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Quinta-feira, 26 de Maio de 1994 I Série - Número 76 2453

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE MAIO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83º do Regimento, o Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro) esclareceu a Câmara quanto às medidas adoptadas pelo Governo relativamente aos acontecimentos que recentemente envolveram os Serviços de Informações e Segurança e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Loção (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), Eduardo Pereira (PS), Octávio Teixeira (PCP) e Mário Tomé (Indep.).
Em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP) criticou a política de segurança interna do Governo. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Silva Marques (PSD) - relativamente ao qual o Sr. Deputado Eduardo Pereira (PS) exerceu o direito de defesa da consideração.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Loção (PS) referiu-se de novo à necessidade de se proceder a um inquérito parlamentar às actividades e actuação do SIS. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pacheco Pereira (PSD) - que exerceu também o direito de defesa da consideração -, Narana Coissoró (CDS-PP) e João Amaral (PCP).
O Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho (PSD) abordou a temática das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro.

Ordem do dia.- Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 385/VI - Cria o rendimento mínimo garantido (PS). Após a síntese do relatório da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família feita pelo Sr. Deputado Branco Malveiro (PSD), intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados João Proença (PS), Rui Carp (PSD), Raul Castro (Indep.), Nogueira de Brito (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP) e Vieira de Castro (PSD).
Entretanto, foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando um Deputado a depor em tribunal.
Foram ainda aprovadas, na generalidade, as propostas de lei n.ºs 1O0/VI - Autoriza o Governo a disciplinar as atribuições e competências dos serviços municipais de polícia e os limites da respectiva actuação e 101/VI - Altera a Tabela Geral do Imposto de Selo e o Estatuto dos Benefícios Fiscais, tendo sido rejeitados os projectos de resolução n.ºs 115/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n. º 78/94, de 9 de Março (PCP) [ratificação n. º 118/VI (PCP)] e 116/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 78/94, de 9 de Março (PS) [ratificação n.º 119/VI (PS)].
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

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Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Alberto Cardoso, Maria Julieta Sampaio e Paulo Rodrigues; ao Ministério do Emprego e à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio; aos Ministérios da Defesa, do Mar, e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Mário Tomé e Raul Castro; a diversos Ministérios e às Câmaras Municipais de Lisboa, Amadora, Loures e Vila Franca de Xira, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Rui Vieira; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Fialho Anastácio; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados Caio Roque e Miguel Urbano Rodrigues; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, e das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Ministério da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados José Vera Jardim e Raul Castro; a diversos Ministérios e ao Ministro da República para os Açores, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Trindade; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Pinto; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Cerqueira de Oliveira.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Mário Tomé, na sessão de 17 de Dezembro; José Apolinário, na sessão de 21 de Maio; Alberto Costa, nas sessões de 9 de Junho e 14 de Janeiro; José Magalhães, na sessão de 10 de Julho; José Reis, na sessão de 11 de Dezembro; Guilherme d'Oliveira Martins, nas sessões de 21 de Janeiro, 18 de Agosto, 16 de Setembro, 26

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de Novembro, 9 de Fevereiro e 24 de Março; Fernando Santos Pereira, na sessão de 4 de Fevereiro; Isilda Martins, na sessão de 9 de Fevereiro; José Vera Jardim e António Costa, na sessão de 4 de Março; Odete Santos, na sessão de 26 de Março; Diogo Freitas do Amaral, na sessão de 22 de Maio; Luís Peixoto, na sessão de 28 de Maio; André Martins, no dia 26 de Julho; Fernando Pereira Marques, no dia 6 de Outubro; Adão Silva, na sessão de 29 de Novembro; Ana Maria Bettencourt e Fernando Pereira Marques, na sessão de 3 de Fevereiro; Paulo Trindade, na sessão de 9 de Fevereiro; Paulo Rodrigues, nas sessões de 11 de Fevereiro e 16 de Março; Helena Torres Marques e António Alves, na sessão de 11 de Março; Luís Nobre, na sessão de 14 de Março; Luís Sá, na sessão de 23 de Março; Álvaro Viegas, nas sessões de 24 de Março e 22 de Abril; João Rui de Almeida e António Campos, nas sessões de 7 de Janeiro e 6 de Abril; Raul Castro, na sessão de 13 de Abril; Lino de Carvalho, nas sessões de 21 de Abril e 6 de Maio; Luís Pais de Sousa, na sessão de 4 de Maio e António Murteira, na sessão de 6 de Maio.
Entretanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão reunidas as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, a de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, e a Comissão Eventual para o acompanhamento da situação em Timor-Leste.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Tomé pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, vou entregar um projecto de lei à Assembleia que, na minha opinião, vai exigir da parte da Assembleia uma resposta urgente.

Risos do PSD.

Os Srs. Deputados riem sem ao menos saberem do que vou tratar...
Sr. Presidente, o referido projecto de lei pretende responder a uma preocupação da Comissão Nacional de Eleições, expressa num parecer que fez chegar à Assembleia sob a forma e o enquadramento jurídico em que se vão realizar as eleições para o Parlamento Europeu. É que a Lei Eleitoral para a Assembleia da República, para a qual reporta a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu,- não acompanhou a revisão constitucional de 1989 que aponta para que as televisões privadas dêem acesso aos partidos candidatos às eleições no que reporta aos tempos de antena.
Confesso que esperava - e penalizo-me pela minha ingenuidade - que os grandes grupos parlamentares tivessem em conta este parecer da CNE. Mas, não havendo qualquer resposta, que me parecia urgente e necessária, para adequação da lei à Constituição, resolvi eu próprio tomar a iniciativa.
É disso que estou dar conta ao Sr. Presidente e à Assembleia e vou entregar na Mesa o meu projecto de lei de alteração à lei eleitoral.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, o tema foi hoje de manhã considerado na Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares. O Governo - e há aqui uma alteração de circunstâncias- está a abrir a possibilidade de ajudar: ao financiamento desse acto suplementar de esclarecimento do eleitorado e, naturalmente, a Assembleia da República, vai encarar isto com olhos diferentes, porque as circunstâncias se alteraram.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção política, ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento da Assembleia da República, e respeitando os termos aí exigidos, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conhecido o relatório do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações sobre as actividades do SIS-Madeira e as medidas que eu próprio tomei, entendi ser meu dever vir imediatamente à Assembleia da República, e é isso que faço na primeira sessão plenária que esta Assembleia tem depois destes acontecimentos,...

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - ... explicar o sentido das decisões que tomei e vir aqui também, Srs. Deputados, sujeitá-las a debate; sujeitá-las à sindicância desta própria Assembleia.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ora essa!

O Orador: - Os jornais noticiaram alegadas investigações que o SIS-Madeira teria feito a magistrados daquela região autónoma. Imediatamente, no próprio dia em que tomei conhecimento, solicitei ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações um rigoroso e célere inquérito. E mais do que isso, também, disponibilizei a esse conselho toda a colaboração que considerasse necessária, todos os meios que entendesse úteis para um cabal esclarecimento da tarefa que ia fazer.
O Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações produziu um relatório e dele decorrem duas outras coisas que merecem ser salientadas.
Em primeiro lugar, não se provou qualquer investigação do SIS-Madeira aos magistrados que alegavam tais investigações. Isso, aliás, mereceu à classe política que se tem pronunciado sobre este assunto, nomeadamente à oposição, muito pouca relevância!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito estranho!

O Orador: - Quando, Srs. Deputados, se quisermos ser sérios em relação a esta matéria, isso é um facto da maior relevância. Afinal, alguns magistrados tinham-se pronunciado no sentido de estarem a ser alvo de investigações, são fiscalizados os serviços e aquelas não se provam. Isso é um facto relevante, é um facto importante. Porventura, mesmo o facto mais importante daquele relatório.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o relatório conclui também, e cito o que diz, que "o SIS Madeira produziu

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relatórios sobre assuntos que nitidamente ultrapassam as suas competências, tais como prostituição, corrupção de menores, informações partidárias, análise de eleições, críticas a órgãos investigatórios e até judiciais". Chamo a atenção para a fórmula usada pelo Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações: "ultrapassam as suas competências". Foi a fórmula que entendeu, utilizar e não outra. Podia ter utilizado uma série delas, mas entendeu utilizar esta fórmula, que também deve ser tomada em consideração.
Chamo ainda a atenção para outra coisa: é que neste rol de actividades que o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações entendia, e entende, que ultrapassam as competências do SIS, não inclui, por exemplo, investigações a pessoas. Quer dizer, o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações não veio dizer que "nomeadamente, se apurou relatório sobre prostituição, etc. e investigações a pessoas". Não consta cá. E não consta, certamente, porque não poderia constar.
O Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações entendeu ainda concluir que tinha apurado que "o SIS central não deu quaisquer instruções para obtenção desse tipo de informação..." E, mais ainda "... não sendo esta informação tratada de forma a ser canalizada para o Governo."
No entanto, porque o Conselho de Fiscalização concluiu que o SIS-Madeira tinha produzido relatórios que ultrapassavam as suas competências, entendi que devia agir imediatamente. E assim fiz. Decidi a exoneração do director regional do SIS Madeira, aceitei o pedido de demissão do Sr. Director-Geral do SIS e nomeei um novo director-geral, por sinal um magistrado do Ministério Público, procurador-geral adjunto.
E porquê, Srs. Deputados, esta decisão e a sua rapidez? Entendo que todos os serviços públicos estão submetidos à lei. Mas entendo que, tratando-se de um serviço de informações, eles estão especialmente submetidos à lei. Trata-se de serviços que, em meu entendimento, devem um escrupulosíssimo respeito à, lei. E, não havendo um escrupulosíssimo respeito à lei, ainda que se tratasse de coisas menos relevantes, ou mesmo menores, entendi que devia tomar esta decisão. Isto é, que esta era a proporção adequada aos acontecimentos.
Penso que a decisão que tomei constitui uma dupla garantia para os cidadãos: por um lado, nesta matéria, significa que o Governo em relação às informações defende, de facto, um estrito cumprimento da lei, uma estritíssima observância da lei; por outro lado, demonstra que o Governo, mesmo que só por uma vez tenha entendido que aconteceu alguma coisa que não era esta observância estrita, agiu de imediato de modo a corrigir a situação. Numa palavra, pode-se dizer que o que daqui se conclui é que o Governo está nesta matéria particularmente muito atento, atentíssimo, ao cumprimento da lei.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, sendo certo que Portugal tem de ter. serviços de informações, como têm todas as democracias, o problema é saber se estão reunidas todas as garantias possíveis no nosso sistema de fiscalização, de modo a que possamos ter a certeza de que estes serviços se preocupam apenas, e só, com a produção de informações que habilitem o Governo a melhor servir a causa da segurança pública. Esta é que é a questão central deste debate. Isto é, saber se o nosso sistema de fiscalização é de molde a garantir que o sistema de informações produz informações relacionadas com a segurança interna e só. Esta é, repito, a questão central.
E quais são, no nosso sistema, as garantias de que assim acontecerá?
A primeira garantia é a lei. Temos hoje serviços que decorrem da lei e que têm toda a sua actuação balizada pela lei. Esta é uma primeira e importantíssima garantia.

O Sr. João Amaral (PCP): - Excepto quando excede a lei!

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, ainda que não houvesse serviços de informações criados por lei, garanto-lhe que haveria em Portugal serviços de informações, como houve no tempo em que o Partido Comunista teve uma importância fundamental no nosso país. Só que nessa altura, não estavam sujeitos à lei nem tinham nenhum controlo.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Como aconteceu na altura em que o Deputado Angelo Correia foi Ministro!

O Orador: - A segunda garantia, advém - tem que advir - da pessoa que dirige o dia-a-dia dos serviços. Tem que ser alguém que mereça credibilidade, que tenha idoneidade para servir este tipo de serviços, para os dirigir nomeadamente.
Em terceiro lugar, o Governo, que tutela os serviços, tem que ter sensibilidade em relação a estas matérias e tem que ter uma postura em relação a eles que seja, como disse há pouco, a do cumprimento rigoroso e estrito da lei.
Mas, Srs. Deputados, porque podem não acreditar, mais importante que isto são outros mecanismos de fiscalização e controlo. Assim, a nossa lei estabelece que há um conselho de fiscalização, eleito pela Assembleia da República, a quem cabe, segundo a Procuradoria-Geral da República, no parecer de Abril de 1993, o seguinte: "assegurar que a actividade daqueles serviços se desenvolva no quadro dos objectivos que lhes foram apontados e no respeito pelos direitos fundamentais consagrados na Constituição e na lei ordinária. Ao Conselho, foi pois confiada uma função de mediação entre os cidadãos e o poder, que lhe impõe uma posição de garante da não invasão da esfera dos direitos individuais e das liberdades públicas." É isto que cabe ao conselho no modelo de fiscalização que temos.
A importância que atribuo a este Conselho deve estar bem patente na colaboração que sempre entendi dever prestar ao mesmo. É que sempre que o Conselho solicitou o que quer que fosse teve inteira disponibilidade para a colaboração, quer do Ministério quer dos serviços. Mas o modelo da fiscalização é mais vasto ainda, porque ao lado deste Conselho de Fiscalização a lei estabelece a existência- que existe, de facto- de uma Comissão composta por três magistrados do Ministério Público, designados pelo Sr. Procurador-Geral da República, a quem compete fiscalizar o centro de dados, isto é, todos os dados informáticos que o serviço

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tem, como, aliás, refere o aludido parecer da Procuradoria-Geral da República: "Esta Comissão dispõe de poderes para determinar o cancelamento ou a rectificação de dados recolhidos que envolvam violação de direitos, liberdades e garantias, consignados na Constituição e na lei e, se for caso disso, exercer a correspondente acção penal".

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, já utilizou 10 minutos.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, peco-lhe mais um curtíssimo espaço de tempo, para concluir a minha intervenção.
Mais ainda, é óbvio que também os cidadãos têm sempre à sua disposição o recurso ao controlo jurisdicional.
Este é, a meus olhos, um bom sistema de fiscalização e o mesmo, aliás, entendeu a Procuradoria-Geral da República naquele parecer de 1993, porque dizia assim: "Através da Comissão de Fiscalização do Centro de Dados e do Conselho de Fiscalização, o legislador garantiu a existência dos mecanismos institucionais e especializados, que reputou adequados à protecção dos direitos susceptíveis de serem postos em perigo pela actividade dos Serviços de Informações".
Há, evidentemente, outros modelos de fiscalização e o nosso legislador, há 10 anos atrás, não optou por eles: há o modelo alemão; há o modelo inglês, onde o Parlamento não tem qualquer interferência, pois há um alto comissário que tem de fiscalizar esses serviços; há o modelo belga, semelhante ao nosso, que tem uma comissão de cinco elementos; há o modelo francês, em que há comissões ad hoc para fiscalizarem sempre que se considere que é caso disso;...

O Sr. João Amaral (PCP): - E há o modelo Cavaco Silva!

O Orador: - ... e há o modelo espanhol - e cito-o aqui, sobretudo, para os Srs. Deputados socialistas - que é extremamente curioso. Neste modelo não há qualquer comissão de fiscalização, mas os Deputados podem questionar o governo sobre os serviços de informações e, depois, é o presidente do governo que está obrigado a prestar essas informações. A quem? Se é matéria classificada tem que a prestar a um representante de cada grupo parlamentar. Pensarão os Srs. Deputados que cada grupo parlamentar dirá: "Bom, do Grupo Parlamentar do PSD é o Sr. Deputado Duarte Lima; do Grupo Parlamentar do PS é". Mas não é assim! O Deputado que cada grupo indica tem de ser eleito por 3/5 da Câmara.
Vejam bem até que ponto vai a fiscalização dos serviços de informação em Espanha. Se calhar, para dar razão ao meu querido amigo Dr. Almeida Santos, que aqui disse, justamente há 10 anos- é o que consta do Diário -, que nesta matéria "o sigilo é de ouro".
Julgo que, mais do que nós próprios, de facto, a lei espanhola veio dar-lhe razão.
Mas o problema é extremamente simples. O problema é saber se estamos de acordo e se entendemos que este modelo de fiscalização é garantia para os cidadãos, ou não estamos de acordo.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, a questão é extremamente simples: quem está de acordo, mantém-se, deve bater-se pela manutenção deste modelo; quem não está de acordo, deve propor a sua alteração. E cá estaremos, então, todos para debater se o futuro modelo é melhor ou pior e, sobretudo, para dizer o que pensamos dele.
Desde já adianto que entendo que este modelo é bom e, mais do que isso, este modelo, comparado com os modelos da Europa Ocidental a que pertencemos é, no mínimo, tão bom como os deles, para não dizer que é um modelo de fiscalização mais rigoroso e apertado do que o dos nossos parceiros europeus.
Sei que, há 10 anos, este foi o modelo que o Partido Socialista sufragou e defendeu inteiramente.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É verdade!

O Orador: - Mas não sei se o Partido Socialista, entretanto, mudou de opinião. Se mudou é bom que o diga. Se pensa, como é legítimo esperar que pense, que este modelo, de que ele em boa parte é o pai, ainda é o bom modelo, então, tem de dizer se temos ou não confiança nas pessoas que estão a desempenhar esta função. E esta é outra questão.

Aplausos do PSD.

Porque se o sistema é bom e não dá garantias, então, a culpa é das pessoas que servem o sistema. E, Srs. Deputados, quero dizer-lhes, com muita clareza, que o Governo tem o maior respeito pelos três magistrados do Ministério Público que fiscalizam o centro de dados dos Serviços de Informações e Segurança e tem o maior respeito pela idoneidade, competência e seriedade do ex-Sr. Deputado Montalvão Machado, do Sr. Dr. Anselmo Rodrigues e do Sr. Deputado Marques Júnior.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Administração Interna, os Srs. Deputados Jorge Lacão, Narana Coissoró, Eduardo Pereira, Octávio Teixeira e ainda, porque lhe dou um minuto, o Sr. Deputado Mário Tomé.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, o que desde já me ocorre dizer é que a sua intervenção foi um desapontamento total.

Risos e protestos do PSD.

Calma, Srs. Deputados!
Como terei ocasião de provar, na declaração política que de seguida irei fazer, trata-se de uma intervenção sem razão e com falta de razões!
Por agora, deixe-me colocar algumas questões.
Como pode o Ministro da Administração Interna sustentar, na Assembleia da República, que o Governo se compraz com o estreitíssimo cumprimento da lei quando o Sr. Ministro faz parte de um Governo que, desde 1985 até hoje, está em claro incumprimento do Sistema de Informações da República, permitindo a confusão gravíssima entre serviços civis de informações e serviços militares de informações. Não pode, não tem razão, não tem autoridade política para sustentar o estreitíssimo cumprimento da lei, porque, nesta matéria, aquilo que o Governo faz é violar a Constituição e a própria lei.

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Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Isso já é desvio!

O Orador: - Pergunto-lhe ainda: como pode o Sr. Ministro sustentar a sua boa diligência ao vir dizer que vem colocar os seus actos recentes, nas suas próprias palavras, à sindicância da Assembleia da República? Não é verdade, Sr. Ministro! O que o senhor, quando muito, quis fazer foi um acto de exaltação da sua própria iniciativa, porque se quisesse co-envolver, num clima de consenso e de co-responsabilização, os partidos parlamentares, não tinha tomado qualquer acto de nomeação, nem do responsável do SEF e muito menos do SIS, sem, ao abrigo do estatuto da oposição, ter ouvido os partidos parlamentares.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

Nesta matéria, era o seu dever essencial!
Depois, o Sr. Ministro suscita a questão do papel do Conselho de Fiscalização. O Sr. Ministro não pode nem tem o direito de ignorar que é o próprio Conselho de Fiscalização que, ano a ano, em cada relatório que elabora, coloca o problema das suas competências. Nessa medida, não está em causa, não pode estar em causa, a probidade individual dos membros desse Conselho, mas o conjunto de competências na lei para o exercício das suas funções de fiscalização. E quando diz que não sonega informações ao Conselho, o Sr. Ministro tem de compreender que um conselho de fiscalização tem de funcionar na base da lei e não da vontade discricionária de qualquer membro do Governo.
Por outro lado, pergunto: como pode o Sr. Ministro sustentar que tudo agora está claro, que tudo está esclarecido, apenas porque exonerou dois responsáveis e nomeou um responsável para os serviços de informações?
Não tem razão, Sr. Ministro! E muito menos tem razão quando escamoteia que a lei permite à Assembleia da República, também em matéria de serviços de informações, o exercício pleno das suas competências de fiscalização.
Por isso, pergunto-lhe: qual é a sua posição perante o pedido de inquérito parlamentar aqui formulado pelo PS? Qual é a posição do Governo? Como é que o Governo aconselha o seu grupo parlamentar?

Protestos do PSD.

