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I Série - Numero 43

Quinta-feira, 3 de Março de 1994

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE MARÇO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
Alberto Monteiro de Araújo

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 385/VI, do projecto de resolução n.° 93/Vl, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues (PCP) criticou a posição do Governo relativamente à problemática de Timor Leste, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Raul de Brito (PS). Adriano Moreira (CDS-PP). Manuel Moreira (PSD) e Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca (Indep.).
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira}, ao abrigo do artigo 83.° do Regimento, apresentou o Plano de Desenvolvimento Regional, sobre o qual intervieram também, a diverso título, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), António Lobo Xavier (CDS-PP), José Lamego (PS), Guilherme Silva (PSD), André Martins (Os Verdes) e Rui Carp (PSD).

Ordem do dia.- A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de um Deputado do PSD e de outro do PS.
Procedeu-se à apreciação do relatório final apresentado pela Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para averiguação do comportamento e das diligências do Ministério da Agricultura face à divulgação de eventuais irregularidades na utilização de fundos comunitários por parte da Cooperativa Agrícola de Torres Vedras [inquérito parlamentar n.º 12/VI (PSD)], tendo, no final, sido aprovado, na generalidade, na especialidade e em votação final global, o projecto de resolução n.º 93/VI (PSD, PS e PCP). Usaram da palavra, a diverso título, além do Presidente da Comissão (Deputado do PS Luís Capoulas Santos) e do respectivo relator (Deputado do PS Fialho Anastácio), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Carlos Duarte (PSD), António Campos e Raul Rego (PS).
Depois de o Sr. Deputado José Magalhães (PS) ter feito a síntese do relatório elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo ao projecto de lei n.º 354/VI - Aditamento de um novo número ao artigo 65.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional) (apresentado pelo Deputado independente Freitas do Amaral e pelo PSD), foi o mesmo discutido na generalidade, tendo, a requerimento do PSD, PS e PCP, baixado à Comissão para reapreciação. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Pais de Sousa (PSD), António Lobo Xavier (CDS-PP), Odeie Santos (PCP) e José Magalhães (PS).
Foi ainda apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 343/VI- Garante aos trabalhadores, em caso de cessão total ou parcial de empresa ou estabelecimento, a manutenção dos direitos adquiridos nas convenções colectivas de trabalho (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Paulo Trindade (PCP). Ferreira Ramos (CDS-PP), Elisa Damião (PS). José Puig (PSD) e Artur Penedos (PS). No final, a requerimento do PSD, PS e PCP, o projecto de lei baixou à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família para reapreciação.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-homens.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Cosia Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Cosia e Silva Pereira Taveira Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Benio Martins da Cosia de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue.
Alvim de Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olindo Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.

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António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social

Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Amónio Monteiro de Castro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.° 385/VI - Cria o Rendimento Mínimo Garantido (PS), que baixou às 1.º, 6.º e 9.º Comissões, e projecto de resolução n.° 93/VI - A Assembleia da República delibera considerar que o Inquérito Parlamentar n.° 12/VI revela insuficiências e deficiências no controlo e fiscalização do processo de atribuição de subsídios à produção de cereais por parte dos órgãos competentes da Administração Pública, designadamente o INGÁ; informar o Governo e particularmente o Ministério da Agricultura das conclusões deste Inquérito, através da remessa do respectivo relatório; publicar integralmente as conclusões finais do relatório e remeter ao Ministério Público as actas do Inquérito (PSD, PS e PCP).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Tribunal de Contas, formulado pelo Sr. Deputado Rui Rio; ao Governo, formulados pêlos Srs. Deputados Carlos Miguel Oliveira e Cardoso Ferreira; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Cerqueira de Oliveira; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e das Finanças, formulados pela Sr.ª Deputada Leonor Coutinho; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira; à Presidência do Conselho de Ministros e a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Luís Sá; ao Ministério do Emprego e Segurança Social, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Trindade; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha; aos Ministérios da Indústria e Energia e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Mário Tomé; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Eurico Figueiredo; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos; e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Sérgio.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pêlos seguintes Srs. Deputados: Manuel Sérgio, na sessão de S de Janeiro; José Manuel Maia, na sessão de 17 de Março; Guilherme d'Oliveira Martins, na sés- [...]

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[...] são de 26 de Novembro; e Carlos Duarte, na sessão de 7 de Dezembro.
Informa-se, ainda, a Câmara de que se encontram reunidas a Comissão Eventual com o Objectivo de Promover Contactos com o Congresso dos Deputados das Cortes Espanholas, a Subcomissão Permanente da Toxicodependência e a Subcomissão Permanente das Pescas.
Finalmente, informo que deu entrada na Mesa uma carta assinada pelo Sr. Deputado Teimo Moreno e dirigida ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que é do seguinte teor:
Teimo José Moreno, Deputado do Partido-Social Democrata, eleito pelo círculo de Bragança, vem, nos termos do n.° 1 do artigo 7.° do Estatuto dos Deputados, apresentar a V. Exa a renúncia ao seu mandato de Deputado, a partir desta data.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A transmissão pela RTP da reportagem sobre a sequência criminosa do massacre de Santa Cruz emocionou o povo português, avivando na consciência social a memória do martírio da nação maubere. Duas evidências, complementares e antagónicas, ganharam transparência nos últimos dias que o Governo português não faz tudo o que está ao seu alcance e que o povo português acredita que se pode e deve levar mais longe a solidariedade.
Na noite da transmissão do filme relativo aos crimes cometidos no hospital de Díli, em Novembro de 1991, o primeiro-ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros emitiram opiniões que foram recebidas com espanto pela opinião pública, pois ambos afirmaram que já tinham conhecimento de factos relatados pelo jornalista Max Stahl. É uma confissão que coloca o Executivo numa postura mais do que incómoda. Cabe perguntar por que não informaram, então, imediatamente o povo português e o mundo da chacina no hospital quando dela tomaram conhecimento...
Interrogado sobre as eventuais consequências políticas da matança dos feridos e moribundos, o primeiro-ministro admitiu que a divulgação dos factos irá contribuir para o reforço da pressão da comunidade internacional em defesa dos direitos humanos Não pronunciou, porém, a palavra autodeterminação Não disse que uma comunidade nacional, capaz de se bater há quase duas décadas com tamanha tenacidade e heroísmo contra um ocupante bárbaro, combate, na perspectiva da História, pelo seu direito à autodeterminação e à independência.
Não subestimamos, no PCP, as enormes dificuldades que têm impedido um consenso susceptível de nos aproximar de uma solução justa que respeite o direito à autodeterminação do povo maubere, reconhecido por resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Jacarta conta com apoios poderosos, nomeadamente, dos Estados Unidos da América, que reconhecem como facto consumado a transformação de Timor Leste em província indonésia. A posição dos EUA, a da Austrália, a do Japão e a da Grã-Bretanha pesam, devemos ser realistas, na impaciência crescente - direi mesmo na ambiguidade - do Secretário-Geral [...]
O seu representante, Sr. Vendrell, em visita a Lisboa deixou claríssimo que, para o Secretário-Geral, a acção via aberta a iniciativas úteis é a defesa dos direitos humanos.
O Grupo Parlamentar do PCP considera essa atitude simplista e capituladora. Não se deve substimar hipótese de o Secretário-Geral da ONU dar por finda a sua responsabilidade pessoal no processo timorense remeter o mandato recebido à Assembleia Geral na qual uma votação neste momento dificilmente seria favorável à causa do povo maubere. É também um facto que Portugal suporta pressões fortíssimas dos parceiros comunitários: estamos praticamente isolados em Bruxelas, o Conselho de Ministros e a Comissão mostram-se cada vez menos dispostos a aceitar restrições de qualquer natureza no seu relacionamento político e económico com a Indonésia.
O adiamento da análise da situação em Timor Leste, o ponto 12 da ordem de
trabalhos da Comissão est Direitos do Homem, em Genebra, é esclarecedor da força da obstrução.
Para o meu partido, seria grave inferir daí que nada pode fazer-se a nível do Governo, fora da área dos direitos humanos, mas tal conclusão é incompatível cosi a nossa concepção da História e da política.
Adriano Moreira tem razão ao repetir que a questão de Timor Leste é um problema da comunidade internacional, mas é igualmente óbvio que, se não for Portugal a tomar iniciativas adequadas, agindo com imaginação e firmeza, a comunidade internacional nada fará para evitar que o debate ultrapasse o terreno dos direitos humanos, já que os chamados grandes estão ansiosos para que o dossier seja esquecido.
Que fazer então? Ir sempre até à fronteira do possível, situarmo-nos nela sem romantismos, mas também sem temor de ferir susceptibilidades. Recordo. Srs. Deputados, como exemplo do tipo de reacção que serve ao adversário, um episódio que teve por [...] este hemiciclo de São Bento, quando o ex-ministro João de Deus Pinheiro, então Deputado por breves dias, sugeriu a supressão de algumas palavras num voto da Assembleia da República redigido pelo Presidente Barbosa de Melo, para harmonizar e fundir textos propostos pêlos diferentes partidos - e todos sabemos que o Presidente da Assembleia não cultiva um estilo agressivo.
Não se trata, sublinho, de pôr termo ao diálogo com a Indonésia, pois cortar essa ponte seria negativo para defesa dos direitos humanos no território. Trata-se apenas de recusar a estratégia do medo, o que exige o fim da política das cumplicidades e dos silêncios. Seremos mais respeitados e ouvidos se actuarmos com coerência e autenticidade.
A aparente flexibilidade táctica ensaiada pela Indonésia nos últimos meses resulta dialecticamente da fragilidade da sua frente interna Jacarta fala agora da conveniência de se criar um clima de confiança recíproca no diálogo oficial com Portugal, não nhã alterado a sua posição de fundo, intransigentemente anexionista, mas por ter consciência de que o directo e indirecto recebido de governos ocidentais não está a ser suficiente para compensar os efeitos de uma solidariedade internacional para com Timor Leste cada vez mais forte e alargada
Tomadas de posição do Parlamento Europeu, da Assembleia Parlamentar da UEO e campanhas desem- [...]

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[...] volvidas nos EUA, na Europa, na Ásia e na América Latina contribuíram para uma melhor informação da opinião pública mundial. Conseguiu-se, inclusive, que um país islâmico como a Jordânia cancelasse a venda de aviões de combate ao governo de Jacarta.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, contrastando com um conjunto cada vez mais diversificado e significativo de iniciativas de solidariedade activa ao povo maubere, o Governo português acomoda-se na passividade. Recordo duas situações que iluminam bem essa vocação do Governo para ficar quieto e calado, quando se lhe abrem oportunidades para desmascarar a ditadura indonésia.
O Governo não explorou a declaração hipócrita do general Suharto na Cimeira dos Não Alinhados, quando o ditador indonésio, que a ela presidiu, defendeu o direito sem restrições à autodeterminação dos povos invadidos e agredidos por vizinhos poderosos. Aludia à Palestina e à Bósnia muçulmana, mas não disse, obviamente, uma palavra sobre Timor.
O Governo permaneceu também mudo quando, em Paris, elementos da polícia política da Indonésia agrediram portugueses e timorenses que se manifestavam durante a visita de Suharto a França. Foi uma situação que indignou a comunidade portuguesa daquele país, mas não mereceu uma só palavra do Governo de Cavaco.
Foi, aliás, pena que, durante a recente visita a Lisboa do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, que coincidiu com a transmissão do filme sobre a chacina no hospital de Díli, não se tivesse avivado a memória do Sr. Douglas Hurd. Teria sido útil lembrar-lhe a opinião do diplomata, seu compatriota, Gordon Dunan (que ao tempo servia, num alto cargo, na Embaixada de Jacarta, emitida antes da invasão de Timor. Após uma visita ao território, esse senhor condensou nestas palavras o pensamento do Forcign Office (cito): «É do interesse da Inglaterra que a Indonésia absorva o território logo que possível, com o menor espalhafato e, se houver problemas com as Nações Unidas, devemos manter a cabeça bem baixa e evitar tomar posição contra o governo indonésio». Transcorridos 19 anos, o Reino Unido continua a ser um dos maiores fornecedores de armas à Indonésia!
O Washington Post, que à temática de Timor tem dedicado excelentes editoriais, deu uma lição indirecta ao primeiro-ministro e ao Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal ao qualificar de modesto passo em frente palavras do presidente Clinton alusivas a violações de direitos humanos em Timor. O influente diário americano achou pouco e com razão! «É preciso - cito - responsabilizar a Indonésia pelo roubo da independência de Timor Leste»!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo não somente é omisso em situações que exigiriam da sua parte uma clara definição como nada faz para tomar ou apoiar iniciativas que poderiam contribuir para dinamizar e ampliar a solidariedade internacional.
A ideia de uma grande conferência internacional sobre Timor Leste, que trouxesse a Portugal destacadas personalidades de dezenas de países, é antiga. Dando-lhe forma no âmbito da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP, imediatamente após 0 massacre de Santa Cruz, apresentou um projecto de resolução com esse objectivo. Pretendia reunir-se em Lisboa, numa iniciativa da nossa Assembleia, parlamentares de todo o mundo para um debate sobre a questão de Timor Leste que seria a maior manifestação de solidariedade já realizada. Esse projecto, entretanto, não foi ainda agendado.
O Grupo Parlamentar do PCP entende que tal projecto ganhou ainda mais actualidade com a revelação dos crimes no hospital de Díli divulgados pelo jornalista Max Stahl, pelo que vamos insistir no seu agendamento e discussão no Plenário. Promovendo essa conferência, a Assembleia da República imprimiria a força das coisas concretas à solidariedade formal dos princípios. Da palavra faria acto na mais bela e fraternal das ajudas ao povo maubere.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Raul Brito, Adriano Moreira, Manuel Moreira, Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Brito.

O Sr. Raul Brito (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, começo por manifestar-lhe o meu apoio pela oportunidade e pelo interesse da sua intervenção. Na verdade, como a situação em Timor Leste não se alterou, devemos ter em conta as preocupações que V. Exa manifestou, a fim de reunir meios para obviar-lhes.
Referiu um aspecto que me alertou sobremaneira: diz cie respeito ao silêncio do Governo português sobre o segundo massacre que ocorreu depois do dia 12 de Novembro de 1991 e relativamente ao qual o povo português e a comunidade internacional foram mantidos num total desconhecimento. Não é aceitável que o Governo português, tendo conhecimento de que se havia perpetrado um segundo massacre em Díli após essa data, tenha mantido o silêncio.
Todos sabemos que a divulgação desse grave acontecimento permitiu que a questão de Timor Leste tivesse recebido, por parte da comunidade internacional, um apoio até então desconhecido, o que toma mais estranha a posição do Governo português.
Sr. Deputado, a sua intervenção foi extremamente útil e é necessário que o partido da maioria que suporta este Governo venha explicar-nos por que razão, durante um ano, calou esse segundo massacre.
Na verdade, gostava que me fossem prestados esclarecimentos não por V. Exa mas pela bancada que suporia o Governo, pois considero que tem a obrigação de dar-nos as explicações que o Sr. primeiro-ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros ainda não prestaram até ao momento.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, considero a sua intervenção oportuna e bem-vinda, porque um dos apoios que me parece importante para a defesa dos direitos do povo de Timor reside no clamor que mobilize a opinião pública internacional.
Podemos e devemos criticar o Governo, mas também precisamos de ter a percepção de que não podemos esquecer a situação real internacional em relação a Timor.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

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O Orador. - Por mais de uma vez ternos dito que Timor está a ser vítima dos interesses das grandes potências.
A Indonésia, que é o maior poder militar da área, é um aliado conveniente: para os Estados Unidos da América e para a Austrália, país que, está a modificar a sua. política de segurança, pois adoptou um conceito de «segurança, alargada», o que significa a «asiatificação» da sua política e o estabelecimento de uma aliança íntima com a Indonésia.
Aconteceu a Timor uma infelicidade que sucede aos povos pobres, pois o facto de ter petróleo melhor determina a consistência desse acordo das grandes potências em relação ao povo de Timor.
Mas esta não é uma situação isolada: algumas vezes tenho referido - e espero ter tempo para insistir nesta ideia - que o povo de Timor alinha ao lado de uma teoria de povos, que a comunidade internacional trata como povos dispensáveis, e cuja eliminação facilitaria o bom andamento do relacionamento que preferem entre si.
A evolução no sentido de concentrar as atenções nos Direitos do Homem, esquecendo a autodeterminação, é uma atitude que favorece a amenidade da diplomacia indonésia que procura transmitir à opinião pública internacional que a questão é entre Portugal e a Indonésia e não entre a Indonésia e a comunidade internacional, usando um poder de intervenção de que temos manifestações abundantes na sociedade portuguesa no sentido de pôr os seus interesses acima dos interesses inalienáveis do povo de Timor.
Toda a reclamação, toda a veemência é justificada e, nesse aspecto, tenho de apoiar a intervenção do Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.
E há uma pergunta a fazer não ao Governo mas a todos- nós, nomeadamente, à Assembleia: quais são as debilidades de um governo português, neste momento, na comunidade internacional para fazer valer com plenitude a sua capacidade de potência administrante? As limitações dentro da União Europeia na medida em que uma .política autónoma para Timor é contrariada por interesses da União Europeia. De que forma essa autonomia é contrariada por interesses de potências directoras de grandes organizações a que nós pertencemos?
Não sou partidário de que um governo deva tomar atitudes quixotescas e que invista contra a realidade pondo em perigo interesses essenciais do seu país, mas entendo que há uma medida a estabelecer entre ambas as coisas e, provavelmente, neste caso, no que toca aos massacres executados em relação a Timor, a prudência excedeu aquilo que seria exigível.
Ainda ontem assistimos a uma audiência dramática de refugiados de Timor que suscitou um movimento unânime da Comissão Eventual de Acompanhamento da Situação em Timor Leste pedindo determinadas medidas que vamos implementar. Quem ouviu o depoimento desses refugiados de Timor não pode ficar indiferente à circunstância de que é um crime contra a Humanidade que está a ser cometido, pelo que todo o silêncio, toda a omissão é cumplicidade nessa situação.
Esta Assembleia da República não o tem feito, a unanimidade da Comissão tem sido constante no sentido de combater essa deterioração do estatuto dos timorenses na comunidade internacional e julgo que a chamada de atenção do Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues é oportuna e deve ser entendida como uma voz que se ergue a favor dos povos mudos. Todos nós o acompanharemos nisso, independentemente de o partido que apoia o Governo não o acompanhar, certamente, nas críticas que faz à acção do Executivo.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, o Partido Social-Democrata considera que é sempre útil e importante que a Assembleia da República, como órgão representativo, possa debater, para tornar presente na consciência nacional e internacional, a questão, o drama, de Timor Leste.
No entanto, Sr. Deputado, julgo que a intervenção de hoje não foi a mais feliz, pois sempre dissemos que esta questão é nacional e deve unir todos os portugueses e todos os partidos com assento nesta Assembleia da República. Ora, na sua intervenção defendido esse espírito, porque o Sr. Deputado tentou, de algum modo, assacar responsabilidades ao Governo, o que, em bom rigor,...

Vozes do PCP: - É irresponsável!

O Orador:- ... não deveria ter feito na medida em que, se há governos que têm tentado, em todos os féruns, nacionais e internacionais, levantar bem alto a questão do drama de Timor, esses têm sido os de Professor Cavaco Silva. Quero dizer que isso também tem acontecido por parte de outro órgão de soberania, e Presidente da República, o qual, sempre que é possível levanta esta questão.
Creio que a Assembleia da República deve fazer tudo para manter esse espírito de unidade nacional; na defesa da resolução deste problema dramático de uma população que há muito deveria ser livre e ter direito à sua autodeterminação.
Não estão em causa o desejo e a consagração constitucional de que o povo de Timor Leste deve ter direito a essa autodeterminação. Como tal, não é necessário que o primeiro-ministro ou o Ministro dos negócios Estrangeiros venham, a todo o momento, falar na autodeterminação, pois ela está sempre subjacente e é este o desejo de Portugal e da comunidade internacional: que a autodeterminação se faça e quanto mais cedo melhor.
Julgo que, para atingir esse fim, há necessidade de procurarmos envidar todos os esforços, nomeadamente da parte do Governo e do Presidente da República.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se as suas críticas também são dirigidas ao Sr. Presidente da República por não ter chamado a atenção para o sumo massacre.
Na verdade, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, penso que o genocídio físico e cultural do povo de Timor ocorre já há cerca de 19 anos. Massacres havido muitos, pena e que apenas tivéssemos conhecimento de dois, porque foram as televisões que deram essa evidência a Portugal e à comunidade internacional. Mas julgo que, ao longo de todos estes anos, existiram muitos massacres, e não foram centenas apenas algumas centenas de pessoas que foram massacradas mas, sim, milhares e milhares, dezenas de milhares de timorenses.
Por isso, creio, Sr. Deputado, que não nos devemos impressionar apenas com os massacres revelados, mas sim, com tudo o que tem acontecido ao longo, destes 19 anos de invasão de Timor por parte da Indonésia.

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Foi pena o Sr Deputado não ter podido estar presente ontem na reunião da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste porque como disse o Deputado Adriano Moreira tivemos a oportunidade de um testemunho vivo de alguns dos refugiados que ao nosso pais em Dezembro passado de alguns lês que participaram na manifestação do [...] de Díli e que sofreram na carne aquela tortura por parte e dos militares indonésios. Essas pessoas vieram dar nos conta das suas grandes preocupações.
A própria Comissão tomou ontem por unanimidade decisão de tentar um encontro com o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional no sentido de chá a atenção para as condições degradantes em que a viver alguns desses refugiados timorenses da falta de apoio que tem havido para que eles possam sobreviver no nosso pais e para poderem aprender ou der a língua portuguesa de modo a continuarem seus estudos em Portugal
Estas foram algumas das decisões concretas que a Comissão tomou e e nesse espirito de solidariedade que vãmente devemos continuar a trabalhar em conjunto sem o querer quebrar pois ele deve unir todos os Deputados e órgãos de soberania portugueses
Como tal Sr Deputado peço lhe que numa futura intervenção nesta Assembleia ou em outro lugar se mantenha arreigado este espirito porque só assim pode mós contribuir de uma forma determinada para a resolução de uma vez por todas do drama de Timor Leste

Aplausos do PSD

O Sr Presidente (Ferraz de Abreu) - Tem a palavra o Sr Deputado Mano Tome

O Sr. Mário Tomé (Indep.) - Sr Presidente Sr Deputado Miguel Urbano Rodrigues começo por saudar a sua intervenção por apoia-la e dizer lhe que sou solidário com as suas preocupações e com a perspectiva que lançou nesta Assembleia

uando o PSD diz que Timor Leste e uma questão nacional quer dizer que todas as forças políticas, devem «ir a reboque» da impotência e da incapacidade do Governo? Isso não pode ser!
O Governo português esta representado na Comum Europeia e ai para alem do verbalismo que o tem caracterizado das boas intenções do espirito que o Sr. Deputado Manuel Moreira referiu -

O Sr Manuel Moreira (PSD) - Espirito de acção!

O Orador - o espirito e muito bonito mas não chega - o Governo não utiliza todas as potencialidades e capacidades de que dispõe um pais membro da Comunidade Europeia para fazer valer os interesses de Portugal de Timor Leste e do povo timorense. O Governo está absolutamente submetido aos interesses de europeus. A Inglaterra faz os negócios que com a Indonésia nomeadamente vendendo armas como a Alemanha a Holanda faz os negócios que quer o Governo português não levanta a voz não denuncia, diz que nesta Comunidade Europeia não ha qualquer solidariedade não apenas com Portugal que e um. Esta do membro da Comunidade Europeia mas também com que está a ser destroçado e esmagado por um regime fascista e brutal como e o indonésio
Sr Deputado Miguel Urbano Rodrigues queria aproveitar este pedido de esclarecimento para lançar duas ideias que possivelmente não lhe são desconhecidas
Em primeiro lugar o Governo devia apoiar material mente os representantes da resistência timorense. Em meu entender devia apoiar também a educação ou o ensino de modo a formar quadros timorenses

O Sr Luís Geraldes (PSD) - O Sr Deputado está na reserva. Pode ir para lá!

O Orador - que estão em Portugal para depois quando a independência for uma realidade como todos esperamos existir uma base e uma estrutura que garantam o seu prosseguimento
Em segundo lugar na Indonésia ha forças democráticas que se batem também contra o regime de Suharto. Não seria de promover o relacionamento - não digo do Governo porque isso poderia ter outras implicações - das forças democráticas portuguesas com essas forças para concertar nomeadamente ideias e ate estratégias de luta democrática que será sempre favorável a luta do povo de Timor Leste pela sua autodeter minaçao e independência?

O Sr Presidente (Ferraz de Abreu) - Tem a palavra o Sr Deputado João Corregedor da Fonseca

O Sr João Corregedor da Fonseca (Indep ) - Sr Presidente Sr Deputado Miguel Urbano Rodrigues felicito o por ter abordado esta questão que é sempre bom ser levantada na Assembleia apesar de algumas vozes entenderem que estes assuntos devem ficar guardados no silencio dos gabinetes. E evidente que criticas justas quando tem de ser feitas devem se lo porque só assim e através do dialogo poderemos ter um tipo de actuação mais consentâneo com as exigências do povo de Timor e com o direito que esse povo tem a autodeterminação.
Sr Deputado muito rapidamente e a propósito desta sua intervenção quero recordar dois episódios o primeiro e a forma como alguns timorenses que tem vindo para Portugal em circunstancias dramáticas estão a ser tratados. Os sete estudantes que conseguiram vir para Portugal em Dezembro até agora apenas receberam do Estado português 16 contos e não tem ainda passaporte direito de residência direito de trabalho nem lhes foram ainda distribuídas as bolsas de estudo de que se falou
O segundo episódio consubstancia outras questões graves que vivem antigos funcionários de Timor que tem problemas gravíssimos Existe uma iniciativa legislativa na Assembleia da Republica a qual através de petição já se debruçou sobre esse problema grave e humano que afecta pessoas que vieram de Timor e timorenses
Sr Deputado gostaria que me dissesse a propósito da reunião da Comissão dos Direitos do Homem da ONU que esta a decorrer em Genebra onde possivelmente vai ser discutido o problema de Timor por que razão não esta a Assembleia da Republica presente numa iniciativa destas nem sequer como observa [...] que e errado a Assembleia da Republica demitir se destas acções
Entendo que também e grave - e gostaria de ouvir a sua opinião a esse respeito - o facto de o grupo de Deputados internacionais parlamentares de East Timor [...]

