O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1651

Sexta-feira, 18 de Março de 1994

I Série - Número 50

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE MARÇO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Meio
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÀRIO

0 Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 3881V1 e da proposta de resolução n.º 571V1, de requerimentos e de respostas a alguns outros
Em declaração políncu, a Sr a Deputada Odete Santos (PCP) criticou a política de justiça do Governo e respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Fernando Condesso (PSD)
0 Sr Deputado Alberto Cardoso (PS), a propósito das comemorações do 850.º Aniversáno do Tratado de Z2morzk condenou o Governo pelo atraso de desenvolvimento das regiões interiores do Pa(£
0 Sr. Deputado Rui Gonws Silva (PSD)falou da deslocação oficial de uma delegação parlamentar à República de Cabo Verde, ao que se associaram, além do Sr. Presidente da Assembleia da República, os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Albeilo Costa (PS) e Nogueira de Brito (CDS-PP)
0 Sr. Deputado Miranda Calha (PS) insurgiu-se contra a política do Governo no se(, tor do desporto, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado Nuno Delerue (PSD).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 61/VI - Autoriza o Governo a estabelecer um regime sancionatório da violação de planos regionais de ordenamento do terntóno, que foi depois aprovad,% na generalidade, na especialidade e em votação final global. Intervieram no debate, além do Sr Ministro do Planeamento e da Admunstração do Território (Valente de Oliveira), os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS-PP Joaquim da SilvaPtnio (PS), Lids Sã (PCP), Fialho Anasidoo (PS), Manuel Moreira (PSD) e Liiís Filipe Madeira (PS)
A proposta de lei n.º 931V1 - Autoriza o Governo a alterar o regime jurúhco do licenciamento mwucipal de obras particulares foi discutida, na generalidade, tendo produzido intervenções, a diverso título, além do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, os Srs Deputados Joel Hasse Ferreira (PS), José Manuel Maia (PCP),

Júlio Henriques (PS), Ferreira Ramos (CDS-PP), Amênco de Sequeira e Fernando Santos Pereira (PSD).
Foram aprovados quatro pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Gan~ autorizando igual número de Deputados a serem ouvidos como testemunhas em tribunal e um denegando autorização a outro Deputado
A Gi~ deu assentimento à wagem de canlcter oficud do Sr Presidente da Repúblim ao Brasil, alterando a data para o período cv"reendLdo entre 19 e 29 de Março
Foram aprovadas, em votação global, as propostas de resolução n.11 521V1 - Aprova, para ranficação, o Protocolo Adicional à Convenção Europeta de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, 531V1 - Aprova o Acordo por Troca de Notas entre a República Portuguesa e a República de Chipre, Relativo à Supressão de Vistos e 541V1 - Aprova, para ratificação, o Acordo sobre Transportes Rodoviários Internacionais entre a República Portuguesa e o Reino da Noruega.
Os prvjectos de resoluçao ri' 971V1 - Recusa de ratíficação do Decreto-Lei n.º * 326193, de 25 de Setembro, que estabelece a desagregação da tara social única do regime geral de Segurança Social [ratificação n.º 1001V1 (PCP)] e ~I - Recusa de ranficação do Decreto-Lei tL' 32W3, de 25 de Setembro, que revê o regime de segurança social dos trabalhadores independentes [ratificação n.º 10,11V1 (PCP)] foram rejeitados e foi aprovado, na generalidade, o projecto de resolução n.º 941V1 - Apoio e defesa da vitivirucultura e dos viticultores nacionaisface à reforma da OCM dos vinhos (PCP), que baixou à Comissão de Agricultura e Mar para apreciação na especialidade
Rejei"foi aindei, na genemhdade, o projecto de lei n.º 2421V1 - Dá nova redacção ao n.º 3 do artigo 17. o do Decreto-Lei n.º 338188, de 28 de Setembro (Atribuição de alvarás e licenciamento de estaç
ões enussoras de radiodifusão sonora) (PS), tendo sido aprovada, em votação global, a proposta de resolução n.º 551V1 - Aprova, para adesão,
• Convenção Constitutiva do Fundo Multilateral de investimento (MIF) e
• Convenção de Administração do Fundo Mulnlateral de Investimento.
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 30 minutos.

Página 1652

1652 I SÉRIE-NÚMERO 50

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva. Adérito Manuel Soares Campos. Adriano da Silva Pinto. Alberto Cerqueira de Oliveira. Alberto Monteiro de Araújo. Álvaro José Martins Viegas. Américo de Sequeira. Anabela Honório Matias. António Costa de Albuquerque de Sousa Lara. António da Silva Bacelar. António de Carvalho Martins. António do Carmo Branco Malveiro. António Esteves Morgado. António Fernando Couto dos Santos. António Germano Fernandes de Sá e Abreu. António Joaquim Correia Vairinhos. António José Barradas Leitão. António Manuel Fernandes Alves. António Moreira Barbosa de Melo. Aristides Alves do Nascimento Teixeira. Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha. Belarmino Henriques Correia. Carlos Alberto Lopes Pereira. Carlos Lélis da Câmara Gonçalves. Carlos Manuel de Oliveira da Silva. Carlos Manuel Duarte de Oliveira. Carlos Manuel Marta Gonçalves. Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira. Cecília Pita Catarino. Delmar Ramiro Palas. Domingos Duarte Lima. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco. Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva. Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista. Fernando Carlos Branco Marques de Andrade. Fernando dos Reis Condesso. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando José Russo Roque Correia Afonso. Fernando Manuel Alves Cardoso Pereira. Fernando Monteiro do Amaral. Fernando Santos Pereira. Francisco Antunes da Silva. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. Hilário Torres Azevedo Marques. Jaime Gomes Milhomens. João Álvaro Poças Santos. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado. João Maria Leitão de Oliveira Martins. Joaquim Cardoso Martins. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Maria Fernandes Marques. Joaquim Vilela de Araújo. Jorge Avelino Braga de Macedo. José Agostinho Ribau Esteves. José Alberto Puig dos Santos Costa. José Álvaro Machado Pacheco Pereira. José Ângelo Ferreira Correia. José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Guilherme Reis Leite. José Júlio Carvalho Ribeiro. José Leite Machado. José Luís Campos Vieira de Castro. José Macário Custódio Correia. José Manuel Álvares da Costa e Oliveira. José Manuel Borregana Meireles. José Manuel da Silva Costa. José Manuel Nunes Liberato. José Mário de Lemos Damião. Luís António Carrilho da Cunha. Luís António Martins. Luís Carlos David Nobre. Luís Manuel Costa Geraldes. Manuel Acácio Martins Roque. Manuel Antero da Cunha Pinto. Manuel da Silva Azevedo. Manuel de Lima Amorim. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Joaquim Baptista Cardoso. Manuel Maria Moreira. Manuel Simões Rodrigues Marques. Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira. Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia. Maria Luísa Lourenço Ferreira. Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa. Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo. Mário Jorge Belo Maciel. Melchior Ribeiro Pereira Moreira. Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. Olinto Henrique da Cruz Ravara. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho. Rui Carlos Alvarez Carp. Rui Fernando da Silva Rio. Rui Manuel Lobo Gomes da Silva. Simão José Ricon Peres. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio de Oliveira Carneiro. Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros. Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Bernardes Costa. Alberto da Silva Cardoso. Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. António Alves Marques Júnior. António Alves Martinho. António Carlos Ribeiro Campos. António de Almeida Santos. António Domingues de Azevedo. António Fernandes da Silva Braga. António José Borrani Crisóstomo Teixeira. António José Martins Seguro. António Poppe Lopes Cardoso. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos. Carlos Manuel Luís. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues. Eduardo Ribeiro Pereira.

Página 1653

18 DE MARÇO DE 1994 1653

Elisa Maria Ramos Damião. Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Alberto Pereira Marques. Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins. Gustavo Rodrigues Pimenta. Helder Oliveira dos Santos Filipe. Helena de Melo Torres Marques. Jaime José Matos da Gama. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. João Rui Gaspar de Almeida. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. Jorge Lacão Costa. Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. José António Martins Goulart. José Eduardo dos Reis. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José Rodrigues Pereira dos Penedos. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Júlio Francisco Miranda Calha. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Marques Amado. Luís Filipe Nascimento Madeira. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz. Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues. António Manuel dos Santos Murteira. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Carlos Martins Peixoto. Luís Manuel da Silva Viana de Sá. Maria Odete dos Santos. Miguel Urbano Tavares Rodrigues. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Jorge de Agostinho Trindade. Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira. António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier. José Luís Nogueira de Brito. Manuel José Flores Ferreira dos Ramos. Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins. 15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca. Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimento e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, o projecto de lei n.º 388/VI - Regime jurídico do contrato de trabalho a bordo das embarcações de pesca (PCP), que baixou à 9.ª Comissão, e a proposta de resolução n.º 57/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado sobre o Regime «Céu Aberto», que baixou às 3.ª a .ª4 Comissões.

Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado António Costa; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados João Rui de Almeida, Alberto Araújo, Marília Raimundo e Luís Nobre; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Trindade; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira, Mário Tomé e Jorge Paulo Cunha; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado António Alves e ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Luís Carrilho da Cunha e Paulo Rodrigues.

Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Fialho Anastácio, nas sessões de 17 de Novembro e 29 de Abril; António Martinho, na sessão de 30 de Junho; Lino de Carvalho, nas sessões de 18 de Agosto e 15 de Dezembro; Paulo Trindade, nas sessões de 25 de Novembro e 2 de Fevereiro; André Martins, na sessão de 20 de Janeiro; José Magalhães, na sessão de 21 de Janeiro; Paulo Rodrigues, na sessão de 28 de Janeiro; Manuel Silva Azevedo, na sessão de 3 de Fevereiro.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão reunidas as Comissões de Educação, Ciência e Cultura e de Juventude, bem como a Subcomissão de Comércio e Turismo, e vai reunir, a partir das 16 horas e 30 minutos, a Comissão de Petições.

0 Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Governo, através do titular da pasta da Justiça, tem desenvolvido, paulatinamente e já de alguns anos a esta parte, uma acção cuidadosamente programada, visando o objectivo de enfraquecer um dos pilares de qualquer Estado de direito democrático: a independência dos tribunais.

As etapas têm sido diversas, espalhadas por vários momentos, mas nem por isso se deixa de encontrar um fio condutor, que é o da garantia do reforço do poder autoritário do Governo, escudado e salvaguardado da indepen-

Página 1654

1654 I SÉRIE-NÚMERO 50

dência do poder legislativo pela maioria absoluta de que dispõe na Assembleia da República. Esta salvaguarda não o escuda, porém, da condenação da sociedade civil. Eufemismo repetidamente usado para designar, afinal, o povo.

Face à Constituição da República Portuguesa, o autoritarismo do poder executivo fica também à mercê da condenação do poder judicial, independente e legitimado pela Constituição para administrar a justiça em nome do povo.

0 Sr. Ministro da Justiça recebeu, assim, uma difícil tarefa: a de conseguir temperar a independência do poder judicial, no seu entendimento e no do Governo excessiva. E, embora continue a afirmar que o cidadão é o vértice da política de justiça - proclamação que já era feita mesmo nos tempos do mais feroz autoritarismo -, a verdade é que toda a sua política se cifra no tratamento da justiça como questão de Governo e não como questão de Estado. Uma questão em que, esquematicamente, o triângulo poder político/poder judicial/povo conhece o seu vértice no poder executivo.

0 PCP considera que, neste momento, pairam graves ameaças sobre a independência dos tribunais e que também aqui está em causa o Estado de direito democrático. Primeiro, tratou o Sr. Ministro de subtrair à fiscalização do Ministério Público a actividade pré-processual dos órgãos de polícia criminal e de lhe retirar a coordenação das acções de prevenção. Depois, investiu contra o Conselho Superior da Magistratura e tentou transformá-lo num organismo carregado de matizes corporativas, um órgão marcadamente de auto-governo. Paralelamente, o Sr. Ministro, através da Lei da Corrupção, tentou subtrair ao poder judicial a investigação dos crimes de corrupção, colocando esta investigação na Polícia Judiciária, aqui funcionalmente na dependência do poder executivo e não na dependência do Ministério Público. Sorrateiramente, o Governo apresentou um regulamento disciplinar da Polícia Judiciária, prescrevendo um dever de cega obediência dos seus agentes relativamente à hierarquia. Mais recentemente, o Governo apresentou uma execrável proposta que reforça os poderes policiais e coloca sob suspeita todos os cidadãos.

É bem evidente que, destas medidas, ressalta a invasão da esfera judicial pelo policial, com o que o poder executivo pretende ferir a própria legitimação do poder judicial. Ao mesmo tempo, a política de justiça tem continuado a cifrar-se por omissões graves quanto aos meios de que a organização judiciária dispõe para administrar a justiça. E por acções de igual gravidade. Poderíamos falar da situação dos funcionários judiciais em greve relativamente às horas extraordinárias; dos funcionários do Instituto de Reinserção Social, que reclamam a falta de pagamento dos subsídio de risco; ou da situação dos guardas prisionais e do sistema prisional em ruptura; e ainda do reordenamento judiciário, feito de supetão, que provoca novas rupturas.

0 Governo, desta forma, infringe o dever de proporcionar os meios que dotem a justiça de eficácia. Mas do que o titular da pasta da Justiça não se esquece é de, manuseando o verbo, desferir, a propósito de tudo e de nada, ataques ao poder judicial, aos magistrados, de que são exemplos algumas das suas intervenções feitas nesta Assembleia.

A situação é de tal forma conflituosa que o debate se transpôs para a opinião pública. E nesse debate, que tem afinal como protagonista o cidadão e os seus direitos fundamentais, o Governo disfarça mal a incomodidade de ter de co-habitar com um poder judicial independente. Subitamente, o Sr. Ministro da Justiça surge preocupado com um alegado excesso de protagonismo do poder judicial.

E importante destacar que este debate surge impulsionado pelos seguintes factores: a firme actuação do poder judicial, através dos magistrados do Ministério Público e dos magistrados judiciais, no combate a uma das maiores chagas que corroem a democracia - a corrupção; a denúncia firme dos magistrados nas tentativas governamentais de invadir a esfera do judicial pelo policial; a denúncia vigorosa feita pelos magistrados das tentativas governamentais de limitar, contra o que a Constituição estabelece, a independência dos tribunais.
0 Governo e, em especial, o Sr. Ministro da Justiça encaram o poder judicial como um contrapoder e negam-lhe a solidariedade que, num regime democrático, deve existir entre os poderes executivo, judicial e legislativo.

0 PCP entende que o poder judicial exerce, em relação aos outros dois poderes, uma função muito importante - uma função legitimadora desses poderes, porque ao poder legislativo e executivo não basta a representatividade que recolheram nas umas. A sua actuação tem de legitimar-se diariamente, de acordo com as normas constitucionais. Nessa legitimação quotidiana, aqueles dois poderes não podem prescindir da função legitimadora que, relativamente a eles, exerce o poder judicial, fiscalizando eventuais infracções aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, controlando a actividade das instituições a fim de evitar que se desviem da lei, questionando e declarando a constitucionalidade das leis - porque, em democracia, não há omnipotências legislativas.

É normal em democracia que, no exercício da sua função legitimadora do poder político, o poder judicial censure explicitamente comportamentos ilegais através de processos instaurados contra representantes do poder executivo e que no banco dos réus se sentem pessoas «de colarinho branco». E a esta função do poder judicial, legitimadora do poder político, é absolutamente essencial a preservação da sua independência. 0 poder político tem, assim, o dever de garantir essa independência, proporcionando ao poder judicial os meios para que este se legitime, ao mesmo tempo que, assim actuando, o poder judicial garante a legitimação daquele.

Não tem sido esta a actuação do Governo. Não tem sido este o procedimento do Sr. Ministro da Justiça. Mas deve ficar bem claro que, na sua actuação, não é o poder judicial ameaçado que fica diminuído, porque o déficit de legitimação que pudesse vir a surgir seria imputável ao poder político.

Mas, porque seriam os magistrados os primeiros a sentir as consequências daquela acção deslegitimadora, é natural que eles sejam os protagonistas de um combate que visa a manutenção do figurino constitucional da independência dos tribunais e para a qual é fundamental preservar a Constituição do actual Conselho Superior da Magistratura. 0 texto constitucional foi classificado de exemplar por magistrados estrangeiros. 0 que poderia fazer recuar o texto constitucional?
Qualquer tentativa de introduzir em revisão constitucional limitações à independência dos tribunais teria a oposição firme do PCP.

0 Governo receia o novo magistrado, o juiz necessariamente político, porque a independência é, ela mesma, uma forma de ser político. É o cidadão que exige um juiz inserido na sociedade civil, intérprete da lei à luz da Constituição e, por isso mesmo, também ele contribuindo para a formação da direcção política do Estado de direito.

É em nome desse Estado de direito e da independência dos tribunais que um novo modelo de magistrado surgiu, de formação cultural nova, porque exigida pelo desaparecimento da fractura com a sociedade civil, pela condenação do seu isolamento propiciadora da dependência.

A formação dos magistrados e a sua selecção, o próprio ensino nas facilidades de Direito, a própria garantia do

Página 1655

18 DE MARÇO DE 1994 1655

direito de acesso a todos os graus de ensino, nomeadamente para as classe mais desfavorecidas, assumem, assim, uma particular importância na garantia da independência dos tribunais. A este novo paradigma cultural do magistrado, que lhe torna possível potenciar e desenvolver a sua capacidade de independência, corresponde uma postura de transparência no exercício da função, tornando possível o controlo democrático deste exercício. É, pois, perfeitamente natural que esta nova magistratura, nascida do figurino constitucional que temos, assegure essa transparência.

0 protagonismo do poder judicial não é mais do que a resposta às exigências de controlo democrático da função de julgar. Quaisquer peias no sentido de nomear porta-vozes dos tribunais, ao gosto do Governo, representaria mais uma forma de fractura entre a justiça e os cidadãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Todos estes temas, Srs. Deputados, estiveram em debate no recente Congresso dos Magistrados Judiciais, realizado em Tomar, e podemos dizer que, em síntese, a lição retirada desse Congresso foi a seguinte: num momento da História dramaticamente marcado por violentos ataques aos direitos fundamentais dos Homens, maxime ao direito à vida, os cidadãos precisam de uma justiça administrada em nome do povo e não em nome de um governo.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

0 Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Sr a Deputada Odete Santos, a pretexto de um congresso dos juízes, V. Ex.ª subiu à Tribuna para atacar o Governo. A Sr a Deputada faz acusações de que o Governo ameaçaria a independência dos tribunais, vai ao ponto de tentar dizer que a independência a que se refere terá muito que ver com o sentar ou não no banco dos réus os crimes «de colarinho branco». No fundo, a Sr.ª Deputada acaba por referir uma proposta de lei que reforçaria os poderes policiais, colocando sob suspeita todos os cidadãos - penso que se refere à proposta de lei que vem regulamentar uma das medidas gerais de polícia previstas na legislação de segurança interna.

Sra. Deputada, todos vêem que o Ministério da Justiça não está parado.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Nota-se!

0 Orador: - 0 Ministério da Justiça tem um conjunto de reflexões e de propostas que visam reformar a justiça e que incidem sobre o poder judicial.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - 0 Tribunal Constitucional que o diga!

0 Orador: - Sr.ª Deputada, é incorrecto fazer afirmações de que há controlo de tipo funcional sobre a Polícia Judiciária a propósito de vários diplomas que têm sido debatidos e aprovados. V. Ex.ª sabe que isso não é verdade, porque o Ministério Público faz o controlo funcional da polícia criminal.

No que diz respeito à proposta de lei, sabe perfeitamente que não se trata de pôr qualquer tipo de suspeição sobre os cidadãos em geral mas, isso sim, de regulamentar uma legislação que já está aprovada pelo Parlamento e que tem a ver com a segurança interna em termos que, no domínio da especialidade, poderão ser objecto dos enquadramentos que se entenda que serão os melhores numa perspectiva garantística dos direitos dos cidadãos. Trata-se de um diploma que ainda está em reflexão e nada aponta para a conclusão que a Sr a Deputada pretende afirmar.

Quanto à questão dos crimes «de colarinho branco», a protecção, a isenção de sanções a esse tipo de crimes, a Sr.ª Deputada sabe perfeitamente que, independentemente das suas correntes de explicação do criminalizar ou não certas condutas, esse é um problema para o legislador e para o julgador. Somos nós, legisladores, que temos de decidir quais são as condutas que devem ou não ser criminalizadas, procedimento este que em nada interfere com o poder judicial dos juízes na aplicação das normas penais que o Parlamento decida aprovar.

Sr.ª Deputada, por tudo o que disse, não vi que houvesse nada de objectivo que se pudesse concretizar nesse ataque tão insistente ao Governo. Foi mesmo o Congresso dos Juízes que justificou o ataque que veio aqui fazer?

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Condesso, a minha intervenção dá resposta a todas as eventuais questões que levantou - aliás, não foram questões mas, sim, afirmações.

Começaria por dizer que nem sequer toquei, por isso deve ter ouvido mal, na questão da criminalização ou não de determinados comportamentos. Esse foi um ponto que não tratei nesta intervenção.

Sr. Deputado, a intervenção que fiz mostra que o Ministério da Justiça não tem estado parado, com o que V. Ex.ª se congratula, e mal!, porque muitas das iniciativas do Ministério da Justiça têm fracassado por evidente inconstitucionalidade. Além do mais, acompanhei o desenrolar de uma actividade de propostas do Ministério da Justiça e denunciei a invasão que o Governo pretendia fazer da esfera do judicial pelo policial. Em todo o caso, não vou repetir, outra vez, o que já disse sobre esse assunto.

A proposta de que falou é, de facto, execrável, e nós orgulhamo-nos de ter votado contra ela! É que, para além das suas evidentes inconstitucionalidades, ela é desnecessária. Ontem mesmo, como sabe, ouvimos o Fórum de Justiça e Liberdades, que teve ocasião de denunciar as prepotências a que aquela proposta daria origem.

Nesse sentido, anotei - e toda a gente vê e não se espanta - que foi no momento preciso em que o banco dos réus começou a ser «visitado» não apenas por pessoas pobres e de uma baixa condição social mas por pessoas de «colarinho branco» que se começou a dizer que os magistrados têm um excessivo protagonismo. Talvez este facto seja, para o Sr. Deputado, uma curiosa coincidência, que não deixa de ser muito significativa!

Por fim, Sr. Deputado Fernando Condesso, o Congresso dos Magistrados teria sido o pretexto próximo da minha intervenção, mas o que aqui disse já, desde há muito tempo, o PCP tem vindo a denunciar. Não foi, portanto, propriamente o Congresso que justificou a minha intervenção, embora ele tenha constituído um ponto alto na luta dos magistrados judiciais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 1656

1656 I SERIE-NÚMERO 50

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento da Assembleia da República, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Cardoso, por um período máximo de 10 minutos.

