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Quinta-feira, 24 de Fevereiro de 1994 I Série - Número 40

DIÁRIO Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE FEVEREIRO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Foram aprovados três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias dois sobre substituição de Deputados do PSD e do CDS e um outro favorável á tomada de posse de um Deputado do PSD no cargo de Director do Sub-Centro de Segurança Social de Beja.
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Espanha, de 26 de Fevereiro a 3 de Março.
Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa (PSD) teceu considerações acerca da política de imigração e condenou o PS pela sua actuação no «caso da Portela». Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Verá Jardim (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), António Filipe (PCP), João Corregedor da Fonseca (Indep.) e Fernando Pereira Morgues (PS).
O Sr. Deputado Alberto Avelino criticou a política de pesais do Governo. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Olinto Ravara e António Vairinhos (PSD).
O Sr. Deputado José Gosta Leite (PSD) falou da situação da agricultura em Trás-os-Montes e na região do Douro, tendo, no fim, respondido a pedidos

Ordem do dia.- Foi rejeitado o inquérito parlamentar n.º 19/VI - Aos actos administrativos na área do Ministério da Saúde (PCP). Usaram da palavra, a diverso- título, os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Nuno Delerue (PSD), João Rui de Almeida e Luís Filipe Madeira (PS), Fernando Andrade (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP) e Alberto Costa (PS).
Procedeu-se à apreciação das petições n.ºs 158, 169,173,200/VI (2.ª) e 2/VI (1.ª). Intervieram os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Alberto Costa (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), André Martins (Os Verdes), Carlos Miguel Oliveira (PSD). Paulo Trindade (PCP), Branco Malveiro (PSD), José Eduardo Reis e Luís Capoulas Santos (PS), Lino de Carvalho (PCP), Vasco Miguel e Arménio Santos (PSD), Leonor Coutinho (PS) e Conceição Rodrigues (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Telmo José Moreno.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.

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António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
António Monteiro de Castro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas e os requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.05 907 VI- Autoriza o Governo a consagrar medidas relativas a ilícitos publicitários, 91/VI- Altera a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), que baixou à 1.ª Comissão, e 92/VI - Autoriza o Governo a rever o Código Penal, baixando à 1.ª Comissão, face à complexidade e importância do seu objecto, e projecto de resolução n.º 89/VI - Sobre a Escola Secundária Homem-Cristo, de Aveiro (PS).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Luís Peixoto; aos Ministérios da Agricultura e dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Cascais, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Trindade; à Secretaria de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional e ao Ministério do Emprego e Segurança Social, formulados pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; aos Ministérios das Finanças, da Educação e à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins; ao Governo, formulados pelo Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins e José Magalhães; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Sérgio; ao Ministério do Mar, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pela Sr.ª Leonor Coutinho; e ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Caio Roque.
Entretanto, informa-se os Srs. Deputados de que as Comissões de Assuntos Europeus e Agricultura e Mar estão reunidas desde as 15 horas; as Comissões de Economia, Finanças e Plano e Trabalho, Segurança Social e Família reúnem às 16 horas; e as Comissões de Defesa Nacional e Educação, Ciência e Cultura reúnem às 16 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, como o meu companheiro de bancada não se encontra presente, pedia à Mesa que avançasse na ordem de trabalhos.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, como contava com a declaração política do PSD, o Sr. Deputado Alberto Avelino ainda não se encontra no hemiciclo, o que acontecerá dentro de dois minutos. Assim, solicitamos-lhe a suspensão dos trabalhos por esse período para que ele possa comparecer no Plenário.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, enquanto não chegam os Srs. Deputados inscritos, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de duas cartas de renúncia ao mandato de Deputado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a primeira carta é do Deputado Diogo Freitas do Amaral para o Presidente da Assembleia da República e diz o seguinte: "Nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, venho apresentar pessoalmente a V. Ex.ª a minha renúncia ao mandato de Deputado, com efeitos a partir de 16 de Fevereiro de 1994.
Quando assumi o efectivo exercício dessas funções, em Dezembro de 1992, fi-lo para poder intervir no debate do Tratado de Maastricht e na convicção de que me seria possível, de seguida, compatibilizar as funções parlamentares com os outros compromissos por mim anteriormente assumidos, quer como professor universitário, quer no exercício da profissão liberal de jurisconsulto.
O primeiro objectivo foi alcançado na altura própria, mas o decorrer da sessão legislativa de 1992/1993 demonstrou - infelizmente para mim - que os compromissos anteriores não me deixavam tempo disponível para exercer plenamente as funções de Deputado.
Mantendo-se agora, e decerto nos próximos dois anos, a mesma impossibilidade, vejo-me obrigado, em consciência, a renunciar a um mandato que sei não poderei cumprir com a assiduidade que entendo dever corresponder-lhe.
Aproveito a ocasião para apresentar a V. Ex.ª e a todos os Srs. Deputados os meus melhores cumprimentos, assim como a expressão do meu maior respeito pela Assembleia da República como órgão fundamental de representação política do Povo Português".
A segunda carta de renuncia é da Deputada Leonor Beleza para o Sr. Presidente da Assembleia da República e diz o seguinte: "Nos termos do n.º l do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, apresento a V. Ex.ª a minha renúncia ao mandato de Deputada".

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituições de Deputados.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados Diogo Freitas do Amaral (Indep.) com início em 16 de Fevereiro do corrente, inclusive, e Arlindo de Carvalho, do PSD, com início em 10 de Fevereiro do corrente, inclusive, respectivamente pelos Srs. Deputados Narana Coissoró e Rodrigues Marques.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias solicitado pelo Sr. Deputado Branco Malveiro.

O Sr. Secretário (João Salgado): - O parecer é do seguinte teor: "Desde que não exerça as respectivas funções, o Sr. Deputado Branco Malveiro poderá tomar posse do cargo de Director do Sub-Centro de Segurança Social do Distrito de Beja sem que para tal tenha de suspender o mandato de Deputado, tudo nos termos das disposições legais vigentes e aplicáveis".

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vou agora proceder à leitura de uma carta do Sr. Presidente da República, que é do seguinte teor: "Estando prevista a minha deslocação a Espanha, entre os próximos dias 26 de Fevereiro e 3 de Março, para participar, em Tenerife, a convite do Parlamento das Canárias e do Instituto Tricontinental da Universidade de La Laguna, sob a égide da UNESCO e do Parlamento Europeu, na "Conferência Internacional Jorge Campinos", e para receber, em Madrid, o grau de doutor Honoris Causa pela Universidade Complutense, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º l, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República".
A Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação apresenta ao Plenário da Assembleia da República a seguinte proposta de resolução: "Nos termos do n.º l do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial a Espanha, entre os próximos dias 26 de Fevereiro e 3 de Março".
Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

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Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num país com responsabilidades assumidas a vários níveis, não é legítimo, ao sabor das circunstâncias do momento, alterar ou introduzir entorses em políticas fundamentais.
Com efeito, o Estado português assumiu livremente a sua integração na Europa Comunitária e não só ratificou o Tratado de Maastricht como aderiu e ratificou o Acordo e a Convenção de Schengen.
A política de imigração, envolvendo, por natureza, vertentes externas, e a complexa problemática da circulação de pessoas não podia - como não foi - ser definida com alheamento em relação aos compromissos internacionais assumidos pelo nosso país, omitindo a circunstância de hoje sermos fronteira externa da União Europeia.
Não significa isto que Portugal não deva continuar a salvaguardar, como até aqui tem feito, a sua identidade histórica e cultural e o especial relacionamento- aliás constitucionalizado- com os países de língua portuguesa.
Por outro lado, o nosso país sempre privilegiou a integração dos cidadãos estrangeiros residentes, como algo de prioritário relativamente à entrada e acolhimento de novos cidadãos.
É puramente irresponsável, do nosso ponto de vista, esquecer a nossa concreta escala física e a dimensão do País de um ponto de vista económico e financeiro, em confronto com o problema global da imigração económica, escamoteando, assim, as nossas limitações como país de acolhimento.
Não podemos olvidar que o aumento da população mundial preocupa a comunidade internacional e que tal explosão demográfica põe em causa o futuro da humanidade e perturba o próprio ecosistema.
Por exemplo, prevê-se que a população do continente africano (hoje com 660 milhões de habitantes) duplicará nos próximos 20 anos e que o mesmo acontecerá em toda a área do Magreb.
Por outro lado, o nosso país tem privilegiado a integração dos cidadãos estrangeiros residentes e das comunidades que entretanto se fixaram como algo de prioritário nesta matéria, desencadeando, a seu tempo, um processo de regularização extraordinária de imigrantes clandestinos, como única forma de assegurar a melhoria do seu acesso à educação, à habitação, aos cuidados de saúde e formação profissional e evitar os fenómenos de xenofobia, a marginalização e exclusão social e o emprego precário.
Vem tudo isto a propósito do dito "caso da Portela". Com efeito, o País assistiu, nos últimos dias, a um verdadeiro teatro político, a que dirigentes do Partido Socialista lançaram mão, do nosso ponto de vista, algo irresponsavelmente.
Foi deprimente assitir ao empolamento, nos jornais e na televisão, daquele caso, bem como à instrumentalização da pequena Benedicte e da Sr.ª Vuvu Grâce, tudo a culminar na criação de um facto político ou até num caso nacional, como mero trampolim para atacar o Executivo.
Só de má fé é que se pode pretender e procurar fazer passar para a opinião pública a ideia de que o facto de se ser titular de um visto consular para turismo por tempo limitado constitui garantia e direito de entrada em qualquer país.
Isso equivaleria a transformar os serviços de fronteiras em meros verificadores de vistos ou tabeliões, quando a sua missão, à face da lei e dos normativos aplicáveis, é bem mais complexa. A nossa lei é clara, quando diz que "um titular de visto para turismo, que fraudulentamente pretende imigrar e fixar residência no País, deve ser impedido de entrar".
Pretender, demagogicamente, que se deve entrar no campo das excepções e sub-excepções, por alegadas razões humanitárias, é ignorar que, na prática, quase todos os casos de imigração são casos substancialmente humanitários.
Se, no referido caso, tivermos em conta que ainda ocorrem as seguintes irregularidades: os envolvidos têm documentação com nacionalidade zairense e outros documentos com nacionalidade angolana; o Sr. Souzé Bruno formulou pedido de asilo como zairense e pedido de autorização de residência como angolano, tendo, por via do primeiro pedido, recebido avultados quantitativos da Segurança Social; o anterior passaporte da Sr.ª Vuvu Grâce foi utilizado por um terceiro cidadão, que o alterou...
Penso que estes factos são suficientes para demonstrar ou evidenciar que algo não está bem.
Enquanto, por um lado, se compreendem manifestações de solidariedade, próprias de determinadas organizações e inerentes à sua generosidade, por outro, não se pode deixar de denunciar o aproveitamento político e a hipocrisia de responsáveis do Partido Socialista ao utilizarem estas situações com fins político-partidários.
É, assim, inconcebível, Srs. Deputados, que se con-fundam conceitas, como "racismo" ou "xenofobia" com "imigração económica ilegal", tanto mais que não foram, até hoje, apresentadas, perante o País e nesta Câmara, quaisquer políticas ou soluções alternativas.
Neste sentido, pergunto aos Srs. Deputados, designadamente aos do Partido Socialista, se entendem que as nossas fronteiras devem ser abertas à imigração económica, desde logo à de África ou do Leste Europeu? Sim ou não? Se sim, qual o grau de abertura ou de restrição para tais situações? Qual a ordem de precedência? Que critérios, Srs. Deputados?
Finalmente, como é que se pode ter votado favoravelmente a ratificação do Tratado de Maastricht, com as obrigações e compromissos que decorrem do 3.º Pilar- e o Acordo e a Convenção de Schengen e, ao mesmo tempo, pretender uma política contraditória com tais compromissos?

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, duas políticas de imigração estão claramente em confronto: a da adequada integração das comunidades estrangeiras residentes, acompanhada de medidas de cooperação e ajuda aos países de língua portuguesa, tudo numa perspectiva que limita de forma criteriosa e prudente a fixação de novos imigrantes e aquela outra que o PS, pelos vistos, defende e que é de abertura total das portas do país ao estrangeiro através de pseudo-solidariedades.

As águas estão separadas. Assumam as vossas responsabilidades!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José

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Vera Jardim, Narana Coissoró, António Filipe, João Corregedor da Fonseca e Fernando Pereira Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa: V. Ex.ª subiu àquela tribuna para fazer de caixa de ressonância das posições infelicíssimas que o Governo vem tomando sobre esta matéria nos últimos dias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, ficou claro para toda a gente que o Governo não tem o mínimo fair-play para aceitar uma decisão dos tribunais portugueses em qualquer matéria em que ele, Governo, julga que tem a primeira e a última palavra. Esta é que é a verdade dos factos!
V. Ex.ª faz acusações várias ao PS bem como a membros desse partido e quero dizer-lhe com toda a frontalidade que, enquanto cidadão deste país,- repito, enquanto cidadão deste país- não aceitarei, nem de V. Ex.ª nem de ninguém, a menor censura sobre o que faço usando os meios legais ao meu alcance para defesa dos direitos dos cidadãos. Repito, não aceito a menor censura, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa!

Aplausos do PS.

VV. Ex.as sabem que não há nenhuma política de imigração e vêm agora tentar afirmar que somos nós que temos uma política de imigração de porta aberta!
Sr. Deputado, quem deixou entrar em Portugal, nos últimos anos, 100000, 120000, 180000, 200000 ou mais clandestinos, pois ninguém, nem o próprio Governo, sabe quantos são?

Vozes do PS:- Muito bem! Quem foi? Foi o bloco central!

O Orador: - Quem foi que os deixou entrar, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa? É essa a pergunta que fica de pé.
E agora vem V. Ex.a, acorrendo ao toque a rebate, dizer que nós é que defendemos uma política de portas escancaradas! V. Ex.ª sabe muito bem que não é assim. Temo-lo repetido muitas vezes, na televisão, na rádio, em todos os meios de comunicação social ao nosso dispor e repetimo-lo ao votar também as leis de imigração com o PSD. Portanto, não venham agora apontar-nos erros que VV. Ex.as cometeram!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, é com alguma tristeza, pela muita consideração que tenho por V. Ex.a, que tenho que lhe dizer o seguinte: V. Ex.ª ao veicular, do alto da tribuna, as versões policiescas, não policiais, fez lembrar outros tempos em que, quando o governo cometia erros, vinha depois lançar nuvens de dúvida...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Os fantasmas ficam lá fora!

O Orador: - Acalme-se, Sr. Deputado! Dizia eu que V. Ex.ª fez lembrar tempos em que, quando o governo cometia erros, lançava nuvens de dúvidas sob a honorabilidade dos cidadãos. Este é um método policiesco, para não dizer pior. No entanto, nos últimos dias, vem sendo posto bem a nu que o Governo nem sequer tem razão naquilo que diz, como sucedeu quando, por exemplo, um Secretário de Estado veio dizer, impunemente, à televisão que pensa que fulano e fulana nem casados são.
Sr. Deputado, se se tratasse de europeus bem situados na vida, residentes neste país há muito tempo e com o seu bilhete de identidade em ordem, talvez o Governo não tivesse o topete, que outro nome não tem, de lançar sobre as pessoas este tipo de acusações sem as enviar previamente ao Ministério Público e aos tribunais para julgarem. É que, Sr. Deputado, neste país, quem julga essas coisas ainda não é o Governo, ainda não é a administração, ainda são os tribunais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim: A primeira nota que queria fazer é, como não podia deixar de ser, para registar a sua posição de se subtrair à crítica política, pois estamos numa Câmara política. O Sr. Deputado, pessoalmente, subtraiu-se à crítica política; aliás, não o referi expressamente porque não posso censurar as suas posições pessoais, mas penso que, numa Câmara política, V. Ex.ª não se devia eximir à crítica e ao livre debate porque se trata de fazer política.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado José Vera Jardim, no fundo, veio apenas e de novo, atacar o Governo. Veja que não fez uma crítica sustentada ou substantiva à minha intervenção. O Sr. Deputado veio dizer que eu estava a fazer caixa de ressonância de posições infelizes, mas é facto que a posição que, do alto daquela tribuna, adoptei é uma posição que está para além do meu partido.
Aliás, posso ler aquilo que um conhecido articulista e cujo nome me dispenso de dizer,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Diga, diga que não sei quem é.

O Orador: - Trata-se de Vicente Jorge Silva, que, em 19 de Fevereiro, escreveu no editorial do seu jornal: "Portugal não dispõe, por motivos conhecidos, de condições económicas e de integração social para acolher sem reservas nem restrições os candidatos a imigrantes. E a verdade é que nenhum partido apresenta alternativas concretas e consequentes à actual política de imigração, como ainda ontem foi patente na conferência de imprensa promovida pelo PS a propósito do caso Vuvu".

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Leia o resto do artigo.

O Orador: - Se os senhores cederem tempo, lê-lo-ei. De qualquer modo, pretendo juntar este artigo à acta pelo que o apresentarei na Mesa em tempo oportuno.

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Finalmente, Srs. Deputados, o que é fundamental em política é assumir as responsabilidades. Nós temos uma política de imigração e os senhores continuam a não apresentar uma alternativa credível. Os senhores continuam a fazer críticas pontuais, eximindo-se ou subtraindo-se às questões de fundo.
É evidente que o que é difícil e fundamental é integrar os cidadãos residentes que temos. Os senhores preferem que o País tenha uma porta aberta mas não elaboram uma política consequente. Assumam as vossas responsabilidades!

Aplausos do PSD

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa: O Sr. Ministro da Administração Interna disse que o caso da Portela, como V. Ex.ª lhe chamou, ou o caso Vuvu, como lhe chama a imprensa é uma questão de Estado. Mas, Sr. Deputado, uma questão de Estado trata-se aqui no Parlamento e não nas conferências de imprensa. E, por isso, era estrita obrigação do Ministro da Administração Interna vir aqui ao Parlamento, no período de antes da ordem do dia, explicar o que se passa com esta questão de Estado. Aliás, tal fez o Ministro Marques Mendes quando foi o caso da compra do Futre pelo Benfíca e em que teve a hombridade de vir ao Parlamento explicar porque tenha demitido os administradores da RTP.
Assim, se é uma questão de Estado não é o partido que a trata.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Porquê?

O Orador: - É o ministro, são os ministros que têm que vir ao Parlamento tratar de questões de Estado com o órgão de soberania que é o Parlamento.
Em segundo lugar, o Ministro não pode confundir uma questão de Estado com um diálogo com o Partido Socialista. O problema não é do PSD com o PS mas do Ministro com a Nação, com o País. E não pode reduzir-se essa questão às alternativas entre o PSD e o PS. Neste momento o Ministro e o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna conseguiram- e o Ministro dos Negócios Estrangeiros não fala nem diz nada sobre o modo como foi feito concedido o visto- ...

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - ...que o país não saiba se o Vuvu é Vuvu, se Suzée é Suzée, se é angolano, se é zairense, se é refugiado, se tem isto, se tem aquilo. Quer dizer, puseram o país numa situação em que ninguém sabe nada do que se passa.
E daí a minha pergunta: é o partido que trata desse problema? A política é do partido?!
Em segundo lugar, Sr. Presidente, porque não vem o Ministro explicar o que se passa quantos aos factos e qual é a política que quer seguir em relação a este caso? Em vez de dizer que vai atacar a decisão judicial através de recursos devia dizer politicamente à Assembleia da República qual é a sua orientação nesta matéria. É isso que nós temos que saber. É sobre isso que nós temos de ser esclarecidos. A não ser assim, temos uma confederação de ministros...

O Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - ... em que o Ministro dos Negócios Estrangeiros diz uma coisa e o da Administração Interna faz outra não havendo uma política unitária deste Governo. É isso que precisamos de saber.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró: Respeito a sua posição mas não concordo com ela. Penso que é mau que de um caso pontual se faça um caso nacional.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Os senhores é que fizeram!

O Orador: - O que deve ser dado como assente é que o Sr. Secretário de Estado, em sede de lªComissão, já deu algumas explicações, mas os senhores podem pedir a vinda do Sr. Ministro da Administração Interna ao plenário e seguramente, estou convencido, ele virá.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP):- Ah!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa: O senhor, na sua intervenção, referiu-se a duas questões que retive. A primeira diz respeito à política de imigração deste Governo e a segunda às responsabilidades do Estado português no relacionamento com os PALOP.
Relativamente às responsabilidades do Estado e do Governo portugueses a este nível, quero colocar-lhe algumas questões. Sr. Deputado, considera que, a nível do relacionamento do Estado português com os países de língua oficial portuguesa, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem tido uma actuação responsável? Já não falo só neste caso lamentável, que foi recentemente do conhecimento de todo o País, mas de outros casos, também lamentáveis, que têm a vindo a ser denunciados ao longo do tempo e que revelam, de facto, um comportamento, por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que considero não ser responsável. E, não sendo desautorizado esse comportamento, o Governo é por ele responsável, o que em nada dignifica e em nada contribui para o relacionamento que Portugal deve ter com os povos e países de língua oficial portuguesa.
O Sr. Deputado considera que é responsável, a nível de política de imigração, que se leve a cabo um processo de regularização extraordinária de cidadãos que residem em Portugal ilegalmente, na sua esmagadora maioria provenientes dos PALOP, e que esse processo seja conduzido de forma a que, após encerrado o período de regularização, se verifique que estão ainda cerca de 40000 cidadãos por legalizar e que poderiam tê-lo sido caso o Governo tivesse feito alguma coisa nesse

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sentido e caso tivessem sido tomadas as medidas adequadas para esse efeito?
Considera que é responsável que, após o encerramento do período de legalização, o próprio Ministro da Administração Interna venha dizer, relativamente aos cidadãos que não se regularizaram, que "não temos outro remédio a não ser expulsá-los"? Aliás, deviam saber que o processo, como toda a gente denunciava, não ia ser bem sucedido, pois fizeram uma lei cuja aplicação implicaria a expulsão dos cidadãos que não tivessem a possibilidade de se legalizarem dentro do prazo previsto.
O Sr. Deputado considera que esta é uma política responsável de imigração e que este é um comportamento responsável a ter perante cidadãos, muitos dos quais contribuíram, ao longo de vários anos, laborando em obras públicas e noutros trabalhos pesados- e isto nas mais penosas condições sociais-, para o progresso do nosso país? O Sr. Deputado considera que essa é uma atitude responsável da parte de um governo?
Finalmente, Sr. Deputado, considera responsável a postura assumida, após os lamentáveis acontecimentos ocorridos recentemente no Aeroporto da Portela, por um funcionário superior do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que não foi desautorizado pelo Governo, ao fazer ameaças veladas quanto ao reexame de processos de cidadãos que têm a sua situação já regularizada em Portugal?
O Sr. Deputado não é da opinião de que com estas declarações, não desautorizadas, se cria um ambiente de ameaça e de chantagem sobre cidadãos estrangeiros que residem em Portugal mas que têm a sua situação regularizada? Julga que esta é uma política responsável?
Creio que a política de imigração de que o Sr. Deputado fala não é, de facto, uma política de imigração mas de segregação social, de ameaça aos imigrantes e de expulsão desses mesmos cidadãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, muito brevemente, diria que já conhecemos as posições do PCP sobre esta matéria, que são, desde logo, demagógicas e de mero ataque ao Governo.
Quero significar à Câmara que, do ponto de vista global, considero correcta a actuação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Agora, não posso é generalizar um incidente ou, a partir de uma situação pontual, confundir a actuação, aliás cabal e que deve ser vista à luz da lei, do SEF.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, por um minuto, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, ainda bem que V. Ex.ª colocou esta questão; é pena que o tenha feito de um modo errado. Lamento ter sido V. Ex.a, um Deputado que respeito, quem veio defender, com uma argumentação fraca, uma má causa, uma causa muito má.
No iníco da sua intervenção, o Sr. Deputado fez referência ao surto demográfico existente em certos países, faltando só apontar a "solução final" para essa situação, ou seja, a expressão do que V. Ex.ª defende para que nesses países não se registe lal surto demográfico.
É grave o que disse e a sua intervenção merece uma boa ponderação da sua parte.
O Sr. Deputado refere-se ao problema dessas regiões, mas esquece-se que os povos oriundos de países cujas matérias-primas são constantemente "rapinadas" pelos Estados ricos do Norte, esses sim, não têm futuro. São países endividados, sem futuro a não ser o de tentarem fugir de uma situação caótica fomentada pelos países ricos do Norte, que o Governo de V. Ex.ªdefende.
É claro que, através do Acordo de Schengen, de que tantas vezes fala, este Governo transforma Portugal no "porteiro" da Europa - como já foi dito -, o que é muito grave.

O Sr. Presidente: - Faça o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo, de imediato, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado devia igualmente ser mais ponderado, porque jornais nacionais e estrangeiros- e remeto-o principalmente para alguns estrangeiros - estão a noticiar uma onda gravíssima de emigração clandestina portuguesa, que está a invadir novamente países europeus, nomeadamente a Alemanha. Isso é indesmentí-vel: os jornais alemães, e não só, referem-no, como sendo devido, com certeza, às péssimas situações criadas em Portugal a portugueses.
Sr. Deputado, não disponho de tempo...

O Sr. Presidente: - Faça o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou passar à pergunta, Sr. Presidente.

A questão de fundo não é demagógica, como o Sr. Deputado afirma. Diga-nos realmente que tipo de política de imigração defende o Governo e o seu partido, porque aquilo que o Sr. Deputado nos explanou não se integra em política alguma.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, em primeiro lugar, quero registar uma pequena confusão feita por V. Ex.a. É que a Alemanha, tal como Portugal, pertence à Comunidade Europeia e, portanto, esse problema, conceitualmente primário, de o português que vai para a Alemanha ser um "emigrante", penso que deverá ser revisto.
O Sr. Deputado disse que eu tinha alegado e advogado uma má causa. Não estou de acordo, Sr. Deputado. Efectivamente, vim reafirmar uma política criteriosa e bem definida, que é a política do Governo, e os senhores, até hoje, nunca apresentaram uma alternativa a essa política.

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Se quer saber qual é a nossa política, posso dizer-lhe que é uma política de integração, de apoio àqueles cidadãos estrangeiros aqui residentes, que têm de ser cabalmente integrados e apoiados a vários níveis, e uma política de criteriosa audição dos que chegam, porque só podem entrar se tiverem condições objectivas para um acolhimento digno.
Sr. Deputado, com as nossas concretas limitações, não é possível acolher indiscriminadamente outros cidadãos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, sou um dos Deputados que se deslocaram ao Aeroporto da Portela para se inteirarem in loco do caso da Sr.ª Grâce Vuvu e da sua filha, aí retidas. Não recebi qualquer instrução de qualquer instância do partido a que pertenço. Limitei-me a obedecer, como outros socialistas, a um imperativo de consciência. Fomos lá como cidadãos; os senhores é que estão a fazer um aproveitamento político deste caso.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Enquanto português de uma geração que partilhou misérias de tempos mais difíceis, como emigrante e refugiado político, não me peçam para ser indiferente nem cínico face àquela gente mais desprotegida e mais pobre que demanda a nossa hospitalidade.
Por outro lado, enquanto cidadão com responsabilidades políticas, defendo - e por isso me baterei - que o Governo deste país tem a obrigação de praticar uma política diferente de imigração, uma política que saiba encontrar o equilíbrio necessário entre o interesse nacional e os direitos humanos, entre a inevitável impessoalidade das normas legais e o caso concreto que cada homem ou mulher constitui, entre as restrições ao acolhimento e os deveres perante os que são acolhidos, entre o interesse económico na utilização da força de trabalho dos que nos procuram e a obrigação moral e cívica de tratá-los como pessoas.
Não aceitamos, da vossa parte, lições de responsabilidade. Sobre esta matéria, temos propostas, que apresentámos logo no início desta legislatura e que vertemos nos projectos de lei n.º l/VI e 2/VI.
Porém, recusaremos todas as formas, mesmo insidiosas, de autoritarismo. Os senhores não têm uma política de imigração, mas, sim, uma política administrativa de fronteiras.
Explique-nos, Sr. Deputado, qual é, de facto, a política de imigração do "vosso" Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, o senhor veio aqui dizer-nos que, a nível pessoal, tinha uma posição e que, por isso, se tinha deslocado ao aeroporto. Mas o facto é que o seu grupo parlamentar deu uma conferência de imprensa...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - A resposta!

O Orador:- ... e isso é que foi objecto das críticas atempadamente feitas por nós.
O senhor disse que não era indiferente às situações de imigração. Sr. Deputado, também não sou indiferente a essas situações, mas elas são humanamente delicadas e insusceptíveis de serem alvo de abordagens demagógicas.
Os senhores não têm o exclusivo da generosidade nem do coração; os senhores respeitam essas situações, mas nós também. Portanto, não façam demagogia nesta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos o período de antes da ordem do dia, o Sr. Secretário vai dar conta das escolas que assistem a esta sessão plenária.

O Sr. Secretário (Belarmino Correia): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, assistem à sessão plenária um grupo de alunos das Escolas Avelar Brotero, de Coimbra, Princesa Isabel, de Oeiras, Secundárias de Gouveia e de S. Lourenço e do Instituto Educativo do Juncai de Porto de Mós.