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[...] dirigidos por Lord Avebury, ter sido recebido, o mês passado, pelo Sr. Secretário-Geral da ONU, Butros Ghali, e de eles próprios, em Nova Iorque, terem declarado que a ausência de delegação portuguesa nessa reunião com Butros Ghali retirou peso e importância àquele encontro.
Gostaria que me dissesse, a propósito da sua crítica ao facto de não se ter realizado até agora, ao fim de tantos anos, a conferência internacional sobre Timor Leste - variadíssimas vezes aprovada nesta Assembleia-, se a Assembleia da República se deve demitir tanto, mesmo em termos internacionais, deste tipo de encontros, como, por exemplo, os realizados com o Secretário-Geral da ONU e as reuniões da Comissão dos Direitos do Homem, em Genebra.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues para responder, informo a Câmara de que assistem a esta sessão plenária alunos das Escolas Secundárias de Santo André, do Barreiro, do Instituto B. de Castellão (Vigo) e da Escola Secundária Moinho da Maré de Correios.
Para eles, peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, tem a palavra.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero agradecer o apoio que a minha intervenção recebeu de todos os que pediram esclarecimentos, com a excepção do Sr. Deputado Manuel Moreira, do PSD.
Chamo apenas a vossa atenção para dois pontos que me parecem particularmente importantes.
Em primeiro lugar, entendo ser importante que o Sr. Deputado Adriano Moreira tenha reforçado o que eu disse sobre as dificuldades que nos coloca o problema de Timor, pois, realmente, estamos isolados. E temos de ter consciência desse isolamento, que, no entanto, exige uma atitude de combatividade, de imaginação, de firmeza, e não uma atitude de demissão e de omissão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É nesse sentido que o pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Manuel Moreira merece duas ou três palavras. V. Exa disse que eu tentei assacar algumas responsabilidades ao Governo. Creio que não me entendeu bem. Não tentei! Fiz, sim, críticas directas e duras ao Governo! A ideia que o Grupo Parlamentar do PCP tem da política que o Governo vem desenvolvendo relativamente ao problema de Timor é negativa e isso ficou claro na minha intervenção. Precisa de ler novamente a minha intervenção para não ter dúvidas a esse respeito.
O Sr. Deputado Manuel Moreira falou na solidariedade institucional. Ora, a solidariedade institucional deve ser desenvolvida perante o povo de Timor, que luta e se bate com heroísmo, e não perante o PSD, a sua política ou a do Sr. primeiro-ministro ou do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, dizem que é difícil, que estamos isolados nesta luta. Mas há povos que estiveram 900 anos a lutar pela independência! É o caso do povo da Síria, que viu o seu território ocupado pelos estrangeiros durante 900 anos; da Argélia que depois dos turcos, esteve ocupada pelos franceses da Bulgária que esteve ocupada durante 500 anos. Mas conseguiram lutar e conquistar a independência!
Neste momento, o sujeito da História é o povo de Timor. Creio que a melhor intervenção que o OSD poderia ter, a melhor resposta à colocação do problema de Timor, seria dizer: sim, senhor, o vosso projecto de resolução será rapidamente agendado e haverá um de debate nesta Câmara, que em seguida, promoverá um grande debate de conferência internacional para se debater o problema de Timor. Isso, sim, era o que eu desejava ouvir do PSD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Exa pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa acerca do ponto seguinte do período de antes da ordem do dia de hoje relativo à apresentação, pelo Governo, do Plano de Desenvolvimento Regional.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para este efeito, tem a palavra.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente já tivemos oportunidade de discutir na Assembleia da República, por várias vezes e com a presença do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, o Plano de Desenvolvimento Regional. Entretanto, há um elemento aparentemente novo - e penso ser daí que decorre esta intervenção do Governo - que se relaciona com a recente assinatura do II Quadro Comunitário de Apoio.
Pergunto se a Mesa tem conhecimento do facto de o Governo ter entregue à Assembleia, oficialmente, documentos relativos ao II Quadro Comunitário Apoio, para, desse modo, estarmos, no mínimo, em pé de igualdade com o Governo, para podermos discutir as questões que o Sr. Ministro aqui traz hoje.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, neste momento, a Mesa não está habilitada para responder, mas penso que o Sr. Ministro terá a possibilidade de dar-lhe resposta.
Assim sendo, Srs. Deputados, ao abrigo do artigo 83.º, do Regimento da Assembleia da República, palavra ao Sr. Ministro do Planeamento e da administração do Território para fazer uma intervenção sobre o Plano de Desenvolvimento Regional.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, oportunamente, após fazer a minha exposição terei ocasião de esclarecer esse ponto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com a maior satisfação que venho dar conta à Assembleia da República do modo como decorreram e terminaram as negociações respeitantes ao Quadro Comunitário de Apoio [...]

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[...] até 1999, irá prover os meios financeiros necessários à concretização do Plano de Desenvolvimento Regional que preparámos e oportunamente apresentámos.
Fomos o primeiro país da União Europeia a fazê-lo e, por isso, fomos também o primeiro a receber a resposta. Isso passou-se cerca de sete meses após a entrega da nossa proposta, o que representa uma redução para menos de um terço do período que foi necessário para negociar o primeiro Quadro Comunitário de Apoio. Não foi somente o acréscimo da prática na arte da negociação que determinou o encurtamento desse período; ele deve-se, muito especialmente, à decisão que tomámos de apresentar os programas operacionais juntamente com o Plano de Desenvolvimento Regional e de associarmos à elaboração das nossas propostas os técnicos da Administração Comunitária, num exercício de parceria que fez com que todos conhecessem o seu conteúdo desde muito cedo e, também, as justificações da arquitectura geral do plano e das suas diferentes componentes. O Plano de Desenvolvimento Regional representa uma proposta muito consistente. Aplicámo-nos, naturalmente, com empenhamento na sua elaboração e baseados na experiência que tivemos com a negociação do Quadro anterior, aproveitámos todas as formas possíveis para encurtar os prazos, de forma a evitar quaisquer hiatos entre e o primeiro e o segundo Quadros que, a terem ocorrido, seriam muito negativos para o decurso normal do processos de desenvolvimento que estamos a impulsionar. Negociámos depressa e assegurámos a continuidade das acções de desenvolvimento em curso, mas também negociámos bem, porque obtivemos satisfação para os montantes que queríamos. A União Europeia contribuirá com 3,25 milhões de contos provenientes dos í fundos estruturais e do montante indicativo da contribuição do Fundo de Coesão a que acrescerão os recursos associados às iniciativas comunitárias. Além disso, teremos acesso a empréstimos do Banco Europeu de 1 Investimento da ordem dos 1,2 milhões de contos.
Tal como sucedeu anteriormente, nos programas e nos fundos em que os montantes estão referidos a título indicativo e aferidos em relação a um patamar intermédio do correspondente intervalo de variação, poderá muito bem suceder que o dinamismo da concorrência, baseado numa execução oportuna e numa insistência bem fundamentada, permita alcançarmos níveis de apoio mais elevados do que os anteriormente mencionados.
Muito dependerá da evolução da execução.
O conteúdo do Quadro Comunitário de Apoio não difere, na essência, do que foi o do Plano de Desenvolvimento Regional. Mesmo quando a arrumação é diferente, a essência das propostas mantém-se. Por isso não me ocuparei tempo a descrevê-lo de novo, mesmo nas suas grandes linhas. O diagnóstico que fizemos mereceu acordo bem como a estratégia geral que traçámos e os grandes objectivos e prioridades que definimos.
Os dois grandes objectivos estratégicos que estabelecemos são, como sabem, o de assegurar a convergência real entre as economias portuguesa e comunitária e o de promover a coesão económica e social no plano interno.
Para atingirmos estes objectivos definimos os quatro eixos de acção seguintes: primeiro, qualificar os recursos humanos e o emprego; segundo, reforçar os factos de competitividade; terceiro, promover a qualidade vida e a coesão social; quarto, fortalecer a base económica regional. É em tomo deles que estão estruturados os programas operacionais que, a partir de agora, executaremos.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A experiência levou-nos a procurar aumentar a flexibilidade do conjunto do Quadro e dos programas operacionais, especialmente por via da redução do número destes últimos. No primeiro Quadro tivemos de coordenar mais de 60, o que foi possível mas que se revelou muito exigente, em atenção e em tempo. Com um novo Quadro de montante duplo do anterior a adopção de um esquema semelhante corria o risco de impor atrasos intoleráveis. Por isso reduzimos para 16 o número de programas operacionais, tratando de assegurar compatibilização interna e coordenação aos sub-programas que compõem cada programa.
Por outro lado, na nossa proposta foi dado maior desenvolvimento e pormenorização às referências de ligação entre o Plano de Desenvolvimento Regional e os diferentes programas operacionais. A finalidade foi, como já disse, a de encurtar o tempo de apreciação e aprovação, o que, de facto, foi conseguido.
Insistimos em que a elegibilidade das despesas se verificasse a partir da data de apresentação do Plano de Desenvolvimento Regional. Por isso tivemos pressa em apresentá-lo no princípio de Julho, na primeira data possível para nós e para a Comissão.
Já tive oportunidade de exprimir publicamente a alta apreciação em que temos o apoio que nos foi prestado em geral, por todos os órgãos da Administração que intervieram, e pela Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional sobre quem recaiu a parte mais dura das negociações. Fê-lo com alto nível de competência e com entusiasmo.
É bom que a Assembleia da República saiba que o País conta com uma Administração que assegura com profissionalismo o trabalho de gestão do dia-a-dia e, também, as negociações complexas que, em certos momentos, exigem, além do saber, uma grande dedicação.
Srs. Deputados: Os meios que conseguimos não vão constituir «dinheiro fácil». O investimento realizado no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio permitiu arrancar com um ambicioso programa de desenvolvimento. Este que agora começa tem de consolidar o que já foi conseguido e ampliar os seus efeitos de uma forma duradoura.
A escala dos projectos terá de ser maior e os seus efeitos ainda mais estruturantes do que os dos seus antecessores; a selectividade das escolhas deverá ser, por isso, ainda mais apurada. As ambições têm de respeitar ao médio prazo e àquilo que pode, realmente, tornar irreversíveis os passos que já demos no sentido do progresso.
Temos de chamar à execução muitos agentes: a Administração Central, os Governos Regionais, as autarquias locais, empresários, associações, artistas, cientistas e todos aqueles que tiverem alguma coisa a dar para incrementar a actividade económica, para inovar em todos os sectores, para encontrar novas formas de aumentar o bem-estar dos portugueses.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta não é uma ocasião para mobilizar somente alguns. É tempo de chamar todos, num mo- [...]

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[...] vimento que tem de mudar as atitudes dos portugueses, alterando comportamentos e fomentando a confiança nas realizações próprias de cada um e de todos nós..
A qualidade do que fizemos foi explicitamente elogiada pêlos Comissários e pela Administração Comunitária. Somos citados como exemplo em muitos lados e a propósito de numerosos sectores e iniciativas. Temos de aprender, nós próprios, a acreditar mais nas nossas capacidades e nas virtualidades dos nossos recursos e das nossas gentes.
O que foi conseguido já está feito!
Começa agora a execução de um plano que é ambicioso, mas também é realista.
O que conseguirmos ser, no final do século, vai depender muito dos esforços que, colectivamente, formos capazes de tornar convergentes.
Esta não é a última oportunidade que se nos abre, mas não deverei errar se disser que ela representa a maior. Por isso não podemos deixar - todos nós - de nos aplicarmos na execução do Quadro Comunitário de Apoio com a mesma determinação e esperança com que nos dedicámos a negociá-lo e a conseguir as verbas que nos hão-de permitir realizar o que sonhámos.
Estou seguro de que o projecto que desenhámos é mobilizador e não tenho dúvidas em que ele há-de revelar-se capaz de tocar todos os portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, como é habitual, quando é feita uma intervenção ao abrigo deste artigo 83.°, abre-se um debate com uma grelha de tempos aprovada de antemão em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e que já está afixada no quadro electrónico. Portanto, os diferentes grupos parlamentares podem usar da palavra de acordo com esta grelha.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta vinda à Assembleia do Sr. Ministro Valente de Oliveira e as sucessivas conferências de imprensa que o Governo tem dado a propósito do Plano de Desenvolvimento Regional têm sabor a reprise. Isto é, o Governo anuncia várias vezes os mesmos milhões e o mesmo PDR.
No que toca à Assembleia da República, esta é, pelo menos, a terceira vez que o Sr. Ministro vem ao Plenário anunciar exactamente o mesmo Plano de Desenvolvimento Regional...

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Não há outro!

O Sr. Rui Carp (PSD): - E ainda dizem que não há debate!

O Orador: - Isto não significa debate, mas já lá irei!
Continuando, a primeira questão que quero sublinhar é o facto de o Governo vir à Assembleia, após a assinatura, com pompa e circunstância, do Quadro Comunitário de Apoio, apresentá-lo sem ter distribuído, ao contrário do que fez com a imprensa, os documentos que assinou. Mais uma vez, o Governo vem é fazer show off porque se quisesse realmente discutir nesta sede o Plano de Desenvolvimento Regional e o II Quadro Comunitário de Apoio teria fornecido aos differentes grupos parlamentares, antes deste debate, os documentos que assinou para que os Deputados pudessem vir para esta sede de posse dos documentos e conhecedores dos mesmos e que, portanto, pudessem pronunciar-se sobre esta matéria com conhecimento de desta. Mas, contrariamente, o Sr. Ministro distribui documentos à imprensa e apresenta-os na televisão enquanto a Assembleia da Reppublica tem de limita-se a ouvir o discurso do Sr. Ministro. Convenhamos Sr. Presidente, que é muito pouco para este órgão que é a Assembleia da República!
Em segundo lugar, como referi há pouco, o Sr. Ministro veio de uma cerimónia em que assinou o Quadra Comunitário de Apoio com pompa e circunstância. Assim, pergunto-lhe se não será única esta atitude de pompa e circunstância que rodeia estes actos de relacionamento - para não dizer de dependência - com a Comunidade. O Sr. Ministro é capaz de dar um exemplo de outro país da Comunidade onde se tenha feito uma encenação como a que se fez no Centro Cultura! de Belém para a assinatura do Quadro Comunitário de Apoio? Que eu saiba, não há nenhum país e Portugal é o único onde se faz este show off público...

O Sr. Rui Carp (PSD): É porque este é o primeiro a ser aprovado!

O Orador: - Em terceiro lugar, estas vindas sucessivas do Sr. Ministro à Assembleia e este show off de pompa e circunstancia que rodeou a assinatura do Quadro Comunitário de Apoio no Centro Cultural de Belém não significam a existência de debate. Antes pelo contrário, significam que com este tipo de operações, o que Governo pretende é encobrir a falta de um debate nacional em torno das opções estratégicas e dos projectos que vão enformar o futuro do País, até ao final do século XX e mesmo depois.
É evidente que este PDR tem um claro défice: o Sr. Ministro confunde reuniões em que informa o que o Governo já decidiu com um debate sério com os diferentes agentes económicos, culturais e sociais e com as autarquias locais, no que se refere ao respectivo envolvimento e à mobilização na definição do que há-de ser uma estratégia de desenvolvimento para o País. Esse debate não se realizou! A única coisa que se realizou foi várias reuniões em que o Sr. Ministro se limitou a debitar aquilo que, previamente, o Governo já tinha definido. Ora, isto é tudo menos debate, Sr. Presidente!
O outro défice deste Plano de Desenvolvimento Regional, que também decorre de toda esta ausência se relacionamento com o País, tem a ver com a sua gestão. É que, mais uma vez, e talvez agravando o que vinha do primeiro Plano de Desenvolvimento Regional, o Governo optou por uma gestão centralizada e articulada com os diferentes agentes económicos, sociais e culturais e com as autarquias locais. Pelo contrário, a única área em que as autarquias têm uma intervenção directa na gestão do PDR - e, mesmo assim, é sob a tutela dos presidentes cias CCR - é a dos Programas Operacionais regionais, onde o que resta é 12% das verbas para ser gerido pelas autarquias. Tudo o resto é centralizado e gerido directamente pelo Governo.
Nós não pomos em causa - pelo contrário, achamos que são importantes, embora insuficientes - as volumo- [...]

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[...] gás verbas que vêm para o País: são bem-vindas. Mas a ausência de um debate nacional e de um processo de gestão centralizado e mobilizador da sociedade leva a que essas verbas sejam gastas sem eficácia, sem resultados, atendendo ao que deveria ser a chamada coesão económica e social na Europa e dentro do País. Sr. Ministro, dou-lhe um exemplo: ao contrário do que tem afirmado, no primeiro Plano de Desenvolvimento Regional agravaram-se as assimetrias regionais em Portugal - aliás, basta ver as últimas estatísticas da Comunidade quanto ao diferencial PIB/habitante em paridade de poder de compra entre as regiões do interior e as do litoral para comprovar o que digo. A última questão tem a ver com a área social. O Governo minimiza a área social neste PDR, designadamente quanto à criação de emprego. Na verdade, o Governo fala e «acena» muito com o facto de que este PDR vai criar, directa ou indirectamente, 100 000 empregos, mas lembro ao Sr. Ministro que o anterior PDR, com cerca de metade das verbas, criou 80 000 empregos, segundo os dados oficiais do próprio Governo e que os 100000 novos empregos que agora são anunciados não abarcam um terço do número de desempregados que...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, tem de concluir porque já ultrapassou largamente o seu tempo.

O Orador: - Sr. Ministro, é evidente que as verbas são importantes mas a sua eficácia ficará extremamente limitada se o Governo não arrepiar caminho em matéria de descentralização, de gestão participada e de um envolvimento da sociedade na divisão dos projectos que permitam, de facto, atingir a coesão social e económica na Europa e no País.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, informo a Câmara de que os 5 minutos regulamentares de que o Governo dispunha para responder foram acrescidos de mais 5 minutos cedidos pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nós também temos a sensação de que este tema e esta explicação já passaram por esta Câmara nestes mesmos termos, mas, apesar disso, tomamos a vinda do Sr. Ministro como uma atenção especial, como um símbolo, sejam quais forem as considerações que queiram fazer-se sobre o símbolo, sobre o acto de assinatura, com reais ou menos pompa, seja agora ou seja antes, quando já se conheciam os milhões, as orientações e os grandes eixos. Aceite-se, portanto, tratar esta ocasião como um símbolo e fale-se do símbolo e do seu significado. Em primeiro lugar, tomada esta ocasião como um í símbolo, o CDS-PP regozija-se pela dimensão do apoio que a União Europeia empresta a Portugal para prosseguirmos a convergência real. Mas, ao contrário do sr. Ministro, tenho ideia de que a dimensão deste apoio Apresenta para nós a última oportunidade. Considero que esta é a última oportunidade para darmos passos incisivos rumo à convergência real, que é a última oportunidade devido à sua dimensão e que - o Sr. Ministro dirá que estas são palavras de pessimista, mas serão, porventura, palavras de quem vê com realismo a evolução institucional, previsível no quadro da União - é a última oportunidade de quem dificilmente vê que, no futuro, alguma vez mais se verificarão as condições institucionais para que um apoio a Portugal, desta dimensão ou parecida, possa novamente ser concedida.
Assim, preparemos o País, mobilizemos o País para que perceba que esta é a última oportunidade - e o Sr. Ministro diz que é a maior mas eu direi que é a última - para levarmos a sério este auxílio e esta hipótese de desenvolvimento que a Euroa nos dá.
Faço aqui uma crítica semelhante à que foi feita pelo Partido Comunista- aliás, é curioso que seja este partido a falar da necessidade de mobilização e de participação e a acusar o Governo de excessivo centralismo e de excessivo planeamento...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sempre o fizemos!

O Orador: - Mas a verdade é que nós próprios também gostaríamos de ter visto esta matéria mais debatida, mais participada e de ter visto mais mobilização em seu torno.
Sr. Ministro, devo dizer-lhe que, neste momento, a principal sensação com que se fica é a de que não foi feito um debate suficiente sobre os resultados da aplicação do I QCA e que as informações e a análise detalhada deste não são suficientemente conhecidas do País nem especialmente conhecidas desta Câmara. De facto, esta Câmara não tem as informações suficientes para fazer uma avaliação detalhada e com conhecimento de causa do que significou o I Quadro Comunitário de Apoio.
Por fim, se confrontarmos o volume da canalização de fundos comunitários para Portugal com a evolução das taxas de crescimento do PIB, ainda que alguém tivesse dúvidas, nesta comparação torna-se claríssimo que os fundos comunitários pouco significam se as políticas sectoriais internas não forem cuidadas, se não forem competentes, se não forem seguidas com o sentido do desenvolvimento do País, se não acabarem os desperdícios na própria Administração Pública. Era esse sentido que gostaria de ver profundamente assumido pelo Governo neste momento.
Por último, também já se sabe que, em matéria de fiscalização e de acompanhamento, as estruturas e as regras que existiam não servem completamente. Tudo isso, Sr. Ministro, do ponto de vista do CDS-PP, tem de mudar. Tem de mudar, nomeadamente, o sistema de fiscalização da aplicação dos fundos, que tem de passar a ter regras mais flexíveis, mais operacionais e mais realistas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de responder já às questões formuladas por estes dois Srs. Deputados.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, estão já na nesta Câmara, no Gabinete do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, 10 volumes ou colecções de todos os elementos disponíveis.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Gosto muito do Sr. Secretário de Estado, mas eu não os tenho!

O Orador: - Além do mais, gostava de esclarecer o seguinte: na noite de domingo, antes da cerimónia realizada no Centro Cultural de Belém, estivemos a fazer afinações de última hora- terá oportunidade de encontrar, nos textos que foram enviados para cá, algumas correcções feitas à mão. Como não foi materialmente possível ter tudo pronto até hoje e não estão feitas as edições finais, a Câmara vai receber versões provisórias, especialmente do Quadro Comunitário de Apoio.
Temos de salientar que este é o primeiro momento em que se reúne o Plenário e, por isso, o Sr. Deputado António Lobo Xavier tem toda a razão quando diz que esta participação é um símbolo ou uma atenção que, naturalmente, entendo que é devida, pelo respeito que a Câmara me merece.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, portanto, na primeira oportunidade, aqui me têm, em nome do Governo, a explicar os resultados do que foi uma longa negociação, felizmente bem sucedida.

Aplausos do PSD.

É evidente que esta «queixa» da participação é uma «queixa» recorrente. Foram realizadas centenas de reuniões - pessoalmente, participei em dezenas - de preparação do PDR; desloquei-me ao Parlamento para discutir as grandes opções, as opções estratégicas que foram discutidas e aprovadas, bem como às comissões para as tratar longamente com os Srs. Deputados. Só não foram discutidas mais longamente porque não quiseram! A verdade é que me dispus a fazer todas essas trocas de impressões, a esclarecer e a justificar todas as escolhas que foram feitas.
Portanto, se não se fez mais, não tenho qualquer peso na consciência porque sempre estive disponível para prolongar e aprofundar tudo aquilo que disse.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, a cerimónia em Belém - para a qual, aliás, foram convidados membros destacados desta Câmara, como todos os Presidentes dos grupos parlamentares, os Presidentes das Comissões Parlamentares de Assuntos Europeus, de Economia, Finanças e Plano e de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, alguns estiveram presentes e outros não puderam estar! - foi, seguramente, uma cerimónia digna e solene, mas não uma cerimónia com pompa e circunstância. Justificava-se até, em termos europeus, que fosse, uma vez que estamos com mais de três meses de avanço em relação a qualquer outra. De facto, era emblemático para nós e também importante para a Comissão e para a Comunidade que se mostrasse o resultado de uma aplicação séria no exercício da parceria e na afinação de um programa que é comum, bem como naquilo que vem a ser, seguramente, um exercício pioneiro de colaboração com a Comissão, que não significa, de maneira alguma, dependência.
Conseguimos fazer vencer a nossa estratégia, vimo-la completamente aceite e incorporada no Quadro Comunitário de Apoio, redigido pela própria Comunidade, de maneira que não há qualquer espécie de subserviência nem de dependência mas, sim, naturalmente, a conjugação equilibrada e difícil entre os princípios [...] parceria e da subsidariedade.
No que respeita à gestão, o Sr. Deputado está enganado porque ela não é centralizada! De facto seríamos muito imprudentes se não tirássemos as vastas gens nem as lições do que foi a primeira das gestões.
Tivemos de gerir e coordenar 60 ou mais programas só no âmbito do FEDER tínhamos 14 000 projectos. Sempre que era preciso mudar recursos, de um programa para outro, era necessário reunir a comissão acompanhamento respectivo, o que demorava e tomava tempo, para além de ser obrigatória a presença de membros da Comissão. Assim sendo, seríamos [...] pouco avisados se não tirássemos as lições e não corrigíssemos aquilo que fizemos antes.
Deste modo, ao reduzirmos os programas regionais para sete - cinco no continente e mais dois nas autónomas -, significa apenas que queremos maior operacionalidade. Mas, então, pedem flexibilidade? É o que estamos a querer fazer. E pedem celeridade? Foi, exactamente, o que quisemos fazer, o que justificámos e invocámos nas nossas negociações para ter um sistema em que haja uma parte nacional muito mais interventora do que aquela que caberá à parte comunitária.
Sr. Deputado, quanto às estatísticas do EUROSTAT, devo dizer-lhe que elas foram feitas com metodologias diversas. O Instituto Nacional de Estatística explicou 19 próprio EUROSAT que aquelas metodologias não podem ser usadas para comparar todos os países, uma vez que há heterogeneidade na maneira de considerar os valores. Esperamos que haja uma correcção, IRM, desde já, posso assegurar-lhe que há, efectivamente, uma redução das disparidades regionais feita por consultores nossos, que também são consultores de instituições internacionais e que não têm qualquer vício nem suspeita.
Na realidade, há uma redução das disparidades Mas, se me perguntar: «Está contente?», respondo-lhe que não estou nada contente, pois quero que ela seja muito mais acentuada. A redução das disparidades regionais tem de prosseguir e vai prosseguir através de comportamento das redes rodoviárias que é, seguramente, o maior e mais determinante instrumento capaz de fazer com que haja atenuação das assimetrias.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Sr. Ministro é claro que a gestão do seu tempo pertence-lhe, em todo o caso, chamo a atenção para esse aspecto.

O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir já, que mal seria se os novos empregos não fossem caros e, portanto, mais especializados.
Sr. Deputado António Lobo Xavier, questões que colocou já foram referidas, de dizer-lhe que estou muito de acordo quando este Quadro Comunitário de Apoio é irrepetível na dimensão e na atenção que teve. No ano 2000 começará um outro porque, infelizmente, não vamos estar de nível da média comunitária, mas ele não terá nem os meios nem o interesse com que este foi seguido.
Por outro lado, em relação à avaliação do I Comunitário de Apoio, devo dizer-lhe que ela curso e que, portanto, o encerramento das contas só será feito em 30 de Junho do ano que vem - documentos e relatórios de coisas já acabadas já [...] estão, na Assembleia da República, e há ainda [...]