0 Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos dias 4 e 5 de Outubro de 1143, na Conferência de Zamora, D. Afonso Henriques e o rei Afonso VII de Leão põem fim aos duros e rudes combates que ambos travaram pela posse de terras, que permitisse o alargamento do território e a soberania sobre o espaço conquistado.

0 Tratado de Zamora, como é por todos nós conhecido, aconteceu há 850 anos e com ele aparece o reino de Portugal, que se foi alargando para Sul. Foi um acontecimento de facto e de direito, já que permitiu a identidade de um povo, que somos, com quase nove séculos completos de existência, com um passado histórico de que todos nos orgulhamos.

Em cada dia que passa, a história dos povos vai-se construindo, compreendendo e cimentando. Os factos tornam se mais ou menos históricos, na medida em que eles interferem e permitem modos de pensar e de agir na sociedade de cidadãos livres e de direitos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi neste espírito - comemorar o passado, trazendo-o à luz do presente - que o município de Lamego celebrou, em comunhão de vontades com a cidade de Zamora, em 6 e 7 de Março do ano em curso, os 850 anos passados sobre o Tratado de Zamora.

Este evento, que reputo de grande importância, permitiu ao jovem reino de então - Portugal - olhar hoje o mundo com a consciência de um País livre e fraterno, apostado no respeito pelas diferenças que universalizam a dignidade humana e na vontade pertinente de estimular a solidariedade e a paz entre os povos.
Se outras razões não houvesse, o passado histórico de Lamego e a sua tradição cultural constituem só por si razões mais que suficientes para participar e dinamizar tais comemorações.

Lamego, sede de uma antiquíssima e prestigiada diocese, terra de grandes senhorios que os conventos e mosteiros testemunham, oferecia os ingredientes religioso-políticos ideais para o jovem rei nela mandar celebrar, com toda a solenidade, um Te-Deum de Acção de Graças pelo reconhecimento da independência.

Mas Lamego é, também, concorrente com outras realidades. Cidade polarizadora e liderante de uma vasta região que compreende o agrupamento de concelhos do Vale do Douro Sul, com uma identidade cultural, etnográfica, paisagística, patrimonial e arquitectónica que a distingue e individualiza da parte sul do distrito de Viseu, a que pertence em termos de administração política do território. Sofre, porém, da interioridade a que está votada e marcada pela política de litoralização deste Governo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compõem o agrupamento de concelhos do Vale do Douro Sul, além do concelho de Lamego, os concelhos de Armamar, Cinfães, Moimenta da Beira, Penedono, Resende, São João da Pesqueira, Tabuaço, Tarouca e Sernancelhe. Concelhos essencialmente agrícolas nas áreas da fruticultura e vitivinicultura, de solos com óptimas aptidões e gentes laboriosas que vêem o seu futuro seriamente comprometido, não obstante a boa qualidade dos produtos produzidos.

A sua população, segundo os censos de 1991, é de cerca de 130 000 habitantes, tendo diminuído cerca de 6 % desde 1981. Actualmente, mantém esta tendência, o que constitui a síntese da política desarticulada deste Governo pelo distanciamento dos cidadãos, das populações e das comunidades do interior.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Comprovam-no uma agricultura asfixiada, o abandono do mundo rural pela desertificação humana e física, consubstanciada ainda nos desequilíbrios de desenvolvimento entre o litoral e o interior, com os nefastos efeitos na qualidade de vida no meio urbano e rural.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que vos cite Sá de Miranda que, no século XVI, dizia: «Não temo de Castela, donde a guerra já não soa, mas temo de Lisboa que ao cheiro da canela o reino se despovoa». Esta preocupação de Sá de Miranda reflecte uma oportunidade política perdida, correspondendo, designadamente, ao ciclo da pimenta e, mais tarde, ao ciclo do ouro.

Também hoje assistimos a uma grande oportunidade que poderá perder-se com o ciclo dos fundos comunitários que a adesão de Portugal à Comunidade Europeia propiciou. Com efeito, dos milhões de contos entrados e a entrar, não é em todo perceptível nas comunidades do interior um progresso de bem-estar social que nos permita afirmar que existe uma aproximação da sociedade portuguesa aos níveis de bem-estar das sociedades europeias.

Se tivermos em linha de conta que a integração de Portugal se deu num dos períodos de maior crescimento económico da Comunidade, e dado que a integração beneficiou de um tratado com imensas garantias e salvaguardas em todos os sectores, acrescido ainda pelo benefício político-partidário de uma maioria estável, concluímos que o Governo teve todas as condições para não «temer» a realização das expectativas de progresso social e económico, numa correcção das assimetrias do todo nacional que minorassem o flagelo instalado da desertificação das nossas aldeias do interior.

Temeu o Governo - e não concerta a maioria que o suporta - a implementação da regionalização, consagrada na Constituição e que o PS sempre defendeu, que visa dotar as regiões de meios técnicos e financeiros que lhes permita a realização de um crescimento sustentado e de encontro às potencialidades endógenas.

Temeu também o Governo em aplicar a Lei do Financiamento das Autarquias Locais, pela diminuição do FEF, dificultando-lhes assim os meios financeiros indispensáveis ao desempenho das suas competências, nomeadamente a realização de programas operacionais dentro do 11 Quadro Comunitário de Apoio.

0 centralismo constitui obsessão hegemónica do Governo e da maioria que o suporta.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Daí decorre a negação à regionalização, bem como ao desenvolvimento do interior.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pôr fim ao isolamento e às barreiras de crescimento é tarefa da administração central. Por isso, não quero deixar passar esta oportunidade, e na qualidade de Deputado eleito pelo círculo eleitoral do distrito de Viseu, para reclamar, no campo das acessibilidades, a necessidade imperiosa da construção do acesso rápido IP n.º 3, nas áreas que estão neste momento na cauda das carências, como sejam os troços de Castro Daire/Lamego e Lamego/Vila Real.

Entendo que, realizada esta obra, estará dado um passo para o aproveitamento das potencialidades da região Dou-

Página 1657

18 DE MARÇO DE 1994 1657

ro Sul no eixo viário Norte-Sul, não sendo contudo suficiente, já que os concelhos ribeirinhos do norte do distrito não têm acessos rápidos e em segurança, quer para Norte, quer para Sul. Daí justificar-se um itinerário principal, a iniciar em Amarante, passando por Resende, ligando Lamego aos concelhos de Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira, Foz Côa e Trancoso.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Este itinerário é de interesse vital para o Douro. Sem ele, o futuro de alguns dos concelhos da margem sul do rio Douro estará seriamente comprometido.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes Silva.

0 Sr. Rui Gomes Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome e em representação do Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, tive a honra de participar na deslocação oficial que uma delegação desta Câmara efectuou, durante a semana pretérita, a Cabo Verde.

Essa delegação, a que presidiu S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, composta por Deputados de todos os partidos políticos aqui representados - com excepção de quem, à última hora, por razões pessoais, não pôde comparecer, é hoje portadora do testemunho de um país que vê Portugal como um elo importantíssimo no caminho do seu desenvolvimento, no traçar dos rumos de um futuro mais livre, mais rico e mais humano.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - 0 PSD entende - e disso tem dado provas bastantes - que as relações privilegiadas com os países africanos, que viram abrir-se as portas da independência com o 25 de Abril, são um vector essencial da política externa portuguesa.

As excelentes relações mantidas entre o Governo de Portugal e cada um desses novos países africanos de expressão oficial portuguesa são a prova evidente dessa preocupação, como testemunho vivo do nosso não esquecimento do Atlântico e como meio de criação de argumentos, antes para nos mantermos como país independente, hoje como razão de uma certa autonomia no concerto de um espaço mais vasto a que aderimos quando, de novo, reencontramos, como destino, o continente que tinha sido plataforma para nos afirmarmos no mundo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Com uma população jovem, com uma média de idades que ronda os 23 anos, Cabo Verde tem vindo a assistir a um esforço no sentido da liberalização da economia, através do recurso e apelo à iniciativa privada e do reforço do poder político local, mediante a reformulação e redefinição dos poderes das autarquias locais. Esses são alguns dos vectores e linhas de força do III Plano de Desenvolvimento, a vigorar entre 1992 e 1995, para o que contribuirá decisivamente o esforço de cooperação desenvolvido pelo Estado português.
Portugal é, com efeito, o primeiro país, na contabilização da ajuda, de entre todos os que apoiam Cabo Verde, a lutar contra a pobreza e a rudeza de um solo, só imaginável depois de uma visita ao arquipélago.

Em 1992, contribuímos com 2,5 milhões de contos, estando orçamentado como esforço de cooperação directo, para o biénio de 1993/94, o montante de 4 milhões de contos.

0 melhoramento da capacitação técnica, a valorização dos recursos humanos e o desenvolvimento económico privado são três áreas privilegiadas na ajuda económica a conceder por Portugal, a par do encorajamento da cooperação empresarial, sendo certo que, já hoje, Cabo Verde é o segundo maior destino das exportações portuguesas em África.

Mas Portugal, indirectamente, através da União Europeia, contribuiu também para alguns projectos de grande relevância para Cabo Verde, como os da produção e distribuição de água potável, os de melhoria das produções agrícolas ou dos melhoramentos e reapetrechamento do Porto da Praia ou, ainda, em colaboração com o Banco Europeu de Investimentos, no que se refere à melhoria do Porto do Mindelo, os de promoção de PME ou de distribuição de energia.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A par da cooperação económica, outra de grande importância nos foi, nesta visita, solicitada por quem, em Cabo Verde, agora livremente, em democracia e no respeito pelos Direitos Humanos, tem a mesma obrigação que nós temos aqui, mandatados pelos nossos eleitores.

Com efeito, em Cabo Verde é grande a preocupação com a dignificação dos órgãos do Estado e da melhor maneira - ou maneiras - de procurarem, na nossa experiência e na nossa vivência democrática, os exemplos de engenharia ou arquitectura jurídica de dar cumprimento a esse desígnio.

0 interesse no apoio português para a melhoria do exercício e dignificação da função política dos Deputados cabo-verdianos levou à assinatura de um memorando, tendo em vista o estreitamento de relações entre ambos os Parlamentos, Assembleia da República e Assembleia Nacional de Cabo Verde.

As especiais relações de amizade e cooperação entre Portugal e Cabo Verde e a existência de um património cultural comum, onde deve ser realçada a língua, como testemunho privilegiado de encontro de culturas, bem como o interesse no realçar do papel dos parlamentos, levou as duas delegações a comprometerem-se a colaborar, no futuro, de forma mais intensiva do que aquela como o vinham fazendo, tendo em vista o intercâmbio de experiências no campo dos respectivos Regimentos, de troca de delegações no plano diplomático-parlamentar e, maxime, no âmbito da reforma parlamentar que lá, como cá, tanto desejam realizar.

A formação dos quadros, a valorização dos recursos humanos, a troca de informação e de documentação e a permuta de material bibliográfico especializado serão, no futuro, meios de aprofundamento de um melhor conhecimento entre duas realidades de dois países que vivem e respiram a democracia parlamentar.

A promoção dos Direitos Humanos, nomeadamente do direito ao desenvolvimento, a referência ao histórico Acordo Geral de Cooperação e de Amizade entre os dois países, datado de 1976, e o interesse e empenho postos, muito especialmente pela delegação cabo-verdiana, na concretização da comunidade dos povos de língua oficial portuguesa induzirão, certamente, a respostas certas aos mais cépticos nos caminhos escolhidos no relacionamento com os novos países de expressão - e sentimento, acrescentaríamos nós - lusíada.

à

Página 1658

1658 I SÉRIE-NÚMERO 50

A estabilidade política assente no novo texto constitucional, a consagração de um Estado de direito democrático e o pluralismo político são realidades que, estamos certos, permitirão o desenvolvimento de um país, como Cabo Verde, virado para o exterior, para as suas comunidades que, noutros locais, noutras latitudes e longitudes, vão ganhando quanto podem para alimentar o sonho de voltar a uma terra que é a sua.

Os cerca de 600 000 cabo-verdianos que vivem no estrangeiro, cerca do dobro de tantos quantos habitam as 10 ilhas do arquipélago, são os responsáveis, quantas vezes, de parcelas ou quotas de desenvolvimento desses países de acolhimento.

Todos o sabemos, por experiência própria! Todos contribuiremos no sentido de, sabendo interpretar os anseios das duas comunidades, dar a melhor solução a esta questão, no cumprimento dos interesses de Portugal e das políticas definidas para o efeito pelos órgãos competentes, sem permissividades e sem oportunismos, mas com a certeza de estarmos a participar na construção, hipoteticamente, mais ou menos longínqua, de um espaço comum de direitos e, quem sabe - porque não?! - de cidadanias.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 conhecimento de tudo quanto, como portugueses, fomos deixando como passado a quem agora se orgulha de não nos pertencer só nos pode servir para motivar em nós um acréscimo no relacionamento com esses povos.

A visita à Cidade Velha, primeira cidade tropical de uma civilização europeia, e aos locais onde o padre António Vieira deu livre curso ao pensamento serviu de contraponto à visita ao Tarrafal como testemunho de um não esquecimento de quem não pôde ser livre por pensar ou sentir o mundo diferentemente dos códigos vigentes no seu tempo e no seu espaço.

Talvez por isso, como lição a velhos e a novos ventos de uniformidade do pensamento, Cabo Verde terá sido senão o primeiro, pelo menos, um dos primeiros países africanos a viver, de forma indelével, as dificuldades e as alegrias da implantação de um regime democrático construído em paz, tão pouco tempo depois - o que são 15 anos na voragem dos tempos? - de ter concretizado o sonho de ser independente.

Por isso a proposta, de que fui porta-voz perante a Assembleia Nacional de Cabo Verde, do conjunto dos Deputados portugueses presentes para a constituição de um grupo parlamentar de amizade e para cuja concretização iniciarei de imediato a recolha de assinaturas.

Uma última palavra para si, Sr. Presidente, e para os nossos colegas Deputados de outros partidos que integraram a delegação. Para estes, porque souberam transmitir ideias diferentes, muito embora pertencentes a um todo como país. Para si, Sr. Presidente, porque soube sempre com a sua palavra comunicar o que vai na alma dos portugueses quando conhecem a alma, o ser e o estar dos povos que, como o de Cabo Verde, fizeram parte, durante séculos, de Portugal.

As mornas e as coladeras aí estão para o provar e como que a dar razão à sua frase, Sr. Presidente - e cito de memória, de que em Cabo Verde existe uma cultura construída no dia a dia do passado por dois povos - o português e o cabo-verdiano.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Gomes Silva, começo por lhe dizer que me associo a grande parte da sua intervenção, pois também recolhi o grande interesse que houve nesta deslocação de uma delegação da Assembleia da República, a convite da Assembleia Nacional de Cabo Verde. 0 futuro, certamente, confirmará esse interesse através do estreitamento de relações, não apenas entre os dois Parlamentos mas também entre os dois Estados e os dois povos.

0 meu pedido de esclarecimento, se assim o quiser entender, e até porque é esta a figura regimental que tenho para intervir, relaciona-se com um aspecto que o Sr. Deputado Rui Gomes Silva referiu e vai no sentido de saber se V. Ex.ª está de acordo que é necessário e importante haver um esforço acrescido para que se possa aumentar a cooperação bilateral e multilateral com Cabo Verde.

Em termos da cooperação bilateral, refiro-me ao apoio financeiro, técnico, económico que é claramente suscitado a quem visita aquelas ilhas pelas situações climatéricas nefastas que atinge a generalidade das ilhas do arquipélago que já são naturalmente pobres. Daí que me pareça extremamente importante um esforço acrescido ao nível da cooperação económica e financeira entre os governos português e cabo-verdiano. Mas também a nossa participação e o nosso interesse devem levar a um empenhamento maior nas Comunidades Europeias e mesmo no âmbito da Convenção de Lomé, para que se possa aumentar a transferência de fundos da CE, que são absolutamente necessários, à República de Cabo Verde.

Em segundo lugar - e julgo que esta questão não foi referenciada pelo Sr. Deputado -, pretendo manifestar, e penso que estará de acordo comigo, o que nos foi transmitido pela generalidade das pessoas com quem contactámos durante a nossa estadia, ou seja, a preocupação que existe em todas as instâncias populacionais de Cabo Verde e nos órgãos do Estado com o problema dos imigrantes que residem em Portugal e ainda não estão legalizados. Também aqui me parece importante que a Assembleia da República e o Governo possam fazer um esforço acrescido na regularização dessa situação. Só assim, havendo uma maior compreensão, se reduzirão as preocupações, que nos foram transmitidas por várias instituições, por várias personalidades e por pessoas do povo com quem tivemos oportunidade de falar e que, aliás, me parecem legítimas.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

0 Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sob a forma de pedido de esclarecimento, também quero aproveitar esta oportunidade para dizer que foi um privilégio ter feito parte da delegação parlamentar que acompanhou V. Ex.ª, Sr. Presidente, na visita à República de Cabo Verde.

Foi com grande emoção que, pessoalmente, e creio que o mesmo aconteceu com todos nós, assistimos ao feliz «casamento» da herança da passagem portuguesa por aquelas ilhas, com a presença do pluralismo político. Embora assistamos em vários continentes à presença de sinais, que nos emocionam a todos, da obra e das viagens dos nossos antepassados pelo mundo, nem sempre podemos dizer que encontrarmos esse enlace civilizacional entre aquilo que fomos no passado e o que é a essência da nossa realidade política no presente, que é a democracia.
15so encontrámo-lo emocionadamente em Cabo Verde, associado a um grande desejo de cooperação com a insti-

Página 1659

18 DE MARÇO DE 1994 1659

tuição que representamos e encontrámo-lo também associado a um motivo de memória e homenagem que a Assembleia da República, através da sua delegação, pôde também homenagear. Foi o caso do campo de concentração do Tarrafal, que assinala, e assinalará pelos anos fora, o que a presença portuguesa no passado teve, infelizmente, de opressiva para vários povos, nomeadamente para o povo cabo-verdiano, mas também para o povo português, porque esse foi um local onde combatentes pela liberdade de muitas nações penaram e sofreram a perseguição de um regime iníquo.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Por isso, esta visita a Cabo Verde foi também uma visita a um lugar da memória indeclinável dos portugueses em relação ao que foi o regime que precedeu a democracia e ao combate que foi travado pelos antifascistas e anti-colonialistas.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Sublinhando e aderindo a uma grande parte das palavras do Sr. Deputado Rui Gomes Silva, gostaria de dizer que, do nosso ponto de vista, importando recordar a história, a cultura que nos une e a cooperação económica, que já existe, era muito importante que, em relação não só a Cabo Verde mas principalmente a Cabo Verde, se pudesse instaurar nas nossas preocupações e nos nossos projectos a ideia de uma comunidade de direitos, porque hoje os povos aproximam-se através de bens jurídicos que os cidadãos possam viver.

Um grande passo nesse sentido seria dado se fosse aprovada legislação que atribuísse, em regime de reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para as autarquias locais, um preceito correspondente àquele que existe na Constituição da República Portuguesa e existe já na ordem jurídica cabo-verdiana.

Por isso, não podia deixar de aproveitar esta oportunidade para apelar ao PSD para que dê a sua aprovação ao nosso projecto no sentido de que uma comunidade de direitos possa fazer o seu caminho entre Portugal e outros países africanos de língua oficial portuguesa, mas, muito especialmente, em relação a Cabo Verde, que, pelo seu lado, já deu alguns passos inevitáveis e indispensáveis nesta
direcção.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, é bom que a amizade e a cooperação se não fiquem pela retórica e pelo sentimento, se não fiquem pelo culto do passado, mas se afirmem em direcção ao presente e ao futuro e se afirmem, fundamentalmente, em direcção à criação de espaços de cidadania, porque a própria construção da Europa nos ensina que os espaços nacionais só se juntam duradouramente quando podem significar para os indivíduos, para os cidadãos um espaço maior de afirmação de direitos.

É nessa direcção que o Partido Socialista retira desta visita motivação para trabalhar, reforçando as suas propostas no sentido de se ampliar uma esfera comum de exercício de direitos.

Foi, repito, uma grande honra ter estado com V. Ex.ª Sr. Presidente, em Cabo Verde e com os demais membros dos restantes grupos parlamentares. Pela nossa parte, desejaríamos que daí resultasse um estímulo para que fossem aprovadas iniciativas legislativas que retratassem este estado de espírito que julgamos, em larga medida, ser um espaço de espírito comum.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento que não esteja aqui, na nossa bancada, porque está temporariamente ausente, o meu colega Narana Coissoró, uma vez que ele fez parte da delegação parlamentar a Cabo Verde e, com certeza, faria muito gosto em comentar, não interrogar mas comentar, a intervenção do Sr. Deputado Rui Gomes Silva, que não dá propriamente origem a perguntas, muito embora se considera justificada a pergunta do Sr. Deputado Octávio Teixeira, mas dá mais origem a um comentário, que foi o que até agora foi feito.

Congratulo-me, pois, com o testemunho que aqui trouxe o Sr. Deputado Rui Gomes Silva, que é um testemunho sobre a situação de respeito que os povos de Cabo Verde têm pela cultura adquirida em comum com os portugueses e o carácter preferencial com que hoje, fora de dúvida, os povos de Cabo Verde e outros encaram o relacionamento com Portugal e com os portugueses.

No fundo, o desejo que estes povos e senti na sua intervenção o testemunho disso mesmo sentem de uma cooperação mais intensa e mais profunda com Portugal. Todos estes sentimentos que VV. Ex.ªs tiveram ocasião de, privilegiadamente, testemunhar constitui uma razão de esperança, que podemos alimentar, de ainda constituir uma comunidade viva com os povos que no mundo falam português.

E apraz-me que tenha sido o Sr. Deputado Rui Gomes Silva a trazer aqui este testemunho. Na realidade, já vivemos em comum uma experiência curta, mas muito viva e muito intensa desta tentativa de recuperação dos laços entre os povos que, no mundo de hoje, usam o português como língua oficial.

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes Silva.

0 Sr. Rui Gomes Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Octávio Teixeira, Sr. Deputado Alberto Costa e Sr. Deputado Nogueira de Brito: Em função mais dos comentários do que dos pedidos de esclarecimento, parece-me que me cabe também comparticipar dos vossos empenhamentos e desejos, nomeadamente em relação ao Deputado Octávio Teixeira, quando, mais do que perguntar, apelava para a necessidade de aumentarmos a cooperação bilateral.

Penso que todos - os que lá fomos - ficamos ainda com a sensação mais viva. 15to é, Cabo Verde é essencialmente um país que necessita da cooperação internacional, mas não só necessita, deseja muito a cooperação portuguesa. Penso que essa é a grande lição que tiramos da nossa visita.

É sabido que Portugal é o primeiro país na cooperação em termos internacionais, muito distante dos próprios Estados Unidos, da ex-União Soviética e de outros países, tais como a Suécia, que é campeã de muitas dessas situações de cooperação em termos internacionais, mas é evidente que podemos, e devemos, organizar-nos entre nós. A primeira tarefa do grupo parlamentar de amizade talvez seja a de dinamizar as iniciativas de cooperação e actuar como lobby (no bom sentido da palavra) de maneira a que a cooperação com Cabo Verde se faça.