O Sr. Presidente: - Srs, Deputados, para eles, peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, vou agora dar a palavra ao Sr. Secretário para a leitura de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (João Salagado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição da Sr.ª Deputada Leonor Beleza, do PSD, pelo Sr. Deputado Francisco José Martins, com início em 18 de Fevereiro, inclusive.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa intervenção, há cerca de um ano, questionávamo-nos sobre se o naufrágio do sector pesqueiro não estava próximo, dados os elementos estatísticos presentes e o retrato real que vinhamos a assistir e a viver nos últimos meses.
Movimentavam-se armadores e pescadores, autarcas e autarquias, e, como que a prever o afundamento, o Ministério do Mar lá lançou uma boiazita de salvação, qual doente com morte aprazada, para alívio de circunstância.
Isto é, foi concedido um subsídio à sardinha que era lançada ao mar. Mas a sardinha, vinda de barcos estrangeiros ou directamente de Vigo, entrava nas lotas

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portuguesas sem qualquer controlo, tinha prioridade na venda e provocava o caos entre os nossos pescadores. Assistia-se, no dia a dia, a espectáculos nada dignificantes, com o lançamento na via pública de toneladas e toneladas de pescado.
Relativamente ao carapau miúdo, o "jaquinzinho", mantém-se o escândalo: come-se em qualquer lado! Origem: Espanha! É que. em Portugal, o carapau capturado pelos pescadores nacionais tem de ter pelo menos 16 cm, enquanto que, em Espanha, pode ter 12 cm. Estranha concepção de medida comunitária! Que fraqueza negocial do nosso Governo!
Claro que, para que conste, lá se vai fazendo chegar à comunicação social: "Grande vitória do nosso Governo! Conseguiu-se negociar a captura de carapau com 12 cm!" Mas, na realidade, nada!
Infelizmente, já estamos habituados a este tipo de "show off".
Já em 1988, o Engenheiro Jorge Godinho, então Secretário de Estado das Pescas, se ufanava, ao afirmar que "daqui por quatro anos, Portugal poderá atingir a auto-suficiência no sector do pescado com equilíbrio da balança comercial neste bem alimentar". E justificava, para que dúvidas não constassem: "É, no espaço europeu, um dos sectores económicos onde Portugal dispõe de mais vantagens comparativas - recursos humanos, tecnologia e experiência-, que constituem um precioso capital a aproveitar".
A manterem-se estas vantagens comparativas, nas quais acreditamos, que rotundo falhanço na política seguida!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para a "auto-suficiência" atingida, importamos, hoje, mais de dois terços do pescado consumido; dos cerca de 50 milhões de contos de pescado importado, em 1988, passámos para cerca de 150 milhões, em 1993; as capturas caíram, neste período, de 400000 para 260000 t; a indústria conserveira, onde se gastaram cerca de 30 milhões de contos e que representava 40 % das capturas globais, caiu de 40000 t para metade, isto é, cerca de 20000 t, e Portugal, que era o maior exportador de conservas, foi ultrapassado por "outro parceiro comunitário", chamado Marrocos.
Srs. Deputados do PSD, isto não vos assusta? Estes dados não vos deixam interrogativos?
Continuam a defender que tudo o que o vosso Governo e o Professor Cavaco Silva fazem é bem feito e que tudo o resto é conversa, é demagogia da oposição?
Ou tentam "tapar-nos o sol com uma peneira"?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante as Jornadas Parlamentares no Algarve, em princípio de Outubro do ano transacto, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista esteve presente nalguns portos de pesca, ouviu armadores, dirigentes cooperativos, autarcas, pescadores e o retraio, infelizmente era o mesmo: as fábricas de conservas estavam reduzidas a duas e com actividade diminuída; a pesca artesanal lá ia vivendo ao sabor do surto turístico; a aquacultura, onde se fizeram investimentos a perspectivar uma captura de cerca de 13000 t, está reduzida a menos de 4000 t.
As produções baixaram drasticamente: das 10000 t/ano de amêijoas, passou-se para 2000 t/ano; o berbigão, de mais de 20000 t/ano, é hoje uma raridade; o surto de mortalidade dos bivalves, que começou a anunciar-se em 1983, não mais deixou de acentuar-se.
A descapitalização dos pescadores atingiu o cume. A ruína material e financeira implantou-se. Dos cerca de 10000 pescadores, neste tipo de faina, mais não restam que 2 000.
Lamentavelmente, a situação ruinosa do sector das pescas é generalizada de Norte a Sul de Portugal continental, não encontrando melhoras nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. O Porto de Sesimbra, ainda ontem visitado pelo Secretário-Geral do nosso partido juntamente com alguns Deputados do PS, não lhes fica atrás.
Fruto desta situação, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, decidiu fazer um colóquio com o título genérico: "Para onde vão as pescas, em Portugal?"
Convidados para fazerem intervenções de fundo, foram: um armador, o Presidente da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe, o Presidente da Associação de Produtores de Aquacultura do Algarve, o Secretário-Geral do SINDEPESCAS e o Eurodeputado José Apolinário.
Convites foram enviados a todos os autarcas presidentes de câmara de zonas ribeirinhas de portos piscatórios e aos presidentes de todas as instituições de sectores pesqueiros.
Nada, mas mesmo nada, melhorou a imagem que tínhamos. Todos reconheceram estar-se perante uma crise periclitante, sem se antolhar, minimamente, melhoras.
Em vez de investimentos, assiste-se a uma política de desinvestimentos. Isto é, os milhões comunitários são conduzidos apenas para o abate de unidades pesqueiras, deixando no desemprego milhares de pescadores, sem qualquer subsídio de desemprego ou suporte financeiro para o resto da vicia.
A frota bacalhoeira encontra-se acostada à espera de "uma manhã de nevoeiro" em que se anunciem as quotas que a União Europeia nos há-de conceder.
A pesca artesanal lá vai vivendo aos baldões, sem qualquer protecção e vítima de inspecção desenfreada.
A pesca de cerco (sardinha e carapau) é o que se sabe.
No meio de tudo isto, aparece-nos a DOCAPESCA, SA, organismo central tutelador das lotas, que, como foi afirmado ontem no colóquio, em vez de estar "virada para o mar", "virou-lhe as costas" e está mais interessada em gerar lucros e na fixação de horários que provocam o afastamento dos comerciantes das lotas.
Aliás, temos bem presente a guerra feita aos nossos pescadores quando, no ano passado, era dada prioridade à segunda venda, ou seja, ao pescado vindo de Espanha e só depois era autorizada a primeira venda, ou seja, o pescado das embarcações portuguesas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que diz a tudo isto o Ministro do Mar?
Faço a pergunta, mas os Srs. Deputados também a poderão fazer certamente!
A inactividade do Ministério do Mar é total, excepção feita ao movimento interno: muda-se de Director-Geral das Pescas, exangue-se o Instituto Português de Conservas de Peixes (IPCP), instituição reconhecida por muitos dos presentes, ontem, no colóquio.
As portas do Ministério estão fechadas aos agentes da pesca.
De vez em quando, lá se ouve anunciar umas concessõezitas dos parceiros comunitários ou dos países que estão candidatos a entrar para a União Europeia.
Parece ser o caso da Noruega que, tendo o exclusivo de pescas de bacalhau na zona de Schwalbad, e onde os Russos pescam cerca de 400000 l, lá nos irão

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ceder - ao que parece - l % dessas capturas. Que grande vitória!
Isto é o que se ouve e lê. Mas, infelizmente, o crédito do que se ouve e do que se lê vindo do Ministério do Mar, tem o crédito igual ao de outros responsáveis na área das pescas e que atrás já citei, permitindo-me ainda citar a voz de outro ex-Secretário de Estado das Pescas, Marcai Alves: "Portugal ganhou lugar cimeiro entre potências de pesca da CEE". Fez esta afirmação sem quaisquer bases estatísticas ou estimativas que o suportassem, limitando-se a tentar "pôr-se em bicos de pé", assumindo a postura de gigante numa atitude narcisista de autoconvencimento e numa "política de avestruz".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, alertamos e chamamos a atenção do Governo para que a política de pescas não se faz com o abate das embarcações, nem com o subsídio de reconstrução, ou com a aquisição de novas unidades para ficarem acostadas à espera de quotas.
Afirmamos ainda que a política de pescas com o convite à desactivaçõa das empresas de transformação e conservas de pescado e que a proclamada autosufi-ciência de pescado é um bluff descarado. Tal como na agricultura, dependemos da importação do exterior em cerca de 70 %.
Mais alertamos para que o pouco mais de l % do PIB nacional que as pescas representam seria facilmente negociável junto dos parceiros comunitários.
Além do aspecto económico, a indiferença do Governo perante o sector das pescas é uma violentação social e cultural insuportável. E nós, Partido Socialista, não aceitamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Olinto Ravara e António Vairinhos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Olinto Ravara.

O Sr. Olinto Ravara (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Avelino, de facto, já há cerca de um ano que vimos a assistir a uma situação complicada no sector das pescas.
Ora, após toda a actividade desenrolada pelo Partido Socialista e depois de ter visto o Secretário-Geral do seu partido perto dos navios e junto dos pescadores, estava à espera que, hoje, nos apresentasse pelo menos uma proposta concreta - ao menos uma! -, mas não vejo nada nem ninguém vê nada! No fundo, é só conversa! Esta é que é a grande realidade!
Sabemos que a situação, em Portugal, tal como em todo o mundo, está extremamente difícil para o sector das pescas. É uma verdade indubitável! Há problemas terríveis no acesso aos recursos e o Sr. Deputado nada disse acerca disso.
Sr. Deputado, em sua opinião, qual acha que deveria ser a posição do Governo português no concerto das nações para termos mais quotas no âmbito da NAFO e da Comunidade? O Sr. Deputado nada nos diz nem pode dizer porque, de facto, nem o senhor nem o seu partido têm quaisquer ideias acerca disto.
Mas há mais: que fazer para preservar os recursos pesqueiros no nosso país?
Há muito tempo que tínhamos uma grande frota pesqueira mas muito envelhecida, completamente desadequada do ponto de vista tecnológico, com baixos índices de produtividade. Ora, é preciso dizer-se que foi no tempo do Governo do Professor Cavaco Silva e devido às condições proporcionadas pela nossa adesão à Comunidade, através de uma política correcta de subsídios correspondida pelos armadores e pelos pescadores - não se esqueça disto! -, que foi dado um grande impulso à frota pesqueira nacional. Isto é uma realidade! Gastaram-se milhões de contos na melhoria e na reconversão de unidades pesqueiras bem como no processamento de pescado feito em terra. Portanto, hoje, há toda uma filosofia que nada tem a ver com o que o Sr. Deputado veio aqui dizer.
Para além disso, Sr. Deputado, não se esqueça que estamos num mercado aberto, pelo que não podemos vir falar contra o pescado que vem de Espanha, até porque também há muito pescado nacional que vai para Espanha. O Sr. Deputado não pode querer impor uma barreira no Minho ou no Algarve porque, hoje em dia, isso é falacioso.
Então, como resolver o problema se temos excesso de barcos para as nossa águas e se, como o Sr. Deputado sabe, nas nossas lotas praticamente só se transacciona carapau e sardinha? Aliás, este é um dos grandes factores do abaixamento dos preços e dos rendimentos dos pescadores e é preciso dizê-lo! É que mais de 60 % do nosso peixe é carapau e sardinha, muito do qual nem sequer tem condições para ser aproveitado pela indústria transformadora.
Então, repito, o que propõe o Sr. Deputado para resolver estes problemas? Propõe que acabemos com a política de subsídios? Que acabemos com a política de abates? Que não façamos nada?
O PS assiste impávido e sereno a esta situação e não é capaz de resolver uma única questão?

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Avelino, começo por felicitá-lo por ter feito, nesta Casa, uma intervenção do Partido Socialista sobre o sector das pescas. Parece que participaram no colóquio "Para onde vão as pescas, em Portugal?" e que efectuaram umas visitas. Acho óptimo! Dir-vos-ia até que organizem mais colóquios e façam mais visitas para ver se conseguem ter um conhecimento do que, efectivamente, se passa no sector das pescas em Portugal.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador:- Não tive oportunidade de ouvir toda a sua intervenção mas há três ou quatro aspectos sobre os quais gostaria de esclarecer o Sr. Deputado, em vez de pedir-lhe esclarecimentos. É que acompanho desde sempre o sector das pescas, pelo que, repito, gostaria de esclarecê-lo sobre determinadas matérias, começando pelo bacalhau.
O Sr. Deputado já conhece os problemas que existem na zona da NAFO e os que existem relativamente ao Canadá, portanto, não vale a pena explicá-los. O Sr. Deputado sabe também que os stocks estão em exaustão e, portanto, sabe que tem havido racionaliza-

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cão. Para além disso, no que respeita ao bacalhau, trata-se de pesca em países estrangeiros.
Assim, pergunto-lhe: o Sr. Deputado não tem conhecimento do êxito alcançado pelo Ministério do Mar em recentes negociações junto da Noruega, através das quais se conseguiram aumentos das quotas para a nossa frota bacalhoeira?

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Quanto? Quanto?

O Orador: - Se não sabe, faça um requerimento sobre a matéria ao Ministério do Mar e ficará a saber! Mas deveria saber, porque sobre isso saíram notícias nos órgãos de comunicação social.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Eu li-as!

O Orador: - Igualmente deve estar recordado de uma reunião que se realizou há uns anos, nesta Casa, com uma delegação de deputados canadianos, precisamente por causa do problema das quotas de pesca. Nessa altura, o Canadá chegou mesmo a impedir os bacalhoeiros portugueses de acostarem à sua costa, devido aos problemas suscitados, não só ali como também na zona da NAFO. Se não sabe isto deveria saber e não tenho possibilidade de explicar-lho melhor porque o tempo de que disponho não mo permite.
Quanto à política de abate de embarcações, posso dizer-lhe que, nesta matéria, há problemas essencialmente em duas áreas: por um lado, há problemas na área da pesca artesanal, com o abate de pequenas embarcações para fazer a reconversão em novas unidades, a fim de serem mais rentáveis- e a pesca artesanal tem aumentado, quer em volume quer em valor de pesca-, havendo um programa específico de apoio a este tipo de pesca. Neste campo também é fácil informar-se: basta-lhe consultar o PIDDAC para as pescas, inserido no Orçamento do Estado para 1994.
Por outro lado, há problemas em matéria de abate de embarcações no que se refere à pesca de arrasto de crustáceos, incidindo essencialmente no Algarve. Aí, sim, há problemas. Aliás, posso dizer-lhe que, neste momento, estão aprovados cinco abates...

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Isso não dá pesca, dá lenha!

O Orador: - Oiça-me Sr. Deputado!
Como dizia, há 24 arrastões em operação e foram aprovados cinco abates. No entanto, o abate destas cinco embarcações está suspenso porque o Ministério do Mar está a preparar um programa de apoio, precisamente para evitá-los. O referido programa já está no gabinete do Sr. Ministro e aguarda-se uma decisão em breve.
Quanto à questão da pesca de cerco, não corresponde à realidade. É que o problema da sardinha não é o mesmo que o do carapau.
Quanto às exportações, fique a saber, Sr. Deputado, que, principalmente no que toca à pesca de arrasto de crustáceos, os nossos lagostins, a nossa gambá e os nossos camarões são das principais exportações portuguesas com maior valor acrescentado e dão um grande contributo para a nossa balança de transacções.
Relativamente à questão das conserveiras, é verdade que há problemas porque existem duas atitudes diversas: uma a sul do Tejo e outra a norte do Tejo. A sul do Tejo, os intervenientes defendem a internacionalização, atitude em que também está apostado o Ministério, e a nossa indústria de conservas recuperou no primeiro semestre de 1993.
Aliás, posso dizer-lhe que acabo de vir de um almoço com um industrial de conservas que regressou hoje da Grécia e que me informou que os nossos contratos estão a aumentar e que as nossas conservas estão a ser comercializadas em vários países, registando-se encomendas desde a Rússia até à Grécia. Assim, em meu entender, o que é necessário é uma política de internacionalização, mas existem alguns conserveiros neste País - se calhar, até são aqueles em cuja informação o Sr. Deputado se baseia - que querem é que se mantenha a política de subsídios, rejeitando apoios à internacionalização em matéria de exportação de conservas.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Se o meu tempo mo permitisse, Sr. Deputado, anunciar-lhe-ia ainda os estrangulamentos existentes e as soluções possíveis, que estão em estudo actualmente.
Porém, Sr. Deputado, quando quiser, terei muito gosto em dar-lhe estas explicações em particular. Não diga é que não existe Ministério do Mar porque, ao afirmá-lo, revela um desconhecimento total do que se passa no País no sector das pescas e isso é grave para um Deputado da Nação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Olinto Ravara e António Vairinhos, a primeira resposta que vos dou é simples: ambos reconhecem a complicação existente no sector das pescas e a miséria em que está a viver. Esta é que é a realidade, a menos que nos mostrem outra, e querem que eu faça aqui uma proposta concreta para resolver o problema das pescas nos dois minutos de que disponho, quando o vosso partido está há anos no governo sem resolver nada?!

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Estamos a resolver agora. O senhor é que não sabe!

O Orador: - Como é óbvio, não faço proposta nenhuma!
Se me perguntarem se existe Ministério do Mar, respondo que existe de jure e de facto, mas pouca gente sabe quem é o Sr. Comandante Azevedo Soares enquanto titular do Ministério.
Na verdade, ontem, durante o colóquio sobre as pescas organizado pelo PS e que teve lugar no Senado - e a Casa estava cheia!-, ...

A SrªJulieta Sampaio (PS): - Cheíssima!

O Orador: - ... não ouvi um único interveniente a fazer a mínima apologia à política de pescas deste Governo.

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Por outro lado, disse- e mantenho- que, relativamente às notícias que li sobre a concessão da quota nacional de pesca de bacalhau nas águas da Noruega, tenho de dar-lhes crédito idêntico ao que dei a outros responsáveis do PSD pelo sector das pescas quando diziam que, "daqui a quatro anos, seremos autosufici-entes em pescas".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, a "auto-suficiência" passou de 40 % de dependência do exterior para cerca de 70 % de dependência! Isto é auto-suficiência?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, no entanto, isto foi dito e foi escrito!
Há dois anos, um outro Secretário de Estado dizia que "somos grandes, de entre os nossos parceiros da CEE, no sector das pescas". Então, tenho de dar crédito a estas palavras de responsáveis, ...
Uma voz do PS: - São bocas!

O Orador: - ... tenho de aceitar o que, ao fim e ao cabo, corresponde a l % do que os russos pescam nas águas da Noruega? Das 40000 t, não sei se iremos ficar sequer com 4000 t. E não me venham com a "história" de que cá trouxeram os nossos colegas, Deputados do Canadá, que vieram cá chorar lágrimas de crocodilo e dizer para não lhes invadirmos as suas águas na NAFO! Como o Sr. Deputado sabe, essas águas nem sequer são deles, são águas internacionais. É a própria Comunidade que proíbe que os barcos dos seus países membros entrem lá! Só que não proíbe que barcos russos nem barcos com a bandeira de países da América Central lá entrem. E pescam lá, escandalosamente, milhares e milhares de toneladas por ano! Agora, Portugal, que tem uma tradição histórica e cultural naquela zona, esse está automaticamente proibido de entrar na zona da NAFO. Repito: essas águas não são águas do Canadá, são águas internacionais!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, repito também: quem mais protege essas águas é a própria União Europeia.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - E os senhores não aceitam isso!

O Orador: - Sr. Deputado, nós aceitámos tanta coisa mais!

O Sr. Deputado Olinto Ravara referiu que tínhamos uma frota envelhecida com baixos índices de produtividade, mas isso não é verdade. A frota era velha, mas o índice era muito maior do que o actual. Nós já pescámos 400000 t/ano e, actualmente, pescaremos pouco mais de 200000 t/ano de pescado. Esta é que é a verdade!
O Sr. Deputado António Vairinhos referiu as nossas exportações de crustáceos e de bivalves, mas sabe os valores que elas representam. É pena que o Sr. Deputado não tenha feito referência à questão dos bivalves no seu Algarve!

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - É pena que não lhe tenha feito referência, pois as cerca de 40000 t de bivalves estão reduzidas, quando muito, a 4000 t- a um décimo! -, mas a isto o Sr. Deputado não fez referência. Foi pena que não tivesse ouvido o representante da Associação de Produtores em Aqualcultura do Algarve. Foi pena! Eu só estou a falar daquilo que ouvi e vi!
Por outro lado, quero dizer que, em termos de PID-DAC - e isto foi dito ao Sr. Ministro do Mar -, relativamente a este sector, não há nada de especial. Nem no PDR, de que o Governo tanto se ufana! No mesmo PDR, a página 152 refere-se essencialmente a despedimentos e a página 15O ou 151 fala em abates! Despedir e abater! Será esta uma política de fomento? Ou é uma política de desinvestimento? Mas, a esta questão, o Sr. Ministro do Mar também não deu resposta quando aqui se discutiu o Orçamento do Estado.
Quanto aos colóquios, promovam-nos também os senhores e oiçam o sector das pescas! Como dizia ontem o nosso Presidente, Almeida Santos, o colóquio que ontem realizámos devia ter sido feito pelo Governo há sete anos. Só que o Governo nunca o fez! O PSD não promove colóquios! Eu estou a citar-lhe a realidade que temos vivido, mas o Sr. Deputado, pelos vistos, nem do Algarve conhece bem os problemas! Nós, de Caminha a Vila Real de Santo António, temos um retrato muito mais fidedigno do que o que o Sr. Deputado terá, certamente!

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Não acredito!

O Orador: - Não acredite, mas quero que me contrarie o que lhe estou a dizer, quer em números quer em realidades. Ou então, leiam jornais. E, a propósito, há sempre um jornalito que se traz: "Fome ameaça pescadores da Afurada!", diz o insuspeito- ou suspeito! - Comércio do Porto; "Janeiro ingrato para os pescadores"; "Pescadores do Norte na miséria"!
Se o PSD se ufana com isto, nós não!

Aplausos do PS.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de continuar a esclarecer que estes colóquios do Partido Socialista...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de limitar-se ao objecto para que pediu a palavra.

O Orador: - Sr. Presidente, tenho de fazer o encadeamento da defesa da consideração, de acordo com aquilo que foi dito.
Estes colóquios que o PS agora inventou, presididos pelo Dr. Almeida Santos, que devia de conhecer bem os problemas dos crustáceos e dos mariscos no Algarve, pois costuma ir passar férias para Monte Gordo...

Protestos do PS.

O Orador: - Não sei se o Dr. Almeida Santos os conhece se não, mas terei muito gosto em discutir com o Presidente do Grupo Parlamentar do PS estes problemas.

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O Sr. Deputado Alberto Avelino respondeu-me à questão do bacalhau, mas parece que não sabe que Portugal é o país da Europa comunitária que consome mais peixe: actualmente, consome mais de 73 kg/ano de peixe per capita.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Somos todos muito felizes!

O Orador: - Por isso, em 1480, os portugueses foram para a Gronelândia não à procura de bacalhau mas à procura de peixe.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Para o Vairinhos bacalhau não é peixe!

O Orador: - Encontraram o bacalhau, que era uma espécie que podiam salgar e trazer. Mas, precisamente porque nós já nessa altura consumíamos muito peixe, não fomos à procura do bacalhau. Nesse caso, teríamos mandado um helicóptero descobrir o bacalhau! Fomos à procura de peixe, porque o consumimos.
Em segundo lugar, entendo que, quando o Deputado Alberto Avelino diz que eu não conheço os problemas do Algarve, está a dirigir-me um insulto que deve retirar, porque o Sr. Deputado conhece-me pessoalmente há muitos anos e sabe que eu conheço esses problemas. Sou filho de pescadores e, durante os fins-de-semana, lido e falo com eles sobre todos os seus problemas. Portanto, é ingrato da sua parte, Sr. Deputado, fazer uma afirmação dessas. É uma calúnia grave e tanto os que me conhecem como os que ouvirem lá fora estas minhas palavras dirão que o Sr. Deputado foi meramente insultuoso, porque não tem qualquer fundamento para dizer o que disse.
Quanto ao aconselhar-me que leia jornais, direi que o vosso mal é lerem muitos jornais e só fazerem colóquios. Falem com as pessoas, estudem, percebam os problemas e apresentem propostas! Se os russos pescam muito na zona da NAFO, os senhores entendam-se talvez com os vossos camaradas do lado sobre o problema dos russos! Só que esse é um problema que Portugal não pode resolver como pequeno país da Comunidade que é.
Perdi o papel com as anotações que tinha feito, pelo que peço imensa desculpa...

Risos do PS.

Neste momento, o Sr. Deputado Marques Júnior, dirigindo-se à bancada do Orador, recolhe o papel do chão e entrega-lho.
Mas a verdade é que não preciso de papel para falar de pescas. O Sr. Deputado é que precisou!
Relativamente aos bivalves que referiu, devo dizer-lhe que não conhece o que está a passar-se no Algarve, principalmente em termos de bivalves, mas posso afirmar-lhe que só a ria Formosa produz 80 % da produção nacional de bivalves do País.

O Sr. Presidente: - Com ou sem papel, terá de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - E o Sr. Deputado não sabe isso!

O Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr. Deputado, pois já esgotou os 3 minutos.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente, com uma pequena frase.

O Sr. Presidente: - Uma frase só.

O Orador: - O Sr. Deputado não conhece a reconversão que está a ser feita em termos de zonas que eram de sal e de produção de amêijoas para pisciculturas, quer off shore quer internas...

Aplausos do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O nosso Vairinhos é melhor!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, agradeço ao Sr. Deputado Marques Júnior por ter dado o papel das anotações ao Sr. Deputado António Vairinhos porque, sem papel, ele começava a gaguejar em demasia!

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Insultos. Só insultos!

O Orador: - Devo dizer que não tenho medo de ler papéis quando estes são escritos por mim, mas também quero acrescentar que, ao contrário do Presidente do PSD e nosso Primeiro-Ministro - parece que a febre alastrou a essa bancada -, eu leio jornais.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Não tenho de aceitar tudo o que lá vem, mas leio-os e naturalmente que me servem como matéria de reflexão.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Leia livros e relatórios!

O Orador: - Sr. Deputado António Vairinhos, quero-lhe dizer, em primeiro lugar, que não o caluniei quando disse que do Algarve não citou porque não falou, e aqui nos cette ipsum. Não o reconheço como historiador da pesca quando cita que, em 1480, fomos para a Gronelândia em busca de bacalhau.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Não sou historiador, sou economista!

O Orador:- Como estava a dizer, não o reconheço como historiador da pesca quando diz que, em 1480, fomos para a Gronelândia em busca de bacalhau. Nada disso! E também lhe quero dizer que nós não inventámos colóquios - é uma ofensa dizê-lo. Convidámos o sector pesqueiro, os agentes de pesca, para um colóquio e a Casa esgotou-se,...

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Convidaram só alguns!

O Orador: - ... o que vos causa alguns engodos e alguns ciúmes. A lotação esgotou-se! E o Sr. Deputado pode inventar o que quiser, porque é a vossa bancada que reconhece que o sector de pescas está mal, muito mal.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Não sou eu quem está a inventar mas o Sr. Deputado!

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O Orador: - E, depois, como está mal, a «democracia de sucesso» não é uma realidade também no sector de pescas, que, aliás, como sabe, é o pior sector económico em Portugal. Há problemas gravíssimos!

O Sr. António Vairinhos (PSD): - O Sr. Deputado não sabe o que se passa!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Vairinhos está desvairado!

O Orador: - O Sr. Deputado experimente ganhar uma vez por mês 15 a 20 contos. Experimente ganhar uma vez por mês essa quantia, que é o ganha a grande maioria dos pescadores em Peniche, na Nazaré, em Sesimbra, etc.!

O Sr. António Vairinhos (PSD): - O Sr. Deputado não sabe sequer o que são vendas fora da lota!

O Orador: - Experimente e depois diga-me se devemos ou não defender este sector. E não me peça para apresentarmos um projecto porque isso implica necessariamente que aprofundemos os problemas com verdade e que, para tal, o vosso Ministro apareça uma vez ou duas por ano nesta Casa. Aliás, vamos convidá-lo a aparecer na Comissão de Agricultura e Mar e gostaria que lhe desse uma «perninha» para o efeito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara de que se encontra na Tribuna uma delegação da Comissão dos Negócios Estrangeiros do Parlamento da República Checa, que hoje veio a esta Assembleia e teve contactos com várias comissões e comigo próprio.
À delegação da República Checa e do seu Parlamento, a Câmara apresenta os seus cumprimentos.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Leite.

