irreparáveis em qualquer solução futura. Veja-se o triste episódio do Comité Europeu das Regiões; veja-se a proliferação de auto-intituladas capitais de regiões; veja-se a corrida ao protagonismo de algumas cidades; veja-se o confronto anunciado de vizinhos que, no interesse dos seus distritos, dos seus concelhos, da sua região e do nosso país, deveriam estar irmanados - e estão-no, estou certo, no seu íntimo -, de uma mesma vontade de prosseguir interesses comuns.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta figura regimental tem regras, de todos conhecidas, nomeadamente em relação à antecedência com que tem de ser despoletado o seu exercício.
Confesso que, se tivesse o meu grupo parlamentar de tomar, hoje e agora, a decisão de trazer ao Plenário

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esta discussão, poderia eu hesitar nessa posição, devido ao que creio ser o estado actual da questão.
Mas expresso também a opinião de que, num Estado democrático, as decisões têm de ser tomadas com transparência, avaliando sobretudo o mérito das iniciativas, e não devem ser motivo de oportunismo político, que o meu grupo parlamentar não quer fazer, nem de qualquer tipo de bairrismo doentio, estéril e condenável.
Sr. Subsecretário de Estado, depois deste intróito, passemos à questão.
A questão é motivada pelas afirmações que o Sr. Secretário de Estado da Cultura fez em Coimbra, reproduzidas no jornal As Beiras, de 14 de Dezembro, que passo a citar: "0 Secretário de Estado da Cultura, Santana Lopes, afirmou, sexta-feira, em Coimbra, estar já aprovada a criação de uma Orquestra Regional do Centro. Santana Lopes explicou que a SEC optou pelo projecto conimbricense, mediante a condição de este aglutinar o projecto preterido, o da Orquestra das Beiras, que integrava os municípios de Aveiro e Viseu", acrescentando eu também o município da Guarda.
Que valor têm estas declarações, Sr. Subsecretário de Estado? 0 que existe de concreto em relação à decisão da SEC ? Ter-se-ão estas declarações de enquadrar no tempo e no local em que foram produzidas - câmara eleitoral e uma última ajuda ao candidato do PSD-, ou tinham fundamento e é, na verdade, esta posição da SEC? E, se assim é, quais os motivos que consubstanciam esta decisão? Quais os defeitos e virtudes dos dois projectos à luz do despacho normativo?
Uma última pergunta é esta: considera que o projecto Orquestra Regional das Beiras Musica Vitae é, ou não, gerador da intervenção e participação activa da sociedade civil? Compreendendo-se, por outro lado, que a SEC não disponha de verbas para fazer face à criação de duas orquestras na região, segundo as palavras do Secretário de Estado da Cultura, considera, ou não, que o resultado do concurso, das avaliações das candidaturas, nos termos do despacho normativo n.º 56192, deve ser pautado exclusivamente por questões de mérito?
Em suma, Sr. Subsecretário de Estado, qual é a posição da SEC, em relação ao concurso em que participaram os projectos de Aveiro, Viseu e Guarda e o de Coimbra?

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.

0 Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira Ramos, congratulo-me por V. Ex a ter trazido esta questão a este fórum, local destinado por excelência à discussão de todas as questões relativamente às quais haja dúvidas. Congratulo-me também pelo facto de, como às vezes costumo dizer, Portugal ter passado de uma situação de fome para uma situação de fartura, ou seja, há algum tempo atrás, não tínhamos qualquer orquestra, a não ser...

0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - 0 Sr. Subsecretário de Estado tem pouco apetite!

0 Orador: - É verdade Sr. Deputado! 15to são factos concretos! É que se o Governo faz qualquer coisa, dizem que é propaganda, se não, dizem que é incária. Ora, estou a dar-lhe exemplos de concretizações que levámos a cabo.