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[...] que estão em curso-, ou seja, a apreciação final só deverá ser feita daqui a 15 meses. De qualquer das formas, podem consultar a avaliação feita pela Comissão, no próprio texto do Quadro Comunitário de Apoio.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, do Planeamento e da Administração do Território, .este Quadro Comunitário de Apoio duplica, ao longo do seu período de vigência, as verbas postas pela União Europeia à disposição de Portugal.
O PS congratula-se com isso e com o facto de, por via da implementação de uma filosofia de coesão económica e social, se oferecerem a Portugal oportunidades únicas para o seu desenvolvimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como o Sr. Ministro bem sabe, os socialistas europeus bateram-se, a nível de Parlamento Europeu e antes da Cimeira de Edimburgo, pela duplicação dos fundos estruturais e pela criação do Fundo de Coesão. E esta filosofia de coesão económica e social é expressa, emblematicamente, pela figura do Presidente da Comissão, Jacques Delors.
Queria, de facto, sublinhar quão importante é para o desenvolvimento do País a duplicação destes fundos.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Também queria chamar a atenção do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território para algumas questões.
Em primeiro lugar, em matéria de questões de natureza procedimental, o Sr. Ministro disse que iodos conhecemos o conteúdo deste documento, tendo o PCP e o CDS-PP levantado objecções a este propósito.
Mas o que quero dizer-lhe, como bem sabe, é que a execução deste Quadro Comunitário de Apoio tem reflexos directos nas execuções orçamentais para o período entre 1994 e 1999. E, por essa via, pelo facto de não ter sido discutido e aprovado previamente nesta Câmara, o Governo está a contornar a obrigação constitucional de discussão e aprovação do Orçamento do Estado, na medida em que condiciona os futuros exercícios orçamentais até 1999.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Esta é uma questão procedimental, mas é importante, que só uma verdadeira lei de acompanhamento da acção do Governo poderá vir a colmatar porque, de facto, este é um exemplo claro do chamado défice democrático e de desrespeito de imperativos constitucionais.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - O PS não vai levantar questões a esse Propósito, mas chama a atenção para a necessidade de verdadeira lei de acompanhamento nesta matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também queria transmitir-lhe a nossa preocupação fundamental em matéria de crescimento e emprego. Neste ponto, as projecções são manifestamente insatisfatórias e, aliás, contraditórias.
Tive acesso a dois documentos preparatórios e, num deles, falava-se de um impacto de criação de 100 000 novos postos de trabalho, avaliando, os técnicos comunitários, as estimativas em 50 000 postos de trabalho; contudo, numa outra versão, isto aparece, praticamente suprimido. Onde é que, de facto, estamos: em 100 000 ou em 50 000?
Acresce ainda que a reestruturação do sector agrícola vai libertar mão-de-obra e, portanto, não vai haver criação de emprego. Mais ainda: nos últimos meses, verificou-se a perda de mais de 30000 postos de trabalho. Pergunto: para onde é que vamos, em matéria de emprego, no fim do período da execução do Quadro Comunitário de Apoio?
Quanto à participação, Sr. Ministro, em que termos é que a Associação Nacional de Municípios e as associações regionais de municípios vão ser associadas à vigilância e ao seguimento dos 16 programas operacionais e dos 7 programas de incidência regional? Esta é uma questão que gostaria, de ver aqui respondida.
Ainda relativamente ao grosso das críticas feitas ao I Quadro Comunitário de Apoio, as comissões e a avaliação comunitária indicaram que o handicap fundamental, em matéria de competitividade da economia portuguesa, se traduzia num muito baixo nível em matéria de formação e qualificação de força de trabalho. Ora, o II Quadro Comunitário de Apoio desce as despesas em educação de 6,2% para 4,2% e,...

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... em matéria de investigação e desenvolvimento, de 1,4% para 1,2%. Será que não se aprendeu com os resultados do I Quadro Comunitário de Apoio?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração de Território, em primeiro lugar, queria felicitar, na pessoa do Sr. Ministro e da Sr.ª Secretária de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional, o Governo pelo êxito destas negociações com a Comunidade e pela sua projecção no Plano de Desenvolvimento Regional e nos planos sectoriais que se integram neste Quadro Comunitário de Apoio.
Exactamente por haver aqui uma vertente regional acentuada, é que a questão que vou colocar a V. Exa tem a ver com as regiões autónomas.
Conhecida a situação financeira das regiões autónomas e a escassez de recursos financeiros para garantir a parte nacional de co-financiamento nestes projectos com apoio comunitário e face ao que vem referido no Orçamento do Estado, especialmente em relação à comparticipação nacional dos sistemas de incentivos financeiros com co-financiamento comunitário de apoio ao sector produtivo de âmbito nacional respeitante às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, quero [...]

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[...] perguntar-lhe, muito concretamente, se essa comparticipação será assegurada nas mesmas condições dos projectos do continente por verbas do Orçamento do Estado ou dos orçamentos privativos dos fundos e serviços autónomos.
Como me parece que esta questão vem sendo posta em causa, gostaria que V. Exa me esclarecesse se, efectivamente, vai ser assegurado às regiões autónomas o apoio financeiro, por via do Orçamento do Estado, de forma a que os nossos projectos com apoio comunitário não possam ser minimamente afectados ou comprometidos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Ministro, ainda tem mais um pedido de esclarecimento, do Sr. Deputado André Martins, a quem dou a palavra.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, face à intervenção que produziu, seríamos nós, certamente, os primeiros a saudar o Governo por ser o primeiro governo de um país da Comunidade a apresentar o Plano de Desenvolvimento Regional e a ver aprovado o II Quadro Comunitário de Apoio, se não tivéssemos grandes reservas relativamente à forma como foi elaborado tal plano e fortes preocupações relativamente à forma como vão ser geridos os programas operacionais.
Dizemos isto, Sr. Ministro, porque consideramos que, em Portugal, o Plano de Desenvolvimento Regional foi elaborado num quadro de profundo défice democrático. É verdade Sr. Ministro!
Temos este entendimento, porque a própria Constituição da República determina, desde 1976, que deveriam ser criadas as regiões administrativas, que são as representantes dos próprios interesses regionais, às quais cabia a elaboração dos planos de desenvolvimento regional.
Assim sendo, na elaboração de um plano de desenvolvimento regional em termos nacionais, caberiam as contribuições dos órgãos das regiões administrativas - se elas estivessem criadas - em representação dos interesses regionais, designadamente de quem tem capacidade para dinamizar o desenvolvimento nas regiões a serem criadas.
É por isso que temos grandes reservas relativamente à forma como foi elaborado este Plano de Desenvolvimento Regional e por que dizemos que foi elaborado, efectivamente, num quadro de um profundo défice democrático.
Por outro lado, Sr. Ministro, temos profundas preocupações relativamente à forma como vão ser geridos os fundos na aplicação ou no desenvolvimento dos programas operacionais.
Também aqui uma das razões dessas preocupações é a não existência de representantes regionais, directamente eleitos, dos interesses dessas populações, para acompanharem a aplicação dos fundos aos programas e projectos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Reconhece o Governo, designadamente o Ministério do Planeamento e da Administração do Território, de que V. Exa é titular, que a aplicação do I Quadro Munitário de Apoio agravou determinadas assimetrias regionais? Isso é até reconhecido na introdução próprio livro elaborado pelo seu Ministério.
Essas assimetrias são visíveis e alguns muito claros. Por um lado, verificamos que continua a acentuar-se a desertificação e o despovoamento das regiões do interior, com as consequências que isso no aproveitamento das potencialidades destas regiões e, por outro, que se vêm agravando as condições e a qualidade de vida das populações do litoral, designadamente, a degradação do ambiente no litoral, por força do acumular de tensões e de pressões nesta região do País.
Naturalmente que isto são condicionantes extremamente fortes que o I Quadro Comunitário de Apoio tal como o documento elaborado pelo Ministério do Planeamento e da Administração do Território refere, que, fizeram com que ele não conseguisse ultrapassar esta situação, antes, pelo contrário, agravou algumas situações.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir, porque já ultrapassou largamente o tempo.

O Orador: - Sr. Ministro, o que é que este Quadro Comunitário de Apoio vai rectificar relativamente às opções feitas pelo anterior e pelo primeiro Plano de Desenvolvimento Regional para que se evitem estas situações e para que, efectivamente, o futuro deste país seja salvaguardado, não no sentido de, como o Sr. Ministro diz, ser irrepetível esta situação do aproveitamento dos fundos comunitários, porque pensamos que deve continuar a reivindicar da Comunidade no sentido de ela continuar a contribuir para ultrapassar a situação de Portugal relativamente aos países desenvolvidos da Comunidade.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, nos dois minutos que tem disponíveis, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, vou tentar sã telegráfico para responder a todas as perguntas.
Sr. Deputado José Lamego, não me perece que lenha havido questões de défice democrático. Houve sim, plena participação.
Em relação à questão do crescimento do emprego, devo dizer-lhe que, efectivamente, o próprio relatório da Comissão diz que, tendo-se seguido duas metodologias diferentes, uma englobando empregos temporários e outra não, há uma variação grande no modelo seguinte pela Comissão; no entanto, no nosso modelo, não há uma variação tão grande.
É evidente que estes empregos são os que no final do período e não os que se criam no período transitório em matéria de obras públicas e civil. Naturalmente que estamos muito preocupados, tal como toda a gente, por alguns dos sectores, especialmente os desempregados de longa duração, não terem a possibilidade de reformulação das suas próprias qualidades.
O que acontece é que estes empregos, para serem sustentados e permanentes, são muito mais caros de criar do que os antecessores, por isso tinham de ser em menor número. Portanto, a comparação que metade do dinheiro, criaram-se 80, então, com o [...]

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[...] do dinheiro ou com o dinheiro que agora temos, deverão criar-se 100 - não está em proporção. E mal fora se estivesse, porque significava que não estávamos a progredir em matéria de produtividade e de consolidação de um outro tipo de emprego.
Quanto à questão da participação, devo dizer-lhe que as autarquias estão nos comités de acompanhamento e de gestão dos programas regionais, acompanham quer a parte mais pequena da gestão quer as grandes linhas da evolução do Quadro Comunitário de Apoio, pelo que penso que há uma boa representação de todos os agentes nos comités de gestão e nos comités de acompanhamento.
Não posso deixar de estar mais de acordo com a sua preocupação relativa aos recursos humanos, mas quero dizer-lhe que deve ter feito mal as contas, porque as áreas prioritárias de actuação estão aqui no resumo e só os recursos humanos levam 24,5%. Agora, o que não pode é fazer as contas só para a educação ou só para a formação, tem de somar as verbas para educação, para a formação e para a ciência e tecnologia, chegando, assim, à maior das prioridades, cerca de 25%, que é o que destinamos aos recursos humanos.
Sr. Deputado Guilherme Silva, as regiões autónomas têm na capitação uma parcela muito importante dos meios. E a Madeira, por razões que estão muito relacionadas com o Fundo de Coesão, leva mesmo a maior capitação, por causa deste esforço muito intensivo que tem de ser feito para a ligação, através do aeroporto de Santa Catarina, de acordo com as prioridades definidas pelo Governo regional. Isso faz com que a Madeira, quando se faz a avaliação per capita, seja aquela que mais vai beneficiar deste Quadro Comunitário de Apoio.
Temos é de arranjar mecanismos para associar todos os agentes, porque, como tem sido dito- e, muitas vezes, muito bem- há que carrear todos os meios para a execução do Quadro Comunitário de Apoio, de partilhar e de ver o interesse de todos na consecução de cada uma das acções.
De qualquer das formas, o que posso dizer é que as regiões autónomas saiem muito bem tratadas neste Quadro Comunitário de Apoio.
Sr. Deputado André Martins, V. Exa voltou novamente à questão da falta de participação. Quantas vezes já referi e demonstrei que não houve falta de participação?!
Vem também com fantasmas para o futuro, com preocupações com a forma como vai ser gerido este I Quadro Comunitário de Apoio, mas há-de ver que ele há-de correr tão bem como o anterior.
Referiu ainda algo que em parte não é verdade e em í parte tem justificação, ou seja, a relação entre a aplicação do I Quadro Comunitário de Apoio e o agravamento das assimetrias regionais.
Fizemos um estudo em que demonstrámos, por um índice sintético que teve mais do que 23 variáveis, que há, efectivamente, em globo, uma redução.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Peço-lhe que conclua, Sr. Ministro.

O Orador: - Visto num indicador ou noutro há, efectivamente, agravamento.
As suas preocupações com a desertificação são também nossas, tenho-o dito muitas vezes. Vejo que até formulações que são de discursos meus e não deixar de estar mais de acordo com elas. Muito obrigado pela atenção com que os lê!
Vejo que há, naturalmente, uma consonância com a preocupação do mundo rural. A nós também nos merece uma grande preocupação, mas há que resolver, simultaneamente, as duas coisas, o que é de um equilíbrio complicado.
Disse também que Portugal deve continuar a reivindicar recursos. Não posso deixar de estar mais de acordo consigo, vamos continuar a reivindicá-los, sempre o fizemos. Oxalá, no futuro, sejamos tão bem sucedidos como o fomos desta vez!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, e Sras. e Deputados: Na passada segunda-feira, 28 de Fevereiro, foi assinado, no Centro Cultural de Belém, o II Quadro Comunitário de Apoio (QCA) para Portugal, aprovado poucos dias antes pelo Colégio de Comissários da União Europeia, que dará um significativo contributo para reduzir o fosso ainda existente entre a economia do nosso país e as economias mais desenvolvidas da Europa.
Começo por recordar-será ainda necessário?!- que, se os QCA têm como objectivo central reforçar a coesão económica e social entre todas as nações que constituem a União Europeia...
Neste momento, ouviram-se vozes de alguns assistentes presentes numa das galerias destinada ao público, dizendo: «Fora! Fora!»

O Sr. Presidente: - Srs. Agentes da Autoridade, agradeço que façam sair das galerias as pessoas que se manifestaram.

O Orador: - Vejo que ainda há jovens que não são pela coesão económica e social.
Estava eu a dizer que, para além de assegurar a coesão económica e social, os quadros comunitários de apoio servem também para dinamizar a recuperação económica, via investimento e criação de postos de trabalho.
São cerca de 3300 milhões de contos ao longo de cinco anos, a que haverá a acrescentar as chamadas «iniciativas comunitárias» e a recentemente anunciada, na sequência do Acordo do GATT, Iniciativa para o Sector Têxtil Português, para além dos empréstimos do BEI, tudo quase atingindo os 5000 milhões de contos até ao fim do século XX.
A que se deve este enorme apoio financeiro a Portugal? Antes de mais, à credibilidade já auferida pelo Governo português na gestão e aplicação do I Quadro Comunitário de Apoio.
Começo, assim, por felicitar, em nome do Grupo Parlamentar do PSD e no meu próprio, o Governo e, em especial, o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território e a Sr.ª Secretária de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional, bem assim como a Administração Pública e os demais negociadores portugueses, pelo modo e pela rapidez com que negociaram e pêlos resultados atingidos na fixação dos 16 programas operacionais do QCA, respondendo a todos os quesitos solicitados pela Comissão Europeia.
Mas, repito, esses excelentes resultados devem-se, antes do mais, à credibilidade atingida pêlos portugue- [...]

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[...] ses, conforme, por exemplo, se depreende ainda agora do discurso do Comissário Bruce Millan quando destaca, relativamente aos últimos cinco anos, «que no fim de 1993, todos os fundos cometidos a Portugal tinham sido executados; que o PIB português cresceu de 53% para 58% da média comunitária; que houve um considerável impulso nas infra-estruturas no nosso país, particularmente nos sectores dos transportes, da energia e das telecomunicações (e sabe-se como são sectores vitais para aproximar as regiões mais atrasadas dos centros mais desenvolvidos); e que mais de 8 000 projectos industriais foram apoiados».
Estas são palavras bem elucidativas do responsável pela política regional da Comissão Europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, os apenas sete meses que mediaram entre o início e o fim das negociações em Bruxelas, com centenas de especialistas portugueses, comunitários e de gabinetes de auditoria internacionalmente credenciados, todos plenamente envolvidos, foram determinantes para não interromper, significativamente, o poderoso ritmo de investimentos iniciado no I QCA.
A nível nacional, e ao contrário do que a oposição quer fazer crer, houve diálogo, debate e auscultação de todas as partes interessadas. Foi um intenso e diversificado diálogo estabelecido a nível interno, com as audições aos autarcas, às autoridades das regiões autónomas, aos parceiros sociais, às forças mais intervenientes no processo e com diferentes sensibilidades da sociedade civil portuguesa. Até aqui, no Parlamento, quer em Plenário, quer em comissões, o Governo disponibilizou-se em ouvir todos os comentários e todas as sugestões construtivas.

Aplausos do PSD.

Portugal foi o primeiro Estado membro a apresentar o seu Plano de Desenvolvimento Regional e foi o primeiro a ter a satisfação de o ver aprovado. E diz o povo, c bem, que «candeia que vai à frente ilumina duas vexes».
O Sr. Ministro já aqui desenvolveu, e muito bem, os grandes perfis e objectivos do QCA, inserido no Plano de Desenvolvimento Regional, consubstanciado numa ideia força que é a de «preparar Portugal para o Século XXI».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os objectivos do QCA para Portugal ficam agora bem definidos e são a resposta eficaz aos que vivem das lamentações e de um permanente hipercrilicismo, oriundo da pior tradição passadista portuguesa, caricaturada por Camões na figura do «velho do Rostelo».

Aplausos do PSD.

Infelizmente, o maior partido da oposição tem-se mantido nesse hipercriticismo, desconhecendo-se da sua parte qualquer alternativa construtiva e coerente, não obstante os vários desafios que lhe foram sendo feitos.
Foi assim quanto ao I QCA, como já havia sido assim quando dos programas de convergência que Portugal também apresentou em Bruxelas, com elogios bem claros das autoridades comunitárias.
Nem um lampejo de criatividade» revelador de uma verdadeira alternativa à política e às opções do Governo. Afinal de contas, nem na convergência nominal nem na convergência real - que é do que afinal se trata agora - o PS, como os outros partidos da oposição, provaram ser alternativa ao PSD. Agora, como no médio prazo!
Mas, neste momento particularmente importante para assegurar o melhor futuro aos portugueses e a Portugal, devemos ter esperanças, reforçadas pelas agora congratulações expressadas pelo Sr. Deputado José Lamego, de que esta oportunidade do nosso país de dar o salto qualitativo não seja desperdiçada.
Posso anunciar, nesta Câmara, que o PSD consensualizará, no quadro da Comissão dos Assuntos Europeus, uma forma de institucionalizar o acompanhamento mais próximo da execução deste Quadro Comunitária de Apoio.

Aplausos do PSD.

Com a sociedade civil a assumir um protagonismo nunca antes demonstrado, aguardamos, sinceramente que a oposição tenha um mínimo de sentido de Estado para cooperar patrioticamente no reforço das condições que permitam o integral aproveitamento dos fundos comunitários e demais apoios financeiros, porque o rigor e a selectividade vão ser acrescidos, porque não teremos, nos próximos anos, outra oportunidade como esta, porque, afinal de contas, o esforço financeiro de origem interna vai ser elevadíssimo e não nos devemos esquecer que as remessas dos emigrantes - tradicional e predominante fome de financiamento externa nas últimas décadas - já não tem o valor quantitativo do passado.
E, já que falamos nus comunidades portuguesas nu estrangeiro, podemos afirmar que, com este QCA, elas vão ter oportunidade para verem o seu país com mais orgulho.
Não há ideia mais falsa do que aquela que vem repetindo o Secretário-Geral do PS, segundo a qual as ajudas comunitárias entrarão, minuto a minuto, sem quaisquer contrapartidas nem qualquer selectividade Em suma: «Sem rei nem roque».
Essa ideia é muito prejudicial para o nosso projecto de modernização do País e refutamo-la energicamente. Até nessa postura pedimos à oposição, em nome de quem nos elegeu, que tenha uma visão de Estado e que não repita atitudes do passado que prejudicaram a boa imagem que o nosso país merece na Europa.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acreditamos que deste QCA possa iniciar-se uma etapa decisiva no encontro de Portugal com uma Europa respeitadora das suas diversidades, preocupada com as injustiças e onde identidades nacionais possam ser reforçadas, um crescimento económico possa dispor da uma nova ca quanto à melhoria e reparação dos equilíbrios ambientais, como ainda ontem acabámos de mais uma visita do Grupo Parlamentar do desta vez com a responsável pelo Ministério do Ambiente, grande beneficiário do novo Fundo de Coesão.
Temos uma ideia cada vez mais clara que o nosso País, com muito trabalho, e sem esmorecer perante as muitas dificuldades que ainda se antevêem, está a mudar para melhor. A aprovação e a execução do novo Quadro Comunitário de Apoio para 1994/199? é mais uma prova disso.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros de Governo, Srs. Deputados: Foi assinado anteontem o II Quadro Comunitário de Apoio (QCA).

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Vão ser disponibilizadas para Portugal pela Comunidade, no período de 1994 a 1999, o dobro das verbas que o País recebeu no âmbito da vigência do I Quadro Comunitário de Apoio.
Esta é uma oportunidade soberana para Portugal abrir horizontes de futuro, de um futuro que não seja a condenação irremediável ao imobilismo e à descrença nas próprias capacidades.
Como vê, por esta minha introdução, Sr. Deputado Rui Carp, o senhor é como D. Quixote ...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Quem dera que fosse...!

O Orador: - ... que combate contra moinhos de vento, julgando que são cavaleiros e caricatura o seu adversário para melhor o poder combater, mas a caricatura não é minimamente verdadeira!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Já me referi ao senhor como excepção!

O Orador: - O PS congratula-se com facto de o Pacote Delors II oferecer a Portugal e aos restantes países da coesão oportunidades de aproveitamento integral das vantagens de integração comunitária.
No entanto, sem Jacques Delors e os socialistas europeus não teria havido duplicação de fundos estruturais, não teria havido a criação do Fundo de Coesão, a Europa teria abandonado a filosofia da coesão económica e social e navegado em concepções mercantilistas e livre-cambistas, cujo resultado seria, inevitavelmente, o acréscimo de disparidades entre ricos e pobres, sejam eles países, regiões ou indivíduos.
Lembro-lhe, Sr. Deputado Rui Carp, que o Sr. primeiro-ministro até à Cimeira de Roma era contra a filoso-3 Ha da coesão económica e social e contra o aprofundamento e estava junto da Sr. Thatcher a defender...

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - ... uma concepção estritamente livre-cambista da construção europeia.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado Rui Carp, o PS não Precisa de lições em matéria de sentido de Estado e relativamente à política europeia temos dado sobejas Provas de que abdicamos de vantagens políticas e medidas em nome daquilo que pensamos serem os interesses permanentes do Estado português.
Esta oportunidade soberana não pode ser desperdiçada, nem pelo miserabilismo e pela descrença dos que julgam que Portugal não tem horizontes e a Europa já não vai a lado nenhum, nem pelo ritual auto-propagandístico de celebração da «democracia de sucesso» a que o Governo e o PSD se costumam entregar repetidamente.
É preciso reconhecer as vantagens e oportunidades propiciadas a Portugal pela integração europeia. Mas é preciso, igualmente, ter em conta que esta é a última oportunidade de adaptação e não repetir os actos praticados durante o período da vigência do I Quadro Comunitário de Apoio, começado em 1989.
O País sai desse período com um enorme sentimento de frustração e com a convicção crescente de que se entrou decididamente numa fase de esgotamento do ciclo político e económico iniciado em 1985.
A partir de 1990 deixou de ser possível manter ritmos elevados de crescimento económico. Em 1991 falha o objectivo de crescer mais de um ponto percentual em relação à média comunitária e inicia-se uma fase de cepticismo quanto à possibilidade de Portugal reduzir a distância que o separa dos níveis médios de desenvolvimento da Comunidade.
Segundo a OCDE, Portugal é o País membro que regista uma queda mais abrupta do produto industrial no período entre 1990 e 1993.
Particularmente incompreensível é o facto de serem exactamente nas áreas onde os fundos comunitários foram mais abundantes que os resultados são mais frustrantes- a ruína da agricultura e das pescas são o sinal mais evidente do fracasso de uma política de ajustamento. A reforma da PAC, a «flor da lapela» da presidência portuguesa da Comunidade e os acordos GATT vão ser o acelerador de uma crise que o Governo só a muito custo vai conseguir deter.
Em 1993, quando era já para todos evidente a situação de falhanço relativamente aos objectivos almejados para o período subsequente a 1989, não se procedeu a qualquer reflexão sobre os estrangulamentos que estiveram por detrás do primeiro QCA e das inovações a introduzir no segundo para os ultrapassar.
Sob o ponto de vista dos procedimentos, persistiu-se nos vícios secretistas e burocráticos. Este QCA é, uma vez mais, um arranjo entre a burocracia de Lisboa e a burocracia de Bruxelas.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - É mentira!

O Orador: - Arranjo que, por vezes, vai ao ponto de omitir números e estatísticas menos abonatórias, como, por exemplo, as relativas ao impacto na criação de novos empregos: na primeira versão do documento, testemunhava-se a divergência de apreciação do Governo português e dos técnicos comunitários- 100 000 segundo os primeiros, 50 000 de acordo com os segundos; na versão subsequente, por via das dúvidas, omite-se a passagem respectiva. Nesta técnica de trincagem, os planificadores soviéticos não teriam feito melhor!...

Risos do PS.

Seja como for, e tendo em conta que a reestruturação do sector agrícola vai libertar forçosamente mão-de-obra, o Governo vai ter dificuldade em cumprir a promessa de criar os 100 000 novos postos de trabalho de que o Sr. primeiro-ministro se vangloriava na carta que profusamente distribuiu aos Portugueses. Aqui, como noutras coisas, vai muito provavelmente ficar-se pelas promessas!
Quanto à realidade, em matéria de emprego, vamos continuar a confrontar-nos com cerca de 30 000 novos desempregados mensais, de modo consecutivo e inin- [...]

