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I SÉRIE

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é esta a primeira vez que reunimos após a interrupção dos nossos trabalhos por motivo da Páscoa. Espero que todos tenham feito um bom período de repouso, durante os poucos dias em que puderam ficar em casa.
Entrando no ponto seguinte do período de antes da ordem do dia, cumpre-me informar que foi apresentado um voto de pesar, elaborado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e subscrito, com muita honra, por mim próprio e por vários outros Srs. Deputados.
Como é do conhecimento de VV. Ex.", faleceu, na manhã do domingo de Páscoa, o Professor Agostinho da Silva, porventura - direi eu - o mais original dos grandes pensadores portugueses deste século, um homem que correu todas as partidas do mundo, um visionário de utopias admiráveis, um pedagogo e, sobretudo, um prático da liberdade e da portugalidade como poucos.
Estando absolutamente impossibilitado de participar nas exéquias, enviei à familia um texto, em meu nome e no da Assembleia, e pedi ao Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira que me representasse. Nesse texto, evoquei o exemplo de coerência e coragem que o Professor Agostinho da Silva sempre representou para todos e atrevi-me a dizer que Portugal perdeu uma das maiores figuras da sua cultura, um pensador brilhante, um filósofo sábio e um amante da liberdade.
Para explicitar perante todos o voto apresentado, subscrito, aliás, pela generalidade dos grupos parlamentares, o Sr. Secretário irá de imediato proceder à sua leitura.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto n.º 101/VI- De pesar pelo falecimento do Professor Agostinho da Silva, apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, PSD, PS, PCP, CDS-PP e PSN, é do seguinte teor:
Agostinho da Silva ficará como um grande vulto da cultura portuguesa, uma das expressões mais lídimas dos que dedicaram a vida à defesa dos valores da liberdade e do humanismo. Símbolo do desapego pelos bens materiais e da elevação moral, foi um dos raros representantes e símbolos da persistência e validade do combate por um portuguesismo autêntico num mundo melhor.
A Assembleia da República expressa a sua maior consternação pelo desaparecimento de tão ilustre cidadão e português e apresenta sentidas condolências à familía enlutada.

0 Sr. Presidente: - Para breves intervenções sobre este assunto, irei dar a palavra aos representantes dos grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira, que é, como disse há pouco, o autor do texto que acabou de ser lido.

0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A vida de Agostinho da Silva abrange todo o século XX, aquele que viu nascerem os maiores e mais definitivos desafios à maneira portuguesa de estar no mundo. E tendo percorrido, pela maior parte, o mundo que o português criou, envolvido este numa tormenta de mudanças que escapava à racionalização, ensinou pelo exemplo que, nesses casos, só a imaginação é mais importante que o saber.
último representante da escola de Leonardo Coimbra e Teixeira Rego, pertenceu a uma verdadeira ínclita geração em que se incluíam, entre outros, Delfim Santos, Adolfo Casais Monteiro, Pedro Veiga, José Marinho e Eudoro de Sousa. Persiste o mistério das razões que levaram, suponho que por decisão exclusiva de Alfredo de Magalhães, a extinguir a Faculdade de Letras do Porto, coisa que algures prometeu que esclareceria nas memórias, até hoje não sabidas. Por razões certamente mais socráticas do que esta, mas talvez também por esta, Agostinho tornou-se exemplo do promotor da escola trazida para a rua, ensinando, como também praticaram Eudoro de Sousa e Álvaro Ribeiro, em cafés e ainda em reuniões acidentais de ouvintes de acaso ou em barracos, dos que inquietam os municípios e governos.
No Brasil ensinou Eudoro de Sousa o seu grego, aprendido em Heidelberg, num barracão sem nenhum livro e chegando a ter, segundo consta, um só aluno, tudo segundo testemunha Almerindo Lessa. Agostinho da Silva, muito seu companheiro, quando fundou e dirigiu, na jovem Universidade de Brasília, o Centro de Estudos Portugueses, hoje desaparecido, integrado na geral e riquíssima biblioteca que ali reunimos ambos em colaboração, também quis salvaguardar a posse de um terreno destinado à construção pelas autoridades portuguesas, que nunca o fizeram, do edifício definitivo para a instituição, antes instalada em
pré-fabricados.
Para não perder o terreno, sujeito à impunidade do dá e tira, ali se instalou num barraco que anunciava ter capacidade para 1000 quilos ou dez pessoas. Habitava a precária instalação com alunos e assistentes, recebendo com as galas possíveis, que incluíam um galo polígamo e um pinheiro do Marão, os amigos e convidados, enriquecendo sémpre o convívio, de maneira inultrapassável, com o costumado discorrer, inspirado pelas noites sem igual do planalto, onde uma pequena capela aberta, mandada construir pelo presidente Juscelino, tem gravada a profecia de que naquele lugar, à beira de um lago artificial, estaria o berço de uma nova civilização, o mesmo futurismo que alimentava o pensamento de Agostinho, estudioso do frade Joaquim Flora, profeta dos novos tempos, da Idade Nova do Espírito Santo, o Espírito Santo festejado pelo povo com as "solenidades do Império", talvez inovação de Santa 15abel, mistério sobre o qual se debruçou o seu próximo Jaime Cortesão. Inquietação que incluiu, na circunstância de Agostinho da Silva, esse culto popular do Imperador Menino, o pensamento de António Vieira, a heteronomia de Pessoa e, finalmente, o projecto reinventado do Quinto Império português, espiritual e redentor.
Vagabundo das cátedras, isso não o impediu de revelar uma capacidade de realizador extraordinário, fundador de universidades e múltiplos centros de estudo, autor de mais de 200 títulos.
Em 1974, resolveu regressar a Portugal, para, como disse, olhar a Revolução. De então até à sua morte, nunca deixou de interpelar o futuro, desafiando os portugueses a assumirem a "invenção de qualquer coisa que tirasse o mundo da confusão em que está hoje" e pregando a reorganização do espaço atlântico, isso a que chamei, em tempos, o Oceano Moreno e que teria como responsáveis Lisboa, Luanda e Rio de Janeiro.
0 Padre Vítor Melícias, numa homilia inspirada, definiu-o, nos Jerónimos, como um "farol de condução deste povo", um homem que "levou e trouxe universalismo". Acrescentarei: e esperança, e confiança na criatividade rebelde, e amor à vida, sempre capaz esta de ultrapassar as catástrofes, de absorver os fins de época, de recriar os futuros.
Dizendo tranquilo, como foi lembrado: "A minha vida irá por onde quiser ir, eu sigo-a, vou pacífico na albarda do burro, pus-lhe a rédea ao pescoço, já que ele sabe melhor do que eu o caminho a seguir". Dele é de supor que, como

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