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Sexta-feira, 25 de Março de 1994

I Série - Número 52

VI LEGISLATURA

3ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE MARÇO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.

Em declaração política, o Sr. Deputado Braga de Macedo (PSD) a propósito das jornadas parlamentares que o seu partido realizou no Centro Cultural de Belém, chamou a atenção para a problemática da construção da União Europeia, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Lobo Xavier (CDS-PP), Ferro Rodrigues (PS), Octávio Teixeira (PCP) e Helena Torres Marques, Raúl Rêgo, Ferraz de Abreu e José Lello (PS).

O Sr Deputado João Corregedor da Fonseca (Indep.) falou sobre a instabilidade social, criticando por isso o Governo.

Foram discutidos e aprovados os votos n.ºs 99/VI - De repúdio pelo ataque de jovens neonazis a trabalhadores portugueses em Leipzig, apresentado por Deputados de todo os grupos parlamentares, e 100/VI De saudação pela passagem do Dia do Estudante subscrito por Deputados do PSD. Produziram intervenções os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Adriano Moreira (CDS-PP), Alberto Costa (PS), Luís Nobre e Luís Geraldes (PSD), Luís Sá (PCP), António Braga (PS), Mário Tomé (Indep) e 15abel Castro (Os Verdes).

Ordem do dia.- Procedeu-se à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 309/VI - Fixa um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos portugueses residentes em Portugal têm direito (PCP). Após a apresentação da síntese do relatório pelo Sr. Deputado Branco Malveiro (PSD), intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Vieira de Castro e José Puig (PSD), Ferreira Ramos (CDS-PP), Paulo Trindade (PCP), Nogueira de Brito (CDS-PP), João Proença (PS), Mário Tomé (Indep.), Artur Penedos (PS), Rui Carp (PSD), Odete Santos (PCP) e Rui Cunha (PS).

Entretanto, foi aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 93/VI - Autoriza o Governo a alterar o regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares.

0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de
Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.

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António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Femando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta. Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sã.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
15abel Maria de Almeida e Castro.

( Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.º 390/VI - Garante aos trabalhadores da Administração Pública que o valor do índice 100 da escala indiciária das carreiras do regime geral não pode ser inferior ao valor fixado para o salário mínimo nacional (PCP), que baixou à 9.ª Comissão, e 391/VI - Combate à discriminação dos representantes eleitos dos trabalhadores (PCP), baixou às 1.ª e 9.ª comissões e projecto de resolução n.º 99/VI - Recomendação ao Governo para que promova com urgência as diligências necessárias à aprovação para ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre o Transporte de Mercadorias por Mar, de 1978 (PCP).

Nas últimas reuniões plenárias foram apresentadas à Mesa os seguintes requerimentos: ao Governo e ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Rui Vieira; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado António Martinho; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Caio Roque e Lino de Carvalho; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Paulo Rodrigues e Carlos Oliveira; aos Ministérios da Indústria e Energia e da Agricultura, formulado pela Sr.ª Deputada Rosa Albernaz; ao Ministro Adjunto dos Assuntos Parlamentares, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelos Srs. Deputados Paulo Rodrigues e Marília Raimundo; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; a diversos ministérios e
à Câmara Municipal de Famalicão, formulado pelo Sr. Deputado André Martins.

Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Filipe, no dia 3 de Dezembro e na sessão de 11 de Fevereiro; António Murteira, na sessão de 1 de Julho; Guilherme d'Oliveira Martins, no dia 27 de Setembro e na sessão de 26 de Novembro; André Martins, na sessão de 17 de Novembro e no dia 17 de Fevereiro; Lino de Carvalho, nas sessões de 15 de Dezembro e 19 de Janeiro; Paulo Trindade, no dia 25 de Novembro e nas sessões de 9 e 11 de Fevereiro; Luís Peixoto e António José Seguro, na sessão de 15 de Dezembro; e Octávio Teixeira, na sessão de 9 de Fevereiro.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, vão reunir hoje as Comissões de Petições e de Saúde, a Comissão Eventual com o Objectivo de Promover Contactos com o Congresso dos Deputados das Cortes Espanholas e a Subcomissão Permanente do Ensino Superior.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia compreende declarações políticas e uma intervenção nos termos do artigo 81.º do Regimento.

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Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao tomar pela primeira vez a palavra na qualidade de Deputado, seja-me permitido saudar esta Câmara, manifestando assim a honra e o prazer que tenho sentido por pertencer à instituição em que radica a nossa liberdade de cidadãos portugueses, a que acresce agora a liberdade de cidadãos da União Europeia.

Cidadanias partilhadas com os compatriotas que vivem e trabalham fora do território nacional. Vivem e trabalham fora, mas nem por isso deixam de constituir um elemento decisivo da identidade nacional. E o Tratado da União
Europeia, aqui ratificado por esmagadora maioria, identifica a nação com a democracia e o desenvolvimento.

Oxalá o respeito pelas comunidades portuguesas, que resulta do Tratado, se traduza em maioria suficiente, nesta Câmara, para permitir aos emigrantes eleger o garante da independência nacional!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - A verdade é que a democracia e o desenvolvimento em Portugal não se podem divorciar da nossa tradição universalista, de que são testemunhas mais de
quatro milhões de emigrantes e uma cultura pluricontinental.

Se os Descobrimentos são cada vez mais reivindicados como demonstração por excelência da capacidade de o pequeno continente europeu competir à escala planetária, nem por isso podemos ignorar o que essa epopeia teve de genuinamente português e até de antiespanhol.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Se o ignorássemos, os 200 milhões de pessoas que em todos os continentes falam a nossa língua não nos perdoariam! Queremos que a nossa língua materna se torne língua de negócios e científica!

É, pois, natural que, à liberdade e ao desenvolvimento, acrescentemos os Descobrimentos e a lusofonia como maneira portuguesa de contribuir para a construção da Europa.

Aplausos do PSD.

Nós, que há 20 anos éramos descritos aos turistas estrangeiros como "o segredo mais bem guardado da Europa", mostramos hoje a todo o mundo como o reformismo
interdependente pode superar a falência do socialismo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A liberdade, o desenvolvimento e a lusofonia estiveram presentes no Centro Cultural de Belém, onde há dias quatro oradores convidados debateram "O Contributo de Portugal para a Construção Europeia" com o Grupo Parlamentar do PSD.

Nem podia deixar de ser assim no local onde acabava de ser assinado o Quadro Comunitário de Apoio para 1994/99, o nosso caminho para o século XXI.

O monumento aos Descobrimentos enquadra bem a "fotografia de família" tirada no final das Jornadas Parlamentares do PSD.

Se o local era bem português, a mensagem não o foi menos.

O Dr. Manuel José Homem de Mello defendeu que Portugal já tem a base económica para que a Europa reforce, em vez de enfraquecer, a nossa identidade nacional e a interdependência lusófona.
Esta afirmação de "lusoconfiança" seguiu-se ao reparo da Dr.ª Helena Vaz da Silva quanto ao economicismo do Tratado da União Europeia, acompanhado do desejo de que o novo título sobre a cultura pudesse contribuir para a criação do que chamou uma "doce casa comum".
Na véspera, o Professor Jacinto Nunes havia apresentado uma descrição exaustiva do processo gradualista e aberto da construção europeia, incluindo quer a transição para a moeda única quer os outros dois pilares de união: a política externa e de segurança comum e a cooperação em matéria de justiça e segurança interna.
Ressaltou da discussão que a moeda única não é condição necessária nem suficiente para uma federação. Quando existe um mercado financeiro mundial, não se pode associar soberania à cunhagem de moeda.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Reconheceu-se, por outro lado, que o extraordinário esforço de ajustamento estrutural da economia portuguesa desde a adesão suscitou, e continua a suscitar, grande interesse por parte dos povos das economias
ex-socialistas do centro e leste europeu, para não falar dos ex-parceiros da EFTA, que estão prestes a aderir, ou da Suíça, ela própria um interessante modelo institucional! Vale a pena referir que ainda ontem numa iniciativa, aliás, inédita, do PSD, os quatro embaixadores dos países da EFTA estiveram entre nós e participaram num debate muito interessante sobre estas matérias.
Pode, pois, dizer-se que o nosso reformismo de sucesso é uma contribuirão para além-terra e além-mar, da ex-União Soviética à África do Sul!
Na dissertação do Professor Marcelo Rebelo de Sousa sobre a Europa das pessoas e das pátrias, calou fundo o apelo para que "os órgãos políticos de base electiva disponham de competências mais significativas na construção e no funcionamento quotidiano da Comunidade". 0 primeiro orador convidado começara, aliás, por invocar com saudade os seus tempos de Deputado constituinte, estabelecendo assim um elo com os ex-colegas de bancada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Das jornadas resultou, mais uma vez, a identificação dinâmica entre a liberdade dos cidadãos e da nação, tal como resulta da tradição política do PSD, e a estratégia da construção europeia acolhida no Tratado da União, baseada na maior proximidade possível ao cidadão e no respeito da identidade nacional dos Estados membros, como lembram os artigos A e F desse Tratado.

Tradição política do PSD forjada em mais de 20 anos de luta contra os perigos gémeos da revolução social-comunista e do conservadorismo reaccionário e corporativista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Ainda ontem se iniciaram as comemorações dos 20 anos do PSD e foi evocada, mais uma vez, a figura do nosso fundador, Sá Carneiro, e a importância de mantê-lo como património do PPD/PSD.

Aplausos do PSD.

O próprio programa aprovado no último congresso não podia ser mais claro: "O PSDF aposta nessa Europa em construção e tudo continuará a fazer para que a sociedade

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portuguesa responda da melhor maneira ao desafio europeu e este acolha, respeitando-a, a especificidade nacional portuguesa".
Não admira que o mais português dos partidos seja também o que melhor percebe a construção europeia.
A verdade é que o PSD se reclama do reformismo, ideologia politica que rejeita quer as acções revolucionárias quer as reacções conservadoras em favor de um progresso económico e social sustentado, assente no respeito intransigente pela dignidade da pessoa humana e pela afirmação da sociedade civil em coesão nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num mundo cada vez mais interdependente, em que o mercado e as comunicações são globais, a ignorância e a má fé ameaçam os valores locais, com consequências graves para a identidade nacional e o bem-estar dos povos, que, inseguros, se refugiam no proteccionismo, sem perceberem que é ele que desemprega as pessoas, sobretudo os jovens, e faz falir as empresas.
Há, pois, uma grande responsabilidade para os governantes das nações, particularmente das que têm a justa aspiração de combinar a liberdade com o desenvolvimento.
15so é hoje evidente nos povos do norte, do centro e do leste europeu, que acompanham com ávido interesse o processo de construção europeia, em particular o dos Estados chamados da coesão. Estes, para receberem os fundos estruturais, devem ter uma política económica credivel, a médio prazo.
É a responsabilidade nacional, é o contrário da ajuda federal automática que recebe a Andaluzia de Madrid, o mezzogiorno de Roma, a Saarland ou os novos Lander de Bona ou de Berlim.
A solidariedade comunitária baseia-se no princípio da proximidade ao cidadão e à nação. Foi por pressão dos negociadores portugueses que a coesão se tornou um dos objectivos que a União se atribui, no artigo B do seu Tratado.
Mas, como lembra o Tribunal Constitucional alemão, no seu acórdão de 12 de Outubro de 1993, nem por dotar-se de meios, no n.º 3 do artigo F, a União se torna uma entidade nova, que possa decidir o recurso a impostos sobre os respectivos cidadãos.
Além disso, no Tratado da União, o princípio tomista da proximidade ou subsidariedade tornou-se um princípio geral de actuação política, que trava qualquer tentativa em introduzir uma lógica federal no processo. Na verdade, o requisito constitucional decisivo para erguer um Estado federal é a distribuição dos poderes estar consignada na lei. No Tratado não está; não está consignada na lei. Pelo contrário, na União emergente, os objectivos da eficiência, da justiça ou da responsabilização devem ser ponderados caso a caso no Conselho Europeu - onde, será preciso lembrá-lo, cada Estado tem um voto -, para, numa negociação permanente, bem gradualista e dialogante, chegar a consensos sobre a estratégia da construção europeia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As Jornadas Parlamentares do PSD, no Centro Cultural de Belém, concluiram com uma intervenção do Presidente da Comissão Política Nacional do PSD, que começou por salientar o contributo da presidência portuguesa para a construção, europeia.
Onde estão hoje os que nos acusavam de uma presidência tímida e os que nos consideravam demasiado prudentes?
Quem nega hoje que a competência e a seriedade da presidência portuguesa reforçaram a afirmação de Portugal no mundo?

Aplausos do PSD.

0 Primeiro-Ministro de Portugal salientou o contributo da credibilidade da nossa política económica e social junto das instâncias. europeias e internacionais e apelou para a necessidade, que os portugueses têm, de uma oposição credível.
Acrescentou ainda ao apelo que o PSD, ele próprio, precisa de uma posição credível para continuar a responder aos desafios do século XXI! Apelo que, no dia seguinte, o Secretário-Geral do Partido Socialista deixou sem resposta, apesar de ter passado 45 minutos a glosar o Primeiro-Ministro e o PSD. Pobre glosa!
Os portugueses bem sabem que, sem linha de convergencia a médio prazo, não há desenvolvimento, como não houve, apesar do esforço corajoso feito em 1980, durante a década de divergência socialista 1974/85!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Os portugueses sabem que o caminho do federalismo dependente está cheio de boas intenções patrióticas! A contradição é insanável. Tendo votado o Tratado, o PS não abandonou as tentações "terceiro mundistas" e acredita que Portugal poderia receber os fundos estruturais e manter o proteccionismo na agricultura, no comércio e na indústria.
0 PS orgulha-se dos pergaminhos europeístas e curva-se com reverência perante o socialismo europeu, mas despreza em Portugal a luta contra o maior abuso do Estado relativamente às familias desfavorecidas, que é o imposto escondido da inflação.
0 PS queixa-se das altas taxas de juro, mas propõe-se manter o escudo inconvertível e fora do Sistema Monetário Europeu, tributando os cidadãos residentes e não residentes com os custos ocultos do proteccionismo financeiro.
0 PS diz defender as pequenas e médias empresas, mas propõe uma desvalorização cambial, gerando um prémio de risco que as impede de investir, além de aviltar o poder de compra dos trabalhadores.
Em suma, quer transformar Portugal numa Calábria dependente e periférica, com fachada socialista para burocrata bruxelense ver!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Só os valores tradicionais do nosso povo, a sua iniciativa e sobretudo a sua exigência poderão compensar este défice de credibilidade da oposição.
Confiantes no reformismo interdependente, os portugueses querem juntar as estrelas da União às quinas da nação, gritando, com o PSD: Europa sim, Portugal sempre!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Lobo Xavier, Ferro Rodrigues, Octávio Teixeira, Helena Torres Marques, José Lello, Raúl Rêgo, Ferraz de Abreu e Carlos Oliveira.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Braga de Macedo, na sua pessoa, saúdo as Jornadas Parlamentares do PSD.
Sr. Deputado, num tempo que é, hoje, fundamentalmente de memória, num tempo em que se fala de comemorações importantes para a História recente do País - e quan-

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do se fala em memória é preciso ser rigoroso e evitar as incongruências e as contradições -, permita-me que lhe diga, as Jornadas Parlamentares do PSD decorreram sob o signo da contradição, da incongruência e, no fundo, representaram, sobretudo no seu final, uma tentativa esforçada e esgotante de combater a realidade. Tal é difícil.
Onde estão as contradições? Em primeiro lugar, estão num inusitado tempo de antena, com o qual o Sr. Primeiro-Ministro nos brindou, em que falou, longa e placidamente, sobre a familia e a pátria. 0 PSD combate a realidade, dizendo que esse tempo de antena estava preparado há três meses, mas não deixa de ser embaraçoso o facto de a única relação entre esse tempo de antena e a realidade ser a proximidade do Dia do Pai. Não há qualquer outra relação entre essa importante comunicação ao País e a vida normal do povo português.
Em segundo lugar, há um discurso importante, que foi o objecto da atenção, justa, da comunicação social: o do Sr. Deputado Pacheco Pereira, que constituiu, para a opinião pública, o ponto mais significativo das jornadas. Esse discurso envolvia, para quem o lê de fora, uma critica evidente a uma tentativa perigosa, para o PSD - de se posicionar em áreas que habitualmente não trilha. Ora, o PSD veio logo dizer, combatendo a realidade com todo o esforço, que esse discurso era, afinal e especialmente, uma crítica ao CDS-PP.
Mas as contradições e as incongruências não ficaram por aqui, Sr. Deputado. 0 Sr. Primeiro-Ministro fez, depois, um discurso final, onde, ao contrário do seu tempo de antena e num processo que muitos já chamam de "um passo em frente, um passo atrás", apenas fez votos pios sobre o futuro e falou das vantagens da União Europeia para Portugal, apesar de não se ter pronunciado sobre um só dos problemas que os pequenos países vão enfrentar nos próximos tempos, de não ter apresentado uma única posição do PSD sobre as modificações ou as eventuais renegociações do Tratado que ocorrerão, nem de ter apresentado uma posição firme do PSD...

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
... sobre calendários e critérios de convergência. Pelo contrário, o Primeiro-Ministro fez um discurso especialmente voltado contra o PS e, permita-me que lhe diga, de um simplismo absolutamente confrangedor. 0 Primeiro-Ministro acusa o PS de que as propostas da oposição só gerarão défice e, por via deste, aumento dos impostos, aumento das taxas de juro, redução do investimento, recessão, desemprego e - pasme-se! - colocam em risco as pensões.
Uma crítica contra o défice, uma crítica contra a despesa vinda do Primeiro-Ministro, que ainda há pouco tempo disse que via com gáudio as politicas keynesianas, que era partidário da despesa para o relançamento da economia, etc. Então, como é que se pode compreender isto?
E mais: as conclusões das Jornadas Parlamentares, apresentadas pelo Sr. Deputado Braga de Macedo, porventura um dos mais envolvidos nessas criticas que o Sr. Primeiro-Ministro fez ao PS, porque as criticas ao défice, ao despesismo, ao aumento brutal do défice, ao aumento incontrolado das despesas, à elevação das taxas de juro ou, pelo menos, à sua permanência em níveis elevados são,
perdoe-me que lhe diga, uma crítica directamente dirigida a si, crítica essa que não é justa, porque todo o partido devia estar empenhado em respeitar o seu passado e os protagonistas desse passado.

Por isso, Sr. Deputado Braga de Macedo, apesar de o seu discurso aqui ter sido um discurso que, em matéria de questões europeias, está na linha do pensamento que sempre lhe conheci, ele emerge de uma semana de incongruências, de uma semana de confusões e de uma semana de tentativas de disfarce e de lançamento de névoas para que as coisas não fiquem bem percebidas.

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Deputado António Lobo Xavier, a densidade de contradições naquilo que parecia ser a sua pergunta é difícil de ultrapassar. De facto, o senhor conseguiu, realmente, dar quase razão à ideia de que, como dizia Mao-Tsé-Tung, sem contradições não haveria mundo!... 0 senhor quase que deu essa ideia e, no entanto, escapou-lhe o essencial.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Mostre lá!

0 Orador: - É que, repare, as Jornadas Parlamentares do PSD eram subordinadas ao tema "0 contributo de Portugal para a construção europeia". Ora, Sr. Deputado, o que é a Europa senão a unidade na diversidade? Para alguém ignorante ou com má-fé isto parece contraditório. Ou seja, há unidade ou diversidade? Sr. Deputado, é as duas coisas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - É que daqui não podemos sair! Unidade e diversidade é a Europa, é Portugal!
Agora numa coisa o Sr. Deputado tem razão: eu fiz um apelo à nossa língua materna, para que ela se tornasse língua de negócios, científica e paterna também. Aliás, era o Dia do Pai e a minha filha até me deu um desenhozinho muito simpático a dizer: "Pai, una a família!". Ora, foi exactamente isso que aconteceu nas Jornadas Parlamentares do PSD, ou seja, foi exactamente o contrário daquilo que o Sr. Deputado quis dar a entender.

Aplausos do PSD.

Mas não é só a minha filha, Sr. Deputado António Lobo Xavier! No Programa do PSD a família vem lá, absoluta e claramente, referenciada, e só não citei mais para não cansar os Srs. Deputados.
Em todo o caso, se calhar, valia a pena os Srs. Deputados lerem o Programa do PSD ....

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Eu conheço, eu conheço!

0 Orador: - ... porque assim algumas das coisas que julgam ser contradições talvez deixassem de sê-lo - aliás, permitir-me-ei oferecer uma cópia do Programa do PSD ao Sr. Deputado António Lobo Xavier.
Não vou responder à contradição em que o senhor entrou quando falou do défice, pois tudo isto está perfeitamente esclarecido e, cada vez mais, à medida que os números chegam, pois eles demonstram que não há qualquer ultrapassagem do tecto das despesas e um acontecimento, como o do aumento do défice que se verificou na maior parte dos países, inclusivamente na Suiça ele aumentou

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muito mais do que em Portugal -, é uma garantia para o
futuro.
É, pois, essa credibilidade a médio prazo que eu queria
que o senhor e o seu partido, talvez mais o seu partido do
que o senhor, compreendessem, uma vez que sem ela não
há credibilidade de Portugal na Europa e sem esta credibilidade a médio prazo não poderemos ser portugueses.
Mas a credibilidade a médio prazo, como o nome sugere, Sr. Deputado António Lobo Xavier, não se consegue
só por se falar dela!

De facto, Sr. Deputado, as contradições só existem na Risos do PSD.
cabeça dos ignorantes!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a
palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Deputado Braga de
Macedo, saúdo-o pela sua primeira intervenção neste Hemiciclo, mas não o felicito. Compreendo que tenha de falar
das Jornadas Parlamentares do PSD, num registo típico de
quem fez a acta, mas que fez uma acta incompleta, porque
não falou na intervenção mais importante das Jornadas que
foi a do seu colega Pacheco Pereira.
0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Falou, falou!
0 Orador: - Por outro lado, não compreendo como é
que o Sr. Deputado Braga de Macedo fala com esta descontracção das taxas de juro, dos impostos, da taxa de câmbio, quando
todo o País sabe que, talvez injustamente, o Sr.
Deputado Braga de Macedo está na história de Portugal do pós 25 de Abril como o responsável pela enorme
crise económica, social e pela recessão que o País neste
momento atravessa.

Aplausos do PS.

0 problema, Sr. Deputado Braga de Macedo, é que já
sabíamos que o PSD tinha várias políticas e vários discursos, nomeadamente para a saúde, onde já ouvimos discursos e políticas contraditórias pela boca de Leonor Beleza,
de Arlindo de Carvalho e agora do Ministro Paulo Mendo; na área da educação, onde ouvimos discursos contraditórios da boca de Roberto Carneiro, de Couto dos Santos e agora de Manuela Ferreira Leite
0 Sr. Deputado Braga de Macedo sabe também - e é
duro para si ouvir isso todas as semanas - que o PSD tem
discursos completamente antagónicos em matéria de política económica, porque cada vez que o Sr. Ministro Eduardo Catroga fala lança sobre si, Sr. Deputado Braga de
Macedo, a responsabilidade terrível de todos os problemas
que exístem, neste momento, em Portugal.
Finalmente, ficámos todos a saber, durante esta semana,
que o PSD e o Primeiro-Ministro têm dois discursos completamente antag6nicos em matéria europeia: um discurso
troglodita, roçando o conservadorismo mais inconcebível e
radical e um discurso pseudo-europeísta rotineiro, repetindo lugares comuns.

Protestos do PSD.

Ora, aquilo que acontece e que nos demarca, é que o
PS não precisa de numa semana acolher dois discursos
contraditórios do ponto de vista cultural e político sobre a
Europa, pois a nossa coerência de hoje é a de sempre,

desde o momento em que Mário Soares pediu a adesão de Portugal às Comunidades Europeias.

Vozes do PS: - Muito bem!

Com o tempo de antena do PSD tudo ficou claro: é que reina a maior das confusões no PSD quanto ao futuro de Portugal e da Europa!

No fim-de-semana aquilo que aconteceu foi que de um lado estava um PS unido, coerente e com clareza estratégica..

0 0rador: - Srs. Deputados, não tenham a menor dúvida!

Vozes do PSD: - Nem vocês acreditam nisso!

0 Orador: - Eu sei do que falo!

Aplausos do PS.

Enquanto que do outro lado, está um PSD confuso, dilacerado, tacticamente oportunista e com nenhuma outra estratégia que não seja a de tentar manter-se no poder a todo o custo.
É por isso que eu compreendo perfeitamente que dentro daquela lógica, tenha sido o Sr. Deputado Braga de Macedo a protagonizar esse discurso e essa contradição aqui na Assembleia da República.
0 problema, Sr. Deputado Braga de Macedo, é que não há credibilidade para Portugal na Europa se a política europeia de Portugal não tiver credibilidade no nosso próprio País!