Em termos de exportações para Portugal, Cabo Verde é, hoje, o segundo mercado, mas penso que, em termos

Página 1660

1660 I SÉRIE-NÚMERO 50

de valores absolutos, poderá ir muito mais além. A verdade é que a rudeza climatérica, do terreno, da paisagem, aconselham e despertam em nós os sentimentos de ajuda a que, penso, ninguém poderá ficar indiferente.

Em relação à segunda pergunta, Sr. Deputado Octávio Teixeira, que, aliás, se prende, para além dos comentários, com a questão que o Sr. Deputado Alberto Costa fez, penso que aquilo que resultou desta visita foi o imenso respeito que entre os diferentes partidos existe em relação às diferentes posições sobre estas matérias. Ouvimos, cada um de nós, porque o discurso foi o mesmo em relação a todos, as preocupações, os sentimentos e as dúvidas da comunidade cabo-verdiana. Nós, enquanto país, teremos determinadas políticas a cumprir, mas é evidente que todos ficamos sensíveis e todos seremos porta-vozes dessas sensibilidades, dessas preocupações da comunidade cabo-verdiana e do Estado cabo-verdiano entre si. Aliás, o Sr. Presidente da Assembleia da República, em alguns momentos, em termos oficiais, referiu-se a essas situações.

Penso que é minha obrigação, como Deputado do PSD e que é obrigação de todos os Srs. Deputados que lá estiveram, e dos outros, fazer sentir essa situação, sem que isso signifique permissividade ou diminuição do rumo que, em princípio, se deve traçar. Mas, como é evidente, eu mentiria se dissesse que não tinha ficado sensibilizado em relação aos argumentos.

Sr. Deputado Nogueira de Brito, uma última palavra para si. Muito obrigado pela sua referência. Mais uma vez, esta foi a minha segunda deslocação a um país africano de língua oficial portuguesa, uma entrando pela capital e a outra noutras situações, nessa tal experiência curta mas tão rica de sensações, tão interessante e tão profunda, que o Sr. Deputado há pouco se referia. Mas é evidente que também aqui, como muito bem disse, venho dar testemunho da cultura que eles têm.

0 Sr. Presidente dizia, e bem - e penso que é uma situação que podemos repetir -, que há uma cultura que foi construída no caminhar dos tempos por dois povos que se encontraram a meio do oceano e que deixaram ali uma cultura que não é nossa, nem é deles, mas é uma terceira cultura que Portugal soube construir no meio de 10 ilhas, no oceano, contra a natureza, no meio do mar, mas, como gostamos, rodeados de água por todos os lados.

É evidente que essa experiência tocou fundo em mim, pelo que é mais um motivo adicional para que, a partir de hoje, seja mais um defensor de tudo quanto se relacione com Cabo Verde.

Muito obrigado pelo que disse, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é-me lícito, decerto, dizer também uma palavra.

Em primeiro lugar, gostaria de saudar os Srs. Deputados, a começar pelo Sr. Deputado Rui Gomes Silva, que teve a iniciativa de fazer a primeira intervenção, pelas intervenções que aqui fizeram, pela qualidade e pela perspectiva que souberam imprimir, cada um a seu modo e segundo as suas opções fundamentais, à abordagem das relações entre Portugal e a República de Cabo Verde.

Numa segunda linha, gostaria de cumprimentar muito especialmente todos os Srs. Deputados que me acompanharam nessa delegação pelo extraordinário contril3uto que, individualmente, e através dos seus partidos políticos, souberam dar ao êxito da missão que fomos realizar em nome da Assembleia da República e em nome do povo português, a convite da Assembleia Nacional de Cabo Verde, a Cabo Verde e junto do seu povo.

Às lembranças aqui feitas, gostaria de acentuar, não é para trazer à luz algo que tenha ficado esquecido (isso foi referido nas intervenções feitas por todos), o papel que uma grande comunidade de cabo-verdianos cumpre em Portugal e através do qual contribui para o bem-estar do povo português. Na hora em que estamos a saudar as relações com Cabo Verde e a lembrar a nossa visita a Cabo Verde, é bom que nos lembremos dos cabo-verdianos que estão e trabalham em Portugal.

Muito obrigado a todos e as minhas saudações muito especiais.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar as escolas cujos alunos se encontram a assistir à sessão plenária.

0 Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão 7 alunos do Colégio «As Descobertas» de Lisboa, 50 alunos da Escola Secundária de Rio Tinto, 70 alunos da Escola C+S de Freixianda de Ourém, 52 alunos da Escola C+S de Riachos, 45 alunos da Escola Secundárias de Tondela e 50 alunos da Escola Secundária de Esposende, para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1 de Julho de l993, o Sr. Primeiro-Ministro, ao fazer perante esta Assembleia o seu discurso sobre o estado da nação, referia: «0 desporto é um veículo da imagem nacional».
0 que recentemente teve lugar no país e, precisamente, relacionado com um grande clube desportivo coloca na agenda política nacional a apreciação das políticas desportivas prosseguidas, desmente a afirmação de fé do Sr. Primeiro-Ministro na sua «nova política do desporto» e faz-nos meditar sobre que tipo de imagem nacional se pretende para o desporto português.

A atitude do Governo desqualifica de imediato a ideia 1ançada pelo Sr. Primeiro-Ministro sobre a «publicação de um conjunto coerente e integrado de legislação que proceda à regulamentação das diversas vertentes que constituem o desporto» e revela que, ao contrário do que foi dito no referido discurso, «o Desporto é uma área sobressaltada por orientações pouco esclarecidas e marcada por interesses menos claros».

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Não vou aqui tomar muito tempo a relembrar o sobejamente conhecido: o Sr. Primeiro-Ministro tutela esta mesma área há, sensivelmente, nove anos e se há incoerência e sobressaltos a responsabilidade é, evidentemente, do próprio.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Quantos responsáveis já passaram pela educação e pelo desporto? Quem não se lembra da rocam-

Página 1661

18 DE MARÇO DE 1994 1661

bolesca história da pala do Sporting? Quem não se lembra dos jogos olímpicos de Barcelona? Quem não se lembra dos sucessivos ziguezagues que o desporto escolar tem sofrido em Portugal?

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A lei é igual para todos e, como vulgarmente se diz, ninguém está acima da lei. Estamos, com certeza, com a aplicação da lei. Mas não é despiciendo neste momento relembrar que a Lei de Bases do Desporto previa a concretização, precisamente, do regime jurídico dos clubes e das sociedades com fins desportivos. 15to é, a Lei de Bases proeurou, correspondendo ao desenvolvimento do desporto, lançar os fundamentos de clarificação entre o que é a prática desportiva profissional e não profissional. A evolução desportiva implica que se aborde esta componente essencial do fenómeno desportivo e que é constituída pelos clubes desportivos, quer na sua vertente tradicional e cultural de associações sem intuitos lucrativos e socialmente úteis, quer na sua outra vertente de organização de competições disputadas em moldes profissionais e como entidade apostada no espectáculo desportivo.

Muitos clubes, e merecidamente - vide o que se passou recentemente nas últimas disputas europeias -, adquiriram ao longo dos anos, e mercê do seu papel social, o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública, mas as transformações que se vão dando, como o crescimento da componente profissional, sugerem a constituição de sociedades com fins desportivos como possibilidade de integrar uma parte significativa da acção dos clubes no quadro geral das actividades características das próprias empresas, quer a nível estrutural, quer a nível fiscal, ou outras.

É, pois, sobre esta matéria que já se devia ter legislado, evitando-se, certamente, em primeiro lugar, uma desconexão de atitudes antes benévolas e permissivas e hoje repentinamente desproporcionadas e desgarradas - e, em segundo lugar, permitiria evitar-se o quebrar de compromissos ou diálogos em curso, minando-se deste modo um relacionamento que deveria ser isento e transparente entre o Estado e o mundo associativo.

Vale, pois, a pena falar de política desportiva.

Em 1990, foi aprovada uma Lei de Bases do Desporto a Magna Carta do Desporto, como então se referia -, que implicava um desenvolvimento normativo fundamental. Tal desenvolvimento normativo tinha um prazo de dois anos para execução. Hoje, passados quatro anos sobre o diploma, o essencial da legislação está por fazer. Não há regulamentação sobre os já citados clubes desportivos e respectivo regime, nada se avançou sobre o regime de patrocínio desportivo, não há desporto, ou pouco, no ensino superior, nada se fez sobre o desporto e trabalho, nada há sobre o regime contratual dos praticantes desportivos profissionais e equiparados, nada se fez sobre a medicina desportiva, nem sobre a reserva de espaços desportivos, nem sobre a regulamentação da formação de treinadores e agentes desportivos, nem se fez o enquadramento normativo da função de gestor desportivo profissional e o próprio estatuto do dirigente desportivo.

É certo que se criou o Instituto do Desporto e se extinguiu a Direcção-Geral os Desportos. Já aconteceu o mesmo noutros departamentos. E a aplicação prática da máxima: é preciso que mude alguma coisa para que tudo fique na mesma.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Eis o exemplo acabado da declaração do Sr. Primeiro-Ministro sobre a publicação de um conjunto coerente e integrado de legislação que proceda à regulamentação das diversas vertentes que constituem o desporto!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para já não falar do Sr. Ministro das Finanças, falamos do Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto que, inquirido sobre a momentosa questão da fiscalidade, revelou desconhecimento do assunto, muito embora fosse afirmando que o diálogo era peça fundamental neste momento por que se passava. Mas, incomodado com a matéria, aproveitou para anunciar que a sua prioridade para o desporto assentava no desenvolvimento do desporto escolar. Ideia acertada, embora de afirmação comum. No entanto, não deixa de ser curioso que passados tantos anos de responsabilidade de um único partido no Governo, se reconheça que talvez não chegue aos 15 % o número de estudantes que pratica desporto.

Se acrescentarmos que mais de 30 estabelecimentos de ensino não têm nada para a prática de desporto (que a Lei de Bases obrigava que fosse resolvido num prazo de quatro anos) e que a falta de docentes de educação física é grande, é caso para perguntar o que andou o Governo a fazer todos estes anos.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos a dois anos dos próximos jogos olímpicos. Repetidamente se afirmou que a programação de acções e apoios deveria ter em conta o ciclo olímpico - era imprescindível para a obtenção de bons resultados. Já em Seul o então Ministro da Educação falava, para dar corpo e substância àquele desiderato, na constituição de uma fundação de apoio ao desporto.

Nada se passou. Até que, no rescaldo dos jogos de Barcelona, o então Ministro tirou do chapéu esta ideia de novo e decidiu apresentar a iniciativa de levar por diante a constituição de uma fundação de apoio ao desporto. Estamos em 1994 e tudo está na mesma. Não há fundação. 0 apoio à alta competição precisa de ser dinamizado, a legislação existente revista - continua a ser difícil, quer para estudantes, quer para trabalhadores, conciliarem horas de treino com as suas actividades profissionais ou escolares e, porventura, é preciso dinamizar a existência de centros de alto rendimento, lançados de par com o aproveitamento integrado de infra-estruturas desportivas. Nem sempre estão acessíveis àqueles que praticam desporto.

Ainda na sequência de Barcelona, foi referido que iria ser constituída uma comissão de avaliação que acompanharia as actividades e a concretização de objectivos das federações tendo em vista os apoios a conceder-lhes,
Geraram-se expectativas. Hoje estão desfeitas. Os responsáveis do executivo fizeram letra morta da Comissão, os apoios não são aumentados, nem dados, e toda a documentação e programas visando Atlanta 96, ainda apresentada no ano transacto, não teve qualquer resposta dos responsáveis governamentais. E o movimento olímpico espera e desespera.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: São sobejos os exemplos que poderíamos dar sobre a forma como são conduzidos, ou não são, os destinos do desporto português. Lisboa, ou melhor, o país, detém um espaço para a prática desportiva - quer de rendimento, quer de recreação - que é o Estádio Nacional. Ainda na anterior legislatura anunciou-se a ideia de ali instalar um hotel para estágios desportivos, centros de treino e, ainda por cima, uma nave desportiva um grande pavilhão. Nada aconteceu. A não ser que mais

Página 1662

1662 I SÉRIE-NÚMERO 50

recentemente se abandonou a ideia da nave - certamente porque seria muito cara ... ! - para se defender a de uma piscina olímpica. Mas agora - tudo leva a crer já nem mesmo se prevê a piscina olímpica.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É uma vergonha!

0 Orador: - Por tudo o apontado se chega à realidade do desporto português que os números mostram com a toda a crueza. Portugal talvez não chegue aos 200 000 praticantes desportivos inscritos na área associativa e federativa enquanto que, por exemplo, para comparar com um país da Comunidade Europeia e com uma população semelhante, a da Holanda, vai para além dos três milhões, Srs. Deputados!

Nas estatísticas internacionais, e na comparação deste sector com países da Comunidade, Portugal é a maior parte das vezes um espaço em branco. Aliás, aqui mesmo, nesta área das estatísticas, temos dificuldades em conseguir uma análise real e verdadeira sobre os diversos vectores que são indicadores da nossa qualidade de vida e que têm a ver também com o desporto. Poucos são os dados sobre levantamento de instalações desportivas, o enquadramento humano, o associativismo desportivo em geral, os hábitos desportivos dos portugueses, a condição física dos cidadãos e o desporto na escola. Talvez estes dados não existam, por alguma razão que neste momento não vale a pena explicar!

Sr. Presidente e Srs. Deputados, o desporto nacional precisa de uma política global e coerente. Uma política que, como a própria lei diz, leve à generalização de actividades desportivas, como factor cultural indispensável na formação plena de pessoa humana e rio desenvolvimento da sociedade. 0 desenvolvimento desportivo nas suas diversas variantes só é possível na base de uma política integrada e coordenada. Tal política, no entanto, não pode ser posta em prática se não tiver em linha de conta o papel da escola, que é fundamental, e a participação e o apoio decisivo em relação aos diversos sectores que intervêm no movimento desportivo, e que são as associações, os clubes desportivos, as colectividades e também as autarquias locais.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Talvez fosse tempo de pôr um ponto final nesta ambiguidade que tem caracterizado a política do Governo para o sector.

Aguardo, pois, com expectativa o discurso do «Estado da Nação» que, certamente, em Junho, o Sr. Primeiro-Ministro aqui fará. Nessa ocasião talvez se assuma, com alguma modéstia, que se é certo que «o desporto é um veículo da imagem nacional» não é menos certo afirmar que o Governo nada tem feito, antes pelo contrário, para que as condições dessa imagem nacional sejam efectivamente as melhores.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miranda Calha, divido a sua intervenção em três aspectos essenciais, que passo a referir.

Em primeiro lugar, aquilo que é um lugar comum, que merece a sua consideração e o meu aplauso. Estamos conversados!

Em segundo lugar, aquilo que o senhor aqui reivindica também eu poderia reivindicar: é preciso mais espaços para

a prática desportiva, é preciso mais desporto e de melhor qualidade. Estamos de acordo, estamos conversados!

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Mas é preciso cumprir as promessas, Sr. Deputado!

0 Orador: - Em terceiro lugar, há uma confusão no meu espírito que gostaria V. Ex.ª, esclarecesse. É que o Sr. Deputado levanta várias vezes o anátema da suspeição do poder, da sociedade civil e das associações em relação a esta matéria, procurando, simultaneamente, que o Estado tenha uma posição de grande protagonismo. Não tenho dúvidas de que, por exemplo, tal como nós, entenda que as selecções nacionais são representações externas do Estado, mas já duvido que V. Ex.ª entenda que a concretização desta premissa se faça da mesma forma para o PS e para o PSD.

Portanto, gostaria que me esclarecesse se a sua intervenção foi essencialmente crítica para o Governo ou se o foi para as associações, que ainda têm, em Portugal, grande parte da responsabilidade nesta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Pelos vistos, não ouviu a intervenção!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Delerue, se calhar V. Ex.ª não estava presente quando iniciei a minha intervenção. É que limitei-me a citar o Sr. Primeiro-Ministro!

Para que possa ficar esclarecido, vou citar-lhe outra vez o que o Sr. Primeiro-Ministro disse sobre esta matéria: «Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não quero deixar de aqui fazer uma referência a uma área que durante muito tempo viveu sobressaltada por orientações pouco esclarecidas e marcadas por interesses menos claros - o desporto.»

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - Limitei-me, pois, a citar a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro e a constatar qual é, de facto, a realidade em Portugal, isto é, a de que se mantêm não só as tais componentes que o Sr. Primeiro-Ministro referiu como, ao mesmo tempo, nada se fez em relação às outras questões que ele próprio apresentou aqui na altura.

Vozes do PS: - Nada!

0 Orador: - Tudo o que foi aqui afirmado no final do ano passado pelo Sr. Primeiro-Ministro não foi concluído ou concretizado. E se o Sr. Deputado tiver dúvidas sobre isso posso fornecer-lhe fotocópia dos documentos relativos ao que foi feito.

De facto, o Governo não tem feito rigorosamente nada pelo desporto, e quando intervém nessa área fá-lo sempre de forma errada!

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Afinal, sempre é o Estado!

0 Orador: - Não é o Estado, é o Governo! Se V. Ex.ª quiser, posso facultar-lhe a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

Página 1663

18 DE MARÇO DE 1994 1663

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 6l/VI- Autoriza o Governo a estabelecer um regime sancionatório da violação de planos regionais de ordenamento do território.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

0 Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As profundas mudanças que o País está a experimentar têm tradução física sobre a forma como o solo é ocupado pelas diversas actividades consumidoras de espaço. A cadência a que essa ocupação se processa tornou-se mais rápida do que no passado porque elas são mais numerosas e também porque há algumas que se revelam, na realidade, muito devoradoras de espaço - isto para não falar nos «canais» que ligam os locais de acolhimento dessas actividades, que exibem tendência para ser cada vez mais largos e também mais numerosos em ~o longitudinal, porque toda a gente quer chegar depressa e com segurança aos seus destinos e isso exige muitas e boas ligações.

Temos vindo a insistir na elaboração de planos directores municipais, que, com carácter estratégico, devem definir a localização dos diferentes tipos de actividades e estabelecer as condições da sua tangência, secância ou segregação mútua, fixando também a intensidade com que a ocupação do solo se há-de vir a processar. Por circunstâncias várias - que aqui não importa analisar, neste momento - a produção daqueles planos tem-se arrastado demasiadamente, com prejuízo para o exercício do poder local, na transparência das regras com que ele deve ser gerido e para desconforto das populações e, especialmente, dos promotores do desenvolvimento, nas suas múltiplas categorias, que não dispõem de um quadro de referência claro para as suas iniciativas, vendo-se obrigados a aceitar as decisões casuísticas das autoridades.

Temos também estimulado a elaboração dos planos de pormenor que traduzem, em termos tácticos, o que os planos directores definem nas grandes linhas.

0 País precisa urgentemente de melhorar a sua face construída, naturalmente por aumento da qualidade das diferentes construções consideradas uma a uma mas também quando integradas nos conjuntos que formam e que deveriam ser muito mais harmoniosos do que o são. Há mesmo zonas em que não chega a ocorrência de bons exemplares de arquitectura de edifícios para elas se reabilitarem. A construção de uma «nódoa» mancha todo um tecido urbano, mas a harmonia de um conjunto respeita primordialmente a esse conjunto, quer na parte estética quer no «funcionamento» dos seus elementos e das articulações entre eles.

Há, todavia, resistências à definição de regras, porque, na melhor das hipóteses, pretende-se ser capaz de chegar à harmonia espontaneamente, uma vez que se gosta da terra, nada se fazendo para a tomar feia e tudo se tentando para conseguir que ela seja aprazível. Se não houvesse outras razões, bastaria essa impossibilidade para se tornar obrigatória a tradução, sob forma escrita e desenhada, da ideia que fazem os decisores acerca da sua terra e da sua evolução. Mas não é fácil incorporar na «cultura administrativa local» a obrigação de transmitir a todos o caminho físico daquela evolução, acomodando o crescimento e orientando o modo como se há-de processar a reabilitação, a reformulação e a adaptação do que está maduro e caduco, nas condições que oferece para a vida dos nossos dias.

Alguns aderem com convicção, mas outros deixam arrastar o processo, impondo-nos o recurso simultâneo a incentivos e a penalizações a quem dispõe ou não de planos de ordenamento do território.

A perseverança compensando, está o Governo aplicado a encontrar fórmulas para se vir a dispor, em breve e em todo o território, de planos de ordenamento que cumpram as funções de instrumento de progresso e de promotor da formação de quadros de vida harmoniosos e agradáveis.

Entretanto, há espaços supra-municipais cuja vulnerabilidade ou cuja intensidade de ocupação, presente ou potencial, aconselharam a que, em relação a eles, se dispusesse de instrumentos de ordenamento fixadores de regras de conjunto, naturalmente balizadoras do que, na matéria, se poderá estatuir a nível local.

Esses planos - chamados Planos Regionais de Ordenamento do Território - têm por objectivo concretizar uma política de ordenamento, definindo opções e critérios de organização e de uso dos terrenos e estabelecer normas gerais de ocupação e de utilização que permitam fundamentar o uso e a gestão do espaço em causa. Tudo isso deve ser feito, tendo em vista a optimização da ocupação do espaço disponível e salvaguardando os valores patrimoniais, naturais e culturais que eles encerram.

Ao abrigo do diploma que os criou - o Decreto-Lei n.º 176A/88 - foram já elaborados os Planos Regionais de Ordenamento do Território do Algarve, da zona envolvente do Douro, das zonas envolventes das albufeiras das barragens da Aguieira, Coiço e Fronhas e do Litoral Alentejano. Estão em preparação mais três planos do mesmo tipo: o PROT da Área Metropolitana de Lisboa, o PROT do Litoral Centro e o PROT do Alto Minho.

Como se vê, trata-se, em todos os casos, de parcelas muito sensíveis do território nacional; ou são pedaços únicos de paisagem natural ou humanizada ou correspondem a áreas nas quais uma actividade específica ou um conjunto de actividades exerce uma pressão sobre o terreno que pode anular os benefícios induzidos pelos seus atributos naturais ou o que já foi feito para os aproveitar a favor do desenvolvimento. Em todos os casos, trata-se de zonas onde se acumulam atributos de excepção, que não se pode deixar de proteger e de valorizar no interesse geral.

Sucede, porém, que os interesses de alguns os levam a exagerar no que fazem, arriscando, na presunção de que as agressões ao definido e consagrado por lei não serão punidas e que a pequena contribuição que cada um dá para o desordenamento, sendo pequena, deverá ser considerada como negligenciável.
Chegam mesmo a invocar esse argumento, ignorando o facto de ser o todo o integral das partes, e que, mesmo quando estas são infinitesimais, a sua agregação pode assumir dimensões expressivas e muito danosas para o equilíbrio do conjunto.

A aplicação dos regulamentos dos PROT já elaborados às situações concretas que se põem tem demonstrado ser conveniente estabelecer um regime sancionatório consonante com a gravidade das faltas, visando o incumprimento das disposições neles fixadas.