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[...] terrupto. Aquilo de que o Sr. primeiro-ministro se vangloria como indicador do êxito das suas políticas económicas, os níveis do desemprego, constitui para o PS o índice mais clamoroso do falhanço deste Governo. Apreciações diferentes, filosofias díspares, sensibilidades opostas, as nossas e das do PSD.
A estratégia de adaptação e a filosofia da convergência seguida por este Governo não é apenas socialmente injusta; é economicamente ineficaz! O espartilho de uma política financeira errada, seguida em período de pré-recessão, não criou apenas mais falências e mais desemprego; estimulou a evasão fiscal, diminuiu a base contributiva, agravou o défice orçamental e estrangulou a economia real!
Alguém tem hoje dúvida de que as projecções feitas pelo PS em 1992 se comprovaram integralmente e que o Governo, inebriado por um optimismo insensato, é altamente responsável pela situação de dificuldade em que a economia hoje se encontra?
Uma última nota relativa ao conhecido tique de central burocrático deste Governo. O segundo QCA opera uma profunda recentralização da gestão de programas e da execução da despesa.
A esta luz, talvez seja mais fácil de entender a estratégia do Governo e do PSD relativamente à Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP): arvorou primeiro em objectivo das eleições autárquicas o ganho da maioria das câmaras, para ter a presidência da Associação; frustrado esse objectivo, pela derrota autárquica, o PSD ordenou aos seus autarcas o abandono da ANMP.
A esta lógica de confrontação com o poder municipal não era alheia, como hoje se torna evidente, a estratégia de governamentalização da execução do segundo QCA e a gestão dos fundos comunitários em obediência às necessidades do ciclo político-eleitoral.
Não se compreende que a ANMP não tenha representantes seus em todos os comités de acompanhamento dos 16 programas operacionais e que não haja representantes de associações regionais de municípios nos sete programas operacionais regionalizados. Essa presença seria absolutamente indispensável, como Forma de assegurar uma ligação mínima entre os poderes locais e o QCA.
Ligação essa que, todavia, a médio prazo, só poderá ser resolvida com uma efectiva regionalização democrática do País e uma readaptação dos programas operacionais às realidades regionais.
Mas, reconheço, esta é uma exigência incompatível com a filosofia de centralismo burocrático do actual Governo e da actual maioria. Para a satisfazermos vamos precisar de um outro Governo e de uma outra maioria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados Rui Carp e António Lobo Xavier.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Deputado José Lamego, com toda a consideração que sabe que me merece, nem eu me considero D. Quixote nem considero V. Exa Sancho Pança...

O que entendi - e, aliás, fiz-lhe o elogio - foi que V. Exa acabou por congratular-se com a assinatura e a aprovação deste Quadro Comunitário de Apoio, cujo principal responsável é o Governo. E, perdoe-se-me esta comparação que não tem qualquer segundo matéria europeia os senhores Deputados do PS dão uma no «cravinho» e outra na ferradura!.

Risos do PSD

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Resta saber quem é a ferradura!...

O Sr. Hasse Ferreira (PS): - Você só dá no «Cravinho!»

O Orador: - Portanto, nesta matéria ficámos Dor saber qual é o pensamento central do PS quanto às alternativas ao Quadro Comunitário de Apoio.
V. Exa acaba - e muito bem! - de congratular-se com a assinatura deste Quadro Comunitário de Apoio, o que nos felicita, no entanto critica na área processual, não havendo no seu discurso referência a quaisquer alternativas ao mesmo.
Bom, V. Exa falou no crescimento económico, nas tecnologias, mas será que tem outra alternativa mais eficaz do que a que o Governo apresenta no PRD, coesubstanciado na aprovação do Quadro Comunitário de Apoio, em matéria de melhorar a competitividade da economia portuguesa e, simultaneamente, criar mais postos de trabalho?
Será que o PS tem outra alternativa quantificada? Esta é que é a grande questão que se coloca ao PS, como o maior partido da oposição. Se tem, onde é que ele está? Se não tem quando é que dá a mão à palmatória e reconhece que, no fundo - e apesar de tê-lo feito, gostaríamos de ver esse reconhecimento de forma mais institucionalizada-, a boa escolha que o Governo e a Comissão Europeia fizeram quando assinaram esse Quadro Comunitário de Apoio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr Vice-Presidente José Manuel Maia

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Lamego, havendo mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, V. Exa deseja responder já ou no fim?

O Sr. José Lamego (PS) - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha, então, a palavra Sr. Deputado.

O Sr. José Lamego (PS) - Sr. Deputado Rui Carp, de facto, o responsável pela obtenção destas verbas comunitárias é o Governo no quadro que lhe foi criado pelo conjunto de forças políticas na Comunidade Europeia.
E facto que, habitualmente, o Ministério do mento e da Administração do Território vai buscar dinheiro para as políticas financeiras seguidas pelo Governo e pelo Ministério das Finanças, depois o dinheiro que se vai buscar a Bruxelas.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Em matéria de emprego se, de facto, este QCA é o responsável directo pela criação de 50 000 ou 100 000 postos de trabalho, a respectiva é [...]

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[...] te conforme estejamos em Bruxelas ou em Lisboa, dou de barato que assim seja.

O Sr. Rui Carp (PSD):- Barato é que não é!...

O Orador: - Ora, se está a acontecer a perda sistemática mensal de 30 000 postos de trabalho, então, Sr. Deputado Rui Carp, algo está mal neste quadro governativo e político que hoje vigora em Portugal.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, não fiz críticas processuais. Se o senhor acha que exigir uma maior participação das regiões...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Já há!...

O Orador: - ..., apontar para a efectiva regionalização do País e para uma efectiva descentralização financeira e uma desgovernamentalização de todo o processo de execução deste Quadro Comunitário de Apoio, é uma crítica processual, então não poderei continuar a discutir nesse registo.
De facto, há também aqui uma impossibilidade de superação, porque, de facto, numa economia que c de base privada, ninguém tem a ambição de que sejam as injecções de fundos comunitários os principais factores de criação de emprego.
Não estamos a criticar a injecção mas, sim, a criticar o corpo onde se dá a injecção, pois ele está cada vez mais doente pelas políticas financeiras erradas que foram seguidas.

O Sr. Rui Carp (PSD): - E quais as suas alternativas?

O Orador: - Não queremos voltar repetidamente a esse ponto, mas quando foi discutido e preparado o Orçamento do Estado para 1993, o PS fez um determinado tipo de previsões e de projecções económicas que, infelizmente a realidade veio a demonstrar serem certas.

O Sr. Rui Carp (PSD): - E em matéria de inflacção?!

O Orador: - Em matéria de inflação é um sucesso parcial que corresponde também a um abrandamento do crescimento, pelo que não se congratule excessivamente por isso, porque pode ser, ao contrário do défice, um sucesso muito pouco virtuoso.
Portanto, Sr. Deputado Rui Carp, o PS não tinha de elaborar os 16 programas operacionais mais o Quadro Comunitário de Apoio,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Também não de pede tanto!...

O Orador: - ... mas tem dito aqui que não podemos com este tipo de política que privilegia a desinflação economia e um cumprimento nas dos critérios de [...] em detrimento da economia real, do tecido produto e em perda consecutiva de postos de trabalho.
Esta prioridade da economia real é o factor distintivo entre o PS e o PSD!

Aplausos do PS.

Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, assistimos aqui a uma curiosa luta sobre a paternidade dos fundos: para o Sr. Deputado Rui Carp tudo se deve à credibilidade do Governo, enquanto que para o PS - e isto para não ficar atrás - tudo se deve aos socialistas europeus.
De facto, os senhores não ficam atrás nesta disputa, que seria dispensável, do nosso ponto de vista, pois tudo se fica a dever a um período histórico de evolução e a um estádio da construção da União Europeia, que se deseja que não entre por outros trilhos nem caminhos, pois se entrasse isto nunca poderia ter acontecido.
O Sr. Deputado, há pouco, numa questão dirigida ao Sr. Ministro, dizia que este QCA e o PDR, no fundo, significavam um constrangimento orçamental, pelo que pedia que a Assembleia da República fosse ouvida de outra forma, julgo, em mais quantidade e num processo expedito, por forma a poder emitir a sua opinião.
Assim, gostaria de saber se o senhor não tem a noção de que em matéria de comprometimento das finanças públicas e de constrangimento do Orçamento nacional estas políticas já estão completamente absorvidas e condicionadas desde o Mercado Único.
Portanto, não faz sentido, de repente, gritar contra o condicionamento dos orçamentos futuros! Isso é uma fatalidade a que, desde 1986, anualmente assistimos.
Mas se o Sr. Deputado se queixa disso, o que queria saber é até onde é que está disposto a ir em matéria de intervenção da Assembleia da República no controlo das questões comunitárias. O Sr. Deputado está disposto a ir até ao ponto de, por exemplo, emitirmos aqui posições sobre várias questões comunitárias através de resoluções? Ou entende que a falta de acompanhamento de que se queixa se basta com meras idas à Comissão dos responsáveis governamentais e com meros debates esporádicos no Plenário? Até onde está o PS, Sr. Deputado José Lamego, disposto a ir em matéria de acompanhamento?

O Sr. Rui Carp (PSD): - A Bruxelas!...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, agradeço-lhe a pergunta, mas seria absolutamente desnecessária se o CDS-PP tivesse assistido aos debates, na Comissão de Assuntos Europeus, que se vêm realizando há cerca de um ano, para a revisão da Lei n.° 111/88, a chamada lei de acompanhamento. O CDS-PP tem faltado sistematicamente aos trabalhos, pelo que não admira que esteja numa situação de completo desconhecimento da matéria.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ah!... Isso é grave!

O Orador: - É óbvio que o PS não vai, até porque é tendencialmente um partido do Governo, nesta lei de acompanhamento, ter posições não realistas e maximalistas. E óbvio que o PS não vai vincular o Governo e o seu mandato negocial a resoluções prévias da Assembleia da República. Se o Sr. Deputado bem se lembra, ainda na última semana expressámos, muito claramente, isto na Comissão de Assuntos Europeus e estamos a fazer um esforço de convergência, com todos os [...]

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[...] partidos, inclusive com o seu, no sentido de haver uma lei de acompanhamento razoável. Mas há que reconhecer que, apesar dos compartimentos das finanças públicas, esta é uma matéria que afecta os exercícios orçamentais e, naturalmente, uma prerrogativa tradicional da Assembleia da República. Reconheça isto! Mas, aqui, o PS também não tem uma matéria «facilista»!
Quando defendemos a Europa, quando defendemos uma posição europeísta, estamos também a defender os custos dessa posição e, portanto, o exercício partilhado de soberania. Os senhores é que têm mais dificuldade nesse campo.
Quanto ao estado da construção europeia, digo-lhe, muito francamente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, que - e é óbvio - , por todas as razões, não estamos interessados em abrir a linha polémica fundamental entre os nossos partidos. Mas, em matéria de construção europeia, há uma diferença radical entre a posição e a filosofia do PS, que é de coesão económica c social c de aprofundamento da construção europeia, e a posição do CDS-PP, que se restringe estritamente à questão da estadualidade e que tem da Europa a concepção de um grande mercado. Ora, se essas concepções do CDS-PP tivessem vingado, não haveria duplicação de fundos estruturais,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... não haveria fundo de coesão c os diferentes países ter-se-iam refugiado nos diversos egoísmos nacionais. Por isso, Sr. Deputado, há aqui matéria de diferença bastante entre os nossos partidos. A meu ver, a nossa filosofia de política económica c social é a que mais beneficia os quatro países beneficiários da coesão e a que melhor responde aos interesses de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração da bancada.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Tem a palavra.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Lamego, vou usar esta figura regimental, porque, devo dizer, não esperava que o Sr. Deputado se pusesse com considerações sobre a nossa presença ou não na Comissão.

O Sr. José Lamego (PS): - Esta matéria está a ser discutida há um ano!

O Orador: - Em primeiro lugar, se o Sr. Deputado José Lamego quer discutir as coisas a esse nível, dir-lhe-ei que o CDS-PP tem uma participação nas comissões e nos trabalhos desta Assembleia, em termos relativos, muito superior à de muitos partidos.
Em segundo lugar, dir-lhe-ei que quem tem assento nessa Comissão é o Sr. Deputado Nogueira de Brito, que está, há muito tempo, doente.
Penso que esse tipo de considerações não devia ser feito por um Deputado do seu nível, quando, ainda por cima, na minha pergunta, não tinha a intenção de o apanhar em contrapé ou de explorar um ângulo menos explorado. Fiz-lhe a pergunta apenas com a intenção de trazer a debate, não só por razões de coerência m para nos entendermos, uma questão em que, penso senhor está à vontade, que o não atrapalha e aflige Portanto, não percebo a sua reacção ouriçada. Realmente não percebo!
Essa reacção ouriçada até me faria pensar que a questão o incomoda de facto, coisa que, a meu ver, não acontece.
Em terceiro lugar, o CDS-PP também não aceita esses remoques acerca do realismo, quando V. Exa diz que os socialistas são um partido do Governo, e por isso, realistas, e que nós, da oposição, maximalistas em matéria da conservação da soberania e dos poderes da Assembleia da República, somos uns irrealistas. Não aceito este tipo de divisão, porque, como o Sr. Deputado sabe perfeitamente, há sistemas onde o parlamento se pronuncia, através de actos semelhantes ao da nossa resolução, sem que ninguém se ponha aos gritos: «Aqui-d'el-rei, que estamos a condicionar o poder negociai dos nossos governozinhos!». Isso não se passa em França, em Inglaterra, e, no entanto, os parlamentos tomam posição, exprimem-se através de actos com alguma semelhança ao das nossas resoluções, a propósito de questões europeias. Não entendo como c que o facto de um parlamento se pronunciar, através de uma resolução, a propósito de, por exemplo, um projecto de directiva, constitua uma limitação da margem de manobra do Governo.
Mas também lhe digo mais. Se constitui uma limitação da margem de manobra do Governo, é bom que constitua muitas vezes, porque, a meu ver, talvez por esse processo, pudéssemos compensar e equilibrar muitas coisas na construção europeia.
Na opinião do Sr. Deputado, os fundos estruturais ficam a dever-se à questão da coesão económica c social; na minha opinião, eles ficam a dever-se mais à necessidade de convergência.
São, pois, as teses e os critérios de convergência, que, como agora se vê, nada têm a ver com o socialismo, que tornam necessários os fundos, quer se adira à ideia de coesão social, quer se adira a uma outra qualquer. Sem eles não é possível chegar-se àqueles critérios, nem sequer àqueles outros que o PS preferia que estivessem estabelecidos.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, não veja no meu tipo de resposta qualquer acinte, relativamente à bancada do CDS-PP.
Devo dizer-lhe que nós, na Comissão de Europeus, lemos vindo a fazer um imenso esforço que se consensualize uma boa lei de acompanhamento da Assembleia da República. E, neste Plenário, lanço um desejo do Partido Socialista: que o CDS-PP e igualmente o PCP se comprometam na elaboração de uma boa lei, porque queremos, de facto, fiscalizar o Governo, não só este mas também os futuros, dando poderes a esta Câmara para que fiscalize razoavelmente ros governos, mesmo que sejam nossos.
Lançamos este apelo na tentativa de elaboração de uma boa lei, porque não queremos ser acusados de [...]

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fazer qualquer acordo espúrio com o PSD. Foi nesse sentido que respondi de forma um pouco mais firme à sua interpelação, já que senhor não tocou numa questão essencial, que está em discussão na Comissão de Assuntos Europeus, em matéria de poderes da Assembleia da República quanto a estas questões. Respondi oestes termos, de forma a expressar o meu desejo para que o CDS-PP se associe a este esforço de fazermos uma boa lei de acompanhamento.
Quanto à duplicação dos fundos estruturais- e teremos muitas oportunidades para discutir esta matéria, pois vamos entrar numa agenda política que irá ser preenchida com temas, sobretudo, europeus-, eles têm, realmente, a ver com a convergência real e a coesão económica e social e não com a convergência nominal. Isto parece-me óbvio, Sr. Deputado António Lobo Xavier.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados Teimo Moreno, do PSD, com início em 1 de Março corrente, inclusive, e Carlos , Candal, do PS, por um período não inferior a 45 dias, a partir de 2 de Março do corrente, inclusive, respectivamente pelos Srs. Deputados Adão Silva e Helder Oliveira dos Santos Filipe.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Srs. Deputados, está em apreciação.
Visto não haver inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, passemos apreciação do relatório final apresentado pela Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para averiguação do comportamento e das diligências do Ministério da Agricultura face à divulgação de eventuais irregularidades na utilização de fundos comunitários por parte da Cooperativa Agrícola de Torres Vedras [inquérito parlamentar n.° 12/VI (PSD)].
Para uma breve exposição, na qualidade de presidente da Comissão e de acordo com o n.° 4 do artigo 21.° da Lei n.° 5/93, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Papoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, *s. Deputados: Por deliberação da Assembleia da República, de 21 de Abril de 1993, foi constituída a comissão Parlamentar de Inquérito para averiguação do comportamento e das diligências do Ministério da Agricultura, face à divulgação de eventuais irregularidades na utilização de fundos nacionais e comunitários por pane da Cooperativa Agrícola de Torres Vedras.
Tal deliberação foi consequência de denúncia feita nesta Câmara, e fora dela, de eventuais irregularidades na utilização de meios financeiros públicos e depois de o PS ter proposto, sem êxito, a realização de um inquérito mais vasto à utilização de todos os fundos públicos destinados à agricultura, desde 1986.
Tive a honra de ter presidido a uma Comissão que trabalhou arduamente ao longo de sete meses, durante os quais realizou 21 reuniões de trabalho, efectuou diversificadas diligências e procedeu à audição de 27 depoentes.
Os resultados objectivos deste conjunto de acções permitem sustentar, sem qualquer margem para dúvidas, o relatório final e as conclusões que foram tornadas públicas, de onde se destaca a comprovação de que: a Cooperativa funcionou de forma irregular e em contradição com o enquadramento normativo em vigor nas campanhas de 1989/90 e 1990/91; foram inscritos como sócios da Cooperativa e produtores de cereais, sem o seu conhecimento, pessoas que nunca exerceram tal actividade; foram movimentadas verbas em instituições bancárias com base em recibos emitidos com assinaturas falsificadas; a Cooperativa recebeu verbas indevidamente por parte do INGA de montante indeterminado, mas que ultrapassaram largas dezenas de milhares de contos; O INGA, o organismo competente para fiscalizar e controlar os processamentos efectuados pela Cooperativa, apesar de ter realizado várias acções fiscalizadoras, nada ou quase nada detectou.
O simples exame atento e competente da escrituração teria permitido detectar a actuação irregular da direcção da Cooperativa. Além disso, funcionários deste Intitulo permitiram considerar-se adequados procedimentos, que não correspondiam às exigências legais, e, com base nisso, libertar cauções.
Foi ainda possível concluir que o circuito de entrega e recepção de cercais, criado pelo Governo em 1986 e posteriormente alterado, se revelou permissivo, o que, conjugado com a indiciada ineficácia dos serviços de fiscalização, propiciou a actuação dos responsáveis pela Cooperativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e as conclusões finais do inquérito mereceram a aprovação unânime da Comissão, o que, por ser pouco usual, se não mesmo inédito, nos anais da Assembleia da República, prestigia a instituição parlamentar e todos os Srs. Deputados que a integraram, os quais não posso deixar de felicitar pelo empenho e isenção que souberam demonstrar ao longo do desenvolvimento dos trabalhos.
Agradeço-lhes a colaboração que, mesmo nos momentos de maior polémica, nunca negaram a quem teve a incumbência de dirigir os trabalhos, tarefa que foi também facilitada pela prestimosa e competente cooperação dos funcionários que apoiaram a Comissão.
Não posso, igualmente, deixar de mencionar o papel determinante do Sr. Deputado Fialho Anastácio, na qualidade de relator, pelo exaustivo e bem fundamentado projecto de relatório que apresentou e que constituiu a base do consenso que foi possível obter.
Face ao que se expõe, não admira que, como corolário lógico do relatório e das conclusões, tenha sido também possível aprovar por unanimidade o projecto de resolução que a Comissão deliberou submeter à apreciação do Plenário, cujo conteúdo reproduz o essencial das conclusões finais, que é já do conhecimento de VV. Ex.ªs.

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Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Para uma breve exposição, na qualidade de relator e de acordo com o n.° 4 do artigo 21.° da Lei n.° 5/93, tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como relator da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar, cujo relatório final hoje debatemos, quero, em primeiro lugar, enaltecer o empenhamento de todos os Deputados da referida Comissão e a isenção e inteligência do Presidente da Mesa pela forma como conduziu os trabalhos.
Quero também agradecer a colaboração reforçada e muito especial dos funcionários da Assembleia que me prestaram aquando da elaboração deste mesmo relatório.
O Sr. Presidente da Comissão já fez as referências acerca do objecto deste inquérito, da sua razão de ser, da duração da mesma...

Neste momento registaram-se apartes inaudíveis do Sr. Deputado, do PSD, Silva Marques.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite dou a palavra ao Sr. Deputado Silva Marques. Não sei se ele quer produzir alguma intervenção especial.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, estamos atrasados e o Sr. Deputado Silva Marques já está inscrito.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Foram só apartes, se não o incomodo!

O Orador: - Como estava a dizer, o Sr. Presidente da Comissão já referiu o trabalho que houve nesta Comissão, do qual se retiraram as principais conclusões e que foram aprovadas, efectivamente, por unanimidade.
Como relator cabe-me mais, talvez, prestar informações sobre os fundamentos que consubstanciaram e originaram as conclusões finais deste relatório, bem como da votação que o mesmo obteve, quer inclusivamente do projecto de resolução.
Já se disse que os trabalhos decorreram ao longo de sete meses com múltiplas reuniões, que se produziram milhares de páginas e que se procedeu à audição de 27 depoentes.
Numa primeira auditoria realizada na Cooperativa de Torres Vedras, por pressão dos sócios desta e conduzida pela Ernest & Young foram detectados graves indícios de irregularidades na comercialização de cereais na campanha de 1991 por parte da cooperativa.
Alertava-se a direcção da cooperativa para as falhas detectadas que, a repetirem-se poderiam causar problemas graves de ordem legal. Permitia-se o pagamento a alguns industriais de moagem de elevadas quantias pecuniárias, fundamentando tais pagamentos em alegadas entregas de cereais que veio a comprovar-se serem fictícias e aparentemente por utilização abusiva do nome c falsificação das respectivas assinaturas de alguns pseudo-agricultores ou produtores.
Desta auditoria igualmente se concluía que o INGA merecia reparo à forma pouco atenta e negligente como efectuava as inspecções e o controlo da cooperativa.
Este instituto realizou ao longo das campanhas cerealíferas de 1989/90 e 1990/91 acções de controlo, designadamente sobre os subsídios de cereais e pouco ou nada detectou de irregular. E o que detectou não lhe deu a devida relevância.
Permitiu-se este comportamento, o incumprimento da exigência da Portaria n.° 502/90, de 4 de Julho, quanto à necessidade de a cooperativa possuir um sistema de inventário permanente, condição indispensável para que pudesse beneficiar dos subsídios atribuídos pelo INGA.
Esta atitude permitiu a continuação das irregularidades por parte da cooperativa e a impunidade dos infractores, permitindo-se inclusivamente a libertação da caução que este instituto detinha na cooperativa, no valor de 90 000 contos.
O INGA, só depois da denúncia na imprensa, em 21 de Abril de 1992, sobre indícios de irregularidades na Cooperativa de Torres Vedras é que desencadeia o processo para uma auditoria à cooperativa, estabelecendo, passados mais de sete meses, em 28 de Janeiro de 1993, um contrato com a empresa Price Waterhouse para esse efeito.
Como resultado desta auditoria o INGA, concordando com as conclusões e propostas formuladas pela Price Waterhouse, solicita colaboração para este processo à Secretaria de Estado do Orçamento, Polícia Judiciária e Inspecção-Geral de Auditoria e Gestão.
Nesta auditoria evidencia-se o desrespeito da direcção da cooperativa presidida pelo Sr. José Carimbo pelas normas nacionais e comunitárias que originaram as irregularidades e fraudes, como a compra de cercal a produtores que alegam que não o venderam, a não existência de um inventário permanente, dúvidas sobre cheques e dívidas a produtores não localizados atingindo o valor das irregularidades e fraudes muitos milhares de contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Caberá também referir que se detectaram neste processo operações irregulares de comercialização de cereais entre a Cooperativa de Torres Vedras e a Cooperativa Desenvolvimento Agrícola (CDA), sendo o Sr. Carimbo director comum das duas. É de se dizer também que a Polícia Judiciária, em 7 de Fevereiro de 1993, confiscou a maioria dos documentos existentes na Cooperativa de Torres Vedras.
Convirá igualmente referir que o Governo, através do Ministério da Agricultura, estava informado pelo INGÁ de todo o processo e respectiva tramitação, e que o Sr. Deputado António Campos entregou, em 12 de Fevereiro de 1993, na Procuradoria-Geral da República as provas documentais que possuía sobre este assunto.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Como corolário deste trabalho, elaboraram-se as conclusões finais e o projecto de resolução que é do conhecimento de todos VV. Ex.ª, dado que foram publicados no Diário da Assembleia da Republica de 28 de Janeiro de 1994, pelo que me escuso de os referir.
Acreditamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados com a aprovação do projecto de resolução por parte desta Câmara, prestigiaremos este órgão de soberania, como é nossa obrigação, e o Ministério Público reconhecerá o valioso contributo de todos os Srs. Deputados que integraram esta Comissão.

O Sr. Silva Marques (PSD):- Muito bem!

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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos passar ao debate propriamente dito, chamando a atenção de que além da apreciação do relatório se faz também a apreciação do projecto de resolução já mencionado, tanto pelo Sr. Presidente da Comissão, como pelo Sr. Deputado relator.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente, temos um inquérito e um : projecto de resolução onde as irregularidades e ilegalidades cometidas na utilização dos dinheiros públicos foram reconhecidas. Só por isto, este inquérito parlamentar, salvo erro um dos poucos em que tal acontece, tem lugar certo na história do Parlamento.
Confirmou-se que um importante beneficiário dos subsídios para a agricultura, através da actuação ilegal dos seus dirigentes, obteve, fraudulentamente, pelo
menos cerca de centena e meia de milhares de contos.
Confirmou-se, tal como há muito vínhamos dizendo, que a Administração Central através dos serviços do INGA permitiram a multiplicação de fraudes, tendo feito várias acções de fiscalização em que não detectaram aquilo que estava à vista de todos: a ausência de inventário permanente, inscrição irregular como sócios ; da Cooperativa Agrícola de Torres Vedras (CATV) de falsos produtores, recibos com assinaturas falsificadas, etc. Confirmou-se, tal como desde logo afirmámos, no debate do primeiro pedido de inquérito, que o que estava em causa era um sistema permissivo, criado pelo Governo do PSD, que permitiu e estimulou as práticas irregulares e fraudulentas num quadro em que tudo vale para, através da prática generalizada de subsídios, se escamotear e criar uma almofada que contivesse o descontentamento dos agricultores face à política seguida. Mas, como dissemos na altura do debate desse projecto de inquérito, de que hoje apreciamos as conclusões e o projecto de resolução, é que ele teria forçosamente, e relembro, «um alcance muito limitado, pelo que a sua eficácia iria também ser limitada», um inquérito que (e cito ainda) «vale o que vale» face ao seu objecto muito circunscrito. Foi isso que aconteceu.
É preciso recordar que o PSD recusou o desafio então proposto pelo PCP, do inquérito não se ficar pelas árvores, mas averiguar a floresta, do inquérito
abranger pelo menos os vários e múltiplos casos que vieram a público e que eram do conhecimento desta Assembleia. Aí sim é que se poria o dedo na ferida.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Qual era o objectivo!?