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Por indicação do Sr. Deputado Braga de Macedo ele responderá em conjunto a grupos de dois pedidos de esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Otávio Teixeira (PCP): - 0 Sr. Deputado Braga de Macedo, ao fim de quatro meses de silêncio nesta Câmara, resolveu subir à Tribuna para falar. Sinceramente, julgámos, quando vimos anunciado no circuito interno de televisão que o senhor iria intervir, que iríamos ter o Sr. Deputado a fazer um acto de contrição, uma vez que nos últimos tempos o Sr. Ministro das Finanças tem manifestado, publicamente, a sua discordância quanto à política que foi seguida anteriormente pelo Governo, tem denunciado o caos em que encontrou a administração fiscal e também porque o Sr. Primeiro-Ministro, nas Jornadas, veio reconhecer a crise económica em que o País caiu.
Ora, perante isto estávamos à espera que o Sr. Deputado Braga de Macedo viesse aqui e dissesse: mea culpa; afinal o oásis nunca existiu! Fui eu que o inventei! mea culpa! Fui eu o principal responsável pelo descalabro orçamental devido ao caos a que deixei chegar a administração fiscal, etc.
Mas o Sr. Deputado não fez isso! Fez uma redacção sobre as Jornadas Parlamentares do PSD, fez referência, como é próprio de uma redacção, aos vários interventores, esquecendo-se, pelo menos, de um, que já aqui foi referenciado, não sei se por acaso se por qualquer outro motivo. Bom, lá terá as suas razões! 0 senhor lá saberá porquê!...
Aliás, não vou entrar aqui em problemas de família, nem da família laranja nem da sua família pessoal, porque assim teríamos de ir muito longe, pois o senhor disse, se bem

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entendi e ouvi, que a sua filha, no Dia do Pai lhe ofereceu um desenhozinho dizendo: "Pai, una a família!"... Bem,
ela lá saberá por que tem de dizer isto!
Quanto "à fotografia em familia" ela ficará para o seu
álbum de recordações!
Finalmente, gostaria de dizer-lhe que, a dada altura, o
senhor referiu que era absolutamente necessária uma politica económica credível a médio prazo. Pergunto-lhe: será
que foi pelo facto de a sua política económica, enquanto
foi Ministro das Finanças ter sido tão credível, a médio
prazo, que o senhor foi exonerado?

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Srs. Deputados, quase que podia repetir aquilo que disse ao concluir a resposta que dei ao Sr. Deputado António Lobo Xavier sobre as contradições. De facto, elas existem, sobretudo para
os ignorantes! E vou repetir o que disse, porque há aqui uma

liberdade para falar de contradições que é chocante e que
não abona em favor do principal partido da oposição.
Na verdade, o principal partido da oposição não entendeu ainda o que é a Europa comunitária e a credibilidade
a médio prazo e, portanto, glosa. Não tem discurso, tem
glosa! Que é aquilo que se ouviu aqui mais uma vez! Não
entende o que é unidade na diversidade e não consegue
compreender que as suas teses nos levariam àquilo a que
chamei a Calábria periférica com fachada socialista para
burocrata bruxelense ver. 15so é que é a posição do PS!
E é pena que isso seja assim, porque, como disse, é

essencial uma posição credível em Portugal!

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - 0 que é preciso é um
Governo credível!
0 Orador: - 0 Sr. Deputado Octávio Teixeira tinha de
voltar, já dois anos depois, ao oásis. Por acaso, falou-se do
oásis nas Jornadas Parlamentares, porque o seu autor, que
é o Dr. Manuel José Homem de Mello, estava lá e falou
no mergulho - aliás, até se gracejou a este propósito. Por
tanto, esta é uma expressão de que ninguém se esqueceu,
mas vale o que vale!
Agora, quando o senhor fala da família, não se deve
esquecer do Manifesto do Partido Comunista em 1848 onde
desprezava a família burguesa e enaltecia os méritos do
amor livre em que, aliás, os fundadores, Marx e Engels,
tanto se comprazeram no seu tempo.

Risos do PSD.

Sr. Deputado Octávio Teixeira, vergonha, não se fala disso! Então, não fale, mas dizer que não fala e depois fazê-lo
Falar de uma coisa singela que eu aqui trouxe, com tanta simplicidade, que foi aquela notinha da minha filha, e
houve outras, mas foi esta que me pareceu útil, porque,
de facto, esqueci-me do pai... Porque falei da língua materna e foi só isso... 0 senhor não quer falar da familia, não
fale e ainda bem, porque o seu partido tem muito pouco a
ensinar nesta matéria.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr a Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Braga de Macedo, supunha que V. Ex.ª tinha aprendido, mas verifico que não aprendeu!

Vozes do PSD: - Ah!

A Oradora: - As suas intervenções, como Ministro das Finanças, foram de tal forma arrogantes que ainda não as esquecemos. Mas olhe que a vida encarregou-se de o maltratar mais rápida e fortemente do que alguma vez julguei possível.
Duplicar um défice orçamental, cujo combate era um dos grandes objectivos da convergência para o Ministro das Finanças, tem de concordar que era algo que o Sr. Deputado nunca esperava mas não era algo que não merecesse. Gostava, pois, que o senhor, na qualidade de Deputado, não viesse, outra vez, com o programa do PSD. Olhe que isso deu-lhe maus resultados, por isso não vá por aí, Sr. Ministro!... Quero dizer, Sr. Deputado.

Como Ministro deu-se sinal e eu gostava que como Deputado não se desse tão mal!

Em matéria europeia, como sabe, o PSD é um partido permanentemente em zíguezagues: primeiro, não queria entrar na Comunidade quando entrámos, dizendo que iríamos ser a Malta ou o Chipre da Europa; depois, o Primeiro-Ministro começou por ser muito pouco europeísta - só em 1990 se tomou europeísta; agora, cheio de receio do CDS-PP, virou para um nacionalismo absolutamente incompreensível! De tal maneira incompreensível que o Sr. Deputado Pacheco Pereira fez a intervenção que achou que tinha de fazer nas Jornadas Parlamentares do PSD.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Deve-se escolher só um adversário! Por uma questão de estratégia, o melhor é concentrar!

A Oradora: - 0 PSD não tem vergonha alguma e consegue manter lá dentro quem diz que sim e quem diz o contrário, e ainda pensar que tudo isto está muito bem!

Sr. Deputado, isto vai acabar! 0 povo português não vai continuar a aceitar um partido que, no Governo ou na oposição como aconteceu no tempo do Bloco Central -, ora é europeísta, ora é nacionalista, que é o que se está a passar agora com o PSD.
De facto, era importante que o Sr. Deputado nos tivesse esclarecido sobre as seguintes questões: é ou não verdade que o Governo português aceitou alterar a sequência das presidências da Comunidade, cedendo aos grandes países, por forma a deixar que a Alemanha tenha duas presidências da Comunidade antes de Portugal? E diga-nos o que é que os senhores vão defender para a Europa, aquando da revisão do Tratado de Maastricht em 1996?
Como se recorda, fizemos várias críticas aos critérios de convergência e, como se verificou, eles não se podiam cumprir. 0 senhor foi uma prova disso.
Sempre quisemos para Portugal a sua integração na Europa, mas melhorando e tendo em atenção as condições de vida dos portugueses e da economia portuguesa. 0 Senhor deu cabo do sistema produtivo português e nós não queremos que isso se repita!
Pergunto, então, o que é que o PSD decidiu fazer pela Europa, que não seja dizer: "Somos nacionalistas, só queremos defender Portugal aqui!"

Vozes do PS: - Muito bem!

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25 DE MARÇO DE 1994
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0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo, uma vez que os demais Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos desistiram de usar da palavra.

Vozes do PSD: - Desistiram!?

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, essa é a informação de que disponho, mas, como vejo que há contestação face à afirmação que fiz...

0 Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, cedo o uso da palavra ao meu camarada Ferraz de Abreu, que poderá explicar melhor a razão da desistência.

Vozes do PSD: - Há contradições!

0 Sr. Presidente: Então, para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, comuniquei à Mesa que desistia do meu pedido de esclarecimento pela simples razão de que o meu partido não dispõe de tempo suficiente para todos os Srs. Deputados inscritos usarem da palavra. Foi por isso que prescindi do uso da palavra e não porque não tivesse um pedido de esclarecimento a fazer e que ele não se justificasse plenamente.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa concede-lhe dois minutos para pedir esclarecimentos.

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Duarte Lima (PSD):- - Sr. Presidente, vejo que o problema do Sr. Deputado Ferraz de Abreu está resolvido. Assim, o meu partido cede, por sua vez, dois minutos ao Sr. Deputado Raúl Rego para que ele também possa colocar as suas questões.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Sendo assim, seguimos a ordem das, inscrições.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

0 Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, disseram-nos aqui que a moeda única não é condição essencial. Será que a Europa de pobres e ricos continuará e que, essa sim, é que será a condição essencial?

Vozes do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, agradeço muito ao Sr. Deputado Raúl Rêgo ter levantado aqui

um ponto importante. Estamos agora a preparar uma evocação do 140.º aniversário da adesão de Portugal ao "padrão ouro". Por que razão trago isto aqui? Porque a moeda única, de facto, nada tem a ver com o federalismo. E o Sr. Deputado percebeu que este era um dos pontos importantes das jornadas.
0 outro problema que levantou é essencial, Sr. Deputado Raúl Rego: o reformismo. Ou seja, melhorar a situação dos pobres e eliminar o imposto escondido da inflação!

0 Sr. Raúl Rêgo (PS): - Acabar com os pobres!

0 Orador: - Não é com a demagogia e com as receitas serôdias da Convenção do PS, de que não se falou aqui, e bem, porque foi uma glosa! Não foi mais, repito, do que uma pobre glosa, que foi o que lhe chamei da tribuna.
Obrigado, Sr. Deputado Raúl Rêgo, por ter trazido aqui o Século XIX e o "padrão ouro", pois é importante. '
Já o mesmo não posso dizer à Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Europeus e tenho pena. Mas, como já disse, não vou falar nos assuntos em que me interpelam noutras qualidades...
Mas, em matéria de queda nas receitas fiscais, tenho a companhia de alguém que foi muito badalado na convenção: o Dr. Vítor Constâncio, que é o recordista da duplicação dos défices! E lá estava na Convenção a falar catedraticamente... Pois que o faça! Mas uma coisa é certa: os portugueses não o ouvem, Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, porque essas receitas já passaram, não existem e não há alternativa. E os portugueses sabem-no bem!
A mesma coisa se diga quanto às outras partes da sua intervenção.
0 que pretendi trazer aqui foi o elemento essencial das nossas jornadas, também citado pelo Deputado Pacheco Pereira, que tentei verter em linguagem vernácula, através daquele ditado que todos conhecem: "Pai rico, filho barão, neto ladrão". Ora bem, essa evolução das sociedades, que gera um problema num ano, mas que, noutra geração, já é outro e, depois, ainda outro, no caso do PS, lamentavelmente - para não falar outra vez do PCP-, o ditado que vale é o de "pai ignorante, filho ignorante, neto ignorante!" Lamento, mas ele também vale para " mãe, filha e neta".

Risos do PSD.

Lamento imenso, Sr.ª Deputada, mas tenho de dizer que não há reformismo no PS: não entende, não percebe e continua preso a uma verborreia revolucionária que choca em contradição, mas no fundo em unidade, com o conservadorismo que se encontra noutras partes desta sala.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, não vou, de maneira alguma, entrar no caminho dos insultos, que o Sr. Deputado Braga de Macedo acaba de pronunciar.

Protestos do PSD.

Apenas queria obter um pequeno esclarecimento: afinal de contas, em que é que ficou o PSD? Continua a defender o federalismo ou, na realidade, adoptou o
neo-nacionalismo, baseado na velha tríade "Deus, pátria e família"?

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I SÉRIE - NÚMERO 52

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

0 Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Braga de Macedo, esperava que aqui nos trouxesse algo de novo, tanto mais que esta era a sua primeira intervenção neste Parlamento. Pensava, por exemplo, que se viesse aqui defender das críticas do Dr. Catroga. Mas não! 0 Sr. Deputado, que sempre foi considerado extremamente criativo, do ponto de vista ideológico e académico, afinal, depois de se ter confirmado que a sua criatividade se esbatera no seu consulado governamental, veio aqui criticar a oposição com os chavões de antigamente, sem sequer se dar conta de que a sua política é hoje criticada, não apenas pelo seu sucessor mas todos os sectores económicos que sentem hoje "na carne" as dificuldades que a sua gestão governamental lhes criou.
Afinal, veio falar da Europa! Disse umas coisas, com a ambiguidade que é conhecida do seu partido, mas sem referir a ambiguidade de um partido que defende a Europa e Portugal, que é nacionalista na primeira figura da lista e federalista nas outras três. Citando o Secretário-Geral do meu partido, os senhores nem são europeus nem portugueses, são "europeses!"
Bom, o Sr. Deputado veio aqui criticar o meu partido, mostrar serviço ao seu próprio partido e, pior, veio com as palavras dos outros, o que é de estranhar! De facto, veio apenas e só fazer a acta do que se disse nas Jornadas Parlamentares realizadas no Centro Cultural de Belém.
Afinal, o Sr. Deputado, depois de ter sido fértil e criativo no passado, resumiu-se apenas e tão-só ao papel de escrivão da acta. Francamente, desejo-lhe melhores papéis no futuro e mais de acordo com a sua imagem pessoal longínqua, pois V. Ex.ª porventura como académico, terá muitos méritos e grande futuro. 0 mesmo não direi como governante e, muito menos, como político!

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, não quero provocar contradições mas, por acaso, não tinha cedido um minuto a este Sr. Deputado...

Risos do PSD.

0 Sr. José Lello (PS): - 0 Senhor é um "unhas de fome"!

0 Orador: - ... mas, enfim, está dado, está dado!
De qualquer forma, Sr. Deputado José Lello, antes "europês" que calabrês, com toda a franqueza! Realmente, não podemos aceitar estas considerações sobre a Europa numa altura em que estamos a fazer um debate. Não falemos, pois, de actas, de uma visão burocrática pequenina e de federalismo dependente.
Queria reservar-me para responder ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu porque, de facto, penso que tentei dizer aqui, talvez repetindo, como diziam os latinos repetitio mater estudiorum - às vezes é preciso repetir, mais e mais, o que faço sem qualquer dificuldade -, que o PSD aposta nessa Europa em construção e tudo continuará a fazer para que a sociedade portuguesa responda da melhor maneira

ao desafio europeu. Portanto, está aqui presente um elemento evolutivo, sempre com o respeito da especificidade nacional portuguesa.
Este é o modo como o PSD e Portugal têm estado na Europa. E não há outro! E enquanto o PS não entender, por quaisquer pergaminhos europeístas que possa ter, que é esta a única maneira de estar na Europa: "Europa sim, Portugal sempre!" Como dizia, enquanto isso não acontecer, lamento imenso mas as vossas contradições terão a grande pecha de não ter uma solução dinâmica: hão-de voltar sempre atrás e estar sempre presos ao federalismo dependente.
Este debate, bem como o que se passou nas Jornadas Parlamentares do PSD, é muito importante, por isso permitam-me citar outra vez que "o mais português dos partidos também o que melhor percebe a construção europeia". E porque a construção europeia é evolução, é reformismo! Não podemos estar numa posição como a vossa, uma posição - lamento dizê-lo, Sr. Deputado José Lello -, calabresa, de fachada socialista para burocrata bruxelense ver. 15so é que não! "Europa, sim, Portugal sempre"!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação tem a ver com a condução dos trabalhos. É que o Sr. Deputado Braga de Macedo, por várias vezes, alegou que intervinha numas qualidades e não noutras. Acontece que o tom de pesporrência e de arrogância que utilizou, chamando a todos os Deputados - do CDS-PP, do PCP, do PS e mesmo do PSD, provavelmente da primeira fila da bancada -, ignorantes, leva-me a não saber em que qualidade ele interveio aqui - se na de Deputado, de burocrata bruxelense, de agricultor fracassado ou de
ex-ministro, o mais incompetente que houve na história das Finanças neste País, atendendo àquilo que prometeu e realizou.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, dado que a Mesa não pode responder à sua intervenção, vou considerá-la como uma defesa da honra, porque, caso contrário, não haveria equilíbrio parlamentar. Assim sendo, vou conceder a palavra ao Sr. Deputado Braga de Macedo, para dar explicações.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, realmente, tenho de dar explicações em relação a esta intervenção, que, além de calabresa, é soez, porque efectivamente invoquei a qualidade em que intervim, logo no início, ao dizer que falava, e corri muita honra, na qualidade de Deputado eleito, exactamente na mesma que a pessoa que acabou de falar.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não parece!

0 Orador: - Agora, desejo sublinhar aqui um aspecto: a ignorância de que falo - e de que, aliás, falei na minha intervenção escrita - é qualquer coisa que se pode comprovar.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Exactamente!

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0 Orador: - De facto, devemos ter consciência, dada a importância que este assunto tem para Portugal, de que o discurso sobre a Europa, que é uma realidade nova para o nosso país, tem de ser feito com seriedade e não com demagogia.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É isso que não foi feito!

0 Orador: - Por isso, acusei a glosa!

Protestos do PS.

Desafio-os, com a autorização do Sr. Presidente - e isso pode ser feito em sede de comissão -, a "passarem a pente fino" aquilo a que chamaram generosamente de uma acta e a descobrirem uma só afirmação que não possa ser documentada por centenas de volumes, que, eventualmente, se encontrarão na biblioteca desta Casa! Mas esse já não é o caso relativamente àquilo que acabou de dizer. Invocou qualidades... Para preservar o bom nome desta Casa, era melhor ter ficado calado, Sr. Deputado Ferro Rodrigues!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É a sua opinião! 0 senhor é que devia ter ficado calado!

0 Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Braga de Macedo, quando no meu pedido de esclarecimento falei de algumas contradições políticas, ao responder-me, o Sr. Deputado disse que só um ignorante podia ver aí contradições.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe, por um lado, que essa é uma técnica já utilizada recentemente até pelo Sr. Primeiro-Ministro para "fugir" às respostas concretas e, por outro, que aqueles que o Sr. Deputado e o Sr. Primeiro-Ministro acusam de ignorantes são para mim uma companhia muito confortável.

Aplausos do CDS-PP e do PS.

Em segundo lugar, quero dizer-lhe, Sr. Deputado Braga de Macedo, que V. Ex.ª está, porventura, mal habituado: está habituado a desferir ironias maldosas, agressivas e gratuitas do seu púlpito doutoral e da bancada do Governo. Mas agora, que está aqui entre nós, deverá ter cautela e cuidado na forma como procede, como Deputado - para já não falar nas exigências de elegância e de cortesia, que no meio universitário são costume.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Sr. Deputado não as tem,...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Mas tem tempo para aprender!

0 Orador: - ... mas tenha, ao menos, a elegância e a cortesia normais nas relações entre os Deputados desta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Não chegou ainda o tempo de lhe pagar na mesma moeda; não chegou ainda o tempo de, por fartura, lhe devolvermos as descortesias e a agressividade com que

o Sr. Deputado, por vezes, se nos refere. No entanto, e por isso, devo dizer-lhe que o Sr. Deputado não é ignorante,...

0 Sr. Raúl Rêgo (PS): - É malcriado!

0 Orador: - ... mas está cheio de contradições. Portanto, a sua afirmação não vale para todos, não tem um valor geral. 0 senhor, repito-o, não é ignorante, mas está cheio de contradições!
Para finalizar, dir-lhe-ei o seguinte: compreende-se que um político, por táctica, durante algum tempo, disfarce a realidade e a apresente de um modo mais colorido; o que não se compreende é que alguém, durante, toda a vida, disfarce a realidade e persista em fazê-lo. E que alguém que toda a vida persiste em disfarçar a realidade terá de ser considerado como um alienado!
Aplausos do CDS-PP e do PS.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, começo por referir que tudo aquilo que foi dito quanto às maneiras pode ser sempre corrigido, porque a ignorância desfaz-se aprendendo. Por conseguinte, nada daquilo que foi o meu comportamento aqui... E digo isto com todo o à-vontade, tanto agora ao Sr. Deputado António Lobo Xavier como mais tarde a qualquer um dos Srs. Deputados, porque, naturalmente, há aqui estilos da Casa, que uns aprendem e outros não. Agora, julgo que aqui deve sobretudo seguir-se aquela regra de ser natural e é exactamente isso que quero ser.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Natural?!

0 Orador: - Exactamente, natural.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Bruto!

0 Orador: - Por isso mesmo, Srs. Deputados do Partido Socialista, a minha visão do natural não é, de modo nenhum, uma visão ilumunista do "bom selvagem".
Agora, há aqui, de facto, um aspecto político decisivo: um partido que tem, pelo menos, três discursos europeus um, na Assembleia; outro, no Largo do Caldas e outro ainda (ou já o teve) em Estrasburgo -, que toma posições absolutamente ao revés de tudo o que se está a passar ao nível do consenso entre os povos europeus e que se atreve a falar de contradições naquilo que, como comecei por dizer, é a unidade na diversidade, a própria natureza da construção europeia, que não é federalista nem um modelo fechado, indo ao ponto de acusar o chefe de Governo comunitário com mais experiência, o que é unanimemente reconhecido, afirmando que invoca a ignorância e que essa é qualquer atitude menos simpática para os que sabem menos! Não esperava isso de si, Sr. Deputado António Lobo Xavier! É que o senhor também tem pergaminhos académicos e, ao invocar essa delicadeza de trato - que, aliás, lhe reconheço -, não pode, depois, como ferrete escondido numa roupagem do século XVIII - aí também iluminista , fazer uma acusação absolutamente gratuita a propósito daquilo que foi um discurso construtivo e abrangente. Na afirmação de que a nossa participação na Europa tem de ser uma participação aberta, que tenha em conta a liberdade, o desenvolvimento e a lusofónia, o que há que nos divida? Não muito!

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1742 I SÉRIE - NÚMERO 52

No entanto, há políticos do seu partido, eu . a imaginação infantil nunca deixará de me surpreender! que aí também julgamos haver, em termos de gosto, questões mais e menos elegantes. Por exemplo, as invocações de figuras como o Pinóquio não deveriam ser trazidas para a linguagem política, porque também são contradições - aliás, também foi lembrado o que seria do Pinóquio sem o Grilo.
Assim sendo, Sr. Deputado António Lobo Xavier, para mantermos o nosso fino trato, peço-lhe que entenda contradições não apenas em sentido livresco mas também em sentido político. E, mais uma vez, desafio-o - como sabedor e acadêmico que é - a encontrar, em qualquer afirmação contida neste texto ou nos das jornadas parlamentares, que, segundo sei, vão ser publicados, uma só contradição. É um desafio que aqui faço ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, agradecendo-lhe, mais uma vez, as considerações "simpáticas" sobre as maneiras de tratar entre Deputados.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

0 Sr. José Lello (PS):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Braga de Macedo, V. Ex.ª sentiu-se incomodado por tê-lo definido de "europês". Agora, além da pesporrência e agressividade, constato pior! De facto, citando o poeta, constato que, além de "europês", o Sr. Deputado "não é boa rês".
0 Sr. Deputado Braga de Macedo chamou-me calabrês. Ora, sou eleito pelo círculo eleitoral do Porto e sou do Porto, ao passo que o Sr. Deputado é eleito pelo círculo eleitoral do Porto, mas não é do Porto. 0 Sr. Deputado, no Porto, é de "importação"! Presumo que seja "importado" da Calábria! Ora, a Calábria situa-se na Sicilia, o que explica muita coisa!...

Risos do PS.

0 Sr. Presidente: - Dado que o Sr. Deputado Braga de Macedo não deseja dar explicações, vou dar a palavra para uma intervenção, ao abrigo do n." 2 do artigo 81.º do Regimento, por um período máximo de 10 minutos, ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os portugueses vivem momentos de profunda inquietação, notando-se uma clara instabilidade familiar e a existência de fortes bloqueios criados à nossa sociedade pela prática política adoptada por um Governo e por um Primeiro-Ministro que parecem revelar não ter consciência da grave situação em que lançaram e continuam a lançar o País.
Referir que Portugal se confronta com uma profunda crise, crise a vários níveis, que se repercute em todos os planos da sociedade, constitui já um lugar comum, tal a natureza dos problemas provocados através de uma política que tem promovido a degradação de valores humanos, morais e éticos. Ninguém pode refutar esta realidade.
Concretamente no seio do Governo e do partido que o apoia, observa-se a aplicação de uma lógica cruel, reveladora de grande inconsciência, que se consubstancia numa luta e num jogo pelo poder, poder a qualquer preço. Ao mesmo tempo, agrava-se a política monetarista neoliberal,

sem qualquer preocupação social, não solidária, esvaziada de conteúdo minimamente válido ou defensável e sem fundamentação doutrinária, o que leva o Primeiro-Ministro a recorrer a um tipo de linguagem e à defesa de princípios retrógados, que a revolução democrática do 25 de Abril afastou definitivamente das preocupações do povo português.
Ao sublinhar a dura realidade que constituem os bloqueios impostos à sociedade, deve salientar-se que isso se torna possível pelo facto de o País ser governado sem um suporte doutrinário, ideológico, filosófico ou sociológico aceitável, notando-se, pelo contrário, uma confrangedora ausência de ideias e de teorias responsáveis. Por isso, não devemos surpreender-nos perante as afirmações que o Primeiro-Ministro proferiu, ao refugiar-se num tipo de retórica ultrapassada e enganadora, obscurantista e anticultural.
Torna-se eminentemente grave a insensibilidade revelada pelo Governo perante a crescente instabilidade social e as terríveis dificuldades de acesso ao emprego, à saúde, ao ensino, à habitação condigna, ao bem-estar, à cultura e à justiça social. Como muito grave é, também, a degradação continuada de valores face à forma como se insinua na sociedade portuguesa a defesa de principios que a democracia, por que o povo português tanto lutou, despreza.
Revela-se, em Portugal, uma crise profunda nos planos económico, social, cultural e político, sem excluir o ético. A pretensa resposta a esta crise, neoliberal, cavaquista e do PSD só tem produzido resultados negativos.
A política de concentração de capital e de reconstituição dos grandes grupos económicos, promovida pelo Governo do PSD que, por opção própria, se escuda demagogicamente na crise internacional e europeia, em particular -, provoca grandes sacrifícios à população, em geral, principalmente aos que vivem dos rendimentos provenientes do trabalho.
A política neoliberal propicia frustrações, exclusões e discriminações sociais e culturais, facilitando a marginalidade, a violência e a expressão de ódios de diferentes naturezas, como os da xenofobia e do racismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há motivos para nos mostrarmos apreensivos. Nos mais diversos sectores, não faltam sintomas reveladores de crescente inquietação face à realidade económica e social nomeadamente entre a juventude, assustada - e com razão! - com a incerteza do futuro.
Neste quadro preocupante, verifica-se que a maior contestação à política governamental e aos seus perversos efeitos vem do movimento social, como hoje mesmo podemos constatar, com as manifestações e com as greves em curso.
0 País necessita de uma inversão radical da política que gera as situações referidas. Por isso, recusamo-nos a aceitar os meros "jogos de poder" em que muitos, mesmo com responsabilidades, se deixam envolver.
Considerando a situação actual, é necessário criarem-se alternativas democráticas que invertam esta política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podemos continuar a assistir impavidamente à aplicação de uma política em que o nosso país se subordina às receitas da União Europeia, com a agravada perda de identidade. A este respeito, é inadmissível a inexistência de uma política estratégica que defenda decisivamente os interesses portugueses, pelo que não podemos continuar a aceitar a política de secretismo evidenciada pelo Governo neste matéria face à Assembleia da República.
A União Europeia evidencia, cada vez mais e considerando a forma como o Governo se sujeita às decisões de Bruxelas, um Primeiro-Ministro mais como um governador civil da União Europeia, figura totalmente subjugada às decisões tomadas no estrangeiro.