0 referido decreto-lei não estabelece as sanções às infracções às normas definidas no quadro dos PROT. Limi

Página 1664

1664 I SÉRIE-NÚMERO 50

ta-se a afirmar a vinculação ao seu conteúdo por parte de todas as entidades públicas e privadas, esclarecendo que são nulos os planos, programas ou projectos de carácter nacional, regional ou local que não obedeçam ao que nos PROT se estatui. E em cada decreto-regulamentar que aprova um PROT tem-se estabelecido um regime de contra-ordenações para os actos que os violem sem sair, todavia, dos valores das coimas previstas na lei geral.

A insuficiência desses valores como instrumento de dissuasão das prevaricações é manifesta. Eles são também desequilibrados em relação aos definidos no esquema sancionatório que regula os planos de ordenamento do território de iniciativa municipal; estes prevêem o recurso a fórmulas muito mais apertadas e severas, contemplando, nomeadamente, a faculdade de embargo e demolição das edificações que violem os planos, a aplicação de coimas de montante muito mais elevado e a qualificação de determinadas condutas como integrantes do tipo do crime de desobediência.

Impõe-se, por tudo isso, ajustar o regime sancionatório previsto para fazer face às violações dos planos regionais de ordenamento do território, atendendo à dimensão do impacte que elas têm e às consequências multimodas que o desrespeito das normas acarreta.

A vida em colectividade limita, em nome do interesse comum, a capacidade de cada um fazer o que muito bem lhe aprouver. Há uma consciência progressivamente mais aguda acerca do que se deve preservar e do modo como se pode ocupar o espaço com as muitas actividades que concorrem, naturalmente, pela ocupação dos melhores pedaços. Há também uma compreensão crescente acerca da gravidade dos atentados que se cometem em relação a valores difíceis ou impossíveis de regenerar.
Chegou, por isso, o momento de fazer a sociedade aceitar, de boa mente e mesmo com entusiasmo, que se cerceie a liberdade dos «predadores do espaço» e se ponham a funcionar mecanismos eficazes de salvaguarda das regras que foram um dia definidas com a participação do maior número.

É esse o sentido do pedido de autorização legislativa que o Governo apresenta.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Joaquim da Silva Pinto e Luís Sá.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, como V. Ex.ª sabe, já tivemos várias vezes oportunidade de referir aqui a sua mentalidade de planeador, que aflora com mais ou menos intensidade conforme as iniciativas que traz à consideração desta Câmara. Ora, eu diria que, neste pedido de autorização legislativa, aflora fortemente, porque ele visa dotar de eficácia - diria que é uma prótese no planeamento ou no ordenamento do território - os planos de ordenamento territorial, que vivem fundamentalmente num equívoco, que é o de representarem uma forma centralizada do planeamento do território. Ou seja, não termos uma estrutura regional montada e em funcionamento leva-nos a conferir ao Governo central a capacidade e a competência para planear o ordenamento do território e, concretamente, a utilização do terreno.

Simplesmente, Sr. Ministro, numa hierarquia de planos, nós víamos estes planos de ordenamento do território, conciliando-os com os planos directores municipais e, depois, com as categorias que devem enquadrar dentro dos planos directores municipais, como uma categoria de «planos de planos». VV. Ex.ªs vêem-nos de uma maneira diferente porque os consideram, desde logo na legislação que é a matriz destes planos, como vinculativos para as entidades que têm a seu cargo planear, licenciar obras e aprovar planos e também directamente para os particulares.

Agora, Sr. Ministro, em consequência e conformidade, sentindo-nos diminuídos em relação ao aparelho sancionatório dos planos directores municipais, o Governo vem pedir à Câmara que lhe atribua autorização para construir um aparelho sancionatório de igual nível. Mesmo em relação a obras licenciadas pelas entidades competentes, querem dispor do poder de embargo de demolição dessas mesmas obras.

O Sr. Ministro, mas isto é uma confusão de planos! Quer dizer, o território nacional vai estar sujeito a um planeamento que prevemos poder ser conflituante, com consequências danosas para aqueles em relação aos quais não devia ter consequências algumas, a menos que V. Ex.ª admita a possibilidade de os particulares «atropelados» por um licenciamento que não se enquadra dentro da interpretação mais rigorosa do plano de ordenamento do território terem um prejuízo manifesto com esta demolição. Onde é que está aqui uma palavra para a responsabilidade patrimonial das entidades licenciadoras de modo a ressarcir os prejudicados?

Esta seria uma medida de recurso, Sr. Ministro! 0 que verdadeiramente consideramos como discutível é que esta vinculação se exerça em relação aos próprios particulares e que relativamente a obras licenciadas ela se possa concretizar no tipo de sanções que V. Ex.ª prevê.

Vozes do PS: - Muito bem'

0 Orador: - 0 Sr. Ministro não admite que isto possa ser construído de uma forma diferente? 15to é, estes planos são vinculativos para as entidades que têm competência de planeamento urbanístico de outro nível e não directamente para os particulares? Realmente VV. Ex.ªs poderão construir uma responsabilidade destas entidades que, ao cabo de um processo mais ou menos longo, possa conduzir aos mesmos efeitos. 0 que não podem é tornar responsáveis os particulares perante obras que foram licenciadas por entidades competentes. Além de um abuso para com os particulares, isto representa uma quebra grave da autonomia municipal, Sr. Ministro! V. Ex.ª não o entende desta maneira e não está disposto a alterar, de alguma forma, o texto que nos propôs para autorização legislativa?

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.

0 Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, em meu entender estamos em presença de um diploma suicida e eu, que tenho muita simpatia por V. Ex.ª quero recordar-lhe que não é só a contar anedotas sobre os alentejanos que os ministros põem termo precipitado aos seus mandatos.

Sr. Ministro, muito francamente, penso que V. Ex.ª coloca esta Câmara perante um diploma inqualificável em alguns aspectos. Quando o Sr. Ministro diz que pretende que o Governo possa, através do seu Ministério, ordenar o embargo e a demolição de obras particulares realizadas em violação do disposto em plano regional de ordenamento do território, mas autorizadas pelas autoridades competentes, V. Ex.ª está a contribuir - como, aliás, uma voz qualificada da bancada do CDS-PP acabou de sublinhar para uma ins-

Página 1665

18 DE MARÇO DE 1994 1665

tabilidade da figura do Estado e a prejudicar altamente a confiança dos cidadãos perante essa mesma estrutura. E perdoar-me-à que não fale só como Deputado eleito pelo Algarve, onde essa temática parece ter uma incidência especial, pelo menos nas intenções e nas entrelinhas desse diploma, mas que lhe diga, como autarca que me honro de ser, que isto é uma afronta e um desrespeito para com as autarquias locais criando-lhes um clima de incerteza que pode levar a úbiezas de decisão, a compadrios, a influências partidárias, hoje e amanhã, independentemente de quem esteja no poder.

Sr. Ministro, V. Ex.ª cometeu um grave erro ao apresentar este diploma, se é que o entendi bem.

0 Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Entendeu mal!

0 Orador: - Sr. Ministro, já que está a dizer que entendi mal, então explique-me, tranquilize-me, dê-me a satisfação de ouvi-lo dizer coisas certas, porque escreveu, com certeza, coisas erradas.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

0 Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a primeira questão que quero colocar relaciona-se com o facto de estarmos perante planos regionais de ordenamento do território sem haver regiões, o que leva, naturalmente, à seguinte questão: o PSD e o Governo tencionam cumprir o seu próprio programa e as suas próprias promessas e instituir as regiões ou, pelo contrário, vão insistir em referendos inconstitucionais - aliás, absurdos - como os que foram referidos há pouco tempo?

Em segundo lugar, o Governo vem a esta Câmara propor sanções para os planos regionais de ordenamento do território. Mas que sanção prevê o Governo para si próprio e para a administração indirecta do Estado quando viola os planos directores municipais ratificados em Conselho de Ministros, elaborados com o acompanhamento de um conjunto de entidades da Administração Central?

A verdade é que esses planos directores municipais podem ser violados por obras ordenadas quer pelo Estado, quer pela Administração Central, quer pela administração indirecta do Estado, impunemente, violando tanto a volumetria como as regras arquitectónicas e estudos de cor, violando, no fim de contas, a autonomia municipal e, inclusivé, regras aprovadas pelo próprio Conselho de Ministros.

Terceira questão: Sr. Ministro, a proposta de lei n.º 6l/VI pede a esta Câmara autorização para que seja concedido ao Governo, através do ministro da tutela, o do Planeamento e da Administração do Território, o poder de ordenar às entidades concessionárias que interrompam os fornecimentos de água, gás e electricidade. Ora, quem tem a autoridade do fornecimento de água são as autarquias locais. E eu pergunto-lhe: ao abrigo de que norma constitucional, ao abrigo de que entendimento dos poderes de tutela do Governo sobre as autarquias locais, se pretende que o Governo possa dar uma ordem concreta sobre uma matéria desse tipo, da competência das autarquias locais ou de uma entidade concessionária das autarquias locais?

Se não estamos perante uma norma inconstitucional, então o que é que será uma norma inconstitucional?

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

0 Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, efectivamente, diante da situação em que estamos, com o País sofrendo, em partes tão sensíveis como aquelas que há pouco referi na minha intervenção, ataques que ficam impunes e em relação aos quais não há instrumentos de legislação, quer porque houve atraso na sua elaboração, quer porque não cobrem toda a gama das situações ou porque precisam de ser compatibilizados, era uma falta grave a inexistência de um quadro sancionatório adequado.

Sr. Deputado, seria bom que houvesse, efectivamente, uma autodisciplina suficiente, que levasse toda a gente a submeter-se, de bom grado, às normas da sensatez e às da boa prática, tanto de ocupação do território como do desenho urbano. Tudo isso seria bom, mas a verdade é que as pessoas não se submetem. E não o fazem porque há pressões e ganhos fáceis de adquirir se ultrapassarmos as normas e os parâmetros adequados, e vemos que há, um pouco bocado por todo o lado, hiatos de planos municipais e compatibilizações, mesmo de planos intermunicipais, que deveriam ser feitos e que não o são, porque a vontade de consolidação, de agregação e de integração não é automática e não aparece sem que sejam forçadas por meio de um incitamento. 0 Sr. Deputado chamou-lhes próteses, mas tais próteses têm sido bem recebidas.

Passo a responder também ao Sr. Deputado Joaquim Silva Pinto, porque o distrito pelo qual ele é Deputado foi o local onde reagiram mais os que tinham pecados, enquanto aqueles que viram que poderia advir vantagem da submissão voluntária a uma disciplina aplaudiram e submeteram-se, e temos hoje gente - operadores económicos e a população que, em geral, não tem de fazer discursos na Assembleia para contrariar uma proposta do Governo - a dizer que foi benéfica a disciplina, a contenção e a maneira de chegarmos a uma orientação que tem um quadro mais largo do que o plano municipal.

Voltando ao fio condutor, do que dizia o Sr. Deputado Nogueira de Brito, as medidas vão ser vinculativas para os planos directores municipais, e têm de sê-lo, porque há coisas de outro âmbito que foram, entretanto, definidas com maior âmbito e, assim sendo, não faz sentido que, no âmbito municipal, não se preveja uma articulação com perspectivas de conjunto, porque têm a ver com grandes áreas que devem ser protegidas de uma forma global por exemplo, a Ria Formosa - e de uma forma integrada, como é o caso dos aquíferos que ligam uma zona de colheita de água com outra de consumo. Tudo isso deve ser respeitado e deve haver uma hierarquia vinculativa.

0 ideal seria que pudéssemos ter a hierarquia dos planos feita com vinculações umas com as outras, no quadro nacional, que nunca é real - e não sei se isso não seria até desejável, porque estas coisas têm de ir-se forçando, têm de construir-se pouco a pouco -, nunca há uma hierarquia em que se veja claramente, de um plano para o outro, aquilo que tem de ser vinculativo relativamente a extractos de planos superiores ou a planos de extractos superiores e de âmbito maior, até aos mais pequeno. Por isso, o segredo da solução está em que uns vão a maior pormenor e outros ficam com a generalidade e, ao ficar com ela, determinam regras para aqueles que o fazem com menor âmbito espacial.

No que se refere ao conflito de planos, espero que eles não existam e, se os houver, acho que não devemos estar à espera da última moda. Eu não disse que ninguém elabo-

Página 1666

1666 I SÉRIE - NÚMERO 50

rava planos directores municipais até termos todos os planos próprios deste país feitos. Nós não exageramos, não temos essa fúria planeadora de que nos acusam. Pelo contrário, dissemos que a regra geral são os planos directores municipais e a regra especial, para zonas mais sensíveis, são os planos regionais de ordenamento do território, que têm de ser feitos a correr, porque aí há, efectivamente, ameaças e perigos que temos de salvaguardar.
Quanto à responsabilidade patrimonial das entidades licenciadoras, um ponto que referiu, devo dizer-lhe que a nulidade do licenciamento consta dos pontos n.05 l e 4 do artigo 52.º do decreto-lei - e não vou lê-los para não perder tempo - e, portanto, os planos, contrariamente ao que aconteceu até agora em grande parte, têm de ser vinculativos para os extractos intermédios e para os particulares, porque em muitos casos temos situações em que há PROT e não há PDM e em que, num caso vulgar teria havido uma influência do PROT no PDM e do PDM na licença particular. Quando não há PDM, como pode garantir-se que não haja ofensa? Portanto, aí, o particular tem de ser responsabilizado.
Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, não há prejuízo da confiança do cidadão. O cidadão tem de ter um quadro estável de referência, mas, seguramente, também precisa de conhecer as regras com que se definem, em determinada ocasião, as coisas que ele tem o direito de construir. E ele tem essa informação com o grau de desagregação que pode, efectivamente, existir na sua definição.
O Sr. Deputado Luís Sá voltou à questão da regionalização e, em relação a isso, quero dizer-lhe que a seu tempo se verá. Espero que os agentes do Governo não firam, não violem, as normas que eles próprios definem, pois, nesse caso, as coisas serão resolvidas pela via disciplinar.
Quanto à parte sancionatória, relativamente à qual o Sr. Deputado disse que nós exagerámos, sobretudo no que diz respeito às entidades concessionárias, referindo que não temos poder para lá chegar, quero dizer-lhe que, se os planos regionais estão a ser feitos em nome de um interesse geral, parece-me que deve haver possibilidade de atacar, de forma eficaz, aquilo que viola, pois é no interesse do cidadão que se ultrapassa e exerce uma autoridade superior.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A apresentação na Assembleia da República, por parte do Governo, de um pedido de autorização legislativa, com o qual se pretende estabelecer um regime sancionatório da violação de planos regionais de ordenamento do território, deixa-nos seriamente preocupados, não só pela iniciativa mas também pelos motivos em que se consubstancia tal pedido.
Sabendo nós da incapacidade que o Governo tem demonstrado, ao longo dos anos, em tudo aquilo que tem a ver com o planeamento, designadamente no âmbito do ordenamento do território, como sejam os PGU, os PDM e os PROT, constatamos que a legislação avulsa, os aclaramentos à mesma e a revogação parcial de alguns diplomas e portarias têm tido, como objectivo último, e quase exclusivo, intimidar as câmaras municipais e decapitar o poder local.
O presente pedido de autorização legislativa é um caso típico do comportamento do Governo com o poder local, pois nem sequer o diálogo institucional foi respeitado, dado que a Associação Nacional de Municípios Portugueses não foi ouvida nem achada neste processo, o que concretiza e exemplifica a postura de um Governo que não respeita os princípios da participação democrática e configura assim uma das situações indesejáveis que a falta de diálogo sempre provoca
Se a Associação Nacional de Municípios Portugueses emitiu parecer sobre esta proposta de lei, fê-lo em consequência da iniciativa da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente desta Assembleia e não do Governo.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Este é mais um caso exemplar da adulteração dos princípios previstos aquando da elaboração dos PROT, designadamente do PROT do Algarve, que acompanhei pormenorizadamente até à sua fase última, que interferirá claramente nas áreas da competência dos municípios, impondo condições e sanções sem fundamento democrático, e porá em causa a importância institucional de um plano e a sua função de compatibilização das políticas territoriais de nível central e local.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Bem sabemos que a legislação actual é desadequada, nomeadamente no que diz respeito à política e gestão dos solos, e que os instrumentos legais e financeiros existentes são antiquados, desordenados e, em geral, inoperantes, tornando impraticável a aplicação de planos extremamente rígidos e limitativos, como é o caso dos PROT, designadamente do PROT do Algarve.
Mas isto é secundário para o actual Governo, porque o que é importante para o Governo do Primeiro-Ministro Cavaco Silva é sancionar as câmaras municipais. O que é fundamental para os governantes deste país é transformar e reduzir os órgãos autárquicos a meras extensões do poder central, sem vontade própria ou capacidade reivindicativa, transformando-os em meras caixas de correio ou de ressonância da vontade política do poder central.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em vez de se configurarem diplomas, onde estivesse presente a lógica ao estímulo dos agentes económicos e das autarquias para um entendimento, em liberdade e responsabilidade, embora com interesses opostos, procura-se afastá-los, afrontando tudo e todos, com medidas sancionatórias e de mera intervenção administrativa, como ocorre no diploma em apreço.
O Governo, ao pretender aplanar dificuldades próprias de conjunturas difíceis, chamando a si competências que não tem, assume todos os poderes - legislativos, executivos e judiciais -, e fá-lo de forma antidemocrática, ilegítima e anticonstitucional. Ora, este comportamento de um órgão de soberania não pode ser permitido. A prosperidade e a justiça do nosso país não se fazem com burocracias, tecnocracias e, sobretudo, repressão.

Aplausos do PS.

Elas surgem do esforço, entusiasmo e sacrifício de muitos, no respeito pelas diferenças e competências de cada um, mas em perfeita coesão.
O que agora se propõe é uma verdadeira ruptura com o modelo institucional vigente. Em vez de soluções compromissórias, vinga a desconsideração e o afrontamento, a rondar a provocação.

Página 1667

18 DE MARÇO DE 1994 1667

Este diploma não preenche os requisitos de moderação, equilíbrio e compromisso entre posições conflituosas, que devem ser apanágio do legislador democrático. Ele não é mais do que um colete de forças para a gestão criativa e plural dos municípios, quando devia instituir um quadro de convergência de esforços e protagonismos conducente à transformação das nossas cidades, vilas e aldeias, no sentido do progresso e do desenvolvimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Dever-se-ia legislar de forma a que os planos meramente de ordenamento do território fossem menos normativos e não se esgotassem na problemática do uso do solo mas, sim, que se projectassem em articulação entre as entidades públicas, agentes económicos, sociais, científicos e culturais, verdadeiros promotores do desenvolvimento, proporcionando, por esse facto, melhores condições de vida e de trabalho aos cidadãos, e que configurassem a esperança da oportunidade para o sucesso individual e profissional.
Quando se deveria planear, em face dos flagrantes desequilíbrios, uma definição dos investimentos prioritários em matéria de infra-estruturas, equipamentos e respectiva localização, para tornar credível e eficaz os PROT, apresenta-se legislação sancionatória para os municípios.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Encontrando-se os municípios completamente espartilhados pela tutela, como evidencia o presente caso, estes constrangimentos condicionam a eficácia municipal, dada a sobreposição desordenada de competências e tutelas sectoriais e espaciais, como são os organismos regionais da administração central.
Os PROT, designadamente o PROT do Algarve, não resolvem os verdadeiros problemas da administração central, nem perspectivam a realização das infra-estruturas e equipamentos indispensáveis ao desenvolvimento harmonioso das regiões. Regiões que, há muito, deveriam ter os seus órgãos administrativos e políticos próprios, tal como consagra a Constituição da República Portuguesa.
A má vontade da maioria parlamentar nesta Assembleia, que apoia o Governo do PSD, ao não permitir a criação das regiões administrativas está a afrontar o Estado democrático e a contribuir para uma política regional governamentalizada e centralista, desarticulada e conflituosa, assente em critérios de lógica partidária e clientelista.
Aceitamos democraticamente a vontade política das maiorias absolutas, mas nunca nos sujeitaremos à prepotência dessas maiorias.
Que fique bem claro que o PS é pelo ordenamento do território e seu desenvolvimento harmonioso, mas nunca será a favor de que, para servir este princípio, se violem outros, pondo em causa a autonomia do poder local.
A proposta de lei n.º 61/VI, da iniciativa do Governo, hoje em debate, viola a autonomia administrativa do poder local. Contra ela nos insurgimos. Contra ela votaremos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Nogueira de Brito e Manuel Moreira.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fialho Anastácio, V. Ex.ª propõe, como remédio, uma dose acrescida de planeamentos, não é verdade? Isto é, diverge no que respeita ao objecto dos PROT, mas ainda quer mais PROT, pois quer planear tudo e mais alguma coisa. Contra isso, eu também reajo.

Risos do PSD.

Vou fazer-lhe algumas perguntas concretas. O Sr. Deputado, que foi presidente de câmara no Algarve,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não lhe fale no Algarve, Sr. Deputado Nogueira de Brito!

O Orador: - ... dá ou não um testemunho a esta Câmara, de que, de certo modo, na sua região, deu-se razão a esta ânsia planeadora do uso do espaço, a qual acabou por «desaguar» no regime jurídico dos planos regionais de ordenamento do território e, agora, no aparelho sancionatório? Há no Algarve um fenómeno de anarquia urbanística ou estamos todos enganados e quando se fala nisso, realmente, está-se, pura e simplesmente, a querer caluniar uma região?
Admito as respostas que V. Ex.ª me possa dar, mas lembro-me de várias intervenções que foram feitas aqui, designadamente pelo Sr. Deputado Carlos Brito, do PCP, em que ele lamentava os fenómenos de agressão na área e na região da Ria Formosa. E várias vezes o fez, dirigindo apelos lancinantes à Câmara. Isto é ou não verdade? E, se é verdade, Sr. Deputado Fialho Anastácio, que soluções é que V. Ex.ª propõe, em termos de alguma coordenação intermunicipal na ocupação do espaço?
Pela minha parte, aceito, manifestamente, que existam planos regionais de ordenamento do território, sobretudo quando existirem regiões e quando eles forem definidos e implementados por regiões administrativas.
Por outro lado, também aceito que eles não tenham nem disponham de um esquema sancionatório, que leva à sobreposição do planeamento regional do território sobre o planeamento municipal, que me parece ser uma das competências fundamentais dos órgãos autárquicos.
O que não compreendo muito bem é que V. Ex.ª encare como remédio para toda esta questão um tipo de planos regionais de ordenamento ou ocupação do território que abranja todas as actividades do Estado na região e seja como que um mini-plano, ou seja, uma redução do planeamento de nível regional a um planeamento de que já estávamos afastados e do qual só tínhamos grandes opções, que eram, efectivamente, as que orientavam a elaboração dos orçamentos anuais.
Pela minha parte, já me julgava livre desses desvios planeadores, mas, pelos vistos, o Sr. Deputado quer voltar a eles. Essa é, para si, a solução? Há ou não necessidade de uma coordenação, de um planeamento intermunicipal de ocupação do território?