Respondo-lhe por antecipação. Se o Governo e o PSD não aceitarem o pedido de inquérito formulado pelo PS, a conclusão é apenas uma, e só uma: é porque têm medo da verdade e do esclarecimento cabal desta situação perante a opinião pública portuguesa.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, depois de ter sido tão anunciada a sua intervenção, hoje, nesta Assembleia, pensei que vinha aqui falar sobre os factos concretos do que se passou na Região Autónoma da Madeira. Mas, afinal, veio fazer uma apologia do nosso actual sistema de fiscalização, dizendo que ele deve manter-se, que é melhor do que o sistema comparado da fiscalização.
Sr. Ministro da Administração Interna, não é isso que está em causa. Este debate não é para saber se o nosso figurino do Conselho de Fiscalização é ou não o melhor da União Europeia.
O que V. Ex.ª deveria esclarecer- e louvo e sua iniciativa, mas não louvo a sua intervenção- era o que se passou realmente na Região Autónoma da Madeira, para levar à exoneração do Dr. Evangelista, aceitando o princípio da responsabilidade objectiva, que, pela primeira vez, este Governo aceitou quanto aos actos dos superiores em relação aos inferiores. É o primeiro exemplo que temos da governação de Cavaco Silva em que há a enunciação expressa da responsabilidade objectiva, com cuja invocação aceitou a exoneração do Sr. Director-Geral.
Gostaríamos de saber claramente que violações da lei houve por parte do SIS no seu conjunto e que V. Ex.ª desconhecia por completo, porque esses serviços estão em total auto-gestão.
Das duas, uma: ou V. Ex.ª não tem competência para dirigir, porque não sabe o que se passa dentro do SIS, ou então V. Ex.ª deveria aqui dizer exactamente o que se tinha passado. O SIS recolhe informação sem lhe dar conhecimento, tem "caixas" próprias para sua própria investigação, e V. Ex.ª nada sabe. Pela primeira vez, o Conselho de Fiscalização dá-lhe informação que V. Ex.ª desconhecia e, então, fica todo atarantado e desata a demitir pessoas, julgando que essa é a melhor solução, salvaguardando-se a si próprio, dizendo que desconhecia tudo quanto ali se passava, o que mostra, repito, que o SIS está em autogestão.
Se entende que tudo quanto se passou na Madeira é um caso menor, como V. Ex.ª disse, de pequenas violações, não se compreende, de forma alguma, que demita o Dr. Evangelista, a não ser por razões de idade, como disse o Sr. Primeiro-Ministro: "o velhinho, coitadinho, alguma vez pode fazer alguma coisa, algum inquérito, sozinho, com aquela idade?".
Está a ver o funcionário que V. Ex.ª mantinha até se saber o que ele tinha feito?! E o Sr. Primeiro-Ministro, em vez de falar do serviço, vem dizer: o velhinho, coitadinho, com 70 anos, como é que ele pode fazer, sozinho, inquéritos a magistrados, quando ele nem pode mexer as mãos ou os pés.
Foi uma vergonha!
Se, realmente, eram dadas informações sobre partidos, sobre o Sr. Jaime Ramos, sobre resultados eleitorais, e o parecer sobre os candidatos autárquicos da Região Autónoma da Madeira, como os jornais disseram, se tudo isso era feito sem conhecimento de V. Ex.ª, não sei como é que dirige esse serviço, já que tantas coisas se passam à margem do seu conhecimento.
Portanto, Sr. Ministro, quando invoca a responsabilidade objectiva, deve levar este princípio até ao fim, segundo a Constituição. V. Ex.ª até costuma dizer "eu dou a cara", mas V. Ex.ª dá a cara mas guarda o corpo, isto é, mantém-se ministro, quando- e isso acontece em qualquer país democrático-, como a responsabilidade política objectiva é só sua, V. Ex.ª tinha de pedir a demissão. Foi isso o que fez o Ministro do Interior da Alemanha, quando um cidadão foi alvejado a tiro pela polícia em circunstâncias ilegais. Isso acontece também na Espanha, onde os ministros estão a "cair como tordos".
Sr. Ministro, por que é que o princípio da responsabilidade objectiva acaba no director-geral do SIS, já que

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este mandou arquivar, não deu conhecimento e respeitou os princípios todos da legalidade, e V. Ex.ª, que está acima dele, que nele manteve a confiança, que sabe não ter tido ele intervenção directa nesses relatórios, não apresenta a sua exoneração?
Quer dizer, o cargo de ministro é muito apetecível porque permite exonerar os outros, mas quando chega a ele a responsabilidade objectiva a atitude é "a do "pára aí, isso não é nada comigo mas sim com os outros, eu limpo daí as minhas mãos". Não pode ser, Sr. Ministro!... A fiscalização do SIS tem de começar por si e se V. Ex.ª não sabia o que se passava no SIS como é que nós vamos saber o que por lá está mais arquivado? Como saber se não estão lá arquivados mais relatórios, sobre Guimarães, sobre Braga, sobre os Açores, sobre Lisboa, sobre o Largo do Caldas, sobre o Largo do Rato?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que conclua, pois já excede largamente o seu tempo.

O Orador: - Se amanhã aparecer um novo problema, lá vem V. Ex.ª dizer que demite o Dr. Daniel Sanches, que demite os subordinados, mas que continua no Governo!... Então onde é que acaba a responsabilidade objectiva?

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, quero começar por lhe lembrar que, em Março de 1986 - e lembro-o também aos Srs. Deputados -, chamámos a atenção do Sr. Primeiro-Ministro...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Perdoa-me! Risos do PSD.

O Orador: - ... e do Sr. Ministro da Administração Interna para a forma como estava a ser implementado o Serviço de Informações de Segurança. Não o tomaram em consideração.
Aliás, fazendo um pequeno parêntesis para responder à bancada do PSD, quero assinalar que os jornais publicam que, em 1986, tomou posse o director-geral dos Serviços de Informações e Segurança, durante o governo do bloco central, por proposta do Ministro Eduardo Pereira ao Cavaco.

Risos do PSD.

Confesso que não percebi, não sei se o Sr. Ministro percebeu, mas é isto que faz o contentamento da bancada do PSD que, aliás, sobre a matéria tem poucas ideias e brinca com os jornais.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Perdoa-me!

O Orador: - Sr. Ministro, é difícil entrar no debate que propôs, já que abordou quatro questões que são difíceis de seguir.
A primeira diz que o sistema serve e, então, é de pessoas que se trata; o serviço deve guardar escrupulosíssimo respeito pela lei.
Sr. Ministro, guardar respeito não chega, porque o sistema não serve! E não serve porque foi criado um sistema que tinha três serviços de informações...

O Sr. Ministro da Administração Interna: - É o sistema de fiscalização.

O Orador: - ... e os senhores não concretizaram tal exigência. Sei que não é isso que lhe interessa, mas é isto que torna os senhores culpados!...

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Quer dizer, não querem o SIED, mas, ao manterem uma polícia verdadeiramente secreta, a DINFO, ao terem uma 2.ª Repartição generalizada de informações, em vez de criarem um serviço de informações militares, acabaram por atirar o país para o que sucedeu, e que é apenas a ponta de um iceberg muito grande.
Na realidade, os senhores têm de responder a algumas questões. Sr. Ministro, é capaz de me dizer como é que assina a nomeação de um director para a Região Autónoma da Madeira, que só tem um jardineiro que é ao mesmo tempo chauffeur? Ou será que ele tem 30 ou 40 informadores?
Só o Sr. Ministro poderá responder a esta questão, pois só o senhor pode ver se eles constam da folha de pagamento do seu ministério.

O Sr. José Magalhães (PS):- Boa questão!

O Orador: - Ou, para além desse director, haverá mais sete, oito ou nove funcionários, cuja existência em serviço se omite?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - São todos velhinhos...

O Orador: - Velhinhos não; velhinho é o secretário da Comissão Técnica e este era apenas colaborador do director em Angola. Não é tão velhinho como isso e trata-se de uma pessoas que, em minha opinião, é bastante competente.

Uma Voz do PSD: - E o Presidente da República?

O Orador: - Sobre o Presidente da República, devo dizer-lhe que neste país pretendeu criar-se um serviço de informações dependente do Presidente da República, que vigiava os partidos e que dava pareceres sobre os planos de desenvolvimento e que os senhores não lhe fazem a mais pequena referência. E não foi o actual Presidente da República que quis criá-lo, pois este foi um dos que se opôs à criação desse serviço.

Aplausos do PS.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS):- Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, parece-me que o Conselho de Fiscalização fez tudo quanto pôde com os elementos que tinha. Mas o Sr. Ministro sabe, tão bem como eu, que ele só teve acesso aos elementos que o Sr. Ministro autorizou ou que os serviços lhe deram.
Quando o Sr. Ministro pediu para o Conselho actuar já ele tinha tomado a iniciativa de o fazer. Portanto, estão para aí a atirar flores que, na verdade, já estavam no ar e caíram em cima de si.
Sr. Ministro, o que precisamos de saber é o que ainda lá está. Ainda lá estará mais qualquer coisa? Mas passa pela cabeça de alguém mandar seguir um homem,

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com a responsabilidade daquele que se seguiu, sem estar autorizado politicamente para tal? O que está a passar-se é grave! Os senhores estão apenas a falar de uma pequena parte cá em cima, e não há maneira de descobrirem o resto!...
Mas, como o Sr. Ministro demitiu o director-geral dos Serviços de Informações e Segurança, obrigou-se, colocando-se na primeira linha, a dar todas as respostas e satisfações a esta Câmara; se não o fizer está em falta política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, como é evidente, o que está em debate não são as decisões que tomou. O que está em causa- e, sobre isso, o Sr. Ministro nada disse - é saber como é que foi possível que o Serviço de Informações e Segurança tivesse actuado como actuou, fora do quadro legal, para quê e porquê. Isso é que deveria estar em discussão e era para o esclarecimento destas situações que o Sr. Ministro deveria dar a sua contribuição.
Sr. Ministro, a verdade é que o único facto importante que o relatório do Conselho de Fiscalização revelou foi que o SIS actuou com práticas ilegais, coisa que o Governo sempre desmentiu e continua a desmentir. Na realidade, o facto importante que ressalta do relatório é que o Conselho de Fiscalização, mais uma vez, clarifica e refere que não tem- e mostra-o- as competências suficientes para fiscalizar devidamente a actividade do SIS. O Conselho de Fiscalização mostra - e isso é o mais importante do seu relatório - que aquilo que agora foi detectado é apenas uma pequena amostra da actuação normal do SIS, pois há muitas outras ilegalidades. Na verdade, quando os serviços do SIS central, quando o director do SIS - e não sei se hei-de parar por aqui, porque há que esclarecer- arquivam relatórios que eles próprios consideram agora terem extravazado a lei, que são ilegais, e não são dadas quaisquer instruções para que quem os fez deixe de fazê-los, isso só pode significar que esses são os métodos habituais do SIS. Esses é que são os factos relevantes que decorrem deste relatório e não aqueles que o Sr. Ministro tentou apontar, no sentido de minimizar a grave actuação que teve- e que tem tido - o SIS e, consequentemente, as responsabilidades políticas do Governo nessa actuação e nessa actividade.
O Sr. Ministro veio aqui tentar deitar um balde de água na fervura, dizendo: "isto acabou, tomei as decisões e agora nada mais há a discutir".
Está tudo por discutir, Sr. Ministro; é preciso clarificar tudo.
O Sr. Ministro repetiu aqui as palavras proferidas esta manhã pelo seu grupo parlamentar, ou seja, reafirmou a confiança na actuação de várias entidades, no sentido de garantir que o Serviço de Informações e Segurança actua dentro do quadro legal e para os objectivos definidos ma lei. Mas como é que podem reafirmar isto se acabámos de ver, se acabou de ficar provado, que o SIS actua na ilegalidade? Actuaram e continuam a actuar na ilegalidade. E têm-no feito sob a responsabilidade política directa do Governo, do Ministro da Administração Interna e do Primeiro- Ministro.
Que garantias, depois daquilo que sucedeu, pode o Sr. Ministro dar de que isto não vai voltar a suceder?
Essas garantias não valem nada, porque já não valeram antes, como agora foi provado.
Sr. Ministro, é necessário criar condições para que a actividade do Serviço de Informações e Segurança se comporte dentro dos limites estabelecidos na lei e para que haja uma fiscalização efectiva. Para que isso seja possível, é necessário, desde já, clarificar, todas as actuações do SIS, não apenas através dos relatórios elaborados pelo delegado da Madeira, mas através de um outro que nos dê conta de tudo o que foi feito pelo SIS até este momento. É necessário, é urgente e é indispensável que isso se faça, como necessário é também aumentar as competências e alterar a composição do Conselho de Fiscalização, para que ele possa ter, de facto, a possibilidade de garantir, minimamente, que o SIS actua dentro da legalidade.
A isto, o Sr. Ministro, o Governo e o PSD, continuam a dizer não, continuam a fugir, continuam a negar, continuam a impedir.
A questão que se coloca, muito clara e frontalmente, Sr. Ministro, é esta: por que é que o Governo e o PSD não querem clarificar tudo? O que é que temem? Temem que se comprove que a actuação do SIS extravaza, normal e habitualmente, os limites legais? Querem, eventualmente, impedir que venha a provar-se que, em vez de actuar em defesa dos interesses da República, o SIS está a actuar de acordo com os interesses da política do Governo e do PSD?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, durante um minuto estrito, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
A dar crédito às palavras e à interpretação do Sr. Ministro, desta vez não teria sido a "montanha a parir os ratos, mas os ratos a parir a montanha". É que são poucas coisas a mais para tanta demissão e, mesmo assim, ainda falta uma, que é a do Sr. Ministro da Administração Interna.
Sr. Ministro, de duas, uma: ou sabia o que se passava e é cúmplice, pelo que deve demitir-se; ou não sabia o que se passava e é incompetente, devendo igualmente demitir-se.
Esta é que é a questão e, por isso mesmo, quem devia dar explicações aos Deputados e ao País era o Sr. Primeiro-Ministro que, como já aqui referi numa intervenção, não pode pôr-se fora desta "carroça".
Além disso, há factos e indícios de que o SIS não está apenas ao serviço do Governo, mas também ao serviço do PSD, o que significa que está corrompido e desacreditado e, por isso, não pode continuar.
Todo este imbróglio, Srs. Deputados, dá ainda mais crédito ao meu projecto de lei relativo à extinção do SIS.

Vozes do PSD: - Sr. Deputado, em Moçambique, com quem é que trabalhava? Não era com a PIDE?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: -
Sr. Presidente, Srs. Deputados, responderei, com todo o prazer, às questões que me colocaram.

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Começo por dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão que, fundamentalmente, o que estamos aqui a discutir é se os meios de fiscalização que existem em Portugal são os mais adequados para evitar uma inobservância das leis e, caso ela exista, para podermos agir ou, pelo contrário, não são os mais adequados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso parece pouco importante!

O Orador: - O Sr. Deputado trouxe aqui o problema do SIED, terceira parte do conjunto que é o sistema de informações da República, mas já respondi várias vezes a essa questão: trata-se de um serviço que está a ser criado em novos moldes, refundindo dois serviços, e o Governo já pediu autorização à Câmara, ou está para a pedir muito em breve- não sei, pois não sou eu que trato desse assunto-, para se debruçar sobre essa matéria. Mas o Sr. Deputado sabe de tudo o que se passa tão bem como eu e, como tal, não vale a pena falarmos sobre isso.
Em relação ao director-geral e ao facto de não se ter ouvido a oposição, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que cumpro a lei e essa exigência não consta da lei. No entanto, fiquei a saber que se o Partido Socialista, um dia, vier a ser Governo, ouvirá a oposição para nomear todos os directores-gerais, o que será uma prática completamente nova.
Pela minha parte, não senti, nem sinto, necessidade de pedir o conselho do Partido Socialista, do Partido Comunista ou do CDS-PP, pois, como compreenderão, considero que esta nomeação faz parte da actividade normal de um membro do Governo.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Há directores-gerais e directores-gerais!

O Orador: - Relativamente aos meios de que o Conselho de Fiscalização dispõe, gostava de dizer-lhe que, embora essa matéria possa estar em debate, os meios que existem são os que constam da lei - a Lei n.º 30/84 - proposta pelo Partido Socialista e pelo PSD, no âmbito do governo do bloco central, e defendida aqui, acerrimamente, pelo meu querido amigo Deputado Almeida Santos.
São esses os meios que o Conselho de Fiscalização tem mas, se querem que tenha mais, digam quais, proponham-nos. Se não estão contentes, se mudaram de ideias, digam o que querem fazer e nós, depois, diremos se estamos ou não de acordo. Essa é a questão que está aqui em causa.
Relativamente à questão de saber se a colaboração que tenho dado resulta da minha arbitrariedade ou decorre da lei, questão que parece ser importantíssima para si, quero dizer-lhe que ela é arbitrária, mas se querem que faça parte da lei, podemos inclui-la. Neste momento, essa colaboração não está prevista na lei, mas, apesar disso, dei-a e dá-la-ei sempre, aliás, tanto mais valor terá.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Srs. Deputados, repito: se não estão contentes com a lei que fizeram proponham a sua alteração. É tão simples como isso.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença, Sr. Ministro?

O Orador: - Sr. Deputado, desculpe, mas tenho pouco tempo e quero responder a todas as perguntas que me foram feitas.
Em relação ao inquérito, Sr. Deputado, o Grupo Parlamentar do PSD não recebe os meus conselhos nem eu lhos dou. Esta é a nossa norma.
Sr. Deputado, V. Ex.ª que ultimamente tem aparecido como um homem com grande sentido de Estado, devia, pelo menos, interrogar-se, por que é que nos outros países as coisas relativas à fiscalização são o que são.

Vozes do PS: - É uma boa pergunta para o Sr. Ministro fazer a si próprio!

O Orador: - Será que o PS não devia interrogar-se por que é que na Inglaterra, na Bélgica e no Luxemburgo, por exemplo, o sistema de fiscalização é como é? Isso não vos merece nenhuma reflexão? Pela minha parte, entendo que devia merecer e que deviam interrogar-se sobre o porquê das coisas. Isso não vos ficava nada mal.
Guardo para o fim, por especial deferência, a resposta a dar ao Sr. Deputado Narana Coissoró.
Sr. Deputado Eduardo Pereira, já tive oportunidade de dizer que não tenho o dossier do SIED, mas o Sr. Deputado, com certeza, sabe que, neste momento, já existe uma autorização legislativa sobre essa matéria, relativamente à qual, repito, não sei se já chegou ou não à .Assembleia da República, mas se não chegou está para chegar.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Há dois anos que está para chegar!

O Orador: - Os Srs. Deputados sabem tão bem como eu o estado em que se encontra esse processo, pois o Sr. Ministro da Defesa Nacional, certamente, tem dado esclarecimentos sobre isso.
De qualquer modo, em relação à questão que me colocou, a interrogação que faço é a mesma: o Sr. Deputado já não gosta do modelo de Conselho de Fiscalização que defendeu?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não gosto é da forma como o modelo funciona!...

O Orador: - É que se já não gosta, repito, elabore um projecto de lei, entregue-o na Assembleia e debatê-lo-emos com toda a abertura.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O que está em causa não é o Conselho de Fiscalização é o Sr. Ministro!

O Orador: - Pessoalmente, por acaso, gosto desse modelo e comparando-o com outros, considero-o até um dos melhores, mas se o Sr. Deputado não gosta, muito bem, proponha a sua alteração. Aliás, os senhores, como Deputados que são, têm toda a legitimidade para pegarem no papel e redigirem um projecto de lei diferente do que defenderam anteriormente, em 150 páginas. Mudem-no, defendam outro e, na altura própria, debatê-lo-emos!

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira perguntou como era possível um funcionário agir contra a lei

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e quais as garantias que temos de que isso não voltará a acontecer.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que é sempre possível alguém agir contra a lei. No entanto, nesta matéria, como tenho um enorme respeito e amizade pelo Dr. Almeida Santos, se me permitisse, responderia a esta pergunta com as suas palavras.
No debate sobre o diploma de 1984, foi feita ao Sr. Deputado Almeida Santos uma pergunta parecida com esta, a que ele respondeu do seguinte modo: "O Governo reconhece o risco de haver um ataque aos direitos fundamentais ou à quebra de salvaguarda de direitos fundamentais. Esse risco existe sempre e é evidente que ele existe nos serviços de informações. Só que é por isso mesmo que estamos a criá-lo por lei, com limitações que defendem as garantias dos cidadãos, e que estamos a prever um sistema de fiscalização". Não há outra resposta, Srs. Deputados! Esta foi a resposta que o Sr. Deputado Almeida Santos deu, na altura, e que dou também, agora.

Aplausos do PSD e dos Deputados do PS Almeida Santos, Jorge Lacão e Júlio Henriques.

Louvo-me destas palavras do Sr. Deputado Almeida Santos, porque são sábias. De facto, existe sempre esse risco, o que interessa é que tenhamos mecanismos para tentar evitar, o mais possível, que ele exista ou, caso exista, para que possamos corrigi-lo imediatamente.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, confesso que tenho alguma dificuldade em discutir esta questão com o Partido Comunista, aliás, é das poucas questões em que tal me acontece.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Compreende-se bem!

O Orador: - Isto, porque sei que se o Partido Comunista fosse Governo não haveria SIS.

Vozes do PSD:- Mas haveria controlo, haveria KGB!

O Orador: - Os senhores não gostam do SIS e se fossem Governo não haveria SIS, mas haveria, seguramente, uma 2.ª Divisão de informações do Estado-Maior e, em relação a essa, sim, sou contra.

Vozes do PCP: - No seu Governo há uma coisa parecida com a PIDE!

O Orador: - Se os senhores fossem Governo, haveria uma coisa parecida com o KGB...

Vozes do PCP: - A sua é parecida com a PIDE!...

O Orador: - ... ou com a STASI, mas connosco não há! São coisas diferentes!

Aplausos do PSD. Protestos do PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Consigo é capaz de haver uma coisa parecida com a PIDE!

O Orador: - Como sabem, tenho muito respeito pelas oposições e pelos Deputados da oposição, em concreto, mas há matérias em que os senhores não têm credibilidade e esta é uma delas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Lá vem a cassette barata! Quando não há argumentos...

O Orador: - Nunca ouvi uma palavra vossa contra o KGB, nunca disseram uma palavra, nesta Assembleia, contra a STASI- e já todos os outros o fizeram -, porque tudo aquilo no Leste não lhes agradou, mas que defenderam, dizendo não conhecer. Se calhar, como andam tão enganados em relação a tudo, também pensavam que o KGB era uma benemérita instituição de assistência na doença...

Vozes do PCP: - E a PIDE?!

O Orador: - O mesmo se diga da PIDE! Eu sou contra a PIDE e o KGB, ao contrário dos Srs. Deputados que são contra a PIDE, mas não são contra o KGB! Essa é a nossa diferença!

Aplausos do PSD. Protestos do PCP.