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Sendo assim, e muito mais se poderia apontar de negativo, impõe-se que as forças políticas democráticas saibam dar resposta às ansiedades do povo português, sabendo ultrapassar naturais divergências, de forma a proporcionar-se uma aproximação e um entendimento entre si capazes de darem sentido a uma política alternativa que ponha termo à actuação cada vez mais gravosa do Governo, que tem como seu chefe um Primeiro-Ministro que revela, quer nas suas afirmações quer nas suas decisões, um significativo desprezo pelas dificuldades e pelas graves condições a que tem sujeitado os portugueses.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação dos votos n.º 99/VI - De repúdio pelo ataque de jovens neonazis a trabalhadores portugueses em Leipzig e 100/VI - De saudação pela passagem do Dia do Estudante, que deram entrada na Mesa, respectivamente, ontem e hoje.
Para se pronunciarem sobre os dois votos, por um tempo não superior a três minutos, vou dar a palavra, pela ordem de inscrição, aos grupos parlamentares.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Inscrevi-me para me referir ao voto n." 1001 VI - De saudação pela passagem do Dia do Estudante (24 de Março), subscrito pelos Deputados do PSD.
Pensamos que o Dia do Estudante, pelo que ele significa para a história da luta dos estudantes portugueses pela democracia e pela dignificação das suas condições de ensino, deve ser devidamente assinalado.
Neste momento, ao assinalar o Dia do Estudante, não posso deixar de ter em consideração as lutas que actualmente se travam, a nível do ensino secundário e superior, por uma nova política de ensino, que tem mobilizado muitos milhares de jovens por este país e que, hoje mesmo, assume diversas expressões de luta em Lisboa e em outros pontos do País. São estes estudantes que queremos saudar no dia 24 de Março de 1994, que hoje passa.
Por outro lado, gostaria ainda de salientar, relativamente a alguns aspectos que são referidos neste voto proposto pelo PSD, que consideramos a autonomia universitária como um valor fundamental para a democracia e para o sistema educativo português.
Pensamos que a revisão do financiamento das universidades jamais deve significar a desresponsabilização do Estado relativamente aos deveres que, manifestamente, lhe incumbem de assegurar o financiamento adequado ao ensino superior, bem como níveis de Acção Social Escolar muito diferentes, para melhor, daqueles que se verificam actualmente.
Portanto, saudar os estudantes portugueses pela passagem do dia 24 de Março é saudar a luta que eles, hoje, desenvolvem contra a política que o Governo tem vindo a seguir, e continua a seguir, a nível do sistema educativo pelo progresso e pela dignificação das suas condições de ensino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 voto proposto certamente que merece o apoio da Câmara, mas é preciso fazer alguns comentários sobre o seu conteúdo, porque os termos de referência são excessivamente vagos e, portanto, aprovar o voto não significa concordar com o enunciado verbal que nele se encontra.
Por exemplo, a Lei da Autonomia Universitária tem de ser revista para ser mais autêntica e não para retirar essa autonomia; o financiamento das universidades tem de, ser revisto, mas deve ser orientado pelo princípio de que o Governo, quando atribui verbas à Universidade, não faz doações, pois entrega-lhe aquilo que lhe pertence, porque as receitas são nossas, o Governo só as distribui; adequar a Acção Social Escolar não é uma questão que tenha a ver com o envolvimento do problema das propinas numa infundamentada questão de justiça social, tal como tem sido apresentada; e a reforma curricular exige, certamente, uma atenção mais profunda do que aquela que lhe tem sido dispensada.
E, sobretudo, faltam aqui enunciados que dizem respeito a questões muitíssimo mais importantes. Uma delas é a dupla velocidade a que se está submetido o ensino: o oficial a uma velocidade, o privado a outra e, agora, a velocidade europeia que faz atrasar aquelas duas e que aqui não é mencionada.
Finalmente, para nós, a comemoração do Dia do Estudante tem importância porque radica no passado, mas, sobretudo, tem importância pelo que diz respeito à incerteza do futuro.
Julgo que o voto em discussão deve ser aprovado - e nós aprová-lo-emos -, mas com este sentido: a sociedade com que estes jovens se defrontam está cheia de incertezas e nós ternos de ser mais decididos e mais autênticos no sentido de mobilizar o aparelho do Estado para que a autenticidade tenha um nível suficiente na vida universitária portuguesa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

0 Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também eu, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, me quero associar ao espírito deste voto n.º 100/IV -
De saudação pela passagem do Dia do Estudante.
Sou daquela geração de estudantes e dirigentes do movimento associativo que fez destas comemorações algumas jornadas de luta, que assinalam na memória de todos nós datas importantes no combate por objectivos que hoje ainda continuam por realizar na sociedade portuguesa e que têm a ver com a democratização do ensino, com a autonomização da instituição universitária, com os suportes que acabam de ser recordados, muito adequadamente, pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e que implicam também políticas de Acção Social Escolar, de apoio aos estudantes que não dispõem de condições económicas suficientes, que continuam, ainda hoje, a não ser proporcionadas pela política de ensino que temos.
Portanto,- atrever-me-ia a dizer que, continuando tantas causas a justificar o Dia do Estudante e a sua comemoração na sociedade portuguesa hoje, votar aqui a favor deste voto é votar acompanhando os movimentos de estudantes, os movimentos de opinião e todas as forças que, na sociedade portuguesa, continuam a reclamar uma diferente e melhor política de ensino e uma reformulação dos termos da autonomia universitária e do financiamento das universidades, para que, políticas iníquas neste domínio, não agravem desigualdades na sociedade portuguesa, entre estudantes e frustrações nas novas gerações.

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Porque, em democracia, a esperança fundamental reside no saber *e na democratização do acesso ao saber, votar neste sentido, será, pelo nosso lado, votar por um aprofundamento da democracia no campo onde ela conta nas sociedades complexas que hoje temos.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.

0 Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas, em nome dos Deputados signatários, formular uma pequena rectificação ao desejo enunciado no último parágrafo do voto n.º 100/VI, cujo conteúdo passaria a ser o seguinte: "Desejam os Deputados signatários que, em relação a estas matérias, Governo e Assembleia da República continuem a encontrar soluções por forma a que possamos todos corresponder às legítimas expectativas daqueles que hoje saudamos".
Pretendemos, desta forma, que estas matérias sejam por todos acompanhadas, tanto por esta Assembleia como pelo Governo.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

0 Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta minha intervenção tem a ver com o voto n.º 99NI, que se prende com a forma vil e violenta com que cinco portugueses foram confrontados na Alemanha, ao serem atacados por grupos neonazis.
Trata-se de uma matéria particularmente sensível ao Partido Social Democrata e para mim é uma matéria particularmente cara, porque tive o privilégio de ser um daqueles cidadãos portugueses que já residiram no estrangeiro. Fui emigrante durante 10 anos e reconheço a tragédia que, efectivamente, isto representa para qualquer cidadão da humanidade, que decide, por necessidade ou por livre vontade, abandonar a sua terra-mãe, residir num outro país e ser confrontado com situações desagradáveis, tão arrepiantes como estas que se têm vindo a verificar ultimamente.
0 PSD reclama, de facto, a importância que as comunidades portuguesas têm num contexto nacional e não dizemos isto em vão. Já em relação a outras questões, perfeitamente enquadradas com as comunidades portuguesas, como foi o caso, em 1990, dos cerca de 10 1000 portugueses em situação ilegal no Canadá, o PSD levou essa questão a peito e desencadeou e desenvolveu esforços para que a situação fosse condignamente regularizada; o PSD esteve também na linha da frente aquando do problema ocasionado pela falência da Caixa Económica Faialense, que, obviamente, causou grandes perturbações aos portugueses residentes particularmente em França e no Canadá e esteve, mais uma vez, na Venezuela, quando se verificou o designado "Levantamento dos Ranchitos".
Estamos, neste momento, preocupados com a onda de vandalismo e de xenofobia desencadeada por grupos de malfeitores em certos países da Europa, sobretudo com o que se tem verificado na Alemanha, e compreendemos que atitudes desta natureza não criam uma Europa mais forte, nem mais solidária, nem mais fraterna.

0 Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

0 Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Refiro, naturalmente, que é preciso haver uma compreensão de todos os cidadãos da humanidade, de todos os europeus, a respeitarem todos aqueles que, de uma forma permanente ou transitória, residam no espaço em que, efectivamente, decidam residir.
0 PSD regozija-se, neste momento, que este voto de repúdio tenha sido subscrito por todas as bancadas parlamentares com assento na Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, no tempo de um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sã.

0 Sr. Luís Sã (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da minha bancada, quero associar-me a este voto, mas, entretanto, quero chamar a atenção da Câmara para o facto de, amanhã, por iniciativa do meu grupo parlamentar, o Governo vir responder a uma questão que tem exactamente a ver não apenas com este problema mas com o problema mais geral dos trabalhadores que, na Alemanha, são explorados ilegalmente por empresários sem escrúpulos e igualmente sobre outro importante problema, que é a questão da adopção de medidas restritivas do direito de estadia de trabalhadores portugueses pelo Governo francês.
Creio que não deveríamos considerar esta questão como um facto isolado, pois ele faz parte de uma questão mais vasta, que é a de saber se na Europa, cujas liberdades proclamamos, cujo direito de estadia de todos os cidadãos europeus referimos, este direito tem efectivamente conteúdo ou se, pelo contrário, está sujeito a governos e a empresários sem escrúpulos, perante a passividade dos governos, do Governo português e desta própria Câmara.
É neste sentido que entendemos que este voto é particularmente oportuno e que esta questão deve ser tomada a sério como parte de um problema mais geral com o qual a Europa está confrontada e que tem a ver também com a crise económica e social, com o racismo e a xenofobia que vão sendo fomentados por todo o lado.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, no tempo de um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

0 Sr. António, Braga (PS): - Sr. Presidente, também em nome do meu grupo parlamentar, gostaríamos de nos associar a este voto, lembrando que o PS desde sempre condenou as manifestações de racismo ou xenofobia, quer interna quer externamente, em todos os locais e em todos os fora em que tem assento.
Gostaria ainda que ficasse consagrado neste voto, senão explicitamente pelo menos nas nossas declarações, um apelo claro para que o Governo português actue com todos os mecanismos ao seu dispor junto das autoridades alemãs, que reagiram, mas para que reajam energicamente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, dá-se a coincidência, para mim ainda por cima desagradável, sendo eu português, de se tratarem de portugueses do meu círculo eleitoral de Braga, e por isso, pessoalmente, sinto muito mais esta situação.
Quero, pois, não só em nome do Grupo Parlamentar do PS mas em meu nome pessoal, exprimir esta adesão ao voto que nos é exposto e acentuar a necessidade de, no contexto da construção da uma Europa livre, fraterna e solidária, decorrente inclusivamente dos acordos que temos assinado sobre uma Europa mais social, mais fraterna e mais solidária, o Governo português não ficar indiferente, de forma nenhuma, a esta situação e que, nos meios próprios, com a capacidade própria que caracteriza a Nação portu

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guesa, saibamos reagir e que o Governo saiba ser o intérprete desta reacção legítima a todos os títulos e universalmente considerada mais correcta.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, no tempo de um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, quero também associar-me a este voto sobre a brutalidade e a violência neonazi na Alemanha. No entanto, não quero deixar de sublinhar o facto de o Governo português, o
Governo do P ' SD, aqui no nosso país, não ter as mesmas
preocupações em relação aos imigrantes que aqui se encontram, mantendo um discurso xenófobo que tem fomentado o
racismo e a violência. 15to tem de ficar claro, senão entramos
aqui numa conversa de "chacha" que não serve para nada.
As boas intenções são muito bonitas mas é preciso que o Governo tome posição em relação ao que se passou lá fora e assuma aqui, em Portugal, uma atitude solidária, porém, prefere tomar atitudes semelhantes àquelas que lhe são impostas pelo Acordo de Schengen.
Em relação ao voto do dia do estudante, é evidente que estou totalmente de acordo com a comemoração, mas não vou associar-me ao voto proposto pelo PSD, porque este partido é responsável por uma política que está a dar cabo da vida dos estudantes, cortando-lhe os horizontes em relação ao ensino. É por isso que tem tido o repúdio dos estudantes que hoje estão em greve exactamente porque estão contra essa política.
Não vou solidarizar-me com esse voto, vou votar na abstenção, porque, de facto, estou com os estudantes e com a comemoração do seu dia.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, no tempo de um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, damos todo o apoio a este voto, que consideramos extremamente oportuno, chamando a atenção para a circunstância de que na Europa se estão a desenvolver dois fenómenos que são inteiramente contrários ao direito internacional independentemente do direit6 privativo das Comunidades.
Em primeiro lugar, está a desenvolver-se em toda a Europa um fenómeno que os sociólogos já chamam as "colónias interiores". Os turcos são um exemplo dessas colónias interiores, a relação entre o país de recepção e esses grupos são efectivamente relações do título colonial.
Em segundo lugar, como está a verificar-se com estes
portugueses que servem de documentação trágica desta
evolução, começa a acentuar-se novamente uma espécie
de hierarquia de povos europeus. E se temos constante
mente advertido contra a necessidade de impedir que se
instale uma hierarquia de estados dentro da Europa, naturalmente, contrariamos muito mais vivamente que se ressuscite uma condenável tradição europeia, que é a de
hierarquizar os seus povos.
Foi isto o que aconteceu com estes portugueses. E isto que não podemos tolerar. E não é preciso sequer invocar os tratados da Europa, basta invocar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, os princípios fundamentais do Direito Internacional.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, também no tempo de uni minuto, tem a palavra a Sr a Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar de Os Verdes associou-se ao voto sobre os incidentes ocorridos na Alemanha. Pensamos que é um voto que tem toda a oportunidade. Aliás, as questões do racismo, da xenofobia e da fragilidade dos direitos dos cidadãos, dentro da Europa, é para nós uma questão extremamente preocupante. Preocupante também porque ela ganha raiz e se alimenta da crise, da exclusão social que obriga, cada vez mais, a que os ciclos migratórios tenham nova expressão.
Achamos que este voto tem toda a oportunidade e exige, com grande clareza, uma atitude do Governo português e um posicionamento. Aliás, na semana passada, esteve entre nós uma delegação do Bundestag e o Grupo Parlamentar de Os Verdes teve oportunidade de colocar o problema, que pensamos ser preocupante até porque verificamos, com estranheza, que a delegação alemã não parece ter atribuído grande importância à questão que, na altura, se colocava em relação a trabalhadores clandestinos portugueses.
Esta é uma questão preocupante, é um fenómeno que tem uma dimensão em que se exige uma estratégia bem definida.
0 presente voto tem, pois, toda a oportunidade e, nesse sentido, o subscrevemos.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação dos dois votos que acabaram de ser apresentados e discutidos. Foram expressas as ideias de cada grupo parlamentar a esse respeito e julgo ter pressentido unanimidade de pontos de vista.
Vamos votar, em primeiro lugar, o voto n.º 99/VI - De repúdio pelo ataque de jovens neonazis a trabalhadores portugueses em Leipzig, apresentado por todos os grupos parlamentares.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN.

É o seguinte:

Voto n., 99/VI
De repúdio pelo ataque de jovens neonazis a
trabalhadores portugueses em Leipzig

Através da comunicação social, o País tomou conhecimento de que um grupo de trabalhadores portugueses foi alvo de um ataque perpetrado por um grupo de jovens neonazis na noite de segunda para terça-feira passada, nos arredores da cidade alemã de Leipzig.
A comunidade portuguesa, residente na República Federal da Alemanha, é constituída por cidadãos comunitários de pleno direito e sempre desempenhou um papel de grande relevo no desenvolvimento daquele país, tendo em várias circunstâncias sido alvo de manifestações elogiosas por parte das autoridades alemãs.
Actos de racismo e xenofobia, levados a efeito por grupos de vândalos, em nada contribuem para uma Europa
mais tolerante, mais fraterna e mais forte.
A Assembleia da República está solidária e manifesta a sua preocupação não só para com os portugueses alvo deste ataque, mas para com todos os portugueses residentes na Alemanha e que poderão eventualmente ser vítimas de novas agressões.
A Assembleia da República, ao repudiar veementemente esta agressão, faz votos para que as autoridades competentes consigam apurar toda a verdade dos factos, a fim de

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lhes permitir julgar os criminosos deste ataque, para que sejam evitadas situações semelhantes no futuro.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 100/VI - De saudação pela passagem do Dia do Estudante -, subscrito por Deputados do PSD.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do Deputado independente Mário Tomé.

É o seguinte:

Voto n.º 100/VI
De saudação pela passagem do Dia do Estudante

Hoje, dia 24 de Março, assinala-se o Dia do Estudante.
Importa, pois, assinalar esta efeméride, saudando a Assembleia da República todos os estudantes portugueses.
Não podemos, no entanto, deixar de assinalar que ainda muito se encontra por realizar no âmbito da Reforma Educativa, para que esta se adeque aos desejos, ambições e expectativas dos estudantes, sendo de importância fundamental as seguintes questões: revisão da Lei da Autonomia Universitária, revisão do financiamento às universidades, adequação da Acção Social Escolar e uma profunda reforma curricular.
Desejam os Deputados signatários que, em relação a estas matérias, o Governo e a Assembleia da República continuem a encontrar soluções por forma a que possamos todos corresponder às legítimas expectativas daqueles que hoje saudamos.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 5 minutos.

ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão do projecto de lei n.º 309/VI - Fixa um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos portugueses residentes em Portugal tem direito, apresentado pelo PCP.
Há um relator que vai, nos termos em que a Mesa tem interpretado o Regimento, apresentar a síntese do relatório por um período de cinco minutos. Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro.

0 Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Competiu-me a mim, em sede de Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Família, ser o relator do projecto de lei n.º 309/VI, que cria o rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos portugueses residentes em Portugal têm direito, da iniciativa do PCP.
Como o presente relatório foi aprovado por unanimidade na reunião da comissão parlamentar de 23 de Abril, vou cingir-me apenas a ler aquilo que foi o parecer, da Comissão, na sequência da introdução e dos princípios do relatório que foi distribuído.
A Comissão considerou que, tratando-se de um projecto de lei da exclusiva responsabilidade de um partido político na assumpção dos seus inalienáveis direitos regimentais e institucionais, julgou que os seus considerandos e procedimentos não permitem uma discussão em Comissão que vincule ao mesmo tempo os demais agrupamentos
parlamentares, no pressuposto da existência de opções, metodologias e análises diferenciadas.
Já que nos princípios dos pressupostos do projecto de lei em questão, do PCP apresentava, nos considerandos que antecediam o clausulado do referido diploma, os seus promotores, após fazerem uma análise do "último, retrato social da Europa" apontavam para o nosso país razões estatísticas da exclusão social, e por essa razão apresentavam o rendimento mínimo garantido, a Comissão Parlamentar, em sua conclusão final, deliberou que: "por todo o exposto considerando que estão preenchidos os requisitos legais e regimentais para que o projecto de lei em questão possa vir a ser discutido e votado em Plenário, de uma forma mais participada e global, permitindo-se que os diferentes grupos parlamentares reservem as suas posições políticas para o debate, propondo-se a sua remessa à Câmara", facto que agora aconteceu.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, resta-me concluir como comecei: este relatório foi aprovado por unanimidade em sede de Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Família.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, como autor do projecto, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
15to significa que os primeiro cinco minutos são atribuídos pela Mesa e só depois é que será descontado no tempo atribuído ao PCP.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constitui um dado inquestionável que a pobreza, e com ela a exclusão social, tem vindo claramente a alastrar no nosso país, cobrindo todo o espaço nacional.
Se é mais visível nos grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto, onde os sem abrigo constituem o exemplo mais extremo dessa pobreza, não é menor em
Trás-os-Montes ou no Alentejo, com a maior taxa de desemprego do País e onde existem zonas como Sobral d'Adiça, em que 40 % da população está desempregada, no Vale do Ave, no Algarve ou na Região Autónoma da Madeira.
São os velhos mas também os novos pobres, são os jovens e a população em idade activa mas também os idosos e os reformados, são os homens como as mulheres.
A democracia de sucesso ou o Portugal do oásis traduzem-se, na outra face da moeda, em centenas de milhar de portugueses que têm vindo a ser progressivamente atirados para as margens da sociedade.
Se definirmos como pobreza "uma, situação ou estado em que se encontram os indivíduos, cujas necessidades essenciais não são satisfeitas, de acordo com os padrões vigentes numa dada sociedade", pobreza material como lhe chama Manuela Silva - e é dessa que nos ocupamos -, e que se tem traduzido, para efeitos estatísticos, nas pessoas cujos agregados familiares possuem um rendimento disponível por adulto inferior a metade do rendimento médio por adulto do respectivo país, então, calcula-se que, em Portugal, para onde tem sido utilizado um valor de 75 % do rendimento médio, esse número atinja 32,7 % da população (cerca de 3,3 milhões de pessoas), a maior percentagem da Comunidade.
Mas se limitarmos a definição ao conceito de pobreza absoluta, ligada à ausência de condições mínimas de subsistência - e é nesse âmbito que se situa o nosso projecto de lei, embora com a consciência de que o fenómeno da pobreza assume outras expressões e outros critérios para

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além do rendimento (e estamos a lembrar-nos das condições de educação, de saúde, de habitação, de emprego) seguramente que encontraremos muitos milhares de portugueses, estimando-se, segundo alguns especialistas, em cerca de 20 % a população nessas condições.
Mas façamos uma aproximação ao problema por diversos ângulos, sabendo que a pobreza assume diversas formas e vários rostos e é de difícil medição directa.
Sabe-se que certos grupos sociais são particularmente vulneráveis ao processo de empobrecimento. Um desses grupos e uma das principais fontes da situação de pobreza são os desempregados, em particular os de longa duração e os jovens à procura do primeiro emprego.
Ora, dos cerca de 400 000 desempregados, segundo os últimos dados, existentes no nosso país, cerca de 42 % estão nessa situação há mais de um ano; cerca de metade dos desempregados não recebem qualquer tipo de subsídio de desemprego e mais de 50 000 são jovens à procura do primeiro emprego. Regiões existem, como o Alentejo, onde cerca de 60 % dos desempregados não recebe qualquer prestação social.
Se sublinharmos que 1/3 dos desempregados têm menos de 25 anos e se a este universo juntarmos cerca de 40 000 trabalhadores com salários em atraso, podemos, com facilidade, começar a construir a amplitude do fenómeno da pobreza no nosso país, atingindo, aliás, com grande magnitude populações jovens, em idade activa e não somente os estratos idosos como por vezes se pensa.
Mas é evidente também que uma das outras expressões da pobreza se encontra entre as pessoas idosas, cuja situação financeira é, em Portugal, a mais baixa de toda a Comunidade Europeia.
Sabendo-se que a pensão de reforma é a única fonte de rendimento da maioria das famílias pobres, lembramos aqui que dos 2 300 000 pensionistas e reformados, 1 600 000 têm pensões inferiores a 25 000$00 mensais.
A expressão mais visível e, porventura, mais extrema de pobreza encontra-se nos sem abrigo, que têm vindo a aumentar e que numa estimativa por defeito (muito por defeito), de alguns especialistas, se calcula atingir os 3 500, dos quais 86 % só em Lisboa e no Porto, para além das cerca de 110 000 pessoas que vivem em barracas. É nos sem abrigo que encontramos, entretanto, alguns dos casos mais dramáticos de população jovem.
Não havendo dados seguros, uma vez que tarda a publicação de um inquérito, realizado em 1991 pelo INE, calcula-se que 40 % dos cidadãos sem abrigo se situe entre os 25 e os 44 anos.
Por outro lado, calcula-se que só em Lisboa existam 150 000 pessoas com carências alimentares e mais de 250 000 sem alojamento condigno.
Mas nem só de pobreza urbana são preenchidas as estatísticas. A pobreza rural, englobando assalariados e campesinato, constitui outro grupo tradicional da pobreza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se as estatísticas, embora parcelares e insuficientes, são já reveladoras da amplitude e da gravidade que constitui a pobreza em Portugal, a vida e a realidade que enfrentamos todos os dias confirmam plenamente a dimensão do processo de exclusão social gerado pelo modelo de sociedade dual que está a ser imposto.
São os milhares de crianças que, na rua, tentam obter o mínimo que não têm para se alimentarem ou então que, mais brutalmente, são atiradas para a homossexualidade, ou para a cola e para a toxicodependência, ou simplesmente para o crime e para a violência gratuita.