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fialho Anastácio, a questão que lhe quero colocar vai no mesmo sentido do que acabou de ser referido pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Da sua intervenção decorre a ideia de que o Partido Socialista e V. Ex.ª parecem estar contra o planeamento do território nacional, contra o ordenamento do território. No fundo, parece que discorda da existência de planos regionais de ordenamento do território e, consequentemente, do seu regime sancionatório.

Página 1668

1668 I SÉRIE - NÚMERO 50

Gostava de saber se é esse o entendimento do Partido Socialista e se é esse o seu entendimento pessoal. É que, considerando, nós, como já foi referido pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, que existe uma anarquia urbanística no nosso país - que tem sido combatida, e bem, por este Governo, através da exigência, às autarquias locais, da elaboração dos planos directores municipais e também por parte do Governo da elaboração de alguns planos regionais de ordenamento do território- e estabelecendo a legislação actual um regime sancionatório para os planos municipais de ordenamento do território, mal seria que a Assembleia da República e o Governo não preenchessem a lacuna que existe no regime dos planos regionais de ordenamento do território, a fim de que esse regime sancionatório possa existir igualmente.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se não considera indispensável, para um desenvolvimento e uma ocupação equilibrada do solo do nosso território, que esses planos regionais de ordenamento do território e esse regime sancionatório também existam.
Parece-me que não há, da parte do Governo, nem da parte da bancada do PSD, qualquer intenção de violar a autonomia municipal ou a autonomia autárquica. O que temos é de tentar fazer com que haja uma boa harmonia, uma boa cooperação institucional entre as autarquias locais e o Governo, no sentido de se promover, realmente, um desenvolvimento equilibrado de todo o espaço nacional. É esse o objectivo final desta autorização legislativa.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Nogueira de Brito e Manuel Moreira, quero agradecer os vossos pedidos de esclarecimento e fazer, desde já, uma ressalva: de facto, ou não consegui exprimir tudo aquilo que pretendia nesta minha intervenção ou, então, houve um pouco de falta de atenção, por parte dos Srs. Deputados. É que, realmente, as questões que me foram colocadas estão, tanto quanto possível e dentro do razoável, esclarecidas na intervenção que fiz.
De qualquer forma, vou responder, com muito gosto, às perguntas que me foram feitas.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Por caridade!

O Orador: - O sentimento que tenho, pela experiência de uma autarquia onde permaneci 15 anos, é o de que todos aqueles que estão nessas funções sabem a responsabilidade que têm na administração do território e, por isso, elaboram os seus planos. Nessa altura, e já lá vai algum tempo, esses planos demoravam anos e anos a poderem ser aprovados pela administração central. O Governo demorava anos e anos.
Com isto quero dizer que, de facto - e o Sr. Ministro não me desminte nesse aspecto, pois sabe bem os anos necessários para que o PGU de Tavira e o plano do litoral fossem aprovados -, é generalizado o sentimento de que os autarcas são a favor do planeamento e desejam-no. Mas desejam, também, ser consideradas como entidades integradas nesses trabalhos de planeamento e não podem aceitar que se pretenda vir a legislar da forma abusiva, como nos é aqui apresentado e como é pedido pelo Governo.
Sr. Deputado, focou-se aqui o caso do Algarve. Infelizmente, bem sabemos que há coisas que são más no Algarve, mas também existem coisas que são péssimas, em outros locais do País. Normalmente, gosta-se de imputar à região do Algarve os casos menos agradáveis.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É um caso extremo!

O Orador: - Não é, Sr. Deputado! É talvez mais um caso de irresponsabilidade pelos interesses do País e é, provavelmente, mais um caso de incoerência por essas atitudes que se tomam para com o Algarve. Em minha opinião, é irresponsabilidade de quem faz esse tipo de acusações.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Irresponsabilidade de muita gente!

O Orador: - Quero também acrescentar que, segundo esse mesmo sentimento, não podemos aceitar que haja uma intromissão nas competências do poder local, pela forma abusiva como é feito este diploma.
Repare-se, inclusive, que se pretende retirar competências ao presidente da câmara, designadamente nos casos de licenciamento de obras e de embargo, que são competências que lhe pertencem por lei, e que se pretende, com este diploma, ultrapassar as competências do presidente da câmara relativas ao abastecimento de água a obras.
Esta é uma intromissão completamente desajustada, que nós - e eu, pessoalmente, que durante muitos anos fui autarca e ainda o sou, pois mantenho o meu lugar na assembleia municipal -, de forma alguma, podemos aceitar. Por isso a lamentamos.
Aliás, indo de encontro a outras intervenções aqui feitas, provavelmente estas situações não aconteceriam se, de facto, estivessem instituídas as regiões administrativas, em geral, e, em particular, a do Algarve.
Sr. Deputado Manuel Moreira, creio ter sido bem claro no final da minha intervenção, quando disse que o PS é «pelo ordenamento do território e seu desenvolvimento harmonioso mas nunca será a favor de que, para servir este princípio se violem outros, pondo em causa a autonomia do poder local». Tal estende-se aos autarcas do Partido Socialista. É isto que sempre fomos, somos e continuaremos a ser.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo solicita à Assembleia da República, através da proposta de lei n.º 61/VI, autorização para estabelecer um adequado regime sancionatório no que respeita à violação de planos regionais de ordenamento do território.
O Decreto-Lei n.º 176-A/88, de 18 de Maio, institui a nova disciplina dos planos regionais de ordenamento do território (PROT), sendo estes instrumentos de planeamento territorial da iniciativa da administração central.
Os planos regionais de ordenamento do território têm por objectivo concretizar, para a área por eles abrangida, uma política de ordenamento, definindo opções e critérios de organização e uso de espaço, e estabelecer normas gerais de ocupação e utilização, que permitam fundamentar um correcto zonamento, utilização e gestão do território abrangido, tendo em conta a salvaguarda de valores naturais e culturais.
A existência dos PROT e a sua aplicação às situações concretas têm demonstrado a necessidade de se estabele-

Página 1669

18 DE MARÇO DE 1994 1669

cer um correcto regime sancionatório para o não cumprimento das disposições daqueles instrumentos de planeamento.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com a presente autorização legislativa, o Governo pretende estabelecer os montantes das coimas para as acções de violação dos planos regionais de ordenamento do território, dado que se entende que as violações a estes instrumentos de planeamento são graves, justificando a introdução de um regime contraordenacional e a aplicação da respectiva coima.
Convém aqui referir que o regime dos planos municipais de ordenamento do território já contém um regime de contraordenações e coimas, não se justificando que a lei valore de forma diferente a violação dos planos de ordenamento do território da iniciativa da administração central e a violação dos da iniciativa municipal.
Assim, no artigo 2.º do pedido de autorização legislativa são referidos os montantes das coimas: «entre o mínimo de 100 000$ e o máximo de 25 000 000$, nos casos em que o infractor seja pessoa singular, e de 300 000$ a 50 000 000$, quando seja pessoa colectiva».
O mesmo raciocínio se aplica à possibilidade de embargo e demolição das obras realizadas em violação de planos regionais de ordenamento do território, à classificação como ilegalidade grave, para efeitos da aplicação da lei da tutela, do licenciamento de obras em violação dos PROT e à classificação como crime de desobediência do desrespeito de actos administrativos que determinem o embargo e demolição das obras executadas em violação daqueles planos.
Todas estas normas sancionatórias existem já para a violação dos planos municipais de ordenamento do território, não sendo muito coerente que os planos de iniciativa do Governo, com uma abrangência territorial superior à daqueles, ficassem mais «desprotegidos».
A única norma nova (que não consta do regime sancionatório dos planos municipais de ordenamento do território) é a que permite ao Governo o poder de ordenar às entidades concessionárias de serviços públicos a interrupção dos fornecimentos de energia eléctrica, gás e água, nos casos em que a obra executada viole o disposto em planos regionais de ordenamento do território.
Esta norma sancionatória pretende, entre outros objectivos, evitar situações de facto consumado e proteger os terceiros de boa fé, já que alerta os adquirentes de lotes ou construções para o facto de a obra não estar totalmente legalizada
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em suma, pretende-se consagrar um adequado regime sancionatório para as violações em instrumentos de planeamento de natureza supramunicipal, que abrange todos os intervenientes no processo (particulares e câmaras municipais) e, ainda, colocar em pé de igualdade os planos municipais de ordenamento de território e os planos regionais de ordenamento do território, no que diz respeito às violações de que foram objecto.
Nesta conformidade, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata vai conceder ao Governo a presente autorização legislativa.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, ouvi-o dom a atenção que o assunto e a sua qualidade de autarca justificam e gostaria de saber se o recentemente eleito Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia tem a sua opinião. Suponho que não tem,...

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - O que é que uma coisa tem a ver com a outra?!

O Orador: - ... o que explica o facto de V. Ex.ª ter sido derrotado e ele vencedor. A verdade é que V. Ex.ª tomou aqui uma posição «de cócoras» perante o Governo. É um autarca «de cócoras»...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado está a dizer que pede ao Governo que, quando entender, lhe «puxe as orelhas» e lhe dê «um pontapé naquele sítio».

Risos do PS.

O Sr. Deputado agradece isso! É mal comportado, é uma pessoa de má confiança e pede ao Governo que o vigie. O Sr. Deputado - neste sentido figurado, certamente - deveria ser interdito e ter um tutor, tal como os interditos, por prodigalidade ou algo do género, porque não são capazes de gerir as suas pessoas e bens.
Sr. Deputado, não está em causa a existência de um regime sancionatório mas, sim, que este regime, constante deste pedido de autorização legislativa, não é adequado à tutela constitucionalmente prevista para Portugal. Neste regime, o Governo considera as autarquias locais como seus subordinados hierárquicos, tal como acontecia na subordinação hierárquica do tempo do Ministério do Interior. O Governo quer dar ordens às- câmaras, quer exercer os poderes de substituição, de avocação, de correcção e disciplinar.
Sr. Deputado, nada tenho contra o regime sancionatório, pois onde há norma há sanção. Mas não pode ser o Governo a erigir-se em fiscal, juiz e carrasco. Para isso há os tribunais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Enquanto não são criadas as regiões administrativas, o Governo «nada como peixe na água» e pretende, em nome da sacrossanta liberdade, retirar a liberdade e o poder ao poder local.
Por exemplo, concordo com o regime das coimas, porque das coimas há recurso para os tribunais. Mas já não concordo que o Governo possa mandar demolir uma obra! Qual é o recurso contra uma demolição que já está feita? Mas o que é isto?!
Por exemplo, o Governo pode embargar. Estou de acordo, mas desde que, depois do embargo, o Governo suscite judicialmente a questão, pedindo a ratificação do embargo e uma decisão judicial. Repare-se que se trata de um embargo de obras licenciadas pelas entidades competentes. Isto é a total insegurança!
Por que razão o Governo não chama a si essa competência? Por que não diz aos particulares que se querem uma licença para uma obra lha devem pedir ele, porque pode não estar de acordo com o presidente da câmara?! Isto é muito suspeito!... Depois, quem controla o Governo? A verdade é que, para o caso das irregularidades graves, o Governo tem de fazer uma lei, a qual tem de ser pró-

Página 1670

1670 I SÉRIE-NÚMERO 50

mulgada pelo Presidente da República. Ora, neste caso, ninguém aparece. O Governo é o único a fiscalizar, a julgar e a executar.
Sr. Ministro, esta proposta de autorização legislativa é, de facto, inconstitucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Faz tábua rasa dos princípios fundamentais do poder local, desrespeita por inteiro o voto popular e aplica-se totalmente ao Algarve. E é curioso que, agora, não esteja nessa bancada um único Deputado eleito pelos círculos eleitorais do Algarve.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Discute-se um tema relacionado com o Algarve e não está aí um único Deputado eleito pelos círculos eleitorais dessa região, o que também explica muita coisa!
O que está aqui em causa é que VV. Ex.ªs, desde 1992, andavam a pedir uma «varridela» no Algarve. Como recompensa, ganharam Alcoutim. Mas mesmo Alcoutim merece melhor do que este pedido de autorização legislativa!
Sr. Ministro, peco-lhe que repense, pois o que nos apresenta é um atentado gravíssimo ao poder local. É o mesmo que dizer aos cidadãos: não confiem no poder local, porque só depois de eu dizer «sim» é que isso é verdade.
Sr. Ministro, o Governo pode, se quiser, tomar medidas de prevenção, mas não de repressão, como está a fazer, por exemplo, com os PDM, os quais também deveriam ser tarefa do Governo, não devendo o Governo «sentar-se na poltrona» e, como se fosse a velha Inquisição, obrigar o acusado a adivinhar do que é acusado e quem o denunciou. O que o Governo está a fazer às câmaras municipais é comportar-se inquisitorialmente e já não estamos no século XVII!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, percebi que V. Ex.ª já tinha intenção de usar da palavra porque se inscreveu antes mesmo de eu pedir a palavra e aproveitou apenas a minha intervenção para dizer o que disse.

Protestos do PS.

O Orador: - No entanto, penso que não foi feliz. Não o foi porque, devo dizer, no que respeita ao distrito do Porto, se houve um partido penalizado nas eleições autárquicas, foi o seu e não o meu, dado que o PSD ganhou mais câmaras municipais, em 12 de Dezembro passado, no distrito do Porto.

Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PS.

O Orador: - Tenho pena, efectivamente, que em Vila Nova de Gaia não tivéssemos tido a mesma sorte pois, apesar de termos subido eleitoralmente de modo significativo, não chegou para podermos vencer o Partido Socialista.
Não obstante, devo dizer que em Valongo, em Gondomar, em Baião, câmaras socialistas passaram para as mãos do PSD. Possivelmente, tal foi devido também à anarquia urbanística que existia em alguns desses concelhos,...

Vozes do PS: - Não se esqueça de Sintra, Cascais e outros!

O Orador: - ... da responsabilidade do Partido Socialista. Foi por isso que autarcas socialistas foram arredados do poder e o PSD assumiu as funções de liderança desses municípios.
Sr. Deputado, com toda a franqueza, não sei qual é a opinião do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, porque temo até que ele não tenha opinião sobre muitas matérias.

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - A prova está, exactamente, na anarquia urbanística que existe na cidade de Vila Nova de Gaia, porque quem conhece a cidade - conheço-a bem e penso que na sua bancada também há quem a conheça- não está satisfeito com a gestão do Partido Socialista, independentemente de ele ter tido...

Protestos do PS.

Não está satisfeito! Peço desculpa, mas conheço a opinião de muitos ilustres responsáveis do Partido Socialista em Vila Nova de Gaia e no distrito do Porto, os quais não estão satisfeitos com a gestão do seu partido em Vila Nova de Gaia,...

Protestos do PS.

... independentemente de terem, de novo, vencido as eleições.

Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, quero ainda dizer-lhe o seguinte: não é necessário estarem aqui os Deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral do Algarve. Esta futura legislação destina-se a todo o País e interessa-nos que ela seja aplicada e respeitada em todo o País.

Protestos do PS.

Como tal, pena é que o PS, em particular os Deputados eleitos pelo círculo eleitoral do Algarve - que é realmente um péssimo exemplo de urbanismo no nosso país -, não sejam favoráveis a esta proposta de lei, que quer fazer com que os PROT (Planos Regionais de Ordenamento do Território) passem a ser, de facto, planos para levar a sério, para serem respeitados, pelo que têm de ter eficácia. Ora, para terem eficácia, têm de ter um regime sancionatório! É nesse sentido que o Governo hoje apresenta esta proposta de lei e é também esse o objectivo do PSD, que de ninguém recebe lições...

Vozes do PS: - Ah! Tem-se visto!...

O Orador: - ... sobre defesa do poder local, o meu partido está interessado em que haja uma boa harmonia, uma boa cooperação institucional por parte de todas as autarquias do País...

Vozes do PS: - Tem-se visto!

O Orador: - ... e o Governo, para que o desenvolvimento que defendemos para Portugal seja equilibrado e harmonioso e se faça do nosso país um dos melhores da Europa, onde estamos integrados.

Página 1671

18 DE MARÇO DE 1994 1671

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tal como não há «omeletas sem ovos», também não há planeamento regional sem regiões. Não estamos a discutir planeamento regional mas, antes, planeamento central ou, melhor, governamental.
O Governo pretende impor, repressiva, autoritária e administrativamente, a sua política centralista. Não é um regime sancionatório que está em causa mas, sim, a ideia de impor, por via administrativa e não por via jurisdicional, sem respeito pelo poder local, as sanções que serão eventualmente aplicadas.
Quanto aos PROT, dir-se-á que as autarquias foram eventualmente ouvidas. A verdade, entretanto, é que «ouvir» não é o mesmo que «ter suficientemente em conta». De resto, também a ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses) foi ouvida acerca desta autorização legislativa, não por iniciativa do Governo mas da comissão parlamentar competente, aliás, sob proposta do PCP, e não me parece que haja perspectivas de receptividade do Governo ou da maioria às questões colocadas pela ANMP.
Aliás, já em 1988, esta associação fez um extenso, documentado e meticuloso parecer acerca do projecto de decreto-lei que veio a dar origem ao Decreto-Lei n.º 176-A/88 mas que, no entanto, não foi praticamente tido em conta. Sobre a actual autorização legislativa, a ANMP quase só se pronunciou sobre questões de especialidade, talvez por estar habituada à surdez do Governo quanto às questões de fundo. Mas parece que nem quanto às questões de especialidade há um mínimo de receptividade.
Uma outra questão é o facto de, neste momento, existirem 48 PDM (Planos Directores Municipais) ratificados e muitos outros a serem ultimados. Apenas dois destes se integram em áreas com PROT já aprovados. Qual vai ser a relação entre os Planos Regionais de Ordenamento do Território e os Planos Directores Municipais?
A verdade é que o Governo prevê sanções, de resto com cobertura legal duvidosa, para os municípios que se atrasaram mas não responde a uma questão: se os PROT são tão importantes, porque é que o Governo se atrasou tanto na respectiva elaboração Cumpre ainda perguntar: os PDM vão ter de ser revistos para se conformarem com os PROT, quando e se o Governo os aprovar? A verdade & que os PDM são ratificados em Conselho de Ministros e elaborados com o envolvimento de organismos da Administração Central. Mas nem assim os PROT foram construídos com os municípios, de forma suficiente, com base nos PDM e a partir deles.
Não houve igualmente participação real das populações, num país em que a democracia participativa tem consagração constitucional. A articulação dos PROT com as Operações Integradas de Desenvolvimento e com os próprios Planos de Desenvolvimento Regional foi insuficiente.
Naturalmente, entendemos que o planeamento regional é necessário e que a articulação com os PROT é indispensável. O planeamento regional deveria mesmo ser o grande instrumento de ligação entre o planeamento nacional e o municipal. Mas a verdade é que, para tal, só regiões administrativas democraticamente legitimadas é que poderão desempenhar este papel, aliás, como acontece na generalidade dos países da Comunidade Europeia.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - São imprescindíveis medidas de salvaguarda dos valores ambientais, paisagísticos e da qualidade de vida. Mas este objectivo não pode justificar o centralismo autoritário. É que nem o Governo é o guardião impoluto e completamente insuspeito do ambiente e da qualidade de vida nem as autarquias são demónios ameaçadores. Por vezes, os demónios estão é no Governo, na Administração Central, nos serviços periféricos e nos institutos públicos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se o Governo é um guardião e os PROT um instrumento de guarda de valores, porque arrancaram tão tarde, porque estão aprovados tão poucos, porque revelou o Governo tanta incúria nesta matéria?
O Governo parece que não confia na autoridade que têm os PROT devido à sua qualidade e conteúdo. Parece que não confia na lei da tutela, nas múltiplas formas de fiscalização prevista, nas possibilidades de responsabilização civil, administrativa e criminal, designadamente dos eleitos autárquicos. Assim, o Governo vem propor mais medidas repressivas, ainda por cima por via administrativa e não por via jurisdicional. E o PROT é um objecto tão precioso e sagrado que parece que a sua violação tem de dar origem às mais pesadas sanções e parece que vivemos num país que não tem direito a dispor de tribunais para aplicarem sanções.
Não quererá o Governo estabelecer a perda do seu próprio mandato quando violar os PDM, o que pode fazer - por si próprio ou por via da administração indirecta do Estado - devido à absurda dispensa, em 1991, do licenciamento municipal de obras, assim contrariando eventualmente os referidos PDM?
Não farei considerações na especialidade, mas direi que, no fundamental, concordo com as questões colocadas pela Associação Nacional de Municípios.
Quanto ao problema do fornecimento de água e da possibilidade de ordenar a respectiva interrupção, ainda quero fazer uma observação. Muitos de nós aprendemos que o Governo só pode dar ordens aos serviços da Administração Central dele dependentes e que, embora tenha poderes de tutela e de superintendência, já não pode dar ordens concretas no que toca à administração directa do Estado. E quanto às autarquias locais ou aos serviços concessionários das autarquias locais, na revisão constitucional de 1982 ficou claramente estabelecido que a tutela é de mera legalidade e posterior aos actos praticados pelas autarquias. Desde quando é que é admissível, num país democrático e que tem uma Constituição com este conteúdo, que o Governo se proponha arrogar-se o poder de dar ordens concretas a serviços de autarquias locais ou a serviços concessionários destas? No mínimo, direi que os juristas do ministério andam extremamente distraídos, fazendo com que o Governo não consiga disfarçar o desprezo pelo princípio da legalidade e da constitucionalidade que é obrigatório num Estado democrático.
O caminho que o Governo quer seguir nesta matéria não pode ter o nosso apoio. Queremos planeamento democrático mas constituído de baixo para cima, com regiões democraticamente eleitas, com os municípios, com as populações e não contra estes.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