Como dizia, passámos de uma situação de fome para outra de fartura, porque, há quatro anos, exceptuando a Orquestra do Teatro Nacional de São Carlos, que, no entanto, se encontrava numa situação, pelo menos em termos de qualidade artística, bastante problemática, não tínhamos qualquer outra. Aliás, Portugal já não tinha uma orquestra sinfónica desde 1976, aquando da extinção das orquestras da RDP.
Assim, foi criada uma orquestra sinfónica; temos a Orquestra Clássica do Porto; já temos a chamada Orquestra Regional do Norte; aprovámos a Orquestra do Alentejo, com sede em Évora, e temos três candidaturas para uma orquestra na região Centro. Note que a Secretaria de Estado da Cultura, quando fala em orquestra regional, não tem o intuito de criar qualquer divisão regional. Queremos somente fazer uma cobertura a nível nacional, para que todo o País tenha um desenvolvimento cultural, neste caso, musical, em todas as suas vertentes musicais, de carácter abrangente.
Assim, das três candidaturas formuladas na região Centro - e não duas, porque houve uma, promovida pelo município de Castelo Branco, que, aliás, era uma orquestra de Câmara ligada ao próprio Conservatório, que foi liminarmente rejeitada por não obedecer aos critérios do despacho normativo -, prosseguiram duas candidaturas, uma das quais até já tinha sido apresentada no concurso do ano anterior, que era o caso do projecto Orquestra Regional das Beiras-Música Vitae, projecto este abrangendo fundamentalmente os municípios de Aveiro, Viseu e Guarda. A outra candidatura a este concurso foi a de Coimbra, associada a alguns municípios dos distritos de Castelo-Branco e de Leiria.
Ora, quando apreciei este dossier pela primeira vez, o que aconteceu no final do Verão passado, verifiquei que estas duas candidaturas, quer a de Coimbra quer a de Aveiro, preenchiam os requisitos previstos no despacho normativo, em termos de requisitos meramente formais. E, logo nessa altura, disse publicamente - fi-lo no dia 1 de Outubro, em Lagos, por ocasião do Dia Mundial da Música, e no dia 20 de Outubro, nas festas da cidade da Covilhã- que a posição da Secretaria de Estado da Cultura relativamente a essa matéria era a de, aproveitando as sinergias destes dois projectos, tentar juntá-los, no sentido de se conseguir uma orquestra o mais sólida possível, que pudesse prestar o serviço musical por toda a região, como nós o entendemos. E que ainda há muitos que confundem esta noção de orquestra regional e o nosso objectivo é que os apoios do Estado, previstos para a criação de orquestras regionais, se dirijam a uma orquestra que preste serviço musical a todas as populações e a todos os municípios enquadrados neste espaço regional. De facto, essa foi sempre a nossa posição.
Porém, os promotores de ambos os projectos, em vez de caminharem nesse sentido, tentaram, durante algum tempo, cada um pelo seu lado, afirmar cada vez mais o seu próprio projecto, dizendo que ele poderia contrabalançar o outro.
Apesar de tudo, até foi bom instalar esta polémica, porque isso ajudou a resolver o assunto. Ainda ontem, tive uma reunião com os seis governadores civis dos distritos que compõem esta área e chegou-se a um consenso geral sobre a necessidade da junção destes dois projectos para se conseguir uma orquestra sólida e, consequentemente, uma formação de qualidade artística e de carácter profissionalizante. Aí, pude igual-

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mente obter algumas informações, inclusivamente sobre a sensibilidade dos próprios governadores civis relativamente à questão, já que eles estão mais em contacto com as populações. Por outro lado, ficou marcada uma reunião para o próximo dia 25 com os próprios promotores, onde se vai, então, tentar conjugar ambos os projectos, para que, em breve, tenhamos a Orquestra das Beiras, com este ou outro nome e com um determinado modelo.
Estou convencido de que, em breve, teremos uma orquestra de qualidade, tal como acontece no Norte. E hão-de verificar que a orquestra do Norte, que abrange vários distritos, de Braga a Bragança, passando por Vila Real e outros distritos daquela zona- aliás, costumo dar este exemplo -, tem a sede social em Vila Real e a sede administrativa em Fafe.
Portanto, há sempre formas de resolver estas pequenas disputas regionais, que, por vezes, surgem. Aliás, devo dizer-lhe que deparei com o mesmo problema no Algarve, em que os promotores queriam uma orquestra regional para área Sotavento e um outra para a área Barlavento, onde afirmei não aceitar este tipo de candidatura para esse projecto de orquestra regional. Assim, como vê, esta questão até nem é nova, não se passa apenas na região Centro, porque também ocorreu no Algarve. Ora, fui lá e disse claramente que só aceitaríamos um projecto único, porque o nosso objectivo é termos uma orquestra de qualidade, sólida, que) efectivamente garanta o desenvolvimento musical/de forma harmoniosa.
É tudo o que tenho a dizer-lhe, Sr. Deputado.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