O Orador: - E por isso ficaram por averiguar em toda a sua extensão as fraudes dos cereais que, para ; além da CATV, se estendiam à Cooperativa da CAP, a CDA, e à Cooperativa onde o secretário-geral da CAP exerceu funções de presidente, a Cooperatica Agrícola de Santarém. Neste aspecto a Comissão de Inquérito Parlamentar ficou na antecâmara do que de veria e poderia ter sido um verdadeiro inquérito à aplicação dos fundos comunitários e nacionais à agricultura.
Perdeu-se uma oportunidade, se se tivesse alargado o âmbito do inquérito, de averiguarmos o que se passa com o Plano de Acção Florestal e porque razão pelo menos um funcionário do Ministério da Agricultura, da circunscrição florestal de Vila Real, foi objecto de um processo disciplinar por ter insistido em denunciar sérias irreguladades na atribuição de apoios ao abrigo do PAF, entre as quais se contam milhares de contos de facturas fictícias que dão origem aos subsídios para a florestação em projectos cujas áreas reais estão muito aquém das áreas projectadas. Não só o PSD não parece nada preocupado com estas questões como, pelo contrário, acabou de nomear para director assessor do Conselho de Administração do IFADAP, para a área das florestas, o anterior ex-Director-Geral das Florestas, Fernando Mota, que protagonizou várias polémicas em matéria de transparência, ou falta dela, na aprovação de projectos florestais e de concessão de subsídios.
Perdeu-se ainda uma oportunidade para averiguar as fraudes nas áreas do leite ou da caça, no crédito agrícola ou na formação profissional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deste inquérito ficam, contudo, as conclusões de que há que tirar todas as consequências.
Por isso, pergunto: vai o Governo, ou não, levar até ao fim a averiguação das irregularidades cometidas na «cooperativa» da CAP, a CDA?
Vai o Governo, ou não, demitir o presidente do INGA cujos serviços actuaram com manifesta negligência ou vai-se ficar, também aqui, pêlos «electricistas»?
Que lições lira o próprio Ministro da Agricultura, face às declarações do presidente do INGA de que tendo tido conhecimento do caso de Torres Vedras «não tenha sentido a necessidade de fazer qualquer observação» ou de dar celeridade ao processo para que as irregularidades não pudessem ter continuado?
Fica este inquérito c as suas conclusões. Mas ficam também as ilações que o Governo deve tirar, e que ainda não tirou, das conclusões aprovadas. E fica ainda o desafio ao PSD para que venha a aceitar um inquérito parlamentar a todos os casos concretos que têm vindo a público.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O inquérito parlamentar n.° 12/VI, cujo relatório final estamos a apreciar, teve como objecto apurar a natureza e a extensão de alegadas irregularidades na gestão de subsídios provenientes de fundos comunitários destinados à agricultura portuguesa, no que se refere à Cooperativa Agrícola de Torres Vedras. Este inquérito foi proposto pelo Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Recorde-se que, em Fevereiro de 1993, o PS desencadeou nesta Câmara um violento ataque ao relacionamento do Governo com associações de agricultores, designadamente com a CAP.
Assim, da bancada do PS, foi dito que os principais dirigentes da CAP estavam mais preocupados com os seus negócios e com o tráfico de influências do que com os agricultores. O tráfico de influências residiria, segundo o PS, na actuação de dirigentes da CAP como directores de cooperativas, que teriam pactuado com, e

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cito, «a burla de centenas de milhar de contos de subsídios aos cereais, com a passividade do Governo e do INGA».
Nos dias seguintes, foram aparecendo publicamente documentos e noticiados factos que pareciam indiciar que houve pessoas que beneficiaram de dinheiros públicos, comunitários ou não. Em determinadas notícias publicadas, alegava-se que se tratava de situações que envolviam favor político/administrativo. Todas estas situações relacionavam-se exclusivamente com a Cooperativa Agrícola de Torres Vedras.
Considerando que perante este cenário estava em causa a actuação do Governo e da Administração, bem como a lisura dos processos adoptados, assim como a dignidade e a honestidade dos agricultores portugueses, o Grupo Parlamentar do PSD propôs este inquérito no sentido de clarificar os casos alegadamente graves tornados públicos, apurar a verdade dos factos e, eventualmente, identificar responsabilidades.
Ao longo de todo o inquérito, apraz registar a completa disponibilidade e rápida resposta dos responsáveis da Administração Pública e dos antigos e actuais dirigentes da Cooperativa Agrícola de Torres Vedras.
Constatou-se que a referida Cooperativa teve acesso a fundos comunitários e nacionais ao longo do período de 1986 a 1991. Relativamente aos dinheiros recebidos da Comunidade, não se detectou qualquer irregularidade, quer nas candidaturas apresentadas, quer na execução dos projectos.
Do inquérito resultou, como conclusão final, que a Cooperativa Agrícola de Torres Vedras funcionou de forma irregular, contrariando o enquadramento normativo em vigor, como operador de cereais, somente nas campanhas de 1989/90 e 1990/91.
Refira-se que estes subsídios eram exclusivamente nacionais e foram estabelecidos a partir de 1986. Nessa altura, o Governo pretendeu terminar com o monopólio da EPAC na comercialização de cercais c procurou assegurar às cooperativas as condições adequadas ao escoamento desses produtos, para além de incentivar o melhor ajustamento da produção agrícola, no aspecto qualitativo, às necessidades da indústria consumidora.
Durante o período mencionado, de 1986 a 1991, e através deste regime, foram concedidos cerca de 100 milhões de contos de subsídio, tanto à EPAC como às cooperativas.
O procedimento irregular de Cooperativa Agrícola de Torres Vedras só se verificou nas referidas campanhas de 1989/90 e 1990/91. Note-se que os controlos iniciais feitos pelo INGA foram os que se adequavam ao previsto no regime legal existente. O processo seguiu sem suspeita de fraudes até ao surgimento de uma notícia num jornal em 21 de Abril de 1992. Após tal notícia, o INGA desencadeou acções de auditoria junto da cooperativa que, por razões de ordem legal - cumprimento de prazos e outros-, só em 28 de Janeiro de 1993 se pode iniciar. Da auditoria feita, resultou o apuramento da importância de cerca de 93 000 contos a devolver pela Cooperativa, cujo processo de recuperação se encontra na fase coerciva.
Pelo acima exposto, conclui-se que o INGA tomou as medidas adequadas quando surgiram as primeiras suspeitas - e refira-se que isto foi um ano antes de aqui, no Plenário, alguém ter inopinadamente levantado esta matéria, quando um ano antes já o INGA tinha tomado as medidas de auditoria e de inspecção adequadas.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Acresce que já em 1991, dois anos antes da polémica parlamentar, o Governo, consciente da fragilidade dos mecanismos previstos no regime em vigor e tendo a ajuda passada a ser co-financiada pela Comunidade, alterou o enquadramento legal. A partir de 1991, a ajuda é concedida directamente ao produtor e os mecanismos de controlo são muito mais rigorosos e eficazes.
Por outro lado, desde 1992, foram desencadeadas auditorias a 170 operadores (cooperativas e empresas) para além do reforço das acções de controlo do INGA que envolveram reforço dos meios humanos, novos métodos de controlo (meios aéreos, fotos e vídeo) e controlos cruzados de informação de várias ajudas. As situações que envolveram a Cooperativa de Ourique e Castro Verde são indicadores da maior eficácia do controlo, de pedagogia à seriedade nas candidaturas a fundos nacionais e comunitários c da penalização severa dos casos irregulares.
Após todas estas considerações, devem-se extrair algumas conclusões que repõem a verdade dos factos.
Assim, em primeiro lugar, não houve qualquer indício da passividade da Administração Pública relativamente a esta matéria. O INGA, com os meios ao seu alcance, desencadeou as acções necessárias ao apuramento das situações sobre as quais recaíam suspeitas, um ano antes da polémica pública.
Em segundo lugar, as verbas referidas nas conclusões finais do relatório desta Comissão de Inquérito foram extraídas dos relatórios do INGA, que já procedeu, há vários meses, ao processo de recuperação desse dinheiro.
A única consequência da polémica levantada pelo PS nesta Câmara foi o agravamento da situação da Cooperativa de Torres Vedras pela especulação das situações e pelo empolamento de suspeitas, sem fundamento, que prejudicaram o relacionamento da Cooperativa com os diversos agentes e o seu funcionamento interno.
A atribuição e controlo dos subsídios eram actos de carácter administrativo corrente, pelo que nunca foram sujeitos a apreciação de nenhuma chefia do INGA, muito menos do Governo.
Assim, as irregularidades verificadas apenas e só poderão ser imputadas aos funcionários que se deslocaram à Cooperativa durante os anos em apreço.
Como tal, as acusações do PS, de tráfico e de favor político, não podem revestir-se de fundamento seno, como aliás se verificou ao longo do inquérito.
A prática das irregularidades foi circunscrita a um número reduzido de pessoas. A generalidade dos produtores de cercais de Torres Vedras tiveram acesso ao subsídio de uma forma regular e legal.
A generalização a todos os agricultores das suspeitas, por parte do PS, foi injusta e gravemente lesiva da imagem da Cooperativa, enquanto instituição ao serviço da lavoura.
A honra, a honestidade e a dignidade da generalidade dos agricultores não mereciam, nem merecem, a imagem negativa que se lhes quis criar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

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O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No ano passado, denunciei nesta Assembleia e fora dela, com provas na mão, a existência de uma rede de corrupção ligada à captação fraudulenta de subsídios de cereais.
Após essa denúncia, o PS apresentou um pedido de inquérito aos mais de 900 milhões de contos distribuídos e investidos no sector agrícola de 1986 a 1992. O PSD reagiu à denúncia, com o insulto e a mentira, como é habitual nestas matérias de moralização do Estado e da sociedade civil.
Graças à pressão diária da comunicação social, que começou a publicar os recibos falsos e a entrevistar os falsos produtores de cereais, o PSD, não aceitando o inquérito aos 900 milhões de contos, viu-se obrigado a apresentar um inquérito à Cooperativa Agrícola de Torres Vedras.
Perdeu-se uma excelente oportunidade de fazer frente a dois dos maiores males da sociedade portuguesa: a corrupção e o compadrio.
Hoje, todos sabemos que a rede é muito mais vasta e que passou pelas cooperativas de Santarém, Cooperativa de Desenvolvimento Agrícola (CDA), de Ourique, de Ferreira do Alentejo, de Castro Verde, etc.
Milhões e milhões foram roubados em nome dos agricultores, com a conivência de dirigentes associativos e de serviços oficiais, como se provou no inquérito à Cooperativa de Torres Vedras.
Este Ministério da Agricultura não tem autoridade para impor a moralização no sector, porque permeia a venalidade e o compadrio, e esta maioria protege essa actuação.
Os quase 500 000 contos que recebe por dia, na sua grande maioria fundos comunitários, são manuseados no segredo dos Deuses. Não há publicações mensais ou anuais que individualizem quem recebe, o que produz ou em que investe.
Há um total controlo partidário de toda a máquina do Ministério, confundindo os interesses do partido com os do Estado. Neste Ministério está mesmo instituído um prémio à venalidade e ao compadrio.
Homens acusados desses actos são de imediato promovidos. Exemplos claros desta actuação são os seguintes: o Engenheiro Fernando Mota é nomeado Director-Geral das Florestas e, em Vila Real, é criada a empresa A. Mota e Filhos, pertencente a um seu irmão, o qual rapidamente se transforma num dos maiores empreiteiros florestais do País.
O escândalo torna-se público.
De imediato, passa-se a Direcção-Geral a Instituto e nomeia-se o Engenheiro Mota a Director do IFADAP, com o pelouro do controlo de todos os meios financeiros para a floresta nacional.
É ou não a promoção do compadrio e da venalidade?
O Dr. Machado Gouveia foi nomeado Director-Geral da Pecuária. No seu consulado rebenta o escândalo dos abates sanitários que lesaram o Estado em mais de 600 000 contos. É imposta a censura científica aos investigadores nacionais que diagnosticaram as encefalopatias espongiformes, violando todas as regras de funcionamento de um Estado de direito e dos acordos internacionais assumidos.
Detectam-se irregularidades de centenas de milhar de contos nos fundos de prevenção da peste suína africana. Solução encontrada: passa-se a Direcção-Geral Para Instituto de Protecção à Produção Agrícola e o Pr. Machado Gouveia é promovido a seu Presidente.
É ou não a promoção do compadrio e da venalidade?
A caça é um sector controverso em Portugal e todos os passos deviam procurar um consenso nacional. Em Trás-os-Montes é nomeado, como responsável por este sector, o Engenheiro Álvaro Barreira. Este senhor utilizando terrenos públicos e o seu próprio cargo rapidamente se transformou no maior empresário privado de exploração da caça a nível nacional.

Vozes do PS: - Uma vergonha!

O Orador: - Já foi promovido a parceiro de caçadas do Ministro e do Secretário de Estado da Agricultura.

É ou não a promoção do compadrio e da venalidade?

São os mesmos, Ministro e Secretário de Estado, que pegam nos terrenos da Tapada de Mafra e mais umas herdades, que criam uma empresa pública de caça e colocam como administradores os seus assessores e chefe de gabinete.

O Ministério pratica, ele mesmo, a venalidade e o compadrio.

O Engenheiro Costa Freire é um aprendiz perante estes profissionais. O inquérito à Cooperativa de Torres Vedras é elucidativo de tudo isto.

Aplausos do PS.

É espantosa a facilidade com que se rouba. Um cidadão, que era amigo do Sr. Carimbo, subia ao gabinete e fazia com ele, como comerciante, um contrato de entrega de milhares de toneladas de cereais. Em seguida, carregava a camioneta, que poderia ser, por exemplo, de areia, passava por uma báscula e tirava um ticket com o peso. Apresentava-se na Cooperativa com o ticket, inventava os falsos produtores até perfazer a tonelagem contratada e eram passados recibos em nome desses falsos produtores, mas depositados na conta desse comerciante.
Assim, um ticket de balança transformava-se em cereais para arrecadar subsídios.
Os serviços oficiais fiscalizavam e inventavam relatórios falsos, evitando assim que a fraude fosse diagnosticada. A rede tinha extensão à CDA, Cooperativa da CAP, onde o Sr. Carimbo era tesoureiro, e ligação à Cooperativa de Santarém, onde o Sr. Casqueiro era presidente.
Negócios ilícitos de amigos cobertos por outros amigos.
Por mim, depois de tantos insultos a que fui sujeito por esta maioria e por este «ministério clandestino», com algumas ameaças anónimas de permeio, dou-me por satisfeito com as conclusões do relatório.
A fraude ficou provada, a incapacidade dos serviços demonstrada e a rede cada vez mais à vista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este inquérito é o primeiro aprovado por unanimidade, com a colaboração empenhada do Presidente do INGÁ na entrega pronta de todo o material solicitado.
Agradeço aos Deputados Luís Capoulas Santos, que presidiu à Comissão, o empenhamento colocado e a Fialho Anastácio, que redigiu, com todo o rigor, o relatório apresentado.
Valeu a pena o esforço, mas mais teria valido se esta Assembleia tivesse votado o pedido de inquérito apresentado pelo PS aos mais de 900 milhões de contos.
Ninguém consegue compreender como é possível, com tantos milhões, a agricultura portuguesa encontrar-se na maior crise da sua existência.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, não me apetecia fazer qualquer pergunta, porque a sua intervenção não o merecia.

Em todo o caso, direi que, comparando as intervenções calmas e serenas dos Srs. Deputados Luís Capoula Santos e Filho Anastácio, se nota claramente que o Sr. Deputado António Campos destoa um pouco, não merecendo, muitas vezes, qualquer credibilidade para lhe colocarmos questões.

Protestos do PS.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porém, dado que algumas coisas que referiu são atoardas, gostaria de lhe perguntar se não consultou, por exemplo, o Diário da República, de 30 de Junho do ano passado, onde se pode ver a lista de todos os agricultores e empresas que receberam subsídio do IFADAP. O Sr. Deputado não consulta, semestralmente, o Diário da República para ver a publicação dos apoios que são dados pelo INGA? Com que autoridade vem aqui dizer que os apoios dados aos agricultores não são publicados? O senhor pode não trabalhar, não estudar ou não ver os documentos oficiais, mas já não pode fazer esse tipo de afirmações descabidas.

Protestos do PS.

Por outro lado, falou do Engenheiro Álvaro Barreira. A única coisa que sei - foi publicada na imprensa - é que o Engenheiro Álvaro Barreira tem um processo crime, como presidente da Câmara Municipal de Bragança pelo Partido Socialista, em virtude de estar envolvido em algumas situações irregulares. Esta É a única coisa que sei. Ora, quem devia penitenciar-se era o seu partido E, eventualmente, aqueles que sejam coniventes com este tipo de irregularidades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Duarte, fiz aqui acusações concretas de venalidade e de compradio ao seu Governo, trouxe nomes e factos - aliás, habitualmente, não chego aqui para falar nas questões sem trazer nomes e factos! - e pensava que o senhor se iria levantar para dizer assim: como decorreu este inquérito que envolveu a Cooperativa de Torres Vedras, vamos propor um outro para esclarecer as acusações que o Sr. Deputado acabou de fazer! Com efeito, sei que o senhor não tem a consciência tranquila e que essa não era a sua proposta, porque essa era derivativa.
Sr. Deputado, de facto, contrariamente ao que devia acontecer, não há qualquer publicação individualizada das ajudas comunitárias, que são muito superiores.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): Há, no Diário da República.

O Orador:- Então, o senhor fornece a esta Casa publicação individualizada do destino desses fundos. Forneça-nos esse material.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Material?...

O Orador: - O que está aqui em causa- e eu pensei que o senhor vinha em defesa do bom nome do seu Ministério - é o que lhe acabei de demonstrar,- como aliás, o tenho feito dezenas de vezes nesta Casa.
Se, num país, que tivesse alguma transparência, ou num Parlamento, onde houvesse amor pela verdade um ministério fizesse uma empresa pública de caça e colocasse os seus assessores e o chefe de gabinete como administradores, os senhores teriam que se aliar a mim para, imediatamente, demitir aquele ministério.
Ainda, na semana passada, o Sr. Secretário de Estado foi à caça com o Sr. Eng.° Álvaro Barreira, que utiliza os terrenos públicos e o cargo- para que os senhores o nomearam - para se transformar no maior empresário privado de exploração da caça. Se o senhor tivesse algum amor à transparência ou à verticalidade de funcionamento do seu Governo, tinha que se aliar a mim para, imediatamente, «deitar abaixo» o ministério de que o Sr. Eng.° faz parte.
Se o senhor tivesse algum amor à verdade, não poderia ter permitido que o Dr. Machado Gouveia fosse para presidente do Instituto...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Com eu estava a dizer, se o senhor tivesse algum amor à verdade, não teria permitido que o Dr. Machado Gouveia fosse para presidente de um instituto, porque aquele senhor está metido em problemas profundos, que já levantei nesta Casa.
Os senhores, em vêz, de procurar a transparência, premeiam o compadrio, a venalidade, a corrupção. Por isso é que esta maioria se comporta, nesta Casa, a defender o Ministério da Agricultura da forma como o faz.
Se tivessem algum amor à transparência e à moralização deste país, os senhores já tinham participado connosco neste combate, para nos vermos livres daquela chaga que está a prejudicar a agricultura portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já não é a primeira vez que da bancada do PSD, inclusivamente da boca do Sr. Ministro e do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, pretendem tornar evidente uma hipotética clivagem entre as minhas posições c as do Sr. Deputado António Campos.

O Sr. Rui Carp (PSD):- Não é hipotética, é real!

O Orador: - Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Carlos Duarte, que me senti profundamente ofendido com a

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sua intervenção, porque foi profundamente eivada de má fé. Isto porque V. Ex.ª tentou comparar a intervenção política do meu camarada António Campos, com cujo sentido sou integralmente solidário, com a intervenção que fiz, na qualidade de presidente da Comissão de Agricultura e Mar. Em todo o caso, permito-me afirmar que tenha registado com apreço a forma como desempenhei essa função.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, tentei mostrar aqui uma evidência, ou seja, a diferença que existe entre a sua postura e a do Deputado António Campos. Se o Sr. Deputado diz que este elogio é feito de má fé e é injusto, então, eu retiro-o e penso que, nesse caso, as suas qualidades são iguais às do Sr. Deputado António Campos. No entanto, essa não é a verdade dos factos.
Recordo-lhe, aliás, o que se passou aquando de um debate que se realizou, há cerca de um mês, na sede da CAP, em que o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos também estava presente. Veja qual foi a reacção dos agricultores e qual foi a sua intervenção.
Agradecia que desse, muitas vezes, a sua intervenção ao Sr. Deputado António Campos, de forma a que o Partido Socialista tivesse um discurso, fosse onde fosse, em vez de ter um discurso na Assembleia da República, outro junto dos agricultores e outro ainda na sede da CAP. Isso é que era importante para que, então, as pessoas pudessem saber qual é a política do PS.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia):- O Sr. Deputado Raul Rêgo solicitou a palavra para que efeito?

O Sr. Raul Rêgo (PS): - Sr. Presidente, ouvi citar o nome do Presidente da Câmara Municipal de Bragança.
Ora, o Presidente da Câmara Municipal de Bragança é o meu camarada Luís Mina e, pêlos seus actos, ele responde inteiramente e eu com ele.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Vou dar-lhe a palavra, Sr. Deputado, solicitando que seja muito breve para podermos concluir este debate.

O Sr. António Campos (PS):- Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Duarte habituou-nos nesta Casa a procurar sempre questões laterais para fugir à frontalidade dos problemas que eu lhe levanto. Aliás, se o senhor tem participado com alguma frontalidade nas discussões que tenho trazido a esta Casa, o sector agrícola não estava como está e o compadrio e a corrupção não existiriam, como existem, no Ministério da Agricultura.
Devo dizer-lhe, com toda a sinceridade; que tanto culpo o Ministro e o Secretário de Estado da Agricultura como o Sr. Deputado e esta maioria que os têm apoiado, apesar de eu trazer aqui, várias vezes, a comunicação social - quase todos os dias - para também apresentar casos de corrupção e compadrio no Ministério da Agricultura. Os senhores, impávida e serenamente, sem nenhum amor a princípios, continuam a procurar questões laterais, recusando-se a debater o que é essencial.
Ainda há poucos dias, houve aqui uma discussão sobre política agrícola e, como os senhores não são capazes de a discutir, recusaram-se, mas andam sempre com questões laterais fugindo ao cerne.
Devo dizer-lhe que a agricultura é muito mais importante que esta maioria, que está aí sentada, e que a agricultura portuguesa vai de certeza absoluta resistir até que essa maioria desapareça para podermos reconstituir.
Agora, com este quadro de compadrio e corrupção, de confusão entre o partido e o Estado, não é possível haver política que salve o sector.
E o senhor é tão culpado, porque os defende, como aqueles que estão lá a fazer o compadrio e a colaborar na corrupção.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, julgo que o Sr. Deputado António Campos nem merecia resposta, mas o direito à verdade e esta Câmara merecem que se responda.

Protestos do PS.