Os Srs. Deputados, nessa matéria, alegam sempre um enorme desconhecimento do que se passava. Aliás, como já disse, às vezes até penso que, se calhar, consideravam o KGB uma benemérita instituição de assistência na doença e, por isso, é que mandava pessoas para os hospitais psiquiátricos.

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Deixe-se dessa cassette barata!

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, antes de lhe responder, se me permitisse e se o Sr. Presidente mo permitisse também, gostava de usar dois segundos para fazer uma pergunta ao Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS-PP): - Porquê para mim?!...

O Orador: - Sr. Deputado António Lobo Xavier, o pedido de demissão é feito em nome do CDS-PP ou é da iniciativa do Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É do CDS-PP. Vozes do PS: - O SIS não lhe deu essa informação?

O Orador: - Sr. Deputado, peco-lhe esta informação, porque é o líder do seu grupo parlamentar e, como deve imaginar, é útil para mim.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O Pacheco Pereira não fala pelo PSD?...

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, de tudo aquilo que disse, só entendi uma coisa e, como tal, só lhe vou responder a isso. E o que entendi foi que o Sr. Deputado considera que eu me devia ter demitido.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não tenho nada de pessoal contra si, entendo é que como Ministro é incompetente!

O Orador:- Vou explicar-lhe a razão, extremamente simples, por que entendi não me demitir. Não me

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demiti, Sr. Deputado, para evitar que o senhor também tivesse de pedir a sua própria demissão.
Devo dizer-lhe que não tenho nenhum apego ao poder, mas o Sr. Deputado pode gostar de ser Deputado e eu não tenho o direito de, com a minha demissão, obrigá-lo também a demitir-se. É que a sua ideia de responsabilidade objectiva é a seguinte: o Director-Geral que foi nomeado .deve ser demitido; o director-geral que propôs a nomeação já se demitiu ele próprio; o ministro que nomeou o director-geral também se devia demitir; o Primeiro-Ministro também se devia demitir, porque nomeou o Ministro; o Presidente da República idem, porque foi ele que deu posse ao Primeiro-Ministro; a maioria da Assembleia também o devia fazer, porque apoia este Governo; a oposição idem, porque, em último caso, nesta teoria...

Aplausos do PSD.

Protestos e risos do PS, do PCP e do CDS-PP.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isso é que é o cavaquismo!

O Sr. João Amaral (PCP):- Sr. Ministro, não falou há pouco em hospitais psiquiátricos? Olhe que o seu caso é grave!

O Sr. José Magalhães (PCP): - E os portugueses e o País!...

O Orador: - Sr. Presidente, quero concluir, mas só o farei quando houver condições para isso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes que me demitam a mim, por não disciplinar o uso da palavra, peço silêncio para que o Sr. Ministro possa concluir a sua intervenção.
Faça favor de prosseguir, Sr. Ministro da Administração Interna.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em última análise, entendo até que quem se devia demitir primeiro eram os Srs. Deputados da oposição,...

Vozes do PS: - Não queria mais nada!

O Sr. José Magalhães (PS): - Essa graça deve ser do Vilhena!

O Orador: - ... por uma razão extremamente simples: se, na vossa lógica, tudo aconteceu por termos este Governo e esta maioria, a grande culpa é vossa, por não terem tido a maioria, pois isso teria evitado termos este Primeiro-Ministro, este Ministro, o director-geral, etc. Portanto, em última análise, os senhores é que são os culpados de tudo isto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados repararam, com certeza, o Governo utilizou tempo cedido pelo PSD.
Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier,

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP):- Sr. Presidente, vou interpelar a Mesa nos mesmos termos em que o Sr. Ministro, com licença da Mesa, me interpelou a mim próprio, em dois segundos. E não demorarei mais.
Nesta curiosa procura de informações que o Sr. Ministro revelou, ao perguntar como eram os entendimentos de poder para as comunicações no Grupo Parlamentar do CDS-PP, embora, desta vez, tivesse feito as perguntas na frente de todos,...

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Isso é legítimo, Sr. Deputado!

O Orador: - ... quero dizer que, no âmbito do meu grupo parlamentar, quando os Deputados falam têm consciência do que dizem e, obviamente, as afirmações são sufragadas por todos.
O que resta saber, nesta questão de interrogações, é se o Sr. Ministro está no lugar em que está porque quer ou porque o Primeiro-Ministro o obriga. Sobre isso é que há rumores.

Risos.

O Sr. Presidente: - A Mesa nada tem a dizer sobre isso, Sr. Deputado.
Neste momento, os membros do Governo presentes abandonam o hemiciclo.

O Sr. Deputado Jorge Lacão pede a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para esse efeito, tem a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, seria bom que os debates parlamentares, como outras práticas ao nível do Estado, não fossem meros rituais de circunstância. Estivemos aqui, ao abrigo de uma figura regimental, a ouvir o Governo. O Governo, ao abrigo de outra figura regimental, tinha o dever ético estrito de continuar aqui a ouvir a oposição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, que estão a assistir a este debate apenas pelo circuito interno de televisão: Creio ser legítimo afirmar que, depois de todos os escândalos ocorridos com o SIS, é hoje cada vez mais evidente que a acção política do Governo apoiado pelo PSD e, em particular, do Ministério da Administração Interna afrontam as regras e princípios democráticos constitucionalmente consagrados e atingem direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Há uma lista muito longa de iniciativas legislativas e de actuações por parte do Ministério da Administração Interna que o demonstram amplamente.
Trago a debate- porque é bom trabalhar com exemplos concretos - mais um exemplo, que só posso reputar de escabroso, desta política antidemocrática: o dos regulamentos policiais em elaboração pelos governos

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civis, e, portanto, sob a responsabilidade do Ministro da Administração Interna, que aqui esteve.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Trago este caso na convicção de que hoje haverá completa atenção ao que se passa nesta área das liberdades e que não se repetirá o que se passou com o SIS.
A verdade é que o que se passava dentro dos Serviços de Informações de Segurança era há muito tempo denunciado. O que hoje está à vista de todos e tanto choca o País tinha sido denunciado pela bancada do PCP em sucessivas intervenções.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os que encaravam com alguma indiferença e distância as acusações que fizemos mostram-se agora muito empenhados, o que leva a concluir que estarão talvez arrependidos da indiferença que mostraram.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao longo destes meses, perdeu-se demasiado tempo, sem qualquer actuação.
A tese maioritária da oposição ao Governo apoiado pelo PSD era a de que em Portugal não existiria um problema de liberdades mas tão somente de desenvolvimento. Ouvimos esta tese de altos responsáveis de partidos da oposição.
Da nossa parte, chamámos vivamente a atenção para os ataques à democracia e às liberdades. Há um ano, precisamente, realizámos uma interpelação ao Governo sobre a acentuada degradação da democracia política e a crescente desprotecção dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos em geral.
Falámos então, entre outros temas - e é bom recordá-lo aqui, Srs. Deputados -, da actuação dos serviços de informações como polícia política, da proliferação de "fichagens" e ficheiros sobre os cidadãos e da crescente policialização da vida nacional. Eram temas oportunos, na altura, e são-no hoje também.
Voltarei ainda, nesta intervenção, à questão do SIS. Mas, a propósito da policialização da vida nacional, cabe falar do regulamento policial do distrito de Lisboa.
O projecto dado a conhecer tem um fito, um objectivo essencial: o de reforçar os poderes das polícias à custa dos seus direitos fundamentais.
O projecto de regulamento policial contém um "mar" de ilegalidades e inconstitucionalidades, sendo o seu conteúdo uma verdadeira aberração. Todo ele está construído na óptica de que "o cidadão merece, antes de tudo, desconfiança", particularmente quando exerce direitos como o de reunião ou de associação.
Como antes do 25 de Abril, lá estão a proibição de ajuntamentos, os concomitantes poderes à polícia para o famigerado "circulem" e as habituais ameaças de recurso à força. Esta é uma norma claramente inconstitucional, que viola a reserva de competência da Assembleia, e, mais do que isso- e isso é que é essencial -, restringe as liberdades para além do que a Constituição permite, tal como acontecia antes do 25 de Abril.

Vozes do PCP: - Um escândalo!

O Orador: - Quanto ao direito de reunião, as reuniões na própria residência são sujeitas a licença, desde que o número de pessoas seja de 50 ou mais. Porquê? Ó que quer o governo civil controlar na vida privada dos cidadãos? As festas de casamento? As festas de anos? Os amigos que se juntam a ver futebol? Ou as reuniões em que as pessoas se juntam para discutir ideias?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O que pretende o Governo?
No que respeita ao direito de associação, o regulamento policial contém uma série de imposições que dificultam a vida das associações em todos os planos. Como antes do 25 de Abril, o regulamento desconfia das associações e visa o seu controlo.
Tendo esse objectivo, o regulamento chega ao ponto de impor o registo de sócios e de permitir à polícia, em qualquer momento e em todas as circunstâncias, que entre dentro da associação para consultar o livro de sócios. Isto configura uma violação directa e grosseira do direito à privacidade dos cidadãos, contra a qual protestam vivamente as associações e a Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Existem outros aspectos do regulamento igualmente chocantes. Por exemplo, é o caso das medidas que lá estão configuradas, tal como antes do 25 de Abril, sobre a mendicidade. São medidas para esconder e reprimir a existência de mendicidade nas ruas e não para resolver as suas causas. É o caso da intromissão nas competências das autarquias, pois o regulamento policial do governo civil abrange competências das autarquias quanto a horários de funcionamento dos estabelecimentos, localização de actividades, ruídos e outras.
O que se passará seguramente é que, face àqueles regulamentos, se eles chegarem a vigorar, os cidadãos têm, sobre a mesma matéria, dois regulamentos: o do município, que é competente para a matéria, e o do governo civil, que não é competente para a matéria.
Até um novo crime é criado neste regulamento, numa situação que excede completamente a competência do governo civil e é reserva de competência da Assembleia da República!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este projecto de regulamento policial exemplifica pois, de forma indesmentível, as características antidemocráticas que perpassam nos diferentes capítulos da política de segurança, incluindo as actuações dos Serviços de Informações de Segurança.
Opomo-nos frontalmente a esse projecto de regulamento policial e denunciamos o seu conteúdo aqui e junto da generalidade dos cidadãos que ele ameaça!

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão do SIS, como se viu, está longe de estar encerrada.
As demissões realizadas não resolvem as questões centrais e que são cinco.
Primeira: o termo da instrumentalização do SIS pelo Governo, que usa o SIS como arma de prossecução das suas opções político-partidárias e de combate às forças

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políticas e sociais que criticam e se opõem a essas opções. É isto que, em primeiro lugar, tem de se fazer cessar.
Segunda: a recondução do SIS às suas finalidades legais de combate à alta criminalidade, sabotagem, espionagem e terrorismo.
Terceira: a efectiva fiscalização do SIS, através do reforço dos poderes e melhoria da composição do conselho de fiscalização.
Quarta: detecção integral das ilegalidades cometidas nestes anos pelo SIS, nos diferentes escalões e áreas de actividade.
Quinta: acção disciplinar e criminal contra os responsáveis.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há sinais de que se pretende caminhar em sentido inverso à prossecução desses objectivos.
A nomeação do ex-director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é um desses sinais. O Sr. Daniel Sanches foi responsável pelos comportamentos xenófobos e racistas assumidos pelo SEF e mostrou-se um instrumento dócil do Governo na aplicação de uma política de imigração que conduziu a sucessivos escândalos e a violações chocantes dos direitos do Homem.
O passado recente desse senhor (quero recordar a arrogância com que interveio publicamente no caso Vuvu, afrontando decisões judiciais e insultando forças e homens políticos da oposição) mostra que a linha que o Ministério da Administração Interna propõe para o SIS é a da continuidade.
Outro sinal inquietante é dado pelo conteúdo de uma espécie de "pingue-pongue" que PS e PSD têm em curso a propósito deste caso.
Discutir as competências do Presidente da República ou os seus telefonemas, a propósito deste caso, é uma forma, como outras, de fugir à efectiva necessidade de tomar medidas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:- Da nossa parte, propusemos há um ano um inquérito parlamentar ao SIS, que foi rejeitado nesta Assembleia. Agora, apoiaremos o inquérito parlamentar. Mas não deixamos de entender, e queremos sublinhá-lo, que, face às circunstâncias, ao nível de degradação a que o SIS chegou e à multiplicação de suspeitas e imputações, se impõe um inquérito completo ao SIS, realizado por quem tem poderes - inclusive os de investigação criminal - e experiência para o fazer e por quem seja uma entidade independente e com função de defesa da legalidade.
Por isso, propomos que a Procuradoria-Geral da República realize um inquérito extraordinário ao SIS.
Propomos também que o projecto do PCP sobre reforço das competências do conselho de fiscalização seja aprovado.
A responsabilidade desta situação de ilegalidade cabe ao Governo, no seu conjunto, ao Primeiro-Ministro e, muito particularmente, ao actual Ministro da Administração Interna.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A sua manutenção como Ministro mostra que o Governo quer continuar o SIS com as mesmas ilegalidades.
Se o Governo quisesse modificar esta política de segurança, a primeira coisa que deveria fazer era demitir o Ministro da Administração Interna, o que aqui, formalmente e mais uma vez, exigimos!

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Está inscrito, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Silva Marques. Porém, antes de lhe dar a palavra, solicito ao Sr. Secretário que nos dê conta de quem assiste a esta sessão.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, assistem à sessão plenária representantes da comunidade portuguesa no Canadá, do Congresso Nacional Luso-Canadiano, da Câmara do Comércio Luso-Canadiana, da Federação de Empresários e Profissionais Portugueses e da Aliança de Clubes e Associações de Ontário. Também se encontram nas galerias grupos de alunos da Escola Secundária de Moura; do Curso de Gestão Autárquica, da Escola Epral, de Évora; da Escola Primária n.º 3, de Peniche; da Escola C+S Poeta Silva Gaio, de Coimbra; do Externato O Formigueiro, de Lisboa; da Escola Secundária n.º 2, do Seixal, e do Curso de Técnicos de Contabilidade e Gestão, de Matosinhos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para eles peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, não se ofenda com um pequeno "grão de sal", que é, em grande parte, o "tempero" do debate tribunício e parlamentar, mas quero dizer-lhe, com sinceridade, que trocava, com facilidade e bem, toda a informação do SIS pela informação do PCP.

Risos do PSD.

Não tenho a menor dúvida! Mais, se o Estado português o fizesse, faria um óptimo negócio.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Ficaria muito mais enriquecido com essa criteriosa - é um elogio que presto à vossa capacidade de organização - informação acumulada ao longo de anos.
Já o mesmo não direi do PS, porque são muito desorganizados e incapazes de preparar seja que informação for.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Aliás, devido ao toque anarquista das suas raízes históricas...
Sr. Deputado João Amaral, pretendo fazer-lhe algumas perguntas e gostaria muito que me respondesse com precisão.
Aparentemente, o PCP está sempre "no contra" quando se trata de defender e consolidar o Estado democrático. O PCP só está satisfeito quando o poder lhe

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pertence. Aí, a garantia é absoluta, basta o poder estar nas mãos do PCP e são desnecessários os instrumentos de controlo objectivo! O PCP, fora dessa situação de poder absoluto, está sempre "no contra" e nisso há que lhe reconhecer coerência.
Possivelmente, trata-se de uma virtude que resulta de não poder telefonar ao Sr. Presidente da República. Essa é a desvantagem do PS: telefonema para lá, "zi-gue"; telefonema para cá, "zague". O problema do PS é esse "ziguezague" - se hoje defende uma coisa, amanhã abandona-a. Basta que reparemos na cena impiedosa, a que assistimos, do "perdoa-me" do Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O PS, que foi o criador dos serviços de informação - e bem, porque os democratas têm a obrigação, desde logo e acima de todas, de defender a República democrática -, nesta linha do "zigue" e do "zague", acorrentado aos telefonemas e pressionado pelas posições do PCP, é incapaz de manter uma linha de coerência. Isso é lastimável.
O Sr. Deputado João Amaral entende que deve ser melhorada a composição do conselho de fiscalização dos serviços de informação. Como? Qual é, exactamente, a sua proposta?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado não considera que é urgente reforçar os meios de segurança do País, dos cidadãos, das instituições do Estado? Não fica impressionado pela insegurança que hoje sentem os cidadãos? Que resposta tem o Partido Comunista Português para aumentar a segurança dos cidadãos? Sr. Deputado, não o impressiona - e V. Ex.ª não disse uma palavra sobre isso - o facto de um alto magistrado do Ministério Público ter produzido publicamente afirmações e acusações, inclusive no Parlamento, que vieram a ser desmentidas?
Finalmente, Sr. Deputado, quando afirma que hoje existe um problema de liberdades no nosso país, a que título faz essa afirmação, se este incidente nega exactamente a sua afirmação? A prova disso é a garantia dada, perante este incidente, pelo Ministro da Administração Interna e pelo próprio Governo.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, vou passar por cima do "grão de sal", porque esse sal é um pouco grosso e não tem grande eficácia. Por isso, vou responder directamente às questões que colocou.
Perguntou-me qual é a posição do PCP quanto ao Conselho de Fiscalização. Sr. Deputado, temos um projecto de lei a esse respeito e...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Responda à pergunta!

O Orador: - ... devo dizer que é com algum sacrifício que vou repetir aqui, pela enésima vez, o que propomos no nosso projecto de lei.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas repita!

O Orador:- O nosso projecto de lei propõe duas coisas:/a alteração da composição e o reforço dos poderes do Conselho de Fiscalização do Serviços de Informações.
Quanto ao reforço dos poderes, propomos que o Conselho de Fiscalização tenha poderes de inspecção directa e sem pré-aviso. Quanto à sua composição, propomos que o Conselho passe a ser constituído por cinco elementos: um presidente, indicado pelo Conselho Superior da Magistratura, e quatro elementos eleitos pela Assembleia, cada um proposto por um grupo parlamentar...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ah! Era isso que eu queria ouvir!

O Orador: - Se o Sr. Deputado queria saber se pensamos que o PCP deveria ter direito a indicar um elemento, respondo-lhe que sim. Temos tanto direito como os senhores ou como o PS. Digo-lhe ainda que, com a experiência do que está feito até agora, pelos vistos, era bem melhor que o Conselho tivesse essa composição em vez da actual.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador:- Quanto à segunda questão que colocou no sentido de saber se estou ou não impressionado com a situação de insegurança dos portugueses, respondo-lhe que sim, Sr. Deputado, que estou muito preocupado com a questão da insegurança.
Aliás, ainda há oito dias aqui referi o que se passa com o Relatório de Segurança Interna e com a situação escandalosa que o mesmo descreve. Na verdade, o relatório descreve uma situação que é penosa do ponto de vista da segurança: todos os crimes - os crimes violentos, os crimes contra as pessoas, novos tipos de crime como o rapto, crimes com uso de explosivos, crimes envolvendo o uso de droga, etc. - têm-se acentuado no Estado português. É, de facto, preocupante o que se passa e ainda mais que o Ministro da Administração Interna ande mais entretido a perseguir os opositores políticos, a vigiar os partidos políticos da oposição e a vigiar as movimentações sindicais...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Da oposição?! Não são da oposição!

O Orador: - ... do que a resolver os problemas de segurança. Esse é um factor a acrescentar à minha preocupação!
Pergunto-lhe: quer soluções? Nós discutimo-las a qualquer momento, mas digo-lhe que uma das soluções não é seguramente a da política de encerramento de esquadras que tem sido seguida. Esse é um dos factores que contribui para o aumento da intranquilidade.
Finalmente, quanto às informações do magistrado do Ministério Público, ainda bem que me põe essa questão porque me permite esclarecer um ponto.
Como sabe, não estou dentro do Conselho de Fiscalização e, portanto, não sei o que este soube ou não. Como tive acesso ao relatório, sei é que o Conselho diz que não se provou isso e nada mais diz. Mais: o Conselho nada mais pode dizer porque não teve acesso directo à informação produzida no Serviço nem teve

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resposta a uma pergunta que aqui foi formulada, que era a de saber quantos informadores é que o Serviço tem na Madeira e que investigações faz. Devo dizer--lhe que há sólidas razões para desconfiar de que na lista de fundos secretos do Ministério da Administração Interna há um bom rol de informadores. Portanto, sobre isso há muitas e sólidas razões para desconfiar.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, termino com um comentário acerca das suas trocas e baldrocas.
Creio que é altura de o Governo informar - e o Conselho de Fiscalização tem esses documentos - o País e os partidos da oposição sobre qual é, concretamente, o conteúdo das informações partidárias que estão na posse desses serviços de informação...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e porquê e a que título é que os mesmos estavam a produzir informações sobre os partidos. 15to é que é um escândalo e as suas brincadeiras, Sr. Deputado, não podem esconder esta questão central da vida democrática em Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira, para defesa da sua consideração relativamente a afirmações produzidas pelo Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, já duas ou três vezes fez referências a um perdão ou não sei quê...

O Sr. Silva Marques (PSD): - A um "perdoa-me! "

O Orador: - Sim, a um "perdoa-me!" .
Não sei do que está a falar, mas quero dizer-lhe que estou com o Sistema, não estou é com a forma como o Governo actua no Sistema.
Vejamos: o Sistema tem quadros, o que é natural. Ora, ninguém nomeia um director de 70 anos, xexé, segundo o Sr. Primeiro-Ministro, para se dirigir a si próprio, para se passear de carro, para desfrutar o jardim e até para seguir o Jardim - foi o próprio Sr. Presidente do Governo Autónomo da Madeira que me disse que tinha sido seguido. Repito que ninguém nomeia para isso um homem naquelas condições.
Assim, pergunto: com que intenções é que ele foi nomeado? 0 conhecimento que tenho desta matéria diz-me que o Director do Serviço de Informações, umas vezes - e não muitas -, vai a despacho com o Sr. Ministro da Administração Interna e, outras vezes, vai a despacho directamente com o Sr. Primeiro-Ministro. É esta forma de o Governo, e, sobretudo, o Sr. Primeiro-Ministro, actuar sobre o Sistema que me causa protestos. Mas não tenho de pedir perdão por ter sido um dos que, no Governo do Bloco Central, montaram o Sistema.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vejo que o Sr. Deputado Silva Marques entende que não é devida nenhuma explicação.