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diagnóstico da realidade é um elemento fulcral para a detecção de problemas, correcção de deficiências, alteração de estratégicas e definição de metas e objectivos. Esta análise, sendo válida para qualquer instituição, é indispensável a qualquer governo que procure um desenvolvimento equilibrado e harmónico do todo nacional.
Por isso, ao abordarmos aqui, na Assembleia da República, a problemática regional de Trás-os-Montes, queremos contribuir para um melhor conhecimento da situação, tendo em vista uma melhor adequação dos meios de uma política nacional, cuja finalidade será a de corrigir as assimetrias e permitir o equilíbrio entre litoral/interior e Norte/Sul.
Reconhecemos que, nos últimos anos, muito se tem feito para aproximar as condições de vida das populações do interior das do litoral, mas muito há ainda a fazer para atingir este objectivo. Os sinais de dificuldade são evidentes em diversificados sectores, desde a agricultura e à indústria, até ao comércio e ao turismo.
Contudo, é na agricultura que se fazem sentir com maior intensidade os sinais de crise. Este sector é responsável pelo emprego - superior a 50 % - da população residente de Trás-os-Montes e tem um peso expressivo na economia da região. Lá, como no resto do País, também existem as deficiências estruturais do sector: as dificuldades na concentração de produtos e circuitos de comercialização; os custos de financiamento elevados; a rigidez na manutenção da estrutura fundiária; o baixo nível escolar da população activa; a reduzida mecanização; e as deficiências na gestão do sector cooperativo.
As condições morfológicas do terreno e a monocultura, muito característica em Trás-os-Montes, trazem dificuldades acrescidas ao sector. As fracas produções do último ano, provocadas pelas rigorosas condições climatéricas, no sector do vinho, castanha e cereja - problemas estes já aqui levantados pelos Deputados do PSD de Trás-os-Montes -, deveriam levar o Governo a equacionar com urgência a problemática dos seguros agrícolas, que, nos termos actuais, não funcionam e que precisam de ser adequados a uma cobertura efectiva dos riscos. Há que alterar a base dos prémios, o enquadramento das áreas e regulamentar os prazos das vistorias em casos de acidentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta intervenção, não posso deixar de referir aqui o papel primordial das cooperativas na economia agrícola. Elas desempenharam no passado e desempenham ainda uma função indispensável para a concentração de produtos e para a comercialização na área do vinho, do azeite, da batata e de outros géneros. As cooperativas são responsáveis no País por cerca de 47 % da produção de vinho, atingindo, em Trás-os-Montes, mais de 80 % dessa produção. Mas, no momento actual, com a alteração do comércio através das grandes superfícies e com a abertura de fronteiras, torna-se necessário e premente a alteração do Código Cooperativo, com vista à possibilidade de uma gestão empresarial e dinâmica mais agressiva, que possa fazer face à concorrência de outras empresa do sector privado. Há que reflectir sobre o papel das cooperativas no sector comercial, sobre a maleabilidade da área social, sobre a gestão e sobre a fusão das mesmas. O aparecimento das grandes superfícies e a união económica com o Mercado Comum não se compadecem com estruturas de reduzida dimensão e as cooperativas têm de se preparar para esta nova realidade.
Esta alteração deverá ser acompanhada de medidas do Governo para o saneamento financeiro das cooperativas existentes, sem o qual elas não poderão cumprir as suas funções económicas e sociais de concentração e escoamento dos produtos. Temos de reconhecer que alguma coisa já foi feita, quer através do programa SECA 92, na sua componente de desendividamento e de relançamento de actividade, como nos programas PROAGRI e nos apoios do INGÁ. Mas muito mais há a fazer. Pensamos que é urgente criar incentivos à colaboração e associação de cooperativas e promover programas de formação para os corpos gerentes e técnicos que poderão ser apoiados pelas cooperativas que já são geridas segundo uma estratégia empresarial - qualidade nos produtos não falta, seja no vinho ou no azeite.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao falarmos da situação da agricultura em Trás-os-Montes, não poderemos deixar de falar na região do Douro. Esta é, por excelência, a região do Vinho do Porto, embaixador de Portugal no mundo e que contribui para a nossa balança de pagamentos com a entrada de mais de 50 milhões

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de contos/ano. Esta região viu-se envolvida, nos últimos anos, numa fase difícil, provocada pela natureza, que foi pródiga e madrasta, mas também por erros de gestão na atribuição de beneficio, sobretudo nos anos de 1989 a 1991, e por um polémico negócio da compra de 40 % da Real Companhia Velha. Esta conjuntura provocou excedentes de vinho generoso, asfixia financeira e um agravamento da conflitualidade entre produtores e exportadores que se tornou altamente prejudicial para os produtores, que viram o seu rendimento baixar nos últimos anos. É significativo que a Secretaria de Estado do Planeamento e do Desenvolvimento Regional, na sua Análise Económica e Social, refira, textualmente e de uma forma insuspeita: «O interior apresenta um nível de desenvolvimento pelo menos 11 % abaixo da média nacional e mais de metade do seu território ultrapassa os 20 % abaixo dessa média; o Tâmega, o Douro e a serra da Estrela apresentam o mesmo nível de desenvolvimento, respectivamente de 71, 70 e 70 para um valor 100 da média nacional».
Para uma região que foi rica e detém um produto desta excelência, é escandaloso chegarmos à constatação de que o Douro é das regiões mais pobres do País, com apenas 70 % da média nacional.
Por isso, temos de saudar as recentes medidas tomadas pelo Governo e que permitiram um aval do Estado de cerca de 12 milhões de contos, assinado com 13 instituições bancárias, para o escalonamento da dívida da Casa do Douro a essas instituições e que vai aliviar, certamente, a pressão sobre os preços e possibilitar o cumprimento das obrigações da Casa do Douro para com os lavradores e cooperativas.
Sem dúvida, são necessárias outras medidas para solucionar de vez os ciclos conjunturais do Douro, que passarão certamente pela alteração do quadro institucional, com a criação de uma «organização interprofissional» que concilie os interesses dos produtores e comércio, porque a História mostra que as lutas entre os intervenientes no sector só prejudicam o bom nome do vinho do Porto e, em última análise, os produtores.
Contudo, se todos estão de acordo com a necessidade desta alteração estrutural, conforme foi dito pelos representantes da Casa do Douro, da Associação dos Exportadores e do Instituto do Vinho do Porto, na Comissão de Agricultura e Mar, ela terá de ser efectuado com prudência, com diálogo entre as partes, respeitando a rica tradição histórica do Douro.
Nesta reestruturação terão de ser salvaguardados os direitos dos trabalhadores da Casa do Douro e a região não poderá abdicar da futura sede do «organismo interprofissional», que deverá ficar sediado no Coração do Douro.
Outras medidas têm de ser tomadas e implementadas e passam certamente pela aposta em novos produtos, como o vinho de mesa de qualidade, que já começa a aparecer, felizmente, os espumantes, os moscatéis e as aguardentes envelhecidas, e pelo desenvolvimento da indústria turística como factor de desenvolvimento e fixação da riqueza da região.
O turismo tem de ser uma aposta forte do desenvolvimento do interior e do enriquecimento das populações. As novas vias de comunicação, a navegabilidade do Douro, o bom ambiente, a diversidade da paisagem, o termalismo e os produtos de qualidade são um incentivo. Urge promover roteiros turísticos, nomeadamente as rotas do vinho, que permitirão a promoção e divulgação dos saborosos vinhos da região.
Estas medidas têm de ser apoiadas pelo Governo, e terão certamente de passar pelo esforço dos empresários, instituições e autarquias da região, que, com a sua criatividade e empenho, poderão ultrapassar os maus momentos actuais e construir um futuro melhor.
Mas ao falar do vinho, não posso deixar de me referir às propostas da União Europeia na preparação da Organização Comum de Mercados (OCM) do sector do vinho.
O vinho é um dos produtos mais importantes da nossa economia, um dos mais competitivos, como referiu recentemente o «Relatório Porter», e com uma importância vital em vastas zonas do País, como no Douro e em Trás-os-Montes. Por isso, não podemos aceitar medidas que passem pela destilação obrigatória da mesma percentagem de vinho em zonas com alta produtividade mas de qualidade duvidosa, como a Alemanha, e zonas de baixa produtividade, como no Douro, mas em que a qualidade é assinalável.
Estamos também contra a adição de sacarose ao vinho, porque entendemos que o vinho é um produto natural, que deve ser feito de uvas e não com beterraba.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, é justo salientar que o Douro e a única região vitícola do mundo que consome milhares de hectolitros de aguardente vínica, contribuindo assim para a redução de excedentes e como tal deverá ser privilegiado na regulamentação da OCM dos vinhos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabemos que os problemas de Trás-os-Montes são muitos, os atrasos provêm de décadas e o caminho a percorrer é longo. Mas a esperança é reforçada pelas realizações que se concretizam.
As vias de comunicação vão avançando e rasgando a interioridade. A confirmação do IP n.º 4, todo em construção neste momento, como grande estrada europeia, a perspectiva do lançamento do IP n.º 3 e a reclassificação do IC n.º 5 como estrada transeuropeia dão a certeza de que o isolamento está. no fim.
A formação dos jovens nas escolas do ensino público e de formação profissional de Chaves, Vila Real, Murça, do Nervir, da UGT e pólos de Montalegre, Ribeira de Pena, Boticas e Valpaços e na nossa Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro dá uma garantia de esperança.
Começam a surgir iniciativas que induzem a estruturação do futuro. Recentemente, realizou-se um seminário, promovido pelo ITIDAI (Instituto de Trás-os-Montes e Desenvolvimento Agro Industrial), intitulado «As potencialidades de desenvolvimento da Região de Trás-os-Montes e Alto Douro», em que a UTAD, como sócia do Instituto, colaborou activamente, e em que foram abordados temas tão importantes como a floresta, a produção de castanha, o desenvolvimento vitícola, o olival, o potencial geotérmico de Trás-os-Montes na agricultura e piscicultura, a produção de carnes de alta qualidade de raças autóctones, rochas ornamentais e outros materiais de construção, o aproveitamento da energia eólica, o desenvolvimento do turismo, o reforço das áreas técnicas, gestão e marketing das adegas e restantes cooperativas.
A abordagem destes lemas mostra o esforço que se está a desenvolver, com o apoio de várias entidades e, sobretudo, da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) e do NERVIR (Núcleo Empresarial Regi-

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onal de Vila Real), para analisar e discutir a melhor maneira de aproveitar as potencialidades desta região. Por isso, dão-nos a esperança de um melhor futuro para Trás-os-Montes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Costa Leite, em minha opinião, foi importante o facto de V. Ex.ª ter trazido a esta Câmara os problemas da nossa região.

Vozes do PSD: - Apoiado!

O Orador: - É importante que eu possa dizer que, globalmente, estou de acordo com o seu diagnóstico e com muitas propostas de solução para os problemas da nossa região.
Se os Srs. Deputados me não tem ouvido, dessa bancada, quando levanto problemas relativos a Trás-os-Montes e Alto Douro, ao menos, ouçam o Sr. Deputado José Costa Leite, da vossa bancada e desta região. Ao menos, ouçam-no, porque a região não pode esperar. E não espera! No dia 12 de Dezembro, deu uma resposta política ao desprezo com que o Governo tem actuado em relação a Trás-os-Montes.

Vozes do PSD: - Esse argumento já está batido!

O Orador: - V. Ex.ª falou aqui na OCM dos vinhos, que está a ser negociada em Bruxelas e não tem merecido uma palavra, uma posição, do Governo. Gostaria de saber qual vai ser a posição do PSD regional, se o Governo mantiver, no futuro, a posição que tem mantido até agora. É possível que o Douro tenha uma reacção a esta situação.
O Sr. Deputado falou nas cooperativas do Douro em situação financeira difícil. Também tenho trazido aqui este problema. É importante que tenhamos consciência disso. Essa situação deve-se, porventura, a dois factores: a um ou outro erro de gestão, que aceito ter existido, mas deve-se sobretudo ao facto de ter havido dirigentes cooperativos que tentaram responder aos desafios da exportação directa a partir da região e do fabrico de vinho de qualidade. Ora, a «stockagem» de vinho do Porto e do VQPRD/Douro exigirem grande investimento. As adegas cooperativas não tinham capacidade financeira para responder a essas necessidades.
Sr. Deputado José Costa Leite, não considera que estas cooperativas merecem, porque necessitam, um apoio excepcional, para as ajudar a sair da crise financeira em que se encontram? Não considera, além disto, que a situação vivida pelo Douro nos últimos três ou quatro anos seria muito mais facilmente ultrapassada se houvesse uma política global para a região? Porque os 12 milhões de contos foram um paliativo, são um aval, um sindicato bancário, para resolver um problema de dívida da Casa do Douro. Mas não isso é suficiente, sabemo-lo muito bem. Os agricultores, os homens de mão calejada, não podem ficar-se apenas pela audição da notícia do «aval» aos 12 milhões de contos.
Referiu ainda V. Ex.ª a alteração ao quadro institucional, que está neste momento em debate no Douro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Essa alteração institucional deve obedecer a duas condições. Primeira: o Governo tem de dar mais tempo para que todas as instituições interessadas possam responder. O prazo não pode terminar a 15 de Fevereiro, que já passou. Tem de se alargar por três ou quatro meses, para que os interessados possam responder. Segunda: o Governo não pode fazer uma alteração institucional contrária aos interesses do sector mais débil da região, a lavoura.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em meu entender, nenhuma alteração institucional pode ser feita contra a lavoura da região demarcada do Douro. Que tem a dizer sobre isto, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estão inscritos mais oradores para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, é com gosto que estamos aqui a falar da nossa região de Trás-os-Montes, mais concretamente, da região do Douro.
Com efeito, o PSD está de acordo com as propostas que aqui apresento, nomeadamente as relativas à necessidade de se olhar para uma região, a qual, conforme referi, e pelos números que apresentei, neste momento é considerada como sendo das mais pobres do País.
Mas quero dizer-lhe também que o Governo, nomeadamente em relação à política da OCM dos vinhos, está atento. Sabemos, inclusive, que na própria Comissão de Agricultura e Mar o próprio Ministro da Agricultura e o Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar procuraram esclarecer um pouco a posição que o Governo irá ter junto da Comunidade, na defesa de um produto, o qual, conforme referi, é essencial para a economia do País e de tantos portugueses.
Em relação às cooperativas do Douro, como é evidente, temos de reconhecer não só que elas desempenham um papel importantíssimo na nossa região como também que estão numa situação difícil, neste momento. O Sr. Deputado concorda igualmente comigo, quando digo que há muito erros de gestão e que houve, com efeito, uma aposta no futuro, nomeadamente nas cooperativas do vinho do Porto, quando elas decidiram fazer «stockagem» do vinho.
Refiro também que, em relação a isso, sabe muito bem que, neste momento, foi permitida uma linha de crédito do PDRITM, de cerca de 2 milhões de contos, para fazer face ao problema da «stockagem» do vinho. Evidentemente, isso não resolve todos os problemas, é «uma gota no oceano», mas, de qualquer maneira, penso que já é alguma coisa que o Governo está a fazer neste momento para resolver o problema dessas mesmas cooperativas.

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Para terminar, concordo com a necessidade de uma política global para o Douro, nomeadamente na definição do quadro institucional. Sobre este aspecto, gostava de dizer que quase todas as instituições, todos os intervenientes no Douro estão de acordo em que há necessidade da definição do novo quadro institucional, que deve passar pelo «organismo interprofissional». Estão de acordo a Casa do Douro, os exportadores e o próprio Instituto do Vinho do Porto. A metodologia a seguir é que, penso, poderá criar alguns problemas entre estas instituições. Por isso, também defendo que isto só será possível com muito diálogo e prudência, para não se pôr em jogo uma riqueza não só da região como deste país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente. Sr. Deputado José Costa Leite, a propósito da sua intervenção, bem se podia dizer que «boas são as palavras, mas más são as políticas». Entre as boas intenções expressas no discurso de V. Ex.ª e a política do seu Governo, a distância é como «do dia para a noite». A este propósito, poderia também chamar a comentar a velha figura: «um dá o pau e o outro mostra a cenoura».
Sr. Deputado, como é evidente, as boas sugestões ou palavras que V. Ex.ª aqui trouxe para a problemática de Trás-os-Montes, em particular para o Douro e para a OCM dos vinhos, têm pouco a ver com as propostas concretas que o seu Governo - que o Sr. Deputado apoia! - tem vindo a defender e, inclusive, com o que apresentou recentemente à Casa do Douro, no processo de reestruturação.
Começo por aqui. O Sr. Deputado lembrou a conclusão da Comissão de Agricultura e Mar, há uns tempos atrás, aquando da audição realizada a propósito da Casa do Douro, que foi a seguinte: qualquer reestruturação da Casa do Douro deveria ser feita progressiva e consensualmente.
O Sr. Deputado sabe, com certeza, não pode desconhecer, que a proposta de lei enviada pelo Governo à Casa do Douro constitui, de supetão, a expropriação total das suas competências e a sua passagem para o Instituto do Vinho do Porto, pois a organização interprofissional nem sequer existe.
É a vitória, a toda a linha, das posições das casas exportadoras. Não é por acaso que todos os sectores da lavoura estão contra esta proposta do Governo e só os sectores exportadores vieram a público defendê-la. Sr. Deputado, se a intenção final é a de criar uma organização interprofissional para onde passem, mas de forma consensual e por acordo, parte das competências da Casa do Douro, em relação à qual poderão depois ser delegadas certas funções executivas, por que razão é necessário, então, que essas competências passem agora através do Instituto do Vinho do Porto e não se espera pela criação da futura organização interprofissional? A razão é muito clara, Sr. Deputado! É que quem hoje comanda as orientações e as estratégias do vinho do Porto não é o sector produtor mas, sobretudo, o grande comércio e as grandes casas exportadoras. É por isso que esta proposta não serve os interesses da Casa do Douro. E uma expropriação completa das suas competências e já está a ter, como tem, a oposição da Casa do Douro e das organizações da lavoura. Como vê, esta posição do Governo nada tem a ver com a do Sr. Deputado.
Quanto à OCM dos vinhos, estamos todos de acordo em que esta proposta é intolerável e inaceitável, que irá, aliás, ser discutida amanhã e depois de amanhã no Parlamento. O que não podemos aceitar é que o Governo não tenha sobre esta matéria uma posição clara e se preste, como, aliás, tem vindo a indiciar, para, mais uma vez, trocar os interesses da agricultura portuguesa, da produção vitivinícola, por alguns subsídios de apoio à reestruturação ou por alguns subsídios fungíveis para compensar só em parte a quebra de rendimentos dos produtores. Mais uma vez, o Governo prepara-se para «vender» os interesses da agricultura portuguesa, neste caso da vitivinicultura, a troco de algumas «coxas de frango». Também esta posição, que o Governo tem vindo a indiciar, nada tem a ver com as posições que o Governo aqui trouxe.
Por isso, termino como comecei, Sr. Deputado: boas são as suas palavras, mas más são as suas políticas! É preciso, portanto, que não iludamos a opinião pública. Os senhores são responsáveis pela política do Governo que suportam e as vossas palavras têm de estar em consonância com as do Governo, senão é pura hipocrisia, como aquela que o Sr. Deputado hoje aqui trouxe.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado José Costa Leite, há ainda outros pedidos de esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Respondo de imediato, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor.

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.ª diz: «boas são as palavras, mas más são as políticas». Em minha opinião, o que se tem passado nos últimos três anos na região do Douro não corresponde às suas afirmações. Posso dizer-lhe que houve realmente má política, má gestão, nessa região, mas a culpa não foi do Governo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, é de quem?!

O Orador: - E foi essa má gestão que levou à situação que hoje temos. Foram os excedentes do vinho do Porto, em 1989/90 e 1991. Foi o endividamento da Casa do Douro com a compra da Real Companhia Velha.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso está ultrapassado!

O Orador: - Tudo isto criou a situação verificada hoje na zona do Douro e a miséria desses agricultores, porque passamos de uma situação em que a Casa do Douro intervinha, comprando o vinho quando os exportadores o não faziam, para uma em que, devido ao seu endividamento, já não tinha essa capacidade. E a poli-

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tica do Governo tem tido o objectivo de resolver estes problemas.
Lembro-lhe a aplicação do PDRITM, dos 2 milhões de contos para a «stockagem», a partir de 1992; os 4 milhões de contos que foram desbloqueados para o desendividamento da Casa do Douro, em Agosto de 1992; os 500 000 contos dados aos produtores, ao abrigo da Lei n.º 43/80, também em 1992, para compensar os seus rendimentos; e o último aval, de 12 milhões de contos, que, neste momento, resolveu o problema financeiro e permitiu - e é bom que se diga - que o preço do vinho do Porto subisse em cerca de 8 a 12 %, dependendo dos países, e que agora haja uma procura, para além...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado não está a responder à questão que coloquei!

O Orador: - De qualquer maneira, penso que tudo isto mostra que aquilo que neste momento está a ser feito na região do Douro é fruto não de uma má mas, sim, de uma boa política.
Queria também dizer-lhe que, quanto à reestruturação institucional da região do Douro, o Governo vai, efectivamente, procurar o consenso. Os próprios jornais dizem: «Revolução adiada no vinho do Porto» e «Depois do chumbo da Casa do Douro, o Governo estuda já uma nova versão do projecto de alteração institucional ao sector do vinho do Porto».

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Pois, pois!

O Orador: - Portanto, o Governo está aberto a sugestões. Sei que hoje mesmo se realiza uma reunião da Direcção da Casa do Douro com o Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar e com o Instituto do Vinho do Porto, para se ultrapassarem os problemas que a proposta do Governo nesta matéria tem trazido. Por isso, penso que, com paciência e com consenso, a região do Douro vai ultrapassar este problema. É evidente que estou de acordo em que a Casa do Douro não possa ser, de um momento para o outro, esvaziada das suas competências.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas é!

O Orador: - É uma riqueza histórica que tem de passar e a própria Casa do Douro está convencida da necessidade de passar essas competências para o tal grupo interprofissional.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A organização não existe!

O Orador:- A própria União das Adegas Cooperativas aprovou uma moção, no dia 9 de Fevereiro, onde diz que rejeita a...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é isso o que está em causa, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Deputado, o problema é este: realmente, há necessidade de uma transformação institucional da região do Douro, e isso vai prosseguir.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queria concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Pergunto «alhos» e responde «bogalhos»!

O Orador: - ... dizendo que efectivamente vão ser dados passos significativos para que a crise dessa região seja ultrapassada, e espero que isso vá contribuir para a riqueza de toda esta zona.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Costa Leite, ouvi com algum interesse a sua intervenção, mas fiquei bastante desiludido com as suas respostas. De facto, apresentar a região do Douro como uma das mais pobres do País, tendo ela as maiores riquezas e os melhores vinhos do mundo, não só o vinho do Porto mas também vinhos comuns, alguma coisa está mal na organização das políticas para a região. Caso contrário, não seria possível fazer corresponder à maior riqueza local a maior pobreza dentro do País. De qualquer modo, gostaria de colocar-lhe três questões.
O senhor apoia um Governo que negociou uma política agrícola comum. O vinho ficou de fora da PAC, o que penalizou fortemente a sua região. Gostaria de saber qual é a sua posição quanto ao tratamento dado ao vinho em relação, por exemplo, aos cereais ou às produções do Norte da Europa, para ver se o seu Governo tem de facto uma boa política orientada na defesa da sua região.
A segunda questão que gostaria de colocar tem a ver com o seguinte: há poucos dias e sem dar explicações a ninguém, o seu Governo acabou de assinar os Acordos do GATT. Como sabe, no ano passado, em Paris, os melhores vinhos, os que ganharam os primeiros prémios, foram os do Chile. O senhor vai ter a concorrência acrescida, a partir de 1 de Janeiro de 1995. Pergunto: a forma como está a ser defendida a política da sua região é para resolver, de facto, os problemas ou para liquidá-la?
A terceira questão é relativa à OCM dos vinhos. O senhor garantiu aqui, hoje, que não aceita a integração da sacarose nos vinhos. A pergunta que coloco é a de saber se, daqui a dois meses, posso desafiá-lo a tomar publicamente uma posição contra o Governo, que vai, de certeza absoluta, assinar a OCM, favorecendo o Norte da Europa com a aplicação da sacarose e, acima de tudo, para benefício dos produtores da beterraba açucareira.
O senhor é um transmontano, é, de certeza, um homem de verticalidade. Fica desde já aqui anunciado que vou desafiá-lo a tomar uma posição no dia em que o seu Governo fizer mais essa traição à agricultura portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Costa Leite.

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O Sr. José Costa Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, V. Ex.ª começa por perguntar se a região do Douro tem os melhores vinhos. Isso é uma realidade! Essa região tem os melhores vinhos do País e até do mundo, mas é a zona mais pobre. No entanto, devo dizer-lhe que a resposta está, em parte, no meu discurso.
É que a região do Douro, apesar de ser uma das zonas com os melhores vinhos, não tem as melhores organizações, nomeadamente no sector cooperativo. E a pobreza dessa região é endógena e não exógena.
A região do Douro foi a única do mundo que conseguiu aumentar as suas exportações. O preço do vinho do Porto continua a aumentar nos mercados mundiais. Isto quer dizer que a crise da região do Douro é endógena, devido à falta de organização do mercado, de agressividade do mercado. É por isso que defendo a necessidade de se proceder à alteração do Código Cooperativo, para que as nossas cooperativas, que representam mais de 80 % da produção do vinho, possam ter uma gestão empresarial. Tenho a certeza de que, se tiverem uma gestão empresarial, a zona do Douro passará a ser uma das melhores e mais ricas regiões do País, porque tem um bom produto, não só para consumo interno mas também para exportação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que o Acordo do GATT também nos coloca problemas.

O Sr. António Campos (PS): - Deviam ter pensado nisso antes!

O Orador: - E isto porquê? Porque, como estamos inseridos numa comunidade internacional, temos de passar a ter também uma política agressiva, o que só é possível com a modernização da nossa economia, das nossas estruturas produtivas, da concentração dos produtos, sobretudo através da agressividade comercial. Como temos bons produtos, se tivermos uma boa organização, não teremos problemas.
Por isso, precisamos, em primeiro lugar, de um saneamento financeiro e, posteriormente, de uma boa organização, porque a partir daí não temos medo da concorrência dos outros países.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à PAC, o Sr. Deputado está sempre a dizer que foi um erro, uma má política. Então, Sr. Deputado, se a PAC foi uma má política e se o vinho, que ficou de fora da PAC, também o foi, certamente que estará a haver uma contradição. Isto porque, se a PAC é má, penso que o facto de o vinho ter ficado fora foi uma coisa boa. De qualquer maneira,...

O Sr. António Campos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado José Costa Leite, quero preveni-lo de que o tempo utilizado na interrupção será descontado no seu, pelo que aos três minutos, o tempo regimental da resposta, retirarei o uso da palavra.

O Orador: - Sendo assim, peço desculpa, Sr. Deputado António Campos, mas não posso permitir a interrupção.

O Sr. António Campos (PS): - Serei muito breve. É apenas um minuto.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado António Campos, o Sr. Deputado José Costa Leite já não dispõe de um minuto. Já está a esgotar o tempo regimental.

O Orador: - Sr. Deputado António Campos, gostaria muito que me interrompesse mas neste momento não posso. Peço desculpa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor de concluir, Sr. Deputado José Costa Leite.

O Orador: - Em relação à sacarose, como é evidente, defendemos a genuidade do vinho e, como tal, estou totalmente contra a adição de sacarose aos mostos, para aumentar o seu volume alcoólico. Por isso mesmo, penso que esta e uma batalha comum que temos de travar. Neste ponto, estamos totalmente de acordo.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia. Eram 17 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Ferram de Abreu): - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a apreciação do inquérito parlamentar n.º 19/VI- Aos actos administrativos na área do Ministério da Saúde (PCP).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A renúncia da Dr.ª Leonor Beleza torna mais necessário clarificar qual o objectivo desta proposta de inquérito parlamentar. A proposta não visa pessoas mas, sim, actos e responsabilidades. O que é proposto é a reabertura, reavaliação, aprofundamento e completamento do inquérito parlamentar realizado na legislatura passada. Porquê? Porque esse inquérito concluiu de forma abrupta, com a imposição da bancada do PSD, de um relator do PSD (o Sr. Deputado Nuno Delerue) e a aprovação exclusivamente pelo PSD do relatório por ele elaborado; porque o inquérito concluiu com o PSD a impedir diligências essenciais- basta dizer que a então Ministra e o então Secretário de Estado Costa Freire só foram ouvidos sobre o caso do S. Francisco Xavier e nunca sobre os outros 13 assuntos que eram objecto do inquérito, entre eles, o Centro das Taipas, o Hospital de Fale, e te.; e, finalmente, porque esse relatório constitui uma chocante absolvição de responsabilidades perante actos provados, como hoje é muito mais evidente, e que são do conhecimento público.
Mesmo quando não tem possibilidades de manipular os factos e é obrigado a reconhecer situações de completa ilegalidade, o relator «lava as mãos». Por exemplo, é obrigado a reconhecer que houve peças de propaganda que foram encomendadas e pagas, mas não foram realizadas. Conclusão do relator: «A Administra-