0 Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado, começaria por manifestar aqui a minha inteira concordância com a generalidade daquilo que foi expresso por V. Ex.a- efectivamente, o que interessa é criar a Orquestra Regional das Beiras -, embora não tenha respondido claramente àquilo que identifiquei como o motivo da questão, ou seja, as declarações do Sr. Secretário de Estado da Cultura, dizendo que havia uma decisão e que o vencedor era o projecto de Coimbra. Porém, acredito perfeitamente, porque aconteceu e todos tivemos a ocasião de o verificar, que muitas dessas tomadas de posição, nessa altura, tenham sido posteriormente desmentidas, dizendo-se que não era bem assim, etc.
Ora, pretendia que o Sr. Subsecretário de Estado me dissesse se estas declarações, que li e transcrevi de um jornal As Beiras, de Coimbra, correspondem, ou não, à realidade, ou seja, se o projecto de Coimbra nunca assumiu uma preponderância em relação ao outro, que cumpriu os requisitos formais.
Sr. Subsecretário de Estado, sendo certo que esse aproveitamento de sinergias é óptimo, perguntava-lhe, a partir da análise que fez dos dois projectos, qual deles pode ser um catalizador maior para a criação da Orquestra Regional das Beiras, pondo à sua consideração o seguinte: é verdade ou é mentira que o projecto de Aveiro, Viseu e Guarda engloba 55 municípios, enquanto que o outro engloba 11? É verdade ou é mentira que o número de concertos já assegurados pelo primeiro é de 99 e pelo segundo é de 25, aproximadamente? É verdade ou é mentira que a comparticipação por concerto assegurada pelo primeiro projecto é de 750 contos e pelo segundo é de 250 contos? E verdade ou é mentira que, em relação ao primeiro projecto, há experiências anteriores desenvolvidas, nomeadamente uma série de orquestras, e que em relação ao segundo não há? É verdade ou é mentira que o primeiro projecto tem, relativamente a cursos superiores de música e a conservatórios, vários e o segundo não os tem?
Esta é a verdadeira questão. Não se trata aqui de qualquer bairrismo ou disputa em relação a outras capitais de distrito ou distritos mas, sim, de conseguir a melhor solução para toda uma região, que não está perfeitamente identificada mas que todos nós sabemos onde começa e onde termina.
0 que é estranho é que, havendo estes dois projectos e esta análise com estes números, que podem estar errados, mas que o Sr. Subsecretário de Estado corrigirá, possa haver uma decisão no sentido de esse catalizador e de essas sinergias, que têm interesse em ser criadas e com que pessoalmente concordo, serem atribuídas exactamente àquele projecto que, numa análise objectiva, parece não ser o que tem maiores possibilidades de conseguir congregar todos os esforços e, acima de tudo, uma capacidade económica e financeira e uma ligação às mais variadas estruturas.
Numa análise objectiva, parece-me - e o Sr. Subsecretário de Estado corrigir-me-á, se assim não forque o primeiro projecto tem, eventualmente, nesse sentido congregador, capacidade superior para conseguir "liderar" esse projecto, no sentido de ser capaz de aglomerar todos os intervenientes e interessados nesta questão.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado da Cultura, quero fazer minhas as considerações que foram feitas pelo Sr. Deputado Ferreira Ramos sobre os meios que existem em Aveiro, em contraste com a sua falta em Coimbra.
Existem mais alguns pormenores que justificam a sensibilidade dos Aveirenses nesta matéria: é que o distrito de Aveiro tem sido espoliado de todos os organismos representativos do poder central, os quais têm sido encaminhados para Coimbra. Ainda agora isso aconteceu com o Centro Regional da Segurança Social. É que, embora Aveiro tenha um desenvolvimento industrial 10 vezes superior ao de Coimbra e tenha 10 vezes mais empresários e trabalhadores, os seus residentes têm de ir a Coimbra resolver os problemas relativos à segurança social.
0 mesmo vai agora acontecer com a saúde. Com, a célebre regionalização da saúde, que não é mais do que um aumento ou agravamento da centralização, Aveiro perde a Direcção da Administração Regional de Saúde do distrito e, mais uma vez, tem de ter um intermediário até chegar ao Governo. 15to para não citar o caso das cerâmicas, das pescas, etc., que têm ido parar a Coimbra.
É claro que sei que não se trata de inimizade do Governo por Aveiro, mas há aqui um assunto subjacente muito mais grave: os senhores já fizeram a regionalização do País e, agora, querem promover e nomear as pessoas para os órgãos da região antes que a lei venha a impor que essas nomeações sejam ordenadas de outro modo que não a forma partidária como têm sido.

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Portanto, Aveiro tem uma sensibilidade especial para esta situação e os senhores têm de ficar a saber que, neste momento, por causa disto, há uma reacção terrível em Aveiro. Até isto vão retirar a Aveiro, quando há aí uma universidade que tem licenciaturas em música, o que não acontece em Coimbra; quando em Aveiro, em Viseu e na Guarda há conservatórios e, em Coimbra, há apenas uma mera escola; quando, em Aveiro, há músicos, há profissionais, para formarem uma orquestra... E o senhor põe em causa que a sede social seja em Aveiro!
Julgo que a sede social deve estar localizada, de facto, na cidade ou no distrito que mais meios tenha para poder formar essa orquestra regional.
Já agora, Sr. Subsecretário de Estado da Cultura, deixe-me fazer também um pequeno comentário à fartura que...

Pausa.

Vejo que V. Ex.ª está a ser industriado pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o meu querido amigo e colega...

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, está a terminar o seu tempo.