Assim, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, há precisamente oito dias, o PS apresentou um pedido de inquérito destinado a clarificar os modos de investigação e de produção de informações à luz das garantias dos direitos e liberdades fundamentais, tive ocasião de chamar a atenção de todos para as graves responsabilidades do Governo ao ter deixado degradar, para além dos limites do tolerável, o indispensável clima de confiança dos cidadãos em instituições do Estado de Direito destinadas a garantir a legalidade democrática e nunca a pô-la em causa.
Chamei então a atenção da Câmara para o facto, insustentável, de o Governo ter mantido, desde 1985, até hoje, o Sistema de Informações da República em estado de desregulação, assim contrariando abertamente a Constituição e a lei.
No caso particular do Serviço de Informações de Segurança (SIS), critiquei frontalmente o erro grave que tem consistido em tolerar a este Serviço missões de vigilância de acontecimentos da sociedade civil que nada têm a ver com a segurança interna e de, ao mesmo tempo, não saber ou não querer estabelecer claras linhas de fronteira entre as áreas de investigação e as de produção de informações.
Tais aspectos justificavam largamente o pedido de inquérito então apresentado. Agora, que todas as preocupações estão reforçadas com o conhecimento das graves irregularidades praticadas pelo SIS/Madeira, com a tolerância, pelo menos, da direcção do Serviço, o inquérito, para além de necessário, é urgente. Tanto mais necessário e urgente quanto os actos praticados pelo Ministério da Administração Interna, de exoneração de responsáveis anteriores e de nomeação de novos directores do Serviço de Informações de Segurança, por um lado, e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, por outro, não resolvem o problema de fundo.
E o problema de fundo é o estado de confusão a que chegámos quanto ao modo como se processam as informações no quadro do Sistema de Informações da República, civis e militares, e a ambiguidade latente em face da ocorrência de acções de investigação conflituais com a produção de informações.
Quem vigia, de onde vigia, como vigia e para que vigia-eis as interrogações que com total legitimidade são, hoje, feitas por todos os portugueses.
É ao Primeiro-Ministro, além de mais como Presidente do Conselho Superior de Informações, que compete a primeira responsabilidade de contribuir para o máximo esclarecimento de todas as dúvidas e perplexidades.
Por isso renovo aqui, em sede institucional, as exigências fundamentais já ontem suscitadas pelo Secretário-Geral do PS: que o PSD viabilize urgentemente o inquérito parlamentar; ...

O Sr. José Magalhães (PS)- Muito bem!

O Orador: - ... que o Primeiro-Ministro compareça na comissão de inquérito e aí esclareça as razões da sua cobertura ao funcionamento desregulado dos serviços de informações.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se o PSD e o Primeiro-Ministro insistirem, como parece, em recusar o inquérito, a conciu-

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são política só poderá ser uma: a de que temem o esclarecimento, receiam a verdade e assumem, uma vez mais, a instrumentalização de instituições do Estado ao serviço de meras estratégias de poder e de interesse exclusivamente partidário.

Aplausos do PS.

Não se alegue, para obstar ao inquérito, com o papel do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações. Tem sido o próprio Conselho, aliás, a chamar a atenção, por sua iniciativa, para os limites dos seus poderes de fiscalização. E é óbvio que nenhum Conselho deste tipo pode ficar na dependência dos actos discricionários, de melhor ou pior vontade, do Governo e da Administração para a facultação dos meios de averiguação.
Só que quando se assiste, como assistimos, a um Primeiro-Ministro a negar publicamente actos de grave violação da lei que ele próprio deveria energicamente condenar, não se pode descansar, a qualquer título, no arbítrio dos governantes. Pelo contrário, há que defender o império da lei e exigir em primeira linha do Governo o seu integral respeito.
Para os que pretendam, agora, que tudo está resolvido pelo simples acto de substituição do director do SIS, importa que os questionemos, questionando muito particularmente o Ministro da Administração Interna que, aliás, não teve a coragem política para deixar-se questionar, efeito para que o convidei no início deste debate.
Pergunto: pode um director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que tolerou o maior surto de imigração ilegal, de dezenas de milhares de cidadãos africanos, na fase complacente da política do Governo de promoção de mão-de-obra barata, e que, depois, na fase dura, se notabilizou por práticas desumanizadas de controlo de fronteira, sempre, em todo o caso, ao sabor das conveniências do Governo, ser nomeado para um serviço de informações do Estado?
Pode o responsável por um serviço, no âmbito do qual em algumas zonas do País se detectaram recentemente situações graves de corrupção, estar, afinal, nas condições ideais de ser provido no cargo de director de um serviço de informações, relativamente ao qual a garantia da independência e a restituição da confiança é a tarefa das tarefas?
Pode, ainda, o novo director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ser designado a partir de uma relação de confiança que, de toda a evidência, é uma confiança de natureza estritamente partidária e pessoal?
Os homens de tais serviços não podem ser homens do Ministro. Têm de ser, acima de qualquer suspeita, homens do Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, pergunto ainda: com que autenticidade ou legitimidade pode o Governo ou o próprio PSD invocar uma questão de Estado para criticar as posições do PS de exigência de transparência de processos se ninguém, no Governo ou no PSD, soube estar à altura da questão de Estado, que de facto o é, designadamente pela promoção imediata, ao abrigo do estatuto da oposição, de uma consulta aos partidos parlamentares, para a obtenção de um consenso mínimo indispensável a sustentar, em clima de convergência, decisões que pela sua natureza são vitais ao bom funcionamento do Estado democrático?
É o Governo e o PSD, na sua auto-suficiência, que não revelam consciência da gravidade dos seus comportamentos.
Pela nossa parte, falamos com a legitimidade de quem, desde 1986, ano após ano, por todas as formas possíveis, fez o aviso dos riscos em que acabaram por fazer-nos cair.
Dizemos e repetimos que a protecção dos valores da liberdade e da segurança não é compatível com paralisantes disputas de influências entre Membros do Governo e muito menos com a leviandade de comportamentos de quem pensa que tudo sabe e tudo pode - à revelia da Constituição, da lei e da opinião dos representantes do povo.
Face à gravidade do que está em causa e ao carácter institucional dos problemas em aberto, sugeriu o Secretário-Geral do PS a possibilidade de uma reunião do Conselho de Estado. Pela natureza plural da sua composição e pelo carácter de órgão de consulta reservado do Presidente da República, admitimos poder ser essa, também, uma via susceptível para desbloquear a grande inércia, o grande pecado governamental de não cumprir nem propor a alteração do Sistema de Informações da República.
Como temos dito, o problema não está resolvido e por isso não pode ser encerrado. Seguramente, o problema não terá solução por todo o tempo em que os dirigentes do PSD, enquanto o dedo aponta para a lua, persistirem, como o imbecil da história, em olhar para o dedo.
Nenhum dos erros de funcionamento, desvios de legalidade, disfunções do sistema, quebra de confiança dos portugueses nas instituições que prosseguem actividades de investigação e de produção de informações, nenhum destes males tem outro responsável político que não o Governo e o partido do Governo.
Coloquemos, pois, as cartas na mesa. Quem não é pela transparência de processos é pela sua obscuridade.
Quando ouvimos o líder do Grupo Parlamentar do PSD, para quem os inquéritos têm sido abusivamente desvirtuados, umas vezes, por bloqueio, outras, pela manipulação das conclusões, chegar ao ponto de ameaçar obstruir o funcionamento da comissão de inquérito uma, uma só conclusão é possível retirar: o Governo e o PSD têm medo que os portugueses conheçam a verdade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Mas os portugueses devem saber que o PS não descansará enquanto não se obtiver a clarificação isenta e integral dos procedimentos de investigação e de tratamento de informações, porque, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a liberdade é um valor insubstituível, porque o Estado de Direito é um valor inalienável.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Pacheco Pereira, Narana Coissoró e João Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, o senhor que é, supostamente, o ministro do interior do governo-sombra do Partido Socialista, veio aqui fechar de algum modo o ciclo da

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proposta feita ontem pelo seu Secretário-Geral e fê-lo da pior maneira. Aliás, em relação à sua proposta, devo dizer-lhe desde já que, da nossa parte, ela tem um "não". E não é um "não" vulgar - se é que é possível caracterizar um "não" -, antes é um rotundo "não".
Digo que é um rotundo "não," por várias razões. Em primeiro lugar, porque, de há uma semana para cá, por razões estritamente internas relativas à situação de crise vivida no Partido Socialista, este tem-se multiplicado em propostas, todas elas com uma única característica comum: são feitas em cima do joelho, são completamente desleixadas, são, aliás, pensadas para vigorarem um dia de títulos de jornais e, na maioria dos casos, nem o próprio Partido Socialista lhes dará qualquer continuidade, porque algumas são incompatíveis com o sistema constitucional e outras são incompatíveis com posições de há muitos anos do Partido Socialista, relativamente às quais é difícil fazer reviravoltas tão rápidas e, por outro lado, são, pura e simplesmente, disparatadas.
Ora, se o Partido Socialista pensa continuar nos próximos dias produzindo conferências de imprensa, fazendo ao mesmo tempo as propostas mais bombásticas, mais disparatadas e feitas em cima do joelho e se pensa que, por isso, vai ter uma resposta que lhes confira alguma seriedade, está bem enganado.
A vossa proposta de um inquérito parlamentar aos Serviços de Informação, traduzida em bom português, significaria apenas isto: assinar a acta da destruição de qualquer sistema de informações em Portugal.
Qualquer pessoa que conheça um mínimo sobre o funcionamento dos serviços de informação sabe que, em sistema democrático, os Parlamentos não controlam aqueles directamente mas, sim, através de instâncias de fiscalização que garantem esse controlo, mantendo o princípio da reserva e da confidencialidade. Ora, na base de um tal acordo é que foi constituído o nosso Sistema de Informações, acordo esse que, até agora, unia os partidos que tinham uma noção do funcionamento da democracia de cariz ocidental. Portanto, o acordo e o consenso entre o PS, o CDS-PP e o PSD sobre o sistema de informações para a democracia portuguesa ainda não tinham sido rompidos, mas a vossa proposta, politicamente, significa o abandono de uma política de consenso nestas matérias, de muitos anos, aliás como em outras - por exemplo, no essencial da matéria de defesa, a política de consenso era considerada um património da nossa democracia.
Tenham, então, a coragem de dizer que não querem serviços de informação na nossa democracia, porque isso é que tem sentido!
A razão por que dizemos claramente "não" é porque se trata de uma proposta irresponsável e inexequível que, se fosse levada à prática, permitiria destruir o serviço de informações a quem o queira fazer- e sabemos que há quem o queira -, utilizando esta actuação contra interesses fundamentais da democracia e do Estado português.
Não vale a pena discutir, pois trata-se de uma proposta que não tem valor substantivo. É uma mera tentativa, por parte do Partido Socialista, de responder à sua crise interna com aquilo a que se chama medidas positivas. Está sempre a propor medidas positivas que, evidentemente, não estuda nem prepara e que duram o tempo de um jornal do dia seguinte.
Permita-me ainda que lhe diga algo sobre a proposta que o fez de convocação de uma reunião do Conselho de Estado.

O Sr. Deputado Jorge Lacão escreveu um artigo, há alguns dias, em que diz que o Sr. Presidente da República tem "( ... ) o propósito de resolver a queda de Cavaco Silva às suas próprias mãos ou, quando menos, em cumplicidade activa com quantos lhe apareçam em condições de garantir, sob o seu desígnio, tal propósito". Ou seja, o Sr. Deputado Jorge Lacão, com quem estou a falar nesta Assembleia, atribui ao Sr. Presidente da República o propósito de derrubar o Governo, em cumplicidade com quantos lhe pareçam servir tal propósito.
Sabemos que o Sr. Presidente da República não tem uma grande opinião sobre o Partido Socialista e sobre a sua capacidade de garantir este propósito, mas também sabemos que a prática desta cumplicidade tem sido a habitual relação de amor e ódio, de cooperação e traição que é habitual nestas coisas.
Compreendo que o Partido Socialista tenha muita dificuldade em conviver com este sistema de amor e ódio, de cooperação e traição, agora o que não compreendo é que, para responder às ingerências do Sr. Presidente da República, o Partido Socialista institua agora uma nova figura, que é ingerir-se ele próprio nas competências dele.

Aplausos do PSD.

0 que o Partido Socialista fez foi colocar o Sr. Presidente da República numa situação muito difícil: ou convoca o Conselho de Estado e aparece a reboque do líder da oposição, o que, enfim, dá uma noção da sua independência escassa e coloca-o a reboque das iniciativas da oposição, ou, então, não convoca e passa um novo atestado de incompetência à direcção do Partido Socialista.
Talvez fosse bom o Partido Socialista compreender, de uma vez por todas, como é que deve ter uma relação saudável com o Sr. Presidente da República, defendendo aquilo que, no seu artigo, o Sr. Deputado Jorge Lacão tão bem pretendia defender, que é a autonomia política do Partido Socialista. Ora, esta iniciativa do Partido Socialista de uma reunião do Conselho de Estado não garante essa autonomia.
Portanto, resumindo e concluindo: em relação à vossa proposta de realização de um inquérito parlamentar, votamos contra, por razões de Estado, que são claras e evidentes - e talvez fosse bom o Sr. Deputado Jorge Lacão consultar alguns membros da sua bancada e a discussão que houve há vários anos para compreender quais são essas razões -, e, quanto à sugestão para uma reunião do Conselho de Estado, tomamo-la como a continuação da guerra, de "Alecrim e Mangerona", sobre esta matéria, que os senhores têm conduzido e a que nós assistimos com algum interesse pedagógico.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, já vimos hoje aqui o Sr. Ministro da Administração Interna fazer uma prestação parlamentar em razoável baixa de forma. Mas devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a sua intervenção não esteve melhor! Hoje, houve um mal que se pegou à bancada do PSD!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD):- Já tem cara de irritado!

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O Orador: - Sr. Deputado Pacheco Pereira, vou começar por lhe ler justamente um artigo da lei que regula o Sistema de Informações da República,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É dele?!

O Orador: - ... em matéria de competências de fiscalização. Esteja atento, porque aproveita para aprender qualquer coisa!
Protestos do PSD.

O artigo 7.º, n.º 1, diz o seguinte: "0 controlo dos serviços de informações será assegurado pelo Conselho de Fiscalização eleito pela Assembleia da República, sem prejuízo dos poderes de fiscalização deste órgão de soberania nos termos constitucionais".

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Sr. Deputado Pacheco Pereira, o PS não propõe nada de subversivo, contra a Constituição ou contra a lei, antes quer exigir o cumprimento da lei, que os senhores, desde 1985 até hoje, estão a subverter claramente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É nesse sentido que não se consegue perceber como é que um Governo - homogéneo, primeiro, e de maioria absoluta, depois - tem vindo a persistir neste total estado de confusão! Ou o Governo é politicamente completamente irresponsável ou anda "mouro na costa" ....

Protestos do PSD.

Ouça, Sr. Deputado, porque ainda tem mais para aprender!
É por isso, Sr. Deputado Pacheco Pereira, que, tendo nós, desde 1986 até 1994, ano após ano, avisado o Governo dos riscos em que nos poderia fazer cair, tivemos de chegar ao momento limite de apresentação de um inquérito parlamentar e fizemo-lo por uma única razão: porque os senhores são, politicamente, totalmente irresponsáveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à reunião do Conselho de Estado, devo dizer-lhe que ela foi sugerida pelo Secretário-Geral do Partido Socialista, que, como sabe, é membro deste órgão de consulta do Sr. Presidente da República. E há uma coisa que V. Ex.ª nunca me verá fazer, que é não saber distinguir aquilo que é o exercício normal e legítimo de competências de qualquer órgão de soberania.
Aquilo que me separa de si é que o senhor quer silenciar, limitar e condicionar o exercício de funções normais. 0 que o senhor quer, em última análise, em Portugal, é aquilo a que chamaria o presidencialismo do Primeiro-Ministro.
Pois bem, Sr. Deputado Pacheco Pereira, aquilo que não admitimos ao seu partido é a institucionalização, contra a Constituição, do presidencialismo do Primeiro-Ministro.
Sr. Deputado Pacheco Pereira, quando quiser discutir comigo matérias institucionais fundamentais, aprenda primeiro a lição, estude os diplomas legais e apareça a seguir!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, já é a segunda vez que V. Ex.ª sobe à tribuna a pedir o inquérito.
Em primeiro lugar, devo dizer-lhe - e tenho-o dito publicamente - que me faz espécie porque é que VV. Ex.ªs, o Partido Socialista, poupam o "ministro do interior", como lhe chamou o Sr. Deputado Pacheco Pereira,...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - É ele!...

O Orador: - É que, para haver um "ministro do interior sombra", é preciso que haja um ao sol!

Risos gerais.

Portanto, porque é que poupam o "ministro do interior" - como ele bem classificou depois de todo este incidente - se ele próprio não soube - fez uma tristíssima figura, está em baixo de forma responder sobre a sua responsabilidade objectiva? A resposta que ele deu foi pior do que o pedido de esclarecimento feito na passada semana pelo Sr. Deputado Alberto Costa, quando se referiu aos vários animais do Zoo.

Risos do PSD.

VV. Ex.ªs pedem um inquérito parlamentar sobre os SIS, mas devo dizer que hoje foi aceite pelo seu grupo parlamentar, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que o modo como ele vem redigido por si, porque o apresentou aqui, é inviável, porque, se fosse feito naqueles termos - e já disse isto quatro horas antes do Sr. Deputado Pacheco Pereira o ter feito aqui -, destruía por completo o SIS e qualquer organismo de investigação de segurança.
0 seu líder parlamentar, com a sabedoria que lhe reconhecemos, concordou com a minha observação e disse: "vamos reduzir o pedido de inquérito para sermos razoáveis, de modo a não destruirmos o SIS".
Em segundo lugar, ficou combinado que a Assembleia da República, apesar deste inciso sobre a sua competência, que também invoquei, nunca poderia funcionar acima do órgão que ela própria escolheu por dois terços, que é o Conselho de Fiscalização.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ficou ainda combinado - a sua intervenção deve ter sido escrita da parte da manhã e, por isso, não teve em conta o que se passou posteriormente- que o inquérito parlamentar nunca deveria ser feito sem primeiro se falar com o Conselho de Fiscalização, isto é, sem primeiro perguntar ao Conselho de Fiscalização o que é que eles podem trazer para esclarecer a Assembleia da República sobre as suas próprias investigações. Se, depois, nos convencêssemos de que os esclarecimentos do Conselho de Fiscalização ficavam aquém daquilo que pretendíamos, então, iríamos mais longe.
Dá impressão de que estamos a falar em ondas completamente diferentes! Vamos para a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e o PS tem uma posição; vimos para o Plenário e o PS tem outra;

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vamos para a comissão e o PS apresentam uma terceira; e nos corredores e bastidores apresenta uma quarta posição! A anarquia tem limite! Afinal, o que é que o PS quer?!

Risos do PSD.

VV. Ex.ªs poupam o Ministro, alguma razão escondida têm para o fazer! Mas agora "baixam a bola" e dizem: "queremos o Ministro, mas não queremos estes novos directores - gerais ". Onde é que está escrito que um director-geral é nomeado pelo ministro com a aquiescência da oposição?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Claro!

O Orador: - Em que país da Europa isso acontece? Ou querem os directores- gerais nomeados por uma maioria de dois terços?
Por outro lado, V. Ex.ª trouxe aqui o caso da Sr.ª Vuvu. Alguma vez se provou alguma coisa do seu caso? Mas, já agora, devo dizer que ela está sob prisão domiciliária em Luanda, porque usou três passaportes diferentes. 15to sabe-se! E alguma vez alguém requereu um inquérito sobre a Sr.ª Vuvu?!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Neste Estado de direito, logo que o director-geral toma posse, o Partido Socialista vem "atirar-lhe pedras", só porque não foi sujeito a qualquer escrutínio parlamentar. E, depois, vem dizer: nomeou os homens do ministro!".
Em que país ocidental é que os directores-gerais não são homens dos ministros? E o PS não nomeou para directores-gerais homens dos ministros e estão aí sentados alguns?
Alguma vez eu era capaz de dizer que o Dr. Landeiro Monteiro - de quem sou muito amigo e cuja integridade muito prezo -...

Aplausos do PSD.

... era um homem do ministro Eduardo Pereira!? Alguma vez V. Ex.ª era capaz de dizer isso!? .

O Sr. José Magalhães (PS): - Está dessintonizado em relação ao Monteiro!

O Orador: - Que espécie de oposição mordeu o Sr. Deputado Jorge Lacão quando diz que os directores-gerais são homens do ministro, sabendo ele que o Partido Socialista nomeou os directores-gerais que quis!

(O Orador reviu.)
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, a minha sina hoje é esta: tenho de ir dando esclarecimentos sucessivos. Há pouco, foi ao Sr. Deputado Pacheco Pereira e, agora, é a V. Ex.ª. Este esclarecimento vai ser-lhe muito útil porque o senhor está esquecido dos próprios direitos que, como representante de um partido da oposição, lhe assistem.

A lei de segurança interna prevê expressamente, no artigo 7.º, em matéria de competência da Assembleia, que os partidos da oposição, representados na Assembleia da República serão ouvidos e informados com regularidade pelo Governo sobre o andamento dos principais assuntos da política de segurança.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, este não é principal?!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - A nomeação de um director-geral?!

O Orador: - Se esta matéria, que levou o Governo a decidir como decidiu, não era das mais importantes no domínio da segurança e, como tal, vinculando-o a este dever de informação aos partidos da oposição, então, Sr. Deputado Narana Coissoró desculpe que lhe diga - perdeu o sentido da hierarquia relativamente à importância dos problemas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é porventura por isso que, relativamente a demitir ou não o Ministro da Administração, o Sr. Deputado ainda não afinou a questão política essencial. E a questão política essencial para o PS não é andar atrás de qualquer bode expiatório!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É o Conselho de Estado!