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cão está a tempo de, junto da PA, se considerar credora das importâncias respectivas». Comovente! Sobre responsabilidades, zero!
Se isto foi sempre inaceitável, assume, depois das condenações criminais, os contornos de um assunto de Estado, já que compromete a credibilidade das instituições, incluindo a instituição parlamentar, num processo de cobertura de responsabilidades que constituiria um precedente de consequências incontroláveis.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - É por tudo isto que o inquérito deve ser reaberto. Mas para incidir sobre que factos? E será que esses factos são os mesmos que são objecto da sentença condenatória do Tribunal Criminal? A resposta é não! Os factos objecto de condenação referem-se só a uma pequeníssima parte de toda a questão. Referem-se às campanhas de informação, à segunda fase do Hospital de Fafe e a obras realizadas na Secretaria de Estado da Saúde. A própria ex-Ministra disse-o aqui no passado dia 2 de Fevereiro: nada «em relação ao Hospital de S. Francisco Xavier, nem ao Centro das Taipas, nem quanto ao equipamento do Hospital de Fafe».
De fora estão, assim, praticamente todos os casos e todo o âmbito do inquérito parlamentar de 1989, cuja reabertura se propõe. Está de fora, como já disse, o S. Francisco Xavier; o Centro das Taipas; a primeira fase do Hospital de Fafe; e, por exemplo, também os estudos de urbanização de Tomás Taveira para os hospitais Júlio de Matos e Curry Cabral, em que o Estado pagou 168 000 contos num processo em que é montada uma falsa aparência de concurso público.
Os crimes considerados provados referem-se a factos muito circunscritos e ocorridos quando a procissão já tinha «dado volta a meia aldeia»! Mas, para que não se argumente com a imprecisão de contornos, mostrar-se-á como há muito trabalho para a Comissão sem interferir minimamente com as questões objecto de sentença condenatória.
Este processo do Ministério da Saúde, no seu conjunto, é um paradigma do que pode suceder a partir da falta sistemática de respeito pelas regras de processo quanto à gestão de dinheiro público. O Tribunal, quando aprecia as situações que lhe foram submetidas à consideração, tem uma aguda consciência disso. Vale a pena, a este propósito, citar a sentença. Isto é dito pelo Tribunal, não é dito por mim: «Em nome da urgência, tudo se faz. Obras por ajuste directo, para as quais era necessário concurso público. Realização de obras sem definição precisa destas (...). Ordem para a execução, sem acordo prévio e escrito quanto ao preço (...). O pagamento de tudo sem controlo de nada nem de ninguém». Isto tudo são citações da sentença! A situação é de tal ordem que o Tribunal é obrigado, a certa altura, a sublinhar que «uma eventual culpa da vítima», leia-se: ex-Ministra da Saúde, «não pode constituir uma desculpa para o agente», isto é, Costa Freire. E explica (continuo a citar, isto também está escrito na sentença): «Em termos de facto, a questão coloca-se. Na realidade, se tivesse havido todo o cuidado necessário, aliás imposto legalmente (...), não teria havido prejuízo. Era a isto que nos referíamos, quando se afirmou que o incumprimento sistemático do procedimento legal potenciou esta situação».
É esta situação de ilegalidades e irregularidades sistemáticas que caracteriza todos estes processos. Ilegalidades e irregularidades que não se limitam, ao contrário do que já aqui foi afirmado em nome do PSD, há poucos dias, aos casos de crimes provados. Não é só nesses casos que há ilegalidades. Pelo contrário! Mas, também aqui, para que não se levantem dúvidas e para que não se diga que sou eu só que o afirmo, veja-se também em relação a um dos casos em que havia pronúncia de crime mas em que o Tribunal não considerou que houvesse crime, que é o caso do fornecimento de refeições ao Hospital S. Francisco Xavier, o que é que diz o Tribunal: «Não se duvida que o serviço de fornecimento de refeições para o Hospital S. Francisco Xavier foi, na sua quase totalidade, eivado de irregularidades e violações à legislação que regulamenta a matéria relacionada com a aquisição de bens e serviços para o Estado». É o Tribunal que o diz!
O que se pergunta, pois, é como é que se chegou a esta situação - isto é que deve ser objecto de inquérito! - de incumprimento sistemático, qual a extensão desse incumprimento sistemático, qual a responsabilidade dos diferentes agentes políticos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto está muito antes dos casos que são objecto de sentença condenatória. E pergunta-se: quem deu ordens e deixou que tudo fosse feito irregularmente, em violação da lei e sem qualquer controlo? Quem deu ordens e deixou que tudo isso fosse feito assim, para que tudo fosse feito com a máxima urgência e, a partir de certa altura, com o horizonte da data das eleições?
Rememorando um pouco, o processo começa em meados de 1986, com a aquisição de um edifício para o Hospital S. Francisco Xavier. A aquisição é feita com um adiantamento de 750000 contos, adiantamento esse que é feito antes do decreto que instituiu o hospital; antes da portaria que permite o pagamento faseado; antes de haver a minuta do contrato e o protocolo de venda; antes da remessa para visto; antes do visto - quase um ano antes do visto!
Apareceu agora, sete anos depois, um decreto-lei que foi desencantado e que, na opinião dos que o exibem, justificaria que aquela operação de pagamento pudesse ser feita sem consentimento do Governo e do Primeiro-Ministro. Há uma entrevista da ex-Ministra onde ela diz: «Foi o meu Secretário de Estado quem se ocupou disso». E acrescenta: «Não digo isso para me descartar». E não pode descartar-se, de facto. É concebível que saíam 750000 contos dos cofres do Estado sem que o Primeiro-Ministro saiba? Alguém acredita nisso? O decreto-lei agora descoberto nunca foi invocado, nem poderia sê-lo, para fazer aquela operação sem autorização do Governo e do Primeiro-Ministro porque, como é óbvio, essa verba excede largamente a competência ministerial, isto é, é uma aquisição que envolve, no total, 1,7 milhões de contos.
Este caso é como que «um pontapé de saída» num cortejo de irregularidades e ilegalidades. Começam logo no processo de aquisições e transferências de material pelo Hospital da CUF. A situação é tal - e aqui importa recordá-lo, mais uma vez - que é esta empresa, ela própria, a manifestar, num ofício dirigido à Administração Pública, estranheza e discordância pela forma como estavam a ser feitas as aquisições, alertando para várias irregularidades, entre elas, um «conjunto de alte-

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rações a lápis e não subscritas por ninguém e que modificam o conteúdo das decisões». A resposta da Direcção-Geral é a de que essas alterações eram da responsabilidade do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto da Ministra, acrescentando isto, que é espantoso: «A aplicação rigorosa a este caso dos conceitos jurídicos inerentes às consultas iria, pura e simplesmente, inviabilizar o processo». Ou seja, é a Administração Pública a assumir, e a escrever, que adoptava propositadamente métodos ilegais e irregulares.
É em finais de 1986 que aparece a PA, pela mão do poder político. Tudo o que está documentado, nomeadamente na sentença, a este respeito, embora não constituindo matéria de procedimento criminal, mostra que é o poder político que introduz a PA em todo este processo. Como é sabido, a PA apareceu em Dezembro e, rapidamente, faz o tal memorando através do qual passa a controlar a própria comissão instaladora - isto é, os organismos do Estado responsáveis pela condução do processo -, o que provoca uma crise grave dentro do processo, que conduz à oposição aos métodos da PA por parte de dois dos membros dessa comissão instaladora. Estes manifestam a sua oposição ao Secretário de Estado Adjunto e ao próprio Engenheiro Costa Freire e, menos de 24 horas depois, recebem em casa, à noite, o despacho através do qual a ex-Ministra os exonera.
Os escândalos tornaram-se públicos, houve muitas notícias em torno destas questões, amontoaram-se suspeitas. Pergunta-se isto: como é que foi possível - e esta é que é a pergunta central do inquérito a fazer- ter deixado a PA, depois de todas as notícias e toda a controvérsia que provocou, sem qualquer controlo? Como é que foi possível ter-se permitido todas as ilegalidades e irregularidades que se foram verificando ao longo do tempo, desde os concursos forjados, com falsificação de documentos, até às empresas fantasmas e à situação escandalosa de a PA estar a comprar equipamentos e serviços a empresas com as quais tinha participações cruzadas e que funcionavam com ela em sistema de rotação de pessoal, isto é, pessoal que era de uma e de outra empresa, indiferentemente?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Bem perguntado!

O Orador: - Foi a convite do poder político que a PA entrou no campo da construção hospitalar, que lhe era totalmente estranho. Foi a convite do poder político que a PA entrou no campo da publicidade, campo que lhe era totalmente estranho. Inventou empresas para isto - a EDIBLOCO e outras são empresas inventadas para este efeito.
Para terminar, não posso deixar de referir isto: em 1987, quando o Presidente da Comissão Instaladora, o Dr. Gomes da Silva, que foi empossado em Abril com a expressa recomendação de concluir o hospital antes das eleições, pede uma sindicância, a resposta que tem da ex-Ministra- e isso está documentado- é a acusação de deslealdade! De deslealdade, por pedir uma sindicância a factos que eram manifestamente irregulares, manifestamente ilegais!
O que o inquérito deve averiguar não tem nada a ver com a sentença condenatória nem com os factos concretos a que ela se reporta. Esta actuação do Ministério em relação ao Hospital S. Francisco Xavier foi uma actuação na qual o Primeiro-Ministro se empenhou a fundo, na qual ele se envolveu a todos os níveis: apoiou a actuação do Ministério da Saúde no que toca a esta matéria em todos os momentos e foi, nomeadamente, à inauguração do hospital, a tal inauguração simbólica, que ocorre um dia depois da concessão do visto, ou seja, um ano depois de ter sido pago o edifício! Se é o principal beneficiário da situação, se é o primeiro interessado na urgência com que todo o processo correu, como pode o Primeiro-Ministro ser alheio a todo o processo? Onde começa a responsabilidade política, senão em quem criou aquele clima de «vale tudo»?

Aplausos do PCP.

A ex-Ministra declarou em 1991, numa entrevista, o seguinte: «Naturalmente tive consciência dos riscos que corria quando permiti que o processo de abertura corresse de determinada maneira». Creio que esta é uma declaração importante. Mas, se tinha consciência desses riscos, que significado dar ao facto de ser ter deixado andar a PA e o Engenheiro Costa Freire sem qualquer controlo? O que significa não ter feito qualquer controlo, apesar das notícias vindas a público?
É por tudo isto que propomos a reabertura do inquérito. Aqueles riscos de que falava a ex-Ministra não se podem repetir, as instituições têm de apurar todas as responsabilidades e as lições deste caso têm de ser tiradas em todas as suas vertentes.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, estão inscritos três Srs. Deputados para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Deputado João Amaral já não tem tempo para responder.
Sr. Deputado Nuno Delerue, pretende fazer algum comentário dirigido à Mesa?

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, embora o Sr. Deputado João Amaral não tenha tempo para falar, tem tempo para ouvir!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Nesse caso, não serão pedidos de esclarecimento mas, sim, pequenas intervenções.
Dado que os Srs. Deputados insistem em fazer pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados João Rui de Almeida, Nuno Delerue e Luís Filipe Madeira. O CDS-PP e o PSD cedem ao Sr. Deputado João Amaral um minuto cada, pelo que terá dois minutos para responder.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, o «caso do Ministério da Saúde», tal como é conhecido, assumiu tão grandes proporções e tamanha gravidade que, no nosso entender, põe mesmo em causa o nome e a credibilidade das instituições do Estado. Por isso, o PS exige que o Primeiro-Ministro Cavaco Silva assuma a responsabilidade de prestar uma explicação ao País sobre o «caso do Ministério da Saúde», onde foram cometidas irregularidades, crimes mesmo, por um membro do Governo a que presidiu e pelo qual foi, e é, o responsável máximo.
É politicamente inaceitável que o «caso do Ministério da Saúde» tenha provocado até agora exonerações

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de altos cargos governamentais, a demissão da ex-Ministra de importante cargo partidário, a prisão de um ex-membro do Governo e de um familiar da ex-Ministra, a renúncia da ex-Ministra de mandato de Deputada e de altos cargos da Assembleia da República, e que tudo isto aconteça sem que o Primeiro-Ministro Cavaco Silva assuma o dever de Estado de dar uma explicação ao País. O Primeiro-Ministro responde perante o seu país e não perante o seu partido! O Primeiro-Ministro Cavaco Silva tem de informar os portugueses sobre o seu grau de responsabilidade no «caso do Ministério da Saúde».
Por isso, considera ou não, Sr. Deputado João Amaral, que esta é uma questão central para a salvaguarda da credibilidade do próprio sistema democrático?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, a Mesa acaba de ser informada de que o Partido Ecologista Os Verdes concede tempo ao Sr. Deputado João Amaral.
Assim sendo, e se o desejar, pode responder desde já ao Sr. Deputado João Rui de Almeida.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, evidentemente que, neste processo e neste momento, é central o apuramento e a assumpção de responsabilidades a todos os níveis, incluindo ao nível mais elevado. Não creio que este processo possa considerar-se encerrado enquanto toda a situação não for transparente aos olhos das instituições que têm por dever fiscalizar os actos da Administração, bem como aos olhos da opinião pública. Enquanto isso suceder, enquanto não houver total transparência, o processo não está encerrado. E enquanto não houver total transparência, podemos dizer que as instituições democráticas, de alguma maneira, sofrem com essa situação. É uma situação que, atingindo a credibilidade das instituições, atingindo uma componente determinante do funcionamento das instituições democráticas, enquanto permanecer, é um perigoso quisto, um perigoso precedente. E sublinho este aspecto: qual é a autoridade ética de um Estado, que reclama perante os cidadãos contra actos ilegais ou irregulares que eles possam cometer, quando, em relação aos actos dos seus agentes, tem uma atitude permissiva e de contemplação? Esta é uma questão central.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Nuno Delerue, tem a palavra.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, reconheço que V. Ex.ª hoje, aqui, foi criativo na fornia como colocou o problema, porque, para justificar o pouco espaço que tem, por razões de ordem legal, para esta comissão de inquérito que pretende reabrir, colocou a questão fazendo a comparação com a sentença, mas esquecendo-se de fazer a comparação com a acusação do Ministério Público. Ou seja, V. Ex.ª compara aquilo que é a sentença do Tribunal, mas não aquilo que foi matéria que estava na acusação do Ministério Público e que foi dada como não provada em termos de Tribunal. Obviamente que se o fizesse com a primeira o espaço era nulo e assim o espaço é reduzido, mas percebe-se isso.
De resto, para o fazer, depois socorre-se do relatório a que, noutros momentos, chamou «branqueador»! Também não deixa de ser interessante que o relatório da Comissão de Inquérito agora seja um dos elementos que indicia a necessidade de reabrir, pelo que lá está escrito, a própria Comissão de Inquérito. Registamos!
Um terceiro facto interessante é a criatividade que V. Ex.ª teve para justificar a não validade do decreto-lei que eu tive, no outro dia, oportunidade de lhe mostrar e entregar aqui, nesta Câmara. V. Ex.ª quer, obviamente, fazer com que esta Comissão de Inquérito chegue ao Primeiro-Ministro, mas isso não acontecerá por sua vontade mas apenas se V. Ex.ª tiver os factos e os argumentos capazes para o fazer. E, manifestamente, V. Ex.ª não é capaz de o fazer!
Assim, o que está aqui em causa não é a reabertura de um inquérito mas, sim, um inquérito à sentença e, a isso, o PSD diz que está completa, total e absolutamente indisponível.

V. Ex.ª está insatisfeito - já todos, nesta Câmara, o perceberam - com a sentença do tribunal. Está no seu direito, tem total liberdade para ter essa insatisfação, mas o PSD está indisponível para abrir um inquérito à sentença do tribunal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz Abreu): - Sr. Deputado João Amaral, pretende responder já ou no final dos pedidos de esclarecimentos?

O Sr. João Amaral (PCP):- Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz Abreu): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP):- Sr. Deputado, creio que essa sua reflexão merece uma óptima e saudável gargalhada.
Então, eu estou «insatisfeito» com a sentença?... V. Ex.ª disse no seu relatório que estava tudo bem, que não havia azar, eram todos bons rapazes...
Sr. Deputado Nuno Delerue, a sentença atinge pessoas e ninguém pode ficar satisfeito por uma determinada pessoa ter uma conduta criminal. Não fico satisfeito, por exemplo, por terem envolvido um rapaz sem se saber como e de ter chegado à situação que chegou. Se se quer referir a esse caso, é evidente que não estou satisfeito. Agora, quanto ao que diz a sentença sobre o apuramento de factos criminais, isso é com a consciência do juiz. Isso foi o que o juiz e o tribunal decidiram de acordo com a sua consciência, de acordo com o direito. Não sou eu que vou questionar a sentença, quem a questionou foi o Sr. Costa Freire.
O que fiz aqui foi uma coisa totalmente diferente: utilizei a sentença para demonstrar que o juiz e o tribunal souberam distinguir entre irregularidades e ilegalidades administrativas e crimes. E tanto o fez que citei um caso em que o tribunal considerou que não foi feita prova de que existiam os elementos tipificadores do crime de burla agravada, que era o caso do fornecimento de refeições ao Hospital de S. Francisco Xavier. O tribunal considerou assim, é com o tribunal, é com a sua consciência. Mas estará bem decidido?
Simplesmente o próprio tribunal diz que, do ponto de vista da ilegalidade administrativa - foi o que eu citei -,

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o processo é, em quase todas as suas componentes, eivado de irregularidades e violações da legislação.
O processo administrativo correu de uma forma que emporcalha as instituições da Administração Pública. E o Sr. Deputado conhece muito bem todo o processo, conhece-o página a página. O Sr. Deputado sabe que é assim neste caso concreto como em muitos outros.
Portanto, entendo que a sentença decidiu como decidiu, e muito bem, a parte que é criminal. O que me reporto não é à parte criminal, mas à responsabilidade política e administrativa, o que é totalmente diferente. E, aí, a sentença mostra, mesmo nos casos em que considerou que não havia crimes, a existência de situações de graves irregularidades.
É também muito importante nessa parte a sentença.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, penso que o assunto estava já suficientemente esclarecido na opinião pública, mas acontecimentos da semana passada vieram completar o processo, retirando a última «almofada» que se interpõe entre este processo e o Primeiro-Ministro.
É, de facto, o Primeiro-Ministro que está em causa! E isso decorre não só por ele ser responsável em teoria e na prática pelos actos do seu Governo, pela escolha dos seus ministros e secretários de Estado, como por ter assumido, para além dos limites temporais razoáveis, a defesa daquilo que, por essa razão e pelas denúncias que houve oportunamente, ele não podia ignorar.
O Primeiro-Ministro está ao corrente do que se passou. E se não o soube antes soube-o seguramente depois, há muito tempo que sabe o que se passou, mas ainda não se ouviu da sua boca uma palavra de condenação.
O Sr. Deputado, que foi presidente da comissão de inquérito, sabe tão bem ou melhor do que eu o que lá se passou. Pergunto-lhe, pois, se não entende que o que consta dos documentos do inquérito, com suficiente credibilidade, como prova razoável, chega para que esta Assembleia reveja aquele vergonhoso relatório, de forma a que a opinião pública saiba que o Governo e a Assembleia da República zelam pelo cumprimento das leis, pela legalidade democrática e pela ética política dos membros do Governo.
Pergunto-lhe como é que o actual Ministério da Saúde pode levantar um processo aos médicos, como se verificou ontem e anteontem, do Hospital Garcia da Horta por supostas irregularidades quando abafa, com o manto diáfano da hipocrisia da sua fantasia, os crimes, as ilegalidades, as prepotências e os abusos de poder que se praticaram no Ministério da Saúde.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz Abreu): - O Sr. Deputado João Amaral dispõe de um minuto para responder.

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado colocou aqui uma questão que é importante, isto é, o que consta das actas da comissão de inquérito e dos documentos anexos é mais do que suficiente para fazer um relatório totalmente diferente.
Se o inquérito prosseguir, ouvindo alguns agentes que não foram devidamente inquiridos, creio que ele pode ir muito mais longe do que alguma vez podia ir com os elementos existentes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Nuno Delerue (PSD); - Todas as pessoas que foram à comissão de inquérito estavam de acordo! O que está a dizer é demagogia!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a analisar hoje o pedido de Inquérito Parlamentar n.º 19/VI, que se destina a aprofundar o esclarecimento devido aos actos administrativos na área do Ministério da Saúde, referidos na Resolução n.º 12/89, de 14 de Maio, completando-o e reavaliando as suas conclusões, tudo isto à luz dos novos factos entretanto verificados.
Queremos, desde já, manifestar algumas reservas sobre o objecto do inquérito, dado que, nos termos regimentais, como se sabe, não podem decorrer inquéritos parlamentares sobre matéria que está a ser investigada judicialmente.
Pese embora o facto de o partido proponente ter acautelado a delimitação do inquérito, continuamos com dúvidas sobre a sua eventual colisão com o objecto da investigação judicial. Foram, aliás, estas dúvidas que nos levaram a não tomar iniciativa idêntica. Aguardamos, por isso, a decisão final dos tribunais, para então e em conformidade solicitarmos à Assembleia da República a reapreciação do tão falado «caso Ministério da Saúde».
Mas não obstante as dúvidas que possam existir neste âmbito, o PS declara, desde já, o seu voto favorável à realização deste inquérito. Para além de manter, coerentemente, o princípio de viabilizar todos os inquéritos parlamentares para apuramento de toda a verdade, consideramos ser esta matéria e a sua clarificação da maior importância para a defesa do prestígio da Assembleia da República, para a defesa da dignidade das instituições do Estado e para a salvaguarda da respeitabilidade e credibilidade do sistema democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de a Dr.ª Leonor Beleza ter sido exonerada do cargo de Ministra da Saúde; depois de a Dr.ª Leonor Beleza, em consequência do «Caso Ministério da Saúde», se ter demitido de cargos partidários, invocando motivos de natureza «ética e familiar»; depois de a Dr.ª Leonor Beleza ter afirmado que assumia a responsabilidade política pelos actos praticados no âmbito do seu Ministério; depois de a Dr.ª Leonor Beleza se ter considerado politicamente solidária com o seu Secretário de Estado da Saúde, Costa Freire; depois de o Tribunal Criminal de Lisboa ter proferido recentemente uma sentença condenatória aos réus Engenheiro Costa Freire, ex-Secretário de Estado da Saúde, e ao Sr. José Manuel Beleza, irmão da então Ministra da Saúde, Dr.ª Leonor Beleza; depois de o Primeiro-Ministro Cavaco Silva ter admitido publicamente que a Ministra da Saúde Leonor Beleza escolheu «eventualmente um mau colaborador»; depois de a Dr.ª Leonor Beleza, dois dos seus ex-secretários de Estado e altos funcionários do seu Ministério esta-

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rem indiciados por responsabilidades financeiras sobre mais de 100 mil contos, tudo por alegadas irregularidades financeiras cometidas no caso do Ministério da Saúde, apuramento feito pelo Tribunal de Contas e divulgado recentemente pela comunicação social; depois de a Dr.ª Leonor Beleza ter recentemente renunciado ao mandato de Deputada e ao cargo de Vice-Presidente da Assembleia da República; depois de tudo isto, não é possível que os Srs. Deputados do PSD continuem a pretender iludir os portugueses de que nada aconteceu no «caso Ministério da Saúde», de que não houve irregularidades, de que não foram cometidos actos criminosos e de que não há responsáveis.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República não pode ficar indiferente perante factos de tamanha gravidade e não pode permitir que caia sobre si a suspeita de querer encobrir a verdade ou de desresponsabilizar os responsáveis. A Assembleia da República não pode continuar manchada com um relatório e conclusões irresponsáveis e ilibatórias do inquérito ao Ministério da Saúde que lembramos, mais uma vez, foi elaborado e votado, única e exclusivamente, pelo PPD.
Confirma-se, hoje, aquilo que então afirmámos neste Plenário: «O relatório do PPD/PSD sobre as irregularidades ocorridas no Ministério da Saúde é uma monumental fraude política». Os factos apurados na recente decisão do tribunal provam-no claramente e dão ao nosso juízo a consistência de uma conclusão irrespondível.
Este acto desprestigiou e continua a desprestigiar a Assembleia da República. Este acto desacredita os seus autores e desacredita toda a classe política por arrastamento.
O PPD/PSD ao utilizar um órgão de soberania, onde dispõe, conjunturalmente, de uma maioria absoluta para impor resoluções que contrariam a verdade dos factos, pretendendo esconder graves irregularidades cometidas por altos responsáveis do aparelho de Estado, está a cometer um gravíssimo atentado à ética democrática, aos seus valores e às suas regras.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados do PSD, o que está em causa não é um braço de ferro político entre o partido maioritário e toda a oposição. O «caso Ministério da Saúde» assumiu tão grandes proporções, tantas contradições e tamanha gravidade que o que está em causa atinge os alicerces da credibilidade do próprio sistema político-partidário.
Para além da já confirmada existência de crimes graves, que conduziram a penas de prisão, está agora instalada na opinião pública uma enorme suspeição sobre a verdadeira dimensão de todo este caso.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Atenção ao tempo, Sr. Deputado!

O Orador: - É politicamente reprovável e inaceitável que o «caso Ministério da Saúde» tenha conduzido a exonerações de altos cargos governamentais, à demissão de importantes órgãos partidários, à prisão de ex-membros do Governo e de um familiar do responsável, à renúncia de mandato de Deputados de altos cargos da Assembleia da República, e a tudo isto o mais responsável pelo Governo, onde estes graves acontecimentos ocorreram, o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, continua a não querer dar uma explicação ao País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dada a gravidade dos acontecimentos e a necessidade de preservar o bom nome e a credibilidade das instituições democráticas, o Partido Socialista exige que o Primeiro-Ministro Cavaco Silva assuma a responsabilidade de prestar uma explicação aos portugueses sobre o «caso Ministério da Saúde».
Não se justifica que o Primeiro-Ministro faça considerações laterais sobre actos políticos de responsáveis do seu Partido e se demita de informar o País sobre irregularidades e crimes cometidos por elementos de um Governo a que presidiu.
O Primeiro-Ministro tem que informar os portugueses sobre o grau de responsabilidade no «caso Ministério da Saúde».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado Nuno Delerue pretende usar da palavra para pedir esclarecimentos, mas quero informá-lo de que o Sr. Deputado João Rui de Almeida já não dispõe de tempo para poder responder.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, tanto o Sr. Deputado João Amaral como o Sr. Deputado João Rui de Almeida não são exímios a gerir o tempo. Mas como eu tenho muita curiosidade na resposta, dou 30 segundos ao Sr. Deputado João Rui de Almeida, que é o tempo que ele precisa para responder à questão que lhe quero colocar.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado, para fazer o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, não vou fazer considerações em relação à intervenção do Sr. Deputado João Rui de Almeida, até porque o Sr. Deputado já faz esse tipo de intervenções como um ritual.
Mas quero perguntar-lhe como é que o Sr. Deputado compatibiliza a violência do seu discurso com a possibilidade, que está na sua mão e na do seu grupo parlamentar, de viabilizar a uma nova comissão de inquérito. Por que razão é que não o faz?
O Sr. Deputado tem, exclusivamente, na sua mão as assinaturas indispensáveis para tornar a comissão de inquérito obrigatória. Como é que isso é compatível com o discurso que aqui fez? Ou será que a gestão política, que legitimamente o Grupo Parlamentar do PS faz como entender- e, pessoalmente, não tenho nada a ver com isso-, aconselha neste momento, por razões de acuidade e do momento, a que as assinaturas sejam gastas noutra comissão. Isso é de uma demagogia total, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

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O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Deputado Nuno Delerue, só quero dizer-lhe que, por enquanto, quem manda no Partido Socialista é o Partido Socialista!

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Até aí, estamos de acordo! Eu também disse isso na minha intervenção!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP apresenta um projecto de resolução para a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito aos actos administrativos na área do Ministério da Saúde.
Devo recordar que na V Legislatura foi constituída uma comissão parlamentar de inquérito idêntica, que trabalhou durante 20 meses, fez 91 reuniões, produziu mais de 8300 páginas de actas e procedeu a audiência de 52 depoentes. Tratou-se de um trabalho exaustivo, minucioso e correctamente conduzido que terminou com a elaboração e discussão do relatório final nesta Câmara.
Pergunto: a apresentação deste projecto de resolução estará em conformidade com as exigências formais e substantivas resultantes da Constituição, da lei e do Regimento, para que se possa e deva constituir a referida comissão de inquérito? É, de facto, inegável que esse é um direito consignado no n.º 4 do artigo 181.º da Constituição da República Portuguesa. Todavia, para se verificar o seu exercício não basta a sua consagração constitucional; é necessário, em cada caso concreto, verificar se estão preenchidos os pressupostos e as exigências formais e substantivas que o justificam.
E, pois, importante ter em atenção o sentido de oportunidade, os interesses sociais que o envolvem, as complicadas e nem sempre claras perspectivas dos agentes políticos que os criam, tantas vezes ao sabor de interesses, conjecturas e estratégias pouco consentâneas com a democracia.
Esta é uma questão que merece ser analisada em obediência a razões e princípios que se inserem no quadro da dignidade, do prestígio, da seriedade e da transparência do trabalho parlamentar. Razões estas que devem assegurar a correcta dinâmica parlamentar quanto à actividade das comissões, a economia de processo e a não repetição de casos já apreciados.
É também necessário que respeite os formalismos legítimos que informam a actividade parlamentar no quadro da criação de comissões de inquérito. Os inquéritos parlamentares têm carácter instrumental, habilitando a Assembleia da República com elementos que podem, eventualmente, conduzir à tomada de medidas legislativas ou outras. A função dos inquéritos parlamentares não consiste em julgar.
Em nome da dignidade, do prestígio, da seriedade e da transparência do trabalho político parlamentar deve evitar-se a prática de actos repetidos que se tornam inúteis e inconsequentes.
Assim, as comissões de inquérito só são constituídas porque lhes foi fixado o correspondente objecto - é em função deste que as comissões têm justificação - e
apenas devem actuar no âmbito dos seus limites, produzindo trabalho que o Plenário aprecia, analisa e discute.
É absurdo que o Partido Comunista Português proponha a criação de uma nova comissão de inquérito com o mesmo objecto da anterior comissão. São os próprios proponentes que o confessam e assumem quando referem, no seu projecto de resolução, que o inquérito parlamentar tem por objecto a averiguação da conformidade com a lei e o interesse público dos actos administrativos na área do Ministério da Saúde, objecto esse já referido na Resolução n.º 12/89, de 14 de Maio, que respeita, exactamente, ao inquérito parlamentar realizado na V Legislatura e já findo.
Tudo isto como se aquele anterior inquérito tivesse excluído do seu objecto a averiguação da conformidade com a lei e o interesse público dos actos administrativos na área do Ministério da Saúde!
O Partido Comunista Português alega, como fundamentos, factos que respeitam ao processo de desenvolvimento dos trabalhos da comissão de inquérito anterior. Ora, as comissões de inquérito a criar não devem ter por fundamento a apreciação e julgamento das decisões e comportamentos que tiveram lugar durante a actividade de outra comissão de inquérito.
De acordo com o artigo 255.º do Regimento, os inquéritos parlamentares destinam-se a averiguar do cumprimento da Constituição e das leis, a apreciar os actos do Governo e da Administração e não a ouvir pessoas. Se assim fosse, estaríamos confrontados com uma gravíssima consequência, que seria a do abuso de poder, através da realização de um inquérito não para prosseguir o objectivo regimental definido no artigo 255.º e, legalmente, fixado no n.º 1 da Lei n.º 5/93.
Com efeito, só se constituem comissões quando previamente lhes foi fixado, correcta e legalmente, o objecto, que é elemento fundamental para a sua criação. Ora, nesse domínio, o requerimento em análise suscita-nos algumas dúvidas e fortes reservas.
Entendemos que, se o objecto apresentado fosse aceite, cairíamos no erro grave de repetir, inutilmente, comportamentos e deliberações que já foram legitimamente tomadas e apreciadas; além de que uma segunda comissão seria uma censura implícita ao trabalho e aos Deputados da primeira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dado que o inquérito proposto tem por objecto questões afectas aos tribunais e sobre as quais não existe ainda trânsito em julgado, em obediência ao princípio da separação de poderes, que o PSD respeita, a constituição de uma nova comissão, mais do que uma ingerência, seria uma afronta injustificada ao poder judicial.
No n.º 3 do projecto em apreço refere-se que o inquérito parlamentar será suspenso quanto aos factores sobre os quais exista procedimento criminal pendente com despacho de pronúncia transitado em julgado. Trata-se de um artifício que importa denunciar como uma manifesta fraude à Lei n.º 5/93,...

Vozes do PCP: - Ah!