São os milhares de novos desempregados, trabalhadores menos qualificados ou não, vítimas do trabalho precário, que as políticas neo-liberais, dominadas exclusivamente pela visão dá taxa de lucro e da competitividade a todo o preço têm vindo a gerar, criando em muitos casos um novo grupo, o dos novos pobres, que tiveram e deixaram de ter, que comiam e deixaram de comer.
A pobreza gera a marginalização e a exclusão social, criando um círculo vicioso em que aqueles que são atirados para as margens da sociedade deixam, inclusivamente, de ter meios e forças para procurarem, por eles próprios,
cantinhos para a sua reinserção na sociedade.
A pobreza e a exclusão social geram a marginalidade, o crime e a insegurança para as populações.
Ora, à segurança social não são atribuídas condições para resolver este problema e, pelo contrário, o que hoje deparamos é com um ataque em força aos regimes de segurança social e ao impropriamente chamado Estado-providência, é com o desmantelamento dos sistemas de protecção social, procurando fazer-se regredir em muitos decénios o que eram aquisições da civilização contemporânea e com isto gerando novos factores de pobreza e de exclusão social.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa reflectir sobre as razoes por que uma sociedade dita da abundância e do sucesso é ela própria marcada pela pobreza e pela exclusão social.
Importa reflectir porque é que foi nos períodos de maior aceleração do crescimento económico e do desenvolvimento tecnológico que as situações de pobreza mais cresceram.
Devemos questionar-nos porque é que a pobreza e a exclusão social têm vindo a adquirir entre nós um carácter estrutural, excluindo uma parte importante da população da vida económica e social, do acesso aos bens materiais e culturais mínimos, da participação nos resultados do progresso e do desenvolvimento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Urge interrogarmo-nos sobre as razões que levam a que o tempo dos maiores progressos tecnológicos seja também o tempo das maiores exclusões, seja o tempo de milhões que vivem do outro lado da vida, seja o tempo dos que não têm voz.
A resposta encontra-se, seguramente, no modelo de civilização que está a ser construído com uma sociedade a duas velocidades, geradora de pobreza, de exclusões, de frustrações.
. A resposta encontra-se num modelo económico em que a apropriação e a afectação dos recursos é feita não em função dos homens e das mulheres e com o objectivo de melhorar as suas condições e a qualidade de vida mas em nome de um falso sucesso, da rentabilização imediata do capital, de um capital sem alma nem cor, à custa e em prejuízo dos direitos sociais, do emprego, de uma remuneração digna.

Aplausos do PCP.

Em nome dos princípios do neo-liberalismo e do mercado desregulamentam-se as relações de trabalho, abre-se fogo sobre o "Estado-providência" e as funções sociais do Estado, assistindo-se à sua progressiva demissão de sectores vitais como a educação, a saúde ou a habitação.

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0 slogan publicitário de uma companhia de seguros "reformas: cada um trata da sua", ou a afirmação do Secretário de Estado para os Assuntos Sociais do Governo de Major "substituir o Estado-providência por uma sociedade de bem-estar onde as pessoas compram a sua protecção social", ou a afirmação de um ministro do emprego do PSD, hoje Deputado, de que o desemprego é um estado psicológico, são várias expressões de uma mesma gritante insensibilidade social que está por detrás de princípios de onde a solidariedade e a justiça social estão completamente arredadas.
0 Livro Branco sobre o Emprego de uma Comunidade Europeia com cerca de 55 milhões de pobres é o novo paradigma desta contradição e de uma ofensiva que, em toda a Europa, se desenvolve contra o modelo social em vigor há meio século e resultado de prolongadas lutas e árduas conquistas sociais dos trabalhadores.
Em Portugal, o Governo PSD segue-lhe - e em muitos casos antecipa - os seus ensinamentos. Toda a orientação de Cavaco Silva e do seu Governo tem sido a de tomar as relações de trabalho cada vez mais precárias e instáveis, a de descaracterizar e pôr em causa o sistema de segurança social, a de reduzir e tomar mais difícil o acesso ao subsídio de desemprego, a de tomar mais caro, e, portanto, selectivo, o acesso aos cuidados públicos de saúde ou à educação.
É hoje claro que, em Portugal, o cavaquismo criou, num extremo, um pólo de grupos sociais ricos ou muito ricos, por vezes ostentando o seu luxo de forma provocatória e, no outro extremo, uma massa de deserdados do progresso, de excluídos da sociedade, vivendo na pobreza ou no limiar da pobreza.
E por isso que se toma ainda mais hipócrita o recente retomo de Cavaco Silva à tríade "Deus, Pátria e Família", quando a sua política é a primeira responsável por quadros de desemprego e pobreza que geram a ruptura das relações familiares, que empurram os portugueses para a emigração em condições intoleráveis - aí estão os exemplos recentes vindos da Alemanha, que promovem atitudes xenófobas, abrindo o tecido social à permeabilidade de ideologias racistas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o objectivo de atenuar, o alastramento da pobreza e da exclusão social a Comunidade Europeia criou três programas de luta contra a pobreza, tendo agora em discussão um quarto programa para o período de 1994-1999. Não parece que estes programas tenham produzido resultados significativos se atentarmos a que, no início do primeiro Programa, em 1975, o número de pobres era de 38 milhões e que, hoje, se situa em cerca dê 55 milhões.
Entretanto, vários países criaram aquilo a que foi chamado um rendimento mínimo de inserção ou rendimento mínimo garantido. Holanda, Alemanha, Dinamarca, Luxemburgo, Bélgica, França, criaram, em diferentes épocas, diversas modalidades de rendimento mínimo garantido.
Portugal é dos poucos países onde não existe nenhuma modalidade de apoio pecuniário que permita, mesmo que minimamente, atender ao estado de necessidade de milhares de portugueses e dos respectivos agregados familiares. Os projectos de combate à pobreza existentes pouco têm passado de actos de caridade.
0 projecto de lei do PCP, que, hoje, aqui discutimos, inspira-se nas experiências já conhecidas de outros países e pretende ser um contributo para responder e atenuar as situações de pobreza absoluta.
0 nosso projecto de lei fixa um rendimento mínimo de sobrevivência a que todos os cidadãos, com idade igual ou superior a 18 anos, e as suas famílias têm direito.

0 nosso elemento de referência é o salário mínimo nacional e o rendimento garantido proposto é de 50 % desse mesmo salário mínimo para um agregado de uma pessoa, de 75 % do salário mínimo para duas pessoas, de 87,5 % para três e, para um agregado superior a três pessoas, o rendimento mínimo assegurado será igual ao salário mínimo nacional.
Importa sublinhar que o beneficiário do sistema que aufira pensões ou outras prestações ou rendimentos de montante inferior ao rendimento mínimo de subsistência terá garantida uma prestação pecuniária no valor da diferença entre o rendimento individual ou familiar e o rendimento mínimo de subsistência aplicável.
0 regime é completado com um conjunto lógico de isenções no pagamento das taxas moderadoras da saúde, de comparticipação total do Estado no custo dos medicamentos, de um subsídio especial de renda e de isenção de pagamento de quaisquer taxas cobradas pela prestação de serviços públicos.
Os encargos decorrentes da lei serão suportados pelo Orçamento do Estado e não pelo orçamento da segurança social, uma vez que ele é configurado como um sistema exterior ao sistema de segurança social. Por outro lado, é condição de atribuição da prestação, quando o cidadão em causa se encontra na situação de desemprego, a sua disponibilidade para o trabalho e a sua obrigação de aceitar emprego, trabalho conveniente ou acções de formação ou de reconversão profissional e de reinserção social.
É nosso entendimento ainda que, paralelamente, o Governo, em articulação com as comunidades locais, deverá, de forma activa, criar programas de emprego e mecanismos de reinserção social para todos quantos tenham acesso ao sistema que agora propomos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antecipando o debate, queremos desde já fazer duas prevenções.
A primeira é a de que o nosso projecto não se propõe resolver o problema da pobreza que só é possível erradicar no quadro de outro modelo de crescimento estruturalmente diferente no plano económico e social, onde o processo de acumulação e redistribuição da riqueza seja profundamente questionado, onde o desemprego esteja banido, onde a pobreza e a exclusão social não sejam vistas como um problema dos indivíduos nessas condições mas como um problema de sociedade, um problema económico, social e ético que a comunidade tem o dever de não permitir que tenha lugar nas estatísticas e na vida.
A segunda prevenção é a de que desde já reconhecemos que as verbas que propomos como base de partida - metade do salário mínimo nacional - são claramente insuficientes, estando condicionadas pelo espartilho orçamental.
Mas sendo seguramente insuficientes para garantir níveis de subsistência adequados, a verdade é que, mesmo assim, são superiores a muitas das prestações sociais que, actualmente, estão em vigor no nosso sistema de segurança social.
Só por si esta comparação questiona os níveis de miséria em que se situam as prestações sociais e o próprio salário mínimo nacional pagos a milhares de portugueses e convoca-nos a fazer uma reflexão sobre o nosso sistema de segurança social, não no sentido, de o desmantelar, de privatizar e de reduzir ainda mais os direitos e benefícios dos cidadãos mas no sentido de o Estado assumir as suas responsabilidades no quadro de outro sistema de financiamento.
Não nos propomos resolver o problema da pobreza com este projecto de lei e os montantes propostos são insuficientes mas, a ser aprovado, seria, seguramente, um

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sinal e um contributo válido para atenuar situações de pobreza absoluta em que vivem milhares de portugueses, na linha e no espírito da Recomendação adoptada pela Comunidade Europeia, em 24 de Junho de 1992, e que constitui um compromisso do Estado português.
Finalmente, é seguro que irão questionar-nos sobre quanto custa o nosso projecto de lei.
Menos do que imaginam, Srs. Deputados do PSD, tanto mais que aos dados estatísticos avançados nesta intervenção corresponde um universo inferior de beneficiários. Mas antecipo a questão, respondendo com uma pergunta, Quanto custa a pobreza em Portugal, Sr. Presidente e Srs. Deputados?
Quanto "custam" os milhares de crianças de rua que são excluídos do sistema educativo e lançados nas margens da sociedade? Quanto custa ao País deixar de contar com esses milhares de futuros cidadãos? Quanto custam a criminalidade, a prostituição ou a toxicodependência, geradas pela exclusão social? Quanto custa, por isso, o reforço da segurança pública e a sobrelotação das cadeias? E quanto custa, em termos éticos e morais, vermos milhares de concidadãos, crianças e adultos, homens e mulheres, arrastarem-se nos caminhos da pobreza e da exclusão social?

Aplausos do PCP.

Estas, Srs. Deputados, são as verdadeiras questões a que não devemos fugir de responder.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está a fazer um ano que entregámos na Mesa desta Assembleia o projecto de lei que hoje debatemos. Fomos, com muitos meses de antecedência - embora sem o coro amplificado dos meios de propaganda:- , o primeiro partido a introduzir no debate político e na iniciativa legislativa a figura do rendimento mínimo de garantia.
A jornada de protesto que, hoje mesmo, trouxe à rua milhares de trabalhadores em luta por melhores condições de vida e pela defesa dos seus direitos individuais e colectivos também tem a ver com os milhares de excluídos da nossa sociedade.

Aplausos do PCP.

0 Estado deve solidariedade a este "terceiro mundo interior", constituído pelos milhares de pobres e excluídos da sociedade, que não beneficiam nem dos milhões da Europa, nem dos resultados dos progressos tecnológicos, nem dos aumentos de produtividade, nem do crescimento do produto, que estão excluídos dos seus direitos mínimos como cidadãos. E este dever de solidariedade é tanto maior quanto o Estado português é aquele que menos gasta com a protecção social dos seus cidadãos, apesar de Portugal ser o país em que os trabalhadores mais descontam para essa mesma segurança social.
Mas importa ir mais além, inclusivamente, no conhecimento e identificação rigorosos da pobreza em Portugal. A criação daquilo a que alguns especialistas chamam "Painéis de Observação" para avaliar o estado da pobreza e da exclusão social e a criação de uma comissão que estudasse e definisse aquilo que deve ser considerado um rendimento de subsistência seriam também, seguramente, passos importantes para o início de um combate global a este problema.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República não pode ignorar nem pôr-se à margem dos fenómenos crescentes de pobreza e de exclusão social nem o Estado pode limitar-se a votos pios ou a actos de mera caridade.

Não podemos conviver com a miséria como algo de normal que nos torna rotineiros e insensíveis. Estamos perante um problema de direitos humanos e de defesa da dignidade da pessoa humana.
;Temos a obrigação de inserir no debate político e de traduzir na nossa acção legislativa respostas ao apelo e ao trabalho de tantas e tantas organizações de solidariedade e de investigadores, alguns dos quais estiveram na audição pública que realizámos esta semana.
0 nosso projecto de lei é um contributo para este debate necessário, é um contributo para atenuar o dramático problema da pobreza e é, também, uma oportunidade para o arranque de uma reflexão colectiva ao nível dos órgãos de soberania.
Assim seja assumido por esta Assembleia.

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Vieira de Castro, José Puig e Manuel Ferreira Ramos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, sempre que entro nesta Sala anima-me o espírito a ideia de que, acerca de assuntos sérios, possamos fazer um debate sério, ainda que, porventura, as nossas posições e as vossas sejam divergentes.
Durante os primeiros períodos da sua intervenção, mantive a esperança de que, efectivamente, poderíamos aproveitar este momento para debater com honestidade o projecto de lei do Partido Comunista e até para irmos mais longe, entrando no sistema de segurança social. Mas, passados poucos parágrafos, o Sr. Deputado matou a minha esperança porque resolveu tomar um caminho que - e vai permitir-me que lho diga - não é certo.
Perto do fim da sua intervenção o Sr. Deputado Lino de Carvalho afirmou e teve a coragem de levantar o tom de voz para dizê-lo! que os trabalhadores portugueses são os que mais descontam para a segurança social. É mentira, Sr. Deputado Lino de Carvalho!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É verdade!

0 Orador: - Consulte os quadros comparativos da União Europeia!
0 Partido Comunista Português apresenta um projecto de lei que tem, seguramente, impacto financeiro. Porém, o Partido Comunista nada nos diz acerca disso. Em todo o caso, o Sr. Deputado Lino de Carvalho referiu que, mais tarde, responderia a essa questão. Assim, estou numa grande expectativa quanto a esse aspecto porque quero confrontar a estimativa feita pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português com aquela que consta da exposição de motivos de um projecto de lei idêntico apresentado pelo Partido Socialista. E que, dessa confrontação, vou extrair uma conclusão: a de que, porventura, o Partido Socialista e o Partido Comunista têm de juntar-se para refazerem as contas.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, permita-me que lhe deixe uma prevenção: não se esqueça de que o rendimento mínimo que, no vosso projecto de lei, se preconiza que seja garantido é superior àquele que é proposto pelo Partido Socialista. Ou seja, se o Partido Socialista diz que esta medida custa 40 milhões, o Sr. Deputado Lino de Carvalho não pode dizer-me que custa 39,9. E, Sr. Deputado Lino de Carvalho, a questão do impacto financeiro da medida

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preconizada é relevante porque se não responder com clareza e rigor terei de pensar que, afinal, o projecto de lei do Partido Comunista é um acto de demagogia e de irresponsabilidade.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

A Sr a Odete Santos (PCP):- Irresponsabilidade é a da vossa política em relação à segurança social e ao emprego!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

0 Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, a nossa posição política de fundo sobre a proposta constante deste projecto de lei será explicitada - e bem - numa intervenção que o meu colega, Deputado Vieira de Castro, fará de seguida. No entanto, penso que alguns pontos da sua intervenção me merecem alguns comentários e uma certa explicitação da sua parte.
Em primeiro lugar, por não serem verdadeiros, quero corrigir alguns pontos, que não são muito relevantes mas de que o Sr. Deputado se vangloriou, nomeadamente a sua afirmação de que o vosso foi o primeiro partido a apresentar nesta Casa um projecto de lei desta natureza. Ora, tenho comigo o projecto de lei n." 237/VI, do PSN, que cria o fundo de apoio e solidariedade para com as vítimas do progresso, o qual, no seu artigo 7.º, define perfeitamente as condições de titularidade de determinado subsídio que é exactamente igual ao vosso, apenas diferindo no que toca ao financiamento. Portanto, o vosso projecto de lei não é o primeiro, sendo apenas anterior ao do Partido Socialista.
Aliás, nestas matérias, o Partido Socialista vai normalmente a reboque do PCP, eu não sabia era que, agora, o PCP também vai a reboque do PSN.
Passando a outras matérias, o Sr. Deputado começa por dizer que o desemprego é a maior causa da pobreza e da exclusão social. Assim é, de facto, e é reconhecido internacionalmente. Mas eu gostaria era que, já agora, o Sr. Deputado reconhecesse - isto é óbvio e é reconhecido em todo o lado - que, sendo o desemprego a causa mais importante daquela realidade, os países com mais altas taxas neste domínio são, naturalmente, os mais afectados. Aliás, esta ideia consta de um relatório, elaborado a propósito do projecto de lei do Partido Socialista, que foi aprovado por unanimidade em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Por exemplo, gostaria que o Sr. Deputado reconhecesse que, em termos dos valores comparativos que encontramos na Europa comunitária, Portugal tem condições para não ser dos países mais afectados por esta realidade, porque, como é óbvio, um pressuposto neste raciocínio implica outro. Se há países com taxas de desemprego que são quase o triplo e alguns até passam do triplo, como o caso da vizinha Espanha, gostava que o Sr. Deputado fizesse alguma comparação.
Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa muito simples, sobre a qual gostaria que suscitasse um comentário. 0 Sr. Deputado diz que há mais de 50 milhões de pobres na Comunidade e põe em causa todas as posturas da Comunidade Europeia, todas as opções em termos de política económica. Nesses "mais de 50 milhões de pobres da União Europeia", na sua boca, não estarão incluídos os muitos que vieram de Leste após a queda do Muro de Berlim? Se calhar, estão! Tem alguma ideia de quantos estarão?
Sr. Deputado, penso que neste tipo de matérias temos de fazer um debate sério. Assim, cada partido, cada força

política devia apresentar as suas opções, porque há determinadas realidades que são indesmentíveis, devo dizer desde já. Por outras palavras, cada força política tem de assumir as suas opções, as suas prioridades e a forma como o faz no combate a estas realidades.
Nesta matéria da pobreza, da exclusão social, independentemente dos números, os partidos deviam, em cada intervenção, expor claramente a sua postura, pois há duas posturas mais ou menos tradicionais. Mas há duas e só duas posturas, que são, enfim, mais ou menos intermédias: uma é a dos subsídios, do assistencialismo, que é a sua, Sr. Deputado, pois é a que está subjacente à proposta, e a outra é a da criação de condições, de infra-estruturas, de acesso ao emprego, de igualdade de oportunidades, para incentivar e estimular cada cidadão. Esta última é uma perspectiva, digamos, menos estatizante e assistencialista.
No entanto, o problema coloca-se quando falamos aqui, por exemplo, em formação profissional, já que o Grupo Parlamentar do PCP diz: "As verbas são poucas. Fazíamos mais". Quando falamos de criação de infra-estruturas industriais, por exemplo, para facilitar a criação de emprego, o PCP diz: "É muito pouco esse investimento. Fazíamos mais". Quer abordemos este ou aquele aspecto, o PCP diz sempre que fazia mais.
Ora, o que queria era que definisse claramente a sua opção. Digo-lhe já, ponho-o à vontade, qual é a minha postura: eu tendo para a segunda, para a menos estatizante, a menos assistencialista. Qual é a sua, Sr. Deputado? 15to é', se um dia o PCP tivesse a ambição de governar este país, o que é que propunha aos portugueses? Propunha investir mais no assistencialismo ou mais na criação de infra-estruturas para o acesso ao emprego?

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

0 Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, as perguntas que quero colocar-lhe, nesta fase do debate, prendem-se basicamente com uma parte de cidadãos a quem se destina este projecto de lei e que são as vulgarmente designadas por "sem abrigo".
Pergunto: acha ou não que a resolução desta questão deve ser feita através de mecanismos de solidariedade, exactamente como referiu, mas criados pela própria sociedade civil, nomeadamente com o importante e relevante papel que as IPSS (Instituições Privadas de Solidariedade Social), têm vindo, embora com alguma dificuldade, a desenvolver? Não seria, eventualmente, através do reforço do apoio a estas instituições que se poderia, neste caso concreto dos "sem abrigo", tentar resolver esta questão, ou seja minorar, ao fim e ao cabo, a exclusão social destes cidadãos?
Por outro lado, e mais uma vez quanto ao financiamento - V. Ex.ª já estava prevenido para estas perguntas -, visto que no preâmbulo do vosso projecto de lei vem, exactamente, descrito que estes encargos serão suportados pelo Orçamento do Estado, pergunto se, de alguma forma, estas medidas são ou não medidas de segurança social. E sendo medidas de segurança social, tendo VV. Ex.ª o cuidado de fazer com que os encargos decorrentes não sejam suportados pelo orçamento da segurança social mas, sim, pelo Orçamento do Estado, não será esta, em sua opinião, a melhor prova de que o actual sistema de segurança social atravessa, na verdade, uma fase de pré-ruptura.

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Em relação a este aspecto, e peço-lhe que se recorde da posição que os partidos da oposição tiveram aqui aquando do célebre empréstimo à segurança social, o suporte destes encargos decorrentes da aplicação destas medidas pelo Orçamento do Estado não será, ao fim e ao cabo, um empréstimo camuflado?

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fala-se - e falaram os Srs. Deputados do PSD, em particular - num debate sério, mas a verdade é que fugiram ao núcleo do debate e a única coisa a que se permitiram foi, no fundamental, questionar-nos sobre os custos do projecto que apresentámos.
Quero, contudo, sublinhar que nenhum Sr. Deputado, em particular do PSD, questionou os pontos fundamentais que, tanto eu como o Grupo Parlamentar do PCP, levantámos e que, no fundo, se radicam na existência crescente de pobreza e de exclusão social em Portugal.
Em minha opinião, esta é a questão central do debate que urge fazer ao nível deste órgão de soberania.
A primeira medida é reconhecer que existe pobreza. É reconhecer que o modelo de crescimento económico em vigor tem vindo a gerar cada vez mais os excluídos do progresso, os excluídos do acesso a bens mínimos de subsistência, porque, enquanto não reconhecermos isto, não assumimos, como é evidente, a necessidade de criar as medidas para a combater.
Quero crer que os Srs. Deputados, ao não referirem esse aspecto, estão de acordo com a caracterização que fizemos da situação. Penso ao contrário do Sr. Deputado José Puig, que diz que Portugal não é o país mais afectado por este problema. E evidente que o Sr. Deputado não deve ter lido...

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ele não lê!

0 Orador: - ... não digo os documentos e as informações das várias organizações, sobretudo da área católica e cristã, que intervêm neste processo, mas bastava o Sr. Deputado ler...
Protestos do Deputado do PSD José Puig.

Ouça, Sr. Deputado, que lhe faz bem!
Como dizia, bastava o Sr. Deputado ter lido o Retrato social da Europa, publicado pela Comunidade, para, ao ver este quadro, este gráfico de barras, perceber que as correspondentes às de Portugal, em matéria de pobreza, estão muito acima das de todos os outros países da Comunidade Europeia, mesmo daqueles que têm percentagens de desemprego superiores às nossas.
Com efeito, apesar de a nossa taxa de desemprego não ser a maior da Europa, aparentemente - digo aparentemente porque está a crescer e, infelizmente, irá atingir muito rapidamente esses níveis , a verdade é que o modelo neoliberal implantado nos últimos anos em Portugal tem vindo a fazer crescer, em forma geométrica, uma grande camada de novos pobres no nosso país. É uma constatação que fazemos, que trazemos a este debate e que urgia que todos os grupos parlamentares reflectissem maduramente sobre ela, por forma a combatê-la.
Quanto ao problema dos custos, Srs. Deputados Vieira de Castro e Ferreira Ramos, estaria tentado a responder

com as mesmas perguntas que coloquei aquando da minha intervenção feita da tribuna.
No entanto, Sr. Deputado Vieira de Castro, quero dizer-lhe que ao centrar a sua intervenção sobretudo na questão dos custos revela claramente uma profunda insensibilidade social. 0 Sr. Deputado Vieira de Castro faz os cálculos em termos de contabilidade de mercearia, de "Deve" e "Haver",...