O Orador: - A questão política essencial para o PS é garantir que exista em Portugal um sistema de informações da República à altura do Estado de direito!
E apenas isso que nos move e é para isso que o convidamos a juntar-se a nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, quero registar que, efectivamente, consideramos que a competência de convocação do Conselho de Estado cabe ao Presidente da República, para além dos casos previstos na Constituição em que o mesmo pode ser aconselhado nesse sentido.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - 15so não está lá, mas pode depreender-se.

O Orador: - Quanto à insólita sugestão pública que foi feita para convocação do Conselho de Estado, o Sr. Deputado Jorge Lacão, referindo-a, louvou-se no pluralismo do mesmo Conselho. Ora, gostaria de perceber exactamente o que é que o Sr. Deputado Jorge Lacão entende por pluralismo da constituição do Conselho, atendendo a que já deve ter reparado que, dos partidos políticos aqui presentes, apenas aí estão representados o PS e o PSD.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - E o Comandante Gomes Mota!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, realmente hoje é sina minha ter de dar alguns esclarecimentos de interpretação constitucional ou relativos às instituições legais a cada Sr. Deputado que faz perguntas!

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Estamos convencidos de que a sina vai acabar hoje mesmo!

O Orador:- Srs. Deputados, estejam sossegados! Se se portam mal, ainda apanham multa! Estão com má consciência, é natural!...

Protestos do PSD.

O Orador:- Sr. Deputado João Amaral, a questão é muito simples: como sabe muito bem, há uma distinção completa entre o termo proposta e o termo sugestão.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas eu falei de proposta?! Não sei bem qual é a sua sina em relação a mim!

Risos do PSD.

O Orador: - Como o Sr. Deputado sabe muito bem, há uma diferença entre proposta e sugestão e sucede que um membro do Conselho de Estado, Secretário-Geral do meu partido, fez uma sugestão a quem pode tomar iniciativas, sem qualquer pretensão de se substituir a quem quer que seja e a quem, de direito, poderia tomar essa iniciativa.
Agora, Sr. Deputado, a questão que me coloca é singular! É a de dizer que as regras de aplicação da proporcionalidade em função do peso representativo dos partidos desta Assembleia não dão o pluralismo que o Sr. Deputado gostaria que o Conselho de Estado tivesse. Esse é um problema constitucional e institucional completamente diferente de um juízo de oportunidade quanto à possibilidade de o Conselho de Estado se reunir para os efeitos que foram sugeridos e o que o Sr. Deputado João Amaral tem de propor, se esse for o seu problema para efeitos gerais, é uma alteração da composição do mesmo Conselho de Estado. Só que essa questão não tem nada a ver com o debate que neste momento estamos a travar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Não há dúvida nenhuma de que a sina está preta! Quero é saber em que estatuto se pronuncia o Comandante Gomes Mota!

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, efectivamente, quero interpelar a Mesa no sentido de saber se está registado em acta que o que perguntei ao Sr. Deputado Jorge Lacão foi se, louvando-se ele do pluralismo, já tinha reparado que a aplicação dos mecanismos constitucionais conduzia àquele resultado. A pergunta tinha, portanto, o sentido político de saber se o Sr. Deputado Jorge Lacão acha que esse é que é o pluralismo.

O Sr. Presidente: - Para uma resposta sem sentido político, esperem VV. Ex.ªs pelo Diário da Assembleia da República e poderão confirmar isso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, invoquei a figura da defesa da consideração porque o Sr. Deputado me chamou ignorante e eu não gosto. Aceito sempre todas as lições do Sr. Deputado Jorge Lacão, que é um jovem e promissor jurista - eu sou um velho filósofo bem pouco promissor e evidentemente que não me importo de aprender -, mas há duas coisas que sei de certeza: a primeira é que, quando o Sr. Engenheiro António Guterres falou ontem, o fez enquanto Secretário-Geral do PS e não enquanto Conselheiro de Estado, o que, aliás, é irrelevante, e a segunda, que é muito mais relevante, é que também sei o que significa politicamente o Sr. Secretário-Geral do PS ter feito, ontem, uma conferência de imprensa centrada essencialmente no problema dos direitos, liberdades e garantias e os Srs. Deputados virem hoje aqui acusar o SIS e o sistema de informações apenas na base da não implementação do SIED e do conjunto do sistema.
15so chama-se um recuo político e, também, um atestado prático de que ou foi mal pensada a iniciativa de ontem ou os Srs. Deputados, hoje, não são capazes de a defender substantivamente. 15so eu sei e não há nenhuma lei que me ensine! 15so significa entradas de leão e saídas de sendeiro, que foi o que os Srs. Deputados fizeram hoje nesta Assembleia!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, estive a tentar perceber qual era o fundamento necessário da defesa da sua consideração.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não há!

O Orador: - Como afinal admitiu não estar suficientemente informado em matéria da disposição legal que regula o funcionamento dos serviços de informações, o Sr. Deputado Pacheco Pereira derivou. E derivou justamente um pouco para aquele ditado que tive ocasião de citar na minha intervenção, que diz que, quando o dedo aponta para a lua, há sempre alguma imbecil que olha para o dedo.

Protestos do PSD.

0 problema aqui é que o Sr. Deputado, com os seus dotes filosóficos, não deveria estar a fazer essa dita figura porque lhe vai muito mal. É apenas isto que tenho para lhe dizer.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dada a proximidade do dia 10 de

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Junho, venho hoje falar de uma das componentes que esse dia pretende exaltar, ou seja, as comunidades portuguesas.
Se todos os portugueses sentem o Dia de Portugal com intensidade, perdoar-me-ão se disser que os nossos compatriotas que residem no estrangeiro o sentem com redobrada emoção e, naturalmente, com um significado que só eles sabem saborear e traduzir, pelo tipo diferenciado de manifestações espontâneas a que, um pouco por todo o lado, podemos assistir.
A título de exemplo e sem desmerecer outras manifestações igualmente sentidas e representativas, posso citar a manifestação a que todos os anos se assiste nos Estados Unidos da América, no estado de New Jersey e mais propriamente em Newark, na já célebre Ferry Street. E, de facto, vibrante para qualquer português assistir a tais manifestações, pois são aqueles que fazem grande a gente deste País.
É neste sentido que importa que, nesta Assembleia, seja lembrada a importância que as nossas comunidades dão ao Dia de Portugal, pois esta não só representa a exaltação da Nação portuguesa, como, em muitos casos, contribui para a afirmação de Portugal nesses países de acolhimento, na medida em que tais manifestações cada vez mais atraem a atenção das autoridades locais e são entendidas com respeito, servindo para exteriorizar a pujança da comunidade portuguesa com as naturais implicações de ordem social, económica e cultural.
Aqui não podemos deixar de lembrar a todos que são estes os portugueses que ainda não são considerados por inteiro, dado os seus direitos políticos não serem os mesmos dos cidadãos residentes em Portugal. Referimo-nos, como não podia deixar de ser, ao direito de voto para a Presidência da República, que alguns ainda persistem em negar quando, por outro lado, são céleres a dar direitos idênticos a estrangeiros que residam em Portugal. Temos a esperança de que em breve possamos regularizar esta questão para que todos os portugueses se sintam por inteiro, tal como é de plena justiça.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assim, esta oportunidade surge como a necessidade de contribuir para que se actue num duplo sentido, com vista a fortalecer e proteger as nossas comunidades espalhadas pelo mundo: por um lado, incentivando e consolidando a integração das nossas comunidades nas sociedades que os acolhem, para que sejam mais respeitadas e naturalmente possam participar no processo evolutivo dessas sociedades como um todo e não como uma parte segregada; por outro lado, contribuindo para a consciencialização da sociedade portuguesa no sentido da importância estratégica das comunidades, que nem sempre é devidamente entendida e muitas vezes é perfeitamente esquecida.
Estes propósitos não são fáceis de alcançar, mas temos consciência de que a respectiva abordagem e chamada de atenção contribuem para acelerar a sua progressiva efectivação. Num mundo onde as incertezas e as crises se avolumam, urge que todos tomem consciência de que o objectivo da integração, por um lado, e do aproveitamento estratégico e consequente apoio, por outro, são fundamentais para a estabilidade das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro.
É neste contexto que se devem integrar dois projectos que reputamos fundamentais e que o Governo em boa hora implementou: a RTP Internacional e o Instituto Camões. Sabemos que são necessários aperfeiçoamentos nestes projectos, mas temos confiança que, aos poucos, conseguiremos tirar o melhor partido deles em prol das comunidades, ou seja, de Portugal. E elegemos estes dois projectos, pois eles são o principal veículo da grande riqueza que temos ao nosso alcance para consagrar a afirmação de Portugal no mundo, que é a nossa língua e a nossa cultura.
Sobre a RTP Internacional cumpre realçar que, finalmente, serão ultrapassados os problemas surgidos com a comercialização do sinal na América do Norte e também a boa notícia de que, até ao fim do ano, o sinal da RTPi estará disponível na América do Sul e, fundamentalmente, nesse país irmão onde existe um maior número de falantes em português, que é o Brasil. Também aí já está lançado o Instituto Camões, que se espera venha a assumir um papel importantíssimo na protecção e difusão da língua e cultura portuguesa, objectivo que reputamos estratégico- e há muito por nós defendido -, tendo em conta a dimensão do Brasil e a da comunidade portuguesa aí residente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente e porque estamos a atravessar um período em que tanto se fala da Europa e da cidadania europeia, é de realçar a importância que tem para os nossos compatriotas residentes no espaço da União Europeia serem considerados como cidadãos desses mesmos países, podendo influenciar, com o seu voto, os destinos da União Europeia, bem como o discurso e as preocupações das classes políticas dos países onde residem, ao que, aliás, já se vem assistindo. É, de facto, uma alteração radical do papel dos nossos compatriotas nesses países, que, naturalmente, o tempo se encarregará de intensificar à medida que soubermos utilizar tal força em proveito de todos nós, portugueses.
E se este raciocínio é válido para os residentes na União Europeia, também o não é menos para os residentes fora do espaço comunitário, pois basta pensar na importância de Portugal ser um dos países integrantes da UE, para tal se repercutir na forma como as nossas comunidades são cada vez mais respeitadas pelas autoridades dos países de acolhimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cientes de que muito há a fazer em prol das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro, pensamos que as linhas estratégicas traçadas são as mais adequadas, pelo que a nossa batalha é lutar para que mais meios e melhores boas vontades sejam canalizados para a prossecução do objectivo, que classificamos de nacional: a potenciação de se ser português e de que Portugal só ganha se apostar nos portugueses, estejam eles onde estiverem.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 385/VI - Cria o rendimento mínimo garantido (PS).

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Para fazer a síntese do relatório da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família sobre este projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro.

O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 relatório da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família é pouco alongado e, depois de analisadas as questões relativas ao projecto lei n.º 385/VI, que o PS hoje traz aqui a esta Assembleia, com a proposta da criação do rendimento mínimo garantido, e de toda a abrangência da sua ampla problemática, preenchidos que estão os requisitos legais e regimentais para que o projecto de lei em questão possa vir a ser discutido e votado em Plenário, propõe que esta questão nele seja debatida e não toma posição sobre ela.
0 relatório foi aprovado por unanimidade, tendo a Comissão enunciado apenas os princípios que levaram o PS a apresentar o seu projecto de lei.
Entendendo o Grupo Parlamentar do PS serem hoje problemas graves da sociedade as questões da pobreza e da exclusão social e alegando igualmente que o combate a essa pobreza e exclusão social deve ser reforçado, uma vez existir na Europa um consenso alargado sobre a necessidade de os cidadãos deverem dispor de um mínimo de rendimento, de forma a ser-lhes a assegurada uma subsistência condigna, invoca a metodologia e as necessidades que levaram, na altura, à criação da pensão social para os idosos.
Relativamente ao financiamento e às questões o suporte financeiro dessas acções o Partido Socialista remete-o para o Orçamento do Estado, que suportaria a totalidade dos custos enquanto não for revista a Lei das Finanças Locais, e remete a sua administração para a esfera de actuação da segurança social que, por seu turno, a poderá delegar nas autarquias ou instituições sem fins lucrativos que estejam vocacionadas para a sua gestão.
Portanto, foi nosso parecer que o projecto de lei que nos foi proposto para apreciação, pela exaustão dos seus consideramos e demais clausulado, pelas implicações sociais, económicas, políticas e mesmo técnicas que lhe estão inerentes e ainda pela dissonância de opiniões dos diferentes agrupamentos parlamentares não possibilita votação ou parecer unanimemente aceite. E assim a Comissão entendeu vir discutir em Plenário, hoje e agora, a proposta do Grupo Parlamentar do Partido Socialista transformada em projecto de lei, cujo objectivo, como foi dito, é, em síntese, o de garantir aos indivíduos e às famílias um rendimento mínimo, que designaram por Rendimento Mínimo Garantido que, na óptica dos seus subscritores, se destina a assegurar recursos que permitam satisfazer necessidades mínimas vitais.
Este é, Sr. Presidente, o parecer que foi unanimemente votado pela Comissão de Trabalho, Segurança Social e Famílias e que apresento na minha qualidade de relator.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado José Puig, pretende apresentar agora o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias?

O Sr. José Puig (PSD): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sendo assim, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A pobreza e a exclusão social atingem hoje um número cada vez maior de portugueses. 0 desenvolvimento económico tem gerado o aumento das desigualdades e o afastamento de muitas das condições mínimas duma subsistência com dignidade. Todos os países desenvolvidos têm sido atingidos pelo aumento da pobreza, particularmente aqueles em que se tem promovido a desregulamentação das condições de trabalho e o aumento da precariedade de emprego ou em que existe uma protecção social claramente insuficiente.
Se considerarmos a definição comunitária de pobre, assumida pelo EUROSTAT- órgão estatístico da União Europeia- como aquele que, no conjunto do agregado onde vive, dispõe de um rendimento médio disponível por adulto equivalente inferior a metade do rendimento médio disponível no seu país, pelo mesmo adulto equivalente, então na União Europeia o número de pobres aumentou de 38 milhões em 1975 para 53 milhões em 1993.
E entre todos os países comunitários, Portugal, com mais de 30 % da população abrangida, é aquele que apresenta maior percentagem de pobres. Considerando outros critérios podemos chegar a quantitativos diferentes, mas todos eles alarmantes. Como vimos aqui, no debate realizado em Março, os estudos do Prof. Bruto da Costa, feitos na base dos consumos mínimos familiares, apontam para um número de pobres correspondente a 22 % da população - 2 100 000 portugueses e mesmo o Governo reconhece haver mais de 350 000 pobres só nas cidades de Lisboa, Porto e Setúbal.
Perante a pobreza não podemos ficar indiferentes. E fundamental assumir a solidariedade para com os pobres, em primeiro lugar, garantindo-lhes o direito a um mínimo de recursos. Do debate parlamentar de 24 de Março sobre o projecto de rendimento mínimo apresentado pelo PCP consideramos que três questões necessitam de esclarecimento.
Em primeiro lugar, o alcance de anteriores decisões comunitárias, em segundo, o conteúdo do projecto do Partido Socialista e, em terceiro, o custo estimado para o Rendimento Mínimo Garantido.
Vejamos as decisões comunitárias mais importantes nesta matéria.
Os responsáveis máximos dos Governos dos Doze e os Ministros dos Assuntos Sociais, reunidos no seio do Conselho Europeu em 29 de Setembro de 1989, numa Resolução relativa à luta contra a exclusão social, dizem: "5. afirmam que a existência de um conjunto de medidas que garantam prestações e recursos suficientes, adaptados à situação dos indivíduos, é um dos componentes fundamentais da luta contra a exclusão social;"
E 10 dos países da Comunidade já cumprem esta Resolução, através de sistemas diversos, garantindo estes recursos mínimos. Em 1961, a Alemanha reforma a sua Ajuda Social e em 1963 a Holanda cria o Mínimo Social; em 1974, a Bélgica cria o Minimex (mínimo de meios de existência) e a Dinamarca o Mínimo Social; em 1975 a Irlanda cria a Contribuição da Segurança Social; em 1986 o Luxemburgo cria o Rendimento Mínimo Garantido e o Reino Unido revê o Apoio ao Rendimento; em 1988 a França cria o Rendimento Mínimo de Inserção. Do mesmo modo, a Espanha cria o Ingresso Mínimo de Inserção ou Renda Mínima, a nível das suas 17 Comunidades Autonómicas e a Itália cria o Mínimo Vital, nas suas diferentes Regi-

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ões. Apenas Portugal e a Grécia não dispõem de qualquer garantia de recursos mínimos.
E isto apesar do Conselho dos Assuntos Sociais, em 24 de Junho de 1992, sob presidência portuguesa do então Ministro Silva Peneda, ter aprovado uma Recomendação sobre os critérios comuns relativos aos recursos e prestações suficientes nos sistemas de protecção social em que expressamente se recomenda aos Estados Membros, e passo a citar algumas das partes.
"A. Reconheçam, no âmbito de um dispositivo global e coerente de luta contra a exclusão social, o direito fundamental dos indivíduos a recursos e prestações suficientes para viver em conformidade com a dignidade humana e, consequentemente, adaptem o respectivo sistema de protecção social, sempre que necessário, segundo os princípios e as orientações a seguir expostos;"
"B. Definam o reconhecimento deste direito segundo os seguintes princípios gerais: ( ... ) 3. A abertura deste direito a todas as pessoas que não dispõem, nem por si próprias nem no seio do seu agregado familiar, de recursos suficientes."
"C. Implementem este direito segundo as orientações práticas seguintes: 1 - a) Fixar, em função do nível de vida e do nível de preços no Estado Membro considerado, e para diferentes tipos e dimensões dos agregados familiares, o montante dos recursos estimados suficientes para uma cobertura das necessidades essenciais no respeito pela dignidade humana;"
"D. Assegurem esta garantia de recursos e de prestações no âmbito dos regimes de protecção social."
"E. Iniciem desde já e de forma progressiva a implementação das medidas previstas na presente Recomendação, de modo a permitir estabelecer um balanço ao fim de cinco anos, tendo em conta a disponibilidade dos recursos económicos e orçamentais, bem como as prioridades fixadas pelas autoridades nacionais e os equilíbrio dos sistemas de protecção social e modulando, se necessário, o seu campo de por grupos etários ou situação familiar;"
Esta transcrição relativamente extensa da Recomendação demonstra que o PSD não tem qualquer razão quando afirma que o Governo não aprovou na Comunidade a criação dum Rendimento Mínimo; do mesmo modo os Deputados do PSD no Parlamento Europeu aprovaram repetidas declarações no mesmo sentido. Respeitem-se, pois, os compromissos assumidos.
0 projecto de lei do Partido Socialista cumpre o disposto nesta Resolução. Um mínimo de recursos é uma condição necessária, que não suficiente, para promover a integração social. A pobreza é um fenómeno cumulativo, de gerações, que exige medidas diversificadas que promovam a integração das pessoas e das famílias na sociedade.
Como se afirma num documento da Comissão Europeia relativo à exclusão social "há uma ruptura da ligação social que vai muito mais longe que a desigualdade social; ela encerra o risco de uma sociedade a duas velocidades, ou de relegação ao estado de assistido social". Não aceitamos esta sociedade dual! Não aceitamos o estado de assistido social! E, por isso, para além do Rendimento Mínimo Garantido, também propomos a criação de mecanismos que promovam a inserção social e profissional das pessoas e das famílias abrangidas.
Assim, o projecto de lei do PS apresenta como características fundamentais as seguintes: em primeiro lugar, garantir às pessoas isoladas e às famílias recursos mínimos, que lhes permitam satisfazer as suas necessidades vitais, sendo o Rendimento Mínimo Garantido (RMG) um abono diferencial, ou seja, da verba concedida são deduzidos outros rendimentos inferiores, provenientes, por exemplo, de trabalho, de pensões ou de auto-produção, não sendo consideradas as prestações familiares. Por outro lado, a pessoa isolada ou o representante da família deve ter no mínimo 25 anos ou ter criança a cargo.
Em segundo lugar, tomar como valor de referência a pensão social, considerada como mínimo vital. Neste caso, a pessoa isolada ou o representante da família tem direito a 100% da pensão social, o segundo membro do casal tem direito a
100 % da pensão social, os restantes adultos a 70 % e as crianças a 50 %.
Com efeito, com o actual valor da pensão social - 16 600$ -, garante-se assim como rendimento: 16 600$ para a pessoa isolada; 25 000$ para uma família monoparental ou mãe ou pai com um filho; 33 200$ para um casal; 49 800$ para um casal com dois filhos. Para além deste montante financeiro mensal, prevêem-se outros apoios, nomeadamente na saúde e na habitação.
Em terceiro lugar, é condição para concessão do RMG a disponibilidade para o trabalho e para a educação e formação. Além disso, as próprias estruturas de acompanhamento e execução têm de elaborar, com a participação dos interessados, um plano de inserção profissional que procure promover a integração das pessoas na vida activa e na sociedade.
Especial atenção deve ser dada à educação e à formação profissional, às ocupações temporárias e à empregabilidade. No quadro das ocupações temporárias poderão ser desempenhadas actividades que satisfaçam necessidades sociais ou ambientais, que normalmente não seriam desenvolvidas no âmbito do trabalho organizado. Para estimular o trabalho, os rendimentos dele provenientes apenas são deduzidos em 80 %.
Em quarto lugar, na sua execução e acompanhamento respeita-se o princípio da descentralização e da participação da sociedade civil. Descentralização essa que implica que a administração seja feita, a nível concelhio, o que normalmente implica que a Segurança Social delegue a execução nas autarquias locais ou em entidades sem fins lucrativos especialmente vocacionadas para o efeito.
A participação da Sociedade Civil é feita através da Comissão Local de Acompanhamento, constituída por representantes de organismos da Administração Central, das Autarquias e das Misericórdias, outras Instituições Particulares de Solidariedade Social e por Associações Económicas e Sociais. Esta Comissão, de natureza consultiva, tem um poder alargado, tanto em termos de concessão de RMG como de inserção profissional e social. 0 seu conhecimento da realidade local, o seu envolvimento na realidade social, são condições fundamentais para uma boa aplicação do sistema.
Em quinto lugar, a questão do financiamento. Compete ao Orçamento do Estado, de acordo com a Lei de Bases da Segurança Social, financiar a acção social e os défices dos regimes não contributivos ou fracamente contributivos. Neste quadro compete-lhe financiar o Rendimento Mínimo Garantido.
Deseja-se que, no âmbito da revisão da Lei das Finanças Locais e de uma mais equilibrada repartição dos recursos financeiros do Estado, seja possível um co-fi-