O Sr. Deputado António Campos trouxe aqui um caso: o do Engenheiro Fernando Mota.
Na Comissão de Agricultura e Mar tivemos acesso a toda a documentação advinda da empresa de construtores florestais que denunciaram a situação. Desde há um ano que a documentação está a ser estudada na Comissão e que estamos a receber informações.
Tivemos, durante o último ano, cerca de 10 reuniões com membros do Governo e nunca o Sr. Deputado questionou qualquer membro do Governo em relação a esse dossier que está lá a ser analisado. Quer aproveitar publicamente para, eventualmente com algumas informações que tem, tentar especular em relação aos assuntos.
Desafio o Partido Socialista a não vir aqui discutir actos administrativos do Ministério da Agricultura, mas opções políticas e estratégias para o sector, porque nunca o fez. É a este desafio que o Partido Socialista nunca respondeu, mas esperamos que venha a fazê-lo. Já não temos esperança da parte do Sr. Deputado António Campos, mas esperamos que alguém do Partido Socialista venha, eventualmente, a assumir uma estratégia concreta para o sector.
O sector merece e acreditamos nos agricultores portugueses e no futuro da agricultura portuguesa. Os agricultores portugueses estão ao nosso lado, como têm demonstrado. O Partido Socialista cada vez mais tende a dar uma imagem negativa dos agricultores e a fazer especulações que são prejudiciais para o sector, como já tinha feito no passado.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate relativo ao relatório da Comissão de Inquérito que acabou de ser discutido, cujo projecto de resolução será votado à hora regimental.
Passamos à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.° 354/VI- Aditamento de um novo número ao artigo 65.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), apresentado pelo Deputado independente Freitas do Amaral e pelo PSD.
Para apresentar o relatório sobre o referido diploma, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A iniciativa legislativa em apreço pretende alterar a lei da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.
Tendo como primeiro signatário o Sr. Prof. Doutor Freitas do Amaral e como restantes signatários Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, dos quais se encontra na Sala o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, visa tal iniciativa introduzir uma alteração à lei da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional no sentido de autorizar que seja concedida prioridade a determinados processos e em certas circunstâncias, que procura delimitar. Trata-se de processos- entenda-se- de fiscalização sucessiva dos que estão a cargo do Tribunal Constitucional.
O problema que este texto suscita é o de saber se se deve aditar um novo mecanismo aos mecanismos que já hoje, na lei da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, permitem procurar uma especial celeridade para determinados processos. Cs proponentes entendem que sim.
Esse mecanismo consistiria, como disse, na invenção da figura da prioridade. Saber em que consiste a figura da prioridade é precisamente a questão que se coloca. O projecto é conciso- não era suposto que não o fosse- mas, como assinala o relatório e como tivemos ocasião de discutir esta manhã mesmo, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, os termos em que se encontra redigido merecem alguns apuramentos.
Por um lado, importa apurar se os proponentes desejam conferir a esta figura da prioridade uma natureza absoluta, ou seja, se os processos aos quais seja atribuída prioridade podem ser colocados à frente de todos os demais, ou se, pelo contrário, se trata de uma prioridade relativa. Enquanto relator, entendi, ao analisar o texto, que os proponentes visavam qualquer coisa de intermédio. Seguramente não querem que os processos de fiscalização sucessiva com prioridade tenham mais prioridade do que, por exemplo, os processos de fiscalização preventiva, que constitucionalmente estão sujeitos a prazos peremptórios que não podem deixar de ser respeitados e nos quais o próprio Presidente da República pode influir.
Por outro lado, desejam certamente os proponentes que estes processos tenham mais prioridade do que a que resultaria do facto de saltarem sobre apenas os processos de fiscalização sucessiva. É preciso .encontrar uma solução equilibrada nesta matéria, que confira a esta prioridade um sentido conforme à Constituição.
Um outro aspecto que gostaria de assinalar é o de que conceder prioridade a um processo é um acto extraordinariamente excepcional. Os proponentes o dizem e reconhecem e assim tem de ser. Conferir a um processo significa não só permitir-lhe uma tramitação com antecedência em relação aos demais mas também que para os demais haverá uma delonga. Esta decisão tem de ser tomada ponderando interesses contraditórios, até porque podem estar em presença valores cuja compatibilização ou equilíbrio exija um melindroso esforço.
O facto de, por exemplo, um processo de fiscalização sucessiva abstracta de constitucional idade atinente à reforma fiscal ser, sem dúvida, de excepcional importância não torna menos importante nem legitima porventura, em certos casos, que ele seja colocado com precedência a um projecto atinente a questões como as do aborto e das propinas ou às relativas a direitos, liberdades e garantias ou a um outro qualquer domínio. A ponderação que aqui está em questão é extraordinariamente delicada e o legislador deve ajudar a enquadrá-la e a balizá-la.
Sugere-se no relatório um conjunto de medidas, que não reproduzirei aqui, no sentido de se precisar essa modelação.
Importa, por outro lado, que a metodologia da decisão, que reproduz o actual regime aplicável aos processos de urgência, não gere um qualquer desvio presidencialista- não é essa a ideia dos proponentes. Espera-se que essa decisão seja atingida, dada a sua natureza, com o máximo consenso possível, usando-se metodologias formadoras de expressões máximas desse consenso. É o que tem acontecido na prática do Tribunal Constitucional, segundo me é dado conhecer, quanto ao mecanismo da urgência, sugerindo o relatório aprovado que procurássemos apurar melhor a experiência do Tribunal neste domínio.
Quero, por último, dizer algo sobre a eficácia desta medida.
É evidente que podemos autorizar o Tribunal a conceder prioridade a certos processos, mas todos teremos consciência de que isso só por si não basta para dar resposta ao problema do volume processual com que O Tribunal está defrontado neste preciso momento. Tive o cuidado de juntar ao relatório dados e quadros estatísticos reveladores do movimento processual em relação à fiscalização abstracta c sucessiva da constitucional idade e à fiscalização concreta da constitucionalidade. Não os reproduzirei aqui, mas gostaria de sublinhar que, apesar de haver acréscimos de produtividade de quase 30 %, as pendências são significativas e altamente preocupantes.
Como, mais ainda, o Tribunal enfrentará nos próximos tempos calendários eleitorais, com as suas decorrências, e está sujeito a ser confrontado com necessidades de fiscalização na própria vida associativa e partidária, o que inevitavelmente o tolhe e lhe toma tempo, é preciso pensar noutras medidas.
O relatório não alude, evidentemente, a qualquer medida de carácter constitucional ou situada em sede de revisão constitucional mas alude a três aspectos para os gostaria de, brevemente, chamar a atenção da Camara.
Primeiro, a lei do financiamento dos partidos suscita complexos problemas de elucidação e interpretação deixa irresolvidas certas questões de carácter processual, e não só.
Segundo, a lei sobre incompatibilidades cometeu importantes tarefas ao Tribunal Constitucional, mas não

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regulou, do ponto de vista procedimental, os mecanismos necessários à sua efectivação. É hoje, pois, inexequível, devendo a Câmara considerar a aprovação urgente de normas que tornem essa lei, que é fundamental, exequível, para além de porventura carecer de ser reapreciada aqui, ali ou acolá.
Por último, a lei que está em gestação sobre os rendimentos dos titulares de altos cargos políticos irá ela própria acarretar uma alteração de competências do Tribunal Constitucional, o que tem implicações em relação à sua capacidade de apreciação dos restantes processos.
É perante tudo isto que a Câmara está colocada. Se é preciso sumarizar um juízo sobre o projecto em apreço, fá-lo-ia, na qualidade de relator, nos seguintes termos: o projecto procura dar resposta a uma questão e a eficácia que há a esperar dessa medida é limitada e exige correcções, mas talvez fosse positivo- a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias deliberou esta manhã nesse ponto, por unanimidade- procurar mecanismos de cooperação institucional com o Tribunal Constitucional no sentido de poder ouvir os juizes conselheiros sobre estes e outros pontos, ainda antes da aprovação na generalidade do diploma e a tempo de incorporar numa versão final os contributos que permitam não só dar exequibilidade às normas que não a têm como ainda contribuir para que o Tribunal Constitucional possa exercer as missões constitucionais e legais em que está investido.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República debate hoje o projecto de lei n.° 354/VI, o qual visa o aditamento de um novo número ao artigo 65.° da lei da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.
Do que se trata é de facultar ao Presidente do Tribunal Constitucional a possibilidade de em «casos excepcionais de relevante interesse geral», em face de solicitação motivada do autor do pedido e ouvido o próprio Tribunal, atribuir prioridade à decisão de um pedido de fiscalização abstracta sucessiva, com consequente prejuízo da ordem que deriva da distribuição. E que, conforme se alcança da exposição de motivos da iniciativa legislativa em causa, o Tribunal Constitucional se encontra hoje assoberbado com inúmeros processos de fiscalização sucessiva de constitucionalidade, com diferente alcance ou grau de urgência do ponto de vista do País.
Por tal motivo, situações urgentes e altamente importantes ficam a aguardar, por força da regra da ordem de precedência temporal dos pedidos, assim se arrastando no tempo a apreciação ou fiscalização de normativos essenciais para a nossa comunidade social e jurídica. Exemplo desta situação tivemo-lo recentemente com a chamada lei das propinas.
Para lá das situações de fiscalização concreta na Perspectiva dos processos de fiscalização abstracta sucessiva- entenda-se não preventiva-, há que acautelar o interesse público da conformidade das leis com a Constituição. E certo que podem coexistir interesses subjectivos ou particulares e interesses objectivos. Só que são estes interesses- os públicos ou objectivos - que a lei visa salvaguardar, sendo, como tal, os que assumem relevância processual. Por outro lado, é altura de reafirmar que o modelo de controlo da constitucionalidade na nossa Lei Fundamental é um «sistema misto complexo», no dizer de Gomes Canotilho. É um modelo misto de controlo difuso, concreto e incidental, controlo de constitucionalidade por acção e por omissão e controlo abstracto de normas, preventivo ou sucessivo.
Ora, situando agora o debate do ponto de vista de controlo abstracto e concentrado (num só órgão: o Tribunal Constitucional) de normas, estamos perante aqueles processos que se dirigem à fiscalização e decisão, com força obrigatória geral, da validade formal ou material de uma norma jurídica. E, deixando de lado o controlo preventivo, a fiscalização abstracta sucessiva ou controlo em «via de acção», parametrada no artigo 281.° da Constituição, existe naqueles casos em que, para lá de um caso concreto, se averigua da conformidade de normas com o quadro constitucional.
Neste sentido, o Tribunal Constitucional funciona como «defensor da Constituição» em relação ao legislador e ainda como órgão de garantia da hierarquia normativa da ordem constitucional.
Paralelamente, trazemos agora à colação um princípio estruturante dos processos constitucionais: e da celeridade processual. Com efeito, a lei da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, ao menos virtualmente, impele o Tribunal a uma resolução rápida dos casos com que se vê confrontado, diminuindo na medida do possível os prazos para a prática dos vários actos e para a tomada da decisão Final. E que, se se está perante a fiscalização de normas munidas de aplicabilidade geral, c inquestionável que quanto mais tempo tais normas se mantiverem em viger mais danos elas provocarão, danos esses que muitas vezes são insusceptíveis de reparação.
Daí que a iniciativa legislativa em apreço, em boa hora assumida pelo então Deputado Professor Diogo Freitas do Amaral, tenha sentido face à insuficiência das soluções previstas na referida lei orgânica, maxime no seu artigo 65.°.
Embora este artigo abranja também processos de controlo de legalidade, pensamos que se teve em vista apenas os processos de controlo de constitucionalidade, além de que, pese embora naquela disposição esteja previsto o encurtamento dos prazos relativos à formação de decisão em sede de controlo abstracto sucessivo de normas, actualmente a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional não possibilita a este o julgamento prioritário dos processos que possam ser tidos como urgentes, já que tem de observar a mencionada regra da ordem da distribuição. E isto numa altura em que, como já foi referido pelo Sr. Deputado José Magalhães no seu relatório aprovado em sede de 1.º Comissão e ainda há pouco na sua intervenção, se assiste a um crescimento do volume processual do Tribunal, bem como da produtividade, que significa aumento da duração média dos processos e das pendências.
Por último, afigura-se-nos crucial que o Tribunal Constitucional seja oportunamente ouvido, em sede da 1.a Comissão, em razão da matéria. Com efeito, recentes diplomas legislativos (como a Lei n.° 64/93, de 26 de Agosto, sobre o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, e a Lei n.° 72/93, de 30 de Novembro.

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referente ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais) implicaram a ampliação das competências do Tribunal Constitucional, pelo que são de ponderar outras emendas, no que é essencial a audição dos Srs. Juizes Conselheiros (estamos a pensar, por exemplo, nos problemas que decorrem da Lei n.° 64/ 93, do ponto de vista processual e a nível do regime sancionatório).
O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata propõe, assim, à Câmara a baixa à 1.' Comissão, sem votação, da presente iniciativa para que aí tenha lugar o competente debate de especialidade com a ampliação mencionada, mas tendo, no entanto, em conta que se está perante uma lei orgânica e que se aplica o disposto nos n.°s 4 e 5 do artigo 171.° da Constituição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nestes termos, acompanhamos o projecto de lei n.° 354/VI, o qual constitui um contributo positivo para uma certa flexibilização funcional e dignificação do Tribunal Constitucional - cujo papel positivo na nossa recente história e prática constitucional gostaríamos de registar-, ao mesmo tempo que se aponta para a salvaguarda do interesse geral da própria Comunidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não fosse a delicadeza da matéria, apetecia-nos dizer que, apesar do muito respeito que temos pelo primeiro subscritor, somos bastante adversários desta iniciativa legislativa, porque o CDS-PP tem as maiores reservas em relação a uma modificação da lei do Tribunal Constitucional que se oriente neste sentido.
Em primeiro lugar- e não é a questão menos importante-, entendemos que estas intervenções sobre a lei do Tribunal Constitucional ou sobre as suas competêcias devem ser obrigatoriamente precedidas de uma consulta ao próprio Tribunal Constitucional.
Ora, isto significa que não é correcto, do ponto de vista da técnica legislativa, que a Assembleia da República se pronuncie sobre uma matéria sem conhecer a opinião dos membros do órgão em questão. E não é correcto porque a Assembleia da República não sabe o que pensa o Tribunal Constitucional sobre esta matéria, sobre o seu funcionamento, sobre os «remédios» que tem pensados, preparados e reflectidos para modificar o sistema de atrasos nos processos que àquele Tribunal estão cometidos.
Em segundo lugar, não somos grandes adeptos desta intervenção legislativa porque ela não acrescenta rigorosamente nada ao funcionamento do Tribunal Constitucional. É que esta atribuição de uma competência para o presidente decidir quando os processos têm prioridade já está consagrada na lei do Tribunal Constitucional.
Aliás, não se trata, repare-se, de uma questão de distribuição mas de organização da tabela e essa competência de organização da tabela já a tem o presidente do Tribunal Constitucional, que a organiza sem que a lei lhe determine qualquer expresso respeito por certas hierarquias ou por certos tempos- e os presidentes do Tribunal Constitucional têm usado esse poder.
Quem conhece o funcionamento do Tribunal Constitucional sabe que, na prática, a organização da tabela obedece muitas vezes a alguns critérios de urgência ou de razoabilidade. Isto é, alguns processos decididos não respeitam a data de conclusão mas são muitas vezes ordenados na tabela em obediência a critérios de [...], de economia processual, de junção de matérias comuns ou de resolução de questões processuais [...] evidentes.
Quem conhece o funcionamento do Tribunal Constitucional sabe que, muitas vezes, há processos que são logo decididos porque têm evidentes erros processuais,
porque podem ser resolvidos sem se debater a de fundo e o presidente do Tribunal Constitucional, [...] vezes, organiza a tabela de modo a que estejam agrupadas questões que dizem respeito ao mesmo tema e, outras vezes, chega mesmo a ponderar algumas razões de urgência que são invocadas pelo interessado.
Portanto, esta competência existe, é permitida e a alínea h) do n.° 1 do artigo 39.° da Lei do Tribunal Constitucional permite que alguma ponderação em matéria de ordenação da tabela seja levada a cabo pelo presidente do Tribunal Constitucional.
Dir-me-ão: por que não criar uma norma que diga expressamente que esse critério de urgência pode ler utilizado pelo presidente do Tribunal Constitucional? Por duas razões que me parecem importantes.
Em primeiro lugar, se esta norma estivesse na lei do Tribunal Constitucional obrigaria o Tribunal a justificar todos os casos em que negasse urgência quando um interessado a pedisse, o que complicaria muitíssimo O funcionamento do Tribunal. Por outro lado, essa explicação constante da urgência obrigaria muitas vezes a entrar-se por ponderações de carácter político que Julgo de todo em todo inaceitáveis.
Assim, repare-se que está na ordem do dia uma discussão injusta e injustificada, do meu ponto de vista, sobre a partidarização do Tribunal Constitucional. No momento em que se discute essa questão da partidarização do Tribunal Constitucional, se adoptássemos esta medida, estaríamos a obrigar o presidente do Tribunal Constitucional a ter um critério sobre essa urgência» que não pode deixar de ser um critério político. De facto, como é que o presidente do Tribunal Constitucional decide o que é urgente e o que é especialmente importante para o interesse geral? Com um critério de natureza política, extremamente perigoso e delicado se for sistemático. Qual é o critério político da urgência? É o critério do calendário dos políticos?
Há pouco, o Sr. Deputado José Magalhães referia dois exemplos importantíssimos. Em 1993, qual devia ser o critério da urgência do presidente do Tribunal Constitucional face a um pedido de apreciação da fiscal, que já lá se encontra desde 1989, e a um de apreciação de um diploma sobre as propinas, do certas opiniões, as propinas? Seguindo certas opiniões, as propinas eram mais urgentes, mas, segundo outras, a questão da reforma fiscal aparece, obviamente, com maior dignidade.
Nos casos concretos, do meu ponto de vista, a decisão são sobre a urgência, que o Tribunal Constitucional estaria sempre solicitado a justificar, a explicar, a mostrar e a demonstrar, seria um perigoso factor de politização do Tribunal Constitucional, a nosso ver não desejável.
Por último, entendo que as intervenções legislativas apressadas para melhorar o funcionamento dos tribunais

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devem ser evitadas. E até falo muitas vezes contra o meu próprio partido. Pessoalmente, não sou adepto da eliminação das férias judiciais, pois entendo que é uma intervenção apressada para melhorar o funcionamento dos tribunais, e também sou adversário confesso de uma norma que pretenda resolver a demora do Tribunal Constitucional com um critério vago, geral e em que se entrega ao presidente do Tribunal Constitucional um presente envenenado que em nada resolveria as coisas, que contribuiria muitas vezes, frequentemente mesmo, para pôr em causa o Tribunal Constitucional perante a opinião pública e que agravaria algumas críticas, repito, injustas de partidarização e de politização excessiva do Tribunal Constitucional.
Porém, como não quero romper o acordo a que se chegou na 1.a Comissão- é o Sr. Deputado Narana Coissoró que pertence a essa Comissão-, concordo que o diploma baixe à Comissão sem votação, porque entendo, como disseram os Srs. Deputados José Magalhães e Luís Pais de Sousa, que para melhorar o funcionamento do Tribunal Constitucional temos muito a fazer em matéria de regulamentação de algumas disposições da lei de financiamento dos partidos políticos.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, faço-lhe perguntas porque sem elas os debates são uma «mortandade» e um aborrecimento. Portanto, ou se discute ou, quando não se discute, vamos todos embora.
A questão que coloca está num plano metodológico e não a discuto, pois está resolvida depois de a Comissão ter chegado a consenso quanto à necessidade de encontrar formas de cooperação institucional com o Tribunal Constitucional. Isso devia ter sido feito noutro momento, mas vai ser sanado agora por este processo e suponho que contaremos com o CDS-PP para esse efeito.
Mas vou à questão essencial colocada pela sua intervenção, que é a da desnecessidade ou do carácter perverso da medida. O Sr. Deputado alega que a medida é desnecessária e pode ser perversa com um argumento que me impressiona negativamente, devo dizer. V. Ex.ª diz: já existe o artigo 39.°, o presidente já faz a tabela e se ele faz a tabela por que não há-de ajeitar uns processos pondo-os à frente de outros? Sr. Deputado, isso inspira-me as maiores reservas porque não é essa função da composição da tabela, que é feita segundo regras objectivas.
A ideia de se obrigar o Tribunal, que, aliás, tem mostrado um espírito de máximo consenso na aplicação do dispositivo semelhante da urgência, a pronunciar-se sobre a existência de um caso excepcional, um interesse geral muito fundamentado para dar precedência a um processo é extraordinariamente importante. Primeiro, porque é transparente; segundo, porque obriga a ponderar interesses; terceiro, porque obriga a dizer pública e fundamentadamente que, no entender do Tribunal, é .preciso, por uma qualquer razão que é preciso alegar e fundamentar, dar precedência a esse processo. Fazê-lo tabelarmente, fazê-lo «empurrando» uma matéria numa agenda como se fosse uma questão burocrática ou tabeliónica, Sr. Deputado, não é só perigoso mas inadequado face às competências do Tribunal.
O seu segundo argumento é o da politização. Mas não seria igualmente politizada à sucapa uma decisão de fazer ascender na tabela o diploma fiscal em detrimento das propinas? E não seria perigoso conceder esse poder independente das obrigações normais de declaração, transparência, fundamentação e contraditório? Isso é que não se deve fazer!
Estou inteiramente de acordo consigo quanto à ideia de evitar intervenções apressadas, mas por isso mesmo é que o parecer recomendou não só a audição do Tribunal Constitucional como disse coisas, que são bastante e razoavelmente duras, quanto às correcções a introduzir em dois diplomas aprovados na Câmara em condições polémicas. Espero que agora, com o consenso desejavelmente mais alargado, cheguemos a soluções razoáveis, aproveitando este ensejo.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado António Lobo Xavier, no tempo que lhe foi cedido, tem a palavra para responder.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, agradeço a sua pergunta, até porque sou daqueles que têm a certeza, por definição, de que, quando não me percebem, é porque me expliquei mal. De facto, verifico que não me consegui fazer perceber pelo Sr. Deputado José Magalhães porque eu disse, exactamente, o seguinte: a competência para introduzir algum critério de ordenação, que não seja o simples calendário da conclusão dos projectos de acórdão, está na lei do Tribunal Constitucional. Entendo que a competência para ordenação da tabela permite desligar o presidente do Tribunal Constitucional das simples datas apostas na conclusão dos projectos de acórdão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Para jogar com as prioridades que entender?

O Orador: - Não se trata das prioridades que entenda! É por isso que a sua crítica parece justa e acertada, mas não ouviu o resto do que eu disse!
Eu disse que essa competência para a ordenação da tabela está lá e fiz um apelo expresso à história do modo como o presidente Marques Guedes e o presidente Cardoso da Costa têm usado essa competência de ordenação da tabela. E, ao fazer esse apelo à história, dei alguns exemplos e aplaudi esse tipo de intervenções.
Quando é que se ordena a tabela de modo a não respeitar exactamente a data aposta nos projectos de acórdão dos Srs. Conselheiros? Ordena-se essa tabela, muitas vezes, com critérios de economia processual - disse eu. São os casos, por exemplo, em que se não respeita as datas para aglomerar numa discussão e para uma decisão uma série de processos separados no tempo mas que versam a mesma matéria- primeiro exemplo.
Segundo exemplo: são casos em que, num recurso para o Tribunal Constitucional, há uma questão de natureza processual que «salta à vista», que não tem discussão e que pode ser decidida de imediato, pelo que pode ser limpo esse recurso imediatamente. E são outros casos em que a urgência se justifica por causa da própria natureza do diploma, como seja o caso da actuação do Tribunal Constitucional, sistematicamente, em matéria de Leis do Orçamento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao abrigo de quê?

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O Orador:- Da ordenação da tabela!

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao abrigo do regulamento interno do Tribunal, Sr. Deputado!

O Orador: - Ao abrigo da ordenação da tabela.
Tudo quanto tem sido feito com este critério para ordenar a tabela, eu acho bem! Portanto, eu disse: essa competência para introduzir algum critério que não seja o puro calendário na ordenação da tabela, já lá está!
Mais do que isto, só seria possível introduzir a necessidade de se pronunciar politicamente sobre a urgência dos temas. O que entendo é que esta lei mudaria a necessidade de o Tribunal estar constantemente a justificar por que é que não concedeu a urgência. E isso é que considero uma inversão da colocação da questão da urgência nos termos que julgo aceitáveis. A obrigatoriedade de o tribunal estar constantemente a justificar por que não deu urgência, num caso concreto, penso que era um entrave e uma entorse completa ao funcionamento normal do Tribunal Constitucional.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Tribunal Constitucional dispõe de uma lei orgânica que hoje, manifestamente, se mostra inadequada às novas competências com que foi brindado pela Assembleia da República. Legislou-se no sentido de atribuir ao Tribunal a apreciação das contas dos partidos políticos. Atribui-se-lhe mesmo a competência para aplicação de coimas. A Lei n.° 64/93 regulou em novos termos o controlo das declarações dos titulares de cargos políticos. Contudo, nestes dois diplomas, o legislador, nomeadamente em matéria de direito processual constitucional, criou vazios legislativos, que tornam praticamente inexequíveis os diplomas aprovados.
Ora, no direito constitucional, é imperativo para o legislador descobrir as normas de direito adjectivo funcionalmente adequadas a garantir o direito material. É certo que o Tribunal Constitucional goza de autonomia processual, decorrente da própria Constituição da República. Decorre da sua função de defensor máximo da Constituição que não pode ficar inteiramente dependente do legislador no que toca à regulamentação processual. Daí os regulamentos de que falava o Sr. Deputado José Magalhães t daí que a sua própria lei orgânica lhe reconheça autonomia processual. Contudo, tal autonomia só intervirá quando as regras fixadas pelo legislador se revelem inadequadas ao desempenho das funções.
Relativamente aos dois diplomas atrás referidos, o que se verifica não é a inadequação mas um completo vazio legislativo no que toca às regras de direito adjectivo, pelo que o Tribunal não poderá socorrer-se do princípio da autonomia processual. Esta é, pois, uma razão determinante de um processo legislativo que encare, de novo, as alterações necessárias à lei orgânica do Tribunal Constitucional.
O projecto de lei em análise não assenta a sua justificação no imperativo legislativo de dotar o Tribunal de meios processuais adequados relativamente àquelas matérias, mas também em relação às normas processuais actualmente vigentes, por forma a questioná-las sobre se são responsáveis ou não pela morosidade da justiça constitucional que, se é patente no que toca aos
processos de fiscalização abstracta, é gritante nos processos de fiscalização concreta. Há processos de fiscalização abstracta sucessiva por resolver há alguns anos, todos eles de suma importância, nomeadamente quando dizem respeito a direitos colectivos dos trabalhadores, como o direito à greve.
No campo da fiscalização concreta, é normal um processo demorar 3 e 4 anos. É cada vez maior o número de processos que transitam de um ano para o outro, não obstante o assinalável esforço dos juizes do Tribunal Constitucional, que bem se nota no número de processos findos no ano de 1993 (quase duplicou relativamente ao número de processos decididos no ano de 1992).
Da pendência enorme de processos de fiscalização concreta, conclui-se que muitos cidadãos aguardam durantes anos uma decisão do Tribunal Constitucional, fiscalizadora da aplicação da Lei Fundamental.
E não será arrojado afirmar que muitas das questões se centram no núcleo dos direitos, liberdades e garantias e com repercussões no interesse geral dos cidadãos. Bastará atentar, por exemplo, na norma que seja declarada inconstitucional por não permitir, em processo penal, uma dupla jurisdição em relação à matéria de facto e nas repercussões de tudo isso em relação ao prolongamento de prisões preventivas enquanto demoram os processos a ser apreciados.
É desprestigiante para o sistema democrático que o princípio da celeridade processual, que claramente transparece na lei orgânica do Tribunal Constitucional, fique, afinal, por efectivar. Se é que se pode estabelecer hierarquias quanto à celeridade da justiça, então temos de reconhecer que a justiça constitucional deve situar-se no primeiro grau. É que está em causa o cumprimento da Lei Fundamental.
O projecto de lei, no entanto, não se debruça sobre estas questões nem responde às preocupações do Tribunal Constitucional nesta matéria. Trata-se de um diploma que propõe uma medida pontual, tão pontual que até podemos interrogar-nos sobre se a iniciativa legislativa se caracterizará pela generalidade e abstracção que caracterizam as leis. Talvez ninguém possa esquecer nisto tudo que, no pano de fundo que suporta esta iniciativa legislativa, se desenha a Comissão de Inquérito de Camarate, a questão suscitada a respeito da mesma quanto à constitucionalidade da lei das comissões de inquérito. Mas os problemas levantados quanto à orgânica e funcionamento do Tribunal Constitucional têm a ver com os interesses de todos os cidadãos e não podem encarar-se de uma forma restrita, nem pode correr-se o risco de, em nome da aceleração pontualmente determinada, se causar morosidade relativamente aos processos preteridos.
Para além disso, a solução proposta, envolve alguns riscos, que devem ser sopesados, em confronto com outras possíveis soluções. A solução que vier a encontrar-se terá de ter em devida conta o facto de o garante da Constituição ser um tribunal cujo estatuto de dependência deve ser preservado. A fórmula vaga projecto talvez não acautele devidamente os riscos de aproveitamento do Tribunal Constitucional para efeitos políticos não consentâneos com o estatuto do mesmo que, aliás, os juizes repudiam e até a experiencia estrangeira nessa matéria.
Por isso mesmo, não se correrá o risco de banalização do instituto de prioridade, ou do uso, ou tentativa de uso, do mesmo como arma política? O facto de se