O Orador: - ... que o PCP votou favoravelmente mas que, ao sabor das suas conveniências e da demagogia política, não quer efectivamente acatar.
O Professor Gomes Canotilho, cuja doutrina o PCP tem obrigação de conhecer bem, já referia, mesmo antes da Lei n.º 5/93, «não serem admissíveis inquéri-

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tos parlamentares sobre assuntos pendentes de decisão judicial». E é de todo impossível cindir os factos objecto do inquérito que se pretende instaurar dos factos objecto do processo judicial pendente.
O n.º2 do artigo 5.º da Lei n.º 5/93 prevê a suspensão do inquérito até ao trânsito em julgado da correspondente sentença judicial. É muito estranho, pois, que seja exactamente o mesmo grupo parlamentar que, em especialidade, votou favoravelmente este artigo venha hoje, aqui, de uma forma ardilosa, pedir um inquérito que não tem possibilidade de ser efectuado sem colidir com a esfera do poder judicial.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

O Partido Social Democrata defende e respeita, em reciprocidade, o princípio da separação de poderes, a Constituição e a lei. Obviamente, por todas estas razões, votaremos desfavoravelmente o projecto apresentado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado João Amaral fez sinal à Mesa para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado. Espero que seja breve no uso da palavra, pois apenas dispõe de 30 segundos para o fazer.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, vou ser muito, muito breve.
Sr. Deputado Fernando Andrade, é evidente que a sua argumentação é jurídica. Aliás, vários juristas do seu grupo parlamentar já usaram a mesma argumentação. Por alguma razão não houve nenhum jurista que agarrasse a questão, apesar de a sua argumentação ser exclusivamente jurídica!...
Em todo o caso, a pergunta que lhe quero fazer, já que trouxe a questão para este terreno, é muito simples: o Sr. Deputado, para além das considerações de natureza jurídica, não sente, uma vez que pertence à bancada que elaborou aquele relatório, alguma vergonha por ele, face aos factos que foram apurados ao longo do inquérito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, a minha argumentação não é jurídica mas, sim, de bom senso.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, vergonha é andar a utilizar este argumento como arremesso político, fazendo chicana política com esta situação!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa posição já foi aqui anunciada e...

O Sr. João Amaral (PCP): - Esse é que foi o mal!

O Orador: - ... não vemos razão para a modificar.
O que o Partido Comunista Português pretende- e tem todo o direito de o fazer- tem a ver, digamos assim, com a «alma» do relatório, que precede o projecto de resolução. Ou seja, «quer dar à opinião pública um sinal claro de vontade política no sentido de apurar as responsabilidades políticas e administrativas».
Além do mais, o Partido Comunista Português não está muito convencido de que este inquérito vai para a frente, pois ele próprio põe em dúvida que - questão essa que poderá ser colocada ao Sr. Procurador-Geral da República - o relatório venha a ser suspenso. Esta é uma hipótese claramente admitida no seu relatório, designadamente quando aí se refere que o PCP entende que a Assembleia da República deve, desde já, decidir este inquérito, mesmo que ele venha a ter de ficar parcialmente suspenso.

O Sr. João Amaral (PCP): - Parcialmente!

O Orador: - Já se sabe que é parcialmente, Sr. Deputado!
Isto significa que o Partido Comunista não sabe o que quer, ou antes, que quer agarrar alguma coisa! O «parcialmente» pode ser um ponto!

O Sr. João Amaral (PCP): - Eu disse quais eram! O Sr. Deputado não ouviu a minha intervenção, chegou atrasado!

O Orador:- Ora bem, acho muito bem, repito, que o Partido Comunista queira demonstrar ao seu eleitorado uma vontade política de querer mexer no assunto. Contudo, as barreiras que encontra são, do nosso ponto de vista, intransponíveis.
Em primeiro lugar, e quero deixar de lado a controvérsia doutrinal sobre se deve ou não haver inquérito parlamentar quando está pendente um processo judicial- sobre esse tema, existem duas posições: a do Professor Gomes Canotilho, já aqui citada, e a do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, em sentido contrário, que admite que, teoricamente, tal é possível. Aliás, há países onde se admite que corram dois inquéritos ao mesmo tempo: o inquérito criminal e o parlamentar; este último para apuramento da responsabilidade política e não para julgar os crimes nem os ilícitos criminais.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Acontece, porém, que o nosso regime jurídico dos inquéritos adoptou uma posição, boa ou má - não é isso que está aqui em discussão -, e fixou um critério ligado à existência de um despacho de pronúncia. Ora, se analisarmos o despacho de pronúncia, encontramos aí toda a matéria que se pretende averiguar neste inquérito parlamentar,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Falso!

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O Orador: - ..., directa ou indirectamente!
Não se pode tomar a sentença como critério até porque, se o recurso de revista é apenas sobre a questão de direito, já verificámos que, os ofícios, os juizes do Supremo Tribunal de Justiça podem anular o julgamento e mandar proceder a novo julgamento. E, nesse novo julgamento, o que está em causa é outra vez o despacho de pronúncia e não a sentença ou o acórdão do tribunal de 1.ª instância.
Tal significa que o despacho de pronúncia só perde a sua existência jurídica no dia em que houver trânsito em julgado da decisão final. É essa decisão final que faz apagar o despacho de pronúncia. Com efeito, se for anulado o julgamento o que reaparece é o despacho de pronúncia, que é muito mais amplo do que os factos dados como provados e contém matéria, directa ou indirectamente, relacionada com o inquérito pedido pelo Partido Comunista.
O segundo aspecto que quero focar é de natureza institucional. Existem aqui duas teses: a do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, que, segundo parece - não sei!-, é a tese oficial do Partido Socialista e defende que não vale a pena fazer um novo inquérito mas, sim, um novo relatório. Pelo menos, a tese defendida hoje na tribuna pelo PS diz que o que foi apurado no inquérito é mais do que suficiente para apurar a responsabilidade política. Assim, o que é preciso é apagar o relatório que foi feito e fazer um novo.
Acontece, porém, que esta posição não tem sustentação legal! E outra vez a tal vontade política que o Partido Socialista quer mostrar perante o País no sentido de que também quer mexer neste assunto, mas com uma precaução: não quer novo inquérito mas apenas agitar «o espantalho» de que alguma coisa correu mal. E esse mal é o relatório!
Ora, se assim for, também poderia adiantar uma terceira hipótese, em nome do meu partido - que não faço -, que consistiria em apresentar um projecto de resolução a requerer que, nos termos do Regimento, a Assembleia da República publique todo o inquérito em livro!

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!

O Orador: - De facto, o Regimento da Assembleia da República admite que seja publicado em livro tudo o que se passou no referido inquérito parlamentar. Dessa forma, a opinião pública teria oportunidade de ver tudo o que consta do processo de inquérito, designadamente toda a prova produzida, depoentes, e te., e constatar se o relatório está bem ou mal feito. Desde já devo dizer que, para mim, ele está mal feito e que não o votei!
A opinião pública teria assim oportunidade de verificar se o relatório corresponde ou não à matéria apurada. Mas não é isso que se pretende agora!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O que o Partido Comunista Português pretende- e esta é a segunda tese- é reabrir o inquérito parlamentar.
Ora, tomando a Assembleia da República como uma instituição, julgamos que ela não pode, constantemente e sobre os mesmos factos, abrir novos inquéritos! Isto é, agora o Partido Comunista quer, sobre os mesmíssimos factos que foram julgados, a abertura de um novo inquérito; amanhã uma nova maioria, sobre os mesmos factos, quer um terceiro, quarto e quinto inquérito!
Se estivessem em causa factos novos, como sucedeu no caso de Camarate, estava bem! Agora, a Assembleia da República pronunciar-se uma, duas, três, quatro, cinco vezes sobre os mesmos factos é desprestigiante para a própria Assembleia da República, que é uma instituição que tem que se dignificar a si própria.
Portanto, uma vez resolvida, bem ou mal, a questão não pode o mesmíssimo assunto - e os mesmíssimos pontos-, sem que haja factos novos, ser tratado novamente por causa de uma sentença do tribunal. Se, realmente, o Partido Comunista tivesse tantas dúvidas sobre o relatório não teria esperado pela sentença do tribunal para dizer que o relatório estava mal feito e requerer a abertura de novo inquérito!
Querem então basear-se na sentença judicial para nela «cavalitar» para um novo inquérito? Quer dizer que é a sentença que dá o ânimo ao Partido Comunista para reabrir o inquérito? Para nós, é aí que está a tal «promiscuidade negativa» entre o poder judicial e o parlamentar.
Por entendermos, para além de se tratar de um assunto afecto a um processo ainda sob consideração do tribunal judicial, que tal não dignifica a instituição parlamentar, que já se pronunciou sobre o assunto, e tendo em conta que o Partido Comunista não traz factos novos para justificar a sua pretensão de reabertura do inquérito, decididamente somos contra o inquérito.
O que não quer dizer que concordamos com as conclusões do relatório. Nada disso! Tem a ver, sim, com uma questão de princípio: não reabrimos o inquérito porque ele não tem «pernas para andar».

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, tenho toda a legitimidade para usar da palavra, na medida em que o Sr. Deputado Narana Coissoró diz que a proposta do Partido Comunista seria indignificante para o Parlamento. Trata-se, pois, de uma questão que tenho de esclarecer.
Em primeiro lugar, creio que procurei explicar com clareza- e não quero estar a radicalizar uma discussão destas - a diferença que há entre o objecto do inquérito, tal como propomos, e o conteúdo da decisão condenatória. Tive algum trabalho em fazer uma intervenção bastante detalhada em torno dessa questão. Aliás, até citei a própria ex-Ministra da Saúde, na intervenção que aqui fez; ela própria disse, por exemplo, que todo o Hospital S. Francisco Xavier não foi objecto da sentença condenatória.
Em segundo lugar, há, de facto, um facto novo, ao mesmo nível daqueles que permitiram a abertura, por cinco vezes, do mesmo inquérito ao caso de Camarate. E esse facto novo é a desconformidade clara entre os factos provados e aquilo que consta do relatório.
Em terceiro lugar, a questão também é, para mim, bastante clara no que toca à possibilidade de alterar o

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relatório. Mesmo que nada fosse feito no inquérito, para aprovar um novo relatório era preciso uma nova comissão parlamentar de inquérito, uma vez que os relatórios não são aprovados aqui, em Plenário, mas em comissão de inquérito.
Finalmente, Sr. Deputado Narana Coissoró, creio que o que é indigno do Parlamento é aquele relatório, da forma como foi aprovado! E fico muito chocado com as afirmações que fez em torno da iniciativa do Partido Comunista, quando aqui apela a essa ideia da indignidade, por não acentuar essa indignidade maior que é a de o relatório ter sido feito e aprovado só pelo PSD e se ter destinado exclusivamente a absolver e branquear os responsáveis políticos e administrativos por toda esta situação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, reafirmo que a proposta do Partido Socialista não passa de um espantalho.
O Partido Socialista não tem base legal, nem parlamentar, nem regimental para pretender rever o relatório. São palavras deitadas ao vento, não havendo qualquer possibilidade legal de fazer um novo relatório no mesmo inquérito. Arrumamos, assim, a posição do Partido Socialista.
Quanto à atitude do Partido Comunista, há dois pontos a analisar, o primeiro dos quais respeita às declarações proferidas, não sei se na imprensa se aqui, pela ex-ministra e ex-deputada Dr.ª Leonor Beleza. Nos inquéritos parlamentares, como nos tribunais, não apreciamos opiniões, sejam elas de quem forem, mas factos. Pode a Dr.ª Leonor Beleza, eu, o Sr. Primeiro-Ministro ou quem quer que seja dar as opiniões que quiser, porque as opiniões não são factos e não fazemos inquéritos sobre opiniões. Se a Dr.ª Leonor Beleza disser que o seu secretário de Estado fez uma coisa determinada, se existe um facto a averiguar, pode, então, haver lugar a inquérito. A opinião dela, para esse efeito, vale tanto como a minha ou a de qualquer outro e os inquéritos não se destinam a analisar opiniões, mas factos.
Em segundo lugar, disse e repito - para o Sr. Deputado João Amaral ouvir bem - que não concordo com o relatório e que o mesmo relatório não corresponde aos factos. Foi por isso que votámos contra ele e que dissemos que o melhor seria, «nesta fase do campeonato», publicar em livro branco todo o inquérito, para a opinião pública ver se aquele relatório diz ou não respeito aos factos apurados. Aí está - e bem - a vontade política de pôr perante o País o que o Parlamento apurou e julgou!
O Sr. Deputado não traz factos novos. Os factos são os mesmos. O Sr. Deputado quer é fazer um novo relatório.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não, não é isso!

O Orador: - Como não pode fazer um novo relatório, não traz factos novos, porque os factos, como admite, já lá estão.

O Sr. João Amaral (PCP): - O inquérito não foi concluído, Sr. Deputado. Foi interrompido por eles!

O Orador: - Tratar-se-ia, então, de fazer um novo inquérito e não a reabertura do inquérito. Não há factos novos. Não venha, pois, dizer que pretende a reabertura do inquérito e, por outro lado, que há factos novos. Se há factos novos, não pode haver reabertura. Se há reabertura, não há factos novos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para defesa da consideração da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, pela segunda vez, agora respondendo ao Sr. Deputado João Amaral, manifestou V. Ex.ª alguma obsessão em classificar negativamente a proposta do Partido Socialista, tendo utilizado pela segunda vez expressões pouco abonatórias, nomeadamente a expressão «espantalho», em relação ao ponto de vista que aqui foi defendido pelo Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
Quero dizer-lhe, muito frontalmente, que V. Ex.ª não tem qualquer razão para ter dúvidas acerca da nossa vontade de levar até ao fim o esclarecimento e a averiguação desta matéria, indo até aos mais altos responsáveis que nela se comprovar estarem implicados.
As nossas iniciativas - não apenas em relação à revisão das conclusões do inquérito, que não é impossível do ponto de vista legal e regimental, pois a circunstância de não estarem expressamente previstas não significa que essa decisão não possa e deva ser tomada - devem ser vistas no conjunto de várias outras que aqui temos apresentado e envolvem a audição, que já foi proposta, de um ex-secretário de Estado e o pedido de informações ao Sr. Primeiro-Ministro acerca de um conjunto de processos que neste momento estão pendentes, nomeadamente o processo relativo ao sangue contaminado com o vírus da SIDA, os processos em que já foram declarados ilegais vários actos praticados no Ministério da Saúde durante o período aqui em causa e ainda as várias acções de indemnização propostas contra o Estado, nas quais este já foi citado, com o fundamento em actos praticados no Ministério da Saúde, quando ele era da responsabilidade da ex-deputada e ex-vice-presidente da Assembleia da República Leonor Beleza.
Por este conjunto de iniciativas, cujo desenvolvimento V. Ex.ª conhecerá no futuro, pode estar certo de que o Partido Socialista não agita aqui um espantalho. O Partido Socialista promove um conjunto de diligências de onde resultará certamente maior clareza e maior responsabilização, porque pensamos que o princípio da responsabilidade política deve efectivamente ser verificado.
Congratulamo-nos - é preciso dizê-lo aqui hoje - com o acto de renúncia da Sr.ª Dr.ª Leonor Beleza, ex-deputada e ex-vice-presidente da Assembleia da República, porque ele traduz o triunfo das exigências da ética sobre a arrogância, a teimosia e a irresponsabilidade, que são o essencial da cultura política do cavaquismo. Mas essa renúncia é insuficiente, porque é preciso prosseguir a averiguação das responsabilidades.
As nossas iniciativas não são espantalhos, Sr. Deputado Narana Coissoró. As nossas iniciativas conduzirão, nesta matéria, a consequências.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, o que hoje estamos a discutir não é o anúncio que o Partido Socialista faz daquilo que irá fazer no futuro sobre esta matéria.

Vozes do PS: - Já foi entregue na Comissão de Saúde!

O Orador: - Registo o rol de iniciativas que aqui anunciou. À medida que forem surgindo no Parlamento lhes iremos dando resposta, favorável, desfavorável ou de abstenção, conforme o Regimento permitir e a nossa modesta opinião formar sobre as mesmas iniciativas. Registo, pois, o anúncio dessas iniciativas, que lhes fica muito bem.
O que hoje estamos a discutir é esta proposta, com este objecto e esta fundamentação. Foi sobre esta proposta, com este objecto e esta fundamentação, que o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, primeiro numa intervenção há dias proferida nesta tribuna, que deu muito que falar no seio do Partido Socialista, mas não no País, e depois numa intervenção hoje produzida aqui, disse novamente que o que se poderia fazer nesta matéria é elaborar um novo relatório. V. Ex.ª, que é um bom jurista e um bom regimentalista, há-de concordar comigo em que é impossível fazer um novo relatório sobre o inquérito existente.
Não esgrimamos, pois, contra moinhos de vento. Se V. Ex.ª se ofende com a palavra «espantalho», utilizarei o termo «fantasma», que talvez soe melhor. A proposta no sentido de fazer um novo relatório é uma proposta fantasma, uma proposta que não tem consistência jurídica, regimental e política.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Não é verdade!

O Orador: - O anúncio que V. Ex.ª fez fê-lo muito bem. Registamos esse anúncio, que constará das actas do Plenário da Assembleia da República. Aguardaremos que faça o respectivo desenvolvimento.
Estou também de acordo consigo na afirmação de que o Primeiro-Ministro é responsável pela coordenação de toda a política e pelo que se passou no Ministério da Saúde e não pode fazer «orelhas moucas» a tudo o que se está a passar. Esperamos que ele fale, e não tem prazo para o fazer!...
Devo referir, por outro lado, que o presidente do meu partido já prestou pública homenagem à Dr.ª Leonor Beleza. Não vale a pena virmos aqui constantemente dizer que o acto que ela praticou é um acto digno, um acto eticamente responsável e um acto que prestigia a sua figura e as funções que exerceu. Não vale a pena constantemente dizermos isso.
Estamos a discutir o presente pedido de inquérito. O seu anúncio fica para, lateralmente, constar, como anúncio, do Diário da Assembleia da República e a ele não tenho de responder. Tenho apenas de o ouvir.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate sobre o pedido de inquérito parlamentar em apreço.
Apesar de o tempo regimental para a realização de votações ter já sido levemente ultrapassado, proporia que procedêssemos de imediato, se não houver discordâncias, à votação do referido pedido de inquérito.
Há alguma objecção?
Não havendo objecções, vamos, então, votar o inquérito parlamentar n.º 19/VI, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, quero apenas informar que entregarei na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Passamos, Srs. Deputados, à apreciação das petições agendadas, começando pela petição n.º 158/VI (2.ª)- Solicitando o reconhecimento, na Constituição e nas leis eleitorais, dos direitos políticos dos portugueses residentes no estrangeiro, sem esquecer a importância do direito à igualdade de tratamento nos aspectos culturais, sociais e económicos.
Esta petição tem como primeiro subscritor o Sr. Júlio C. Ferraz e está apensa à petição n.º 141/VI (2.ª).
Está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe, mas a Mesa tem a informação de que o Sr. Deputado não pretende intervir já. É assim, Sr. Deputado António Filipe?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, irei efectivamente intervir sobre esta matéria, mas fui apanhado de surpresa, porque desconhecia a ordem das inscrições e ignorava que estava inscrito em primeiro lugar...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Pretende, então, ficar inscrito para momento posterior, não é?

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A participação de não residentes na eleição do Presidente da República é um daqueles temas que se têm vindo a tornar recorrentes no debate político nacional em que as posições, mais do que pelo seu sentido, se distinguem pelo seu grau de rigor e de exigência democrática e de recusa à simplificação demagógica.
Sentido de Estado, sentido da democracia e sentido da realidade devem neste domínio fazer frente à tentação da sentimentalização, da dramatização e da retórica.
Exige-o, antes de mais, o respeito pelos nossos emigrantes e pela sua maturidade cívica.

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obedecer a um governo .estrangeiro, para que não possa ser também português e exercer o seu direito de voto em Portugal. Porquê?, Porque não!?
Portanto, uma coisa é uma questão de princípio, outra coisa é uma questão de técnica. Quanto à questão de princípio somos inteiramente a favor, sem qualquer dúvida, sem qualquer limitação, de que todo o português tem o direito nato, o born right como dizem os ingleses, de votar para o seu chefe de Estado. Garantir a genuinidade deste voto, a sua autenticidade, que o acto eleitoral não seja falsificado, é um problema técnico em que concordamos que devem ser adoptadas medidas para que a eleição não seja um modo artificial de aumentar os votos a favor de qualquer dos candidatos presidenciais. Aí estamos de acordo e ali poderemos ter naturalmente um consenso para que tecnicamente o voto seja genuíno, seja eleitoralmente respeitável e que se verifiquem todas as condições legais e viáveis para que estes portugueses onde quer que estejam participem na eleição do Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei também uma breve intervenção sobre esta matéria, que, aliás, o PSD ciclicamente traz a esta Assembleia...
Dando uma satisfação aos cidadãos que apresentaram esta petição diria, em primeiro lugar, que esta é, evidentemente, uma matéria cuja discussão só terá cabimento, de um modo útil, em sede de revisão constitucional. Como se sabe, a Constituição reserva para os cidadãos recenseados em território, nacional o direito de voto nas eleições presidenciais e, portanto, apenas em sede de revisão constitucional, esta disposição poderia ser alterada.
Mas gostaria de dizer, abordando esta questão - o voto dos emigrantes nas presidenciais -, que o PSD a utiliza não tanto preocupado com esse direito de voto em si, mas sobretudo a pensar na possibilidade de, através do domínio do aparelho consular, poder manipular á seu favor o resultado numas eventuais eleições presidenciais em que estes cidadãos tivessem; direi to de voto.
Quero deixar bem claro que o PSD ciclicamente bombardeia o País, e creio que as comunidades de emigrantes portugueses, com esta questão, também para desviar a atenção dos, problemas, concretos dos emigrantes que não são resolvidos pelo executivo. O PSD foge a todas essas questões, foge a discutir as responsabilidades do seu Governo na falta de apoio às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, invocando e agitando a questão do voto dos emigrantes nas eleições presidenciais e creio que isto tem que ficar bem claro e denunciado.
Por outro lado, o PSD refere esta questão de uma forma que poderemos considerar irresponsável. Isto é, não refere as questões complexas e reais que se, colocam se a proposta que tem feito obtivesse vencimento. Questões essas que se relacionam com a natureza das eleições presidenciais, na forma como se processa essa eleição, e tem que ver também, evidentemente, com a ligação dos cidadãos emigrantes ao território nacional, a Portugal, e aos problemas que dizem respeito à situação política e à situação nacional em geral.
E questões que são tão complexas como estas: quem garante a segurança do sufrágio numas eleições como as presidenciais em que por um voto se ganha e por um voto se perde? Repare-se que estas eleições, até pela natureza das candidaturas, têm uma natureza diversa das eleições para a Assembleia da República, em que como sabem existem dois círculos eleitorais para a emigração, um pela Europa, um por fora da Europa e, evidentemente, que. a Assembleia da República, pela sua natureza e pelas suas competências, tem uma interferência: directa na política portuguesa de apoio às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Portando, essa eleição faz sentido a este título e faz sentido nos termos exactos em que se processa para a Assembleia da República, através da eleição de Deputados representativos dos círculos eleitorais da emigração.
Ora, a situação nas eleições presidenciais é completamente inversa e nós podemos pensar na situação, por exemplo, de Macau, onde existirão cerca de 100 000 cidadãos de etnia chinesa que não têm qualquer ligação ao território nacional, que, na sua maioria, nunca se deslocaram a Portugal e em que um deles, apenas um deles, poderia decidir uma questão tão importante como a eleição do presidente da República de Portugal. Portanto, como é evidente, o PSD foge à discussão desta questão nos termos concretos em que ela se processa.
E, quando se dá este exemplo relativamente a Macau, poder-se-á colocar o mesmo exemplo relativamente a um cidadão que tenha nacionalidade portuguesa por jus sanguinis, por ser descendente de portugueses, e que, por hipótese, nem sequer possua, conhecimentos mínimos da língua portuguesa. Esta situação é susceptível de acontecer e poder-se-ia deixar nas mãos desses cidadãos a decisão da escolha do presidente da República de Portugal.
Por outro lado, esta questão tem também implicações óbvias a nível da capacidade eleitoral passiva. Como é evidente, a proposta do PSD poderia conduzir ao aparecimento de candidatos às eleições presidenciais propostos por cidadãos exclusivamente residentes noutros países e que poderiam não ter a mínima ligação ao território nacional. Assim, não era difícil termos eleições em que houvesse um candidato dos portugueses dos Estados Unidos, um candidato dos portugueses do Canadá ou outras situações parecidas, que poderiam levar à eleição de um presidente da República que nem tivesse relação com o território nacional.
Coloco ainda uma questão da máxima importância, a que já aludi e que me parece fundamental: a da segurança, a da fidelidade do direito de voto.
Em primeiro lugar, porque não estamos salvaguardados, de possíveis alterações ao recenseamento eleitoral que pudessem conduzir à ocorrência de fraudes maciças nas eleições através do domínio governamental do aparelho consular. Este é um risco considerável, que já existe nas eleições para a Assembleia da República. Aliás, houve denúncias de irregularidades em consulados de Portugal em diversos países, designadamente no Brasil e em França. Portanto, há problemas complicados quanto à estrita legalidade das eleições realizadas para a Assembleia da República em diversos locais de círculos da emigração e imagina-se o que é que isto representaria em eleições como as presidenciais em que, como disse há pouco, por um voto se pode ganhar e por um voto se pode perder...!
Portanto, creio que esta questão é fundamental, como creio que também passa por aqui o móbil real do PSD

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quando insiste na atribuição do direito de voto aos emigrantes nas eleições presidenciais. O PSD pensa que, dominando o aparelho consular e, eventualmente, introduzindo alterações a nível do recenseamento eleitoral, poderá alterar a seu bel-prazer os resultados das eleições presidenciais.
Esta questão é extraordinariamente grave e é contra ela que, firmemente, nos pronunciamos.
Por outro lado, há questões para as quais o PSD não apresentou resolução, como é o caso, por exemplo, da compatibilização do sistema de voto dos emigrantes com a realização de duas voltas das eleições presidenciais. O PSD nunca explicou qual teria de ser a diferença de tempo entre uma primeira e uma segunda voltas para obter o voto dos emigrantes. Mas esta é uma questão técnica, acessória e, repito, a questão fundamental é a de que o PSD não está seriamente preocupado com a atribuição de direitos aos emigrantes pois, caso contrário, teria uma política diferente de apoio às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Como não a tem, o que o PSD pretende é poder dominar o aparelho consular e controlar as operações de recenseamento eleitoral, por forma a poder angariar, maciçamente, votos a seu favor e, assim, alterar o sentido das eleições presidenciais quanto ao carácter genuíno e livre do direito de voto nestas eleições tão importantes para o nosso destino colectivo.
Portanto, importa denunciar esse propósito do PSD e dizer que, pela nossa parte, por esse caminho não vamos. Por isso continuaremos a manter-nos firmes na recusa das propostas e dos objectivos que o PSD defende nesta matéria.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As petições n.ºs 141 e 158/VI (2.ª) trazem-nos duas questões, cuja importância nos parece merecer o tratamento desta Assembleia da República. Num primeiro ponto, elas solicitam a alteração da legislação para que os emigrantes possam votar para a eleição do Presidente da República e, num segundo ponto, pretendem a realização de um debate nacional sobre a política para as comunidades portuguesas.
No nosso entender, estas petições são de extrema importância, por duas razões fundamentais: primeiro, porque em questão estão portugueses que se consideram tratados como cidadãos de segunda (é assim que se tem tratado esta questão da não participação dos emigrantes nas eleições para o Presidente da República); segundo, porque se trata de emigrantes portugueses e é sempre de salientar o facto de estes cidadãos, que estão afastados por razões diversas do país de naturalidade, poderem recorrer a instrumentos da nossa democracia para se dirigirem à Assembleia da República, expondo as suas razões face a situações que vivem e que defrontam, por vezes sem qualquer apoio por parte das entidades que, nos países de acolhimento, têm responsabilidades de acompanhar os emigrantes e as suas comunidades.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não podemos deixar de realçar a vinda desta petição à Assembleia da República. Aliás- e dizemo-lo para que fique registado-, gostaríamos que mais comunidades de emigrantes se dirigissem, pela mesma via, à Assembleia da República, expondo as razões, as situações, as dificuldades que encontram no seu dia-a-dia. Não devemos apenas esperar que os emigrantes contribuam com o seu esforço, fazendo remessas em prol do desenvolvimento do nosso País. É necessário esperar, desejar, que eles participem também desta forma, através de petições, para que, designadamente a Assembleia da República, possa debater e compreender os seus problemas.
Relativamente à questão que propõem, ou seja, um debate nacional sobre a política para as comunidades portuguesas, afirmamos, desde já, que estamos disponíveis para participar na realização e na organização de um debate nacional sobre a política nacional para as comunidades emigrantes porque também nós consideramos que os emigrantes, isoladamente ou nas suas comunidades, dirigem múltiplas reivindicações ao Governo, designadamente através das representações diplomáticas nos vários países, que não são satisfeitas.
O que está aqui em causa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a política do Governo do PSD ao longo dos últimos 10 anos. São múltiplos os problemas e destacaríamos, entre eles, o apoio jurídico que é reivindicado pelos emigrantes e pelas suas comunidades, designadamente às embaixadas e aos consulados. Esse apoio jurídico não existe e é necessário para que os portugueses se sintam mais apoiados nas dificuldades que se lhes deparam para tratar de questões que lhes dizem directamente respeito, tanto relativamente ao país de origem como ao de acolhimento.
Aliás, reinvidicações suas há que se arrastam no tempo, como é o caso, por exemplo, da garantia de acesso ao ensino, tanto por parte dos próprios emigrantes como dos seus descendentes.
Sobre esta questão há promessas que temos ouvido fazer ao longo dos anos, que nunca vimos cumprir, mas cujo cumprimento é fundamental. Se queremos que os emigrantes e os seus descendentes continuem a ser os maiores e os melhores embaixadores da História e da cultura portuguesas, é necessário que se garantam condições mínimas para que essa cultura se desenvolva e dinamize junto das comunidades emigrantes. E isto não tem sido feito!
É necessário também- e isto são reivindicações mais recentes, designadamente nos países da União Europeia - que o Governo português tenha maior firmeza no que se refere a situações de marginalidade a que estão sujeitos os emigrantes portugueses em vários países.
Um exemplo mais recente é o que está a passar-se em França, onde os emigrantes portugueses estão em vias de ser obrigados a deter documentação que não é exigida a quaisquer outros cidadãos do espaço comunitário. Isto depois dos tratados e dos acordos firmados de integração de Portugal na Comunidade Europeia e até da aprovação do Tratado de Maastricht.
Trata-se de uma situação para a qual é importante que o Governo português tenha maior firmeza nas suas posições junto de outros governos, pois situações destas não podem verificar-se. Não basta aprovarmos tratados e fazermos-lhes grandes elogios, há que não deixar que cidadãos portugueses sejam tratados como cidadãos de segunda, designadamente na Comunidade Europeia, onde se diz que há a livre circulação e o livre empreendimento dos cidadãos comunitários.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estas algumas das reivindicações que vemos, dia-a-dia, chegarem aos

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consulados, que vemos, dia-a-dia, os emigrantes dirigirem aos Deputados que também elegeram para a Assembleia, da República. São estas condições que julgamos ser necessário satisfazer em primeiro lugar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto para a eleição do Presidente da República, em nosso entender, é um direito e, por que não dizê-lo, um dever de todos os cidadãos portugueses. Por isso todos devem pronunciar-se nos vários actos eleitoriais. Mas o voto é, em primeiro lugar, em nosso entender, um acto de liberdade e de consciência. E o que nós pensamos, Srs. Deputados, é que não existem condições, dadas as características da eleição para o Presidente da República, para que os vários candidatos à presidência da República tenham as mesmas condições para apresentar as suas candidaturas junto dos emigrantes e junto das comunidades espalhadas pelo mundo.
Desta forma, enquanto não forem resolvidas algumas das condições que aqui referi e muitas outras, em nosso entender não há condições para que os emigrantes, por livre expressão e em consciência, possam votar para a presidência da República.
São estas as razões que nos levam a não estar de acordo com o primeiro ponto da petição- e sabemos bem a razão por que o PSD concorda com ele!... É que o PSD está no Governo há, pelo menos, 10 anos e, naturalmente, tendo a responsabilidade da política externa e a dominação das representações diplomáticas junto das comunidades emigrantes, terá aí uma grande influência, pelo que não haverá igualdade de oportunidades para os vários candidatos. Assim, fica grandemente limitada a possibilidade de cada cidadão português se poder pronunciar sobre a escolha de cada candidatura para a presidência da República.
Estas são as razões por que não apoiamos esta petição, neste primeiro ponto, mas apoiá-la-emos depois de estar garantida a resolução de algumas questões que aqui suscitámos e de muitas outras que os emigrantes têm apresentado junto do Governo e dos Deputados.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira.