0 Orador: - Sr. Presidente, espero que este pequeno intervalo não seja contado, que o relógio tenha sido parado.
Sr. Presidente, como estava a dizer, gostaria de fazer um pequeno comentário à fartura que o Sr. Subsecretário de Estado referiu há pouco: oponho a essa fartura a pobreza espantosa do ensino da música nas nossas escolas e a consequência disso é, de facto, o desinteresse da nossa população e da juventude pela verdadeira música e a atracção terrível que há por essa barulheira que por aí há, a que se chama música.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

0 Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado da Cultura, de facto, estas questões da fartura têm muito a ver com a noção que se tem disso e do apetite que se tem pelas coisas. Há quem fique farto com pouco!
0 Sr. Subsecretário de Estado da Cultura deu-nos uma visão manifestamente idílica destas coisas. Quem o ouvisse falar e não conhecesse o País fora dos muros desta Casa, suporia que estava numa nova Áustria, em que a música nos inunda, mesmo que não queiramos. Talvez seja esse o seu conceito, mas, é evidente, que ninguém acredita nisso.
Por exemplo, ainda há bem pouco tempo, tive ocasião de ter um encontro- aliás muito interessante, muito musical, pode dizer-se -, com elementos da direcção do Sindicato dos Músicos, que nos dá uma visão manifestamente diversa, para não dizer mais, da música e dos músicos no nosso país.
Posso dizer-lhe também que, sobre este assunto, tive ocasião de endereçar à Secretaria de Estado da Cultura um requerimento, já lá vai mais de um ano, ao qual, até agora, não obtive qualquer resposta, apesar de sucessivas promessas - aliás sempre muito simpáticas - do Sr. Secretário de Estado, nas suas várias deslocações a esta Casa. Vamos ver se irei ou não receber alguma resposta a esse requerimento.

Mas vamos à questão de fundo: há que reconhecer que a Secretaria de Estado da Cultura se tem revelado extremamente hábil no aproveitamento mediático das suas intenções. É espectacular a anunciar coisas, o que não quer dizer que, depois, as faça. Aliás, não é raro que essas intenções não passem exactamente disso e, pelo contrário, até venham a colidir com os seus actos concretos.
É este, precisamente, o caso - se me permite - da situação da música e dos músicos no nosso país: orquestras desfeitas e substituídas por outras, algumas delas nem do papel passaram; músicos portugueses colocados no quadro de excedentes e, em contrapartida, as nossas orquestras estão cheias de músicos estrangeiros.
E que não se veja nisto qualquer tipo de xenofobia mas não nos venham falar do carácter universal da música, pois não é disso que se trata e, sim, de que é preciso olhar fundamentalmente para o país que temos, não fazendo sentido que se encontrem no desemprego dezenas e dezenas de músicos portugueses, subaproveitados ou "na prateleira", e as nossas orquestras, frequentemente - o Sr. Subsecretário de Estado sabe-o tão bem quanto nós -, de portuguesas pouco mais terem do que o nome! É o caso dramático dos contratos ditos de trabalho da Orquestra da Fundação do Teatro S. Carlos, manifestamente ilegais e inconstitucionais - o próprio Director da Fundação terá dito, referindo-se a esses contratos, que, se fosse músico, jamais os aceitaria. Enfim, é todo este conjunto de questões.
Não nego que, em algumas áreas, se tenham feitos progressos, não o nego! Mas não é essa a tendência geral, nem é essa, de modo nenhum, a visão que, em termos genéricos, podemos ter da situação da música e dos músicos do nosso país.
Para terminar, coloco-lhe, Sr. Subsecretário de Estado, uma questão concreta que tem que ver com o problema da chamada orquestra das Beiras, que ainda não existe- e aí temos outra vez uma circunstância em que a SEC é hábil, ou seja, já fala de uma orquestra que, de facto, não tem existência. A SEC não está certamente a pensar tomar uma decisão salomónica, colocando, por exemplo, o naipe dos clarinetes em Aveiro, o naipe dos violinos em Coimbra, o naipe dos trombones noutra cidade qualquer e o director itenerante...

0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - E o bombo na Secretaria de Estado!

0 Orador: - Espero bem que não, mas gostaria de saber, de facto, o que é que a SEC está a pensar fazer quanto a esta matéria. Não vamos continuar com a velha táctica de a SEC ser hábil a anunciar grandes coisas que depois não passam do anúncio.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado, é verdade que temos uma orquestra sinfónica a dar os primeiros passos. No entanto, como 'V. Ex.ª deve saber, a UNESCO definiu, há tempos, como ratio ideal uma orquestra sinfónica por um milhão de habitantes e, de acordo com esse ratio, deveríamos ter, pelo menos, nove orquestras sinfónicas. Talvez com mais um milénio de Governo de Cavaco Silva cheguemos a esse objectivo!...

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Queria ainda comentar um outro aspecto: o Sr. Subsecretário de Estado disse, há pouco, que muitos espíritos ainda confundem a dimensão regional destas orquestras, mas devo dizer-lhe que, em meu entender, o grande responsável por essa confusão é o Governo, ainda por cima um Governo que não quer institucionalizar a regionalização, como tivemos ocasião de verificar neste debate. Julgo que é o carácter regionalizante que o Governo deu a este projecto que está a viciar a questão.
Foi publicado um despacho normativo que aprova as normas que regulam a concessão de apoios financeiros à criação e ao desenvolvimento das orquestras regionais, sublinhando-se a componente financeira, para, depois, no desenvolvimento deste despacho, ser definido um número mínimo de músicos e um plafond de financiamento, ainda por cima misturando-se a dimensão regional. Esta é a pior forma de pegar no assunto, porque o que está acontecer, até por uma questão de brio de carácter regional, é que cada região, grupo de municípios, etc., está a querer criar, pelo menos, uma orquestra clássica, de cerca de 30 músicos, o que significa, de uma forma realista, um custo de cerca de 400000 contos l ano por orquestra.