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Não. É se há com quê!

0 Orador: - ... quando se trata de investir num processo de retirar milhares de cidadãos, nossos concidadãos, de situações de margens de pobreza que existem na nossa sociedade.
Sr. Deputado, se o Governo do PSD não tivesse aberto o "buraco financeiro e fiscal" que abriu o ano passado, encontraria certamente muitas fontes de financiamento para o projecto de lei que hoje discutimos.
VV. Ex." preferem, por exemplo, em sede de Orçamento do Estado, adoptar medidas no sentido de beneficiar a família Mello com 55 milhões de contos, para desmantelar o seu sector de reparação naval e criar cerca de 4000 novos desempregados, alguns dos quais vão para os núcleos de pobreza, e, se calhar, utilizar parte dessa verba em projectos de especulação imobiliária, quando poderia ser, seguramente, canalizada para projectos de lei desta natureza.
Mas continuo a colocar a questão que coloquei da tribuna, que, a meu ver, é central: mais do que os custos porque, eu disse-o, a sociedade portuguesa está em perfeitas condições para corresponder ao solicitado no nosso projecto lei - é preciso questionar o modelo de crescimento que temos, mesmo em matéria de benefícios, de "Deve" e "Haver".
Nestes termos, responda às perguntas que coloquei da tribuna, Sr. Deputado.
Quanto custa a pobreza em Portugal? Quanto custa a exclusão social? Quanto custa a marginalidade? Quanto custa os milhares de crianças que ficam fora do sistema educativo? Quanto custa a delinquência? Quanto custa o reforço da segurança?
Se queremos falar de custos, temos de contar com estes custos e de pôr tudo no prato da balança para, no final, ver que quem fica beneficiado é, sobretudo, a sociedade portuguesa, os beneficiados com o nosso projecto, com a resolução deste problema, são os milhares de portugueses.
- Não há uma postura assistencial em relação ao nosso projecto, Sr. Deputado José Puig. Mas V. Ex.ª já que, porventura, nenhum outro Sr. Deputado defende' isto, está a pensar que a Recomendação que a Comunidade aprovou, em 1992, também é postura assistencial? Em 1992, esta preocupação levou a Comunidade a aprovar uma recomendação...

0 Sr. José Puig (PSD): - Quais são as vossas medidas?

0 Orador: - ... no sentido de os Estados-membros atribuírem às pessoas, cujos recursos sejam inferiores às necessidades de subsistência, um apoio financeiro mínimo que lhes permita dar resposta aos problemas de subsistência.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - 0 Sr. Deputado José Puig não lê, nada sabe e aldraba tudo!

0 Orador: - É evidente, Sr. Deputado, que - e eu disse-o na minha intervenção - não nos limitamos a esta medi

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da. 0 que dizemos é que esta medida deve ser completada com programas de emprego, de reinserção social e de reconversão profissional. Mas a verdade é que os Srs. Deputados não fazem uma coisa nem outra, porque não criam qualquer sistema de subsídio pecuniário que permita aos marginalizados da nossa sociedade terem instrumentos para, eles próprios, fazerem face à sua subsistência e poderem encetar um caminho de reinserção social.
Pelo contrário, o que os senhores estão a criar é cada vez mais desemprego a uma média de 30 000 desempregados/mês. Por cada 10 desempregados cria-se um único emprego no nosso país. Os senhores nada fazem, não só não adoptam medidas de apoio pecuniário como também não adoptam medidas de política de emprego, de formação profissional e de reinserção social por forma a resolver este problema.
Portanto, os senhores são os últimos a terem qualquer moral para nos questionarem sobre isto ou criticar o nosso projecto de lei.

0 Sr. José Puíg (PSD): - Não percebe nada disto!

0 Orador: - Para terminar, Sr. Deputado Ferreira Ramos, é evidente que sabemos do papel importante que as diversas organizações de solidariedade social têm, aliás, vindo a desempenhar no âmbito desta matéria. E, nesse quadro, entendemos que o Estado deve criar mecanismos de apoio às suas organizações.
Mas, Sr. Deputado, não podemos desresponsabilizar o Estado dos seus deveres, de intervir neste magno problema e de criar ele próprio, directamente, as condições, porque não são as Instituições Particulares de Solidariedade Social que têm os meios, as condições e os mecanismos que permitam resolver este problema. E ao Estado, em primeiro lugar, que compete intervir neste processo, através dos mecanismos que apresentámos e dos programas de emprego e de reinserção social. É o Estado, em primeiro lugar, que tem esse dever para com a sociedade.
Sr. Deputado, todos reconhecemos, até porque é evidente, que o sistema de financiamento da segurança social está em ruptura e que é preciso repensá-lo, embora não nos termos em que o CDS-PP e o PSD defendem.
Pensamos que há, de facto, um problema no sistema de financiamento mas a sua resolução não passa pela desresponsabilização do Estado ou por retirar mais direitos e benefícios aos cidadãos. Pelo contrário, a resolução desse problema passa por criar condições, como disse, para que o sistema de segurança social responda àquilo que é o seu dever e as suas funções. É esse o caminho a seguir e não o que, porventura, está subjacente à sua pergunta e ao seu espírito, que é, aliás, o espírito defendido pelo PSD.
Sr. Deputado Vieira de Castro, vou responder a uma questão que me falhou anteriormente. 0 Sr. Deputado disse ser falso o facto de os trabalhadores serem os que menos recebem e os que mais descontam para a segurança social.

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Exactamente! Somos o 11.º da Comunidade!

0 Orador: - Se o Sr. Deputado quiser, embora tivesse a obrigação de saber isso, porque foi Secretário de Estado da Segurança Social, empresto-lhe a tabela das contribuições para a segurança social. Mas devo dizer-lhe que, exceptuando a Holanda, somos o país onde os trabalhadores por contra de outrem mais descontam para a segurança social.
0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Então, já não somos os que mais pagamos?! Já é mentira!?

0 Orador: - Só que, ao contrário do que acontece em Portugal, onde nem sequer existem, na Holanda há meios de apoio social.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós, PCP, quisemos trazer a esta Assembleia o debate de um problema importante, independentemente do resultado da votação final deste projecto de lei.
Devo dizer que consideramos como ponto de honra, se assim posso dizer, o facto de trazermos a este Plenário uma reflexão e um debate que urge fazer na sociedade portuguesa: é o debate da resolução dos problemas da pobreza e da exclusão social, o debate do modelo de crescimento económico que se está a criar, em que os milhões que vêm da Europa, os milhões que se anunciam todos os dias, os aumentos da produtividade e do crescimento se traduzem, noutra face da nossa sociedade, num aumento da exclusão social, num aumento dos pobres e num aumento dos marginalizados. É a esses que devemos uma palavra, é a esses que devemos solidariedade, é a esses que se dirige o nosso projecto de lei.

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 projecto de lei n.º 309/VI constitui uma manifesta ultrapassagem à recomendação do Conselho Europeu de 24 de Junho de 1992, relativa a critérios comuns respeitantes a recursos e prestações suficientes nos sistemas de protecção social. Ultrapassagem precipitada, porquanto o texto daquele projecto de lei não integra um único dos princípios repetidas vezes enunciados pela recomendação.
Eis os aludidos princípios a ter em conta na implementação progressiva da recomendação: os recursos financeiros disponíveis; as prioridades nacionais; os equilíbrios no interior dos sistemas nacionais de protecção social; e as disparidades de desenvolvimento nos Estados membros, em matéria de protecção social.
Cumulativamente, os autores do projecto de lei que estamos a debater, consciente ou inconscientemente, esqueceram a quantificação da despesa decorrente da adopção da medida que propõem. Seguiram a mais simplista das vias, que sintetizo assim: pague-se primeiro e pergunte-se o preço depois!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Aos Mello, também foi assim?!

0 Orador: - Ou, dito de outra forma: adopte-se a medida já e, depois, logo se vê quanto custa!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está a falar nos Mello, não está?

0 Orador: - Não se sabe a despesa que a medida acarreta, mas os autores desembaraçaram-se facilmente. Vai daí, diz o artigo 13º: "Os encargos decorrentes da aplicação da presente lei são suportados pelo Orçamento do Estado". 15to é, a execução orçamental não incomoda aqueles que não têm o encargo de gerir eficazmente as finanças públicas. Percebe-se, assim, que prometam, gratuitamente, aquilo que não ficam obrigados a cumprir.
0 modelo de financiamento que vem proposto, tem o sabor de um presente envenenado. Ou seja, significaria

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aumento dos impostos dou aumento do endividamento do Estado. Em qualquer caso, sempre um aumento da carga fiscal. Umas vezes, critica-se o peso da carga fiscal, outras vezes, os mesmos críticos propõem medidas que a sobrecarregam. Pese embora a reiteração de tal atitude não constituir surpresa, ainda assim, apetece perguntar afinal, em que ficamos?
A subsidiação generalizada e de acesso fácil que tem a coloração convenhamos que, hoje, um pouco desbotada da gratuitidade dos cuidados de saúde para todos, da gratuitidade da educação para todos, da gratuitidade da habitação para todos, da gratuitidade dos transportes para todos, etc., anestesiou iniciativas, criou dependências, aniquilou a ambição e desincentivou aquilo que faz as mulheres e os homens: a luta pela vida.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ou seja, a lei da selva!

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - E quem era o Tarzan?

0 Orador: - Numa palavra, criou pobres, muitos milhões de pobres! Ponhamos os nossos olhos no Leste europeu!
A raiz da inserção social é a valorização pessoal, através da educação e da formação profissional. E errado pensar que a atribuição de um subsídio, com carácter regular, óbvia à exclusão social. Muitas vezes - a maior parte das vezes! - pobreza não é sinónimo de insuficiência de recursos materiais.

0 Sr. Rui Rio (PSD): - Muito bem!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Pois não, também há a pobreza de espírito!

0 Orador: - Entre nós, está-se a percorrer o caminho certo apostando na valorização dos recursos humanos - um dos eixos prioritários do Plano de Desenvolvimento Regional - e concretizando acções de luta contra a pobreza, visando a inserção social de grupos de pessoas cuja exclusão social está a ser combatida com tantos meios quantas as causas diversificadas que lhe estão subjacentes. Certo é também o caminho que, desde 1985, vem sendo percorrido quanto à melhoria dos níveis de protecção social. Desde então, em cada ano, as prestações sociais vêm tendo aumentos superiores às taxas de inflação verificadas. Ninguém pode desmenti-lo, porque não é inteligente desmentir o que é evidente.
Nenhum dos sistemas de segurança social dos países da União Europeia registou uma evolução comparável ao que, nos últimos oito anos, ocorreu em Portugal. Entre 1985 e 1993, as despesas com as pensões aumentaram de 192,5 para 787,6 milhões de contos. No mesmo período, as despesas com a acção social passaram de 14,7 para 70,4 milhões de contos. As prestações dos regimes, também no mesmo período, aumentaram de 253,6 para 1006 milhões de contos.
0 enorme esforço financeiro que vem sendo feito tem permitido recuperar atrasos acumulados no passado devidos, uns, à instabilidade governativa que o país conheceu durante dez anos consecutivos e, outros, à quebra de criação de riqueza originada pelo desperdício e pela tentativa consumada de destruição da economia do País. É esta a homenagem que faço ao PCP!

0 Sr. José Pulg (PSD): - Boa homenagem!

0 Orador: - 0 progresso alcançado no domínio da protecção social, inquestionavelmente assinalável, carece de

ser consolidado e prosseguido em nome da justiça social. Todavia, não pode cair-se na fácil e perigosa tentação de ultrapassar o ritmo da criação de riqueza. A consequência directa e grave seria o desequilíbrio financeiro do sistema de segurança social, que o mesmo é dizer o comprometimento do futuro.
0 nosso sistema de segurança social conforma-se, já hoje, com o objectivo da recomendação do Conselho Europeu, porque comporta os chamados valores mínimos categoriais. Assim sucede quanto aos subsídios de doença, de maternidade e de desemprego e também no que concerne à pensão mínima do regime geral, do regime especial de segurança social das actividades agrícolas e do regime não contributivo.
Não desistiremos de assegurar a todos os portugueses uma melhor protecção social consonante com as possibilidades do País, princípio que nos impede de subscrever medidas que, afectando o equilíbrio do sistema, corroam a confiança dos beneficiários e frustrem as legítimas expectativas das gerações futuras.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já estou a ver o Sr. Deputado Vieira de Castro a vender seguros debaixo da ponte!

0 Orador: - Terminarei, dizendo que não nos pode ser pedido que prometamos o que o País ainda não pode dar.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

0 Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

0 Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Deputado Vieira de Castro, depois de V. Ex.ª, na pergunta que fez ao meu camarada Lino de Carvalho, ter apelado para um debate sério, esperaria, da sua parte, um debate sério e uma intervenção séria! Contudo, verifiquei que V. Ex.ª abordou o projecto de lei apresentado pelo PCP mistificando as questões, lateralizando (como uma equipa que não é capaz de jogar e atira as bolas para a linha lateral) e fazendo um discurso surrealista, como se o PSD não tivesse responsabilidades governativas ao longo dos anos neste país!
Por outro lado, V. Ex.ª mais uma vez entrou - no que respeita às prestações da segurança social - pelo lado das percentagens em que se aumentaram tais prestações. Era bom que o Sr. Deputado Vieira de Castro tivesse a coragem de dizer que a pensão mínima, a pensão social, é de 16.600$! E uma das perguntas que lhe faço, é se considera que, de facto, isto chega para um ser humano sobreviver neste país, em Portugal, em 1994? É este valor que importa, não é a taxa de aumento!

0 Sr. José Puig (PSD): - Roma e Pavia não se fizeram num dia!

0 Orador: - Do que estamos a tratar, é da questão da sobrevivência de seres humanos, não é de percentagens estatísticas, Sr. Deputado Vieira de Castro!
Mais uma vez, também como é já habitual por parte do PSD, V. Ex." diz: "Se arranjam novas prestações ou se aumentam prestações, vamos aumentar os impostos aos contribuintes".

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Diga o que fazia para cobrar isso!

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0 Orador: - 15to também é fugir à questão! Por que é que o Sr. Deputado Vieira de Castro não se refere à fuga e evasão fiscal que, escandalosamente, o Governo do PSD, desde 1989, tem permitido que chegue a mais de 800 milhões de contos? 15to em relação ao fisco! Mais 300 milhões de contos de dívidas do patronato à segurança social, sem entrar em linha de conta com os juros?!

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - 15so são números falsos!

0 Orador: - São números falsos? E as facturas falsas e tudo o que enunciei, perante o que os Srs. Deputados do PSD têm estado perfeitamente de braços caídos? Mas, depois, vêm fazer aqui um discurso como se não tivessem responsabilidades governativas neste país! Só faltou o Sr. Deputado Vieira de Castro dizer que teria sido o PCP a falar na democracia de sucesso! Porque quem falou, foi o Prof. Cavaco Silva, foi o Primeiro-Ministro deste país! Então, que democracia de sucesso é esta, em que um português não tem direito a ter um mínimo de subsistência garantido por lei? É isto o que lhe pergunto, Sr. Deputado Vieira de Castro.

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Fiquei a saber que o PCP tem dinheiro para resolver esta questão!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Vieira de Castro, tem mais quatro pedidos de esclarecimento. Deseja responder de imediato ou no final?

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, devo dizer que fico desvanecido com tantos pedidos de esclarecimento. Responderei a todos globalmente.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. José Puig; (PSD): - Diga lá que é uma homenagem!

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - E esta é uma boa homenagem ao Sr. Deputado Vieira de Castro! Não sabemos é se por ter conduzido o regime de segurança social a uma situação pior ou melhor, porque notamos uma certa nuance, uma diferença - o que já se vai tomando hábito no PSD - entre os discursos. 0 discurso do Sr. Secretário de Estado actualmente em funções, há dias perguntado a propósito do pedido de ratificação de dois diplomas, de contenção nítida, dizia que "não há crise nenhuma, que estamos muito bem, temos superavit no regime geral contributivo e, nos outros regimes, o Estado contribui com o que faz falta - está tudo bem." Deve ter sido ele que o melhorou, V. Ex.ª geria mal aquilo... Hoje, o Sr. Deputado Vieira de Castro vem aqui dizer: "Não! Estamos numa situação de alto risco! Cuidado!" Quer isto dizer que nem sequer podemos cumprir a palavra do Sr. Deputado Silva Peneda - que não está aqui hoje -,.que assinou esta recomendação do Conselho Europeu que, agora, não podemos cumprir! Estou convencido de que quem tem razão é o Sr. Deputado Vieira de Castro e, por isso, é que lhe presto a homenagem de fazer esta pergunta.
0 sistema está mesmo mal, Sr. Deputado Vieira de Castro, mas o PSD não admite isso. 0 PSD faz uns afloramentos de confissão, como foi o discurso de V. Ex.ª agora, mas não confessa que o sistema de segurança social está mesmo mal. Nem nos diz quais são as medidas de fundo que tenciona tomar para resolver este problema.

V. Ex.ª , hoje, disse que o nosso sistema de segurança social já está a cumprir a recomendação da União Europeia, na medida em que tem mínimos categoriais. Assim, pergunto-lhe, com toda a sinceridade: essa política de "plafonização" de mínimos nas várias categorias de prestações vai conduzir a que situação o sistema de segurança social? A transformação acelerada das várias prestações em prestações sociais, ou seja, em enclaves não contributivos dentro do regime geral contributivo, a que situação vai conduzir o sistema? Vão prosseguir nessa política, ou não? A "plafónização" e a desagregação das contribuições, que foram há dias discutidas na Assembleia, serão medidas suficientes para combater a crise do sistema? Qual é o esforço que o Orçamento de Estado está disposto a suportar para cumprimento da Lei de Bases da Segurança Social?
Sr. Deputado Vieira de Castro, era com uma discussão séria e sincera em volta de todas estas questões que se poderia dar uma resposta politicamente aceitável ao projecto do PCP. Contudo, se não se assume a verdadeira natureza e dimensão da crise do sistema de segurança social, não se percebe porque é que agora, numa semana ou num mês, se hão-de assinar certas recomendações de bom aluno, de aluno cumpridor, no âmbito da União Europeia, e depois, na semana ou no mês seguinte, recusar o seu cumprimento em nome de um são realismo, aqui, na Assembleia da República. Esse é que é o problema e é esse que gostava que o Sr. Deputado esclarecesse.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

0 Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, esperávamos de V. Ex.ª uma intervenção de fundo sobre a matéria do rendimento mínimo, que abordasse também os problemas financeiros aí envolvidos. No entanto, ouvimos uma intervenção, em que, na prática, V. Ex.ª confessa duas coisas: que o PSD e o Governo não cumprem nem os compromissos assumidos, nem a lei. E o Sr. Deputado começa, logo no início da sua intervenção, a tentar justificar esse incumprimento, citando os compromissos que estão a ser cumpridos, quando isso é claramente falso. A recomendação comunitária, que o então Sr. Ministro Silva Peneda, como Presidente do Conselho de Ministros dos Assuntos Sociais - aliás, no seu último Conselho - assinou, diz claramente que esse rendimento mínimo é um direito de todos os cidadãos, individualmente considerados ou no seio do conjunto onde vivem. E, Sr. Deputado, os mínimos categoriais não respondem sequer a esta questão - V. Ex.ª sabe-o perfeitamente e sabe também perfeitamente que existem imensos cidadãos deste país que não têm acesso a qualquer rendimento.
A recomendação comunitária é clara neste sentido e poderia V. Ex.ª dizer-nos aqui que o Governo está, gradualmente, a tentar implementar essa política, ou tentar dizer-nos em que termos é que o Governo pensa implementá-la. Agora, fugir à questão e, mais do que isso, dizer incorrectamente que um projecto sobre o rendimento mínimo - qualquer que ele seja - é uma ultrapassagem à recomendação comunitária parece-nos extremamente grave.
Referiu também o Sr. Deputado, como sendo um problema para a gestão da segurança social, o grande aumento de pensões havido e o grande aumento de verbas para a acção social, tendo suscitado até a questão de saber quem financia o sistema de rendimento mínimo. Mas aí, Sr. Deputado, a Lei de Bases da Segurança Social é clara: quem financia a acção social feita pela segurança social é o Esta-

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do e quem financia os défices dos regimes não contributivos ou fracamente contributivos é o Orçamento do Estado.
0 Sr. Deputado, que mencionou os valores globais da
segurança social em termos de pensões e de acção social,
talvez nos pudesse dizer quais são as contribuições do
Orçamento do Estado para financiar aquilo a que este está
obrigado por lei aprovada nesta Assembleia da República -
a Lei de Bases da Segurança Social. E depois, então, tal
vez pudéssemos discutir questões como a da situação da
segurança social e a de saber o que é que o Governo fez
com o dinheiro dos descontos dos trabalhadores e dos
empregadores, necessariamente em prejuízo das pensões
daqueles que descontaram.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, a perspectiva de luta pela vida que
o Sr. Deputado aqui expos desmente qualquer preocupação de outra ordem, pelo que será escusado ir por aí.
Sobre a questão do financiamento da segurança social,
com que o Sr. Deputado está tão preocupado, pergunto
lhe se sabe - sabe com certeza! - que, das 1000 maiores
empresas, há algumas que declaram um número ínfimo de trabalhadores: por exemplo, a MOBIL, declara 270 trabalhadores e tem um volume de vendas de 98 972 876 contos! E por
aí adiante! Ou seja, as empresas com maior lucro e maior volume de vendas são aquelas que estão a contribuir menos para
a segurança social, o que é um descalabro na acumulação de
capital, em prejuízo das prestações sociais aos trabalhadores.
0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

0 Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, diz V. EX.ª que o nosso regime de
segurança social se conforma com a recomendação comunitária. No entanto, todas as publicações comunitárias dizem
exactamente o contrário! Daí que me ocorra perguntar-lhe
quem é que fala verdade: é o Sr. Deputado, que diz que

o nosso regime se conforma com essa recomendação, ou
são as publicações da Comunidade, que dizem que, em

Portugal e na Grécia, não existe nenhum regime de protecção aos mais desfavorecidos, designadamente no capítulo do rendimento mínimo?
Dizia o então Sr. Ministro Silva Peneda, em Junho do
ano passado, que há em Portugal situações de pobreza que
nos envergonham. Esta é uma afirmação com a qual certa
mente todos concordamos, embora saibamos, desde já, que
o PSD vai rejeitar este projecto de lei de fixação de um rendimento mínimo, seja ele qual for. Pareceu-me entender isso
da intervenção do Sr. Deputado Vieira de Castro e gostaria

de saber se o PSD vai rejeitar todas as medidas tendentes a
combater a extrema pobreza em que se vive em Portugal e
quais são as medidas objectivas que darão corpo à afirmação

produzida pelo PSD e pelo ex-ministro Silva Peneda.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder,
tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, gosta
ria de sublinhar que, pese embora o progresso alcançado
na protecção social no nosso país, nos últimos anos, entendemos que ainda não fomos capazes de gerar a riqueza suficiente para termos níveis de prestações sociais mais justas. Por palavras simples: fez-se muito, mas ainda não chega.
Agora, quanto à pobreza, Srs. Deputados, também há pobres na República Federal da Alemanha!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E também há pobres na Patagónia!

0 Orador: - Falou-se aqui na questão dos "sem abrigo". Esses são, porventura, os pobres mais pobres. Mas a cidade da Europa que tem mais pessoas sem abrigo, a dormirem nas margens do Séria, é Paris!

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Nas margens do Sena é realmente Paris!

0 Orador: - Srs. Deputados, todos queremos erradicar a pobreza! Só que, para tal, por um lado, são necessários meios financeiros que não estão disponíveis em todos países e, por outro lado, a complexidade do fenómeno da pobreza é tal que nem nos países mais ricos se consegue a sua erradicação!

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Principalmente para os pobres é um problema!

0 Sr. Paulo Trindade (PCP): - Vai daí, não se faz nada!

0 Orador: - É evidente que há pobres na Checoslováquia! Mas há mais pobres na Albânia!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E no Chile e na Patagónia!

0 Orador: - É evidente também que há menos pobres em Portugal do que na Rússia ou nas ex-repúblicas socialistas soviéticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - É evidente que há mais pobres na Bulgária do que em Portugal.

Risos do PS.

0 Orador: - Direi aos Srs. Deputados que o PSD se orgulha dos resultados alcançados pelo Governo no domínio da protecção social.

Sr. Deputado Paulo Trindade, é evidente que 16 600$, por mês, como valor da pensão do regime não contributivo, é pouco. Estamos de acordo. Mas sabe que, em 1985, esse valor era de 5700$?

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E em 1910?!

0 Sr. Paulo Trindade (PCP): - E no tempo do D. Afonso Henriques?!

0 Orador: - Sr. Deputado Paulo Trindade, não queria ir por este caminho, mas o PCP sabe o contributo que deu para o empobrecimento do país!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Foi a reforma agrária, de má memória, e foi o desastre das nacionalizações!

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0 Sr. Paulo Trindade (PCP): - E o das privatizações?!

0 Orador: - A única conquista de Abril de que nos podemos orgulhar, não o PCP mas nós, incluindo evidentemente o PS e CDS-PP, é a liberdade, porque nem essa os senhores desejavam!

Aplausos do PSD.
Protestos do PCP.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Você é uma vergonha!