O Sr. Carlos Miguel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ficou patente o desconforto dos partidos da oposição da esquerda com a matéria central desta petição, que é a consagração do direito de voto do cidadão português residente no estrangeiro na eleição presidencial. E ficou patente ao misturarem princípios com aspectos técnicos, ao levantarem vários fantasmas, ao misturarem aspectos objectivos, como a consagração de um direito político, com outros de avaliação mais subjectiva, como a defesa de objectivos económicos, sociais e políticos,...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - E a Constituição? Ela não conta?

O Orador: - ... ficou patente, enfim, no discurso incoerente em que nos acusaram, por um lado, de querermos ganhar votos e, por outro, de os governos do PSD terem feito pouco pelas comunidades portuguesas. Afinal, de que têm medo?

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Os senhores querem ganhar votos sem fazer nada!

O Orador: - A oposição quer que o voto seja reconhecido apenas se não tiver peso político e, ao questionar a lealdade e o sentimento de portuguesismo dos portugueses residentes no estrangeiro, está a desrespeitar a dignidade destes portugueses.
Nesta minha intervenção, penso dar resposta a algumas das confusões que foram levantadas pela oposição da esquerda.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - À direita já lá não têm ninguém!

O Orador: - Felicito os peticionantes e os dinamizadores destas petições por terem trazido à Assembleia da República uma matéria que corresponde ao sentir da grande maioria dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
O Grupo Parlamentar do PSD está inteiramente de acordo com o objecto das duas petições em discussão: a organização de um debate nacional sobre a política para as comunidades portuguesas e a consagração do direito de voto dos portugueses residentes no estrangeiro na eleição presidencial, que é, sem dúvida, a matéria central destas duas petições.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além da representação partidária, identifico-me com os peticionantes. É que eu próprio, hoje Deputado à Assembleia da República, fui impedido de votar para o actual mandato do Presidente da República pelo facto de, na altura da eleição presidencial, estar recenseado no estrangeiro.
Acresce o facto de me ter sido entregue pessoalmente, numa recente deslocação à República da África do Sul, uma petição de portugueses aí radicados, exigindo o direito de voto na eleição presidencial. Aliás, aproveitarei esta ocasião para, num acto simbólico, entregá-la ao Sr. Presidente da Assembleia da República, após a minha intervenção.
O Partido Social-Democrata tem assumido a liderança na luta política pela consagração deste direito de voto. O não reconhecimento deste direito constitui o pecado fundamental da democracia portuguesa e corporiza um desrespeito e um atestado de menoridade a todos os portugueses que defendem e honram a sua pátria no estrangeiro e que tanto contribuem para o desenvolvimento do País.
Como é do conhecimento geral, a consagração deste direito de voto depende, primeiramente, da alteração, por maioria de dois terços, do artigo 124.º da Constituição da República Portuguesa. Também é sabido que o Partido Socialista se tem oposto à alteração desta disposição, impedindo assim a sua alteração, uma vez que os votos dos seus Deputados são necessários para se alcançarem os dois terços.
A consagração deste direito de voto é justificada por motivos de vária ordem, entre os quais irei salientar apenas dois.
Refiro, em primeiro lugar, a questão da nacionalidade. O direito de participação na vida política de qualquer país advém primordialmente da qualidade de cidadão desse país. Uma vez definida a qualidade de cidadão português, não se podem negar os direitos inerentes e decorrentes dessa cidadania, nomeadamente um direito tão fundamental como o direito de voto na eleição do representante máximo dessa cidadania, que é o Presidente da República.
Ninguém pode pôr em dúvida que o cidadão português residente no estrangeiro é tão português, perante

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a lei, como o cidadão residente em Portugal. E nem sequer se pode invocar uma pretensa falta de sentimento de identidade do português residente no estrangeiro para se argumentar contra a consagração deste direito de voto. Quem conhece as comunidades portuguesas sabe que o sentimento de portuguesismo é, na generalidade, superior ao que encontramos em Portugal.
Recorde-se que estamos a falar de um direito de voto e não de uma obrigatoriedade de votar. A identidade com a cultura portuguesa, que é uma questão central, e a opção de votar têm de ser assumidas pelo próprio e ninguém tem o direito de questionar o seu sentimento de identidade ou de negar o seu direito de opção, muito menos pela via da adopção de uma medida lesiva dos direitos fundamentais da sua cidadania.
Refiro, em segundo lugar, o interesse estratégico de Portugal. O cidadão português residente no estrangeiro é um agente importante dos interesses portugueses nos campos cultural, económico e político, mas não será possível tirar partido deste potencial sem consagrar a totalidade dos seus direitos políticos.
A negação do direito de voto na eleição presidencial representa, hoje, um dos principais motivos de mal-estar e desilusão nas comunidades portuguesas e tem servido para desmobilizar e desmotivar a maior participação destas comunidades no reforço e dinamização dos interesses portugueses.
Podemos, pois, concluir que, para além de constituir um direito de cidadania e o reconhecimento da dignidade dos portugueses residentes no estrangeiro, a consagração deste direito de voto é também do interesse nacional.
No entanto, são ainda pertinentes algumas observações.
Em primeiro lugar, é, no mínimo, eticamente questionável que o Estado português, por um lado, aceite e estimule a participação económica, entre outras, do cidadão residente no estrangeiro, através de vários aliciamentos, vindo por este meio beneficiar todos os portugueses residentes no País, e, por outro lado, limite a sua participação política, negando-lhe este direito de voto.
Em segundo lugar, é altamente contraditório e inconcebível que Portugal, por um lado, esteja inserido num processo de integração europeia, que implica o alargamento ao território português dos direitos e da prática política de não portugueses, nomeadamente nas eleições autárquicas e europeias, e, por outro, continue teimosamente a negar aos seus próprios cidadãos a plenitude dos seus direitos políticos.
Em terceiro lugar, é uma afronta à dignidade democrática do País que as mesmas forças políticas que, a nível internacional, aplaudem e apoiam o processo de democratização em muitos países, onde as condições do exercício da democracia são assaz precárias, venham insistentemente negar a consagração de uma democracia completa aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, em condições manifestamente superiores e minimamente aceitáveis, em termos das regras democráticas.
Em quarto lugar, não se compreende a razão objectiva e lógica pela qual o cidadão português residente no estrangeiro, por um lado, pode participar no processo substancialmente mais complexo da eleição legislativa, que envolve programas eleitorais complexos e extensos, que elege um parlamento com competências fiscalizadoras e legislativas amplas e que determina, em primeira instância, a legitimação de um Governo, mas, por outro lado, não possa participar no processo mais simples da eleição presidencial, onde se efectua a escolha, para um cargo sem capacidade executiva, de uma só pessoa, com um curto programa eleitoral.
Em quinto e último lugar, é preciso deixar bem claro que as forças políticas que invocam todo o tipo de pretexto imaginável, como a falta de informação e de conhecimento político por parte do potencial cidadão eleitor das comunidades portuguesas, para justificar a exclusão deste eleitor do processo democrático, estão a adoptar um procedimento político anti-democrático e perigoso. É ao cidadão que compete ajuizar da sua preparação para votar e ninguém tem o direito de lhe passar um atestado de irresponsabilidade e menoridade políticas.
Uma das petições refere também a necessidade de se efectuar um debate sobre a política para as comunidades portuguesas. Aqui também, estamos em pleno acordo com os peticionantes. No entanto, pensamos que esse debate deve fazer-se para além da Assembleia da República, devendo envolver todas as forças políticas, a comunicação social e a opinião pública portuguesas. Um debate sério e profícuo sobre as comunidades portuguesas não se reduz a um só local e a uma só ocasião e tem de assumir uma dimensão e uma continuidade próprias de um debate profundo e abrangente e não artificial e demagógico.
Estamos dispostos para um debate mais profundo que deverá ser feito pela própria sociedade e contar com o contributo fundamental da comunicação social, à qual fazemos um apelo para não secundarizar as comunidades portuguesas e os portugueses residentes no estrangeiro.
No entanto, devemos salientar que deve ser o próprio cidadão residente no estrangeiro a liderar este debate, utilizando todos os meios ao seu dispor, nomeadamente as suas estruturas representativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No sumário do agendamento vem referida uma matéria que não é mencionada em nenhuma das petições em discussão, que é a igualdade de tratamento rios aspectos culturais, sociais e económicos.
Gostaria de salientar que, em contraste com o direito de voto na eleição presidencial, esta matéria está consagrada na Constituição e a medida do sucesso da sua concretização depende de uma análise subjectiva.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo. Queira concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, vou utilizar mais um minuto.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Meio minuto.

O Orador: - Aliás, a defesa dos interesses culturais, sociais e económicos do cidadão português residente no estrangeiro, que os governos do PSD têm prosseguido permanentemente, é um objectivo aberto, isto é, contínuo e sem fim. Por isso, seria demagógico e ilusório pretender que estes objectivos foram atingidos ou efectuar um debate na base de que estes objectivos deveriam ter sido atingidos, como tentou fazer crer a oposição de esquerda de uma forma demagógica.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, finalizo com um apelo: a consagração do direito de voto do cidadão português residente no estrangeiro na eleição presidenci-

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consulados, que vemos, dia-a-dia, os emigrantes dirigirem aos Deputados que também elegeram para a Assembleia, da República. São estas condições que julgamos ser necessário satisfazer em primeiro lugar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto para a eleição do presidente da República, em nosso entender, é um direito e, por que não dizê-lo, um dever de todos os cidadãos portugueses. Por isso todos devem pronunciar-se nos vários actos eleitorais. Mas o voto é, em primeiro lugar, em nosso entender, um acto de liberdade e de consciência. E o que nós pensamos, Srs. Deputados, é que não existem condições, dadas as características da eleição para o presidente da República, para que os vários candidatos à presidência da República tenham as mesmas condições para apresentar as suas candidaturas junto dos emigrantes e junto das comunidades espalhadas pelo mundo.
Desta forma, enquanto não forem resolvidas algumas das condições que aqui referi e muitas outras, em nosso entender não há condições para que os emigrantes, por livre expressão e em consciência, possam votar para a presidência da República.
São estas as razões que nos levam a não estar de acordo com o primeiro ponto da petição- e sabemos bem a razão por que o PSD concorda com ele!... É que o PSD está no Governo há, pelo menos, 10 anos e, naturalmente, tendo a responsabilidade da política externa e a dominação das representações diplomáticas junto das comunidades emigrantes, terá aí uma grande influência, pelo que não haverá igualdade de oportunidades para os vários candidatos. Assim, fica grandemente limitada a possibilidade de cada cidadão português se poder pronunciar sobre a escolha de cada candidatura para a presidência da República.
Estas são as razões por que não apoiamos esta petição, neste primeiro ponto, mas apoiá-la-emos depois de estar garantida a resolução de algumas questões que aqui suscitámos e de muitas outras que os emigrantes têm apresentado junto do Governo e dos Deputados.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira.

O Sr. Carlos Miguel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ficou patente o desconforto dos partidos da oposição da esquerda com a matéria central desta petição, que é a consagração do direito de voto do cidadão português residente no estrangeiro na eleição presidencial. E ficou patente ao misturarem princípios com aspectos técnicos, ao levantarem vários fantasmas, ao misturarem aspectos objectivos, como a consagração de um direito político, com outros de avaliação mais subjectiva, como a defesa de objectivos económicos, sociais e políticos,...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - E a Constituição? Ela não conta?

O Orador: - ... ficou patente, enfim, no discurso incoerente em que nos acusaram, por um lado, de querermos ganhar votos e, por outro, de os governos do PSD terem feito pouco pelas comunidades portuguesas. Afinal, de que têm medo?

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Os senhores querem ganhar votos sem fazer nada!

O Orador: - A oposição quer que o voto seja reconhecido apenas se não tiver peso político e, ao questionar a lealdade e o sentimento de portuguesismo dos portugueses residentes no estrangeiro, está a desrespeitar a dignidade destes portugueses.
Nesta minha intervenção, penso dar resposta a algumas das confusões que foram levantadas pela oposição da esquerda.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - À direita já lá não têm ninguém!

O Orador - Felicito os peticionantes e os dinamizadores destas petições por terem trazido à Assembleia da República uma matéria que corresponde ao sentir da grande maioria dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
O Grupo Parlamentar do PSD está inteiramente de acordo com o objecto das duas petições em discussão: a organização de um debate nacional sobre a política para as comunidades portuguesas e a consagração do direito de voto dos portugueses residentes no estrangeiro na eleição presidencial, que é, sem dúvida, a matéria central destas duas petições.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além da representação partidária, identifico-me com os peticionantes. É que eu próprio, hoje Deputado à Assembleia da República, fui impedido de votar para o actual mandato do Presidente da República pelo facto de, na altura da eleição presidencial, estar recenseado no estrangeiro.
Acresce o facto de me ter sido entregue pessoalmente, numa recente deslocação à República da África do Sul, uma petição de portugueses aí radicados, exigindo o direito de voto na eleição presidencial. Aliás, aproveitarei esta ocasião para, num acto simbólico, entregá-la ao Sr. Presidente da Assembleia da República, após a minha intervenção.
O Partido Social-Democrata tem assumido a liderança na luta política pela consagração deste direito de voto. Ò não reconhecimento deste direito constitui o pecado fundamental da democracia portuguesa e corporiza um desrespeito e um atestado de menoridade a todos os portugueses que defendem e honram a sua pátria no estrangeiro e que tanto contribuem para o desenvolvimento do País.
Como é do conhecimento geral, a consagração deste direito de voto depende, primeiramente, da alteração, por maioria de dois terços, do artigo 124.º da Constituição da República Portuguesa. Também é sabido que o Partido Socialista se tem oposto à alteração desta disposição, impedindo assim a sua alteração, uma vez que os votos dos seus Deputados são necessários para se alcançarem os dois terços.
A consagração deste direito de voto é justificada por motivos de vária ordem, entre os quais irei salientar apenas dois.
Refiro, em primeiro lugar, a questão da nacionalidade. O direito de participação na vida política de qualquer país advém primordialmente da qualidade de cidadão desse país. Uma vez definida a qualidade de cidadão português, não se podem negar os direitos inerentes e decorrentes dessa cidadania, nomeadamente um direito tão fundamental como o direito de voto na eleição do representante máximo dessa cidadania, que é o Presidente da República.
Ninguém pode pôr em dúvida que o cidadão português residente no estrangeiro é tão português, perante

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a lei, como o cidadão residente em Portugal. E nem sequer se pode invocar uma pretensa falta de sentimento de identidade do português residente no estrangeiro para se argumentar contra a consagração deste direito de voto. Quem conhece as comunidades portuguesas sabe que o sentimento de portuguesismo é, na generalidade, superior ao que encontramos em Portugal.
Recorde-se que estamos a falar de um direito de voto e não de uma obrigatoriedade de votar. A identidade com a cultura portuguesa, que é uma questão central, e a opção de votar têm de ser assumidas pelo próprio e ninguém tem o direito de questionar o seu sentimento de identidade ou de negar o seu direito de opção, muito menos pela via da adopção de uma medida lesiva dos direitos fundamentais da sua cidadania.
Refiro, em segundo lugar, o interesse estratégico de Portugal. O cidadão português residente no estrangeiro é um agente importante dos interesses portugueses nos campos cultural, económico e político, mas não será possível tirar partido deste potencial sem consagrar a totalidade dos seus direitos políticos.
A negação do direito de voto na eleição presidencial representa, hoje, um dos principais motivos de mal-estar e desilusão nas comunidades portuguesas e tem servido para desmobilizar e desmotivar a maior participação destas comunidades no reforço e dinamização dos interesses portugueses.
Podemos, pois, concluir que, para além de constituir um direito de cidadania e o reconhecimento da dignidade dos portugueses residentes no estrangeiro, a consagração deste direito de voto é também do interesse nacional.
No entanto, são ainda pertinentes algumas observações.
Em primeiro lugar, é, no mínimo, eticamente questionável que o Estado português, por um lado, aceite e estimule a participação económica, entre outras, do cidadão residente no estrangeiro, através de vários aliciamentos, vindo por este meio beneficiar todos os portugueses residentes no País, e, por outro lado, limite a sua participação política, negando-lhe este direito de voto.
Em segundo lugar, é altamente contraditório e inconcebível que Portugal, por um lado, esteja inserido num processo de integração europeia, que implica o alargamento ao território português dos direitos e da prática política de não portugueses, nomeadamente nas eleições autárquicas e europeias, e, por outro, continue teimosamente a negar aos seus próprios cidadãos a plenitude dos seus direitos políticos.
Em terceiro lugar, é uma afronta à dignidade democrática do País que as mesmas forças políticas que, a nível internacional, aplaudem e apoiam o processo de democratização em muitos países, onde as condições do exercício da democracia são assaz precárias, venham insistentemente negar a consagração de uma democracia completa aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, em condições manifestamente superiores e minimamente aceitáveis, em termos das regras democráticas.
Em quarto lugar, não se compreende a razão objectiva e lógica pela qual o cidadão português residente no estrangeiro, por um lado, pode participar no processo substancialmente mais complexo da eleição legislativa, que envolve programas eleitorais complexos e extensos, que elege um parlamento com competências fiscalizadoras e legislativas amplas e que determina, em primeira instância, a legitimação de um Governo, mas, por outro lado, não possa participar no processo mais simples da eleição presidencial, onde se efectua a escolha, para um cargo sem capacidade executiva, de uma só pessoa, com um curto programa eleitoral.
Em quinto e último lugar, é preciso deixar bem claro que as forças políticas que invocam todo o tipo de pretexto imaginável, como a falta de informação e de conhecimento político por parte do potencial cidadão eleitor das comunidades portuguesas, para justificar a exclusão deste eleitor do processo democrático, estão a adoptar um procedimento político anti-democrático e perigoso. É ao cidadão que compete ajuizar da sua preparação para votar e ninguém tem o direito de lhe passar um atestado de irresponsabilidade e menoridade políticas.
Uma das petições refere também a necessidade de se efectuar um debate sobre a política para as comunidades portuguesas. Aqui também, estamos em pleno acordo com os peticionantes. No entanto, pensamos que esse debate deve fazer-se para além da Assembleia da República, devendo envolver todas as forças políticas, a comunicação social e a opinião pública portuguesas Um debate sério e profícuo sobre as comunidades portuguesas não se reduz a um só local e a uma só ocasião e tem de assumir uma dimensão e uma continuidade próprias de um debate profundo e abrangente e não artificial e demagógico.
Estamos dispostos para um debate mais profundo que deverá ser feito pela própria sociedade e contar com o contributo fundamental da comunicação social, à qual fazemos um apelo para não secundarizar as comunidades portuguesas e os portugueses residentes no estrangeiro.
No entanto, devemos salientar que deve ser o próprio cidadão residente no estrangeiro a liderar este debate, utilizando todos os meios ao seu dispor, nomeadamente as suas estruturas representativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No sumário do agendamento vem referida uma matéria que não é mencionada em nenhuma das petições em discussão, que é a igualdade de tratamento nos aspectos culturais, sociais e económicos.
Gostaria de salientar que, em contraste com o direito de voto na eleição presidencial, esta matéria está consagrada na Constituição e a medida do sucesso da sua concretização depende de uma análise subjectiva.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo. Queira concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, vou utilizar mais um minuto.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Meio minuto.

O Orador: - Aliás, a defesa dos interesses culturais, sociais e económicos do cidadão português residente no estrangeiro, que os governos do PSD têm prosseguido permanentemente, é um objectivo aberto, isto é, contínuo e sem fim. Por isso, seria demagógico e ilusório pretender que estes objectivos foram atingidos ou efectuar um debate na base de que estes objectivos deveriam ter sido atingidos, como tentou fazer crer a oposição de esquerda de uma forma demagógica.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, finalizo com um apelo: a consagração do direito de voto do cidadão português residente no estrangeiro na eleição presidenci-

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ai depende exclusivamente da vontade política desta Assembleia.
O PSD tem mostrado a sua total disponibilidade para uma revisão extraordinária da Constituição, com o específico propósito da consagração deste direito de voto. Nós já assumimos, e continuaremos a assumir, as nossas responsabilidades nesta matéria. Esperamos que os outros partidos, nomeadamente o PS, assumam as suas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, terminámos o debate sobre a petição n.º 158/VI (2.º), pelo que vamos proceder à discussão da petição n.º 169/VI (2.")- Apresentada por trabalhadores do Centro Regional de Segurança Social do Porto, solicitando que seja submetido a discussão do Plenário da Assembleia da República o problema que os afecta e que se proceda à tomada das medidas necessárias tendentes à revisão do seu quadro de pessoal.
Lembro aos Srs. Deputados, que vão produzir intervenções, que o tempo que lhes está consignado é, no máximo, de 5 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 1007 sete cidadãos, trabalhadores do Centro Regional de Segurança Social do Porto subscreveram uma petição a esta Assembleia, em que questionam a inadequação do quadro de pessoal aprovado pela Portaria n.º 64/87 às necessidades do serviço.
De uma forma extremamente pertinente, era colocada a questão de saber se quer o número de lugares previstos no quadro quer o número de trabalhadores existentes no Centro Regional de Segurança Social do Porto- superior ao previsto no quadro- eram ou não suficientes para as necessidades a que importava dar resposta.
Convirá ter presente que, no Centro Regional de Segurança Social do Porto, agora Centro Regional de Segurança Social do Norte, existem trabalhadores sem hipóteses de promoção há mais de 20 anos. Admissões de novos trabalhadores é algo de ignorado também há 20 anos. E, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é óbvio que, de há 20 anos para cá, muitos trabalhadores têm saído do activo por adquirirem direito à aposentação.
Coerentemente, os peticionantes recordavam a esta Assembleia a necessidade de dar resposta à descentralização da segurança social decorrente da criação dos serviços locais, no quadro da perspectiva constitucional de aproximação às populações.
Lendo e relendo a petição, retira-se a ilação de que os peticionantes gostariam de estar integrados num quadro de pessoal que permitisse mais e melhores serviços e que, pelo menos, lhes garantisse o respeito pelo direito à carreira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em resultado da acção e da luta dos trabalhadores do Centro Regional de Segurança Social do Porto e do seu sindicato representativo, o próprio Conselho Directivo foi forçado a reconhecer a insustentabilidade da situação, tendo proposto a criação de mais 100 lugares de oficial administrativo.
Os responsáveis pela Secretaria de Estado da Segurança Social foram forçados a reconhecer que a situação então existente era caótica e carecia de rápida
correcção, só que, neste País da «Alice no reino do cavaquismo», surge o diktat da aplicação do diploma dos disponíveis aos centros regionais de segurança social. E, assim, num malabarismo digno de um prémio circense, os responsáveis governamentais pela segurança social, que anteriormente haviam reconhecido a necessidade de alargamento dos quadros de pessoal, passaram, obedientemente, a defender a tese da descoberta de trabalhadores disponíveis.
Pobres e ingénuos trabalhadores do Centro Regional de Segurança Social do Porto que até se preocuparam, e preocupam, com uma adequada prestação de serviços aos beneficiários!...
É que depois de o Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social do Porto ter proposto o alargamento do quadro- e recorde-se que esse Conselho Directivo é nomeado politicamente pelo Governo - foi obrigado a aceitar o critério dos governantes da Praça de Londres e da Praça do Comércio que decretaram a existência de disponíveis.
Actualmente, estão por colocar 91 trabalhadores disponíveis no Centro Regional de Segurança Social do Porto e, se o número não é superior, tal fica a dever-se à luta dos trabalhadores.
Desautorizado o Conselho Directivo, desmascarados os responsáveis governamentais pela segurança social, vive-se hoje, no Centro Regional de Segurança Social do Porto, actual Centro Regional de Segurança Social do Norte, um êxodo de trabalhadores que procuram a transferência para outros ministérios ou até a aposentação.
Entretanto, os serviços recorrem a horas extraordinárias para colmatar as lacunas resultantes da falta de funcionários.
Os responsáveis «cavaquistas» pela segurança social e o PSD dirão, talvez, que publicaram um novo quadro de pessoal, uma portaria de 21 de Outubro de 1993, abrangendo o actual Centro Regional de Segurança Social do Norte. É verdade, mas mais valia que o não tivessem feito. É que se, aquando da elaboração da petição, a situação estava má, agora está ainda pior. Basta dizer que se construiu um quadro de pessoal em que, por exemplo, dos 1028 segundos oficiais previstos, 348 são lugares a extinguir quando vagarem e que não podem ser providos mais de 2337 lugares de oficiais administrativos quando, actualmente, existem muito mais, ou seja, 3028 funcionários.
Perante isto, importa perguntar que resposta dá o Governo para a estagnação na carreira dos funcionários deste Centro Regional.
Por que motivo foi anulada a anunciada abertura de concurso para oficiais administrativos principais, para além da anulação de outros oito concursos de promoção?
Será que o Governo ainda pretende inventar mais disponíveis na segurança social?
Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante o desenvolvimento factual descrito, o Grupo Parlamentar do PCP faz as seguintes acusações ao Governo do PSD: não respeita o direito à carreira dos trabalhadores da segurança social;...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... pretende desacreditar a segurança social, enquanto função social do Estado; governamentaliza os centros regionais de segurança social, reduzidos de 18 para 5; passa um atestado de subalternidade

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aos conselhos directivos dos centros regionais, que ele próprio nomeia; diminui e pretende desacreditar a segurança social.
Em face do exposto e na sequência da posição assumida aquando da discussão da nova orgânica dos centros regionais, o Grupo Parlamentar do PCP lança o seguinte repto ao Governo e ao Grupo Parlamentar do PSD: que garantias estão dispostos a dar, quanto ao respeito pelo direito à estabilidade de emprego e à carreira, ,aos trabalhadores da segurança social? Consideram ou não que estamos perante uma verdadeira acção subversiva dos princípios constitucionais referentes à segurança social?
Porque exigimos uma resposta a estas questões, voltaremos a trazê-las à discussão desta Câmara tantas vezes quantas as necessárias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro.

O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resultante da entrada em funcionamento da nova estrutura orgânica do sistema da segurança social, adveio a aprovação de novos quadros de pessoal para os, agora denominados, Centros Regionais de Segurança Social do Norte, do Centro, de Lisboa e Vale do Tejo, do Alentejo e do Algarve.
É neste contexto que surge, extemporaneamente, a petição ora em discussão, subscrita por trabalhadores do Centro Regional de Segurança Social do Porto, através da qual reclamam contra os termos em que a Portaria n.º 64/87, de 27 de Janeiro, aprovou o quadro de pessoal específico daquele organismo, por o considerarem desadequado às necessidades dos serviços a prestar. Aliam a este facto as dificuldades de progressão na carreira, que os obriga a percursos profissionais muito alongados em cada categoria, o que é verdade.
Este caso, do nosso ponto de vista, não deve ser analisado dissociado da reformulação em curso nos centros regionais de segurança social e nos seus quadros, em termos de aplicabilidade do novo quadro orgânico e funcional da segurança social.
Por isso, o Grupo Parlamentar do PSD entende que, infelizmente, dado que as petições não conseguem ainda atingir a sua máxima resposta em termos de Plenário, esta situação não está, neste momento, enquadrada, pois toda esta problemática está ultrapassada.

Vozes do PCP: - Está, está! Para pior!