Página 1672

1672 I SÉRIE-NÚMERO 50

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate.
Vamos dar início ao debate da proposta de lei n.º 93/VI - Autoriza o Governo a alterar o regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A pouco e pouco, mas com perseverança, temos vindo a alterar profundamente a maneira de lidar com os problemas postos pela ocupação do solo e pelo respectivo ordenamento.
Pela primeira vez, desde sempre, estamos à beira de dispor de planos de ordenamento para todos os municípios do País, em resultado de uma aplicação aturada dos responsáveis autárquicos e das autoridades sectoriais, que trataram de reflectir sobre o que pretendem para os seus concelhos e de conciliar as suas aspirações com as regras gerais estabelecidas para se atender as muitas e variadas implicações que tem cada tipo de utilização do solo.
Temos olhado para as medidas de estratégia a nível local mas tratamos também de fixar as regras tácticas adequadas, começando pelos planos de pormenor e fixando os processos que regulam o modo como deve fazer-se a adaptação dos espaços às diferentes actividades que coexistem num centro urbano.
Tem-se avançado, conciliando o incitamento com a penalização temporária de quem reage e não responde ao apelo para ordenar o País, tornando-o mais aprazível e facilitando a vida diária de cada um. Dispor de regras de todos conhecidas representa uma exigência de transparência que a vida numa sociedade civilizada impõe. Elas reduzem, naturalmente, a discricionariedade das decisões casuísticas mas tornam patentes os direitos e as obrigações dos diversos agentes e proporcionam um quadro estável para a evolução de uma comunidade.
Sabemos que a introdução de novas formas de proceder suscita, em alguns casos, efeitos negativos inesperados. É óbvio que a preparação dos normativos tem de ser cuidadosa, lucrando com a audição de muitas classes de interessados, desde as autoridades constituídas até aos agentes que vão aplicar na prática aquilo que se entende representar a forma correcta de proceder. Mas, mesmo com todas as cautelas, só a prática concreta - alguns diriam que só o funcionamento do modelo à escala 1:1 - é que denuncia os defeitos mais escondidos e torna patentes todas as virtualidades das medidas que se vão definindo.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 445/91 operou-se uma profunda reformulação do regime de licenciamento municipal de obras particulares que vigorava desde a década de 70. Ela decorreu da preocupação do Governo em estabelecer um regime coerente e articulado entre a nova concepção da intervenção em matéria de ordenamento do território e a forma como se processa, na prática, a ocupação do espaço.
É natural que as modificações profundas a que se procedeu suscitem algumas dúvidas de aplicação prática e de interpretação jurídica, em especial no que respeita às normas relativas aos aspectos mais inovadores do novo regime, isto para além da detenção dos tais pequenos ajustamentos que só a prática permite vislumbrar.
É o que sucede a respeito do regime instituído pelo referido Decreto-Lei n.º 445/91. Passados quase três anos sobre a sua definição, verifica-se a necessidade de introduzir, por via legislativa, alguns aperfeiçoamentos pontuais, no sentido da simplificação dos processos e da correcção das formas de intervenção dos diversos responsáveis.
Visa-se uma diminuição do peso da Administração, naturalmente contrabalançada por um aumento do grau de responsabilização de todos os intervenientes no processo de licenciamento e construção. A preocupação é desburocratizar, simplificando a tramitação dos respectivos processos.
O que nos propomos fazer - para o que precisamos da autorização da Assembleia da República- respeita aos mecanismos seguintes: primeiro, isentar de licenciamento municipal as obras de pequena dimensão, no interior dos edifícios;
Segundo, dispensar a verificação, pelos serviços municipais, dos projectos de especialidade (projectos de electricidade, água e esgotos, instalações telefónicas, etc.);
Terceiro, permitir o início da construção, nos casos de recusa injustificada na emissão do respectivo alvará de licença, desde que a câmara municipal tenha já aprovado os projectos;
Quarto, dispensar a realização da vistoria camarária quando o técnico responsável pelas obras e os autores dos projectos certifiquem que a obra foi executada de acordo com as normas legais e regulamentares em vigor, designadamente em matéria de segurança, e que foram cumpridos os projectos aprovados;
Quinto, permitir que as entidades públicas ou privadas, de reconhecida idoneidade técnica, certifiquem que a obra concluída foi construída de acordo com as normas estabelecidas. A emissão deste certificado dispensa, também, a realização da vistoria camarária, podendo a câmara municipal emitir, de imediato, a licença de utilização;
Sexto, flexibilizar o processo de realização de alterações e ajustamentos em obra, durante a fase de construção;
Sétimo, facultar ao agente particular a possibilidade de, em caso de deferimento tácito, dar início à construção, mediante autorização judicial;
Oitavo, conferir legitimidade processual às associações representativas dos agentes económicos do sector da construção civil e da promoção imobiliária, para intervirem em representação dos seus associados;
Nono, proibir o pagamento, aos municípios, de contrapartidas ou compensações pelo licenciamento das obras;
Décimo, instituir regras especiais para o licenciamento de grandes empreendimentos, no que respeita à execução, por parte do titular do alvará, de infra-estruturas viárias, de saneamento básico e de criação de espaços verdes públicos;
Decimo primeiro, submeter a inquérito público os projectos de regulamentos camarários, designadamente os relativos a taxas de fiscalização;
Décimo segundo, instituir um regime especial destinado a permitir a conclusão dos edifícios que, em virtude de falência ou insolvência do primitivo titular do alvará de licença de construção, se encontrem inacabados.
Além destas 12 simplificações ou mecanismos de lubrificação de processos, para as quais o Governo precisa da vossa autorização, entendemos introduzir mais três alterações a que podemos proceder no âmbito das nossas competências. São elas as seguintes: isentar de inscrição nas câmaras municipais e do consequente pagamento de taxas os autores de projectos que já estejam inscritos em associações profissionais de direito público; limitar o número de entidades exteriores ao município que devem ser ouvidas no âmbito do processo de licenciamento municipal, reforçando-se a autonomia dos municípios e a responsabilização dos mesmos; obrigar à afixação, nos edifícios a construir, de uma placa, contendo o nome dos autores do projecto de arquitectura.

Página 1673

18 DE MARÇO DE 1994 1673

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como podem ver, as medidas que nos propomos introduzir vão no sentido de uma simplificação de processos que impõe, naturalmente, um grau acrescido de responsabilização dos agentes que dela beneficiam.
A confiança, quando estrutura as relações dentro de uma comunidade, favorece muito o seu dinamismo, a cadência da sua evolução e o seu progresso. Mas exige sempre uma responsabilização maior de todos os seus membros.
A desconfiança impõe a fiscalização prévia. A confiança contenta-se com uma verificação a posteriori e aleatória. Mas, em caso de prevaricação, a punição dos desvios tem de ser exemplar e de tal modo pesada que dissuada os aventureiros mais afoitos de correrem riscos que são, realmente, temerários.
As alterações legislativas que, em nome do Governo, tenho a honra de vos propor, vão no sentido da desburocratização responsável, ou, se quiserem, correspondem a mais um passo na construção da sociedade da confiança que ambicionamos para Portugal. Espero que elas mereçam a vossa aprovação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Sr. Deputados Joel Hasse Ferreira e José Manuel Maia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, falarei muito rapidamente, embora esta matéria seja extraordinariamente importante.
Não parece a V. Ex.ª que, conjugada com a anterior, esta proposta de lei enferma de uma concepção, em simultâneo aparentemente liberal e realmente ultracentralista? Não pensa V. Ex.ª que, conjugando novamente esta proposta de lei com a anterior, está submetido a esta Assembleia algo que cada vez se usa menos e que é um paradigma de planeamento imperativo? Não estará V. Ex.ª a cair no pecado de pensar que o Governo é juiz de tudo, assim esvaziando, efectivamente, os poderes dos municípios? Neste sentido, que diálogo estabeleceu V. Ex.ª com os municípios para permitir-lhes dialogar sobre esta matéria? E que diálogo estabelece connosco?
Faço-lhe estas perguntas porque, em vez de nos trazer uma proposta de lei escorreita que pudéssemos discutir, traz-nos um texto legal que, nalguns casos, nem sequer cumpre as normas do que deve ser uma autorização legislativa. Qual é, então, o sentido em que o Sr. Ministro vai alterar a lei vigente?
Sr. Ministro, tenho ainda uma outra questão a colocar-lhe sobre algumas passagens da sua intervenção e devo dizer que a reli várias vezes para verificar se, de facto, era de V. Ex.a.
V. Ex.ª fala em legalizar as intervenções no interior de edifícios, desde que estas sejam de pequena dimensão. Como sabe, o problema que se coloca não é só o da pequena dimensão das obras mas é o da segurança. Ora, isto é dito com uma tal vacuidade que podemos concordar ou não. Ou seja, não faz sentido apresentar à Assembleia uma proposta de lei de autorização legislativa e fazer afirmações destas na sua intervenção, Sr. Ministro! Ou será que não concorda comigo neste domínio?
Mais adiante, fala da simplificação pressuposta pelo desaparecimento de um conjunto de projectos e é um aspecto que podemos discutir. No entanto, parece-nos que esta matéria nos é apresentada sob a forma de um tal pacote que o que se pretende, conjugando-o com a anterior proposta de lei, é retirar poderes aos municípios e que os agentes económicos passem a ter de ir «bater à porta» de V. Ex.ª ou dos seus colegas.
Para além disto e para ser coerente com o que aqui nos apresenta, julgo que o Sr. Ministro também deveria explicar-nos se pensa que resolve os problemas dispensando a vistoria camarária, essa coisa que mete medo a muita gente, embora saibamos que, em muitas câmaras, os processos de vistoria não funcionam bem. Mas como não funcionam bem, acaba-se com eles e permite-se que as obras concluídas sejam certificadas por «entidades públicas ou privadas de reconhecida idoneidade técnica»? Sr. Ministro, esta é outra falsa saída para o problema, semelhante àquela que foi implementada para os seguros e que levou a que, depois, ninguém soubesse quem fazia os seguros de projecto. O Sr. Ministro não concorda que é um pouco absurdo passar a funcionar-se desta forma?
Há ainda precisões que não sei se serão dignas de figurar num discurso ministerial e numa proposta de lei. Por exemplo, diz que vai passar a ser obrigatória a afixação, nos edifícios a construir, de uma placa, contendo o nome do arquitecto. Então, e quanto ao nome do engenheiro responsável pelas estruturas? No caso de um edifício não é irrelevante. E é um engenheiro que propõe isto...
Portanto, há pequenos pormenores que aqui surgem que me parecem constituir uma intromissão absurda nas competências dos municípios e que deveriam ser deixados à regulamentação destes ou de um poder regional.
Mais uma vez perguntamos a V. Ex.ª se continua na mesma, se continua relapso a não cumprir a Constituição na criação das regiões.
Fala em flexibilizar, mas pergunto: em que sentido? Podemos estar de acordo com alguma flexibilidade, mas temos de saber qual o seu sentido e nada aqui vem dito sobre isso.
Diz o Sr. Ministro que precisa da nossa autorização mas aquilo que nos pede é um cheque em branco, passado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira e, efectivamente, o que não queremos é que esse cheque em branco se transforme num cheque sem cobertura.
Para terminar, Sr, Ministro, não acha coerente com este projecto e com o anterior, que se deveria propor também que os presidentes das câmaras passassem a ser sujeitos, depois de eleitos, a homologação ministerial? Isso é que seria efectivamente coerente com a proposta de lei que aqui nos apresenta.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, gostaria de colocar-lhe algumas questões breves, na medida em que tenho uma intervenção para fazer e não disponho de muito tempo.
Começava por lhe dizer que a proposta de lei, desde o articulado passando pela exposição de motivos, é uma porta aberta que dá para fazer tudo e também para não fazer nada.
A primeira questão, de grande importância e também definidora dos objectivos, tem a ver muito com o artigo 2.º, nomeadamente as alíneas d), e), f), quando se fala em «definir a respectiva competência», «determinar a titularidade e o conteúdo da competência para fiscalizar» e «determinar a titularidade e o conteúdo da competência para proceder ao embargo e ordenar a demolição». A grande quês-

Página 1674

1674I SÉRIE - NÚMERO 50

tão de fundo que lhe coloco é a de saber se é ou não intenção do Governo retirar competência aos municípios em matéria de obras de particulares.
A segunda questão é a seguinte: o Sr. Ministro acha que há um relacionamento institucional saudável quando submete à Assembleia da República uma alteração legislativa ao Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, ao mesmo tempo que está a produzir legislação que está directamente relacionada com esse decreto-lei?
O Sr. Ministro veio falar no certificado de conformidade do projecto, colocando isso - e chamo a atenção para este facto - como fazendo parte da autorização legislativa. Mas o Sr. Ministro não assinou o Decreto-Lei n.º 83/94, que é uma verdadeira aberração? Ao fim e ao cabo, o que aqui se está a passar é uma farsa. O Sr. Ministro não vem pedir autorização nenhuma, uma vez que isso já está legislado e publicado no Diário da República.
Por outro lado, ainda hoje tivemos oportunidade, com Deputados de todos os partidos, de ouvir a Associação de Arquitectos, que considera este decreto-lei como uma possibilidade de gerar situações menos próprias. Aliás, permito-me mesmo dizer que é uma porta escancarada à corrupção aberta e clara.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A terceira questão tem a ver com a inscrição dos autores de projectos, prevista no n.º 3 do artigo 6.º.
O Sr. Ministro anunciou aqui que, finalmente, vai ser revisto, do ponto de vista da inscrição nas respectivas câmaras, a inscrição dos autores de projecto. Mas, então, por que é que isto não foi feito há dois anos? Por que razão o PSD e o Governo rejeitaram as propostas do PCP e, na altura, também da ID, e a posição da Associação de Arquitectos Portugueses, em que, claramente, se propunha ao Governo que isto fosse feito?
Outra questão que pretendo colocar refere-se ao regime de responsabilidade e seguros previstos no artigo 21.º de decreto-lei em apreço e que foi regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 11/92, de 16 de Maio. O Sr. Ministro sabe que esta situação não pode ser cumprida por uma razão muito simples: é que não há nenhuma companhia de seguros que aceite fazer as apólices tal como estão no decreto-lei. O Sr. Ministro não falou aqui nisso e eu pergunto-lhe se é esta a forma que o Governo tem para defender e garantir o direito do consumidor.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço aos Srs. Deputados as perguntas que me fizeram, por me permitirem elaborar um pouco mais sobre o sentido do pedido de autorização legislativa.
O Sr. Deputado Hasse Ferreira deve ter estado com pouca atenção durante a minha intervenção, porque referi que se tratava de tornar mais fluído um processo, de tornar mais fácil proceder ao licenciamento e de facilitar, por todas as formas, a construção e o desenvolvimento dos diversos conselhos, por eliminação de barreiras ou entraves que nos têm sido apontados como passíveis de simplificação. Portanto, esta proposta é no sentido de um aligeiramento que reforça a capacidade de regeneração económica dos municípios e, indirectamente, a prosperidade desses mesmos municípios e, se quiser, também a capacidade de eles conduzirem de forma mais adequada os seus próprios destinos.
Quanto à questão do nome do arquitecto, o senhor sabe que temos todos os dias reclamações de atentados, feitos de várias formas, à paisagem urbana Portanto, essa é uma maneira responsável de se ficar a saber quem é que comete as agressões ou quem é que deve ser premiado pelas obras de qualidade.
Queremos construir uma sociedade responsável e o Sr. Deputado vem dizer que isso é só parcialmente, porque é só para os arquitectos e os outros não figuram, perguntando o porquê desta situação.
Sr. Debutado, não figuram porque se imagina que cumpriram com todas as regras da boa construção e não é objectivo certificar que todas as especialidades que convergem naquela construção têm por detrás dela autores credenciados. Os autores credenciados têm, com certeza, diplomas, mesmo o arquitecto que fez a obra, e trata-se de um julgamento subjectivo, que a comunidade tem de fazer, sobre uma obra que não tem parâmetros quantitativos para ser avaliada como têm todas as outras artes que convergem numa construção.
O Sr. Deputado pergunta-me: flexibilizar, em que sentido? Em todos, porque, com as 12 alterações, vamos eliminar ou passar para os autores a responsabilidade de muitas das operações e vamos acelerar o processo das construções e da modificação do tecido urbano, o que significa, seguramente, que, havendo mais responsabilização, fica mais identificado quem procede da forma como procede.
Deste modo, acho estranho que tenha concluído que esta autorização é um cheque sem cobertura por ser um cheque em branco. Não é, pelo contrário, qualquer das operações que queremos fazer é muito mais nominativa.
Sr. Deputado José Manuel Maia, de maneira nenhuma queremos retirar competências aos municípios. O objectivo é retirar entraves à construção e à realização das muitas obras que são precisas, fundamentalmente as relativas à habitação mas incluindo também as outras construções que hoje, de uma maneira geral, têm um custo e um tempo de obra que levam a que, praticamente, não haja um dia em que não se veja uma queixa expressa devida a atrasos burocráticos, por estes se reflectirem no valor da construção e no preço por que esta é vendida.
O Sr. Deputado sabe muito bem que todos os dias aparecem queixas no sentido de que entre as componentes de custos de uma construção há uma que se salienta, a dos custos da burocracia. Para a instalação do tal regime de verificação que dá segurança, tal como há pouco respondi ao Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, queremos que haja responsabilização numa verificação autodisciplinada daquelas que vêm a ser as competências de cada um.
Não me parece, pois, que haja uma «porta escancarada» à corrupção. Pelo contrário, estamos a definir muito claramente quem deve fazer as diversas operações e atribuímos nomes a cada um dos agentes.
Quanto ao certificado de conformidade, deve saber que se está novamente a tentar legislar com vista à desburocratização daquilo que não precisa de autorização legislativa. Aquilo que não precisa de vir a esta Câmara não vem e não vamos ocupar o vosso tempo, que precisa de ser poupado para as coisas importantes.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Foi o que senhor disse!

Página 1675

18 DE MARÇO DE 1994 1675

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado, quanto í questão dos seguros, devo dizer-lhe que quando foi da elaboração do diploma me rodeei de todas as cautelas e tratei de verificar com a associação de seguros se era ou não praticada. E era!

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - E agora, é?

O Orador: - Agora, não é! Mas devo dizer que, na ocasião, tomei todas as cautelas. Pelos vistos, houve um erro de avaliação, mas não foi meu nem do Governo. Só depois de ter verificado que tudo estava conforme é que se avançou com a proposta. A prática demonstrou que, afinal, as companhias de seguros não quiseram fazer aquilo que ao seu órgão de representação associativo parecia praticável - foi essa a razão. Não tenho nada a esconder!

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Ministro, relativamente a essa questão dos entraves que mencionou, vou dar-lhe um exemplo, ocorrido há meia dúzia de dias, sobre a importância e a necessidade de os retirar. Na Rua do Beco da Praia, na Trafaria, junto à marginal, numa casa de rés-do-chão que ali está construída - como sabe aquilo tem a ver com a APL -, resolveram, com a autorização da APL, levantar paredes para construir um primeiro andar. A Câmara Municipal de Almada embargou a obra e propôs-se demoli-la. A APL veio dizer que a Câmara Municipal de Almada não podia demolir, porque quem manda ali é a APL.
Qual a sua resposta para este caso? Se quer retirar entraves, impeça que estas entidades se intrometam onde não devem, porque essas competências são dos municípios.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bom exemplo!

O Orador: - A minha resposta é esta: se pensa que me arrogo o direito de dizer que quem tem pecado são os outros e não as administrações, está muito enganado! Devo dizer-lhe que o esforço de desburocratização é geral.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Vai passar estas competências inteiramente para as câmaras?

O Orador: - Não vou passar nada! Não esteja a tirar conclusões precipitadas!
O que vou dizer-lhe é que incongruências na nossa administração, há muitas! É preciso acabar com elas? Somos os primeiros a dizê-lo! Sr. Deputado, não pense que nós temos uma medida para as câmaras e outra para a administração central!
O exemplo que deu, com certeza, não é saudável e precisa de revisão. Há muito a fazer e esta proposta de lei pretende fazer muito. Mas, seguramente, não fica por aqui a necessidade de proceder a muitas «obras» na legislação existente e a muitas outras em nova legislação, que visem «lubrificar» e flexibilizar ainda mais todo o processo de licenciamento.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Inscreveu-se, para exercer o direito regimental de defesa da honra, o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira. Nos termos regimentais, dar-lhe-ei a palavra no final do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Através de autorização legislativa contida na proposta de lei n.º 93/VI, pretende novamente o Governo alterar o regime jurídico do licenciamento municipal de obras de construção civil e de utilização de edifícios ou de fracções autónomas, apresentando como justificação, no preâmbulo, a existência de dúvidas e problemas e a necessidade de aperfeiçoar e esclarecer.
Só que no articulado da autorização legislativa pouco, para não dizer nada, é dito sobre a forma como pretende actuar, o que é tanto mais inconcebível quando pretende alterar legislação existente.
Mas, principalmente, é politicamente inadmissível que, em matéria de reserva de competência da Assembleia da República, o Governo não apresente uma proposta de lei material que expresse as medidas que propõe.
A motivação do Governo e o seu propósito parecem no mínimo pouco transparentes. Diria que, neste momento, já mais transparente é o retirar de competências aos municípios.
A curta e bastante vaga exposição de motivos, referindo-se ao Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, que modificou o regime vigente desde 1970 e que entrou em vigor em 20 de Janeiro de 1992, afirma: «... não obstante ter-se verificado uma resposta muito positiva por parte dos destinatários das suas normas, essas modificações têm também acarretado dúvidas ë problemas, em especial no que se refere as matérias cujos regimes são mais inovadores» e termina afirmando a necessidade de alteração do actual regime jurídico,«... no sentido de aperfeiçoar e esclarecer...».
Que dúvidas e problemas? Ninguém sabe.
Aperfeiçoar e esclarecer o quê? Também ninguém sabe e o Sr. Ministro acabou por não esclarecer.
A questão que se coloca é se é aperfeiçoar no sentido do reforço das competências das autarquias e esclarecer na defesa da autonomia municipal.
Ou será que estamos na presença de mais uma peça governamental, burocratizante e centralizadora, que não respeita as potencialidades do poder local e o princípio constitucional da autonomia e descentralização administrativa?
Que opinião têm os municípios sobre esta legislação? Não considera o Governo um imperativo a participação da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), da Associação dos Arquitectos e da Ordem dos Engenheiros, não para o cumprimento de um mero formalismo, mas para que, em matéria tão sensível, tenham um contributo decisivo?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quanto ao articulado da proposta de lei de autorização legislativa, ele é, na verdade, um «cheque em branco», quedando-se por mais generalidades, a pretexto de tais «dúvidas e problemas» e de «aperfeiçoar e esclarecer», mas possibilitando tudo, nomeadamente a governamentalização do licenciamento municipal, a ingerência na vida dos municípios.
O que pretende, concretamente, o Governo nas alíneas d), e) e f) do artigo 2.º, com o «definir de competências», quanto ao licenciamento da utilização de edifícios ou de fracções autónomas, e o determinar a «titularidade e o conteúdo da competência» para fiscalizar o cumprimento, por parte dos particulares, das disposições, nomeadamente legais e regulamentares, a que se encontram sujeitas as obras de construção civil e a utilização de edifícios e de frac-