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concentrar numa só pessoa- o presidente- o poder de conceder a prioridade, ao contrário do que se encontra estabelecido para os tribunais judiciais, em que há um órgão colegial a definir as prioridades, será a melhor solução? A concessão de prioridade a um processo de fiscalização abstracta sucessiva não poderá ocasionar o retardamento de processos urgentes, como os relacionados com arguidos em prisão preventiva, nos quais está ou poderá estar em causa o direito à liberdade? Ou com processos em que está em causa o direito ao trabalho?
O leque de interrogações suscitado pelo teor do projecto de lei e pela solução parcelar e pontual pretendida (como vimos, partindo de um horizonte muito limitado e muito definido) aconselha uma maior ponderação, um debate muito amplo sobre uma reforma da lei orgânica do Tribunal Constitucional. É necessário acolher a experiência de 10 anos de funcionamento do mesmo. E, finalmente, adequar as normas procedimentais às atribuições do Tribunal, tornando possível uma justiça constitucional eficaz.
Entendemos, assim, que é avisado, como já está requerido e subscrito (penso que por todos os grupos parlamentares), a baixa, sem votação, do projecto de lei à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, por forma a que possamos cumprir o imperativo de garantir a plena realização dos princípios constitucionais materiais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, este debate tem, inegavelmente, o mérito de ter permitido à Assembleia da República, depois de um ciclo em que foram introduzidas numerosas alterações legais que se projectaram na panóplia de competências do Tribunal Constitucional, uma reflexão ou um balanço não só sobre o que foi feito e- digamos tudo- os vícios do que foi feito, como uma reflexão sobre aquilo que é necessário fazer. Essa reflexão, e positivo é que assim tenha acontecido, está em aberto e conta- deve contar, desejamo-lo- com a cooperação institucional daqueles que têm tido a experiência prática e a responsabilidade de aplicar o quadro legal aprovado pelo Parlamento e promulgado pelo Sr. Presidente da República.
Digo que é positivo que isso tenha acontecido e que é um mérito dessa iniciativa, que terá, porventura, alguns deméritos mas, seguramente, tem este mérito: foi dela que partiu (e com isso nos congratulamos) a discussão que hoje estamos a ter e que vai ter consequências. E vai tê-las, por um lado, porque já propiciou uma decisão unânime, presumo eu, no sentido de se assegurar o diálogo que não existiu até este momento com o Tribunal Constitucional; e, por outro lado, porque permitiu apurar os limites e as dúvidas de uma solução que não se reclama de «alavanca de Arquimedes» para a resolução dos problemas do Tribunal Constitucional mas Que, dentro dos seus próprios limites, suscita algumas dúvidas e exige precisões.
Devo dizer que o debate travado tem contribuições, as mais diversas, que se cruzam e convergem. Por exemplo, tratando-se de uma excepção à normal distribuição, parece-me evidente- e suponho que é evidente para toda a Câmara- que não se pode transformar num mecanismo normal, normalizado ou banalizador, invocável como gazua para alterar a ordenação normal dos processos.
Em segundo lugar, dentro deste campo de preocupações, não pode preterir prioridades que decorram de outras normas constitucionais, desde logo, como é evidente, dos processos de fiscalização preventiva, como tive ocasião de sublinhar, mas não só- a Sr.ª Deputada Odete Santos, por exemplo, ou os Srs. Deputados António Lobo Xavier e Luís Pais de Sousa também o referiram-, processos como os orçamentais ou os de réus presos, os quais, nos termos do regulamento interno do Tribunal Constitucional, já gozam de especial regime de urgência que, de facto, é uma prioridade; para utilizarmos uma qualificação própria.
Outro aspecto que resulta clarificado e que me parece um ponto de consenso é que a alteração legal não visa facultar o uso deste instrumento para, sem transparência e à revelia da normal composição do Tribunal e dos critérios pelos quais um tribunal, que não uma câmara política, se devem reger, impor saltos decisionais ou precedências que não tenham a seu favor, com um consenso alargadíssimo, um juízo sobre a sua excepcional idade e importância nacional. Mas, neste caso, a Câmara tem de definir com mais cuidado, entendo eu- e suponho que também resulta do debate-, esta cláusula, este conceito relativamente indeterminado que vai permitir ao Tribunal dar precedência a certos processos.
Não é que a lei não esteja já recheada de conceitos relativamente indeterminados. Quando o próprio texto legal hoje permite a urgência, «quando ponderosas razões o justifiquem», está a lançar mão de um conceito relativamente indeterminado que tem sido administrado exemplarmente- devo dizer- pelo Tribunal. Tão exemplarmente que não há precedente de uma só decisão tomada por outro mecanismo que não a unanimidade plena. Não uma decisão do Presidente que tale ou dos Presidentes, mas uma decisão que o Presidente toma substanciada e apoiada, ou melhor, sem objecção de qualquer Conselheiro, o que significa um esforço de conglobar visões, sensibilidades, pré-compreensões e tudo o mais que é importante que se reflicta na delicada composição de um Tribunal Constitucional, este ou outro em qualquer outro sítio.
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há um outro risco de que nenhum dos Srs. Deputados falou, mas que gostava de referir- o que poderia decorrer da interpretação de que, concedendo-se meios para que os processos de fiscalização de constitucionalidade sucessiva abstracta sejam particularmente céleres, o mecanismo de fiscalização preventiva ficaria desamparado. Ora, não é assim! A fiscalização preventiva é o que é, incide sobre normas que ainda não existem, não foram publicadas nem entraram em vigor; tem uma lógica, uma dinâmica e uma autoria, uma iniciativa própria, não substituível pela fiscalização sucessiva abstracta, ainda que rapidíssima e com a mais alta prioridade. Portanto, instituir este mecanismo não significa afectar em nada o outro.
Foi- e é- extremamente importante que se tome consciência de que temos entre mãos uma obra de correcção de instrumentos legais aprovados nos últimos meses em condições que, da parte do Grupo Parlamentar do PS, se disse sempre serem imprudentes e perigosas e que ampliaram a mancha de competências do

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Tribunal Constitucional sem, simultaneamente, adoptarem as providências- tanto na clareza de opções como nos instrumentos secundários- necessárias para evitar melindrosíssimas situações institucionais.
É grave que isso aconteça em relação à lei do financiamento dos partidos e que as dúvidas se suscitem em relação à própria aplicação da lei no tempo quanto a este instrumento e que, quanto às incompatibilidades, a lei seja puramente inexequível por falta de instrumentos de organização procedimental da forma de avaliação da existência ou não de incompatibilidade perversa.
Ou seja, uma lei aprovada pela Assembleia da República, cuja substância os senhores conhecem, e que entrou em vigor no mês de Agosto de 1993 sob o signo da moralização das incompatibilidades do exercício de altos cargos públicos está hoje, ainda- Março de 1994 -, inteiramente inexequível porque, em primeiro lugar, não é clara, em segundo, faltam os instrumentos adjectivos e, em terceiro, faltam os meios. Que a Assembleia da República o reconheça- isso consta do relatório aprovado esta manhã e foi admitido aqui por todas as bancadas- é um primeiro passo para aquilo que tomaríamos como um compromisso institucional de apreciação urgente das medidas necessárias para pôr cobro a este aspecto que traduz uma perigosíssima anomalia institucional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, só por isto - por este resultado e este debate- teria sempre valido a pena que o Deputado Freitas do Amaral e os que subscreveram esta iniciativa tivessem assumido a responsabilidade de obrigar-nos a fazer esta reflexão. Começou a ser feita. O nosso voto é de que acabe bem aquilo que começou como começou.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, encerrado este debate, chamo a vossa atenção para o facto de ser consensual a realização de duas votações a que vamos proceder pois, se assim não fosse, teriam lugar apenas na sessão de amanhã, conforme foi decidido na Conferencia dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Vamos proceder à votação do requerimento de baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, do projecto de lei n.° 354/VI - Aditamento de um novo número ao artigo 65.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional) - para efeito de nova apreciação no prazo de 30 dias, apresentado pelo PSD, PS e PCP.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

De seguida, vamos proceder à votação, na generalidade, na especialidade e final global do projecto de resolução n.° 93/VI- A Assembleia da República delibera considerar que o Inquérito Parlamentar n.° 12/VI revela insuficiências e deficiências no controlo e fiscalização do processo de atribuição de subsídios à produção de cereais por parte dos órgãos competentes da Administração Pública, designadamente o INGA; informar o Governo e particularmente o Ministério da Agricultura das conclusões deste Inquérito, através da remessa do respectivo relatório; publicar integralmente as conclusões finais do relatório e remeter ao Ministério Público as actas do Inquérito, apresentado pelo PSD, PS e PCP.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, o último ponto da ordem do dia consta da apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 343/VI - Garante aos trabalhadores, em caso de cessão total ou parcial de empresa ou estabelecimento a manutenção dos direitos adquiridos nas convenções colectivas de trabalho (PCP).
Para uma intervenção, na qualidade de autor da iniciativa, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A alínea c) do artigo 296.° da Constituição da República Portuguesa dispõe que: «Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão no processo de reprivatização da respectiva empresa todos os direitos e obrigações de que forem titulares.»
Significa este preceito constitucional que a Assembleia da República, usufruindo do seu mais nobre poder legislativo - o constituinte - consagrou, de forma inequívoca, a garantia dos direitos dos trabalhadores quanto a vínculos, carreiras profissionais, horário de trabalho, estabilidade de emprego, estatuto remuneratório, ou seja, todo um acervo de direitos decorrentes dos instrumentos regulamemadores de trabalho, vigentes à data de uma eventual alteração do estatuto da respectiva empresa.
O legislador constituinte, tendo, embora, aberto a porta a alterações da estrutura económica consagrada na Constituição de 1976- e importaria reflectir qual o balanço, em termos de desenvolvimento económico, de emprego, de melhoria do custo de vida, que alterações na distribuição do rendimento nacional decorreram de tais mutações -, para além de tudo o resto, garantiu, de forma inequívoca, os direitos dos trabalhadores que vendem a sua força de trabalho a empresas susceptíveis de alterações do respectivo estatuto.
Constitui, aliás, um princípio básico do direito laboral o primado das disposições decorrentes dos instrumentos legisladores de trabalho em relação a alterações ns titularidade patrimonial da empresa (atente-se no artigo 37.º do Decreto-Lei n.° 49 408, de 24 de Novembro de 1969).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1992, o Governo do PSD, a culminar um processo que na devida altura foi aqui denunciado como uma autêntica tentativa de contrabando legislativo, foi forçado pelo Tribunal Constitucional a submeter a esta Assembleia um pedido de autorização legislativa, criticado pelos partidos da oposição, e que veio a dar origem à Lei n ° 11/92, de 15 de Julho.
Importará recordar que quando esta Assembleia discutia a autorização legislativa já o Governo PSD pusera à discussão pública os decretos-leis que vieram a emergir da mesma autorização.
Tal foi a celeridade legislativa do Governo do PSD que deu origem àquele tipo de situações que é caso para se aplicar o ditado popular: «o que nasce torto tarde ou nunca se endireita».

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De facto, o Decreto-Lei n.° 209/92, entre outros aspectos, ao alterar a redacção do artigo 9.° do Decreto--Lei n.° 519-C1/79, veio permitir interpretações abusivas por parte do patronato.
Dir-se-á que a redacção primitiva não era a melhor, só que é caso para dizer, depois do Decreto-Lei n.° 209/ 92, que foi «pior a emenda que o soneto».
Em causa está o indiciar-se por referência a um período temporal, que embora mínimo há quem pretenda transformar em máximo, quanto ao respeito pelo instrumento regulamentador que obrigava a entidade cedente e que passa a obrigar a entidade patronal cessionária. Está também em causa a expressão «salvo se tiver sido substituído por outro.»
Sistematicamente, o patronato agarra-se a esta redacção para tentar substituir a aplicação de acordos de empresa por contratos colectivos de trabalho, sempre que estes disponham em desfavor dos trabalhadores abrangidos relativamente ao primeiro instrumento regulamentador.
Para o PCP, é inaceitável o argumento de que o que há são meros abusos que os tribunais competentes repararão. Têm-no de facto reparado, quer através de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, quer pela doutrina constante do Acórdão n.° 71/90, do Tribunal Constitucional, sobre a Lei n.° 11/90, no escrupuloso respeito pelo disposto no artigo 296.° da Constituição da República Portuguesa.
Porém, o PCP considera urgente que o poder legislativo actue de forma efectiva, atalhando tais interpretações abusivas a que a actual redacção do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 509-C1/79 veio dar azo.
O argumento de que os tribunais repararão os abusos poderá ser fácil no plano teórico, mas não tem qualquer sustentação no plano da justiça social para os muitos milhares de trabalhadores, que, no dia a dia, vêm sofrendo os efeitos da aplicação de um normativo que, até por força da jurisprudência, é mais do que consensual, está a ser objecto de interpretações abusivas.
O PCP não se remete à posição farisaica de que o poder judicial há-de fazer justiça. Se o aparelho judicial está sobrecarregado do processos e se é consensual que um normativo legal está a ser objecto de desvirtuações cabe a esta Assembleia, órgão legislativo por excelência do Estado de direito democrático, atalhar e impedir tais desvirtuações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só uma perspectiva retrógada, só urna total insensibilidade perante os princípios de justiça social pode remeter para o poder judicial a responsabilidade exclusiva de impedir violações sistemáticas, ainda que abusivas, de normativos legais e de preceitos constitucionais.
Não colmatar evidentes «alçapões» legais é ser cúmplice com o prevaricador que, no caso vertente, é sempre a entidade patronal e quem sofre os efeitos do abuso de poder são sempre os trabalhadores, ou seja, a parte mais fraca da relação laboral.
E que efeitos, Srs. Deputados!
Que o digam os trabalhadores da ex-Quimigal, da Sorefame e das empresas resultantes da privatização da Rodoviária Nacional.
E porque a violação dos direitos dos trabalhadores, em caso de cessão da empresa, prolifera como cogumelos, o PCP apresentou o projecto de lei n.° 343/VI, Que visa tão só clarificar que «em caso de cessão, total ou parcial, de empresa ou estabelecimento, a entidade empregadora cessionária ficará obrigada a observar o instrumento de regulamentação colectiva que vincula a entidade empregadora cedente, enquanto tal instrumento não for substituído por outro.»
Com a vertente iniciativa legislativa, pretende o PCP coarctar interpretações de que a caducidade de uma convenção de trabalho teria como consequência a redução do trabalhador às condições de pane de um mero contrato individual de trabalho, vendo-se obrigado a «aceitar» reduções dos seus direitos, que a vigência de um instrumento regulamentador de trabalho obviamente não permite.
Aqui, importa questionar a quem serve esta ambiguidade legislativa. Aos trabalhadores não é, com certeza!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ambiguidade da actual redacção do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 519-Cl/79, em que a entidade patronal, umas vezes se fixa abusivamente no limite máximo de 12 meses, noutras, numa pretensa caducidade do acordo de empresa e, noutras ainda, na tentativa de substituir acordos de empresa por contratos colectivos de trabalho mais desfavoráveis, tem servido como «chapeu-de-chuva» para o incumprimento de direitos que insofismavelmente assistem aos trabalhadores.
A presente iniciativa legislativa do PCP não visa resolver todos os problemas com que actualmente se confrontam os trabalhadores portugueses, pois estamos cientes de que tal só se resolve com uma outra política e com outro Governo. Mas apresentámo-la, e hoje defendemo-la, com os olhos postos nos trabalhadores da Rodoviária Nacional, da ex-Quimigal, da Sorefame e, a muito curto prazo, nos da EDP, dos TLP, da Telecom, da Siderurgia Nacional, da Lisnave, da Solisnor, da Setenave e de tantas e tantas outras empresas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Com a discussão do presente projecto de lei fica à prova a sinceridade de todos quantos nesta Assembleia proclamam o sagrado princípio da garantia dos direitos dos trabalhadores por via contratual.
Mas, fundamentalmente, é colocada também à prova a fidelidade de todos e de cada um dos Deputados desta Câmara ao texto constitucional e à jurisprudência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poderia o PCP ter apresentado uma iniciativa legislativa mais vasta, pois motivos não escasseiam, num quadro em que o direito ao trabalho, a um nível de vida condigno, ao emprego, aos direitos colectivos, individuais e sociais dos trabalhadores são fortemente atacados (matérias, aliás, sobre as quais o PCP já apresentou diversos projectos de lei). No entanto, com o projecto de lei n.° 343/VI, que discutimos, pretendemos tão-só dar um passo numa matéria que afecta milhares de trabalhadores e sobre a qual muitas declarações de pias intenções já nesta Câmara ouvimos proferir.
Propomos, assim, que passemos das palavras aos actos e que, ainda que minimamente, possamos contrariar o ditado de que «o que nasce torto tarde ou nunca se endireita».

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A aprovação do projecto de lei n.° 343/ VI, agora em discussão, mais do que um objectivo meramente interpretativo, será um inequívoco sinal po-

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lítico de que esta Assembleia da República não pactua com interpretações abusivas do patronato e está atenta à conformidade rigorosa da legislação ordinária aos superiores princípios constitucionais.

Aplausos do PCP.

Entretanto, reassumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Trindade, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que o CDS-PP anotou, com a surpresa que certamente isso lhe causará, uma notável abertura, por parte do PCP, a critérios de flexibilização das relações laborais, por que, aliás, sempre pugnámos e que é vertida neste projecto de lei n.° 343/VI.
Na verdade, com este projecto de lei pretende-se clarificar o actual regime, permitindo ao cessionário, sem dependências de prazo, a livre escolha do momento em que pode, por denúncia, iniciar um processo de renegociação colectiva.
Com isto está o CDS-PP inteiramente de acordo. Aliás, cremos que se terão, eventualmente, de aprofundar situações deste tipo de flexibilização, no desenvolvimento daquilo a que se vem chamando «um direito de trabalho na crise».
Retomando o pedido de esclarecimento, e sendo certo que este projecto de lei visa modificar uma incompreensível alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.° 209/92, pergunto: por que razão o PCP não ficou pela simples reposição do texto original?
Na verdade, este projecto de lei deixa cair a obrigação de a empresa cessionária observar, até ao termo do respectivo prazo de vigência, a regulamentação colectiva de trabalho, que consta da redacção original do Decreto-Lei 519-C1/79. Pergunto, pois: abre-se ou não, deste modo, se este projecto de lei for aprovado, a possibilidade imediata de denúncia da convenção aplicada até à cessão? Se for este o entendimento- como penso ser -, concorda ou não o Sr. Deputado que, para evitar mais um processo de confusão legislativa, se deveria tornar expressa a revogação da alínea a) do n.° 3 do artigo 16.° do Decreto-Lei 519-C1/79, revogação essa que, com o actual texto proposto, seria tácita?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira Ramos, não consegui entender como depreendeu da minha intervenção qualquer adesão a princípios quanto à flexibilização das relações laborais. De qualquer forma, se entende por isso a defesa que o Grupo Parlamentar do PCP faz do primado da contratação colectiva em sentido amplo é óbvio que defendemos e temos defendido sempre essa contratação.
Este nosso projecto de lei surge, precisamente, para colmatar aquilo que- para não ir mais longe- diria que foi uma «infelicidade» do legislador ordinário do Governo e que, de facto, veio abrir porta a uma tremenda confusão, por vezes usada abusivamente. É que a própria Constituição é clara e o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado nesse sentido quanto ao artigo 296.°, aliás tal como a própria Lei Quadro das Privatizações. Ora, verifica-se é que a actual redacção daquele artigo, ao terminar, dizendo «(...) salvo se tiver sido substituído por outro», leva a situações em que, perante um acordo de empresa que está em vigor sem ter sido negociado, uma outra entidade patronal pretenda substituí-lo por um contrato colectivo de trabalho mais desfavorável para os trabalhadores. Obviamente, não concordamos com isto e pretendemos clarificar, qual é o sentido da substituição do instrumento regulamentador de trabalho que pretende alcançar-se.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As empresas de maior dimensão, nomeadamente as resultantes do processo de privatizações, que, nas décadas de 60 a 80, foram percursoras nas relações industriais e dinamizadoras de um sistema de negociação colectiva são, hoje, acrescido factor de instabilidade social e de retrocesso das relações de trabalho em Portugal.
Foi sem surpresa que, num colóquio parlamentar, promovido pela Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família da Assembleia da República, a propósito das comemorações do aniversário da OIT, se constatou unanimidade quanto ao papel estratégico no desenvolvimento económico e social, para a estabilidade e aprofundamento da democracia, dos direitos dos cidadãos, da concertação social como o sistema mais eficaz de resolução pacífica dos conflitos de interesses entre parceiros sociais. Estamos, assim, de acordo: empregadores e empregados, poderes legislativo e executivo e até a intervenção judicial apontam, cada vez mais, para a mediação e a arbitragem tripartida.
Porém, passando do domínio da teorização para a prática, o balanço é mais do que preocupante e começa a merecer a nossa indignação, tanto mais que não se explica apenas pela crise resultante do fenómeno internacional de arrefecimento da economia mundial mas porque tem já uma forte componente da responsabilidade do Governo, que tem pretendido trocar condições de vida e de trabalho por emprego sem qualidade e sem futuro.
O próprio «Livro Verde» estabelece um diagnóstico sombrio: «o aumento presente do desemprego em 1994, na sequência de elevada taxa de desemprego estrutural que se verifica, torna este fenómeno não só socialmente perigoso como também, política e economicamente, inaceitável. Importa parar a «acumulação» de desemprego com cada recessão porque esta significa que, actualmente, cerca de metade dos desempregados se encontram nessa situação há mais de 12 meses».
Não deixa de ser escandalosa a ineficácia da Administração e do Governo em Portugal, apesar dos fundos estruturais de que dispôs no combate aos índices que nos envergonham, publicados em 17 de Novembro de 1993, de que destacamos o custo médio horário do trabalho na indústria transformadora que mantém Portugal na cauda da Europa.
O «Livro Verde» constata que, de 1981 a 1990, Portugal reduziu para metade o custo/hora sem qualquer

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correspondência em acréscimo de produtividade, mantendo-se como o país europeu de pior investimento instalado por posto de trabalho.
Apesar dos esforços na formação profissional que, entre nós, não têm coordenação com o sistema educativo, o ensino pós-obrigatório e o universitário público não acompanham as necessidades e, mais uma vez, as habilitações académicas da nossa população activa colocam-nos em posição diminuída face aos nossos parceiros mais pobres. Neste plano, a Grécia bate Portugal e, curiosamente, o Reino Unido e a Itália.
Paradoxalmente, assistimos a um fenómeno novo, sem paralelo na sociedade portuguesa: o desemprego dos quadros, eles próprios escassos e necessários. Os quadros médios e superiores estão a ser desempregados de uma forma disfarçada de pré-reforma ou de rescisão, dita "voluntária", do contrato de trabalho, sem que se concretizem medidas de apoio a estes novos desempregados, entre os 40 e os 50 anos, depois de uma vida activa realizada e promissora e de carreiras contributivas avultadas para a segurança social.
As mais recentes medidas de gestão da segurança social são repressivas sobre os beneficiários de uma insuficiente protecção no desemprego, pela obrigatoriedade de prestação de trabalho sem atender à dignidade e às condições psicológicas do trabalhador.
Recorrem aos serviços de colocação do Instituto de Emprego e Formação Profissional os empregadores sem qualidade que oferecem ao trabalhador salários muito inferiores ao subsídio de desemprego.
As ofertas de emprego qualificadas e bem remuneradas são promovidas, por razões de prestígio ou para mascarar compadrios, através de recrutamentos caros efectuados pelo recurso a empresas e metodologias que, por serem espalhafatosas, não são garante de transparência.
O PSD, em obediência a interesses que nada têm a ver com o normal funcionamento da economia e do mercado de trabalho, fragilizou as relações profissionais e comprometeu o edifício do direito de trabalho edificado desde a Primavera Mareei lista, em que o processo de privatizações foi o pretexto para uma regressão social sem progresso sequer económico. ;. São inúmeras as petições oriundas de todos os sectores a reclamar direitos que, apesar de garantidos na Lei Quadro das Privatizações, no seu artigo 19.°, de .forma propositadamente vaga - "todos os direitos e obrigações de que os trabalhadores sejam titulares estão garantidos"-, não têm, hoje, a menor aplicabilidade. Portanto, os referidos direitos são comprometidos por uma alteração ao Decreto-Lei n.° 519-C- Lei de Negociação Colectiva- que o Decreto-Lei n.° 209/92 .limitou ao período de vigência da convenção aplicável, datado de um período mínimo de um ano, mas que permite, na prática, regimes sucedâneos não negociados .perfeitamente demolidores de um quadro de relações sócio-profissionais estabelecidas ao longo de décadas, património das empresas, entregues a formas selvagens de reestruturação, tão em moda como a fuga aos compromissos sociais com os trabalhadores de idade activa útil, embora superior a 40 anos, sob o rótulo atentatório ;_da dignidade humana de entrarem na "obsolescência .dos recursos humanos". Não foi, portanto, uma decisão inadvertida e inocente. Foi uma aposta na precariedade do trabalho que atingiu brutalmente a negociação colectiva, em manifesto desfavor de uma das partes que fica, assim, submetida à pressão da contenção salarial, a trabalho sem condições e qualidade, sem lograr obter a. estabilidade prometida do posto de trabalho ou níveis d0 emprego aceitáveis.
É o próprio Governo que dá o exemplo na Administração Pública: lança os excedentes, despede os contratados a termo, aumenta o número de funcionários públicos recrutados entre os amigos e diz que ou aceitam negociar um Acordo Económico e Social em período eleitoral e têm aumento salarial de 4 % (abaixo da inflação prevista) ou apenas de 2%, sujeito à erosão fiscal que coloca este acréscimo de remuneração entre os 0,4 e os 0,9 %, numa atitude revanchista intolerável.
Portugal, apesar dos milhões comunitários, continua a ter os Índices de bem-estar social reduzidos e, mesmo assim, o Governo tem permitido que uma campanha bem orquestrada pelas seguradoras e outros promotores de produtos financeiros, sem segurança, sem participação dos parceiros sociais nem enquadramento na política económica, fiscal e social do Governo, faça crer que a falência da segurança social está iminente e que não há garantia de cobertura das reformas ou da extremamente reduzida protecção no desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na recente iniciativa parlamentar da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, o Sr. Presidente do Conselho Económico e Social chamou a atenção para as dificuldades acrescidas, para os excluídos e para os sectores mais desfavorecidos, num contexto de desconcertação que acarreta maiores dificuldades também à negociação colectiva.
O esforço de concentração social, porém, não pode ser feito quando e como o Governo quer, sempre com o sacrifício de uma das partes. A situação social dos portugueses aconselha e impõe que o crescimento moderado dos salários se mantenha, bem como uma profunda modernização das empresas, com introdução tecnológica e organizacional, negociada e acompanhada de programas de formação e reconversão dos trabalhadores.
Impõe-se o debate do destino dos excedentes e poupanças entre empregadores e trabalhadores, em termos complementares da protecção social ou até em investimento, para o que é indispensável encontrar para cada sector ou empresa um sistema adequado de negociação.
O Governo falhou deliberadamente no seu papel de regulação e garante de tal sistema, aceita que a lista de árbitros não seja publicada por boicote de uma das partes, inviabilizando, assim, a arbitragem obrigatória, metodologia aceite como expedita e justa de resolução de impasses que prejudicam os trabalhadores e as empresas que cumprem e pagam salários e prestações mais consentâneas com as regras sãs de convivência, promoção da produtividade e qualidade da empresa, o que inclui, necessariamente, a motivação e o bem-estar da comunidade de trabalho.
A atestar este sombrio diagnóstico das relações colectivas em Portugal, basta constatar que, em 1992, as contratações colectivas cobriram 2,018 milhões de trabalhadores e, em 1993, apenas 1,3 milhões, o que, nas palavras avisadas do Sr. Dr. Nascimento Rodrigues, representa um perigoso impasse que tende a acentuar--se em 1994.
A contrariar a unanimidade dos oradores académicos ou parceiros sociais, que apontam para a necessidade de Portugal aumentar a negociação na empresa.