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nanciamento entre a Administração Central e Local, embora o papel fundamental deva caber ao Estado Central, como acontece na generalidade dos países da União Europeia. Por outro lado, poderá haver algum co-financiamento privado ou comunitário, particularmente por via das ocupações temporárias ou da formação profissional.
Abordemos, por fim, os custos do sistema. Os custos globais são difíceis de estimar por inexistência de estatísticas adequadas sobre os rendimentos familiares. De acordo com os estudos do Professor Bruto da Costa, baseados no Inquérito aos Orçamentos Familiares em 1989/90, do Instituto Nacional de Estatística, as 525 000 pessoas mais pobres em Portugal dispõem de rendimentos por indivíduo equivalente inferiores a 17 925$ mensais (em 14 meses).
Atendendo a que tomamos por base a pensão social, consideramos, então, como abrangidos por este projecto de lei do PS um universo de cerca de 500 000 pessoas (cerca de 170 000 famílias). Para estes, calculando na base da pessoa equivalente, de acordo com as percentagens atrás referidas, 100% para um indivíduo isolado, 100 % para o segundo adulto do casal, 70 % para os restantes adultos e 50 % para as crianças, o custo total estimado, sem deduções, é de 96 milhões de contos. Mas o RMG é um rendimento em que são deduzidos os outros rendimentos das pessoas ou das famílias, salvo as contribuições familiares.
Calculemos, em primeiro lugar, as deduções por pensões recebidas. 0 número total de pensionistas (de invalidez e velhice) e o regime transitório dos rurais a receber a pensão social é hoje de mais de 175 000, o que corresponde um custo superior a 40 milhões de contos. Para além deles, existem cerca de 20 000 beneficiários do regime geral e dos trabalhadores agrícolas com pensão inferior à pensão social, com um custo que estimamos em cerca de quatro milhões de contos. Considerando que, destas pensões, apenas cerca de 80 % estão abrangidas pelo RMG, poderemos deduzir cerca de 35 milhões de contos. E, atendendo a que nas famílias pobres (de acordo com os mesmos dados do INE), 32,9 % têm como principal meio de vida as pensões e 28,1 % o trabalho, podemos deduzir para o trabalho cerca de 24 milhões de contos. 0 que nos leva a considerar como custo global do RMG 37 milhões de contos, valor que será com certeza um limite superior, face às bases de cálculo.
É este um custo elevado? Corresponde a: menos de 0,3 % do PIB; menos de 0,7 % das receitas do Orçamento do Estado; menos de 3 % do Orçamento da Segurança Social. Num custo total de 37 milhões de contos traduz-se numa ajuda significativa a mais de 100 000 pessoas, que vivem em estado de grande carência e uma menor ajuda às restantes pessoas abrangidas. Para todas elas o RMG, para além da ajuda financeira, significa também um apoio à inserção social e profissional.
É evidente que o Partido Socialista tomou como base de referência para o RMG um valor relativamente baixo - o da pensão social - claramente por razões de exequibilidade e de cautela. Estamos certos de que a experiência recolhida da sua aplicação poderá permitir elevar gradualmente este valor. Os benefícios do RMG são múltiplos e muito superiores aos custos em termos de situação das pessoas e das famílias e nó combate à marginalização social e à insegurança daí resultante. E os benefícios não se dirigem apenas aos abrangidos, mas ao conjunto da sociedade porque uma sociedade solidária é uma sociedade melhor, porque a exclusão social, ao fomentar a marginalidade, a toxicodependência e o crime, põe em causa a segurança e o bem-estar de todos.
0 combate à pobreza e à exclusão social está dependente da maior ou menor prioridade dada à dimensão social, à construção de uma sociedade mais justa e solidária. A prioridade ao emprego, a uma repartição equilibrada de rendimentos, à reforma e melhoria dos esquemas de protecção social, à melhoria da educação e da qualificação dos recursos humanos, o acesso à saúde e à habitação, tem necessariamente consequências no número de pobres e excluídos e na sua situação.
Mas, tenhamos bem presente que na União Europeia, em que estamos integrados, o Rendimento Mínimo é assumido como uma base fundamental da política social, independentemente dos governos serem de maioria conservadora ou progressista.
0 Secretário-Geral do Partido Socialista tem vindo a fazer repetidas propostas ao Governo para que, sem apropriação partidária, a criação do rendimento mínimo se faça na base de um consenso social alargado. Anunciou mesmo tal medida como a prioridade das prioridades para um governo socialista, caso não seja entretanto implementada. Por isso, o Partido Socialista propõe hoje a baixa da sua proposta à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família para continuação da apreciação na generalidade e introdução de todas as emendas consideradas adequadas ou consideração de outras propostas.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tivemos reuniões com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, com a União das Misericórdias, com a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social, com a Caritas e com as duas Centrais Sindicais. As reuniões com estas Instituições reforçaram a nossa convicção do apoio social generalizado e da urgência de uma medida deste tipo. A multiplicação das situações - aumento acelerado do desemprego, pessoas sem abrigo, aumento de formas extremas de pobreza, incapacidade de resposta das instituições públicas ou privadas- exige uma resposta. A caridade, pública ou privada, não é solução.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 debate que aqui tivemos em 24 de Março permitiu confrontar experiências e soluções. É importante passar à acção. Em sede de Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família é possível promover uma audição alargada de instituições da sociedade civil, particularmente daquelas que têm tido um papel mais activo e imprescindível no combate à pobreza. A vontade política e a melhoria da situação orçamental poderão permitir a entrada em vigor do RMG ainda em 1994. Esperamos que o debate de hoje decorra no clima de abertura e procura de soluções que os pobres e excluídos de nós exigem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Carp, Raul Castro, Nogueira de Brito e Lino de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença,...

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O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não está ao lado dos pobres!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, tenha calma porque vou pegar justamente nas palavras do Sr. Deputado João Proença sobre o clima de abertura e o interesse, respeito e preocupação que nos merecem os mais desfavorecidos da nossa sociedade.
De facto, Sr. Deputado João Proença, V. Ex.ª veio aqui falar do problema dos excluídos, dos mais desfavorecidos, dos desempregados de longa duração, enfim, de um conjunto de famílias e de cidadãos portugueses que não têm beneficiado do crescimento económico, do progresso e da evolução positiva que a nossa economia tem sentido nos últimos anos.
V. Ex.ª afirmou que é contra a caridade pública ou privada dizendo que não é por essas vias que se resolvem os problemas. Efectivamente não é. E aí é que entra a nossa divergência.
Esta proposta do rendimento mínimo garantido, que, aliás, é semelhante a uma outra que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista apresentou há semanas, sofre de um problema congénito: o da sua origem conceptual. De onde vieram estes rendimentos mínimos garantidos? Quem é que pensou, pela primeira vez, sobre essas matérias? Foram economistas da escola mais liberal, segundo os quais em vez de haver sistemas de segurança social ou previdência social, em regime de distribuição, capitalização ou misto, que são complicados e burocráticos, o Estado garantia um rendimento mínimo, que nalguns casos se chama imposto negativo sobre o rendimento, a partir do qual seriam os próprios cidadãos e agentes económicos que se encarregariam de proteger as situações de falta de rendimento.
Com estes rendimentos desapareceriam os regimes pouco ou nada contributivos, ou seja, as prestações sociais sem contrapartidas em contribuições para o regime de segurança social. Por outras palavras, desapareceriam os chamados regimes parcelares de assistência social, como, por exemplo, o abono de família, o subsídio de aleitação, os subsídios a determinados serviços de natureza social e por aí adiante.
Ora bem, pela experiência de algumas aplicações, na Europa, dos rendimentos mínimos garantidos, consideramos que eles são na sua aplicação mais perversos do que benéficos para os mais favorecidos, porque o regime dificilmente se transforma em administrável e, principalmente, é de difícil cálculo, quanto ao seu financiamento, o que V. Ex.ª a acabou por revelar.
Portanto, ou se acaba com todos os regimes existentes de segurança e assistência social ou, então, se este regime é cumulável com os regimes parcelares, fazemos a pergunta sacramental: de onde vem o acréscimo financeiro para suportar o acréscimo de encargos? 15to porque não são só os 40 ou 50 milhões de contos que aqui referiu, são muito mais. E V. Ex.ª disse mesmo que era muito difícil fazer um cálculo correcto.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Rui Carp, peço-lhe que termine, pois já ultrapassou o tempo regimental.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado João Proença, é muito difícil fazer os cálculos, porque trata-se de uma população que vive naquilo a que se chama economia paralela. Portanto,
este projecto de lei tem, à partida, uma dificuldade, que é a do cálculo, e, se fosse levado avante, arriscava-se a, ao fim de pouco tempo, ser suspenso e, então, as expectativas criadas não seriam concretizadas. Era muito pior!
O Sr. Deputado não entende que uma matéria tão magna como esta deve ser tratada não de forma pontual mas numa perspectiva de médio prazo, dentro daquilo que o Sr. Primeiro-Ministro chama de "contrato social até final do século"?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Sr. Deputado Rui Carp, já ultrapassou o tempo regimental em cinco minutos.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Não entende V. Ex.ª que, por exemplo, o PDR - e estou a recordar-me da parte relativa à integração social - não tem já potencialidades para os agentes económicos, sindicatos, associações empresariais, Governo, agentes políticos poderem fazer uma perspectiva de médio prazo até ao fim do século? Espero uma resposta positiva, ou seja, que VV. Ex.ªs, com influências nos sindicatos, venham dar luz verde ao contrato social que o Sr. Primeiro-Ministro propôs há poucos dias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado João Proença, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. João Proença (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Rui Carp faz da análise da avaliação da miséria, existente neste país, uma apreciação muito mais pessimista do que nós. Com efeito, calculamos, de acordo com os dados do INE, 500 000 pobres. O Sr. Deputado diz que o encargo será muito maior do que aquele que dizemos, porque, com certeza, existem muito mais pobres. O Sr. Deputado confundiu o problema da quantidade com o da prioridade. Para nós, o que está em causa é o problema da prioridade social e não o da quantidade.
Há, efectivamente, um problema estatístico em Portugal: não há estatísticas sobre o rendimento das famílias, como o Sr. Deputado sabe; não há estatísticas sobre a riqueza das famílias. Talvez isso seja fruto de uma intenção deliberada.
A segunda questão do Sr. Deputado é uma confusão total de conceitos. V. Ex.ª disse que o rendimento mínimo foi criado na altura em que não havia sistemas de protecção social?! Ó Sr. Deputado!... V. Ex.ª diz que eles visavam destruir os sistemas de protecção social?!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador: - Sr. Deputado, no conjunto da União Europeia há 10 países onde existe o rendimento mínimo garantido e todos eles têm um sistema de protecção social muito mais desenvolvido e muito melhor do que o português. Perante isto atreve-se a dizer que o rendimento mínimo visa destruir o sistema!

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Quais são esses países?!

O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques esteve desatento?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço-lhe que volte a repetir.

O Orador: - Na minha intervenção, disse os 10 países e os sistemas, que só não existem em Portugal e na Grécia. Se esteve atento à minha intervenção, e tem o discurso para ler, quero dizer-lhe que, salvo dois países, relativamente aos quais já existe o rendimento mínimo garantido há muitos anos mas que foi recentemente reformulado, que é na Inglaterra e na Alemanha, nos outros países o rendimento mínimo foi criado a partir de 1974; o desenvolvimento dos sistemas de protecção social foi, sobretudo, feito a partir da II Grande Guerra; e o rendimento mínimo foi criado no espírito da melhoria dos sistemas de protecção social, que já estavam extremamente desenvolvidos.
Mas a maior preocupação estava perante a pobreza e a resolução dos seus problemas. E o que os senhores demonstram com esse vosso comportamento é uma insensibilidade total ao problema da pobreza.
Realmente, dizemos que a caridade pública ou privada não é solução, há que reconhecer o rendimento mínimo, a existência de um mínimo de recurso como um direito das pessoas, um direito exigido pela dignidade humana.
A última questão que o Sr. Deputado colocou tem a ver com o contrato social. Ainda não sei bem o que é o contrato social. O Sr. Primeiro-Ministro disse que, depois das eleições, vai fazer uma proposta nesse sentido, pelo que ficamos a aguardar.
De qualquer modo, há muitos anos que o movimento sindical europeu defende o rendimento mínimo, mas isso não implica que o rendimento mínimo seja uma competência de discussão entre trabalhadores e empregadores. A segurança social devia ter uma maior participação de trabalhadores e empregadores. Mas nos regimes contributivos a que os trabalhadores estão directamente ligados e para os quais contribuem, o problema do rendimento mínimo, da acção social, da pensão social, são problemas gerais do Estado, têm a ver com a distribuição e a afectação de receitas do Estado, nomeadamente os impostos, pelo que devem ser objecto de participação do conjunto da comunidade, nomeadamente da Assembleia da República.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, à semelhança da interpelação que fiz há quatro semanas atrás, solicito a V. Ex.ª a que mande o Serviço da Biblioteca distribuir aos Srs. Deputados o estudo do Professor Milton Friedman, de 1962, onde, pela primeira vez, se refere o imposto mínimo sob o título de "imposto negativo sobre o rendimento". 15to porque se está aqui a fazer confusão entre segurança social e imposto mínimo.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - A Mesa tomou nota, Sr. Deputado Rui Carp.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, começo por dizer que, tal como o projecto de lei do PCP, ao qual fez, aliás, referências, também este projecto de lei do PS merece o nosso apoio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pensamos mesmo que a pobreza não pode esperar pelo fim do século para ver instituído um rendimento mínimo garantido. 15to porque, na realidade, em Portugal, a pobreza e a exclusão social são uma mancha que não cessa de alargar, e é de notar que, para citar um exemplo, hoje há mais de 40 000 desempregados no Alentejo, dos quais mais de 60% não tem sequer subsídio de desemprego. 15to significa que, em 40 000 desempregados, 24 000 não recebem subsídio de desemprego, não recebem nada.
Por isso, trata-se, a nosso ver, de um problema urgente, que não pode ser adiado, sejam quais forem os pretextos. E esta a razão porque, sob a forma de pedido de esclarecimento, queria significar não o nosso propósito de votar, visto que a votação está adiada, com a baixa do diploma à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, mas o de, na altura própria, votar favoravelmente este projecto de lei, apoiando-o, pois visa a fixação do rendimento mínimo garantido, o que me parece uma providência da mais alta importância.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado João Proença, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. João Proença (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Raul Castro, começo por agradecer a sua intervenção e o apoio dado à iniciativa. Na realidade, em termos de desempregados deste país, a protecção social é claramente insuficiente.
O Sr. Deputado diz que 60 % dos desempregados no Alentejo não têm protecção social, que não têm subsídio de desemprego. Podia dizer-lhe que 94 % dos desempregados de muito longa duração, que são os que se encontram nessa situação há mais de dois anos e os que mais necessitam de apoio, não têm qualquer protecção social. Para eles é fundamental a existência de um esquema deste tipo.
Além de registarmos e agradecermos o seu apoio, devo dizer-lhe que, em termos de instituições de solidariedade civil, ouvimos cinco organizações ligadas aos problemas do emprego e do combate à pobreza e que todas elas deram um apoio extremamente significativo ao nosso projecto de lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, diria que a discussão do

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projecto de lei, apresentado pelo PS, é uma reedição da do projecto de lei, do PCP.

Vozes do PS: - Olhe que não!

O Orador: - Ora, em meu entender, o primeiro esclarecimento que o Sr. Deputado João Proença podia prestar, com utilidade para a Câmara e para o país, era dizer quais foram as razões profundas que levaram o Partido Socialista a autonomizar o seu agendamento e a requerer, digamos, uma discussão separada, porque, de outra forma, muito teríamos a lucrar, pois o Sr. Deputado João Proença fez aqui o mesmo discurso há 15 dias ou três semanas e agora...

O Sr. Artur Penedos (PS): - Foi parecido!

O Orador: - ... voltou. a fazê-lo.
Sr. Deputado João Proença, não contesto que o tema é de tal modo importante que, porventura, justifica escutarmos 50 vezes até podermos encontrar uma solução. É evidente que nos choca a todos a situação que o Sr. Deputado João Proença refere e, para ela, podemos ter soluções diferentes. No entanto, não podemos deixar de confessar que esta é uma situação que nos impressiona efectivamente.
0 que, porventura, contestamos é o facto de as soluções quer do Sr. Deputado João Proença quer do Partido Comunista Português serem as adequadas para
o problema.
E acerca da oportunidade da discussão, gostaria que o Sr. Deputado me garantisse que tal facto nada tem a ver com a campanha que se avizinha, que este problema não é de discussão periódica e centrada sobre a campanha eleitoral, porque, talvez, em termos de eficácia, quando chegar o ano próximo, a receptividade do PSD a estas matérias é capaz de ser diferente da de agora. 0 ano de todas as benesses está para chegar, Sr. Deputado João Proença, não é por enquanto. Está provado que o ciclo europeu não agrada ao PSD; o ciclo autárquico europeu não é próprio do PSD, ele tem outros ciclos e gere-os, porventura, com grande habilidade. Mas é pena que seja assim, de facto.
O Sr. Deputado João Proença propõe um rendimento mínimo garantido, onde o montante para a pessoa isolada é igual ao da pensão social, que, neste momento, é de 16 600$, se não estou em erro, que tem como limiar mínimo de acesso, em termos de idade, os 25 anos, para pessoas isoladas - já que os membros das famílias podem auferir uma percentagem deste rendimento se integrados numa família- e um período máximo de concessão de 12 meses renováveis.
Pergunto, para além da fundamentação que pôde ou não encontrar nos estudos do Engenheiro Bruto da Costa, qual é o universo, rigorosamente considerado, que V. Ex.ª pensa alcançar com esta medida? 15to porque, embora seja, porventura, uma medida generosa e dispendiosa, do ponto de vista financeiro, não sabemos se os seus cálculos estão certos, se se aproximam ou não da realidade. E o Sr: Deputado João Proença confessou a fragilidade desses mesmos cálculos, baseados no estudo de terceiros, do Sr. Engenheiro Bruto da Costa e de alguns números que ele conseguiu coligir.
Esse objectivo é muito inferior ao atingido por medidas semelhantes tomadas noutros países europeus. E falo dos países europeus, porque fora da Europa isto
não tem concretização,- já que é próprio do nosso sistema de segurança social europeu, não havendo, pois, comparação possível, porque se trata de sistemas que alcançam universos bastante diferentes.
Nestes termos, pergunto qual é o universo que o Sr. Deputado pretende alcançar, sendo certo que é um rendimento mínimo garantido, mas que, na sua caracterização, pode dizer-se que é um rendimento máximo do mínimo, porque é assim que ele funciona? É que o Sr. Deputado João Proença vai-lhe deduzindo outros rendimentos que porventura os potenciais beneficiários alcancem, o que significa que esse rendimento é verdadeiramente o máximo do mínimo. É o máximo do mínimo por 12 meses renováveis, 16 600$, com a condição dos 25 anos de idade mínima! Para quem é isto, Sr. Deputado João Proença?
Gostaria que V. Ex.ª fosse um pouco mais longe na caracterização da medida em apreço.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, vantagens num novo debate há sempre, tanto assim que o Sr. Deputado até já tem um melhor conhecimento do nosso projecto e já sabe que é a pensão social e não o salário mínimo que é tida como referência.
Sublinhámos no debate anterior duas questões que se nos afiguram fundamentais.
A primeira é a da importância do rendimento mínimo, que justifica a continuação do debate. A atitude de cegueira que até hoje o PSD tem demonstrado nessa matéria implica justamente que, para o Partido Socialista, o debate certamente não se encerrará hoje aqui.
A segunda questão - também a referimos no debate anterior - é a de que pretendíamos ouvir várias organizações e promover debates, como promovemos, no sentido de conhecer o sentido geral das respectivas opiniões e, ao mesmo tempo, propostas concretas de alteração. Devo dizer-lhe, a este respeito, que as propostas concretas de alteração foram muito poucas, por ter havido, em geral, um grande sentimento de apoio à nossa ideia.
Tivemos muito cuidado relativamente ao montante dos custos do sistema, porque, quando apontámos a verba de 37 milhões de contos, partimos claramente da convicção de que é o limite máximo dos máximos, que dificilmente será atingido. Por isso, partimos de um montante baixo e de um grande cuidado no modo como procedemos aos cálculos.
0 inquérito aos rendimentos das famílias de 1989/1990- refiro-me não aos dados publicados, mas ao tratamento informático do inquérito - permite conhecer que até 105 000 pessoas o rendimento mensal de que dispõem em 12 meses é até 12 595$ por pessoa, adulto ou equivalente. Haverá casos de rendimentos extremamente baixos e casos de rendimentos próximos dos 12 contos, ou seja, também um rendimento extremamente baixo. Dissemos ainda, com contas feitas, que até
525 000 pessoas o rendimento, com as deduções, era ligeiramente superior a 17 contos. Daí termos estimado o alcance dessa medida até 500 000 pessoas.
Temos a noção de que não iremos muito longe e de que a aplicação prática do sistema irá demonstrar que com uma verba da ordem dos 40 milhões de contos é

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possível ir bastante mais longe e que até as disponibilidades do Orçamento irão permitindo gradualmente aumentar esse limite. Não o subestimamos. Temos presente que a um casal com dois filhos garantir um rendimento próximo do salário mínimo não é muito, mas é importante para a subsistência dessa família e para reintegrar no mundo do trabalho muitas pessoas que neste momento estão afastadas da sociedade e desse mundo do trabalho.
Se a pensão social é atribuída em 14 meses, também o rendimento mínimo garantido é, evidentemente, em 14 meses.
Quanto à gestão dos ciclos eleitorais do PSD, que bem conhecemos em Portugal, é, enfim, a sua política, mas é evidente que essa política - todos temos noção disso - prejudica fortemente os rendimentos das pessoas e das famílias e a economia nacional. Esperemos é que essa gestão eleitoral seja penalizada por atitudes cegas como aquela que constituirá a recusa de um rendimento mínimo garantido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, como já vários Deputados aqui referiram, o debate de hoje é uma reedição ou prolongamento do debate que aqui travámos em 24 de Março, quando da discussão do projecto de lei do PCP, que também propunha um rendimento mínimo de subsistência.
De então para cá, o diagnóstico que foi feito não se alterou. Se alguma coisa se alterou, foi o agravamento das perspectivas, da pobreza e da exclusão social, com o continuado aumento do desemprego e o continuado alargamento dos que, no âmbito do desemprego de longa duração, estão excluídos de qualquer forma de protecção social.
Também não mudaram os argumentos da ala direita deste Hemiciclo. As questões que aqui trouxeram hoje são as questões recorrentes que já aqui foram colocadas em altura anterior. Refiro-me aos problemas do financiamento, dos custos e da administração.
Mas nem o CDS nem o PSD, que se limitam a votos piedosos nesta matéria e a criticar sem propor quaisquer soluções alternativas, fazem qualquer reflexão, a contrario sensu, sobre quanto custa a exclusão social, a pobreza, a marginalidade, a insegurança, a criminalidade e o facto de milhares e milhares de jovens, muitos dos quais fazem parte desses excluídos, serem atirados para as margens da sociedade e excluídos de ser futuros cidadãos, de corpo inteiro, da sociedade portuguesa. É esta reflexão que também deveria ser feita, mas que realmente o não é, quando são criticadas as medidas relacionadas com o rendimento mínimo garantido.
Coloco-lhe, Sr. Deputado João Proença, duas questões, uma das quais tem a ver com o sistema de financiamento que o vosso projecto avança. Esse sistema suscita-nos algumas interrogações quando o Partido Socialista transfere para as autarquias locais competências nesta matéria e quando, como o Sr. Deputado referiu na sua intervenção, prevê um sistema de co-financiamento entre a Administração Central e a Administração Local.