Página 1676

1676 I SÉRIE-NÚMERO 50

ões autónomas, e para proceder ao embargo e ordenar a demolição de obras que violem as disposições a que se encontram sujeitas?
É intenção do Governo retirar ou mitigar a competência para licenciar, fiscalizar, embargar e demolir obras de particulares, às câmaras municipais?
Pretende o Governo com esta proposta de lei, de texto nubloso, atribuir competências para licenciar obras particulares a entidades privadas?
Esperamos, sinceramente, que não, mas, se assim for, desde já nos manifestamos claramente contra mais este atentado para enfraquecer e desacreditar o poder local e retirar-lhe competências e autonomia.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quanto à alínea h) do artigo 2.º, que se refere ao estabelecimento do regime da responsabilidade e à qualificação dos actos e omissões para efeitos de perda de mandato de eleitos locais e de dissolução dos órgãos autárquicos, relembramos as nossas propostas concretizadoras da necessidade fundamental de ser alterada a Lei n.º 87/89 - Lei da Tutela Administrativa.
Na verdade e como vem sendo reivindicado por todas as autarquias e pela sua associação nacional, é necessário garantir uma tutela de legalidade, cortando de vez com a possibilidade de ingerências abusivas, que as sanções sejam clara e inequivocamente tipificadas, precedidas sempre de um parecer do órgão autárquico e aplicadas exclusivamente pelos tribunais, e definir com precisão o conceito de acto ou omissão ilegal grave como «actividade ou omissão dolosa e intencionalmente violadora da Constituição ou da lei e que vise prosseguir fins alheios ao interesse público».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De uma forma geral, a presente proposta de lei de autorização legislativa, a coberto de «aperfeiçoar e esclarecer e de simplificar o procedimento e reforçar as garantias dos particulares, permite uma reformulação profunda e negativa do regime jurídico em vigor.
Por parte do Grupo Parlamentar do PCP, consideramos ser da máxima importância que, na definição das obras sujeitas a licenciamento, fique claramente salvaguardada a competência dos municípios em termos de ordenamento do território, não podendo ser dispensado o licenciamento e o respeito pelos planos municipais mesmo por parte daquelas entidades cujos interesses possam ser contraditórios com os princípios de ordenamento definidos pelos municípios.
Consideramos inaceitável e escandalosa a possibilidade de retirar competências municipais em matéria de licenciamento, fiscalização, embargo e demolição de obras particulares de construção civil e de utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas. Antes pelo contrário, consideramos uma questão essencial o retorno à aplicação do regime de licenciamento às obras de administração directa ou indirecta do Estado. A prová-lo está o exemplo que, há pouco, dei.
Que razão séria pode existir para excepcionar a administração directa ou indirecta do Estado dos procedimentos que se consideram correctos, adequados e necessários para fazer o licenciamento de obras?
Também continua a não ser aceitável, e pelas mesmas razões, que, tendo o presidente de câmara poderes legais de embargo, se encontrem excepcionadas as obras do Estado. Ora, não se entende que, existindo infracção à lei e razões para o embargo, essa entidade, que é o Estado, tenha um «benefício» que os particulares não têm.
Eis, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, alguns aspectos da legislação em vigor que deveriam e poderiam ser alterados.
Também importava acabar, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, com esse seu poder excepcional para ordenar a demolição de obras, eliminando a existência desse mecanismo «tutela da tutela», que não tem doutrinalmente suporte credível, na medida em que quem é competente para licenciar os diferentes actos, de acordo com o procedimento legal, é a câmara municipal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se há infracção da lei, quem tutela essa infracção são os tribunais. O Governo deve dispor dos mecanismos próprios da tutela administrativa.
Quanto à organização do processo de licenciamento, é importante que se avance na necessária uniformização nos procedimentos municipais. No entanto, as alterações a introduzir devem ser devidamente ponderadas com os interessados para que se proporcione um real aumento da eficácia dos serviços.
O poder local, desde sempre, vem reivindicando e lutando pela eficácia, desejando mecanismos e meios adequados à sua dinamização, por forma a responder com redobrada eficácia às populações.
Estamos empenhados, com o poder local, no combate à burocracia, porque acreditamos na participação popular, no poder local democrático, como instrumento importantíssimo do desenvolvimento e do bem-estar das populações.
É neste contexto que inserimos o direito à informação dos administrados e o apoio à criação de formas expeditas que proporcionem a participação e evitem a tendência para a burocratização do procedimento.
Relativamente ao regime de garantias contenciosas dos particulares, em sede de licenciamento, é desejável, sem dúvida, o seu aperfeiçoamento através de mecanismos e prazos adequados.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria, por último, de manifestar o nosso apoio ao parecer apresentado à comissão pela ANMP e de chamar a atenção do Governo para este parecer, que, a ser aproveitado pelo Governo, com certeza, resolveria alguns dos problemas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa postura construtiva, de abertura ao diálogo, enunciei críticas e formulei e referi propostas, que deixo à consideração dos Srs. Deputados e do Governo, desejando que sejam tidas em conta no processo legislativo de alteração do regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares, no respeito pelo poder local e pelas suas competências.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os PDM, pese embora o esforço que vem sendo desenvolvido pelos municípios, não fazem nem farão tão cedo, por constrangimentos a que as câmaras municipais são muitas vezes alheias, a cobertura desejável do território com vista a um correcto ordenamento, preservando valores cada vez mais reclamados do ponto de vista ambiental e de qualidade de vida. Sendo assim, temos que o regime jurídico do licen-

Página 1677

18 DE MARÇO DE 1994 1677

ciamento municipal de obras particulares se reveste da maior importância e justifica adequado tratamento regulamentar por via legislativa.
Nesta convicção, gostaria o Partido Socialista de manifestar, desde já, a maior abertura para contribuir empenhadamente na prossecução desse objectivo. E, se adopto o modo condicional não querendo ser menos afirmativo, é porque a experiência vem demonstrando que, de cada vez que o Governo formula propostas de autorização legislativa, e na falta de anteprojecto do decreto-lei respectivo, sempre a «exposição de motivos» e o próprio articulado, que mais não faz do que dar cumprimento superficial aos preceitos aplicáveis ao processo, se revelam aparentemente magnânimos nas intenções e objectivos, quando, de facto, publicados os diplomas supervenientes, vimos assistindo a um sucessivo frustrar de expectativas e mesmo a uma certa perversão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, as promessas de ontem não têm tradução nos textos legais de hoje e, por certo, as de hoje não a terão amanhã. Nada o garante.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Dir-se-á que resta à Assembleia e aos grupos parlamentares o instrumento da ratificação, e assim é realmente. Por nossa parte, entendendo embora que a prática desse recurso não deveria generalizar-se, adoptá-lo-emos quando o julgarmos necessário e particularmente neste caso concreto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por mais de 20 anos, vigorou um regime de licenciamento de obras particulares - o Decreto-Lei n.º 166/70 - desadequado, caduco e com normas dificilmente compagináveis com o regime democrático e com a emergência da autonomia do poder local. É neste contexto que a Assembleia aprova a Lei n.º 58/91, de 13 de Agosto, no seguimento da qual o Governo faz publicar o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, que aprova o novo regime de licenciamento de obras particulares, ora em vigor, com as alterações, por ratificação, que lhe forem introduzidas pela Lei n.º 29/92, de 5 de Setembro. Decorridos cerca de dois anos de vigência, tendo em consideração as mudanças operadas e a constatação de algumas dificuldades na implementação do sistema, quer por motivo das muitas dúvidas suscitadas na interpretação de alguns aspectos inovadores, quer ainda pela indisponibilidade das seguradoras para contratar os seguros obrigatórios que a lei reporta, é, em nosso entender, pertinente que se proceda às adequadas alterações ao regime em vigor, melhorando-o substancialmente.
O que não se compreende é que, tratando-se de matéria de competência de reserva relativa da Assembleia da República, não tenha o Governo, mais uma vez, feito a opção que melhor serve a transparência e a capacidade de intervenção do Parlamento, que era a de apresentar, nesta sede, uma proposta de lei onde o articulado surge claro e propiciador do debate e da eventual apresentação de propostas alternativas, em lugar da autorização legislativa que as circunstâncias não justificam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se se trata de legislar «(...) no sentido de aperfeiçoar e esclarecer (...)» e «(...) de simplificar o procedimento de licenciamento, reduzindo as suas formalidades e incrementando a respectiva celeridade, bem como o de reforçar as garantias dos particulares (...)», como consta de proposta em apreço, então, estamos de acordo e votaremos de harmonia, se nos for explicado por que é que nada se diz relativamente aos aspectos mais controversos e de difícil aplicação da lei vigente, como sejam os que se prendem com a apresentação dos certificados de conformidade - medida essa, sim, inovadora e capaz de imprimir celeridade aos processos (veja-se a possibilidade de redução a metade dos prazos normais para a deliberação final por parte das câmara municipal) - e para o que, somente há três dias - concretamente, no passado dia 14 -, foi publicado o Decreto-Lei n.º 83/94, sobrando, ainda, não se sabe para quando, a portaria definidora do «reconhecimento das entidades emissoras do certificado».
Analisando, tanto quanto é possível fazê-lo, o teor da proposta de autorização legislativa n.º 93/VI, designadamente o seu artigo 2.º, que trata do sentido e extensão, registamos como positivas as medidas preconizadas com vista a melhorar o regime de garantias dos particulares, nelas realçando a «(...) atribuição de legitimidade processual para intentar a acção de reconhecimento de direito às associações (...) em representação dos seus associados».
Sobre as demais alíneas do mesmo artigo 2.º, de a) a h), verdade se diga, escapa ao nosso entendimento a circunstância de se propor «(...) definir; estabelecer; determinar (...)» medidas que a actual legislação contempla claramente. Neste ponto, quedamo-nos pela expectativa e natural curiosidade. De facto, só a título de exemplo, veja-se a alínea a) que diz: «Definir as espécies de obras de construção civil sujeitas a licenciamento municipal, bem como as que dele se encontram dispensadas e em que termos». Ora, Sr. Ministro, esta matéria foi exaustivamente tratada na Assembleia da República e integra hoje os artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 29/92, de 5 de Setembro. Ou será - quem sabe? - que o Governo e o PSD se aprontam para reconhecer, finalmente, que também neste ponto foi um erro terem imposto, por via do seu voto maioritário, um aditamento ao texto inicial, que veio isentar de licença as obras de natureza exclusivamente agrícola- dispositivo gerador de dúvidas e, consequentemente, de permissividade -, eliminando o preceito e voltando à primeira forma?

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Esperemos, sinceramente, que seja isso.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como ficou dito, aceitamos que é oportuno proceder a alterações ao quadro legislativo que regula o licenciamento municipal de obras particulares. Porém, na falta de anteprojecto de decreto-lei (não obrigatório, é certo, mas desejável), podendo o enunciado da proposta de lei do Governo, quanto ao seu sentido e extensão, comportar o tudo e o nada, o bom e o mau, respeitar as competências e autonomia do poder local, ou antes, ao contrário, como vem acontecendo de forma sistemática e lamentável, o PS determinará o seu voto da proposta de lei n.º 93/VI consoante o grau de esclarecimento que o presente debate vier a suscitar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Matos.

Página 1678

1678 I SÉRIE-NÚMERO 50

O Sr. João Matos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Júlio Henriques, ouvi com particular atenção a sua intervenção e tenho de concluir que V. Ex.ª acaba por reconhecer, durante quase toda ela, que foi importante este pedido de autorização legislativa por parte do Governo para que esta questão do licenciamento municipal de obras particulares viesse a esta Assembleia.
O Sr. Ministro, inclusivamente, já hoje teve oportunidade de dizer que há um conjunto de instrumentos, designadamente este, bem como os PROT e os PDM, que são fundamentais para o ordenamento do nosso território e que, de alguma forma, vão acabar por contribuir para a melhoria da vida urbana das nossas vilas e cidades.
Pretende-se, como disse o Sr. Ministro, simplificar os processos, reforçar as garantias dos cidadãos e desburocratizar. São estas, fundamentalmente, as três linhas de actuação que se pretende com esta autorização legislativa.
No entanto, como sabe e decorre da Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, existe já em algumas matérias, designadamente em alvarás de loteamento e em planos de pormenor, total autonomia por parte das câmaras municipais para poderem legislar e acelerar todos os processos conducentes à aplicação dos instrumentos de fiscalização e dos pareceres. Sabemos, inclusivamente, que as câmaras municipais, muitas vezes, não têm capacidade de resposta em relação aos projectos que estão em seu poder para apreciação, que perdem os processos...

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Perdem os processos!

O Orador: - Concretamente, no que se refere ao RECRIA, que é um dos processos mais importantes, na medida em que isso passa pela qualidade de vida dos edifícios mais degradados, os processos demoram na Câmara Municipal de Lisboa mais de um ano, pelo menos, a serem apreciados.
Mas a pergunta que quero colocar-lhe é a seguinte: o Sr. Deputado não entende que é tempo de as câmaras começarem também a desburocratizar e a melhorar os seus serviços municipais, para que os cidadãos possam ter um serviço mais adequado à finalidade que se pretende com o licenciamento?

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Matos, agradeço-lhe a questão que me colocou.
Já é sina minha que, quando intervenho nesta Câmara sobre esta matéria, haja sempre um Sr. Deputado da bancada do PSD que se levanta e começa por elogiar a minha intervenção. Fico gratificado com isso!
Quando se tratou de discutir aqui o pedido de autorização legislativa que levou ao Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, coube ao Sr. Deputado Silva Marques tecer elogios, que eu, de facto, merecia. No entanto, o que aconteceu, para nossa frustração, foi que o comportamento da bancada do PSD e as promessas então feitas - e, oxalá, não aconteça o mesmo desta vez! - não tiveram cumprimento e, apesar da boa vontade e disponibilidade da minha bancada, fomos forçados, a contragosto, a votar contra.
Gostaríamos que, desta vez, assim não acontecesse, porque tenho a maior preocupação - e subscrevo, por inteiro, as questões colocadas ao Sr. Ministro pelo Sr. Deputado José Manuel Maia - relativamente às dúvidas que se suscitam sobre esta questão simples.
Havendo, no rol do artigo 2.º, um conjunto de alíneas dizendo que é para legislar sobre matéria, que, afinal, está clara e legislada, interrogamo-nos se o que se pretende não é, mais uma vez, retirar poder e autonomia ao poder local.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado colocou-me concretamente a pergunta de saber se não cabe também às câmaras municipais empenharem-se num processo de desburocratização. Seguramente que sim, e a começar por elas!
Devo dizer que, nas autarquias de presidência socialista, isso constitui uma prioridade. É hoje ponto de honra das câmaras socialistas desburocratizar e organizar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De resto, Sr. Deputado João Matos, processos encaminhados, por exemplo, para o Ministério da Indústria e Energia demoram um ano ou mais...

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - ... e a média de resolução dos projectos entrados nas câmaras municipais tem vindo a descer - e, em algumas autarquias socialistas, a descer substancialmente -, tendo resolução ao fim de dois, três ou quatro meses. Há excepções, com certeza! Mas essas nem sempre são por culpa da própria autarquia, mas, quantas vezes, por culpa do promotor ou do requerente.
De facto, estamos de acordo de que hão-de ser as próprias câmaras municipais a desburocratizar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, nos termos regimentais, vamos entrar no período de votações.
O Sr. Secretário vai passar à leitura de um ofício da Casa Civil do Presidente da República e do parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portugueses e Cooperação sobre o mesmo.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, são do seguinte teor:
Em aditamento à carta que dirigiu a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República no passado dia 7 de Março, encarrega-me S. Ex.ª o Presidente da República de comunicar a V. Ex.ª, para conhecimento da Assembleia da República, que a deslocação ao Brasil, a convite, nomeadamente, dos Governadores dos Estados da Baía e do Paraná, decorrerá entre os próximos dias 19 e 27 do corrente mês de Março e não entre os dias 16 e 27, conforme consta da carta acima referida.
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portugueses e Cooperação, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, ao Brasil, entre os dias 19 e 27 do corrente mês de Março, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República, ao Brasil, entre os dias 19 e 27 do corrente mês de Março.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Página 1679

18 DE MARÇO DE 1994 1679

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de diversos pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo do Tribunal de Polícia de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar a suspensão do mandato do Sr. Deputado Luís Martins (PSD) para ser submetido a julgamento num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Peniche, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Barradas Leitão (PSD) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Sá e Abreu (PSD) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelos Juízos Cíveis da Comarca de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Marques da Costa (PS) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Polícia de Segurança Pública de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado João Mota (PSD) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos passar às votações agendadas para hoje.
Em primeiro lugar, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 51/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 52/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 53/VI - Aprova o Acordo por Troca de Notas entre a República Portuguesa e a República de Chipre, Relativo à Supressão de Vistos.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 54/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo sobre Transportes Rodoviários Internacionais entre a República Portuguesa e o Reino da Noruega.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 97/VI - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 326/93, de 25 de Setembro, que estabelece a desagregação da taxa social única do regime geral de Segurança Social (PCP), a que se refere a ratificação 100/VI.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e abstenções do PS e do PSN.

Página 1680

1680 I SÉRIE-NÚMERO 50

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 98/VI - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 328/93, de 25 de Setembro, que revê o regime de segurança social dos trabalhadores independentes (PCP), a que se refere a ratificação 101/VI.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e abstenções do PS e do PSN.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de resolução n.º 94/VI - Apoio e defesa da vitivinicultura e dos viticultores nacionais face à reforma da OCM dos vinhos (PCP), relativamente ao qual existe um requerimento que será votado de seguida.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos agora votar um requerimento de baixa à Comissão de Agricultura e Mar deste projecto de resolução que acabámos de votar, subscrito por todos os grupos parlamentares.
Sr. Secretário vai proceder à leitura do requerimento.

O Sr. Secretário (João Salgado): - O requerimento é do seguinte teor:

Ao abrigo das disposições regimentais, os Deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão de Agricultura e Mar do projecto de resolução n.º 94/VI, pelo período de 30 dias.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento que acaba de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 242/VI - Dá nova redacção ao n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 338/88, de 28 de Setembro (Atribuição de alvarás e licenciamento de estações emissoras de radiodifusão sonora) (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Srs. Deputados, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 55/VI - Aprova, para adesão, a Convenção Constitutiva do Fundo Multilateral de Investimento (MIF) e a Convenção de Administração do Fundo Multilateral de Investimento.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados vamos passar à votação, na generalidade, especialidade e final global, da proposta de lei n.º 61/VI - Autoriza o Governo a estabelecer um regime sancionatório da violação de planos regionais de ordenamento do território.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, do CDS-PP e do

Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSN.

Srs. Deputados, terminado o período de votações, vamos, agora, retomar o debate da proposta de lei n.º 93/VI.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O preço da construção em Portugal é algo de absolutamente brutal e esse custo, como se sabe, vai reflectir-se agravadamente no preço da habitação. Escusar-me-ei de referir estudos e percentagens do que agrava exactamente esses custos - o Sr. Ministro já aqui o fez: o tempo, a burocracia e a teia dos licenciamentos. E, quando se fala em teia e em burocracia logo a seguir, ter-se-á de recordar o terreno propício ao compadrio e o estímulo a essas situações virá, muitas vezes, não na tomada de decisão mas na rapidez da comunicabilidade da mesma decisão.
Temos acompanhado a regularidade com que o Governo traz à praça pública o problema grave da habitação, muitas vezes com enquadramentos genéricos e vagos, que, depois, na prática, temeroso, se furta a resolver. Poderia falar aqui da situação do mercado de arrendamento, que continua, em nossa opinião, sem medidas estruturais que se reclamam nos mais variados sectores. Mas hoje, aqui, estamos a analisar a proposta de lei n.º 93/VI e, a esse propósito, começo por recordar as palavras do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, em 6 de Junho de 1991, quando referia, na discussão da proposta de lei que está na origem do Decreto-Lei n.º 445/91, que a actualização, após 21 anos de vigência do Decreto-Lei n.º 166/70, «era sentida por todos aqueles que, de uma forma ou de outra, lidam com os processos de licenciamento de obras». Bastaram três anos para que essa mesma necessidade fosse sentida em relação ao Decreto-Lei n.º 445/91. E pensamos que tal necessidade, hoje unanimemente reconhecida, se ficou, de alguma forma, a dever à incapacidade de diálogo, de ouvir as sugestões que foram dadas e à impossibilidade de reconhecer que a oposição age de boa fé. Recordo, desse debate, os alertas lançados sobre a impossibilidade da conclusão dos planos directores municipais, em Dezembro de 1991, e os «ouvidos de mercador» que se fizeram a tais críticas, que, infelizmente, vieram a mostrar-se lúcidas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tal como reconheceu a importância da iniciativa que deu origem ao Decreto Lei n.º 445/91, também agora o CDS-PP está ciente das alterações que é necessário introduzir neste normativo. Diga-se, no entanto, que esta proposta de lei respeita, na íntegra, a tradição deste Governo em relação às propostas de autorização legislativa - além do recurso sistemático a esta forma de legislar, tais autorizações são vagas, «dando para tudo e para nada», como disse, também, o Sr. Deputado José Manuel Maia.
Assim, antes de tomar uma posição de voto relativamente a esta proposta de autorização legislativa, gostaria de saber, concretamente, o que é que VV. Ex.ªs pretendem ou se está nos vossos objectivos alterar alguns dos factos geradores de problemas que ocorrem no processo de licenciamento municipal de obras particulares.
Em primeiro lugar, como é sabido, os processos em condições normais terão de, por três vezes, ser submetidos a despacho - projecto de arquitectura (n.º 4 do artigo 15.º), projectos complementares (artigo 19.º) e alvará de li-

Página 1681

18 DE MARÇO DE 1994 1681

cença de construção (artigo 21.º). Defendem ou não VV. Ex.ªs ser possível o proprietário, caso entenda, apresentar toda a documentação para ser submetido a um só despacho?
Em segundo lugar, tal como já foi aqui referido, relativamente à existência de elementos obrigatórios do processo de licenciamento, que, como é sabido, não existem - os seguros exigidos nos artigos 15.º e 21.º -, pergunto se VV. Ex.ªs pensam ou não ser mais vantajoso tentar uma solução contratualizada e, eventualmente, introduzir os avanços que se crê terem sido feitos a nível da União Europeia, evitando, assim, que, após a directiva comunitária anunciada, haja eventualmente necessidade de uma nova alteração legislativa.
Em terceiro lugar, gostaria de saber como pretendem VV. Ex.ªs resolver a pouco clara demarcação de competências, nomeadamente após a aprovação do Decreto-Lei n.º 351/93, entre as câmaras municipais e as CCR, que se manterá enquanto se não encontrarem em vigor todos os PROT e que tem por principal consequência a adição de um entrave aos processos de licenciamento ou a absoluta precaridade de licenças e alvarás concedidos na pendência do processo de elaboração do PROT.
Pretendem VV. Ex.ªs - esta é uma quarta questão - colmatar a falta da definição do director técnico da obra previsto por lei?
A estas questões acrescem outras de ordem prática, que têm a ver com o generalizado incumprimento dos prazos prescritos por lei por parte das entidades administrativas competentes na matéria, sejam elas as que dependem directamente do Governo, como as CCR, sejam as próprias câmaras municipais.
Uma palavra especial sobre a alínea i) do n.º 2 do artigo 2.º da proposta de lei relativa às garantias contenciosas dos particulares em sede de licenciamento, medida que consideramos importante, mas talvez incompleta, nomeadamente no seu primeiro ponto. A situação real que hoje encontramos é a seguinte: por estarmos perante um procedimento complexo, que envolve a participação de várias entidades em actos sucessivos, o deferimento tácito - previsto no Código do Procedimento Administrativo como forma de punir a Administração Pública quando esta se revelar relapsa no cumprimento dos prazos a que, por lei, está sujeita - não tem tido aplicação prática. Convém por isso que seja regulada no decreto-lei autorizado a obrigação de prosseguimento do processo de licenciamento, sempre que determinada formalidade - e falamos especialmente de pedidos de parecer a entidades externas às câmaras municipais - se deva considerar cumprida por efeito de deferimento tácito. Isto porque obrigar os particulares a recorrer aos tribunais administrativos para que estes intimem a Administração ao cumprimento dos seus deveres não só parece absurdo mas, uma vez mais, não terá qualquer aplicação prática, já que os seus efeitos principais serão a delonga ainda maior do processo e a criação de um factor de custo da obra.
Estes efeitos, está bom de ver, em nada prejudicam o órgão relapso e em muito podem prejudicar os particulares. Assim, não considera o Governo que melhor seria transferir a responsabilidade do laxismo para a Administração, prosseguindo sempre a obra, uma vez cumpridos os prazos legais, sem que aquela dê resposta ao interessado ou sequer cumpra as diligências a que está obrigada?
Uma última questão - a que já foi dada resposta - que tenho para colocar é, exactamente, a questão da obrigatoriedade de inscrição. Sustitui-la-ei por uma questão relativa à necessidade de, sempre que são feitas alterações, o autor do projecto ter de ser o mesmo ou, eventualmente, ter de dar autorização para tal. Embora, obviamente, concorde com esta disposição, aquilo que pergunto é se não será ponderado o encontrar de uma válvula de escape que vise remediar situações de conflito entre o proprietário e o autor do projecto, que, por vezes, são dificilmente ultrapassadas.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos inscreveu-se o Sr. Deputado Américo de Sequeira. O CDS-PP não tem já tempo para responder, mas, segundo informação da Mesa, o PSD cede-lhe dois minutos para o fazer.
Tem a palavra o Sr. Deputado Américo de Sequeira.