0 Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: - Não, Sr. Deputado.

0 Orador: - Sr. Subsecretário de Estado, a SEC tem sempre umas contas particulares que depois não dão certo. Só que, depois, não pagam e andam as pessoas a protestar. 0 que dizem os profissionais quanto a estas orquestras regionais é que estas terão um custo de 400 000 contos l ano, mas não vamos discutir trocos!
Como disse, esta foi a pior maneira de pegar no assunto. Por que é que não adoptaram uma fórmula muito mais realista, a exemplo do que se faz, nomeadamente, na Alemanha, ou seja, definindo-se a dimensão das orquestras e não propriamente critérios regionais e critérios de plafonds financeiros? Por é que, em vez de começar a dar elementos para este processo de imolação entre autarquias e regiões, a SEC não contribui para que, de uma forma realista, a nível autárquico, distrital ou regional e de acordo com as disponibilidades financeiras e dos profissionais existentes, se criem vários tipos de orquestras, como na Alemanha, por exemplo, uma orquestra de câmara de 10 ou 14 elementos e assim sucessivamente? Esta questão está viciada desde o início!
Para terminar, gostaria que nos dissesse como é que a Secretaria de Estado está a articular este projecto de criação de orquestras, no domínio do ensino e das edições, com o Ministério da Educação e como é que o está a articular com a orquestra das Beiras, do Alentejo" ou do que quiser, com a RDP e a RTP. Como é que a SEC insere em toda esta dinâmica o apoio as práticas amadoras, como é, por exemplo, o caso das bandas, e o apoio à profissionalização dos músicos?

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra Olindo Ravara.

0 Sr. Olindo Ravara (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado, começaria por felicitar o Sr. Deputado Ferreira Ramos pela oportunidade e actualidade da sua pergunta ao Governo, pois este é um assunto que nos preocupa a todos, habitantes da região Centro, dado que, naturalmente, queremos ver enriquecido o nosso património cultural com uma orquestra regional.
Gostaria também de dizer que concordo com o esforço que está a ser feito pelo Governo no sentido de fomentar em todo o País o aparecimento de orquestras regionais. Relativamente à região Centro, suponho que uma orquestra será suficiente e, por essa razão, estou inteiramente de acordo com a tentativa de se congregarem esforços no sentido de, em vez de serem criadas várias orquestras fragmentadas e talvez de menor qualidade, aparecer um projecto excelente, com excelentes músicos, que, na verdade, possa traduzir o anseio de toda a população da região Centro.
Por último, não quero deixar de dizer que, face ao conhecimento que tenho dos projectos em equação, o projecto dos distritos da Guarda, Viseu e Aveiro me parece ser mais abrangente e com possibilidades de um maior apoio - terá outras estruturas de apoio - e, à partida, parecer-me-ia natural que uma escolha meramente técnica incidisse sobre a orquestra das beiras, sem qualquer menosprezo ou qualquer discriminação em relação ao projecto apresentado por Coimbra, pois esse projecto tem também o seu valor e o seu mérito.
Entendo, portanto, que deve ser feito um grande esforço, não só do Governo mas dos promotores e de todas as partes intervenientes, no sentido de ser encontrada uma solução na base de um projecto catalizador, como referiu o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.

0 Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: Sr. Presidente, Sr. Deputados Ferreira Ramos, permita-me que inicie a minha intervenção não pela cronologia das pergunta que me foram colocadas mas respondendo em primeiro lugar ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
Assim, começo por dizer ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu que não necessito de ser industriado. Gosto muito de ser informado, isso sim!

0 Sr. José Calçada (PCP): - Ai sim?!

0 Orador: - Além disso, estou perfeitamente à-vontade para falar sobre estes e todos os outros assuntos de vertente cultural, sempre que os Srs. Deputados assim o queiram.
Sr. Deputado, quanto à questão que colocou, respeitante à regionalização e descentralização ou desconcentração do serviço, devo dizer-lhe que, efectivamente, - não vou aqui falar sobre os outros departamentos ministeriais.
0 que me parece - aliás, é o que tem sido seguido é que existe uma certa repartição, nomeadamente onde estão as sedes das CCR...