0 Orador: - Se os senhores...

Protestos do PCP.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Tenha vergonha e respeite o debate parlamentar! Você é o responsável pelo que se passa na segurança social!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, a única pessoa a quem a Mesa concedeu a palavra foi o Sr. Deputado Vieira de Castro.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, respeito o debate parlamentar, mas o que não me pode ser imputado é a culpa de quem não gosta de ouvir as verdades!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Você é um mentiroso e um aldrabão!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Vieira de Castro, faça o favor de continuar a responder.

0 Sr. Orador: - Sr. Presidente, nos termos regimentais, quando porventura algum Sr. Deputado exala a sua má educação, parece-me competir à Mesa fazer uma chamada de atenção.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A má educação é sua!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa já interveio e já retirou a palavra a todos os Srs. Deputados, excepto ao Sr. Deputado Vieira de Castro, que foi a única pessoa a quem a Mesa concedeu a palavra. Assim, pedia a todos os Srs. Deputado que estivessem suficientemente serenos para ouvirem as razões do Sr. Deputado Vieira de Castro. Quem se sentir ofendido, recorrerá à figura regimental apropriada.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vou responder ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, que - todos lho reconhecemos - é um grande conhecedor das questões da segurança social e sabe que todos os sistemas de segurança social dos países desenvolvidos atravessam algumas dificuldades que, não resultando apenas disso, têm sobretudo a ver com a adversidade da evolução demográfica, caracterizada pela redução das taxas de natalidade e pelo aumento, muito acelerado, da esperança média de vida à nascença, pois a conjugação destes dois

factores determina dificuldades em termos de equilíbrio financeiro dos sistemas.
Se, em todo o caso, fizermos uma análise comparativa da situação financeira dos sistemas de segurança social da União Europeia, verificamos que o sistema português não é, manifestamente, aquele que tem maiores dificuldades - eu colocaria, inquestionavelmente, em primeiro lugar, o sistema de segurança social francês. Ainda existe no nosso sistema de segurança social, apesar da evolução demográfica e do facto de ele conter um significativo número de pensionistas que fizeram um esforço contributivo diminuto, diria até quase nulo, uma relativa estabilidade financeira. E não quero com isto dizer que a questão do financiamento do sistema de segurança social não deva merecer, desde já, muita reflexão, para que, a tempo e horas, sejam tomadas as medidas que obviem àquilo que alguns já anunciam, mas que não é verdadeiro: a ruptura do sistema.
0 sistema não está em ruptura e o que aconteceu em 1993 foi conjuntural. E foi conjuntural porquê? Porque diminuiu o crescimento económico, diminuíram as receitas advindas das contribuições e, por virtude do abrandamento do crescimento económico, houve algum aumento do desemprego. Diremos assim que houve menos receita e mais despesa, por via do subsídio de desemprego. Só que a situação de 1993 não pode ser extrapolada, nem é o barómetro da situação do sistema.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - A Mesa, mesmo considerando as interrupções que houve, pede ao Sr. Deputado que resuma as suas respostas, sendo certo que ainda lhe falta responder a vários pedidos de esclarecimento e está prestes a ultrapassar o tempo de que dispunha.

0 Orador: - Serei muito breve, Sr. Presidente.
Sr. Deputado João Proença, mantenho que Portugal está a cumprir a recomendação. Sempre direi, em todo o caso, que, como V. Ex.ª sabe, uma recomendação não é imperativa e só as directivas o são, mas Portugal quer cumprir a referida recomendação.
V. Ex.ª encontrará em pelo menos dois passos do texto da recomendação duas alusões expressas à "implementação progressiva". Os legisladores comunitários imprimiram muito cuidado na preservação do equilíbrio financeiro no interior dos sistemas de protecção social.
A transferência do Orçamento do Estado para o orçamento da segurança social é sempre debatida por ocasião da discussão da proposta de Orçamento do Estado. Acerca deste assunto, direi que não era possível exigir ao Orçamento do Estado, há uns anos atrás, um esforço maior, porque, a fazer-se tal esforço,
agravar-se-ia o défice. E, então, das duas uma: ou se aumentavam os impostos ou se contraíam empréstimos. Se se optasse pelo financiamento por via dos empréstimos, lá viria, um dia, um aumento dos impostos para o serviço da dívida relativa a esses empréstimos!...
Respondo agora ao Sr. Deputado Mário Tomé, que deu um exemplo concreto. Só tenho de me congratular, porque se trata de uma empresa com uma produtividade aparente muito elevada, sendo certo que a saúde da economia portuguesa, como a de qualquer país do mundo, precisa é de empresas sãs e rentáveis.
Já respondi, em termos genéricos, à questão da pobreza, colocada pelo Sr. Deputado Artur Penedos. Ela existe, infelizmente, em todos os países do mundo, mesmo nos mais desenvolvidos. Em Portugal estão a ser desenvolvidas acções de luta contra a pobreza, com resultados, ao contrário do que aqui foi dito, muito encorajadores.

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No que respeita aos mínimos categoriais, são coisas diferentes do rendimento mínimo garantido. Quando o Sr. Deputado lê, em qualquer publicação, que em Portugal não existe rendimento mínimo garantido, tem de ler se existem ou não valores mínimos categoriais. Sabe porquê? É que há países onde existe rendimento mínimo garantido, mas não existem, por exemplo, uma pensão mínima do regime geral, uma pensão do regime não contributivo e uma pensão do regime especial de segurança social das actividades agrícolas.
Por outra palavras, é muito difícil fazer uma comparação precisa e rigorosa entre todos os sistemas de segurança social dos países da União Europeia.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, atingimos a hora regimental destinada às votações, pelo que iremos fazer um curto intervalo no debate.
Vai proceder-se à votação na generalidade, na especialidade e final global da proposta de lei n.º 93/VI - Autoriza o Governo a alterar o regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP e a abstenção do PS.

Concretizada a votação agendada para hoje, retomamos o debate do diploma em apreço.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

0 Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os portugueses são hoje confrontados com o aumento sensível da pobreza, da exclusão social e da insegurança quanto ao futuro. Uma parte significativa da população encontra-se hoje afastada das oportunidades económicas e sociais. Existem cada vez mais pessoas que são excluídas da sociedade, afastadas do gozo dos seus direitos políticos, económicos e sociais.
As causas da exclusão são múltiplas, das quais destacaria, em particular, três.
Temos, em primeiro lugar, a pobreza, como fenómeno cumulativo, que se vem agravando.
Conta-se, em segundo lugar, o enfraquecimento das estruturas familiares, com diminuição das formas tradicionais de solidariedade. Sem qualquer juízo moral, verificamos a existência de cada vez maior número de pessoas isoladas e de famílias monoparentais, em que é necessário compatibilizar a assistência aos filhos com o trabalho.
Vem, em terceiro lugar, o aumento brutal do desemprego e da precariedade do emprego.
A recessão e o aumento do desemprego afectaram sobretudo as famílias mais pobres, mais vulneráveis, vivendo já em condições precárias. Aos pobres tradicionais, de uma pobreza herdada de gerações, vêm agora juntar-se os "novos pobres", atingidos pelo desemprego.
A pobreza muda também de visual, atingindo pessoas cada vez mais jovens e cada vez mais mulheres e pessoas vivendo sozinhas. Quantos pobres temos hoje em Portugal?
A União Europeia considera como pobre uma família com um rendimento inferior a 50 % do rendimento líquido médio. Segundo estes dados, a pobreza atinge hoje entre nós mais de 30 % da população, integrando-se Portugal no grupo dos países da Comunidade com maior percentagem de pobres.

Se em vez dos rendimentos se considerarem os consumos mínimos necessários, então o número de pobres é de 2,1 milhões, cerca de 22 % da população, como provam os estudos do Professor Bruto da Costa. Estes estudos, baseados no inquérito aos orçamentos familiares do Instituto Nacional de Estatística realizado em 1989, apontam a situação dramática de 105 000 pessoas com consumos inferiores a 8200$ por pessoa ou unidade de consumo e 210 000 pessoas com consumo inferior a
10 000$.
Estes dados não são fáceis de obter, porque, infelizmente, o Governo e o INE não os publicam e não os ú~. Mas, felizmente, como por vezes fornecem as bandas para tratamento por terceiros, é possível fazer tratamento desse tipo e verificar a situação dramática em que caíram muitos portugueses.
0 Governo nada tem feito para conhecer melhor a pobreza em Portugal. Apesar de privilegiar os números às pessoas, neste caso prefere evitar a realidade crua dos números. Mas esta é por demais evidente: são os sem abrigo em aumento permanente, as novas formas de migração interna e imigração clandestina, a progressiva pauperização de largas zonas do País, sobretudo das periferias urbanas e das zonas rurais.
É sobretudo o aumento do número de desempregados. 0 desemprego foi uma situação ignorada no País do oásis. Mas, apesar de todas as manipulações estatísticas e da limpeza de ficheiros, o número total de desempregados inscritos nos centros de emprego atinge hoje mais de 396 000,
• maior número desde 1968, data do início dos registos. E
• aumento tem sido permanente: mais 10 000 desempregados em Outubro passado, mais 10 000 em Novembro, mais 10 000 em Dezembro, mais 20 000 em Janeiro e mais 10 000 em Fevereiro.
Ao aumento do desemprego associam-se o aumento da
precariedade e os limites de uma protecção social claramente insuficiente. Em 1992 cerca de 65 % dos desemprega
dos não receberam qualquer tipo de subsídio no desemprego. Esta percentagem aumenta para 94 % para os
desempregados de muito longa duração (mais de dois anos).
Só 6 % das pessoas em situação de desemprego há mais de
dois anos têm acesso a qualquer tipo de protecção no desemprego. Para os jovens com menos de 25 anos a percentagem
atinge mesmo os 95 % de pessoas sem qualquer protecção no
desemprego, sendo que a esmagadora maioria desses jovens
nunca teve oportunidade de ter qualquer emprego.
É necessária uma política determinada de combate à pobreza e à exclusão social. Em 13 de Fevereiro de 1993, o Secretário-Geral do Partido Socialista, António Guterres, propôs explicitamente ao Governo "a adopção de um plano de emergência de combate à exclusão social em Portugal, especificamente destinado aqueles dois milhões de portugueses que estão em privação e que exigem solidariedade da comunidade nacional no seu conjunto".
Em 30 de Abril, o Secretário-Geral do Partido Socialista propõe a "fixação de um rendimento mínimo garantido, que tenha em conta a dimensão das famílias a abranger, por não disporem de outros meios de subsistência e o valor das prestações neste momento existentes nos regimes não contributivos da Segurança Social". Esta proposta, apresentada ao Primeiro-Ministro e ao Governo, ainda não obteve uma resposta adequada, apesar de existir hoje na Europa um consenso alargado sobre a necessidade de todos os cidadãos deverem dispor de um mínimo de rendimentos que lhes assegure uma subsistência digna.
0 PSD e o Governo têm aqui demonstrado um comportamento dúplice. 0 que votam na Europa negam-no em Portugal.

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Em 1988, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre a luta contra a pobreza na Comunidade, que se pronunciava a favor da instauração em todos os Estados membros de um rendimento mínimo garantido, como factor de reinserção na sociedade dos cidadãos mais pobres.
Em 29 de Setembro de 1989 é aprovada uma resolução do Conselho e dos Ministros dos Assuntos Sociais, relativa à luta contra a exclusão social, em que se afirma que "a existência dum conjunto de medidas garantindo prestações e recursos suficientes, adaptados à situação dos indivíduos, é uma componente fundamental da luta contra a exclusão social."
Em 24 de Junho de 1992 é aprovada uma recomendação sobre os critérios comuns relativos aos recursos e prestações suficientes nos sistemas de protecção social, visando pôr em aplicação a recomendação de 1989 e reconhecendo expressamente "o direito fundamental da pessoa a recursos e prestações suficientes para viver conformemente à dignidade humana". Como já hoje resultou claro do presente debate, esta recomendação tem a assinatura do então ministro Silva Peneda, como presidente do Conselho na altura.
Podemos discutir hoje o montante do rendimento mínimo garantido, as condições de acesso e atribuição, a administração e o financiamento, mas não temos o direito de negar às pessoas um direito que reconhecemos como fundamental. Portugal não está no bom caminho quando somente Portugal e a Grécia não dispõem hoje de um esquema tipo rendimento mínimo.
Cumpre-me, a este respeito, dizer aos Srs. Deputados do PSD que não é possível confundir um rendimento mínimo garantido para todos os cidadãos com algumas prestações de rendimento mínimo para alguns conjuntos de cidadãos.
Em Portugal existe efectivamente, embora com montantes que interessa gradualmente aumentar, um sistema de protecção - a pensão social - para os idosos, mas muitas centenas de milhar de portugueses são hoje confrontados com uma situação de total carência, para a qual não existe uma resposta do Estado.
Como pode sobreviver um trabalhador de 50 anos que perdeu o seu trabalho, após os 40 meses de subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego a que tem direito, sem quaisquer perspectivas de novo emprego e com reforma somente aos 65 anos? Esta situação de trabalhadores com 45 e 50 anos atingidos por esse tipo de esquema, com três anos de subsídio de desemprego e nada até aos 65 anos, é uma situação que tende a generalizar-se. Atente-se no que se irá passar na Lisnave, no que se passou na Siderurgia Nacional e no que se passa em muitas empresas.
Como pode viver uma família toda ela atingida simultaneamente pelo desemprego, como acontece muitas vezes no sector têxtil ou no sector mineiro?
Muitas instituições têm feito no nosso País um trabalho notável no apoio a famílias mais pobres, mas esta solidariedade, embora indispensável, não pode resolver todos os problemas.
Ouçam-se as palavras de alarme das entidades envolvidas,
\perante o cada vez maior número de pobres, como o presidente da Caritas Diocesana de Beja, que anteontem se confessava impotente para acudir à situação das famílias em situação de extrema pobreza que diariamente se lhe dirigem.
Vejam-se as declarações de responsáveis das misericórdias, das instituições privadas de solidariedade social ou de outras instituições sem fins lucrativos, que não podem acorrer às situações mais gritantes com que são confrontadas.
É necessário mobilizar estas entidades para, em conjunto com o Estado, promover a aplicação do rendimento mínimo e do combate à exclusão social. Neste âmbito, terão
necessariamente um papel privilegiado as autarquias locais, que têm um conhecimento efectivo da realidade local e são as principais interessadas em erradicar a pobreza na área do seu município.
Contra o rendimento mínimo têm sido sobretudo utilizados dois tipos de argumentos.
0 primeiro deles diz que o mesmo constitui um desincentivo ao trabalho. É claramente um falso argumento, até porque, por razões orçamentais, o seu montante será no curto e médio prazo extraordinariamente reduzido e claramente inferior ao salário mínimo nacional.
Em sentido contrário aponta, aliás, a experiência francesa. Os jovens que recebem o rendimento mínimo de inserção consideram esse rendimento como qualquer coisa de provisório, como uma forma de indemnização no desemprego. Por isso, têm tendência a multiplicar iniciativas para sair dessa situação, a seus olhos fortemente desvalorizada socialmente. Este é um dado concreto da experiência francesa.
0 segundo argumento contra o rendimento mínimo aponta uma execução burocratizada e burocratizante. É a visão de quem apenas pensa em termos de Estado central, do poder no Terreiro do Paço.
Para o Partido Socialista, muitos dos meios humanos necessários já existem e são os trabalhadores da Segurança Social que o Governo quer colocar nos disponíveis. A aplicação do rendimento mínimo garantido pode ser um instrumento de desconcentração e descentralização, nunca podendo ser avaliado, tal como a protecção social a que os portugueses têm direito, em termos de mais ou menos trabalho para a Administração.
0 rendimento mínimo garantido é, para o Partido Socialista, um instrumento necessário, mesmo indispensável, para o combate à exclusão social,...

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - ... mas não é suficiente, como bem o prova a situação dos idosos em Portugal.
Na origem da exclusão estão não só factores materiais, mas também factores relacionais, pessoais e institucionais. São factores como as dificuldades familiares, a saúde física e mental, o insucesso escolar, a prisão, a imigração, o racismo, a xenofobia e muitos outros. Por exemplo, para as pessoas que caem na situação de sem abrigo, que muito aqui têm sido referidas, a solidão é um factor de risco muito mais importante do que o alcoolismo e a toxicodependência.
Os indivíduos e as famílias devem ser apoiados na reinserção social. Consideramos como necessária a elaboração, com a participação dos interessados, de um programa de inserção do indivíduo isolado ou da família que envolva, nomeadamente as entidades mais directamente ligadas ao emprego e à acção social.
0 Partido Socialista não aceita como inevitável o aumento permanente do nível de desemprego.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - É o trabalho o principal factor de realização dos indivíduos na sociedade sendo, portanto, fundamental combater o aumento do desemprego. Sem uma política de emprego e fazendo depender a criação de postos de trabalho unicamente do crescimento económico, estamos condenados a que todos os meses, de 1994 a 1995, se bata o record absoluto do número de desempregados inscritos nos centros de emprego, como já aconteceu em Janeiro e Fevereiro.

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Num dia, como o de hoje, em que os trabalhadores manifestam o seu protesto, em que lutam pelo emprego, pelos salários e pela protecção social dizemos ao Governo que é necessária uma mudança da política económica e social.

Aplausos do PS.

É necessária uma política que incentive o aumento do investimento privado e público, que aposte na melhoria dos recursos humanos e que promova a criação de novos postos de trabalho, nomeadamente em sectores não sujeitos à concorrência internacional, tais como a assistência ao idoso e à criança, a ocupação de tempos livres, o ambiente e muitos outros. E postos de trabalho a criar no sector privado, no sector da economia social, nas instituições privadas sem fins lucrativos mas também orientados para os trabalhadores de menores qualificações que são os mais atingidos pelo desemprego, pela pobreza, pela exclusão social.
Uma política de inserção social exige ainda outras políticas, de articulação entre o económico e o social, como, por exemplo, o acesso à habitação e à saúde; o combate ao insucesso escolar; o combate à solidão e ao isolamento; a melhoria da protecção no desemprego, que são algumas das políticas que vêem sendo usadas nos países comunitários. Do mesmo modo se vêem desenvolvendo iniciativas em parceria, quer em meio urbano, quer em meio rural, como é exemplo o Programa Comunitário Pobreza III.
A Lei de Bases da Segurança Social prevê, como função da acção social "assegurar especial protecção ... a pessoas em situação de carência económica ou social ou sob o efeito de disfunção ou marginalização social." Mas os programas de combate à pobreza que o Governo vem promovendo são, neste sentido, muito limitados pois em vez de atacar o problema na sua origem limitam-se a tapar as feridas mais sensíveis. Do mesmo modo, o novo Quadro Comunitário de Apoio limita-se a adaptar programas já existentes, orientados para grupos especialmente desfavorecidos, como os desempregados de longa duração, os deficientes, os toxicodependentes, os detidos - e mesmo aqui com as limitações que todos conhecemos.
0 combate à pobreza exige novos meios e novas políticas. Os meios financeiros, nos termos da Lei de Bases, deverão ser basicamente obtidos por transferências do Orçamento do Estado para a segurança social. Mas os custos do rendimento mínimo, qualquer que venha a ser o montante adoptado para o mesmo, serão com certeza muito inferiores aos 130 milhões de contos que, só em juros, o Estado vai poupar em 1994.
Tenhamos presente que a pobreza e a exclusão social não são apenas um problema dos pobres, são um problema de toda a sociedade.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Porque uma sociedade solidária é uma sociedade melhor, mais justa, mais humana e sem ela não há verdadeiro desenvolvimento, nem modernização. Mas também porque a exclusão social, ao fomentar a marginalidade, a droga e o crime, põe em causa a segurança e o bem estar de todos.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje um projecto do PCP, que merece ponderação e que, em conjunto com o projecto apresentado pelo PS e com outros que venham eventualmente a surgir, poderá permitir o consenso que o Secretário-Geral do Partido Socialista propôs em 30 de Abril de 1993. Como então referiu "o que está em causa é suficientemente sério para que o PS não queira transformar esta questão, numa simples bandeira de confronto interpartidário".
0 PSD, em sede de discussão da proposta de Orçamento do Estado rejeitou propostas do PS que permitiriam a criação do rendimento mínimo em 1993 ou 1994. Na ausência de nova discussão do Orçamento do Estado para 1994, qualquer lei da Assembleia da República que provoque aumentos de encargos, como é o caso, apenas poderá entrar - em vigor em 1 de Janeiro de 1995. Fazemos votos, para que a discussão entretanto havida e a discussão que hoje aqui temos, levem o PSD e o Governo a rever a sua posição.
0 Partido Socialista, no seguimento de iniciativas anteriores, vai promover a discussão pública do seu projecto e, em particular, a audição de instituições que tem promovido a luta contra a pobreza e a exclusão social, como as miseric6rdias e as instituições privadas de solidariedade social, os parceiros sociais, as associações representativas das pessoas envolvidas, as autarquias. Seguidamente promoveremos um agendamento autónomo pois consideramos esta matéria suficientemente importante para justificar uma segunda discussão em Plenário.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 agravamento da pobreza e da exclusão social não pode deixar ninguém indiferente. Saibamos todos assumir as nossas responsabilidades.

Aplausos do -PS.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, o que se esperava mais ansiosamente da sua intervenção foi deixado para o fim. E está bem! V. Ex.ª não seguiu os conselhos sobre a utilização do vinho feito no Evangelho nas bodas de Canaã, mas nos debates e tratando-se desta matéria, não está mal!
Assim, o Partido Socialista não agendou o seu projecto para discussão em conjunto por uma questão de economia de tempo, isto é, para ter mais tempo, para dedicar ao assunto dois dias de debate. Nós tínhamos ficado convencidos que era por uma questão de vergonha - o PCP nestas matérias, como de costume, avança corajosamente sem fazer contas (embora tenha lá quem as saiba fazer) e propõe 49 300$. Todavia, VV. Ex." fazem algumas contas mas, como se sentem-se divididos entre essa enorme vocação solidária, ficam-se a meio caminho e, envergonhadamente, propõem 16 600$. Nem metade, valha-me Deus!
0 PSD não assume corajosamente as suas posições, pois diz uma coisa em Bruxelas à segunda-feira e outra aqui à quarta-feira e vai tentando "encanar a perna à rã" - passe a expressão e o plebeísmo. Fala-nos de mínimos do sistema de segurança social, mas o Sr. Deputado Vieira de Castro esqueceu-se de dizer que esses países com os quais nos comparou - e que não têm mínimos sectoriais - não precisam de os ter, porque têm sistemas muito maduros, em que as pensões estatutárias são já suficientes para dispensarem os mínimos categoriais.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Dê lá um exemplo.

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0 Orador: - 0 sistema francês de que V. Ex.ª falou. É claro que, depois, vai ao estudo do The Economist e afirma que esses sistemas estão mal. Mas estão mal porque têm "gordura" a mais, isto é, foi "gordura" que se transforma em "magreza". Nós não chegamos lá, não chegamos àquela situação dos Buddenbruck, isto é, ao auge do bem-estar, para depois começarmos a decadência. Nós começámos a decadência logo no primeiro patamar - infelizmente é assim!
Sr. Deputado João Proença, para além desta questão da vergonha, V. Ex.ª ponderou que efeitos iria ter sob a população carenciada que hoje existe - aliás, o PSD dedicou um terço do tempo de antena aos pobres portugueses, e fez bem, porque é uma realidade aterradora mas que temos que encarar com realismo "agarrar" em 16 600$ e dá-los, por exemplo, aos jovens que estão à procura do primeiro emprego? Já viu o que aconteceu em França por o montante ser metade do salário mínimo? Já viu que anda toda a gente à pancada no meio da rua. 0 que irá acontecer? Como é que os supostos beneficiários irão encarar este montante de 16 600$? Que efeitos terá isto?
Sr. Deputado João Proença, o PS, ao contrário do PCP, fez umas contas e disse que ia gastar 40 milhões de contos. Mas, 40 milhões de contos em quê? Na pensão estrita ou no subsídio que VV. Ex.ª aqui propõem? E o aparelho burocrático que vai ser preciso montar? As despesas actuais de administração do sistema de segurança social serão suficientes para fazer face a isto?

Protestos do PCP.

0 Sr. Deputado Octávio Teixeira está surpreendido, mas pergunto-lhe se fez um mínimo de contas sobre o custo administrativo deste complicado sistema que aqui propõe, com prova meios, com possibilidade de cessação do esquema a meio da sua vigência, com renovações que não se sabe se são, ou não, automáticas!? V. Ex.ª já fez contas sobre isso? 0 que é que será o custo administrativo deste sistema!?

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E qual é o custo da pobreza?

0 Orador: - Estou de acordo consigo.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não seja hipócrita, Sr. Deputado!

0 Orador: - Sr. Deputado, respondemos à pobreza com um subsídio miserável? E assim que respondemos à pobreza!? Ou respondemos à pobreza com desenvolvimento económico. Pergunto: é assim que vamos criar as condições de dar respostas efectivas à pobreza?

Protestos do PCP.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, queira terminar, por favor, pois já ultrapassou longamente o seu tempo.

0 Orador: - Sr. Presidente, agradecendo desde já, solicito a benevolência da Mesa para poder terminar o raciocínio e fazer a minha pergunta.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor de continuar, Sr. Deputado, mas seja o mais breve possível.