O Orador:- Se é certo que o sistema português de segurança social se tem caracterizado, nos últimos anos, por um processo dinâmico e evolutivo, também é certo que, por esse facto, não tem sido algumas vezes pacífico. No entanto, aceitamos e acreditamos nas suas potencialidades e virtualidades e estamos convictos de que os trabalhadores do sector, conscientes dessas realidades, saberão dar o seu contributo para que, em conjunto com os seus órgãos gestores e com os utentes, se possa consubstanciar o lema de uma segurança social de todos para todos.
É com base nestes pressupostos que o Grupo Parlamentar do PSD acolhe a preocupação manifestada pelos peticionantes e irá transmiti-la ao departamento
governamental que conduz à sua execução, crente de que não deixarão de ser tidas em consideração as manifestas preocupações de todos aqueles que; ao longo de uma vida de trabalho, deram o melhor de si em prol da comunidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Compreendemos que os percursos profissionais muito alongados, em cada categoria, conduzem à desmotivação profissional e à frustração pessoal, o que, em certos casos, é um facto que urge ter em consideração, sob pena de se perderem as evidentes qualidades e eficácia da Administração Pública, em geral, e, em especial, de um sector tão sensível à população e que responde às carências e ao bem-estar social dos nossos concidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por acreditarmos nessa situação, pelo facto de a termos acompanhado, sob o nosso ponto de vista, dissociando-a, como já disse, da actual reformulação em curso nos quadros de pessoal regionais- como aqui já foram referidos -, e à luz da nova realidade experimental que irá dimanar da aplicabilidade do novo quadro funcional, todos estes problemas estão a ser suplantados, a nível nacional porque, neste momento, a segurança social está a ser atingida por um surto- como nunca aconteceu na última década- de promoções e de progressão na carreira.
Por essa razão, encaramos o futuro da segurança social e dos trabalhadores do sector, a cujos quadros pertenço...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É director!

O Orador: - Não sou director, mas assessor principal do quadro do Centro Regional de Segurança Social de Beja.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Futuro Director do Centro Regional de Segurança Social de Beja!

O Orador:- Lamento que o PCP tenha esse posicionamento.
O que nos interessa, afinal, é o Homem, a pessoa humana, pelo que defendo os interesses dos meus colegas trabalhadores da segurança social portuguesa. Tenho toda a honra em representá-los e em ser seu porta-voz nesta Assembleia, porque acredito que a política prosseguida por este Governo e correcta, isenta e proporcionará condições aos trabalhadores da Segurança Social. Assim o esperamos e só desta forma o emendemos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.

O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, antecipadamente, dar os parabéns ao Sr. Deputado Branco Malveiro pela sua futura nomeação como Director do Centro Regional de Segurança Social de Beja.
Mais uma vez, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os trabalhadores da Administração Pública, revoltados e

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impotentes para fazerem valer os seus direitos, recorrem a esta instituição procurando que o eco das intervenções da oposição possa de alguma forma servir-lhes de lenimento.
Os trabalhadores do ex-Centro Regional de Segurança Social do Porto, em número significativo de 1007, dirigiram-se a V. Ex.ª, Sr. Presidente, solicitando a discussão no Plenário do problema surgido com a publicação da Portaria n.º 64/87, de 27 de Janeiro, que aprovou o quadro de pessoal daquele organismo.
O Decreto-Lei n.º 136/83, que criou a Lei Orgânica dos Centros Regionais de Segurança Social de todo o país, foi regulamentado por diversas portarias, de acordo com os vários centros regionais.
A Portaria n.º 64/87, de 27 de Janeiro, que regulamentou o ex-Centro Regional de Segurança Social do Porto e que serve de base a esta petição, previa a extinção de, nada mais nada menos, 714 lugares logo que vagassem.
Ora, isto provocou três situações bem definidas: em primeiro lugar, os funcionários que tinham criado legítimas expectativas relativamente ao normal acesso a categorias hierarquicamente superiores viram-se traídos e condenados a morrer em categorias que já possuíam, em muitos casos, há mais de 15 e 20 anos; em segundo lugar, é sabido que os novos desafios sociais apontam para a necessidade de maior empenhamento e de aquisição de novos conhecimentos funcionais que passarão indubitavelmente pelo aproveitamento total ou até pelo reforço de técnicos qualificados.
Em vez disso, e por essa via, assiste-se a uma generalizada desmotivação dos funcionários, com os consequentes reflexos, e à fuga dos melhores para outros organismos, na esperança de alcançarem categorias que deixaram ou deixarão de existir no seu organismo.
Em terceiro lugar, o recurso antecipado à aposentação foi outra das formas a que os funcionários em causa recorreram como protesto por esta situação.
É sabido que, entre outras, a área de prestação de benefícios do ex-Centro Regional de Segurança Social do Porto (ex-CRSS) se encontra em estado de perfeita ruptura funcional e presta um péssimo serviço público, porque a situação criada incentivou a saída das pessoas mais qualificadas.
Se o ex-CRSS do Porto já não primava pelas prestações dos seus serviços, viu-se agora em maiores dificuldades com a criação do Serviço Sub-regional de Penafiel, acrescendo-lhe dificuldades de funcionamento. Por outro lado, a estrutura técnica passou para o Centro Regional do Norte, deixando o Serviço Sub-regional órfão, desamparado e sem o apoio técnico necessário.
Se a isto acrescentarmos a ideia de que este Governo ainda pretende dispensar uma centena de funcionários por força da aplicação da famigerada «lei dos disponíveis», facilmente concluiremos sobre a má qualidade dos serviços que presta- ou passará a prestar- este e outros organismos estatais.
O Governo promove deliberadamente o desajustamento do funcionamento da Segurança Social, criando condições de desmotivação nos trabalhadores e não cumprindo compromissos assumidos, para além de pretender reduzir drasticamente o número de trabalhadores da Administração, quando o Partido Socialista já provou não haver trabalhadores excedentários mas, sim, falta de critérios na sua distribuição.
Não é com a extinção, pura e simples, de lugares do quadro nem com a aplicação da «lei dos disponíveis» que esta situação se resolve. Que consequências advirão se 2000 disponíveis da segurança social, já fichados, forem dispensados? Se tal situação vier a verificar-se, será o caos neste sector da Função Pública!
Também não é com soluções do tipo da situação em apreço que se melhorará o combate à exclusão social e à erradicação da pobreza. Nada justifica que praticamente se extingam 714 postos de trabalho no ex-Centro Regional de Segurança Social do Porto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política laborai deste Governo provoca a estagnação, a instabilidade e o medo no espírito dos servidores do Estado.
O autoritarismo, a coacção, a escolha partidária premeiam a mediocridade e o seguidismo, afastando os mais capazes e os menos submissos. É urgente fazer-se um esforço sério para levar por diante uma verdadeira modernização da Administração.
Como o Partido Socialista defendeu nesta Assembleia, há que promover mecanismos de mobilidade voluntária que permitam melhorar e reforçar a função social do Estado, nomeadamente no sector da segurança social; reforçar a independência e a responsabilidade da Administração Local; promover maior justiça e implementar uma maior acção fiscalizadora por parte dos organismos estatais.
Não defendemos o aumento do número de trabalhadores da Função Pública que, apesar de novas admissões estarem congeladas há vários anos, o Governo PSD permitiu que aumentasse de forma tão significativa, mas tão-só as suas rentabilização, dignificação e aproveitamento de acordo com as necessidades sérias dos serviços.
Há que trancar, Srs. Deputados, a «porta do cavalo», impedindo a coloração maciça da máquina administrativa do Estado. Propomos e defendemos a discussão de uma política que rentabilize os trabalhadores da Função Pública, motivando-os, respeitando os seus direitos, afastando e abolindo de uma vez por todas a partidarização e o compadrio nas admissões.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, encerrada a discussão desta petição, passamos à apreciação da petição n.º 173/VI (2.ª) - Apresentada por Eduardo Biscaia e outros, solicitando a alteração da Lei da Caça (Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por mais que o Governo e a maioria parlamentar insistam em ignorá-lo, o problema da caça existe e existirá enquanto não for manifestada disponibilidade para o resolver com seriedade.
Aliás, alguns Deputados da maioria parlamentar já demonstraram, por mais de uma vez, reconhecer fundamento às críticas mais contundentes e foi patente a hesitação da bancada do PSD acerca da posição a tomar sobre o projecto de lei que o PS aqui trouxe em Junho passado e que acabou por ser rejeitado com a promessa de este partido promover uma audição parlamentar sobre o assunto, o que, até ao momento, não cumpriu.
VV. Ex.ªs não ignoram que o problema se resume a duas questões essenciais: o incumprimento escandaloso da lei em vigor e o facto de algumas das suas nor-

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mas não se adequadarem à justiça e ao respeito pela nossa tradição e cultura populares.
Quanto à primeira, eu próprio fiz nesta Câmara a denúncia fundamentada de casos paradigmáticos sem que tal tenha justificado qualquer diligência ou tentativa de confirmação ou esclarecimento por parte do Ministério da Agricultura.
Este é, por essa razão, um problema que apenas terá solução se o Governo e a Administração dele dependente adoptarem uma postura diferente, mas a prática do Ministério da Agricultura neste e noutros domínios não nos permite alimentar quaisquer ilusões.
Quanto à segunda vertente do problema, a sucessão de manifestações de protesto que têm percorrido o país e o clima de tensão permanente que é constatável, bem como o simples facto de este tema estar a ser discutido por iniciativa de um conjunto de cidadãos no exercício de um direito que lhes assiste são factos demonstrativos da existência de reacções perante a injustiça e o desrespeito pela tradição.
O PS considera que o essencial das propostas que apresentou se mantém actual e está certo de que as circunstâncias se encarregarão de criar as condições políticas para as pôr em execução. O PS reafirma os seus objectivos de reinstalar a paz, a concórdia e a tranquilidade entre todos os caçadores estabelecendo regras e limitações que permitam conciliar a preservação das espécies com o acesso mais igualitário à prática da caça; de conceder tratamento igualitário a todos os caçadores no que refere a dias de caça e a épocas venatórias; de limitar a 50 % a área máxima de cada concelho com aptidão cinegética susceptível de ser ocupada por zonas de caça do regime cinegético especial; de tornar mais transparentes e eficazes os processos de aprovação de reservas de caça; de criar condições para um efectivo controlo das espécies abatidas através da instituição de postos de controlo e marcação por forma a impedir a posse, o transporte e o comércio de peças de caça não marcadas e controladas.
Propomos ainda que seja acentuado o papel do Estado na preservação e multiplicação das espécies mediante a criação obrigatória de, pelo menos, uma reserva de caça nacional em cada concelho com aptidão cinegética. Mantemos os nossos objectivos de atribuir às autarquias os meios financeiros adequados para garantir o funcionamento eficaz das Comissões Municipais de Caça e Protecção da Fauna; de atribuir compensações financeiras aos agricultores cujas explorações fiquem incluídas no regime geral e que não beneficiam de qualquer estímulo para a preservação e o fomento da caça. Reafirmamos ainda os nossos objectivos de introduzir maior rigor na atribuição da carta de caçador obrigando a que, pelo menos, 50 % das matérias objecto de avaliação de conhecimentos incidam sobre questões de natureza ecológica. Finalmente, propomos agravar significativamente as sanções para os crimes e as contra-ordenações por infracções à legislação da caça.
Por tudo o que acaba de ser dito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não restam ao PS quaisquer dúvidas sobre a pertinência desta petição. O Grupo Parlamentar do PS reitera a sua disponibilidade para encontrar soluções justas para o problema e espera que a discussão suscitada por esta petição permita inverter a posição de intransigência e de sistemática recusa da maioria parlamentar em contribuir para a resolução de um problema de inegável actualidade e importância para a sociedade portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por levantar uma questão prévia. A forma como as petições são aqui apresentadas - merecendo o desinteresse de grande parte do Plenário, não merecendo um verdadeiro debate nem tendo qualquer eficácia em termos de resultados- demonstra bem que as normas regimentais e o regime jurídico que enquadram o instituto das petições devem ser repensados e alterados...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... de modo a não se frustrarem os respectivos dispositivos constitucionais e as legítimas expectativas de todos os que se dirigem à Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, os mais de milhar e meio de cidadãos caçadores que subscrevem esta petição colocam uma questão muito clara: a necessidade de revogação do actual regime jurídico da caça que, como a experiência tem demonstrado, não constitui uma solução equilibrada. Pelo contrário, constitui uma fonte de conflitos e tem proporcionado atitudes pouco transparentes na actuação da Administração Pública, marginalizando da actividade cinegética milhares de caçadores que não têm meios para aderir às zonas de caça especiais sejam elas turísticas ou associativas.
Por iniciativa do PCP, este Plenário discutiu nesta Legislatura, por duas vezes, os graves problemas que decorrem da actual legislação da caça. Só o PSD se tem mostrado feliz e contente com a legislação em vigor. Percebe-se porquê: o PSD não governa nem legisla para todo o País, para a maioria dos portugueses; este partido governa e legisla em função de uma concepção muito própria do Estado na qual são os interesses de grupos restritos, dos lobbies económicos e das suas clientelas que imprimem a marca da sua actuação.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nesta matéria da caça os factos estão aí a comprová-lo. É que o PSD ainda não conseguiu demonstrar as virtualidades das soluções propostas nem os benefícios concretos que esta legislação e a sua aplicação têm trazido para o País, para as regiões e para os próprios rendimentos dos agricultores como actividade complementar.
O que sabemos, pelo contrário, é que as cerca de 1600 reservas de caça existentes já cobrem 2,1 milhões de ha e que há hoje distritos (como é o caso de Évora e de Lisboa) e concelhos (como é o caso de Mourão, de Montemor, de Mora, de Reguengos, de Vila Viçosa, de Mértola, de Moura, de Monforte e de tantos outros) onde a área coberta pelo regime cinegético especial ultrapassa muito mais de metade da área disponível de caça, não havendo, nalguns casos, praticamente nenhum terreno livre e, quando os há, não têm potencialidades cinegéticas.

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Sabemos que mais de 90 % dos mais de 250 000 caçadores existentes, que são os de menores recursos económicos, não aderiram nem podiam fazê-lo- às zonas de caça especiais, estando, em muitos casos impossibilitados de caçar.
Sabemos que há múltiplos pequenos proprietários que viram os seus terrenos confiscados e integrados em reservas de caça não podendo exercer a caça na sua própria propriedade.
Sabemos ainda que o actual regime em vigor não se tem traduzido no aumento de postos de trabalho ou de riqueza para as regiões onde existem reservas de caça nem tem sido factor de educação ambiental dos caçadores, sendo, pelo contrário, factor de um maior abandono da agricultura e de despovoamento das regiões.
A própria preservação e renovação do património cinegético não tem, em geral, sido conseguida com o actual quadro jurídico. Pelo contrário, como é referido num recente relatório entregue pela Federação Nacional de Caçadores e de Proprietários à Comissão Europeia, a criação desordenada dos regimes de caça especiais com o fim das antigas zonas de ordenamento cinegético levou ao desaparecimento ou, mesmo, ao abate de muitas espécies selvagens, cinegéticas ou não, que anteriormente tinham ali o seu habitat e que são hoje capturadas em zonas especiais de caça, inclusivamente, com a utilização de armadilhas e de práticas ilegais.
O regime actual fez regredir algumas das medidas de protecção a que estavam sujeitas, por exemplo, as aves migratórias e é um facto que o regime jurídico existente favorece o não cumprimento da Convenção de Berna e da directiva comunitária referente à defesa de espécies protegidas.
Acresce a tudo isto o escandaloso incumprimento da própria lei em muitas situações: caça-se fora de época, não há controlo das espécies abatidas, abatem-se espécies protegidas e não se conhece qualquer ordenamento cinegético.
O que fica então? Um regime jurídico que tem sido palco de múltiplos actos irregulares de tráfico de influências e de favoritismo ilícito na concessão de reservas de caça. Veja-se o «império» do actual Chefe de Divisão de Caça do Instituto Florestal de Trás-os-Montes, Sr. Álvaro Barreira, amigo e companheiro de caça do Secretário de Estado Álvaro Amaro. Este regime parece satisfazer apenas o Governo e, em particular, o Secretário de Estado da Agricultura, beneficiário pessoal de muitas reservas de caça, o PSD e os seus interesses clientelares, proporcionando sobretudo excursões de fim-de-semana de novos «senhoritos» que um certo novo riquismo e dinheiro fácil têm gerado e que alimenta as colunas sociais de certa imprensa.
Os peticionantes têm, Sr. Presidente e Srs. Deputados, toda a razão! Importa, pois, que impere algum bom senso nesta matéria promovendo-se, com urgência, uma política e um quadro legais que dêem resposta equilibrada às várias vertentes do problema: a necessidade de ordenar, preservar e reproduzir o património cinegético nacional; a caça como actividade lúdica de raízes ancestrais que envolve anualmente quase três centenas de milhares de cidadãos; a caça como actividade económica e fonte complementar de rendimentos para o agricultor.
Já apresentámos iniciativas legislativas neste domínio, com propostas concretas que constam do Diário da Assembleia da República e que nos dispensamos de reproduzir neste Parlamento.
O PSD rejeitou-as, mas comprometeu-se a promover, na Comissão de Agricultura e Mar, uma audição sobre os problemas da caça, o que ainda não fez.
Por essa razão, cabendo agora ao PSD, porque rejeitou as iniciativas da oposição, resolver um problema que ele próprio criou, iremos em sede de Comissão de Agricultura e Mar insistir para que se concretize, tão breve quanto possível, a realização da prometida audição pública sobre a caça. Esperemos que o PSD, pelo menos, não fuja aos seus próprios compromissos!

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora bastante retardada no tempo e nas ideias, esta petição permite-nos, contudo, abordar, mais uma vez, um tema tão aliciante como é o da caça, aproveitando a oportunidade para corrigir algumas situações abordadas nesta petição.
Temos hoje 850 zonas de regime especial associativo e mais de metade já foram feitas através de acordos prévios com os proprietários. Assim, os números constantes da petição não correspondem com exactidão à verdade e por isso não devemos permitir que um qualquer «D. Quixote de la Caça» leve incautos inocentes ou mal informados a subscreverem documentos ou que levantem a sua voz expressando erros como os que esta petição encerra, cabendo-nos, como é óbvio, fazer a pedagogia da verdade.
Perante o texto só 10 000 caçadores podem exercer o acto venatório, colocando em pura incapacidade de o exercer 240000. Ora, como é possível tamanha inverdade se as zonas associativas, à data do documento, tinham 84000 sócios, faltando ainda por contabilizar os caçadores das zonas turísticas, nacionais e sociais que, na sua globalidade, caçam em 23 % do território nacional?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E quantas sociais há?

O Orador:- Hoje podemos afirmar, com toda a segurança, que mais de metade dos caçadores praticam o acto venatório no regime especial. Mas para que não subsistam dúvidas algumas sobre a incorrecção dos números que nos são apresentados na petição, diremos que mesmo retirando as licenças passadas pelas câmaras e direcções regionais, que têm parte de leão, só as licenças passadas pelas federações de caçadores ultrapassam largamente o número ali referido.
Por outro lado, como é ainda possível afirmar que a lei faculta a destruição, de forma directa, das espécies cinegéticas? Certamente para tentar «tapar o sol com uma peneira»! E a prova acabada da falta de bom senso no que se afirma está patente na época que está a acabar e que constitui a época de ouro dos últimos 30 anos! Reflectindo, seguramente, o esforço dos caçadores empenhados no desenvolvimento da caça, tudo começou, certamente, há mais de um ano, talvez porventura quando se pôs termo à tal lei da selva que ia conduzindo, essa sim, ao extermínio total das espécies cinegéticas, pois caçava-se em todo e qualquer lugar, de qualquer forma ou feitio, desde o Minho ao Algarve, o que foi comparado, na altura, por um expert na matéria, com a condução em Lisboa sem sinais de trânsito.

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Felizmente que as coisas mudaram para melhor, direi mesmo, muito melhor, mas ainda temos um longo caminho a percorrer até alcançarmos os nossos parceiros comunitários, onde toda a gestão da caça é feita por associações, clubes ou sociedades de caçadores em zonas ordenadas.
Como tal os projectos bolorentos ou as pretensões caducas não terão nunca qualquer apoio da nossa parte. Entendemos, sim, que a lei poderá ser revista, mas tendo sempre como filosofia de base, cada vez mais a participação na gestão da caça de um maior número de caçadores, da sua rentabilização e consequente usufruição por parte dos proprietários agrícolas.
Também nesta área e ao contrário do que se pretende demonstrar, os nossos caçadores já têm as suas estruturas representativas perfeitamente organizadas e a funcionar e saliento que a Confederação Nacional dos Caçadores Portugueses congrega sete federações de caçadores com 150 000 sócios e representa-nos na FACE - Federação das Associações de Caçadores da Comunidade Europeia.
Srs. Deputados da oposição, particularmente do PS e do PCP, deixem de lutar contra moinhos de vento e evitem os cantos das sereias miserabilistas, porque a realidade de hoje já não é a de ontem e nunca será a de amanhã.
O PSD mantém a disponibilidade para fazer um estudo sério sobre a problemática da caça, conforme foi aprovado em sede de Comissão de Agricultura e Mar. Agora, deixar-se influenciar por este tipo de petição, nunca!
E para terminar com uma tentativa séria de vos ajudar, Srs. Deputados do PS e do PCP, deixo a seguinte questão: sabem, por acaso, quantas câmaras e juntas de freguesia vossas dinamizaram ou estão a dinamizar zonas de caça associativas e turísticas? Façam este exercício e vão ver que o resultado vai ser muito interessante!

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E quantas sociais é que há?!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria relativa à actual lei da caça já foi aqui, várias vezes, tratada em sede de Plenário da Assembleia da República e os vários partidos da oposição já se pronunciaram sobre ela. Mas há questões que permanecem. Porquê? Porque existe uma maioria que, embora reconhecendo a inadequação da lei da caça à realidade nacional, continua a fazer com que essa lei não seja alterada. E verificamos que há instabilidade social provocada pela inadequação da lei da caça às realidades nacionais dos campos e à cultura tradicional portuguesa dos caçadores.
Os Srs. Deputados do PSD, no discurso, até são sensíveis a esta situação- certamente porque conhecem os problemas na realidade-, mas como maioria são incapazes de defender os interesses de lobbies e de grupos minoritários existentes na sociedade portuguesa, que têm condições para exigir que esta lei se mantenha. E, como todos sabem e vêem, essas pressões começam logo a ser exercidas através dos órgãos de comunicação social e são feitas pelos primeiros responsáveis pelo Ministério da Agricultura. Deixo aqui esta referência que julgo ser do conhecimento de todos os Srs. Deputados!
Dispensar-me-ia de falar nas questões que já foram aqui tratadas e que, desde já, subscrevo, passando a colocar algumas questões para que, efectivamente, fique demonstrada a inadequação desta lei que tem sido alvo de grandes manifestações e conflitos sociais na população portuguesa. Recordo, por exemplo, os que sucederam no início da época venatória passada.
Assim, gostaria de chamar a atenção da Câmara para o facto de, como já temos referido, na política do Governo do PSD não existir nem ordenamento do território, nem ordenamento florestal, nem sequer ordenamento cinegético. A prova disto é precisamente esta lei, pelo que não podemos deixar de dizer que se trata de uma política incoerente que serve interesses de grupos instalados, a começar pelos próprios dirigentes do Ministério da Agricultura, como se tem verificado ao longo do tempo.
De facto, trata-se de uma lei que o Governo não tem capacidade ou não quer aplicar. Se não, vejamos: na lei diz-se, por exemplo, que no território municipal as reservas não podem ocupar mais de 50 %. Como se sabe, existem vários municípios, neste país, onde a área de reservas ultrapassa em carga medida os 50 %. Então, que política é esta, que governantes são estes, que responsabilidade é a deste Governo e que políticas são estas? Eis as interrogações que importa deixar aqui ao Plenário da Assembleia da República!
Uma outra questão ainda tem a ver com a dizimação das espécies autóctones. Sabemos que existem registos na nossa história das espécies autóctones, tradicionais das nossas regiões. Elas estão a ser dizimadas, pois esta lei aumentou o número de dias de caça, permitindo aos mesmos caçadores caçar em reservas em determinados dias e depois ainda nos dias normais de caça. Ora, esta situação contribui para a dizimação das espécies autóctones.
Por outro lado, introduzem-se nessas reservas espécies exóticas criadas em cativeiro, que são utilizadas para gáudio daqueles que têm dinheiro e podem pagar os seus custos de produção. E como as reservas não são vedadas, o território nacional é invadido por essas espécies exóticas que vêm provocar graves desequilíbrios cinegéticos.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que estas são questões que, certamente, os Srs. Deputados do PSD e alguns caçadores que, aqui, já se manifestaram ainda não consideraram ou, então, não querem aceitar esta realidade que contribui para a destruição de valores e de recursos naturais fundamentais ao equilíbrio ecológico, pois têm a ver com uma relação do Homem com a Natureza, que os Srs. Deputados e o Governo do PSD tanto dizem preservar, mas que, na prática, não podemos deixar de constatar que põem em causa todos os dias.
Finalmente, convém dizer que com esta lei está em causa a subversão de valores legais e culturais do nosso povo e não estou a dizer nada de novo, uma vez que já ouvimos várias manifestações no sentido de considerar duvidosa a constitucionalidade da própria lei.
Perante o exposto, gostaria que os Srs. Deputados do PSD reconhecessem a necessidade urgente de rever esta lei e de a adequar às realidades nacionais, tendo em conta as reivindicações e o conhecimento que os

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caçadores, os agricultores e, naturalmente, também as associações de defesa do ambiente têm em Portugal.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, concluída a apreciação da petição n.º 173/VI e chegados à hora habitual de dar por encerrada a reunião plenária, a Mesa propõe à Câmara o prolongamento dos nossos trabalhos até esgotarmos as matérias agendadas para hoje, não se interrompendo, portanto, a reunião para jantar.
Como não há objecções, vamos passar à apreciação da petição n.º 200/VI- Apresentada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, solicitando que a Assembleia da República discuta em Plenário o problema político da salvaguarda da TAP nas suas diversas vertentes, em especial tendo em vista o estabelecimento de uma linha de rumo para o futuro.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 200/VI é apresentada à Assembleia da República pelo SITA VA - Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos e é subscrita por 4291 assinaturas de trabalhadores da TAP.
Com esta iniciativa, os peticionantes pretendem que seja debatido o problema da viabilização da TAP, particularmente em resultado da publicação do regime sucedâneo, instrumento que se destina a disciplinar as relações laborais no interior da empresa.
Em síntese, para o SITA VA, a publicação do regime sucedâneo colide com o princípio da livre contratação, restringe os direitos dos trabalhadores e não é acompanhado de um adequado plano de viabilização da TAP.
Convém referir que o problema político de salvaguarda da TAP já aqui foi discutido recentemente, não pelo motivo por que o fazemos hoje mas pela passagem da TAP,EP a TAP,SA, altura em que expressámos aqui a nossa opinião sobre o futuro da transportadora aérea nacional.
Entretanto, também foi elaborado e aprovado, pela Administração da TAP e pelo Governo português, um plano estratégico para viabilizar a empresa, que envolve cerca de 200 milhões de contos, projecto esse que já foi presente em Bruxelas à Comunidade Europeia para, de acordo com as regras comunitárias, ser apreciado e apoiado.
Este reforço financeiro para salvar a TAP prova o total empenhamento do Governo em defender a nossa transportadora aérea nacional e desmente toda e qualquer afirmação contrária.
Fazemos estas referências para concluir que alguns dos pressupostos em que se baseou a petição aqui em debate deixaram de verificar-se. Mas queremos deixar claro que compreendemos muito bem e somos sensíveis à interpretação e às preocupações dos peticionantes relativamente aos efeitos sociais do regime sucedâneo.
E é chegados a este ponto que, sem demagogia, de forma franca e honesta, entendemos dever colocar duas questões que nos parecem essenciais. A primeira é se era possível empreender um processo de sólida reestruturação da TAP, que calculasse o seu futuro e a sua sobrevivência no agressivo mercado concorrencial, sem tocar nas relações laborais estabelecidas e sem nenhuns sacrifícios sociais.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É o sindicalista que está a falar?

O Orador: - É que mais do que quaisquer outros - por razões políticas, económicas e sociais- nós, PSD, desejaríamos que tal processo de modernização da TAP fosse feito sem custos sociais. Mas, olhando de forma realista e isenta para o que se passa no sector - porque não somos autistas, tal como, pelos vistos, o PCP continua a ser-, verificamos que companhias aéreas europeias mais poderosas do que a TAP- como a Ibéria, a Sabena, a Air France ou a Luftansa- não passaram incólumes aos efeitos da crise que afectou e ainda atinge o transporte aéreo, razão pela qual consideramos que não pode ser levada a sério qualquer abordagem da resolução do «problema TAP», na base de facilidades e da intocabilidade das normas laborais existentes antes do regime sucedâneo. Uma situação difícil e de grave crise não é possível resolver-se com facilidades. Só os demagogos podem fazer o discurso do «facilitismo»!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Grande sindicalista!

O Orador: - A segunda questão é se a administração e os sindicatos tinham condições para negociar o regime que implicasse, além das adequadas medidas económicas e de gestão, certas restrições aos direitos e regalias dos seus trabalhadores, porque, para salvar a TAP, é necessário termos todos a coragem de assumir e suportar alguns sacrifícios.
Sobre este problema, ao contrário de outras forças que falam em diálogo mas que, no fundo, desejam o conflito para obterem dividendos políticos ou pessoais, o PSD faz da concertação um princípio chave da sua prática política, pelo que somos os primeiros a desejar e a defender o uso da negociação para resolver os problemas da TAP ou de qualquer outra empresa.
Porém, o comportamento de algumas - algumas, Sr. Presidente e Srs. Deputados - estruturas sindicais, pouco sensíveis a situações concertadas e influenciadas por algumas forças partidárias, a par das restrições que a crise da TAP impunha, talvez estejam na base dessa impossibilidade negociai, mas é evidente a existência de um défice de maturidade e de capacidade negociais revelado por todas as partes neste processo.
O PSD lamenta que o diálogo não tenha sido bem sucedido!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, como referimos, o projecto estratégico para salvar a TAP está aprovado no plano interno e espera-se que obtenha a concordância comunitária a curto prazo. Nele se estabelecem metas anuais que têm de ser cumpridas em vários domínios desde o económico ao pessoal, sob pena de os seus objectivos ficarem comprometidos.
O caminho para o futuro da nossa transportadora aérea está definido e desejamos que, com a adesão e participação responsável daqueles que nela trabalham, ele seja coroado de êxito, no interesse da empresa, dos seus trabalhadores e, sobretudo, do País.
Sentimo-nos satisfeitos por verificarmos que os trabalhadores da TAP comungam desta opinião e saudamos os esforços sérios daqueles sindicatos que, colocando o essencial acima do acessório, privilegiaram o diálogo e já foram capazes de chegar a acordo com a empresa.