Não acha o Sr. Deputado que a matéria do financiamento é da responsabilidade exclusiva da Administração Central? Não acha que, através dessa transferência de competências para a Administração Local, estão a ser transferidas responsabilidades que competem à Administração Central, com o risco de se gerarem ainda maiores dificuldades na obtenção dos meios e das soluções financeiras para a Administração Local resolver o problema? Que pensam as autarquias desta questão? A questão mereceu o diálogo e o acordo da Associação Nacional de Municípios Portugueses?
Passando à segunda questão, dir-lhe-ia que o problema existe em Portugal e tem estado em crescimento, mas também sabemos que o flagelo não é exclusivo de Portugal. Na Europa, seja na Europa liberal ou conservadora, seja mesmo nos países com partidos socialistas no poder, há um crescente alargamento da mancha da pobreza e da exclusão social.
Este aspecto conduz-nos, em todo o caso, a outra questão. Sem prejuízo da importância destas iniciativas para combater e minorar o problema e encontrar formas de reinserção social dos excluídos, subsiste um problema de fundo: o modelo de crescimento e de desenvolvimento em curso na Europa. É esse modelo de desenvolvimento e essa Europa a ser criada que atiram para as margens da sociedade muitos milhares e milhares de cidadãos. Não é a Europa da solidariedade nem a Europa da coesão em que estamos inseridos. É essa Europa que deve ser discutida, posta em causa e reflectida, sem prejuízo, naturalmente, da responsabilidade dos vários governos que comandam os destinos dos vários países.
É essa uma questão de fundo sobre a qual deveríamos reflectir e que exige, para além das iniciativas legislativas em apreço, medidas estruturais de combate ao flagelo que vão ao encontro das causas e não ao encontro de soluções que, sendo embora importantes, são, naturalmente, limitadas e condicionadas, como todos reconhecemos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, é evidente que as questões da pobreza e do número de pobres têm a ver com o modelo de crescimento e de desenvolvimento, com a prioridade e as preocupações com a vertente social, com a prioridade ou não dada ao trabalho e ao emprego. Mas tenhamos bem presente que, apesar de tudo, é na Europa que existe menor número de pobres, quando comparada com o conjunto da população mundial. Temos de aceitar que mesmo em países desenvolvidos, como os Estados Unidos da América e o Japão, a pobreza é muito maior, para já não falar de países menos desenvolvidos ou áreas mais atrasadas.
Há realmente que relançar no quadro europeu as políticas de combate à pobreza, mas há também que assumir a nível nacional as responsabilidades nesse combate à pobreza, sendo claramente o rendimento mínimo garantido uma responsabilidade nacional.
No que respeita ao problema do financiamento e da relação com as autarquias, não dizemos que as autarquias vão co-financiar o sistema. Dizemos, sim, que enquanto não for revista a Lei das Finanças Locais o rendimento mínimo garantido será financiado por intei

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ro por verbas do Orçamento do Estado da administração central. É no quadro da Lei das Finanças Locais e da discussão da competência das autarquias que estas questões devem ser discutidas.
Poderemos questionar qual o papel que as autarquias devem desempenhar em termos de acção social. Com os actuais meios, certamente não poderá ser mais do que aquele que já desempenham. E muito fazem, também e até, no combate à pobreza!
Há, todavia, que repensar o funcionamento geral do sistema. Achamos não ser satisfatório que um país como Portugal, único na Europa, tenha 80% dos seus trabalhadores na Administração Central e 20% na Administração Local. Em todos os países da Europa a relação é ao contrário: há sempre muito mais trabalhadores na Administração Local do que na Administração Central.
15so tem a ver com as competências, com os financiamentos e com muitas outras coisas; tem a ver, em suma, com o repensar do Estado. Não é possível ser o Terreiro do Paço a administrar a acção social numa pequena localidade, o que constitui efectivamente um desperdício brutal de meios e uma incapacidade total de reconhecer os problemas reais desses pobres ou desses trabalhadores.
A protecção social e um rendimento mínimo têm um efeito directo no bem-estar de toda a sociedade. Temos de ter presente - o Sr. Deputado Rui Carp costuma fazer muita filosofia nesta matéria, mas nunca o diz abertamente - que os sistemas de protecção social foram em primeiro lugar assumidos como um grande benefício para as classes médias, pelas vantagens de segurança e de diminuição da conflitualidade e pela melhoria que o bem-estar geral gerava na própria riqueza e na acumulação da mesma por essas classes médias e pelas pessoas com maiores meios económicos.
0 combate à pobreza é fundamental para eliminar a pobreza e a exclusão social. Quando lemos nos jornais que a polícia se recusa a actuar, por exemplo, nos casos dos arrumadores de carros nas ruas, por não ter alternativa para as pessoas, o que dizem o Governo e os responsáveis? Quando vemos pobres a alastrar, em mancha, na cidade de Lisboa e não vislumbramos qualquer tipo de actuação dos poderes públicos, de que estamos à espera?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Atingimos, Srs. Deputados, a hora regimentalmente prevista para as votações.
Antes, porém, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Carvalho Martins (PSD) a ser ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito de processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em apreciação o referido parecer.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos de imediato proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.

Vamos agora votar na generalidade a proposta de lei n.º 100/VI- Disciplina as atribuições e competências dos serviços municipais de polícia e os limites da respectiva actuação.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e abstenções do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

Vamos votar de seguida, também na generalidade, a proposta de lei n.º 101/VI- Altera a Tabela Geral do Imposto de Selo e o Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do projecto de resolução n.º 115/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 78/94, de 9 de Março (PCP) [ratificação n.º 118/VI (PCP)].

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, segue-se a votação do projecto de resolução n.º 116/VI, mas, como o texto deste projecto é igual ao anterior, a Mesa entende que ele se encontra prejudicado, não se fazendo por isso a sua votação.

Vozes do PS: - Sr. Presidente, tem de ser votado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, então vamos passar à votação do projecto de resolução n.º 116/VI Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 78/94, de 9 de Março (PS) [ratificação n.º 119/VI (PS)].

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.

Terminadas as votações, vamos continuar o debate do projecto de lei n.º 385/VI.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja qual for o ângulo de que se observe, seja qual for o critério de medida que se utilize, um dado há que é inquestionável: a pobreza e a exclusão social são um problema grave do País, constituem um problema de direitos humanos que exigem políticas para as combater, políticas que tenham como quadro de referência o indeclinável dever de solidariedade e de justiça social que deveriam presidir à construção de uma sociedade moderna e de progresso.
É um fenómeno grave tanto pela sua extensão como pela sua intensidade.
Se há especialistas que calculam que entre 20 e 30% da população portuguesa é afectada por uma qualquer

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forma de pobreza e de exclusão social, o último retrato social da Europa comunitária estima em 32,7 % da população o número de pobres em Portugal, considerando para este efeito as pessoas cujos agregados familiares possuam um rendimento disponível por adulto inferior a metade do rendimento médio por adulto do respectivo país.
Mas esta é uma matéria em que se os dados globais que medem a pobreza podem ser diferentes consoante os critérios utilizados e de difícil medição directa e onde o Governo, indiferente ao fenómeno, não promoveu ainda a um necessário levantamento nacional, há, por outro lado, dados de diferentes origens que nos retractam bem a preocupante dimensão do problema.
Dos 400 000 desempregados, 44 % são-no há mais de um ano e somente metade é que recebem um qualquer tipo de subsídio de desemprego. Só aqui há 200 000 portugueses que, oficialmente, não têm qualquer tipo de remuneração ou de rendimento.
No Alentejo, por exemplo, região onde este problema está a atingir maior dimensão devido à destruição do tecido produtivo agrícola - primeiro com a liquidação da Reforma Agrária, agora com a Política Agrícola Comum -, 66 % dos 41 000 desempregados não recebem subsídio e muitas são já as casas onde marido e mulher estão nessas condições, onde a fome é já uma realidade!
Existem em Portugal cerca de 2,3 milhões pensionistas e reformados. Metade destes recebem pensões inferiores a 25 000$00 mensais, e isto num estrato populacional onde a pensão é, na maioria dos casos, a única fonte de rendimento.
A tradução em imagens concretas e bem reais da gravidade da pobreza em Portugal "tropeçamos" nós, todos os dias, nas ruas de Lisboa, do Porto e de muitos outros centros urbanos. São os sem abrigo, os bairros de barracas, os milhares de jovens que vagueiam pelas ruas e, só em Lisboa, as 150 000 pessoas com carências alimentares ou as mais de 250 000 sem alojamento condigno.
Mas é também a pobreza mais longe dos nossos olhos, a pobreza envergonhada, os novos pobres que foram sendo criados por um modelo de crescimento em que a riqueza criada se acumula cada vez mais num dos pólos da sociedade.
Acresce ainda a pobreza rural que a destruição da agricultura tem vindo a dramatizar cada vez mais. Saberão, porventura, os Srs. Deputados quantos casos há de suicídios de agricultores que, de repente, se viram atirados para uma situação de ruína e de pobreza, sem perspectivas, depois de uma vida de trabalho? São muitos, seguramente muitos, pelos exemplos conhecidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 problema da pobreza e da exclusão social não é um fenómeno ocasional. É uma questão estrutural, incorporada no modelo económico vigente.
0 Portugal de Cavaco Silva, a Espanha de Gonzalez, a França do conservador Balladur, em suma, a Europa de Dellors, a Europa dos Governos mais ou menos conservadores, mais ou menos sociais democratas. Esta é, sobretudo, a Europa dos mercados, um lugar de trocas, a Europa do falso sucesso, do desenvolvimento não sustentado, onde a justiça e o progresso social são sacrificados no altar da competitividade a todo o preço, da apropriação e acumulação de riqueza num extremo da sociedade, enquanto no outro se acumulam os desempregados, os deserdados, os excluídos do progresso.

Onde está, no Livro Branco de Dellors e da Comissão, a Europa da solidariedade, da justiça e do progresso? 0 que aí está é, sobretudo, a Europa neo-liberal, da desregulamentação das relações de trabalho, do incremento do trabalho precário e do progressivo desmantelamento dos sistemas de protecção social.

É esta Europa que gera 55 milhões de pobres, bem como os mais de 20 milhões de desempregados com que nos confrontamos. É sobre esta Europa, é sobre este modelo de crescimento que é preciso reflectir e pôr em causa, sem prejuízo, naturalmente, da responsabilidade de cada Governo em cada país concreto - aqui, em particular, do Governo do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo ficado dito que os problemas da pobreza e da exclusão só poderão ser erradicados no quadro de outra lógica de desenvolvimento, a verdade é que se impõem medidas para minorar este grave problema em crescimento, a verdade é que se impõe a necessidade de mecanismos de garantia mínima de sobrevivência e de reinserção social dos milhões de pobres e excluídos, que sejam, eles próprios, um instrumento de suporte para que esses excluídos tenham um mínimo de meios ao seu alcance para a busca da sua reaquisição de personalidade e da sua própria reinserção social.
Esta matéria já aqui foi discutida, em Março deste ano, quando o PCP apresentou um projecto que visava instituir um rendimento mínimo de subsistência.
Voltamos hoje a ela, com um projecto idêntico do Partido Socialista, ao qual, evidentemente, damos o nosso acordo - sem prejuízo de algumas reflexões, traduzidas na pergunta que fizemos ao Sr. Deputado João Proença, em matéria de especialidade -, recordando a Recomendação da Comunidade, aprovada em Junho de 1992 com o voto favorável do Governo português.
Temos, contudo, razões para recear que se o projecto fosse votado teria o mesmo destino do projecto de lei do PCP: a sua rejeição pelos votos conjugados do PSD e do CDS-PP. 0 que é significativo. As questões sociais, este problema em concreto, é, evidentemente, uma das matérias separadoras de águas neste Hemiciclo.
0 CDS-PP, apesar da inspiração de solidariedade cristã de que se diz portador, quer sobretudo aproveitar a boleia para pôr em causa o sistema de segurança social, procurando contribuir para o desmantelamento dos sistemas de protecção social, que são aquisições deste século, e com isso gerar novos factores de pobreza e exclusão social.
0 PSD, esse, ora diz que Portugal já está a cumprir a Recomendação da Comunidade, o que é redondamente falso, ora diz que o sistema é caro e o País não tem recursos, "esquecendo-se", contudo, de colocar no outro prato da balança os custos da pobreza, da marginalidade e da insegurança de milhares de jovens e crianças, que são excluídos do sistema educativo e lançados nas margens da sociedade.
0 sistema é caro, apesar de o rendimento mínimo proposto ser claramente insuficiente? É verdade. 0 sistema não é perfeito? É verdade. A experiência francesa exige de nós alguma reflexão? Também é verdade.
Mas o que é também verdade é que não bastam votos piedosos nem serve uma paralisante discussão sobre as virtualidades e dificuldades do regime, enquanto, no dealbar do século XX1, centenas de milhar de portugueses se arrastam nos caminhos da pobreza e da exclusão social.

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Então, Srs. Deputados do CDS e do PSD, apresentem alternativas concretas, com efeitos práticos, a curto prazo, que permitam combater e minorar este drama social.
A instituição do rendimento mínimo de garantia - que só Portugal e a Grécia não têm, no quadro da Comunidade - é um contributo nesse sentido e a sua discussão e aprovação deviam abrir o caminho para uma reflexão e soluções estruturais que atacassem as causas do problema.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A pobreza, a miséria e a exclusão social não podem ser encaradas como problemas inevitáveis e naturais, com os quais convivemos rotineiramente; bem pelo contrário, são problemas anormais e graves, que uma sociedade, onde os valores da solidariedade, da justiça e do progresso social sejam bandeiras, não pode tolerar!
Nós não o toleramos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A maioria desta Assembleia da República tem, de novo, a oportunidade de também demonstrar que não o tolera.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando abordamos os problemas sociais do País, fazemo-lo com sensibilidade e preocupação. Contudo, devemos resistir à tentação de nos deixarmos arrastar pelo irrealismo, pela perda da noção da realidade.

Vozes do PSD: - Claro!

O Orador: - É que, como todos bem sabemos, o nível de protecção social é indissociável do grau de desenvolvimento.

Vozes do PSD: - Claro!

O Orador: - Ou seja, para se melhorar a protecção social é preciso, primeiro, criar riqueza que possa ser distribuída. Por muito que nos custe, o pragmatismo também não pode afastar-se da solução dos problemas sociais. E certamente foi este princípio da indissociabilidade do nível de protecção social do grau de desenvolvimento dos países que condicionou o espírito e a letra da Recomendação do Conselho Europeu, aprovada em 24 de Junho de 1992.
O Sr. Deputado João Proença fez-nos aqui a citação de alguns excertos, que, agora, vou procurar complementar. Visa a Recomendação que aos indivíduos sejam assegurados recursos e prestações suficientes para que possam viver em conformidade com a dignidade humana. Mas, por outro lado, preconiza o Conselho que a Recomendação seja implementada de uma forma progressiva, atendendo, designadamente, aos seguintes aspectos: os recursos financeiros disponíveis, as prioridades nacionais, os equilíbrios internos nos sistemas nacionais de protecção social e as disparidades de desenvolvimento entre os Estados-membros em matéria de protecção social.
0 Estado português aprovou - e bem! esta Recomendação. Nós queremos mais justiça social; é esse, no fundo, o grande objectivo previsto no nosso programa partidário. Nesta matéria, em que não nos quedamos por dizer que queremos mais justiça social, falamos com uma relativa tranquilidade e preferimos assumir as responsabilidades pelo que se passou entre 1985 e 1993 ao acontecido entre 1974 e 1984.
Não queria ir por aí, mas não posso deixar de fazê-lo, quando o PSD foi aqui acusado de cegueira em relação aos problemas sociais. Nem cegueira nem insensibilidade, Srs. Deputados, porque não fomos nós que, em alguns anos, oferecemos aumentos aos pensionistas à taxa 0% e que, noutros, lhes demos aumentos de pensões, que ficaram sempre abaixo dos aumentos que os preços, em cada ano, viriam a ter!

Vozes do PSD: - Eles esquecem-se!