0 Orador: - Sr. Deputado João Proença, a que é que equivalem estas contas dos 40 milhões de contos? São já as mesmas neste momento, com o desemprego a crescer, porventura a uma média de 23 000 indivíduos por mês no ano de 1994?
E este estatuto complementar está incluído nas contas dos 40 milhões de contos?
Sr. Deputado, é bom que não façamos propostas destas sem no mínimo termos os pés assentes no chão, porque não há dúvida nenhuma que o problema da pobreza é dramático. Agora, resta saber como é que efectivamente se lhe dá resposta e se lhe faz face em termos de eliminar as causas verdadeiras e reais da pobreza.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, quando estava a ouvi-lo falar não consegui dissociá-lo do facto de ser também um dos mais eminentes dirigentes sindicais portugueses.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): Diz muito bem!

0 Orador: - 15so é extremamente importante, porque também achamos, talvez até com mais sinceridade, se é possível, que a pobreza suscita a revolta, a compaixão, a solidariedade e é preciso fazer tudo para, na medida das nossas possibilidades, enquanto políticos, cidadãos, membros de quaisquer instituições que possam contribuir para resolver esta situação, criar esperanças de soluções.
Simplesmente, V. Ex.ª , e nós todos agora, estamos a tratar de um caso concreto, que tem a ver com um projecto de lei do PCP que, embora tecnicamente diferente de um projecto de lei do PS, tem a mesma filosofia, que é a de criação de um rendimento mínimo garantido, que noutras sedes, noutras academias, se chamou um imposto negativo sobre o rendimento. Curiosamente, criado por um professor de economia, Milton Friedman, que é um ultra-liberal...

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Já estávamos à espera!

0 Orador: - Tenham calma! Eu estou a discutir seriamente. Vamos ver e resistem a discutir também seriamente!
Como eu estava a dizer, Milton Friedman, em 1962, avançou - e desde aí tem havido várias soluções - esta ideia básica. em vez de surgirem diversas contribuições, subsídios, prestações - específicas ou parcelares -, situações que merecem o apoio do Estado, vamos criar um plafond mínimo, que seria o mínimo de dignidade para a pessoa humana viver.
Há pouco, alguém perguntou quanto custa a pobreza. Penso que não é possível avaliar a pobreza, porque isso tem que ver com a dignidade da pessoa humana. A pobreza não tem custo!

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Estado, a Nação, é que tem recursos limitados.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, é uma contradição!

0 Orador: - Há aqui uma falsa questão nisto tudo. Citou-se o caso francês de uma lei de 1 de Dezembro, salvo erro, de 1988, que previu exactamente esta situação: de um lado, dava rendimento mínimo garantido e, de outro, os chamados contratos, salvo erro, de inserção social ...

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Vozes do PSD: - É verdade!

0 Orador. - Portanto, a pessoa recebe o rendimento mínimo garantido, prova através de um processo burocrático complicado, e depois tem um determinado período para fazer um contrato. Bem, estes casos foram um fracasso, decepcionantes.
Tenho comigo um relatório, mas há mais, em que se diz que apenas 20 % dos beneficiários desse regime é que conseguiram ter a reinserção profissional ou social. Ou seja, o objectivo principal não é o de dar um rendimento, enfim, aquilo que num aforismo se dizia "não é dar o peixe, é dar a cana para ensinar a pescar...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - 0 pior é que não dão nem o peixe nem a cana!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Peço a V. Ex.ª a mesma tolerância que teve para com o meu colega...

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, estou a tê-la!

0 Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - É bom que as coisas mal feitas por um não sejam seguidas pelos outros!

0 Orador: - Com certeza. Mas estamos aqui a bem! Em todo o caso, muito obrigado pela tolerância que V. Ex.ª está a dar-nos.
Como dizia, neste caso, os rendimentos mínimos garantidos têm sido fracassantes. Ou seja, têm diminuído a esperança de resolver o problema.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - 0 que é bom é o rendimento zero!

0 Orador: - Sr. Deputado João Proença, gostaria que me respondesse em que país é que este tipo de medidas teve sucesso. Duvido que me dê um exemplo coerente em que uma situação de rendimento garantido, que vai substituir um conjunto de subsídios, foi mais positiva.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa não me parece que venha no Economist!

0 Orador: - Aliás, já que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues fala do Economist, precisamente no número publicado há 15 dias, trazia um artigo sobre o problema do Wellfare State, do Estado-Providência, na Europa em que se mostra que Portugal numas coisas está pior, noutras não é dos piores, noutras avança.

0 Sr. José Penedos (PS): - E noutras recua!

0 Orador: - Porém, o problema que está em discussão é, fundamentalmente, de emprego. Por isso é que me referi ao facto de o Sr. Deputado João Proença ser também dirigente sindical.
A pior causa de exclusão social, de miséria e de pobreza é o desemprego.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Exactamente!

0 Orador: - Pergunto: o que é que as centrais sindicais têm feito para o combater?

0 Sr. Paulo Trindade (PCP): - E o Governo?!

0 Orador: - 0 que me parece é que, até agora, as centrais sindicais têm revelado uma atitude extremamente egoísta...

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - ... ao procurar manter os rendimentos reais de quem tem emprego, prejudicando aqueles que poderiam tê-lo. Os senhores, quando fazem manifestações, sabem perfeitamente que não é numa situação de depressão ou de recessão económica,...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa também vem no Economist!

0 Orador: - ... não é aumentando os salários reais que se combate o desemprego mas pedindo solidariedade àqueles que têm emprego para aqueles que não o têm.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Onde é que entram aí os patrões?!

0 Orador: - É criar oportunidades de oferecer postos de trabalho, postos esses que não sejam artificiais, que dêem produção, investimento, porque V. Ex. sabe muito bem, e as centrais sindicais também, que têm feito muito pouco. Quando os trabalhadores da Europa competem com trabalhadores de países em que os empregadores lhes dão ordenados de um dólar por mês, a situação toma-se extremamente ineficaz. E os senhores não têm tido a coragem de obrigar os governos dos países que compram os produtos desses países que fazem uma
ultra-exploração dos trabalhadores a dizer "Não compramos mercadorias a esses países, porque estamos, desta maneira, a criar desemprego, exclusão social, no fundo a ser os maiores algozes daqueles que não têm emprego nos nossos países".
Nesse sentido, pergunto se têm coragem de propor medidas para criar emprego ou se vão continuar a fazer demagogia, como o PCP ainda agora faz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

0 Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, em primeiro lugar, quero agradecer a referência que fez ao vinho. Talvez a tenha feito porque se lembrou que o rendimento mínimo garantido para muitos portugueses pode ser, efectivamente, o pão e o vinho necessários para viverem.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Com 16$60, vivem mesmo a pão e água, Sr. Deputado!

0 Orador: - Talvez lhe tenha surgido essa lembrança!
Dir-lhe-ei, todavia, duas coisas.
0 problema que está em causa tem a ver com aquilo que muitas vezes V. Ex.ª põe em causa: a pensão social dos idosos, aquilo com que vive hoje a maioria dos idosos deste país.

Vozes do PS: - Muito bem!

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0 Orador: - Vive mal, mas tem um rendimento mínimo assegurado. Agora, há muitos que nada disso têm. Há jovens de 20, 30, 40 anos e pais com crianças que disto nada têm! Não podemos, pois, ficar indiferentes perante a situação destas pessoas e daí o rendimento mínimo.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que, infelizmente, o PS ponderou. V. Ex.3 é que não leu!

Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Li tudo!

Orador: - Mas não leu o projecto de lei do PCP, visto que ele não refere 49 300$, metade do salário mínimo. Como sabe, o salário mínimo em Portugal não é, infelizmente, de 99 000$.
De qualquer modo, o Sr. Deputado também leu muito mal o projecto de lei do PS.
Estou inteiramente de acordo consigo num aspecto: a resposta à pobreza e à exclusão social é, em primeiro lugar, o trabalho. No entanto, só por si o desenvolvimento económico não gera os postos de trabalho necessários, tem de haver uma política orientada para a criação de postos de trabalho, e este Governo só se preocupa em gerir os desempregados e as estatísticas de desemprego. Não se preocupa com o facto de que, se nada for feito de específico em termos de política de emprego, em 1994 e 1995, vai continuar a aumentar todos os meses o número total de desempregados. Não aceitamos essa situação!
Por que é que o PS não agendou o debate desta matéria? É que não temos medo de qualquer debate, porque pensamos que o que é fundamental é que possamos entender-nos acerca da criação do rendimento mínimo garantido. 0 que é fundamental não é discutir o seu montante mas, sim, dar às pessoas um mínimo de rendimento, qualquer que ele seja,...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Orador: - ... é criar condições às pessoas para a integração social, é mobilizar a sociedade civil para promover essa integração dos desempregados.
Segundo as nossas contas, 40 milhões de contos é o custo máximo directo do pagamento do rendimento mínimo garantido, havendo necessariamente custos de administração. Qual é a poupança global, até em termos das medidas de segurança, de segurança gerada pela ausência de um esquema deste tipo, de segurança gerada pelo abandono escolar, de segurança gerada pelos miúdos das ruas, de segurança gerada por muitos outros problemas da sociedade portuguesa e que estão ligados ao facto de não haver um combate efectivo à pobreza?
0 Sr. Deputado Rui Carp entrou exactamente na mesma linha do Sr. Deputado Vieira de Castro e disse-nos assim: "Para o PSD não se cria o rendimento mínimo garantido". Aliás, o Sr. Deputado Vieira de Castro deu duas ordens de razões para o não fazer: em primeiro lugar, porque não há dinheiro e, em segundo lugar, porque entende que isso não é prioritário.
Ora, o Sr. Deputado Rui Carp referiu o mesmo, sendo, portanto, um problema de prioridades. Mas eu quero dizer-lhe que isso é claramente um problema de prioridades e para o PS é mesma a primeira!

Sr. Rui Carp (PSD): - A segunda é a suspensão!

Orador: - No dia em que o PS for governo, assume que a primeira medida do Governo será a da criação do rendimento mínimo garantido.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - De resto, esse já foi um compromisso assumido pelo Secretário-Geral do Partido Socialista.
Relativamente aos países onde existe e onde não existe o rendimento mínimo garantido, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que essa figura está consagrada em todos os países da Europa, com excepção de Portugal e da Grécia. Imagine, Sr. Deputado, que até existe em Inglaterra! A Sr a Thatcher e os governos mais conservadores da Europa nunca puseram em causa o rendimento mínimo garantido, que não existe em Portugal e na Grécia.

Protestos do PSD.

É, efectivamente, um problema de prioridades. Mas aparentemente a sua bancada não acompanha os compromissos que o Governo português assume em Bruxelas, porque aqui diz que o rendimento mínimo garantido não é uma prioridade e em Bruxelas assume, por unanimidade, as recomendações, dizendo que ele deve criar-se em todos os países da Comunidade. Que raio de discurso é esse?

Vozes do PS: - É uma vergonha!

0 Orador: - Posso oferecer ao Sr. Deputado um artigo escrito pelo presidente francês da Comissão de Avaliação do Rendimento Mínimo Garantido, dizendo que há necessidade de introduzir melhorias. Aliás, o Sr. Deputado confessou aqui o maior êxito possível, o que quer dizer que este sistema, que tem quatro, cinco anos, já permitiu a integração de 20 % das pessoas afectadas, apesar de neste momento em França se estar a verificar um crescimento brutal do desemprego. Essa é a maior razão para o êxito, como também o é aquele dado do relatório que lhe dei e que é este: em França prova-se que os jovens com famílias com rendimento mínimo procuram emprego muito mais rapidamente do que aqueles que caíram numa situação de total exclusão.
Faço aqui um parêntesis para dizer ao Sr. Deputado Nogueira de Brito que, nesse aspecto, o projecto de lei do PS é semelhante ao francês, garantindo o rendimento mínimo a famílias cujo chefe tenha mais de 25 anos, salvo os casos de pais, menores com crianças a seu cargo. É o sistema francês, mas há outros noutros países. Há países com mais idade e outros com menos, mas este foi o que nos pareceu passível com outros critérios de ponderação.
Que fizeram as centrais sindicais para obrigar os governos e os trabalhadores da Europa a não consumirem produtos importados de países que não cumprem o mínimo de regras sociais? Digo-lhe o que fez o Governo português: assumiu perante os portugueses e as centrais sindicais o compromisso de que no Acordo do Comércio Internacional, no acordo do GATT, não deixaria cair a chamada cláusula social dos acordos de comércio internacional, pelo que as importações provenientes de países terceiros que não respeitassem minimamente as regras sociais - o direito à greve, à associação sindical, etc. - não seriam permitidas na Comunidade, sendo fortemente penalizadas.
Dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que o Governo ou não teve capacidade ou deixou cair essa cláusula. Nas negociações, o Comissário Millan não disse uma palavra sobre esta matéria e a Comunidade nada impôs.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Não era ele quem tratava disso!

0 Orador: - Portanto, o Governo deixou-a cair, pondo fundamentalmente em causa o sector têxtil português. Como

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V. Ex.ª sabe, para os países do Norte da Europa é óptimo que não exista a cláusula social. Os países mais afectados são os mais pobres da Europa, nomeadamente Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Rui Carp (PSD): - 0 problema é que não há dinheiro, Sr. Deputado!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 20 anos após o 25 de Abril continuam por cumprir na sociedade portuguesa os ideais de maior igualdade e justiça social.
Sob a égide do cavaquismo, em nome das concorrências e das competitividades, instalou-se a verdadeira "lei da selva" a que se referiu há pouco o Sr. Deputado Vieira de Castro, onde tudo se compra, tudo se vende e os trabalhadores são reduzidos a uma vulgar mercadoria. Não admira, pois, que se pretenda vender o patrocínio do 25 de Abril à Coca-Cola!...
Hoje, é mais do que evidente o crescimento das desigualdades sociais; a exclusão e a marginalização sociais transformaram-se num risco cada vez maior para um número crescente de trabalhadores.
A naturalidade quase sinistra com que o Ministro Mira Amaral se referiu à geração dos 40 anos como os futuros pobres da Europa só se pode explicar, para além da confissão da ausência de políticas de emprego, pela animosidade, também expressa aqui pelo Sr. Deputado Vieira de Castro, com que ainda encara a geração de trabalhadores "implicada" no 25 de Abril, que sofreu a violência da guerra colonial e é responsável pela defesa desta Constituição e por aquilo que se fez de útil e produtivo no nosso país.
A política económica desastrosa do Governo do PSD defende em exclusivo e sem disfarce os interesses dos senhores das dezenas de milhões contra os interesses colectivos dos trabalhadores e do povo português.
0 ritmo brutal de crescimento do desemprego, só comparável com o que de pior tivemos em 1984, a precarização do emprego e a diminuição violenta dos salários reais têm sido os instrumentos que o Governo pôs à disposição do aumento insultuoso dos lucros do grande capital, em especial do capital financeiro.
Estamos perante um Estado privatizado que se recusa a assumir as suas responsabilidades sociais. Estamos perante um Governo que, na própria definição e execução das linhas gerais da sua política, viola a Constituição da República, não cumprindo as determinações básicas e essenciais dos artigos 58.º, 59.º e 81.º, nomeadamente no que se refere às políticas de pleno emprego, à retribuição do trabalho, ao aumento do bem-estar social e à correcção das desigualdades sociais na distribuição da riqueza e do rendimento.
Nestas questões, o PSD prefere a política em "dó maior". Para não ter de prestar contas quanto ao incumprimento da Lei de Bases da Segurança Social, prefere que tudo se passe num vago reconhecimento de dificuldades e de problemas que a todos incomodaria, mas que se não questionem as razões por que a segurança social está à beira da falência.
Por isso, o PSD bloqueou o debate do meu projecto de lei, que atribuía às pensões mínimas um valor igual ou superior ao salário mínimo nacional, e considerou que, também hoje, não podia ser agendado por não ser afim com a matéria em debate. Não há comentário possível!
Por isso também, o PSD impediu a subida a Plenário, vai quase para um ano, do meu projecto de resolução sobre medidas urgentes para a crise, com especial incidência nos desempregados, sob a alegação disparatada de que não havia crise e de que o projecto seria alarmista. Vê-se!
A UDP bate-se por outros valores e encara tais problemas numa outra dimensão.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Recuso-me a entrar na lógica dos falsos pressupostos da falta de dinheiro. Trata-se de uma mentira abominável que gera miséria e desresponsabiliza o Estado do cumprimento da própria lei em que fundamenta o seu Direito.
0 problema que está colocado é o da existência de uma absurda concentração de dinheiro num punhado de gente para quem o PSD e o Governo trabalham a tempo inteiro, com o abandono do interesse colectivo e sem uma política redistributiva da riqueza nacional. 0 problema tem a ver com a política fiscal e com critérios de solidariedade social.
Foi por isso que, há pouco, o Sr. Deputado Vieira de Castro, a quem coloquei a questão do capital intensivo estar a pagar as prestações para a segurança social em função do número de trabalhadores, o que é um absurdo, deu a volta à questão e disse que isso é uma grande produtividade.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Mas não propôs nada nessa matéria!

0 Orador: - Não?! Eu proponho que as prestações para a segurança social sejam feitas em função do volume de negócios e dos lucros obtidos e não em função do número de trabalhadores, porque há empresas com enorme número de negócios e de lucros que têm 10 ou cinco trabalhadores e é sobre eles que descontam para a segurança social.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, faça favor de terminar.

0 Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

0 Governo não tem em conta a situação real e não vai atrás dos lucros fabulosos que são gerados por empresas

grupos económicos.

A situação é tal que são as empresas com maior volume de negócios e com mais lucros as que menos contribuem para a segurança social. Basta consultar as listas das maiores empresas. Como é evidente, o Estado também não paga o que lhe compete para a segurança social.,
A sociedade portuguesa precisa de alternativas. Melhor, exige-as.
0 choque entre o luxo desbragado e as dramáticas restrições impostas a grande parte da população está a gerar reacções tais como a magnífica jornada de luta que hoje tem lugar.
Aos trabalhadores, juntam-se os estudantes contra o pagamento das propinas, uns e outros inconformados com as mentiras apelativas ao conformismo e à aceitação fatalista da injustiça social que aqui temos visto, numa demonstração de que a juventude aposta na solidariedade e nos

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valores sociais. Eis uma clara indicação de que este país tem futuro e de que o Governo do PSD o não tem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr a Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao findar as intervenções do PSD, o Sr. Deputado Rui Carp veio emendar um pouco a mão em relação à intervenção do Sr. Deputado Vieira de Castro, afirmando que a pobreza não tem custos, que não pode medir-se em custos.
Na sua intervenção, o Sr. Deputado Vieira de Castro disse exactamente o contrário. A sua preocupação foi saber quanto iria custar garantir às pessoas o mínimo de subsistência. 0 Sr. Deputado pôs um ar de facto sério quando subiu à tribuna, respondendo possivelmente a um apelo do meu camarada Lino de Carvalho, mas todos nós sabemos que o melhor histrião é aquele que diz as coisas com ar sério. 15so acontecia, por exemplo, com o actor António Silva, que, nesse aspecto, era exemplar a provocar o riso nas pessoas.
0 Sr. Deputado Vieira de Castro utilizou essa forma suprema de ser artista na arte da comédia e nem se esqueceu também de acompanhar o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva no retomar de temas tais como "pátria e família", evidentemente por motivos "eleiçoeiros", o que não deixou de conferir a esses temas um certo sabor àquele passado contra o qual o 25 de Abril foi feito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso mesmo também não se esqueceu de retomar uma certa linguagem de outros governantes de antanho que, para combater os democratas, iam buscar as questões dos países de Leste. Aponta-se também aqui essa coincidência.
0 Sr. Deputado Vieira de Castro nem sequer se esqueceu de autoproclamar-se grande defensor das liberdade, ele e o PSD.
Sr., Deputado, temos exemplos - até porque para a política que estão a seguir precisam, efectivamente, de enveredar pela opção repressiva das liberdades -, nesta Assembleia, que claramente demonstram que os senhores não podem arrogar-se em defensores das liberdades, a menos que seja das liberdades de alguns, das liberdades daqueles que exploram, dos que despedem, dos que agem de uma maneira selvagem no mundo no trabalho. Aí, sim, reconheço que o senhor e o seu partido são campeões das liberdades!
Mas temos aqui, na Assembleia, exemplos de repressões das liberdade. Cito a questão que está a ser muito falada, e com razão: a famosa proposta de lei que coloca todos os cidadãos sob suspeita e com residência vigiada, na medida em que, se forem levados para a. esquadra por não estarem na posse do bilhete de identidade, terão de comunicar a residência e, depois, obviamente, quaisquer alterações de residências para receberem notificações.
Mas há um outro exemplo ainda mais interessante, Sr. Deputado Vieira de Castro. Foi revelado pelo Padre Edgar Silva no programa "Ponto por Ponto" do Canal 1 e passou-se - é espantoso! - na ilha da Madeira, que tem como presidente uma personagem ilustríssima do PSD. 0 Parlamento Regional daquela Região Autónoma aprovou uma lei - e a intenção é a de garantir o marketing da ilha, assegurar que ela tenha uma imagem de sucesso -, que prevê
que os cidadãos indesejáveis possam ser proibido de circular, em certos lugares públicos, num espaço compreendido entre 1 e 12 metros. 15to porque as crianças pobres vinham para a rua - disse esse padre - e incomodavam os turistas.
Sr. Deputado, este é o exemplo das vossas liberdades.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Mas, já que falámos em crianças, e porque já se referiram hoje aqui muitos exemplos de pobreza, quero também, em relação a elas - isto porque o Governo vem dizendo que está a fazer muitas coisas no âmbito das comemorações do Ano Internacional da Família -, referir-lhe, Sr. Deputado Vieira de Castro, que as estatísticas oficiais da justiça registam, de 1985 a 1991, um aumentou do número de casos de menores em risco. Em 1984, estes casos representavam apenas 4,7 % das decisões dos tribunais, mas, a partir de 1987, esta percentagem elevou-se para o dobro e foi crescendo até atingir, nos últimos anos, os 14 %.
Ainda segundo as mesmas estatísticas da justiça - e podia socorrer-me, por exemplo, de afirmações feitas pela Comissão de Protecção de Menores de Setúbal sobre o aumento de casos de abandonos de crianças -, em relação aos menores vítimas de maus tratos, afirmam o seguinte: até 1985, não ultrapassavam os 10 % os casos de menores sujeitos a internamento; de 1986 a 1987, passaram para 16 %; entre 1988 e 1990 esta percentagem cresceu, atingindo quase 30 %; e, em 1991, a percentagem atingiu 32,6 %.
Mas se quiser um exemplo preocupante, embora daí não se possa tirar uma conclusão muito segura, pois a delinquência infantil é uma excepção, em 1993, que foi um ano negro para a delinquência infantil, verificaram-se, em crianças, tendo como agressores outras crianças, nove casos de crimes contra a vida, isto é, um homicídio, seis homicídios por negligência e duas tentativas de homicídio.
E possível que estes dados não façam pensar, mas recomendaria, nomeadamente ao Sr. Deputado José Puig, que gosta de desmentir números, que lesse as estatísticas da justiça a esse respeito. Reforme a si, em particular, Sr. Deputado, porque, de facto, demonstrou que nem sequer leu o segundo Programa Europeu de Luta contra a Pobreza. E os números dos pobres de Portugal constam dele, tal como os números dos pobres da Europa, que foram os que o meu camarada Lino de Carvalho referiu, constam do ELTROSTAT, não são fantasia nenhuma. 0 Sr. Deputado, afinal, mostrou apenas ignorância.
Sr. Deputado, em relação às pessoas abrangidas pelo subsídio de desemprego, também existe um relatório da Comissão, onde se refere que, de facto, a esse nível, Portugal está na cauda da Europa, só tem outro país atrás de si.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 PSD, através do Sr. Deputado Vieira de Castro, não apontou quaisquer saídas para a situação. Aliás, pelas palavras do Sr. Deputado, ficámos até com a impressão e se a opinião pública tivesse oportunidade de acompanhar este debate concluiria da mesma forma - de que a culpa da pobreza é dos trabalhadores, dos sindicatos e dos pobres. Como o Sr. Deputado entende que, quanto mais dificuldades a pessoa sentir mais se desunha para sair delas, são, de facto, os pobres os culpados da situação de pobreza em que vivem.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Dos pobres, não, do PCP!

A Oradora: - A única proposta que me pareceu poder vislumbrar, nas palavras do Sr. Deputado Vieira de Castro,

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foi a de transformar o Tejo, o Sado e o Guadiana em rios como o Sena, para que os pobres possam dormir debaixo das pontes e nas suas margens.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Poeticamente!