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os acordos de empresa passaram da cobertura de 7 % dos trabalhadores em 1992 para apenas 4 % em 1993.
Também a representação dos trabalhadores na empresa passa pelo seu pior momento: as comissões de trabalhadores estão em vias de extinção e os sindicatos vivem a sua maior sangria, em termos de sindicalização, nas últimas décadas. Logo, os recursos financeiros para fazer face às necessidades de apoio técnico, às reestruturações e falências que se sucedem em catadupa são insuficientes para dar resposta adequada às solicitações da participação na vida democrática em Portugal e na Europa.
Todos os processos de privatização em sectores tão diversos como a banca, os petróleos, a química, a indústria naval, os transportes, conduzem à redução drástica do emprego, das condições de trabalho, de estatuto e salário, sendo escandalosamente exemplar o caso da marinha mercante, cujo empregador privado substitui, sistematicamente, as tripulações portuguesas por estrangeiras, sem que tal prática de redução dos efectivos nacionais tenha contribuído para aumentar a competitividade do sector.
A acção conjugada da crise, da ineficácia do Governo e do oportunismo de alguns empresários tem criado dinâmicas perversas, cujas consequências começam agora a ser evidentes.

Vozes do PS:- Muito bem!

A Oradora: - Pelo que, não chega mudar de Ministro, é necessário mudar de Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O projecto agora apresentado pelo PCP, em consonância com o capítulo VI do projecto de lei n.° 441/VI- sobre privatizações-, apresentado pelo PS, é ainda aplicável a empresas ou sectores que cessem actividade e, sem qualquer justificação, recusem a manutenção dos benefícios dos trabalhadores e mesmo a negociação de um regime sucedâneo que respeite a dignidade dos trabalhadores.
A sua pura e simples rejeição pelo Grupo Parlamentar do PSD, a insensibilidade deste e do seu Governo, bem como a incapacidade agora revelada, cuidadosamente oculta por hábil manipulação das estatísticas, já não chega para iludir a opinião pública e esconder a degradação das condições de vida e de trabalho dos portugueses.
O PCP apresentou e teve a virtude de colocar de novo em debate esta estratégia e a situação dos trabalhadores portugueses, sobretudo das empresas decorrentes das privatizações. Contudo, não acreditamos que esta iniciativa vá encontrar melhor solução do que outras, já aqui sobejamente discutidas, ou melhor acolhimento que as sucessivas petições que têm vindo a esta Casa, sem respeito pelo apelo que nos fazem os cidadãos. Ou seja, o PSD vai rejeitar esta proposta do PCP, como rejeitou outras.
Esta é uma escolha sem desculpas do Governo, consentida pelo Grupo Parlamentar do PSD, que merece a punição dos trabalhadores portugueses.

(A Oradora reviu). Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Sr Deputada Elisa Dam ião, retive da sua intervenção nomeadamente, a abordagem que fez em matéria ilações de direitos e, inclusive, quanto à situação deondante que se vive na administração pública, comi imposição de um aumento salarial de 2,5 %, acompanhado por um aumento de 2 % de desconto, o mie como referiu, dá percentagens ridículas de zero e qual! quer coisa.
Também em relação à administração pública, encontramos o Governo, enquanto entidade patronal, à proliferar as formas de trabalho precário, os recibos verdes e os contratos a termo, criando enorme instabilidade nesses organismos e desmotivando os trabalhadores.
O que é facto é que quando abordamos a temática das privatizações - sem sequer falar nas grandes negociatas que se têm feito em torno deste processo das privatizações - , encontramos sempre, neste processo, a tónica da precarização dos vínculos laborais e da redução dos direitos. E, perante este quadro, o Governo do PSD lava as mãos como Pilatos!
Não considera a Sr.ª Deputada que o Governo deveria ter um acompanhamento mais directo e atento destes processos, nomeadamente por parte da Inspecção-Geral de Trabalho? E, quanto à potencialização dos recursos humanos, também não concorda que é com trabalhadores motivados - que, para estarem motivados, tem de ter um mínimo de estabilidade social e de segurança na sua vida quotidiana - que se pode, de facto, tornar a nossa economia competitiva, ao invés de apostar na mão-de-obra barata, no trabalho precário, sem direitos, etc.?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se desejar, tem a palavra a Sr. Deputada Elisa Damião.

A Sr. Elisa Damião (PS):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Trindade, agradeço-lhe as chamadas de atenção que fez, com as quais concordo em absoluto.
A esse propósito queria dizer o seguinte: o Governo do PSD, nas duas vezes que teve maioria absoluta, legislou no sentido de retirar, propositadamente, poderes à administração do trabalho, dos conflitos e da negociação, fragilizando a função inspectiva do Governo. Portanto, abdicou da função reguladora do Estado, não no sentido de desbloquear as barreiras à negociação colectiva - chegou mesmo a introduzir alterações legislação - mas, sim, de se desresponsabilizar dessa função social do Governo.
Assim, em nome de um qualquer liberalismo, acabou propiciar interesses e, obviamente, corrupções que algumas empresas devorem outras e, consequente, inúmeros postos de trabalho que não são justificáveis crise económica que tudo parece esconder...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig (PSD): - Sr. Presidente, lados: Confesso que quando se iniciou este

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[...] tava com grandes dúvidas acerca da postura a assumir pelo Grupo Parlamentar do PCP. Pensava, aliás, que o PCP acabasse, um pouco, por criar um grande equívoco ou falácia à volta desta questão. O que era possível, sobredimensionando as formas em que toda esta sessão era admitida e possível.
Mas não! O Sr. Deputado Paulo Trindade fez uma análise séria desta questão, deu-lhe a sua devida importância e mostrou que estudou o tema, tendo-me surpreendido favoravelmente.
De seguida, para meu espanto, a Sr. Deputada Elisa Damião surpreendeu-me ao contrário, ou seja, pela negativa: trazia uma intervenção escrita- contava que o PCP, de início, lhe desse aquele gás que não deu- que nada diz sobre o que o PS pensa, não se pronunciou sobre a proposta nem propôs qualquer alteração, não leu ou nem sequer percebeu o que é que está em causa.
Falou sobre o desemprego, sobre a ânsia do PS em ser governo, que já conhecemos, e de que o PSD iria, pura e simplesmente, rejeitar esta proposta, mas teve azar com os seus excessos todos, porque o PSD acabou de apresentar na Mesa um requerimento de baixa à Comissão deste projecto de lei, sem votação. O PS até nisso teve azar!
Agora, por causa desta questão que está aqui em apreço, que tem a ver principalmente com uma ou outra interpretação errada e errónea que fizeram de determinado normativo ou de uma questão de pormenor que, aliás, se fez com ideia de defender alguma estabilidade dos direitos dos trabalhadores, falar em mudança de Governo, em números de desemprego e em o PSD rejeitar, parece-me desajustado.
Penso que é uma excelente oportunidade- devemos sempre ter essa tentação quando estamos em debates, em que a comunicação social não se encontra toda presente, em que não está a televisão- de analisar com serenidade e profundidade as questões, às vezes de pormenor, mas que vão criando em nós bons hábitos de trabalho.
Foi um mau exemplo o que deu a Sr. Deputada Elisa Damião e foi um bom exemplo, que quero registar, o que deu o Sr. Deputado Paulo Trindade do PCP.
Quero, antes de mais e muito brevemente, esclarecer, porque não vale a pena entrar por caminhos a que estes debates não devem conduzir, como acabei de dizer, que esta cessão de que fala o artigo 9.° do diploma em discussão, com a alteração que se pretende, é a transmissão de que falava o legislador no contrato individual de trabalho, em 1969, e que se reduz às situações do trespasse e de cessão da exploração, e nunca ao caso concreto das privatizações, de que o PCP fala no preâmbulo do diploma, porque na altura exacta da privatização não se pode pôr isso em questão, podia-se, sim, era ter colocado antes. Porquê? Nessa altura já a antiga empresa pública é uma sociedade anónima de capitais públicos, com personalidade jurídica, independentemente dos sócios, e quando as acções são vendidas aos privados não há qualquer alteração. Portanto, não há cessão, como não havia ou não há transmissão para os efeitos do artigo 37.° do contrato individual de trabalho.
Existe doutrina e jurisprudência a favor desta interpretação que não vale a pena, penso eu, explicitar, Porque a matéria é bem clara.
Se houver qualquer dúvida, há a Directiva n.° 77/187/ que vem regulamentar esta questão e que, no seu 1.°, diz: "A presente directiva é aplicável às transferências de empresas, estabelecimentos ou parte de estabelecimentos, que resultem de uma cessão convencional (...)" - foram as que abordei - "(...) ou de fusão que implique mudança de empresário". Esta última é a única questão que pode sair daquela transmissão habitual a que me referi.
É também no âmbito do n.° 2 do artigo 3.° desta Directiva que é apontada a possibilidade dos 12 meses, cuja alteração foi introduzida pelo Decreto-Lei n.° 209/ 92, de 2 de Outubro. Trata-se de uma possibilidade concedida aos Estados membros.
Devo dizer-lhe que, quando isto nos foi proposto, afirmei logo que, em termos pessoais, não tinha qualquer posição. No entanto, penso que isto merece uma reflexão calma - e, depois, a Sr. Deputada Elisa Damião analisará isto de outra forma-, pois tenho algumas dúvidas. Essas dúvidas devem-se ao facto de, em face do anterior normativo ou do projecto de lei do PCP, se julgo perceber o que ele pretende - e parece-me que não é bem o que dizia o Sr. Deputado do CDS-PP, que estava a ser um pouco "malandreco"...
Ponho um caso concreto muito simples: determinada entidade patronal vendeu uma empresa a outra, que está inscrita numa outra associação patronal de um outro sector qualquer, e, portanto, vinculada por uma outra convenção colectiva. Acontece que, sem esta norma, a empresa passaria, de imediato, para a nova convenção colectiva, mesmo que o sindicato pertencesse à associação sindical da primeira.
Criou-se com isto alguma segurança em nome da estabilidade dos direitos dos trabalhadores. A outra até pode ser mais vantajosa, mas não vamos analisar isso em pormenor.
Penso que 12 meses, um ano, em nome da estabilidade dos direitos que abrangem os trabalhadores, sendo esta claramente a situação concreta, é razoável.
Talvez seja excessiva e violenta- sem ter grandes opiniões pré-definidas acerca disto- a opinião expressa e subjacente à proposta do PCP, de que, se não houver outra convenção colectiva ou se, entretanto, não for subscrita uma outra entre as mesmas associações que tenham subscrito a anterior, ficará para sempre aquela e nunca haverá uma nova.
A meu ver, é excessivo, porque 12 meses é tempo suficiente para isso. Só se estivessem em causa outros valores, nomeadamente o perigo de ficar um vazio de contratação colectiva, se justificaria uma postura diferente, mas, como não está, uma visão destas sobre a questão aqui colocada é excessiva.
A própria discussão pública demonstra claramente que os sindicatos entenderam perfeitamente qual o objectivo e o sentido da alteração da proposta, bem apresentada pelo Sr. Deputado Paulo Trindade, porque só dois sindicatos- o dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa e o dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos, aliás, com um parecer fotocopiado, é que se pronunciaram em termos de discussão pública, que já terminou.
Esclarecida esta questão, cuja resposta não foi dada com mais ênfase porque não foi levantada na intervenção séria feita pelo Sr. Deputado Paulo Trindade, a quem, por isso, manifestei já a meu respeito, nada mais há a dizer.

Aplausos do PSD.

A Sr. Elisa Damião (PS): - Peço a palavra para defesa da consideração, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, como ainda há >um pedido de esclarecimento, dar-lhe-ei a palavra a seguir.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, fomos ouvindo com atenção, provavelmente mais do que aquela que o senhor merece, a sua intervenção e ficámos espantados quando constatámos que aquilo que o senhor fez foi divagar sobre o assunto, tentando adivinhar os argumentos que iríamos usar e criar condições para desvalorizar a intervenção da minha camarada Elisa Damião.
De facto, quando o senhor disse que o discurso dos outros é sempre o mesmo e nada tem a ver com o assunto em discussão, esse é o seu assunto, pois na falta de assunto o seu discurso é o de tentar criar condições para desvalorizar o do dos outros. Fica-lhe mal fazer isso, Sr. Deputado!
Mas, já agora, deixe-me dizer-lhe uma coisa: se alguém não leu o projecto de lei que está hoje a ser discutido foi o Sr. Deputado, porque o que acontece é que a alteração que foi feita à lei, e que hoje se pretende alterar, é perfeitamente restritiva.
De facto, o que se fez foi restringir os direitos dos trabalhadores, porque quando lhes era reconhecido o direito de verem alteradas as condições que regulavam as condições de trabalho numa nova convenção, a introdução da expressão "l 2 meses" restringiu objectivamente aquilo que era um direito dos trabalhadores, porque se o senhor não sabe vai ficar a saber: é que nesse tempo as convenções eram discutidas de dois em dois anos e hoje há convenções que não são revistas há dois, três, quatro, cinco anos.
Ora, se uma convenção não é revista num espaço de tempo como este, com a introdução de apenas "12 meses" está a restringir-se um conjunto de direitos que, certamente, o senhor não gostaria de ver aplicado a si próprio, caso trabalhasse por conta de outrem.
Creia, Sr. Deputado, que nós subscrevemos também o requerimento de baixa à Comissão especializada, com a convicção de que, eventualmente, a este projecto de lei poderá acontecer aquilo que tem acontecido a muitos outros: baixam à Comissão mas nunca mais de lá saem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Deputado Artur Penedos, gostaria de abordar três pontos na minha resposta ao seu pedido de esclarecimento.
Em primeiro lugar, julgo que o senhor voltou a desfocar um pouco a questão e não valia a pena tratá-la desta maneira.
O senhor disse que os 12 meses restringem! Bom, eles restringem, mas no sentido que já expus há pouco, ou seja, de se tratar de um limite que aquela regulamentação colectiva passa a ter, o que até estimula mais a fazer outra, etc. Aliás, nem sequer vou entrar pela parte do estímulo que isso pode desempenhar, no sentido de ser negociada outra. Mas, repare, o senhor está a querer dar a entender que, entretanto, cai-se num vazio em termos de direitos, da protecção dos trabalhadores e da contratação colectiva...

O Sr. Artur Penedos (PS): - Pois cai!

O Orador: - Ora, o meu exemplo de há bocado demonstra bem que não se cai no vazio, apenas [...] por outra. A questão é só essa, e era bom que Sr. Deputado entendesse isso.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Pois, cai-se em coisa. piores: veja a Rádio Comercial!

O Orador: - Substituiu-se por outra, e foi com esse objectivo que se fez essa alteração e é por essa meta questão que estamos dispostos a analisar, a mudar t prazo ou a enquadrar isto de outra forma.
O senhor disse ainda que isto era uma violência enorme que se produzia sobre os trabalhadores. Mas está aqui a directiva da CEE!... E quer saber mais? Esta fórmula dos "l 2 meses" é a que foi encontrada hoje e que está consagrada, legislativamente, na esmagadora maioria dos países da CEE.
De facto, os senhores estão sempre com a Comunidade, mas quando discutem qualquer coisa não conseguem sair da vossa postura de oposição, não conseguem ver isto de outra forma e sentirem-se, de vez em quando, com um pé um pouco mais dentro da Comunidade.
Quanto aos "12 meses", penso que não se vai ficar no vazio, sem regulamentação colectiva. Aliás, penso que já toda a gente percebeu isso. Vai apenas substituir-se por outra. Prejudica um pouco a estabilidade dos direitos dos trabalhadores?

O Sr. Artur Penedos (PÔS): - Com este Governo nunca se sabe!

O Orador: - Não, creio que pode até ser vantajosa num caso ou noutro!
Sobre a sua consideração inicial, de que a minha intervenção não teria merecido a atenção que o senhor lhe dedicou, só posso dizer-lhe que não tenho nunca com ninguém, nem consigo nem com a sua colega Elisa Damião, destas faltas de educação.
No entanto, devo dizer-lhe que só acompanha e esse atento - e desculpe-me a imodéstia - às minhas intervenções quem tem algum nível cultural. Não é para todos!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para defesa da consideração, tem a palavra a Sr. Deputada Elisa Damião.
A Sr. Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, depois desta intervenção do Sr. Deputado José Puig, não sei se tenho condições para usar da palavra em defesa da consideração porque para fazê-lo é preciso ter comunicação e considerar minimamente o Deputado que acabou de falar...
Penso que o Sr. Deputado tem aqui mesmas condições de qualquer outro Deputado para dialogar nesta Casa e não tem estatuto nem lhe compete avaliar capacidade intelectual de cada um dos aqui estão, porque eles representam aquilo que o também representa nesta Câmara.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O senhor sabe muito bem a [...] mas sabe muito mal a letra e não tem para perceber que não sabe! O senhor não tem ideia do que se passa no sistema das [...] em Portugal.

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Leu uns decretos, leu a directiva e atreveu-se a dizer que na Europa há um sistema de negociação colectiva parecido com o que há em Portugal. Não, há Sr. Deputado! O senhor está equivocado! Inclusive, atreveu-se a afirmar que o regime sucedâneo não cai no vazio, porque há sempre negociação colectiva. Não há! O senhor está equivocado! Não há negociação colectiva em Portugal, e eu expliquei-lhe porquê.

O Sr. José Puig (PSD):- Diga-me um exemplo!

A Oradora: - Dir-lhe-ei que, por exemplo, das treze empresas resultantes da antiga RENIT três delas não têm qualquer negociação colectiva...

O Sr. José Puig (PSD): - Mas estão vinculados a uma convenção.

A Oradora: - Mas qual convenção! Ó Sr. Deputado faça-me um favor: vá fazer o trabalhinho de casa porque vamos ter ocasião de discutir isto, se a sua maioria assim o entender, em sede de Comissão e presumo que o senhor vai honrar a sua palavra, por mais inconveniente que ela seja, e irá discutir este assunto até ao fim.
Sr. Deputado, não há negociação colectiva para vastos sectores em Portugal! Há pedidos constantes de portarias de extensão, há entidades patronais que se furtam a sentar-se na mesa de negociações, não há interlocutores e, neste momento, mais de 50 % dos trabalhadores não têm negociação colectiva porque o seu Governo não publica, conforme se comprometeu, uma lista de árbitros para fazer a arbitragem obrigatória, que também não existe, Sr. Deputado.
Em matéria de negociação colectiva, não somos uma Inglaterra, uma Itália ou uma França! Portanto, não podemos olhar para as directivas comunitárias como se elas se nos aplicassem, porque há uma tradição negociai. De facto, em Portugal, a tradição negociai é recente, incipiente e o seu partido acaba de dar-lhe o golpe de misericórdia,, até porque esta vigência de 12 meses mais não visa do que permitir que; na maioria dos casos, não haja regime sucedâneo. E isso mesmo!

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputada Elisa Damião, penso que não proferi qualquer ofensa, e tanto assim é que os seus comentários tiveram a ver com a resposta que dei ao seu colega Artur Penedos, em relação ao qual fiz aquelas considerações pelas razões que já apontara anteriormente. Aliás, nunca lhe tinha dito nada de semelhante antes porque também ele nunca me tinha falado dessa forma.
No que respeita à matéria que referiu, o que penso é que, se calhar, não existe caso algum de cessão e que decorridos os 12 meses, em face do Decreto-Lei n.° 209/92, não haverá, talvez, uma empresa que tenha ficado sem ser abrangida por qualquer convenção colectiva de trabalho. Se calhar, não haverá uma única! Não ficou abrangida por aquela porque ficou com outra...

A Sr. Elisa Da m ião (PS): - Mas qual outra?

O Orador:- ...que era a que eslava feita pela associação a que pertence o novo empresário, ou seja, a nova entidade patronal. Se calhar, não há uma única, mas se há, dê-me um exemplo.

A Sr.ª Elisa Damião (PS):- Isso é delirante!

O Orador: - E, neste caso concreto - e já passaram mais de 12 meses, pois já fez 12 meses em Outubro de 1993-, se calhar, não houve uma única que ficasse sem ser abrangida por uma qualquer convenção. Ora, de tudo isto, fica-se bem com a ideia da importância real que esta matéria tem, pelo que não vale a pena metermos todos os princípios de concertação ou de negociação colectiva ao barulho.
No entanto, considerando que alguns funcionam melhor e outros pior do que nós, há uma única ideia, e mais nenhuma, face à directiva sobre cessão de empresa, estabelecimento ou partes deles. Aliás, nesta directiva prevê-se tudo sobre a cessão e também a questão de um ano e dos 12 meses. A ideia é esta e só esta! E se o Governo a adoptou, através do Decreto-Lei n.° 209/92, não me venham dizer que fez algum crime inédito e que ninguém, no mundo democrático, tinha alguma vez pensado nisto, num ponto como este. Não foi um crime, mas se fosse não era inédito.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Ferra/ de Abreu): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Artur Penedos (PS): - Para exercer o direito de defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, apetecia-me citar um parlamentar que passou por esta Casa, que, face à pergunta "o que é uma resposta inconveniente?", respondeu: "A pergunta tão inteligente a minha estupidez não me permite responder!"
Naturalmente que o Sr. Deputado José Puig tem ou assume o nível intelectual e cultural que muito bem entender. Há coisas que não nos cabe dizer, pois é preciso que alguém as reconheça em nós e não me parece (pelo menos, ainda não vi em parte alguma esse reconhecimento público) que o Sr. Deputado tenha essa tão elevada estatura intelectual.
No entanto, sempre lhe digo que, objectivamente, não vou ficar zangado consigo, até porque já o vou conhecendo e sei que costuma assumir atitudes intempestivas de que depois se arrepende de ter tomado. Admito, por isso, que também se irá arrepender, no bom sentido, desta, porque a elesclegância que demonstrou não lhe fica bem, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Artur Penedos, não quero que fique qualquer ressentimento em relação à minha pessoa, pois nestas lides parlamentares há, por vezes, alguns excessos de parte a parte c não tenho qualquer problema em assumir os meus. No entanto, gostaria apenas de lhe fazer um pequeno reparo sem qualquer acinte.

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1476 l SÉRIE - NÚMERO 43

Essa história do parlamentar foi contada ao Sr. Deputado durante um almoço, em que eu também estava presente, mas nesse caso quem fez a pergunta foi ele a mim e não eu a ele!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que não vale a pena andarmos a procurar objectivos laterais, ou marginais, em torno desta iniciativa legislativa apresentada pelo PCP.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Como referi, aquando da minha intervenção inicial, o PCP encontra milhentas razões para se apresentar projectos- muitos deles até já foram apresentados a esta Assembleia- sobre as relações laborais, da mesma forma que temos solicitado inúmeras ratificações da legislação produzida pelo Governo do PSD, que tem sempre como traço característico diminuir os direitos, regalias e condições sociais dos trabalhadores. De facto, é este o denominador comum de toda a legislação produzida pelo Governo PSD, com o apoio da sua maioria.
Por outro lado, entendo também que, para podermos discutir o alcance desta nossa iniciativa legislativa, seria necessário ter presente o que se passa, de facto, no mundo do trabalho e o que aconteceu em inúmeras empresas, por exemplo, do ex-Grupo Quimigal, onde teve de ser o Supremo Tribunal de Justiça, através de Acórdão, a dizer que a nova entidade patronal, a entidade cessionária, embora tendo subscrito um contraio colectivo de trabalho numa outra esfera, não o poderia impor aos trabalhadores da nova empresa que adquiriu, por isso violar frontalmente o artigo 296.° da Constituição da República Portuguesa.
Ora, Srs. Deputados, estas violações são sistemáticas e a Inspecção-Geral de Trabalho fecha os olhos, embora os tribunais acabem por dar razão aos trabalhadores, mas só passados muitos anos. Enquanto isto, é óbvio que o trabalhador, como parte mais fraca da relação laborai, está a sofrer na pele as consequências deste tipo de situações. Entretanto, o patronato esgrime com a redacção um pouco infeliz- como, aliás, já oportunamente considerei- que o Governo fez ao alterar o artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 519-C/79.
É no sentido da defesa e da clarificação para que não haja legislação contraditória no ordenamento jurídico, e só com este sentido, que o PCP apresentou a iniciativa legislativa, com a esperança mínima de que viesse a ser viabilizada por esta Assembleia em conformidade, quer com a jurisprudência, quer com o que consagra a Constituição da República. Porque quanto a defesa dos direitos dos trabalhadores e melhor protecção social muitas outras iniciativas gostaríamos de ver aqui discutidas com o sentido de corrigir e melhorar a situação com que se defrontam os trabalhadores portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate.
Entretanto, deu entrada na Mesa um requerimento subscrito pelo PSD, PS e PCP solicitando a baixa à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família do projecto de lei n.° 343/V1 para reapreciação na generalidade. Dado que existe acordo de todas as bancadas vamos proceder de imediato à sua votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e do período da ordem do dia consta a apreciação das propostas de lei n. 61, 76 e 82/VI.
Recordo ainda aos Srs. Deputados que amanhã terá lugar a eleição do Vice-Presidente da Assembleia da República, entre as 16.00 e as 18.00 horas, na sala D. Maria.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Ângelo Ferreira Correia.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Alberto Pinto.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Álvaro Poças Santos.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís António Carrilho da Cunha.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.

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Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jorge Lacão Costa.
José António Martins Goulart.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido do Centro Democrático Social- Partido Popular (CDS-PP):

Narana Sinai Coissoró.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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