0 Sr. José Calçada (PCP): - Gato escondido com o rabo de fora!...

0 Orador: - Sr. Deputado, deixe-me acabar de dizer o que penso sobre o assunto. A Secretaria de Estado da Cultura também tem as suas delegações regionais, tendo até, recentemente, mudado uma do Porto para Vila Real. De facto, se há uma acusação que, de for-

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ma alguma, não nos podem fazer a nós, Secretaria de Estado da Cultura, é a de não estarmos a fazer uma descentralização efectiva e por todo o território sem olhar ao município ou à cidade que seja.
Não é isso que nos move mas, sim, uma efectiva descentralização cultural, que estamos a conseguir em todos os domínios da cultura. A esse propósito, posso falar-lhe da rede de leitura pública, onde já temos cerca de 110 contratos assinados com municípios que vão desde o norte até ao sul do País. Este ano vamos assinar mais 12.
Também posso falar-lhe na rede nacional de arquivos. Todos os distritos do País estão a ser contemplados com um arquivo distrital. Ainda no ano passado inaugurámos quatro: Portalegre, Santarém, Castelo Branco e Braga. E, ao mesmo tempo, fizemos um contrato de cedência em Aveiro e Leiria. Também em Faro estão a começar as obras.
Posso ainda falar-lhe, por exemplo, na rede nacional de museus, que se aplica de norte a sul do País, ou na rede nacional de palácios nesse caso, efectivamente, não podemos transportar os palácios de um lado para o outro...

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Lá chegarão!...

0 Orador: mas, onde eles estão, vamos cuidar
deles.
Também lhe posso dar o exemplo da rede nacional de cine-teatro, onde a Secretaria de Estado da Cultura não tem deixado demolir um só teatro, bem pelo contrário, está a recuperá-los por todos os municípios do País. Quer mais descentralização cultural?
Já agora, falo-lhe na defesa do património e nos centros de restauro, que serão criados em todos os distritos!

0 Sr. José Calçada (PCP): - A França inveja-nos!

0 Orador.- Ainda ontem, o Sr. Secretário de Estado da Cultura foi inaugurar dois: um em Viseu e outro em Tibães. Querem melhor exemplo de descentralização do que este?

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Não queremos!

0 Orador: - Como podem constatar, não têm razão quando falam nessa questão relativamente à Secretaria de Estado da Cultura.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - São centros de restauro a cola e fita-cola!

0 Orador: - Precisamente por isso, Srs. Deputados, gostaria de dizer que em relação a esta questão da Orquestra das Beiras, de facto, o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques fez algumas confusões, uma vez que confunde o papel de cada formação orquestral. Aliás, devo dizer-lhe que segundo este critério da UNESCO, que é extremamente perigoso e que já não se aplica à Europa - para tanto, basta ver o que está a acontecer na Europa -, a Somália deveria ter cinco orquestras sinfónicas, Moçambique dezassete, e por aí fora...

Protestos do PS e do PCP.

0 Sr. José Calçada (PCP): - Não brinque com coisas sérias!

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0 Orador:- Não estou a brincar com coisas sérias, apenas devo dizer que estes critérios fazem-me lembrar o tal problema das estatísticas que, não sendo correctamente utilizadas, levam a situações destas!
Protestos do Deputado do PS Ferrando Pereira Marques.

Sr. Deputado, é preferível termos as orquestras de que necessitamos do que, como tivemos muitas vezes, projectos megalómanos que, depois, não levamos até ao fim.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. José Calçada (PCP): - É mais fácil desfazer orquestras do que criar!

0 Orador: - 0 que lhe posso dizer é que o que estamos a construir estamos a fazê-lo com solidez, step by step! É uma política consistente e coerente. Pode gostar-se ou não dela,...

0 Sr. José Calçada (PCP): - 15so é verdade!

0 Orador: - ... mas existe! E existe determinada, com objectivos perfeitamente determinados.
Além do mais, deixe-me que lhe diga o seguinte: o Sr. Deputado faz confusão, por exemplo, entre as orquestras de câmara, as de formação clássica e as sinfónicas. As orquestras de câmara, normalmente, devem estar ligadas à escola e devem ter uma função completamente diferente, que é a formação musical de base; as orquestras clássicas já têm um sentido profissionalizante, já devem estar em contacto com o público e, como tal, tem uma apreciação artística completamente diferente; e as orquestras sinfónicas constituem o topo da pirâmide.
Aliás, devo dizer que sobre esta matéria os Srs. Deputados fazem-me lembrar, por vezes, a questão do ovo e da galinha, porque perguntam como é que está a situação das escolas para formar músicos e depois dizem que andamos a formar músicos mas não temos orquestras para os empregar.
Assim, estamos a criar orquestras e novos postos de trabalho, porque esta é uma das formas de romper esse ciclo vicioso que, ao longo dos anos, existiu em Portugal e pela primeira vez conseguimos dar este passo. Hoje em dia temos postos de trabalho para os músicos portugueses, e mais: se há músicos estrangeiros a ocupar esses lugares é porque não há músicos portugueses...

0 Sr. José Calçada (PCP): - Não é verdade!

0 Orador: - É verdade, sim, Sr. Deputado! Fale com os profissionais! Até lhe devo dizer mais...

0 Sr. José - Calçada (PCP): - Estou a falar pelo Sindicato dos Músicos!

0 Orador: - ó Sr. Deputado, fale com os profissionais, fale com quem sabe! Olhe, sabe qual é a minha principal característica? É que gosto muito de ouvir, sei ouvir e ouço toda a gente...