A Oradora: - Poeticamente, falta-lhes a voz de Edith Piaf, neste momento, mas talvez o Sr. Deputado Vieira de Castro possa encontrar uma voz que, de facto, os adormeça, na rua.
Srs. Deputados, até nessa questão dos «sem abrigo» os senhores deviam ter vergonha, pois propuseram e fizeram aprovar nesta Assembleia, em 1990, uma nova lei do arrendamento urbano, para aumentar brutalmente as rendas de casa, e, muito recentemente, no ano passado, fizeram aprovar uma alteração a esse arrendamento urbano, para pôr as pessoas na rua, para despejar as pessoas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que este debate foi muito importante e revelou que o projecto de lei apresentado pelo PCP merece ser debatido na especialidade. Foram-lhe aqui feitas as tais críticas economicistas, mas devo dizer que o PCP, relativamente a este projecto de lei, ouviu a CGTP, a LOC, a Comissão Nacional de Justiça e Paz e alguns especialistas nestas matérias de pobreza, como o Dr. Luís Capucha, do ISCTE, e a Dr.ª Manuela Silva, e a crítica que foi feita foi a de que o valor apontado pelo projecto de lei do PCP era baixo. Para o Sr. Deputado Vieira de Castro e para os Deputados do PSD, em geral, este valor é altíssimo.
Efectivamente, isto faz-me lembrar outros tempos em que, nesta Casa, se disse, pelo menos uma vez, que um professor primário podia viver com metade de uma sardinha e uma broa. Na verdade, para os pobres tudo é demais!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

A Oradora: - No entanto, a vossa política é que é uma política de desperdícios! Os senhores protegem aqueles que não investem, protegem o capital financeiro que não investe na modernização das empresas, porque não está para isso e porque continua, aliás, na linha da burguesia portuguesa que tivemos.
De há muitos anos para cá, foi sempre essa a pecha da burguesia portuguesa, e continua a ser. Foram esses que transformaram as terras do Alentejo em montes para se passearem a cavalo e que provocaram o desemprego no Alentejo. Aliás, devo dizer-lhe que, segundo os dados oficiais do mês de Janeiro de 1994, o desemprego feminino no Alentejo é de 62,7 %.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Vocês já não diziam isso aqui há muito tempo!

A Oradora: - Sei que o Sr. Deputado Nogueira de Brito também não gosta de ouvir estas palavras, mas tenha calma.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - E o emprego nas unidades colectivas era realista?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Nessa altura, não havia fome!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - E agora há fome?

A Oradora: - Agora há fome, sim! Agora há fome, há deserto e não há cultivo!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Há arame farpado!

A Oradora: - Há caça, há coutadas e não há produção!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - E nessa altura não havia coutadas?!

A Oradora: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu sei que isto também o sensibiliza, mas tenha calma e deixe-me acabar a intervenção.
Estava a referir-me à política do Governo do PSD, que, obviamente, não mostra querer voltar atrás.
Nos debates que se fizeram em Espanha sobre estas questões da pobreza, foram apontados, por especialistas, aspectos muito importantes. Vou referir uma parte desses debates que me parece definir aquilo que se passa pela Europa e pelos governos da Europa.
Esta situação, sendo muito grave em Portugal, e mais grave do que nos outros países - todos os estudos o referem-, pode caracterizar-se pelo seguinte: os contrastes crescentes, contrastes entre a riqueza e a pobreza, têm como consequência lógica que o tecido social sofra um processo de bipolarização, de tal forma que se consolida um núcleo permanente marginalizado e excluído da vida social, económica e cultural.
A sociedade actual, a vossa sociedade, para poder funcionar, necessita desse núcleo marginalizado, não pode viver sem ele. Para que possam existir situações de privilégio e de riqueza, em volume crescente, é necessário que aumentem as situações de precariedade e de pobreza, de forma permanente. Os ricos tornam-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Os que têm poder económico e político conseguem mais poder e os que não têm poder ficam cada vez com menos poder.
Não me venha falar em democracia e em liberdades, porque, de facto, V. Ex.ª não pode falar disso, não tem moral para falar disso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação de exclusão social está a transformar-se, em vários países europeus, numa situação de explosão social. De facto, abrimos os jornais e, embora em França, com o rendimento mínimo de subsistência, as pessoas tenham conseguido melhorar a sua situação através de uma reinserção social, a verdade é que também aí se assiste a uma explosão social desordenada - os jovens manifestam-se, revoltam-se, vêm para a rua dizer que conseguiram o emprego do pai em saldo, por muito menos dinheiro. A situação no nosso país caminha muito rapidamente para uma explosão social semelhante, porque não é possível que as pessoas aguentem por mais tempo o Governo do vosso partido. Na verdade, a situação é insustentável e VV. Ex.ªs não têm qualquer consciência se continuam a conduzir uma política que cria mais e novos pobres.
O 25 de Abril, Sr. Deputado Vieira de Castro, não se fez para que as coisas chegassem a este ponto, foi uma revolução contra um regime onde o pão era contado, como disse Ary dos Santos. Mas, agora, o pão começa a ser de novo contado e, porque esse 25 de Abril aconteceu e as pessoas ainda se lembram das conquistas que têm vindo a destruir, os senhores estão já a ser condenados pela História.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Vieira de Castro e José Puig.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr a Deputada Odete Santos, começo por agradecer-lhe, em nome do meu colega José Puig e no meu próprio, a tocante intervenção que nos dedicou e que muito nos sensibilizou, acredite, por sistematicamente se nos ter dirigido directamente.
Gostava de abordar algumas questões que a Sr.ª Deputada Odete Santos referiu: quanto ao problema dos menores em risco, concordo consigo, pois o número de crianças e de jovens privados de meio familiar normal, infelizmente, está a aumentar entre nós em consequência do crescer o número de famílias que se desresponsabilizam em relação às obrigações que têm para com os seus filhos.
Nem todos os jovens privados de um meio familiar normal encontram uma resposta adequada à sua dramática situação, mas sempre lhe direi que, em todo o caso, estamos melhor hoje do que há cinco ou seis anos atrás e que aquele gosto
que todos teríamos de ver os problemas sociais solucionados num único dia não está ao nosso alcance.
De uma vez por todas, que fique claro que as medidas de carácter social implicam, em muitos casos, a existência de meios financeiros e não é possível distribuir a riqueza que previamente não foi criada. Tudo o resto é um sonho e nada mais do que isso. Poderá tratar-se de uma utopia, mas também não mais do que isso.
Relativamente à política social dos Governos do Professor Cavaco Silva, reitero o que disse há pouco: continuamos muito insatisfeitos em relação àquilo que, até agora, foi conseguido, mas só temos motivo para nos orgulharmos pelo percurso feito até aqui.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Quanto à circunstância de a sociedade portuguesa aguentar ou não mais governos do PSD, tenho a dizer-lhe, Sr. Deputada Odete Santos, que, em 1991, o Partido Comunista Português dizia o mesmo e o eleitorado deu ao PSD uma votação superior à de 1987. Certamente que os senhores estão enganados, porque o eleitorado não o está!
Finalmente, considero, em termos pessoais, que mais empolgante do que o período que se seguiu imediatamente a 25 de Abril de 1974, quanto à defesa das liberdades, foi a manifestação que teve lugar na Alameda Afonso Henriques, em Lisboa, em 1975. Lá estiveram, entre outros, Mário Soares e Francisco Sá Carneiro; eu também lá estive, mas não vi a Sr a Deputada Odete Santos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

0 Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, começo por reiterar-lhe os agradecimentos feitos pelo meu colega Vieira de Castro. Aliás, devo dizer-lhe que boa parte das questões de fundo da sua intervenção já foram por ele abordadas; todavia, como é habito, por ocasião do debate destas matérias, a Sr.ª Deputada fazer-me uma referência, já nem sei se hei-de
sentir-me honrado ou inibido...

A Sr a Odete Santos (PCP): - Não é um caso de assédio sexual!

0 Orador: - A Sr.ª Deputada usa sempre umas palavras, de certo modo, artificiais: "Sonhamos, na expressão de um
poeta; depois, a realidade é trágica e, ainda assim, ela podia ser bonita". Só que a agressividade, a arrogância, a ignorância dos outros, a verdade absoluta, o maniqueísmo que se seguem estragam tudo. Conhecemos o seu estilo, mas sentimo-nos decepcionados; existe um problema qualquer e não sabemos como há-de resolver-se esta questão e inverter-se esta tendência.
Mas falemos de coisas concretas: a Sr a Deputada falou em subsídio de desemprego, o que me leva a ler a seguinte passagem do Livro Verde sobre Desemprego: "0 aumento presente do desemprego para o valor médio comunitário de cerca de l2 %, em 1994, na sequência da elevada taxa de desemprego estrutural que hoje se verifica (...)". Na verdade, trata-se de um problema da Europa comunitária; a Sr a Deputada conhece os números referentes a Portugal, sabe que são inferiores em cerca de metade e é por essa razão que, nos quadros que apresenta, os subsídios são inferiores, pois destinam-se a um universo mais pequeno.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Que ignorância completa!

0 Orador: - De qualquer maneira, a Sr a Deputada não vai aceitar estas considerações e até imagino quais vão ser as suas palavras: "Se o desemprego na Europa comunitária é superior, demos um mau passo aquando da nossa adesão; a Comunidade não tem vantagens e, como optámos mal, encontramo-nos nesta situação".
Mas não vai conseguir enganar, nem a nós nem aos portugueses, o que, na sua perspectiva, é a pior situação que pode ocorrer. Há pouco, falei na postura assistencialista imanente a este projecto de lei, ao que o Sr. Deputado Lino de Carvalho retorquiu, dizendo: "Não, não é verdade". Mas, então, Sr. Deputado, diga claramente que considera prioritário o apoio ao acesso ao emprego, às medidas activas de formação e de criação de emprego, à formação profissional. Mas não toma essa atitude, pois a vossa grande prioridade consiste em dotar toda a legislação deste cariz assistencialista.
Quiseram implementá-lo, em Portugal, em 1975, o que foi, como sabe, aplicado até ao limite, chegando a ser garantido o emprego artificial. Nessa altura, no Leste Europeu, todas as prestações - e mais alguma - constavam da lei. Ora, depois de essa região ter estado fechada à comunicação social durante tantos anos, quando as portas se abriram, uma legião de oprimidos, de pobres, de gente na miséria, invadiu a Europa da Comunidade, a Europa ocidental, contribuindo para os valores do desemprego que constam do quadro a que já me referi.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, suponho que o Sr. Deputado Nogueira de Brito pretende beneficiar de um minuto do PCP para pedir-me esclarecimentos.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Com certeza, Sr a Deputada.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr a Deputada Odete Santos, pretendia elogiá-la, porque já estava, devo dizê-lo, de certo modo, com saudades desse estilo, de que o PCP nos tinha desabituado. 0 discurso era mais tecnocrático, mais calmo, mais realista; hoje, V. Ex.ª

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voltou com todo o irrealismo mas, ao mesmo tempo, com a paixão e com a poesia.
Porém, Sr. Deputada, a verdade é que a vossa política foi experimentada não só lá fora mas, infelizmente, também cá, no Alentejo.

Risos do PCP.

0 Sr. Deputado Lino de Carvalho abana a cabeça, mas sabe bem que foi assim. A hecatombe económica que foi a vossa política no Alentejo gerou, com certeza, muito desemprego hoje em dia, Sr.ª Deputada Odete Santos.

Protestos do PCP.

Sr a Deputada, "meta a mão na consciência" e veja se não é essa, muitas vezes, a causa da miséria.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Essa é brilhante!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr. Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, de facto, podia ter-lhe dado mais tempo para dizer coisas do género que disse, porque de maneira alguma me incomodavam.
Sr. Deputado, vá ao Alentejo e compare o de então com o de agora. Só porque o Sr. Deputado Nogueira de Brito tem uma determinada ideologia que lhe põe umas lentes foscas para apreciar as coisas, só por isso é que não vê que o Alentejo de hoje está desertificado e que o de então não estava. Aliás, talvez não saiba que as mulheres, no tempo da reforma agrária, tinham creches onde deixar os filhos e que hoje não há nada disso!

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Creches?!

A Oradora: - No entanto, não me incomodo mais em responder ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, pois julguei que fosse mais inteligente e que não encarreirasse nos argumentos do PSD. Sr. Deputado, a nossa política nunca foi experimentada em Portugal.

Vozes do PSD: - Não?

A Oradora: - Quem é que estava nos governos provisórios?

Vozes do PSD: - 0 General Vasco Gonçalves!

A Oradora: - 0 General Vasco Gonçalves, daqui a 5 anos, ainda vai ser, na vossa boca, culpado de muitas coisas. Certamente também foi culpado do congelamento das rendas efectuado, quando ele ainda estava no berço!
Mas passemos adiante, porque essa é uma discussão que revela o baixo nível que os senhores vieram introduzir neste debate, que é sério.
Sr Deputado José Puig, a sua intervenção foi de baixo nível e só lhe respondo que não tenha medo porque não se trata de nenhum assédio sexual da minha parte à sua pessoa. Aliás, só falei no seu nome, porque o Sr. Deputado negou os números apresentados pelo meu camarada Lino de Carvalho. No entanto, também não foi honra nenhuma. Escusa de corar e de ficar inibido, Sr. Deputado.

Risos do PS, do PCP e do CDS-PP.

Sr. Deputado, só me tocou aquilo que disse quando se referiu à poesia. Devo acrescentar uma coisa que já uma vez disse nesta Câmara, quando outra pessoa me fez essa crítica. E vou responder-lhe também com um poeta, Gabriel Celaya, que disse: "A poesia é uma arma carregada de futuro". Considero este verso a forma mais exemplar de definir a poesia e do modo como se pode intervir no debate político de outra maneira, Sr. Deputado Nogueira de Brito, ou seja, com paixão, com poesia, com realismo.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Não é o seu caso!

A Oradora: - Com paixão, com poesia, com realismo, que é também uma das formas de intervenção do PCP.
Devo dizer - e respondo ainda ao Sr. Deputado José Puig- que quem aprovou a liberalização dos despedimentos foram os senhores porque nós estivemos contra esse decreto. Os senhores é que têm provocado o desemprego.
0 Sr. Deputado Vieira de Castro também começou por se sentir muito honrado. Hoje, parece que estão nessa maré de se considerarem que, por se falar nos vossos nomes, são muito importantes. Mas as vedetas, mesmo quando são más vedetas, merecem uma crítica destacada nos jornais! No entanto, os senhores, hoje, foram muito más vedetas porque, em vez de irem para o centro. foram para a direita baixa. E foi por terem ido para a direita baixa que me referi a VV. Ex.ª! Não foi honra nenhuma, nem ficaria satisfeita se estivesse na vossa situação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

0 Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, assistimos nos últimos anos a uma nova ostentação de riqueza, acompanhada pelo alargamento de manchas de pobreza que, nas áreas metropolitanas das grandes cidades, chegam a atingir quase um terço da população. Preocupação acrescida pelo facto de a pobreza se transmitir nas mesmas famílias, de geração para geração, sem que a sociedade em geral, e o Governo em particular, procurem obstar, de forma solidária, à manutenção e alargamento desta chaga social.
Mas a exclusão social não atinge apenas os cidadãos e as famílias que vivem em situações de miséria declarada ou assumida mas também largos estratos das classes médias, a chamada pobreza envergonhada e, obviamente, a camada da população que saiu do circuito produtivo.
A implementação de um rendimento mínimo garantido não pode, por si só, colmatar a grave situação de exclusão social em que se encontram muitas famílias portuguesas, mas é um dos contributos que incumbe a uma sociedade moderna assumir para ajudar a minorar a situação daqueles que não possuem meios para garantir o mínimo de subsistência.
As pessoas idosas, que, durante milénios, foram o suporte da transmissão de conhecimentos e do saber acumulado pela experiência, desfrutavam de um lugar de destaque nas sociedades ancestrais, mas, com os avanços científicos e tecnológicos, os idosos foram perdendo influência. Com o progressivo abandono de alguns valores éticos, que têm sido o suporte da cultura ocidental, o idoso tem vindo sucessivamente a ser lançado numa rampa descendente, que o tem conduzido a uma situação de grave exclusão social.
Também para o idoso, a criação de um rendimento mínimo garantido é um dos vectores que contribuirá para

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obstar à sua exclusão social. Vivendo só, ou no seio da família, muitas pessoas idosas não possuem rendimentos que lhes permitam assegurar o mínimo de subsistência.- Por outro lado, verifica-se que é do escasso montante dessas reformas que eles se vêem obrigados a ajudar as famílias quando a miséria e o desemprego grassam.
Constata-se, assim, uma chocante inversão de valores. Ou seja, quando a sociedade e a família deviam prosseguir formas solidárias de reconhecimento e ajuda aos seus idosos, são estes que, em muitos casos, se vêem obrigados a deitar mão dos baixos montantes das pensões que auferem para ajudar os elementos mais novos da sua família a poderem sobreviver.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Governo, pela voz do Primeiro-Ministro, tem usado uma argumentação que não hesitaremos em classificar de ridícula para contrariar a criação do rendimento mínimo garantido.
Escamoteia o Sr. Primeiro-Ministro que esta medida está implementada em todos os países da União Europeia, com excepção da Grécia e de Portugal.
Escamoteia o Sr. Primeiro-Ministro que o n.º 3 da Declaração do Luxemburgo diz taxativamente, e passo a citar: "Solicita a criação, em cada Estado membro, de uma pensão garantida de subsistência para todas as pessoas que tenham atingido a idade de aposentação, mas não tenham direito a receber a pensão mínima, devendo esta pensão de subsistência ser fixada de acordo com um nível substancial da pensão mínima e ser concebida como uma medida de luta contra a pobreza, que afecta sobretudo as pessoas idosas, nomeadamente as mulheres".
Sabemos que uma medida isolada, designadamente a criação do rendimento mínimo garantido, não esgota a luta contra a pobreza e a exclusão social, nomeadamente no que respeita às pessoas idosas.
Mas com o argumento de que cada medida isolada não resolve globalmente os problemas, o PSD e o Governo vão obstaculizando uma série de medidas que, conjuntamente, proporcionariam, por certo, uma melhoria de bem-estar dos idosos a que uma sociedade moderna não pode ser insensível.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Em Abril do ano transacto, foi rejeitado nesta Assembleia um projecto de Lei do PS, que previa um desconto de 50 % na aquisição dos passes sociais ou de bilhetes nos transportes públicos e a sua utilização sem restrições horárias ou geográficas por pessoas com mais de 65 anos e por reformados, independentemente da idade.

0 Sr. José Penedos (PS): - São insensíveis!

0 Orador: - Alguém aqui argumentou que esta medida era apenas uma árvore na floresta de problemas que enquadram a situação das pessoas idosas em Portugal.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma floresta não será exactamente um conjunto de árvores?
No passado dia 17, em conferência de imprensa, o Secretário-Geral do Partido Socialista, Engenheiro António Guterres, apresentou uma proposta clara de criação de uma rede de apoio aos idosos em sua casa. E para que não digam que o PS se limita a apresentar propostas porque é fácil de o fazer quando se é oposição, os presidentes das Câmaras Municipais de Matosinhos, Setúbal e Portimão disponibilizaram-se a assumir a coordenação da implementação dessa rede como experiência-piloto nos seus concelhos. Depende apenas do Governo querer ou não colaborar numa acção que contribuirá decisivamente para a melhoria do bem-estar dos idosos e para obstar à sua "ghetização", bem como para a criação de postos de trabalho, dando uma contribuição de curto prazo para a solução de um problema estrutural da sociedade portuguesa.
Medidas como a criação de um rendímento mínimo garantido, a implementação de uma rede de apoio aos idosos em sua casa, a isenção da restrição de horários na utilização do passe social, a criação do provedor do idoso, serão certamente, cada uma de per si, uma árvore, mas que no conjunto poderão formar a floresta.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Mas o PSD e o Governo vêm sendo um permanente obstáculo à construção de uma sociedade mais moderna, humana e exigente na justiça e na qualidade.
A exclusão social gera a insegurança e o PS assume o combate à exclusão social, por convicção.
Mesmo para aqueles para quem o egoísmo é uma forma de estar na vida, hão-de compreender - esperemos que não demasiadamente tarde! - que se virará contra si próprios a situação de exclusão social em que muitas famílias portuguesas se encontram.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Neste Ano Europeu da Família, desafiamos o PSD e o Governo a terem uma postura diametralmente oposta à que, triste e lamentavelmente, assumiram em 1993, Ano Europeu do Idoso e da Solidariedade entre as Gerações.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para exercer o direito de defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, na sua intervenção o Sr. Deputado Vieira de Castro proferiu graves afirmações e fez uma grave provocação ao meu partido, pelo que não queremos deixar de responder-lhe, até para efeitos de registo em acta.
0 Sr. Deputado Vieira de Castro tem tanto de verbo fácil como de irresponsabilidade política e de insensibilidade social. Entre outros dislates, em parte já respondidos pela minha camarada, Deputada Odete Santos, o Sr. Deputado acusou o PCP de nunca ter querido a liberdade. Não é nosso hábito recordarmos permanentemente algumas questões, mas não podemos ficar indiferentes à mentira, à mistificação que constitui este tipo de intervenção, a que, aliás, há muito, não estávamos habituados, enquanto estes senhores não voltaram do Governo.
É sabido que o PCP, os seus dirigentes e militantes dedicaram a sua vida, exactamente, à luta pela liberdade.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

0 Sr. José Puig (PSD): - Liberdade igual a Rússia!

0 Orador: - Sr. Deputado José Puig, não diga asneiras! Quando abre a boca é só para dizer asneiras! Não diga mais nada, que é o melhor que tem a fazer!

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25 DE MARÇO DE 1994 1769

Voltando ao que estava a dizer, devo referir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nos sentimos orgulhosos de ter contribuído para o 25 de Abril, data essa que, de resto, permite que o PSD esteja agora a comemorar os seus 20 anos de existência. 15to quer, pois, dizer que o PSD foi criado depois do 25 de Abril, não existindo antes e não tendo participado nesta luta pela liberdade em que se envolveram comunistas, socialistas e muitos outros democratas do nosso país. Sr. Deputado Vieira de Castro, só obrigado a perguntar onde estava V. Ex.ª e muitos Deputados da sua bancada aquando dessa luta pela liberdade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é evidente que o estilo da intervenção do Sr. Deputado Vieira de Castro tem uma razão de ser: é que não quis discutir as questões de fundo, como, aliás, toda a bancada do PSD. Limitou-se a colocar equações de "deve haver" em matéria onde estavam, e estão, em causa os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana. Quando não se têm argumentos nem razão, foge-se à questão. Aliás, já era assim antigamente e, hoje, continua a ser assim com o PSD!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Queira terminar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Tal como antigamente, o senhor prefere levantar "papões e fantasmas", que ainda hoje vos acompanham, em vez de discutir directamente as questões que estão em causa.
Os Srs. Deputados do PSD, que são responsáveis pela grave situação em que vivem milhares e milhares de portugueses, que são responsáveis pelo "buraco" da segurança social, designadamente porque não cumprem a Lei de Bases da Segurança Social e não financiam, através do Orçamento do Estado, os regimes não contributivos e os fracamente contributivos, que são responsáveis pela evasão fiscal e pelo "buraco" orçamental, que são responsáveis pelo alastramento do desemprego e da pobreza e pelas pensões de miséria, em vez de debaterem estes problemas e as suas soluções, em vez de assumirem estas questões e fazerem uma profunda autocrítica, têm a leviandade de, mistificando este problema, acusar o PCP das coisas mirabolantes que lhes passam pela cabeça, como forma de iludir e fugir ao debate.
Reconhecemos que esta é uma questão de fronteira
entre o projecto de socieedade que defendemos, que coloca os homens e as mulheres em primeiro lugar, e o projecto de sociedade que VV. Ex.ª defendem, que tem o
capital em primeiro lugar.
0 Sr. Deputado Vieira de Castro disse que, para além da pobreza material,...

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Repito, o Sr. Deputado Vieira de Castro disse que, para além da pobreza material, havia os pobres de espírito. V. Ex.ª está, seguramente, neste segundo grupo !

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, nos poucos meses imediatos ao 25 de Abril de 1974, um partido houve que, em coerência, de resto, com o seu programa, tentou colectivizar a economia portuguesa.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É falso!

0 Orador: - As nacionalizações e a reforma agrária visavam esse objectivo.

0 Sr. António Murteira (PCP): - 15so é ignorância!

0 Orador: - Se esta afirmação não fosse verdadeira, o Partido Comunista Português não tinha perdido, desde 1975 até agora, mais de metade dos seus Deputados. 0 PCP não tem o povo consigo!
Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo que me orgulho da educação que recebi, porque, entre outras coisas, fui educado para não saber insultar.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não se nota!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, terminada a discussão do projecto de lei n.º 309/VI, resta-me informar que voltaremos a reunir-nos amanhã, às 10 horas, com uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto. António Joaquim Correia Vairinhos. António José Caeiro da Motta Veiga. António Maria Pereira. Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. Francisco João Bernardino da Silva. João Alberto Granja dos Santos Silva. João Granja Rodrigues da Fonseca. Joaquim Eduardo Gomes. José Agostinho Ribau Esteves. José Ângelo Ferreira Correia. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Manuel Nunes Liberato. José Pereira Lopes. Luís Carlos David Nobre. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Repito, o Sr. Deputado Vieira de Castro disse que, para Jorge Lacão Costa.
além da pobreza material, havia os pobres de espírito. V. Laurentino José Monteiro Castro Dias.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues. Maria Odete dos Santos.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

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Narana Sinai Coissoró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto. Carlos Alberto Pinto. Fernando Carlos Branco Marques de Andrade. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. José Albino da Silva Peneda. José Augusto Santos da Silva Marques. Manuel da Costa Andrade. Manuel Maria Moreira. Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva. Pedro Manuel Cruz Roseta. Vítor Pereira Crespo.

DIÁRIO da República
Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

PORTE
PAGO

Partido Socialista (PS):

António de Almeida Santos. Elisa Maria Ramos Damião. Jaime José Matos da Gama. José Alberto Rebelo dos Reis Lamego. José Manuel Santos de Magalhães. Luís Filipe Marques Amado. Luís Filipe Nascimento Madeira. Manuel António dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral. Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

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