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É bom que este exemplo frutifique e que estimule as restantes forças sindicais e a administração a darem mais passos na via negociai, para em conjunto criarem o clima de paz social e de confiança indispensável ao êxito do plano estratégico.
O PSD exorta a administração e todas as forças sindicais da TAP a apostarem na negociação, como meio para superarem as áreas de desacordo, e apoia todos os esforços feitos nesse sentido.
Estamos certos que, se assim suceder, a salvação da TAP é mais fácil, continuará a ser uma empresa estratégica e prestigiada ao serviço do interesse nacional e os seus trabalhadores terão os seus direitos melhor acautelados, sem despedimentos e sem desnecessários sacrifícios sociais.
O PSD não partilha do pessimismo e da descrença que caracteriza o discurso de algumas forças políticas e acredita no futuro da TAP, nos seus trabalhadores e nas suas altas capacidades técnico-profissionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começamos por registar o discurso sindicalista do Deputado do PSD, mas é pena que os responsáveis pelas políticas de transporte do PSD não se tenham pronunciado sobre esta questão, uma vez que se trata do futuro da TAP e que vai depender das decisões que forem tomadas sob a tutela do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Em Março de 1993 vieram publicados em Diário da República os regimes sucedâneos destinados a disciplinar as relações de trabalho no interior da TAP-Air Portugal (terra, cabine, navegante técnico), contrariando um ambiente de diálogo para a fixação das orientações dirigidas à viabilização da empresa.
Pretendeu-se induzir na opinião pública a ideia de que a TAP tinha problemas económicos em virtude dos elevados encargos com os seus trabalhadores. Veremos mais tarde que dos custos da TAP apenas 28 % são relativos ao trabalho e aos encargos sociais. Pretendeu-se encontrar um bode expiatório para a situação financeira difícil da TAP e para a discrepância desastrosa entre os objectivos de gestão anunciados pela tutela nas sucessivas tomadas de posse dos conselhos de gerência da empresa e os resultados efectivos dessa gestão.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações dizia, aquando da tomada de posse do conselho de gerência presidido pelo Eng.º Monteiro Lemos, que a empresa estava, em 1989, melhor do que três anos antes e que se começavam a criar condições para vir a pôr termo ao regime de situação económica difícil.
Aliás, o presidente do conselho de gerência, na sua mensagem aos trabalhadores da TAP, prometia transformar a TAP numa empresa rentável, considerava haver condições para aumentar a penetração e expandir a operação da TAP e afirmava não descortinar a necessidade de prescindir de qualquer trabalhador. Isto constitui uma crença cega na liberalização, que, obviamente, iria provocar a baixa de tarifas, o que se veio a verificar e atingiu a TAP ao nível das receitas, uma vez que, nos últimos quatro anos, elas, em face dessa diminuição de tarifas e apesar do aumento da oferta, não aumentaram sequer.
Nos anos de 1989, 1990 e 1991 verificou-se uma política de expansão da frota e de aumento do pessoal da empresa, acompanhado por declarações públicas sobre os excelentes resultados que a TAP estaria a alcançar. E as manchetes dos jornais surgiam: «os excelentes resultados, a recuperação económica em 1990».
Em 1992 o País fica surpreendido com o reconhecimento de uma situação económica difícil (que fora anteriormente camuflada) e com o resultado negativo do exercício de 26 milhões de contos, isto é, cinco vezes pior do que o resultado de 1991 e 11 vezes pior que 1990.
É, então, invertida a estratégia da empresa, passando-se de uma política de expansão para uma política de retracção.
Na posse do novo conselho de gerência, o Governo chega a ameaçar com o desmantelamento ou encerramento da empresa, pondo em dúvida a viabilidade da sua manutenção.
Em Março é imposto o regime sucedâneo nas relações de trabalho, é cortado qualquer diálogo com os trabalhadores e é contratada uma empresa exterior para proceder a despedimentos em massa.
Veícula-se, assim, a ideia de que a empresa não é viável em virtude dos encargos com os trabalhadores.
Na realidade, os custos com pessoal, incluindo encargos sociais, correspondem, nos anos de 1990 a 1993 a, respectivamente, 28 %, 30 %, 30 % e 29 % dos custos da empresa.
No plano estratégico, entretanto apresentado pelo Governo em Bruxelas, prevê-se que a quota parte dos custos de pessoal baixe para 25 %, com despedimentos e com regimes sucedâneos. Portanto, os custos de pessoal correspondem a uma pequena parte dos custos da empresa.
Não é possível dizer, de boa fé, que são estes custos que determinam a viabilidade ou não da empresa, quando 56 % dos encargos da empresa resultam de fornecimento de serviços externos, em que tem particular incidência os encargos com o leasing dos aviões.
É provável que as políticas de aquisição de aeronaves e a gestão da frota tenham maior incidência nos resultados da empresa e, no entanto, não se vislumbram análises sérias sobre a adequação de tal política.
Aliás, a brochura publicada pelo próprio Ministério, em 1987, sobre a reconversão da frota da TAP previa apenas a necessidade de uma frota de 28 aviões.
Que custos teve o dimensionamento da TAP com 38 aeronaves e os compromissos de compra a curto prazo de mais quatro aviões da Airbus 340 300?
A quem cabe a responsabilidade de ter aumentado a frota da empresa justamente num período de liberalização do transporte aéreo europeu- para o qual o nosso Governo contribuiu sem pedir qualquer contrapartida-, quando a concorrência ia ser maior e era provável que as tarifas baixassem? Aliás, é por isso que se faz a liberalização!
Como é possível que a TAP não disponha de um único avião mas tenha uma das frotas mais caras do mundo?
Como foi possível manter uma política de expansão de rotas que apresentavam resultados altamente negativos e instituir novas rotas como, por exemplo, as do Atlântico Norte?

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Não será todo este acumular de erros estratégicos o grande responsável pelas dificuldades económicas da TAP?
Não terão as comissões entregues pelas indústrias aeronáuticas na venda de aviões maior valor do que as economias geradas pelos regimes sucedâneos?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ora bem!

A Oradora: - A reversão dessas comissões para a própria empresa poderia trazer um benefício importante no futuro da empresa e poderia constituir um elemento a integrar no plano estratégico da TAP.
O Governo reiniciou o diálogo com os sindicatos e apresentou em Bruxelas o plano estratégico da TAP, na sequência do qual foi possível um acordo com os sindicatos dos pilotos e pessoal de voo.
É importante que a postura de diálogo se estenda a todos os outros sectores da empresa e, em particular, ao pessoal de terra que subscreveu a presente petição.
E vital para o futuro da TAP que todos os trabalhadores se empenhem na sua viabilização e que possa reinar um clima de paz social.
É importante que o Governo, que vai transferir para a TAP cerca de uma centena de milhões de contos e avalizar empréstimos de centenas de milhões de contos, preste contas da concretização das orientações estratégicas e dos resultados alcançados.
É importante que este Parlamento seja informado, com transparência, da situação social e económica da TAP e que o PSD não inviabilize a realização de audições parlamentares sobre a matéria, como a que o PS propôs em Abril de 1993.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Maio do ano passado mais de 4000 trabalhadores da TAP, por iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, subscreveram uma petição dirigida a esta Assembleia em que chamavam a atenção para os atentados que estavam a ser cometidos contra os direitos dos trabalhadores da empresa, nomeadamente o direito à negociação colectiva, bem como a incerteza que a Administração e o Governo PSD estavam a criar em relação ao futuro da mesma.
O alerta dos trabalhadores da TAP mantém-se actual e, apesar de a luta dos trabalhadores ter forçado o Conselho de Administração a discutir com os sindicatos, a situação persiste com a gravidade apontada pelos peticionantes.
É certo que o Governo PSD recuou, pelo menos nos últimos dois meses, nos seus intentos de substituir o diálogo pela bastonada, mas, no fundamental, persiste na sua intenção de fazer recair sobre os trabalhadores da TAP os custos de um «plano estratégico» cujos aspectos essenciais se recusa a negociar e discutir.
Na verdade, é a efectivação do direito fundamental à negociação que está a ser posto em causa na TAP pelo Conselho de Administração e pelo Governo do PSD.
Nem o Conselho de Administração da TAP, nem o Governo, nem a maioria do PSD têm fundamento para virem com a gasta cassette de que se não há acordo é porque os sindicatos de terra assumem posições extremistas e radicais.
Os trabalhadores da TAP, na sequência de lutas, tiveram o seu primeiro acordo de empresa ainda antes do 25 de Abril.
Os trabalhadores da TAP, apesar da crise verificada na empresa a partir de 1981, e para a qual já anteriormente alertavam, não deixaram de estar disponíveis até 1993 para subscrever acordos, tal como continuam a estar, dando exemplo efectivo de que estão dispostos a colaborar na recuperação da empresa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Muito bem!

O Orador:- Por isso, os trabalhadores da TAP têm autoridade moral mais que suficiente para recusar as manobras dilatórias, a intimidação e a chantagem desenvolvidas pelo Conselho de Administração e pelo Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: À custa da aplicação do regime sucedâneo, com o consequente congelamento salarial e com a supressão de postos de trabalho, o Conselho de Administração conseguiu poupar em 1993 cerca de quatro milhões de contos.
A Administração da TAP e o Governo PSD têm apostado no aumento da produtividade à custa do desgaste físico e psíquico dos trabalhadores, à custa da perda do poder de compra e da retirada de direitos.
É essa a única receita que tem procurado impor, em nome da recuperação da empresa, aos trabalhadores de terra. Quanto a uma perspectiva de futuro que assegure o espaço da empresa no mercado internacional e rentabilize as suas enormes potencialidades o Governo PSD diz-se e desdiz-se, indicando estar sempre à espera da última palavra de ordem imposta em Bruxelas, ou seja, ditada pelas mega-transportadoras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se a segmentação da TAP, tal como se admite no plano estratégico, não é lesiva para os trabalhadores, por que razão o Conselho de Administração se recusa a subscrever uma proposta sindical tão simples que apenas pretende explicitar, como questão prévia, que «serão preservados os direitos adquiridos pelos trabalhadores»?
Será, entre outras razões, porque tem empurrado milhares de trabalhadores para a reforma e pré-reforma, não prevendo no tal plano estratégico cobertura orçamental suficiente para cobrir tais encargos?
Mas o Conselho de Administração e o Governo PSD não hesitaram, em 1993, em abrir os cordões à bolsa para contratar uma empresa que, através de inqualificáveis métodos de coacção psicológica, contribuiu para a redução de 2000 postos de trabalho.
E agora volta a insistir-se na redução de mais 2581 trabalhadores até 1997.
O PCP não pode deixar de, uma vez mais, manifestar a sua solidariedade aos trabalhadores da TAP e às suas organizações representativas que recusam capitular na defesa de um dos mais sagrados e elementares direitos dos trabalhadores: o direito ao trabalho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:- Da mesma forma, não podemos deixar de considerar como uma intolerável chantagem a proposta de manter congelados os salários, admitindo-se

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apenas a partir de Abril uma espécie de gratificação de 50 % da retribuição mensal base, com a condição de os trabalhadores aceitarem, como contrapartida, a definição de um regime de trabalho no essencial idêntico ao regime sucedâneo actual. Isto é inaceitável!
Por isso, os trabalhadores da TAP recusam, e muito bem, vender por um prato de lentilhas direitos adquiridos e consagrados em instrumentos de negociação colectiva, ou seja, direitos que, após diálogo e negociação, foram objecto de acordo entre as partes.
Fica, assim, demonstrado que o conceito de concertação social e de diálogo, por parte do PSD e dos seus comissários políticos na TAP, confunde-se perigosamente com imposição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao futuro da TAP, o Governo PSD tem que clarificar urgentemente qual a sua posição relativamente à proposta da Comissão Europeia sobre liberalização dos «Serviços de assistência em escala» (handling).
É que, considerando os altos investimentos necessários, essa liberalização só é possível em Portugal através de operadores dependentes de interesses estrangeiros, com recurso a salários e condições de trabalho inferiores aos actualmente praticados, abrindo-se caminho a uma concorrência desleal, com recurso, inclusive, tal como já acontece com as tarifas, à prática de políticas de preços abaixo do custo.
Uma situação deste tipo não beneficiará nem a TAP, nem os trabalhadores, nem os próprios consumidores, cuja segurança poderá ser posta em causa.
Por isso, o PCP exige uma clarificação da posição do Governo sobre esta iniciativa, pois não aceitaremos passivamente que a pretensa harmonização europeia seja feita sobre os escombros das ruínas da economia nacional e sobre a miséria dos trabalhadores portugueses, precipitadamente atirados para o desemprego.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores da TAP já manifestaram à saciedade estar dispostos ao diálogo e à negociação.
O Conselho de Administração, com a cobertura do Governo PSD, persiste numa política de pseudo-negociação, com o objectivo fundamental de fazer recair sobre os trabalhadores o custo da crise em que lançou a transportadora aérea nacional.
O Grupo Parlamentar do PCP reafirma a sua exigência de que o Governo e a maioria PSD clarifiquem questões essenciais como sejam a de saber se estão ou não dispostos a respeitar o direito à negociação para os trabalhadores da TAP e qual a perspectiva estrutural que se propõem implementar para a recuperação desta empresa.
Por outro lado, num quadro em que se aponta para uma possível segmentação da empresa, ganha acuidade o projecto de lei que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou em Julho do ano passado e que visa a manutenção dos direitos adquiridos nas convenções colectivas de trabalho em caso de cessão total ou parcial de empresas.
Por isso, daqui lançamos o desafio para que a maioria PSD tenha a abertura suficiente para o agendamento da referida iniciativa legislativa.
É que, Srs. Deputados da maioria PSD, se não é intenção pôr em causa direitos consagrados em instrumentos regulamentadores de trabalho, qual o receio, quais as intenções, que podem impedir que esta Câmara transforme em lei aquilo que não se hesita em proclamar no abstracto- o direito à negociação, o respeito por direitos adquiridos - mas que, no concreto, continua a não ser assumido quer no plano da negociação quer no da legislação?
Hoje, aqui e agora, a discussão centra-se na TAP mas, fruto da política do PSD, a questão de fundo afecta centenas de milhar de trabalhadores portugueses, daí a sua importância acrescida. O desafio aqui fica!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a apreciação da petição n.º 200/VI.
Finalmente, passamos à petição n.º 2/VI (1.ª), apresentada pela Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, solicitando que aos trabalhadores que ingressaram nos quadros de pessoal ao abrigo do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 57/80, de 26 de Março, seja contado o tempo de serviço prestado para efeitos de categoria, carreira e tempo de serviço na função pública.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Conceição Rodrigues.

A Sr.ª Conceição Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa curta intervenção, procurarei tecer algumas considerações a propósito da petição n.º 2/VI, apresentada, em 13 de Novembro de 1991, pela Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, considerações essas que, de alguma forma, mais não poderão ser do que corroborar o conteúdo do relatório e parecer da Comissão de Petições desta Assembleia da República e a própria actuação governamental.
Objectivamente, foi solicitado pelos trabalhadores da função pública, cujo ingresso nos quadros de pessoal se verificou ao abrigo do Decreto-Lei n.º 58/70, de 26 de Março, e bem assim do Decreto-Lei n.º 223/87, de 30 de Maio, quer num quer noutro casos, pessoal não docente, que lhes fosse contado todo o tempo de serviço prestado para efeitos de categoria, carreira e tempo de serviço.
Contrariamente ao que decorre da aplicação do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, no que respeita a esta matéria, o qual não tem efeitos retroactivos, os decretos-leis supra-referidos não contemplaram tal desiderato.
Assim sendo, os mencionados trabalhadores viram-se remetidos para uma situação que não só se reconhece como preocupante mas que poderia ainda considerar-se de injusta, uma vez que não estando abrangidos pela legislação em vigor seriam objecto de tratamento distinto face a circunstâncias idênticas.
Atendendo a este conjunto de razões, não poderia existir, como não existiu, qualquer dúvida quanto à necessidade de corresponder positivamente à pretensão formulada, o que, aliás, também foi explícito no relatório unanimemente aprovado em sede de Comissão.
Por isso, e antes mesmo desta petição ser aqui discutida, o Governo considerou a necessidade de actuar face à preocupação destes trabalhadores para que ela própria fosse relevada. Assim sendo, de forma adequada e definitiva, ultrapassou a desigualdade gerada não intencionalmente, através de uma circular, a n.º 24/93,

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da Direcção-Geral dos Recursos Educativos, no sentido de que fosse contado todo o tempo que os trabalhadores tinham de trabalho efectivo antes de ingressarem no quadro e por parte da Direcção-Geral da Administração Pública houve uma recomendação a todas as entidades envolvidas para que se fizesse uma interpretação extensiva do n.º 10 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 427/89.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.

O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores das escolas do ensino básico e secundário com a categoria de contínuos de 2.ª classe, designados por «eventuais», passaram, com a publicação do Decreto-Lei n.º 223/87, de 30 de Maio, a ser auxiliares de acção educativa, não lhes sendo, no entanto, contado o tempo de eventual para a progressão na carreira.
Em Outubro de 1989, com a entrada em vigor do Novo Sistema Retributivo (NSR), estes trabalhadores foram enquadrados nos respectivos escalões/índices, contando só as diuturnidades.
Em todas as fases intermédias de descongelamento de escalões estes trabalhadores não foram abrangidos.
A circular do Departamento de Gestão dos Recursos Educativos, de 13 de Dezembro do ano findo, que a Sr.ª Deputada referiu como uma indicação aos vários serviços, veio repor, ao fim de cerca de sete anos, alguma justiça.
O pessoal contratado a termo certo que, desde 12 de Dezembro de 1989, possuísse três anos de serviço, passaria a ficar abrangido pelo Decreto-Lei n.º 427/89.
Esta foi a decisão tomada por despacho do Sr. Secretário de Estado dos Recursos Educativos em 4 de Dezembro de 1993.
Esta decisão, mais que justa, repõe a legalidade e o direito dos trabalhadores abrangidos. Porém, ela não satisfaz na sua plenitude, pelo que dizemos que traz apenas alguma justiça e não a justiça que se exige.
É fundamental e legítimo que também os trabalhadores contratados a termo, que ingressaram nos quadros e que, em 12 de Dezembro de 1989, não tinham três anos de contrato, o tempo lhes seja também contado para progressão nos escalões.
A petição n.º 2/VI, que estamos a apreciar, solicita que aos trabalhadores do ensino básico e secundário ingressados nos quadros de pessoal ao abrigo dos Decretos-Leis n.ºs 57/80 e 223/87, seja contado o tempo de serviço prestado para efeitos de categoria, carreira e tempo de serviço na função pública.
Este despacho que anteriormente referimos, deixa algumas situações por contemplar, pelo que se apela ao Governo que resolva e ultrapasse esta situação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é possível que só após cerca de sete anos um governante se lembre de reparar, ainda que deficientemente, tão grande discriminação?
Vivemos hoje num Estado abstracto que se impõe pela norma jurídica e pela força material.
Torna-se imperioso suscitar a discussão profunda do papel do Estado, do papel da Administração e das reformas que teimam em não aparecer.
Lutemos por uma verdadeira dignificação do Estado que se livre das grilhetas do domínio e do controlo que lhe foi imposto.
A função pública continua a ser, e cada vez mais, um oceano de arbitrariedades de nepotismo e de incertezas.
A petição que discutimos é a prova provada da incapacidade deste Governo em resolver os problemas que vai criando na Administração. Não os resolve por falta de capacidade e por falta de sensibilidade social e humana.
Trata os servidores do Estado como simples peças de um qualquer jogo, que pode dispensar ou destruir quando bem entenda.
Se é verdade que os funcionários públicos nunca foram privilegiados em termos de salários, é certo que a sua estabilidade de emprego era um atractivo.
Porém, este Governo não só lhes reduziu drasticamente o poder de compra, como passou a impor-lhes uma total insegurança na manutenção dos seus postos de trabalho.
O futuro não se constrói com ideias passadistas! O futuro é a dialética do presente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cerca de 4000 cidadãos, trabalhadores do Ministério da Educação, do ensino básico e secundário, utilizaram a figura da petição para chamar a atenção da Assembleia da República por se sentirem injustiçados e objecto de uma situação atentatória do princípio constitucional do direito à igualdade de oportunidades.
A situação reside no facto de os trabalhadores contratados, quer ao abrigo do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 223/87, quer ao abrigo do Decreto-Lei n.º 57/80, não verem o seu tempo de serviço integralmente contado para efeitos de promoção e progressão na carreira.
De há longo tempo que quer os trabalhadores prejudicados quer os seus sindicatos representativos têm diligenciado junto do Ministério da Educação no sentido da resolução deste problema.
Só que o Governo tem, tanto quanto lhe tem sido possível, mantido uma postura não dialogante e adiado sistematicamente a resolução definitiva do problema.
Só depois de muitas acções de luta desenvolvidas por estes trabalhadores é que em Dezembro do ano passado o Departamento de Gestão de Recursos Educativos do Ministério da Educação, através de circular, veio consagrar uma resolução parcial do problema.
De facto, todo o tempo de serviço prestado por trabalhadores contratados a termo certo que a 12 de Dezembro de 1989 não tivessem três anos de serviço, embora tenham posteriormente ingressado nos quadros, não viram ainda esse período contado para efeitos de progressão nos escalões.
Por outro lado, ficou por considerar o respectivo tempo para progressão na carreira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importará recordar que em 1989 o Sr. Primeiro-Ministro anunciou o designado Novo Sistema Retributivo (NSR) como a reforma do século na Administração Pública.
É óbvio que perante as injustiças geradas pela dita «reforma do século», perante os protestos e a luta dos trabalhadores da função pública, essa reforma estu-

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mou-se do discurso do Governo ainda mais rapidamente que o célebre oásis.
Só que as injustiças persistem e a petição que hoje discutimos é um dos exemplos mais flagrantes de como a estreita visão orçamentista do Governo se sobrepõe à necessidade de uma política de gestão de recursos humanos, que é efectivamente inexistente.
É que só critérios orçamentistas podem justificar que um problema por todos reconhecido como gerador de injustiças não seja definitivamente solucionado.
Por outro lado, só o facto de o Governo assumir uma postura autoritária, denegando o direito de participação, audição e negociação aos Sindicatos da Função Pública, desprezando as propostas por estes apresentados, por mais razoáveis e justificadas que sejam, dá origem a problemas como o que hoje estamos a discutir.
É totalmente injustificado que o Governo, ao aplicar o NSR aos auxiliares de acção educativa, transformando a respectiva carreira em horizontal, não tenha tido em conta que os trabalhadores que eram eventuais em 1987 deveriam ter transitado depois de promovidos a 1.ª classe, considerando-se a globalidade do tempo de serviço prestado.
Não tendo procedido assim, esses trabalhadores estão a ser lesados no seu direito à remuneração, com consequências inevitáveis no decurso de toda a sua carreira profissional.
Importará recordar que só em Julho de 1990 ingressaram nos quadros de vinculação, após concurso, cerca de 6000 trabalhadores do Ministério da Educação nesta situação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É indecoroso que o Governo, enquanto entidade patronal, actue impunemente de uma forma que não é permitida a qualquer patrão privado.
E tudo isto no Ministério da Educação com a benção orçamental do Ministério das Finanças que, desde 1986, aposta na contratação a termo ou no recibo verde para suprir necessidades permanentes de serviço.
Que diria esta Câmara de um patrão que para não pagar um ordenado a que um seu empregado tivesse legalmente direito recorresse à habilidade de não lhe considerar parte do tempo de serviço prestado?
Dir-se-ia que era motivo para intervenção da Inspecção-Geral de Trabalho. Dir-se-ia que era motivo para processo em tribunal de trabalho.
Só que o Governo assume uma postura de patrão intocável, não tem inspecção de trabalho que o puna, não está sujeito, nesta matéria, à intervenção jurisdicional dos tribunais. Refugia-se farísaicamente no argumento de que a culpa é da lei. Mas quem fez a lei?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema subjacente à petição que discutimos resolvia-se, e resolve-se, através de um diploma legislativo que consagre que todo o tempo de serviço prestado, independentemente do título vinculativo, pelos funcionários e agentes do Ministério da Educação, conta para todos os efeitos legais (categoria, carreira e antiguidade na função pública) procedendo-se, em conformidade, aos devidos reposicionamentos na escala indiciaria.
A solução é simples, assim o Governo e a maioria PSD tenham a suficiente abertura política para a admitir.
O Governo, quando confrontado com problemas como o descrito pelos peticionantes, não pode persistir na postura primária de reagir com critérios orçamentais.
O Governo tem a obrigação de dialogar, de ouvir, de corrigir injustiças e de investir o necessário para obter uma Administração Pública motivada, única forma de potenciar os meios humanos existentes.
Ao corrigir situações como as descritas na presente petição- e esperamos que haja abertura suficiente para tal- o Governo não estará a gastar nem muito nem pouco mas, sim, a corrigir, como é seu dever, uma injustiça e a respeitar o direito à igualdade de oportunidades.
Para o PCP, o direito à reparação de injustiças assume um valor ético e social não compatível com padrões de ordem mercantilista.
Seria bom que o Governo e o PSD clarificassem também qual a sua hierarquia de valores e princípios.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate desta petição e esgotada a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, pelas 15 horas, com período de antes da ordem do dia, constando da ordem do dia a apreciação das propostas de lei n.ºs 75/VI- Autoriza o Governo a alterar a legislação relativa ao sistema de unidades de medida de acordo com as resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas e com as directivas comunitárias -, 837 VI- Estabelece o sistema de avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições do ensino superior - e 85/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação, bem como do projecto de lei n.º 170/VI (PCP) - Avaliação e acompanhamento do ensino superior. Entretanto, proceder-se-á à eleição de um vogal do Conselho Directivo do Grupo Parlamentar da União Interparlamentar.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 45 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa à votação do inquérito parlamentar n.º 19/VI

As irregularidades cometidas no Ministério da Saúde quando era dirigido pela ministra Leonor Beleza não podem, nunca, deixar de ser apreciadas sob um óptica política devendo, por isso, proceder-se a um inquérito que clarifique as responsabilidades eminentemente políticas dos actos praticados.
Dir-se-á que tendo os tribunais procedido a um julgamento, condenado alguns réus, entre os quais o ex-secretário de Estado Costa Freire e dada a circunstância de ter havido recurso da sentença para uma outra instância, isso é suficiente para impedir a realização de um inquérito parlamentar. Não é essa a minha opinião nem a da Intervenção Democrática-ID. O que se exige foi claramente exposto no pedido de inquérito e na argumentação aduzida pelo grupo parlamentar proponente - é, principalmente, estabelecer essas responsabilidades.
Não há qualquer possibilidade, nem se pretende fazer, através da Assembleia da República, investigação criminal. O que se entende por legítimo, e com razão, é esclarecer a opinião pública sobre as responsabilidades políticas.
E nem o afastamento da ex-titular daquele Ministério, nem a sua renúncia às funções parlamentares que exercia, nem o afastamento do ex-secretário de Estado e a sua posterior condenação podem servir de ar-

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gumentação para os que se opõem à realização de um inquérito parlamentar com os objectivos propostos.
Também se argumenta com o facto de se ter realizado, na anterior legislatura, um outro inquérito parlamentar ao Ministério da Saúde. Todos nós sabemos as condições em que decorreu esse inquérito e a forma abrupta como o PSD o concluiu.
A comissão de inquérito que ora se propõe visa, como é evidente, o aprofundamento e uma nova análise de todos os dados disponíveis, uma vez que no anterior inquérito factos houve que não foram averiguados devidamente, tendo o PSD, com a sua maioria, imposto a elaboração de um relatório e conclusões- da autoria de um dos seus Deputados - que mereceu a generalizada crítica da oposição. A opinião pública não ficou devidamente esclarecida e, o que também é grave, surpreendeu-se ao confrontar as conclusões que o PSD impôs no seu relatório com o que posteriormente, no Tribunal, se veio a averiguar.
Há que aprofundar toda a situação e não, como faz o PSD e o seu grupo parlamentar, afastar as responsabilidades políticas que cabem não apenas a um ministério específico, o da Saúde, e aos seus ex-titulares, mas a todo o Governo.
Impedir a realização deste inquérito constitui mais um erro político do Grupo Parlamentar do PSD e do presidente daquele partido que, exercendo as altas funções de chefe do Governo, não deveria, nunca, opor-se à análise de factos novos, ao novo estudo, desta vez aprofundado, do material existente da anterior comissão de inquérito e, muito menos, à averiguação parlamentar das grandes responsabilidades políticas que inevitavelmente existem.
O interesse público assim o exige. O interesse partidário e governamental impedem esse esclarecimento. É, repetimos, mais um grave erro político do PSD e do Primeiro-Ministro Cavaco Silva.

O Deputado independente: - João Corregedor da Fonseca.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio Barrosa Pereira Dias.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco Antunes da Silva.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Albino da Silva Peneda.
José Manuel Nunes Liberato.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Poppe Lopes Cardoso.
Elisa Maria Ramos Damião.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Octávio Augusto Teixeira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Augusto Fidalgo.
António Esteves Morgado.
Carlos Alberto Pinto.
Delmar Ramiro Palas.
Fernando Monteiro do Amaral.
José Macário Custódio Correia.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Luís Santos da Costa.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel António dos Santos.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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DIÁRIO
Da Assembleia da República

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