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Ainda ontem fui ver um espectáculo e estive com um encenador português que me

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922 I SÉRIE - NÚMERO 27

dizia: "Sr. Subsecretário de Estado, eu queria fazer um programa e', contratar 20 músicos, mas não há músicos".

0 Sr. José Calçada (PCP): - E os músicos que estão no QEI?

0 Orador:- 0 senhor fala dos músicos que estão no QEI. Olhe que conheço todos os processos, relativamente aos quais o senhor possa falar, porque estive envolvido em tudo isso e posso dizer-lhe que há músicos que estão requisitados ao QEI. Ou será que não sabe disso?

0 Sr. José Calçada (PCP): - Sei sim!

0 Orador: - Ah, mas não disse! Só disse a parte que lhe convém...

0 Sr. José Calçada (PCP): - É que não faz sentido os músicos não tocarem por uni lado e tocarem por outro.

0 Orador: - Mas porque é que não faz sentido? Lá está o Sr. Deputado a querer prejudicar os músicos, pois à custa de querer defendê-los tanto acaba por prejudicá-los.
Esses músicos são funcionários públicos, como não podem perder essa qualidade e como podem querer continuar a trabalhar, muito bem, estão no QEI, uma vez que a instituição desapareceu mantêm o vínculo.
Quer dizer, o Estado teve a preocupação de lhes manter todas as suas regalias, e o Sr. Deputado agora não quer? Mais, ao mesmo tempo que mantém as regalias o Estado chama-os para trabalhar. Quer melhor exemplo do que este de honestidade e de compreensão para com os problemas? Não há!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - 0 Lã Féria agora também já encena!

0 Orador: - ó Sr. Deputado não fale no Lã Féria, porque isso não é para aqui chamado. Cada um faz a leitura que quer fazer...

0 Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Estava a pensar onde é que ele teria aprendido a encenar!...

0 Orador: - Bom, mas o que eu acho que vos custa muito relativamente à política cultural é que a oferta cultural subiu de tal modo, em Portugal, que as pessoas até andam atónitas...

Risos.

e não chegam a compreender bem o alcance de tudo isto!

0 Sr. José Calçada (PCP): - Então, porque é que em 20 anos o número de leitores das bibliotecas públicas desceu cerca de 50 %.

0 Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas não ouvi o que disse?

0 Sr. Presidente: - Sr. Subsecretário de Estado, não vou ser tolerante com o tempo e quando chegar aos 10 minutos encerro o debate.

0 Orador: - Sr. Presidente, a discussão tornou-se interessante...

0 Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados não têm o direito de interromper, salvo se forem autorizados pelo orador que já só dispõe de 1 minuto para responder, porque eu não vou dar mais.
Na verdade, a maior desafinação desta discussão começou por mim, porque não respeitei os tempos, mas...

0 Sr. José Calçada (PCP): - Não posso deixar de ser sensível ao trocadilho brilhante usado pelo Sr. Presidente, que melhorou manifestamente o nível da discussão, e quero aproveitar para dizer que números oficiais indicam que houve uma quebra brutal do número de leitores nas bibliotecas públicas nos últimos 20 anos. Claro que isso não foi só da responsabilidade do Governo do PSD, nem só desta Secretaria de Estado e do Sr. Secretário de Estado da Cultura, mas não se entende muito bem como é que vamos parar às conclusões que o Sr. Subsecretário de Estado agora aponta.

0 Orador: - Mas, Sr. Deputado, como é que é possível fazer afirmações destas? Havia de haver uma forma qualquer de responsabilizar as pessoas quando não dizem a verdade! Não sei qual, mas deveria haver!
Como é que é possível dizer isso? Vou explicar-lhe: do que o Sr. Deputado está a falar é de um conceito completamente diferente e, provavelmente, o que queria dizer é que os índices de leitura em Portugal diminuíram, como aliás diminuíram em toda a Europa e em todo o mundo, mas o número de leitores nas bibliotecas subiu consideravelmente. Mais, Sr. Deputado: a Biblioteca Nacional está sempre tão cheia que as pessoas não conseguem arranjar um lugar para se sentar!

0 Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Subsecretário de Estado.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Aliás, até o aconselho a ler o trabalho feito não pela Secretária de Estado da Cultura mas, sim, pela revista Ler (que sai na próxima semana) para ficar melhor informado.
A terminar, gostaria de dizer que, relativamente à orquestra das Beiras, não vamos considerar que um projecto é melhor do que outro. Efectivamente, o projecto de Aveiro tem uma grande consistência, sendo apoiado por muitos municípios, não de uma forma de contribuição pecuniária directa mas, sim, através da feitura de concertos, pagando-se pelo serviço prestado x.

0 Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Subsecretário de Estado.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Vamos tentar que os promotores - e não vai ser uma questão de naipes, como o Sr. Deputado referiu - se entendam entre si. Portanto, vamos patrocinar esse entendimento, pois pensamos ser o caminho correcto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Neste momento estamos convencidos de que é possível atingir tal objectivo!
Algumas das questões que me colocaram reflectem bem o problema enorme que tem a oposição e que é

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15 DE JANEIRO DE 1994 923

este: como estarmos a realizar obras e coisas que durante décadas a oposição nunca conseguiu fazer, reagem assim!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Pronto, já estragou tudo!