O Sr. Américo de Sequeira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira Ramos, julgo ter entendido que, no início da sua intervenção, V. Ex.ª atribui a vinda hoje a Plenário deste pedido de autorização legislativa para revisão do regime jurídico de licenciamento de obras particulares ao facto de, aquando da ratificação do Decreto-Lei n.º 445/91, não terem sido levadas em conta várias sugestões então formuladas. O que lhe quero perguntar, muito concretamente, é o seguinte: entende V. Ex.ª que a necessidade de actualizar e de rever a legislação em vigor pode ter apenas a ver com o facto de, então, não terem sido levadas em consideração algumas das sugestões apresentadas? Não acha V. Ex.ª que a prática é boa mestra para ir ensinando, em cada momento, o que será conveniente manter, rever e aperfeiçoar?
E não entende V. Ex.ª que, tendo em consideração que o Decreto-Lei n.º 445/91 foi e é ainda considerado por largos sectores, dentro e fora desta Câmara, como um passo importante no caminho do aperfeiçoamento legislativo nesta matéria, volvidos quase três anos, o tempo e a prática foram importantes para mostrar ao Governo a necessidade de rever, de aperfeiçoar, de ajustar e de enriquecer os normativos legislativos nesta matéria?
Terminando, pergunto-lhe, Sr. Deputado, se não será de ter em grande consideração a atenção que o Governo teve e está a mostrar aqui relativamente a esta matéria, recebendo sugestões, que vieram, essas sim, da prática do dia-a-dia na aplicação dos normativos do Decreto-Lei n.º 445/91, e pedindo-nos autorização, para, a partir dessa prática, melhorar, como, de resto, todos desejamos, os normativos legais em causa?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Américo de Sequeira, obviamente que a prática é boa mestra, mas, nestas situações em que são feitas sucessivas alterações de legislação, talvez essa não seja a forma mais correcta de actuar, principalmente quando muitas dessas alterações poderiam ter sido evitadas se houvesse, muitas vezes por parte do Governo e outras por parte da sua própria bancada, a capacidade de entender determinadas situações, que nada têm a ver com maiorias absolutas, mas com a realidade dos intervenientes da sociedade civil, que, muitas vezes, expressam exactamente essas opiniões, apresentando motivos mais do que justificados das suas convicções e que, quase sempre, não são ouvidos.
Ouvimos aqui, hoje, ser defendido - já o tínhamos ouvido de manhã - o acabar com a necessidade de inscrição nas câmaras municipais por parte de alguns profissionais, mas não sabemos a que devemos a necessidade de terem

Página 1682

1682 I SÉRIE-NÚMERO 50

sido introduzidas essas normas, a não ser a uma mera questão de birra e de afirmação de, porque se tem a maioria, se legislará da forma que se entender. E isso partindo dessa sua perspectiva, Sr. Deputado, de que, na realidade, a prática é boa mestra, para, passado pouco tempo, termos de alterar novamente a legislação e dando uma ideia de instabilidade em determinados assuntos que, pela sua importância, deveriam contribuir para oferecer um clima de confiança a todos os cidadãos.

O Sr. Américo de Sequeira (PSD): - Está bom de ver que eu não disse que a realidade era estática!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Santos Pereira.

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Foi a partir do final da década de 80 que se produziu em Portugal uma. profunda alteração, diria mesmo revolução, na área do Direito Urbanístico, adoptando-se uma nova postura interventiva em matéria de ordenamento do território, nomeadamente ao nível do planeamento.
Nessa altura, o normativo legal que definia e regulamentava o regime do licenciamento municipal de obras particulares, datava de há mais de 20 anos e, apesar da qualidade que o documento tinha na época em que foi elaborado, necessitava de uma grande revisão e aperfeiçoamento.
Na vigência do anterior Governo da responsabilidade do Partido Social-Democrata, desencadeou-se um processo de autorização legislativa para se adaptar o regime de licenciamento à evolução registada ao nível dos novos, valores patrimoniais, urbanísticos, ambientais, culturais e sociais que, mais do que nunca, importava salvaguardar.
Surge, assim, o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, que constitui um diploma de «indiscutível mérito» conforme o reconheceram até - apesar de naturais divergências pontuais - alguns sectores da oposição aquando do seu processo de ratificação parlamentar.
Naturalmente que todos estarão de acordo que a especificidade desta fase transitória na área do ordenamento e da ocupação do espaço, transporte para os normativos legais que a disciplinam novos contributos e solicitações, que exigem uma adaptação atenta à realidade, de molde a que não se tornem instrumentos impeditivos ou, noutro extremo, meramente decorativos.
Assim se justifica, no entender do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, dois anos após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 445/91, a intenção do Governo de rever o regime jurídico do licenciamento municipal de obras de construção civil e utilização de edifícios ou suas fracções autónomas, intenção que está plasmada na proposta de lei n.º 93/VI, cujo sentido final visa aperfeiçoar e esclarecer as dúvidas e os problemas levantados no quadro da aplicação prática da actual legislação.
No texto em apreciação resulta do seu sentido, o esforço sempre inacabado de simplificação e celeridade processuais, princípios basilares e potenciadores do bom relacionamento entre a Administração e os particulares.
A redução das formalidades e a rapidez de respostas só serão alcançadas, entre outros factores, através de uma maior «desmunicipalização» de parte do processo de licenciamento, que permitirá envolver com responsabilidades repartidas outros agentes nele intervenientes.
Um primeiro passo, a ser concretizado em breve, será o certificado de conformidade, previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 445/91, que vai permitir a dispensa parcelar da intervenção dos serviços técnicos municipais e reduzir os prazos para a decisão das câmaras. Será, sem dúvida, uma evolução qualitativa de grande alcance que julgamos ser inovadora em Portugal, embora já implementada noutros países, com significativos benefícios.
Dessa forma, a apreciação e aprovação dos processos decorrerá mais rapidamente e será até garantida uma maior qualidade dos projectos, materiais e técnicas a utilizar.
Pensamos que o caminho da «desmunicipalização» encetado pelo Governo deve continuar a ser alargado, depositando-se, para o efeito, em entidades de reconhecida idoneidade técnica, competências da administração perfeitamente transmissíveis.
Com a actual proposta de lei pretendem também definir-se as espécies de obras de construção que estão sujeitas a licenciamento municipal e aquelas que dele se encontram dispensadas.
Pensamos tratar-se de uma intenção oportuna, pois o carácter generalizado que ao abrigo da actual legislação se atribui ao conteúdo do procedimento de licenciamento, deve ser gradualmente afastado, devendo a lei conter expressamente simplificações, face à natureza das obras a licenciar.
Essa alteração, a ser consagrada, irá permitir que nas obras de natureza mais simples as exigências licenciadoras sejam mais adequadas à sua realidade e perfeitamente enquadráveis com o bom senso das situações que, igualmente, deve ser estendido às alterações do projecto que terão de passar a ser apreciadas na sua dimensão modificativa e não da forma extrapolada que o são na actualidade.
Na matéria em apreço, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esteve sempre subjacente a intenção do Partido Social-Democrata de criar mecanismos que permitam resolver com rapidez os conflitos que possam surgir entre a Administração e os particulares.
Daí resultou a consagração no Decreto-Lei n.º 445/91 da atribuição do carácter de urgência às acções relacionadas com o deferimento tácito nas quais o juiz cita a Câmara Municipal para responder no prazo de 15 dias e seguidamente, ouvido o Ministério Público e concluídas as diligências, profere a sentença.
Na presente proposta de lei, pensamos que bem, o Governo pretende, em primeira via, continuar a alargar o regime de garantias contenciosas dos particulares, nomeadamente: a atribuição de novas competências aos Tribunais Administrativos no sentido de intimar a Administração ao cumprimento das suas obrigações; a atribuição, de efeito substitutivo, à sentença transitada em julgado que reconheça o deferimento tácito do pedido de licenciamento; a atribuição de legitimidade processual às associações empresariais e agentes económicos, para intentar acções de reconhecimento de direitos em representação dos seus associados.
Referimos, por último, que a actual autorização legislativa, além de tocar áreas como a licença de utilização, o embargo de obras e o regime de responsabilidade dos órgãos autárquicos e seus titulares, pretende avançar no sentido do alargamento da participação das populações no processo de licenciamento.
Pensamos que esta abertura, já aflorada no actual quadro jurídico, deve ser incentivada de forma gradativa e responsável, pois, hoje, mais do que nunca, é necessário o envolvimento das populações nos processos de transformação e de ocupação do solo decorrentes do próprio regime de licenciamento.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Aqui ficam sumariamente esboçados os princípios

Página 1683

18 DE MARÇO DE 1994 1683

fundamentais a que deverá obedecer a revisão da legislação existente sobre licenciamento de obras particulares, no que respeita às matérias para as quais se torna necessária autorização da Assembleia da República e que se encontram perfeitamente definidas no seu objecto, sentido, extensão e duração.
Trata-se de uma matéria de grande sensibilidade, cujo conteúdo irá influenciar de forma positiva a actuação dos serviços técnicos e responsáveis políticos municipais, dos agentes económicos ligados à área do planeamento e execução de obras de construção civil e dos cidadãos ou, melhor, dos munícipes, cuja qualidade de vida está também condicionada na actualidade pela valorização do espaço onde se vive e trabalha.
Por todas as razões expostas e porque se trata de dar mais um importante passo no sentido da implementação de uma política correcta e adequada de ordenamento do território, o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata votará favoravelmente o pedido de autorização legislativa constante da proposta de lei n.º 93/VI, referente à revisão do licenciamento municipal de obras particulares.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Sr. Deputado, como é normal, manifestou o seu apoio à proposta de lei, mas a nossa dificuldade, como já expressámos, nomeadamente na intervenção do meu camarada Júlio Henriques, é a de que a proposta exprime algumas intenções, mas, depois, concretiza muito pouco. Isto é, ou V. Ex.ª tem dados que nós não temos - e as intervenções sempre brilhantes mas, neste caso, pouco esclarecedoras do Sr. Ministro ainda não nos ajudaram muito - ou, então, não sabemos bem em que sentido vai essa tal «desmunicipalização» de que V. Ex.ª falou e que nos parece um termo cujo conteúdo necessita de ser concretizado.
Por outro lado, fala-se de diálogo com os administrados e de participação, mas nada disso é claro no texto e não se vê, portanto, que avanço existe relativamente à situação existente.
Diz-se, ainda, que se vão simplificar os projectos de pequena dimensão, mas não se explica de que forma.
Portanto, há aqui, aparentemente, uma intenção de desburocratizar, mas pergunto-lhe se não acha que os aspectos de que falou há pouco o seu sapiente colega, dizendo que a experiência e a prática serão mestras neste assunto, não poderão levar a que, depois, a lei, cujo conteúdo ignoramos, seja alterada novamente.
O Sr. Deputado não acha que para uma melhor segurança num problema desta importância, que envolve um conjunto de profissionais, os municípios, o Governo, os agentes económicos, os cidadãos, em geral, não seria melhor conhecermos o texto da proposta de lei para que os Deputados pudessem discutir e aperfeiçoar este texto e não estar a esgrimir entre nós sobre intenções que não são claras?
É que, de facto, esta proposta de lei é uma manta de intenções não clarificadas e, portanto, um pedido de autorização legislativa que não satisfaz sequer as exigências constitucionais quanto à precisão do sentido daquilo que é uma autorização legislativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Santos Pereira.

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, agradeço as questões colocadas a que procurarei responder de forma sintética e sem escapar a nenhuma.
A intenção do Governo, ao apresentar esta proposta de lei, é a de simplificar e desburocratizar todo o processo de licenciamento de obras, intenção esta que é nobre e que cabe também, creio, nas perspectivas do próprio PS.
Dizer que esta proposta de lei podia trazer a acompanhá-la o futuro decreto-lei não é uma crítica muito correcta, pois isso não é exigível em termos constitucionais, como sabe, e o diploma que o Governo apresenta está perfeitamente enquadrado no seu objecto, sentido, extensão e duração.
Para além disto, como disse o seu camarada Júlio Henriques, a Assembleia da República dispõe do instituto da ratificação para poder, em sede própria, se assim o entender, exercer esse direito, fazer a fiscalização do futuro decreto-lei e rever ou acrescentar algo àquilo que o Governo possa vir a legislar e que não caiba no âmbito da autorização legislativa aqui concedida.
Por outro lado, a posição do PS cria-me algumas dificuldades, quando diz que não está bem esclarecido pela leitura da proposta. Bom, segundo bem ouvi, o Sr. Ministro - e tomei algumas notas da sua intervenção - referiu, entre as principais alterações a que será sujeito o Decreto-lei n.º 445/91, as seguintes: isentar de licenciamento municipal as obras de pequena dimensão no interior dos edifícios; dispensar a verificação pelos serviços municipais dos projectos de especialidade; permitir o início da construção nos casos de recusa injustificada na emissão do respectivo alvará de licença, desde que a câmara municipal tenha já aprovado os projectos; dispensar a realização da vistoria camarária no sentido da responsabilização dos técnicos que assinam os projectos; permitir entidades públicas ou provadas de reconhecida idoneidade técnica certifiquem que a obra foi concluída; flexibilizar o processo de realização de alterações e ajustamentos em obras; facultar ao particular a possibilidade de, em caso de deferimento tácito, dar início à construção mediante autorização judicial; submeter a inquérito público os projectos e regulamentos camarários, designadamente os relativos a taxas de fiscalização; reduzir para metade os prazos.
Ora, eu penso que depois desta explicação, dada pelo Sr. Ministro, poucas dúvidas restariam ao PS para tomar uma posição de fundo, no sentido de votar esta proposta de lei.
Naturalmente que esta proposta de lei está perfeitamente definida e devo lembrar que o PS já tomou esta posição quando foi o processo de ratificação do Decreto-Lei n.º 4457 91, em que admitiu que era um diploma de indiscutível mérito.
No entanto, creio que existem questões pontuais que serão acertadas, havendo ainda a possibilidade de ratificação a que o PS poderá lançar mão, se assim o entender.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao Sr. Deputado João Matos, quero dizer-lhe que um Deputado deve ser Deputado 24 horas e, portanto, estaremos aqui até isto acabar.

Página 1684

1684 I SÉRIE-NÚMERO 50

Mais do que fazer uma defesa da consideração, embora considere que o Sr. Ministro era incapaz de ofender a minha consideração, gostaria de fazer uma precisão: o Sr. Ministro disse que eu, provavelmente, não teria prestado muita atenção às suas palavras, mas a verdade é que, até porque o seu discurso foi previamente distribuído, li-o por duas vezes na íntegra e ouvi-o com atenção até pela incredulidade que senti ao ler algumas frases dele constantes.

Vozes do PSD: - Deve ler melhor!

O Orador: - Não só li perfeitamente como também ouvi com bastante atenção. E tanto assim é que quero dizer-lhe que não há aqui qualquer resquício de corporativo na questão das placas, que levantei. Este é um domínio onde não sei se o Estado deveria ir tão longe na legislação, numa altura em que tanto se fala de «melhor Estado e menos Estado». Mas se for longe na legislação, então, convenhamos, o edifício é um objecto único, onde não há só um responsável, o arquitecto. O engenheiro de estruturas não é só aquele que faz as contas, porque esse é um calculista.
Portanto, há alguma coisa a dizer sobre isto. Mas o Sr. Ministro irá certamente pensar em tudo isto, no prazo que decorre entre a aprovação do pedido de autorização legislativa, que os Srs. Deputados do PSD e a Assembleia certamente darão, e o diploma superveniente, e chegará à conclusão, a partir das muitas experiências que existem, de que várias maneiras de solucionar este problema, pelo que escuso de dar exemplos.
Portanto, tanto ouvi e li bem o que o Sr. Ministro disse que o meu problema, do articulado e da exegese do que ali se passou, continua ainda neste momento. E tanto assim é que o Sr. Deputado Fernando Santos Pereira, que acabou de intervir, no fundo, não conseguiu explicar o sentido da autorização e cingiu-se a ler o que lá vinha. Ora bem, há um conjunto de questões que ali vêm referidas que dependem do sentido e da precisão com que o Sr. Ministro e o Governo caracterizarem tudo isto, já que, no nosso entender, poderá ser, nuns casos, positivo e noutros, negativo.
Sr. Ministro, deixe-me dizer-lhe, e aí não há confusão, que neste ponto continuo um pouco preocupado, porque - e já o tenho dito neste e noutros fora - o Sr. Ministro evidencia um paradigma centralista no planeamento e uma concepção excessivamente centralizada do Estado. Ora, o tal perigo da desmunicipalização, o retirar poderes ao município com a fiscalização do Estado e o desenvolvimento de aparelhos regionais sem controlo democrático criam algumas preocupações, pelo que alertamos para o resultado de tudo isto. É evidente que, se for necessário pedir a ratificação, como noutras vezes, tomaremos todas essas questões em atenção. Mas, Sr. Ministro, ao que estaremos extremamente atentos é à maneira como V. Ex.ª irá usar a autorização legislativa, que aqui, provavelmente, lhe será dada, por forma a ser precisa.
Portanto, está perfeitamente claro - embora, segundo me pareça, o Sr. Deputado João Matos ainda não tenha percebido - que alguns dos problemas que se colocam não têm a ver com qualquer incompreensão mas, sim, com algumas interrogações que se mantêm e que este debate não terá dado tempo para esclarecer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim entender, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, devo dizer que sigo sempre estes debates com muita atenção e que tomo notas, de maneira que, quando há algum pedido de autorização legislativa, não é o cumprimento de um mero ritual o que venho fazer ao Parlamento. Venho auscultar, com toda a atenção, pedir mesmo as intervenções dos Srs. Deputados e julgar tudo o que foi dito. E, se o Sr. Deputado tiver paciência para isso, verá que em nove anos de prática houve sempre influência dos debates naquilo que foi o produto final.
Já que estamos a aproveitar esta figura regimental para dar esclarecimentos, gostaria de esclarecer o que sublinhou como o meu «pendor centralizador», já que, na realidade, é infundado. Não tenho qualquer «pendor centralizador»! Pelo contrário, estou convencido de que o que temos de fazer reclama muitos agentes, muita gente, a convergência de muitas acções e que um revigoramento da participação de todos os cidadãos, como tal, e, depois, a organização através das estruturas da sociedade são indispensáveis para levarmos por diante a grande ambição que todos temos. Todos temos esta ambição, não é só o Governo! Por isso, se vir bem o que tenho feito, ou melhor o Governo, a este respeito durante todo este tempo,...

Risos do PCP.

... se fizer comparações, verificará que a descentralização tem sido uma regra,...

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Não é verdade!

O Orador: - ... o reforço do poder local tem sido um imperativo, e temo-lo feito com um grande sentido do cumprimento das nossas ambições, envolvendo o maior número de cidadãos possível.

Vozes do PSD: - Muito bem! Vozes do PS: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está terminado o debate da proposta de lei n.º 93/VI, cuja votação terá lugar na próxima quinta-feira, dia 24 do corrente, à hora regimental.
Informo a Câmara de que a nossa próxima reunião terá lugar na quarta-feira, dia 23, às 15 horas, e terá como ordem do dia o debate da interpelação ao Governo n.º 16/VI- Sobre a política de ambiente e de ordenamento do território do Governo e a qualidade de vida dos portugueses, apresentada por Os Verdes.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Rectificação ao n.º 37, de 10 de Fevereiro

No Sumário, 2.ª cl., penúltimo parágrafo, onde se lê «Foram ainda aprovados os textos de substituição elaborados pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, alternativos às propostas de lei n.ºs 86/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral) e 87/VI - Altera a Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu)», deve ler-se «Foram ainda aprovados os textos finais elaborados pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativos às propostas de lei n.ºs 86/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do

Página 1685

18 DE MARÇO DE 1994 1685

Recenseamento Eleitoral) e 87/VI - Altera a Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu)».
Na pág. 1247, 2.ª cl., 1s. 26 a 30, onde se lê «Srs. Deputados, vamos proceder à votação do texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, alternativo à proposta de lei n.º 86/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral)», deve ler-se «Srs. Deputados, vamos proceder à votação do texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 86/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral)».
Na mesma pág. e mesma coluna, 1s. 36 a 40, onde se lê «Srs. Deputados, vamos proceder à votação do texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, alternativo à proposta de lei n.º 87/VI - Altera a Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu)», deve ler-se «Srs. Deputados, vamos proceder à votação do texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 87/VI - Altera a Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu)».

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

António Augusto Fidalgo.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos
Carlos de Almeida Figueiredo.
Cipriano Rodrigues Martins.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Alberto Granja dos Santos Silva.

oão do Lago de Vasconcelos Mota.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Albino da Silva Peneda.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Pereira Lopes.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
João António Gomes Proença.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Carlos Alberto Pinto.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva

Partido Socialista (PS)

Alberto de Sousa Martins.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Luís Santos da Costa.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP).

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 1686

Depósito legal n º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

1 -Preço de página para venda avulso, 7$00 + IVA

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 -O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República

PREÇO DESTE NÚMERO 265$00 (IVA INCLUÍDO 5 %)

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E., P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1092 Lisboa Codex

Páginas Relacionadas
Página 1681:
18 DE MARÇO DE 1994 1681 cença de construção (artigo 21.º). Defendem ou não VV. Ex.ªs ser p

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×