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6 DE MAIO DE 1994 2237

da República num período decisivo para a África do Sul e para os portugueses que lá habitam.

O Sr. Ruí Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terminado o processo eleitoral, as nossas conclusões, relativamente aos dois objectivos da missão que a delegação se propôs, são os seguintes: por tudo o que vimos e também pelo que ouvimos, lemos e soubemos, é nossa convicção que as eleições sul-africanas foram globalmente justas e honestas - just and fair, para usar a linguagem das Nações Unidas.
Houve, é certo, em algumas secções de voto, problemas administrativos, designadamente de ordem logística e/ou informática, os quais, no entanto, acabaram por ser resolvidos ou estão a ser investigados nos termos previstos na lei eleitoral. Contudo, considerando as tremendas dificuldades da organização de um processo eleitoral num país em que vários milhões de negros votavam pela primeira vez, em que não havia cadernos eleitorais baseados num censo à população, em que um dos partidos só muito tarde declarou concorrer às eleições, e atendendo ao modo ordeiro como todo o processo eleitoral decorreu, praticamente sem violências ou coacções dignas de registo, bem como a grande afluência da população às umas, a conclusão é de que essas irregularidades, ou mesmo ilegalidades, pontuais não afectam a correcção do processo eleitoral considerado na sua globalidade.
Por outro lado, dos nossos contactos com os portugueses da África do Sul, concluímos que, na generalidade pelo menos, não pensam regressar a Portugal, que participaram em grande número no acto eleitoral e que, neste momento, estão numa atitude de expectativa optimista relativamente ao futuro da África do Sul.
Isto quanto à nossa missão.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para além do que vem dito, gostaria de realçar aqui o facto de os Deputados portugueses terem presenciado um acontecimento histórico de proporções transcendentes, que altera radicalmente o contexto político da África Austral. Um acontecimento histórico que, se nos limitarmos aos tempos mais recentes, eu compararia à queda do muro de Berlim ou à revolução do 25 de Abril em Portugal.
Tal como estes dois últimos acontecimentos, as realizações multi-raciais na África do Sul representam, antes do mais, uma grande vitória do ideal da liberdade, que é o substrato dos direitos do homem e da democracia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Há cerca de meio século, quase na mesma altura em que era proclamada, nas Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem - em cujo artigo 1.º se declara que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, não podendo ser estabelecida qualquer distinção fundada na raça, na cor ou no sexo -, a África do Sul, num movimento em sentido oposto, institucionalizava o hediondo regime do apartheid que, na realidade, correspondia a um novo tipo de escravatura, em que a cor negra da pele condenava milhares de homens e mulheres a não terem direito de cidadania no seu próprio país, a serem desterrados para townships miseráveis e insalubres ou para as zonas inóspitas dos bantustões, a não poderem ter educação, que era reservada apenas aos brancos, a terem de viver toda a vida miseravelmente, a não poderem exprimir a sua revolta sob pena de serem presos, torturados e executados como dezenas de milhar o foram.
O espectáculo que presenciámos nas secções de voto das miseráveis townships, em que em longas filas de quilómetros homens e mulheres negros aguardavam pacientemente durante horas e horas o momento culminante em que, pela primeira vez na sua vida, iam exercer o seu direito de homens e mulheres livres a votarem no seu próprio país, nunca mais o esqueceremos. Como nunca mais esqueceremos a emoção que havia em tantos rostos, onde, com frequência, as lágrimas afloravam.
Esta formidável transição de um regime opressivo, violador dos mais fundamentais direitos do homem e condenado por todo o mundo civilizado, para a democracia multi-racial foi possível graças à conjugação de vários factores. Antes do mais, a luta, muitas vezes armada, dos negros sul africanos contra o regime iníquo imposto pelo governo de Pretória; depois, a reacção mundial de uma intensidade sem precedentes, conduzindo à condenação da política do apartheid, ao isolamento e à aplicação de sanções à África do Sul; e, finalmente, a quase miraculosa coincidência de, de um lado e outro da barricada, terem emergido dois homens excepcionais que, ultrapassando os profundos ressentimentos do passado, compreenderam que só através da conciliação e da negociação seria possível evitar o abismo da guerra civil para que o país fatalmente corria.
Através de dificuldades extraordinárias, em que um passado de anos e anos de confrontação armada tinha deixado marcas profundas, Nelson Mandela conseguiu ultrapassar o trauma de 27 anos de cadeia e entender-se construtivamente com o representante máximo do sistema que o tinha conduzido à prisão; e, por outro lado, o Presidente De Klerk, sobrepondo-se à linha política do seu partido, responsável pelo sistema do apartheid, conseguiu, assumindo todos os riscos, fazer inflectir essa linha ao ponto de passar a condenar o que antes tinha tenazmente defendido.
Ambos compreenderam que só assim seria possível salvar a África do Sul da catástrofe que se anunciava no horizonte.
Quando o Presidente De Klerk libertou Nelson Mandela e iniciou o processo negocial que conduziu às eleições multi-raciais, alguém lhe perguntou se ele não tivera consciência do risco enorme que corria pelo facto de, estando no poder, aceitar eleições em que, com certeza, o seu partido seria vencido. A resposta foi: «eu tinha uma opção entre aceitar este risco ou a certeza de avançar fatalmente para a catástrofe de uma guerra civil. Preferi assumir o risco».
Os factos provaram que a corajosa aposta de De Klerk estava certa. E mais, provaram que, graças sobretudo ao prestígio, ao sentido de Estado e à liderança indiscutível de Nelson Mandela, esse risco acabou por ser ultrapassado. Ao realizar, pela primeira vez na sua História, eleições multi-raciais que decorreram sem acidentes, a África do Sul deu um exemplo de civismo, não só à África mas ao mundo inteiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa época em que somos constantemente bombardeados com notícias horríveis de genocídios, massacres, torturas, guerras e tantos e tão graves atentados aos direitos do homem, que nos chegam da Bósnia, do Burundi, do Ruanda, de Angola e tantas outras bandas, é reconfortante poder

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