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, dispondo, para o efeito, de três minutos e não mais.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Subsecretário de Estado, V. Ex.ª acusa-me de fazer confusão. Não quer, com certeza, vir agora ensinar-me qual a diferença entre uma orquestra de câmara, uma sinfónica, etc.

0 Sr. José Calçada (PCP): - Quer, quer!

0 Orador: - 0 Sr. Subsecretário de Estado não respondeu à questão que coloquei de saber se esse despacho normativo não contribuía para essa confusão de carácter regionalizante de todo o projecto, o que nada tem a ver com aquilo que V. Ex.ª acabou de referir. Não fiz confusão alguma, portanto não invente!
V. Ex.ª a está a aprender algumas coisas com o Sr. Secretário de Estado, o que é visível, desde logo, nas suas intervenções, mas, por vezes, diz algumas coisas infelizes, como essa da Somália. Eu falei na Alemanha, o Sr. Subsecretário de Estado na Somália. Será que a Somália é a sua referência do ponto de vista cultural?

0 Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: - Não é, Sr. Deputado!

0 Orador: - Que coisa lamentável!
Diga-me uma coisa: a disposição transitória que definia que, em 1992, o incentivo máximo era de 200 000 contos já foi actualizada? Se o foi, pergunto-lhe para quanto. Coloco-lhe esta questão para que não possa acusar-nos de fazer confusões.
Confusões faz o Governo, dando, depois, a imprensa eco desses factos. Por exemplo, a respeito da "desafinação", como é que está a situação da Orquestra Sinfónica Juvenil? 0 senhor deu-nos aqui um panorama muito optimista, pelo que pergunto-lhe: como é? Este subsídio já foi ou não pago?

0 Sr. José Calcada (PCP): - Estão a ver se, por acaso, existe alguma na Somália!...

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.

0 Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: Sr. Presidente, tal como já tentei explicar ao Sr. Deputado - e disse-o na minha intervenção anterior -, creio que este despacho reflecte a própria orgânica da Secretaria de Estado da Cultura e, ao mesmo tempo, das regiões onde estão as CCIZ.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - 15so não tem nada a ver com a orquestra sinfónica juvenil!

0 Orador: - Sei que o Sr. Deputado sabe e que está bem informado. Então, eu não sei isso?!... E sei que o Sr. Deputado também sabe que eu sei...
De facto, não queremos contribuir para clivagens que não devem existir. E tanto assim é que queremos diluir a questão de Aveiro e Coimbra. Para nós, tanta importância tem o distrito de Leiria, como o de Coimbra ou o de Castelo Branco, que não estavam contemplados naquele projecto inicial, como têm os outros três distritos que estão associados. 0 que queremos é uma orquestra que, efectivamente, faça a cobertura e o desenvolvimento musical daquela região integradamente, porque também existem conservatórios noutras cidades, nomeadamente na Covilhã e em Castelo Branco. Também existem aí escolas de música! Portanto, o que queremos é que haja um trabalho para toda essa região.
Relativamente aos 200 000 contos, devo dizer que não houve actualização, por uma razão muito simples: é que continuamos a considerar que o apoio da Secretaria de Estado da Cultura, para os primeiros dois anos, é suficiente e até agora essa verba tem sido suficiente para os projectos que nos foram apresentados. Portanto, não vamos aumentar.
Aliás, devo mesmo dizer-lhe que deverá haver ajustamentos, relativamente à concessão desse subsídio, de uma forma diferente, isto é, em vez de ser dado nos primeiros dois anos poderá ser dado ao longo de mais anos.
Temos, por exemplo, o caso de uma candidatura do Algarve, em que, uma vez que há outras entidades envolvidas, nomeadamente a Direcção Regional de Turismo, eles gostariam de ter um faseamento do subsídio do Estado não em dois anos mas, por exemplo, em quatro anos.

0 Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por último, quanto à Orquestra Sinfónica Juvenil, devo dizer que o subsídio já foi atribuído.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a sessão de perguntas ao Governo.
Informo a Câmara de que o Plenário volta a reunir na próxima quarta-feira, dia 19, pelas 15 horas, para um debate a propósito da entrada em vigor do Tratado da União Europeia, o - qual foi requerido pelo Governo, nos termos do artigo 245.º do Regimento da Assembleia da República.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 5 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Caeiro da Motta Veiga. Carlos de Almeida Figueiredo. Fernando Monteiro do Amaral. José Fortunato Freitas Costa Leite. José Pereira Lopes. Manuel da Costa Andrade. Manuel Joaquim Baptista Cardoso. Telmo José Moreno.

Partido Socialista (PS):

António de Almeida Santos. António Poppe Lopes Cardoso. Armando António Martins Vara.

Página 924

924 I SÉRIE - NÚMERO 27

Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

João António Gonçalves do Amaral.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular

(CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira. José Luís Nogueira de Brito.

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