O Orador: - Nesta matéria, falamos à vontade, porque foi o XI Governo Constitucional que, em vez de se limitar a denunciar aquilo que, então, se chamavam as "bolsas de pobreza", decidiu desencadear programas para o seu combate. Ou seja, foi um governo do PSD que, em vez de, como alguns, se limitar a apontar o dedo, preferiu agir.
A este propósito, gostaria de dizer que nos preocupa muito sabermos que existem portugueses socialmente excluídos. Mas, por outro lado, devemos dizer que, no âmbito dos programas em curso, já foram dispendidos, entre 1990 e 1993, 9,8 milhões de contos, abrangendo 200 000 pessoas.
Porém, com isto, não pretendo dizer aos Srs. Deputados que tudo está bem; pelo contrário, diria que estamos, hoje, mais insatisfeitos do que quando foi decidido pelo Governo lançar os primeiros programas de combate à pobreza.
Tenho de constatar - e faço-o com alguma tristeza que, nesta Câmara, há uma dicotomia bem acentuada e bem marcada entre aqueles que dão por cumprida a sua tarefa, apenas reivindicando, e aqueles que, além de exigirem, também fazem por que as coisas se concretizem e melhorem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não vamos desistir do nosso primeiro objectivo: mudar a face social do País. Temos a consciência de que estamos a fazê-lo, mas, repito, também sabemos que o caminho que temos por diante é muito longo e difícil. Todavia, os resultados já alcançados estimulam-nos a prosseguir, pelo que temos a certeza de que, com todos os portugueses, havemos de chegar ao fim.
Referindo-me ao projecto de lei n.º 385/V1, pena é que, invocando os seus subscritores a Recomendação comunitária de 24 de Junho de 1992, não acolham no texto do diploma um único dos princípios a que há pouco me referi e que são preconizados pelo Conselho Europeu.
De facto, o projecto de lei do PS não faz a menor das referências aos chamados mínimos categoriais, mas lembro-vos que alguns grupos e categorias de pessoas já têm rendimentos mínimos garantidos, como o

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próprio nome indica. É o que se passa, por exemplo, com a pensão mínima do regime geral, com a pensão do regime especial de segurança social das actividades agrícolas, com a pensão do regime não contributivo e, em relação aos subsídios de doença, de desemprego e de maternidade, há valores mínimos que são garantidos aos beneficiários que, porventura por lei, tivessem direito a um subsídio inferior aos mínimos estabelecidos.
Teria algo a dizer sobre a estimativa que vem no preâmbulo do projecto de lei n.º 385/VI, mas não vou fazer-lhe grande referência porque o Sr. Deputado João Proença também não manifestou uma grande confiança em relação ao seu rigor.
Srs. Deputados, dispomos de uma estimativa que é consideravelmente diferente da que nos foi apresentada, mas isso nem é relevante porque para todos nós, tenho a certeza, a importância dos problemas sociais sobreleva sempre a quantificação que possamos fazer dos meios destinados ao seu combate.
Aliás, no último debate que aqui travámos acerca de um projecto de lei análogo foi dito que os problemas sociais não tinham preço. Todos estamos de acordo com isso; só que, Srs. Deputados, não basta fazer esta afirmação para que surjam, de imediato, os meios. É que se fosse assim fazíamos um elenco dos problemas sociais e, no dia seguinte, tinham surgido os meios para os combater!...
De facto, preocupa-nos a situação social do País, mas não comungamos do pessimismo que, por alguns, é disseminado. Na verdade, falta fazer muito, mas entre 1985 e 1993 alcançámos resultados muito positivos e que são indesmentíveis. Só quem não conhecer o País, poderá dizer o contrário! .... Por exemplo, em relação às pensões, posso lembrá-los que elas tiveram, desde então até agora, sempre aumentos com taxas superiores ao crescimento dos preços. Aliás, seria interessante inquirirmos os nossos autarcas sobre as redes de equipamentos sociais de que dispõem nos seus municípios e perguntar-lhes, já agora, de quando datam as construções lá implantadas.
Finalmente, Srs. Deputados, gostaria de dizer que o meu Grupo Parlamentar vai votar contra o projecto de lei do PS, porque preferimos acolher o conselho que vem implícito na Recomendação comunitária de 24 de Junho de 1992 e que é, repito, a implementação progressiva da Recomendação.
Ora, por esta razão, não vamos subscrever uma proposta que conduziria a uma implementação imediata e precipitada da Recomendação do Conselho Europeu, cujas consequências nenhum de nós será capaz de avaliar.
Não subscrevemos propostas que, porventura, possam perturbar o equilíbrio do sistema de segurança social. Numa palavra: não gostamos de subscrever propostas que partem da existência de meios que sabemos não existirem ainda e que, por isso mesmo, não podem ser distribuídos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, assistimos a uma grande inversão do seu discurso: enquanto em Março dizia que a Recomendação comunitária não implicava o rendimento mínimo garantido, agora já aceita que o cumprimento daquela tem implicações na aceitação deste, embora subsista o problema do momento em que tal deverá suceder. Na verdade, trata-se de uma grande mudança que importa registar!
Porém, também quero referir que o Sr. Deputado fez muitas afirmações menos acertadas, ou seja, não abordou as contas, falou em mínimos categoriais, afirmou que, no regime geral, ninguém recebe pensões inferiores às mínimas...
Tenho comigo dados relativos a 1991 e posso adiantar que 1661 pensionistas recebem pensões cujo valor se situa entre 0 e 3000$; que cerca de 265 pensionistas recebem pensões cujo montante varia entre 3000 e 3500$, havendo aproximadamente mais de 50000 pensionistas que recebem menos do que a pensão mínima do regime geral. Não é, portanto, correcto afirmar que os mínimos categoriais se configuram com o rendimento mínimo garantido, Sr. Deputado Vieira de Castro!
Por outro lado, parece-me que é um procedimento extremamente incorrecto contestar as contas apresentadas por outros sem especificar o quê ou apresentar alternativas.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, provavelmente, não ouviu o que referi aquando do debate do projecto de lei versando a mesma matéria, apresentado pelo Partido Comunista Português.
Por exemplo, acerca da Recomendação do Conselho Europeu, à semelhança do que hoje disse, falei na implementação progressiva e nos factores que o Conselho Europeu preconiza que devem ser tidos em atenção relativamente ao incremento das medidas nela previstas.

O Sr. José Puig, (PSD): - Leia o Diário da Assembleia da República, Sr. Deputado João Proença!

O Orador: - Aliás, a Recomendação não obriga (e já não sei se V. Ex.ª o terá dito, mas não é esse o caso), sugere, o que é algo bem diferente, que sejam asseguradas prestações e recursos suficientes. Deixe-me dizer-lhe que, apesar de esta questão parecer de pura semântica, não o é.
Inicialmente, a designação do primeiro projecto desta Recomendação era de "rendimento mínimo garantido". Talvez conviesse interrogar-nos sobre as razões de agora ser conhecida por "relativa aos critérios comuns respeitantes a recursos e prestações suficientes nos sistemas de protecção social".
Friso que não disse o que o Sr. Deputado João Proença repetiu e asseguro-lhe que as pensões a que me referi e os valores mínimos do subsídio de doença, do de maternidade e do de desemprego são rendimentos mínimos categoriais. Não tenha a menor dúvida! Basta o Sr. Deputado fazer o favor de ler um excerto da citada Recomendação que, a dado passo, a propósito das medidas previstas, refere o seguinte: "... modelando, se necessário, o seu campo de aplicação por grupos etários ou situação familiar ... ".

O Sr. João Proença (PS): - 15so é universal, Sr. Deputado!

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O Orador: - Que outra coisa não é do que modelar por grupos etários a pensão mínima de velhice do regime geral?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não há dúvida de que a Câmara ou os seus membros não vivem em situação de exclusão social ou de pobreza e ligam pouco aos temas sociais!... Está confirmado, mas não provado! A intriga partidária é, apesar de tudo, mais importante!...
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Gerou-se, designadamente na tribuna da imprensa, alguma expectativa sobre o sentido do voto do CDS-PP quanto a esta matéria.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Vê-se!

O Orador: - Já se viu, mas já não se vê!
Tal expectativa desmente, desde logo, a opinião aqui repetida, estilo cassete, por alguns grupos parlamentares sobre a posição do CDS-PP em matérias como esta. Desde "ultraliberais" até "inimigos dos trabalhadores e dos pobres", temos sido acusados de tudo. É uma "muleta" que convém ao PSD porque, normalmente, dá-lhe jeito dizer: "Não estamos nem com os nossos amigos da direita, que são ultraliberais e inimigos destes, daqueles e daqueloutros, nem com os amigos da esquerda, que são irrealistas. Estamos rigorosamente ao centro".
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, numa atitude caracterizadamente farisaica, falou mesmo de "imoralidade", olhando de soslaio para a nossa bancada. S. Ex.ª revelou, além do mais, nesta matéria, grande ignorância sobre a nossa posição, como no que diz respeito a outras, aliás.
É claro que não enjeitamos o qualificativo de inimigos, porque o somos realmente. Porém, não somos inimigos nem dos trabalhadores, nem dos pobres, nem dos excluídos. Somos inimigos, isso sim, sem dúvida nenhuma, da exclusão social, da pobreza e desse grande flagelo, que é o desemprego.
Entendemos, porém, que tais situações, se não combatem com medidas que tenham uma desconsideração total pelos equilíbrios, económicos fundamentais a preservar, apesar de tudo, para que os agentes económicos possam ter referências fiáveis.
Por isso mesmo, afirmamos estar dispostos a considerar a solução proposta pelo Partido Socialista. Não exactamente num quadro "friedmaniano", aqui recordado, talvez com saudade, pelo Sr. Deputado Rui Carp, mas no quadro de uma revisão completa e integral do nosso sistema de segurança social. Ou seja, num quadro que considerasse a teoria, que aqui avançámos - e que, de certo modo, foi secundada por um anúncio feito pelo Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social -, da distribuição de um sistema de segurança social por círculos concêntricos, com um núcleo a cargo do Estado, seguido de um outro a cargo de um sistema fracamente contributivo (com o Estado a apoiar os seus défices), de um outro simplesmente contributivo, sem necessidade de apoio estadual e, finalmente, de um círculo exterior, única e exclusivamente suportado pela via contratual dos potenciais beneficiários e de entidades privadas ou de solidariedade social.

0 Partido Socialista, com o seu projecto de lei, mostra não ser completamente estranho a esta mudança, mas fica-se pelo núcleo central. 15to é, o diploma do Partido Socialista, nitidamente; avança para uma revisão do sistema de segurança social, demonstrando várias coisas: primeiro ...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Apelo à sua benevolência!

Como eu estava a dizer, o projecto de lei do Partido Socialista demonstra várias coisas: primeiro, a equiparação ao montante da pensão social; segundo, a prova
de meios; terceiro, a ligação com as prestações recebidas da segurança social - isto é, como eu disse há pouco, um máximo dos mínimos; quarto, a limitação no
tempo. Tudo isto é avançado pelo Partido Socialista; só que se fica pelo núcleo central, ou seja, a cargo do Estado. Nada nos diz sobre os outros círculos concêntricos e, em nosso entender, é fundamental falar sobre os outros círculos, porque, de contrário, estaremos a contribuir para fazer soçobrar ainda mais o nosso sistema de segurança social, que está em más condições, em situação de pré-ruptura, como admite o Sr. Deputado Vieira de Castro,...

O Sr. Rui Cunha (PS): - 15so é bluff!

O Orador: - ... o autor de algumas medidas de tentativa de salvamento, e também o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social avançou uma outra medida. Agora, vem a medida do Partido Socialista. Porém, tudo isto é feito de forma desgarrada, sem uma perspectiva de conjunto..
Se considerássemos tudo e se pudéssemos ter uma perspectiva de conjunto, chegaríamos a uma solução que, ao mesmo tempo que contribuiria, de uma forma positiva, para o combate à exclusão social e à pobreza, poderia salvar o nosso sistema de segurança social. Além disso, essa solução era tomada num contexto que tornava aceitáveis as reformas.
Agora, fraccionando o problema e considerando apenas certas partes do mesmo, é evidente que não conseguiremos chegar a uma solução aceitável e tomamos como puramente eleitorais, ao fim e ao cabo, este tipo de medidas.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para qualquer partido, seria simpático poder dizer que aprovou aqui uma medida deste tipo ou que a propôs.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Primeiro, porque não teria responsabilidade em que fosse aprovada; segundo, porque a medida não desagrada a ninguém. Como fica a cargo do Estado, não há contribuintes onerados com esta medida. Portanto, seria agradável partir para a campanha eleitoral e dizer "Os Deputados não quiseram, mas nós fizemos a proposta do rendimento mínimo".

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Simplesmente, nós abordamos estas questões com seriedade, pelo que, também com seriedade, perguntamos o seguinte: está o Partido Socialista disposto a considerar esta medida numa perspectiva de revisão global do sistema de segurança social? Numa perspectiva de círculos concêntricos e da actuação do princípio da subsidariedade? Se está, estaremos dispostos a considerá-la com o Partido Socialista; se não está, votaremos contra.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, há pouco, coloquei algumas questões ao Sr. Deputado João Proença, designadamente sobre a relevância que dá a esta matéria, escapou-se a elas e apontou-me epítetos não relacionados com a minha pergunta.
Assim, vejo-me obrigado a fazer uma intervenção, insistindo para que o Partido Socialista responda claramente a esta matéria, que é muito séria.
VV. Ex.ªs apresentam-se sempre como os defensores dos pobres e dos desfavorecidos, mas, na prática, o que se passou é que, quando o PS teve responsabilidades maioritárias em matéria de governação, nunca houve, em termos relativos, tantos pobres e desfavorecidos, sem soluções para os seus problemas.
Recordo-me que isso sucedeu, por exemplo, em 1984 quando havia pobreza na Península de Setúbal...

O Sr. José Penedos (PS): - 0 Ministro do Emprego era do PSD!

O Orador: - Tentou-se resolver esse problema, não houve soluções muito exequíveis e foi um governo do PSD que, posteriormente, resolveu esse flagelo na Península de Setúbal de maneira correcta, ou seja, criou postos de trabalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - 0 melhor é ir lá! Eu levo-o lá!

O Orador: - Exactamente, Sr. Deputado Lino de Carvalho. A grande e profunda crise internacional conduziu, outra vez, a situações de carências, de desfavorecimento de situações de pobreza. Não iludimos essa questão. Aliás, quando o Sr. Deputado Lino de Carvalho se referiu à pobreza que há no Alentejo, não disse qual era a origem. Ora, a origem dessa pobreza é exactamente a influência fortíssima que o Partido Comunista teve no Alentejo durante muitos anos e que ainda tem por via do poder local.

O Sr. António Murteira (PCP): - 15so não é verdade!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E em Trás-os-Montes, na Beira Interior, em Lisboa e no Porto? Como é que é?!

O Orador: - Quanto ao mais e ao resto, temos que dizer aqui muito claramente que queremos continuar a fazer tudo o que é possível - não é utopia! - para combater as situações de pobreza e de exclusão social.
Recordamos ainda, na semana passada, as vozes, independentes relativamente ao PSD, do Padre Vítor Melícias, que disse claramente que o Estado "ama seca" acabou, e do Dr. Medina Carreira, da área do PS, quando ele foi muito mais radical sobre o Estado-Providência do que, por exemplo, o Sr. Deputado Nogueira de Brito. 0 Dr. Medina Carreira, socialista,...

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Socialista de esquerda!

O Orador: - ... foi muito mais radical ao dizer que o Estado-Providência estoirou do que o próprio Dr. Nogueira de Brito, que é da área liberal, se posso chamar assim, embora, no seu caso, seja um liberal com preocupações de justiça social. Faça-se essa justiça a ele pessoalmente e não ao seu partido.
A minha pergunta baseia-se na seguinte frase, que foi proferida aqui pelo Professor Diogo Lucena: "em segurança social, não há almoços grátis; alguém tem de pagá-los". 0 que se passa com esta matéria tem a ver com uma palavra muito utilizada, mas que, por vezes, na oposição, é usada de modo cínico - a solidariedade social.
Sr. Deputado João Proença, V. Ex.ª não pensa que tem havido um grande egoísmo da parte das forças sindicais ao reivindicarem salários mais altos para todos e não só para os que têm salários baixos, em vez de esses rendimentos adicionais serem utilizados, através de políticas de contrato social, através de políticas de redistribuição, para proteger os desempregados? No fundo, o que estamos a discutir é um problema de desemprego, que só se combate com o investimento e este, por sua vez, só se combate com confiança, com estabilidade, com acréscimo de poupanças.
VV. Ex.ªs terão coragem de nos dizer, no final da sessão, especialmente com menos assistência do que seria justificável para a importância do tema, que subscreveriam um acordo social em que menores crescimentos de salários reais seriam para compensar mais criação de emprego e, portanto, maior combate à exclusão social? Têm coragem para isso? Ou ainda estão longe dessa coragem?! Esse é o problema básico, o problema da solidariedade, não só entre regimes etários mas entre classes sociais e responsáveis dos sindicatos e das empresas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem essa solidariedade nada é possível de significativo!
Há pouco, referi - e o Sr. Deputado João Proença ficou silencioso - o chamado PDR na parte da segurança social. Ora, este plano tem um subprograma que se chama, precisamente, de integração económica e social dos grupos sociais desfavorecidos.
Pergunto: estão VV. Ex.ªs disponíveis para acompanhar, propor, enriquecer o debate e a execução deste subprograma, que tem uma duração até ao final do século? Ou ficarão por estas medidas pontuais, que certamente terão uma cobertura favorável na comunicação social, possivelmente uma abertura demagógica por parte de muitos cidadãos mais distraídos, mas que não levam a lado nenhum? Estarão de que lado: da utopia ou do realismo social?

Aplausos do PSD.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr. Deputado.

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2488 I SÉRIE - NÚMERO 76

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, os Srs. Deputados Nogueira de Brito e Rui Carp questionaram-me directamente, colocando algumas questões importantes.
Para além disso, o Sr. Deputado Rui Carp, citando o Padre Vítor Melícias, deixou implícito que este, num colóquio do PSD, pôs em causa o sistema de protecção social. Devo dizer que o PS organizou, ontem, um debate e teve oportunidade de ouvir o Padre Vítor Melícias, que defendeu a melhoria do sistema de protecção social em Portugal. Aliás, nem poderia ser de outra forma.
Gostaria de dizer ao Sr. Deputado Rui Carp que tenho comigo uma carta da União das Instituições Privadas de Solidariedade Social, assinada pelo Padre Maia, que declara um grande apoio a sistema de rendimento mínimo garantido.
Quanto à reformulação do sistema de segurança social, penso que deve haver reformulação de alguns pontos do sistema de segurança social. É evidente que temos de nos preocupar com uma progressiva melhoria dos sistemas de protecção social, tendo em vista a harmonização com a Comunidade. Talvez estivéssemos de acordo no combate à fraude, mas estamos contra a visão clientelar da gestão das dívidas. Não aceitamos que não se ajuste o subsídio de desemprego ao prolongamento da duração do desemprego. Temos de ter em conta a estabilidade financeira, no médio prazo, da segurança social; temos de ter em conta a participação dos sectores privado e de economia social.
Efectivamente, há um conjunto de matérias que devem ser discutidas. Agora, a grande divergência entre as nossas bancadas está no facto de nós querermos melhorar o sistema de protecção social em Portugal, querermos uma harmonização no progresso, querermos que, gradualmente, nos aproximemos dos sistemas existentes nos outros países da Comunidade Europeia.
O Sr. Deputado Rui Carp fez-me uma pergunta, enquanto sindicalista, e eu respondo-lhe que não percebe nada do que está a passar-se na Europa, neste momento.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Percebo bem demais!

O Orador: - Não há qualquer política de decréscimo dos salários reais para combater o desemprego; repito, não há qualquer política de decréscimo dos salários reais para combater o desemprego. 0 que há é uma discussão relativamente ao crescimento dos salários reais, tendo em conta a distribuição da produtividade, eventualmente para fomentar o investimento público e privado. Mas é o crescimento dos salários acima da produtividade, é a distribuição dos salários reais. A política deste ano do Governo do PSD é uma política contra o emprego, suicida, que mata o consumo e as empresas, já que não têm mercado, e isto não é aceitável pelo Partido Socialista. Nunca vi, quer em Portugal quer na Europa, qualquer sindicalista defender uma política deste tipo!
Relativamente ao PDR, dir-lhe-ei, Sr. Deputado Rui Carp, que é extremamente importante definir a participação da sociedade no acompanhamento da execução do Plano de Desenvolvimento Regional do II Quadro Comunitário de Apoio.
É também extremamente importante definir qual vai ser a participação desta Assembleia no acompanhamento do II Quadro Comunitário de Apoio, como importante será que se discuta a participação do Conselho Económico e Social - e sei bem que essa é a preocupação dos parceiros sociais que nele têm assento na execução desse mesmo quadro comunitário.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, eu friso o que disse sobre o que está a passar-se na Europa.
Primeiro, criar mais empregos. E onde é que eles estão a ser gerados? Onde há. mais flexibilidade do mercado de trabalho.

O Sr. João Proença (PS): - 15so não é verdade!

O Orador: - 15to é verdade. Consta de estatísticas que estão confirmadas e posso, amanhã, dar-lhe todos os elementos.
Segundo, eu não falei sequer V. Ex.ª foi mais radical do que eu - em redução salarial mas, sim, em redução do crescimento salarial ou não crescimento salarial, o que é estruturalmente diferente.
Terceiro, sobre o vosso documento, direi apenas que o estudo sobre a Política de Protecção Social e o Rendimento Mínimo Garantido, publicado pelo jornal Le Monde, conclui que em França, por exemplo, o contrato do rendimento mínimo garantido foi decepcionante. A expressão utilizada em francês foi décevant, que traduzi como decepcionante, mas aceito que possa haver outra tradução mais feliz. E foi-o, porque esse sistema francês assenta, fundamentalmente, no controlo pela autarquias locais. Não quer dizer que, no futuro, esse controlo não seja melhor, mas, actualmente, as autarquias locais europeias, salvo talvez as da Alemanha, não têm ainda, na generalidade, capacidade de controlo efectivo. 15so levou a que se gerasse uma fraude e a criação daquilo a que se. chama o desempregado pobre profissional ou, melhor, o pobre profissional.
Ora, nós não queremos criar pobres profissionais; queremos ter cidadãos com uma riqueza de participação social e, portanto, entendemos que não o conseguiremos com medidas pontuais neste domínio, que já se viu que só provaram na Europa através de contratos sociais mais amplos.
Temos de ter a sensibilidade de que a segurança social é capaz de melhorar as suas prestações à colectividade, mas sempre numa perspectiva de partenariado ou, por outras palavras, através de contratos, de acordos entre o Estado, os parceiros sociais e as instituições de solidariedade social.
Portanto, o esforço tem de ser colectivo, não pode ser levado a cabo na base da luta político-partidária.
É isso que queremos e é isso que o Partido Socialista não consegue mostrar que quer. Por isso, as suas propostas estão sempre condenadas ao fracasso. Estiveram-no no passado, como o estão no presente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, antes de encerrar o debate, informo que entrou na Mesa um requerimento, solicitando a baixa à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família do projecto de lei em discussão. Se houver acordo, poderemos votar agora o requerimento; se não houver, ele só será votado depois do dia 15 de Junho.

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A Mesa quer ouvir a Câmara para tomar uma decisão.

Pausa.

Tem a palavra, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostava de saber e o Sr. Deputado João Proença responde positiva ou negativamente à pergunta que lhe fiz, já que não esclareceu...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, a Mesa já encerrou o debate sobre esta questão. Depois, os Srs. Deputados poderão conversar sobre ela, mas não agora!
Srs. Deputados, apesar de a votação deste requerimento dever ser realizada no próximo dia em que, regimentalmente, procedermos a votações, se houvesse
consenso, poderíamos votá-lo hoje.

Pausa.

Uma vez que ninguém se opõe, vou dar conhecimento do teor do referido requerimento, após o que procederemos à sua votação. Diz o seguinte: "Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, requer-se a baixa à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família do projecto de lei n.º 385/VI - Cria o rendimento mínimo garantido (PS), antes da votação, para continuação do processo de apreciação do diploma na generalidade".
Vamos, então, votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS e do PCP.

Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, a partir das 15 horas, e terá como ordem do dia o debate da interpelação n.º 19/VI - Sobre política geral centrada na política educativa do Governo e na concretização do direito dos jovens à educação e ao ensino (PCP).
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 25 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Esteves Morgado.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Cecília Pita Catarino.
Francisco João Bernardino da Silva.

Jaime Gomes Milhomens.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
Luís Carlos David Nobre.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Carlos Ribeiro Campos.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
João Rui Gaspar de Almeida.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Arlindo Marques da Cunha.
José Angelo Ferreira Correia.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Manuel da Silva Viana de Sã.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

Página 2490

Depósito legal n.º 8818/85

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