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Sexta-feira, 8 de Julho de 1994

I Série - Número 89

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE JULHO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Após a síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, feita peto Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira (PSD), procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de resolução n.º 67/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à Eliminação da Dupla Tributação em caso de Correcção de Lucros entre Empresas Associadas, tendo a mesma sido aprovada em votação global Intervieram, a diverso título, além daquele orador e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Vasco Matias), os Srs. Deputados Domingues Azevedo (PS) e Octávio Teixeira (PCP).
Foi discutida, na generalidade, a proposta de resolução n.º 68/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo à readmissão de pessoas em situação irregular, que foi aprovada em votação global tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Sousa Lara (PSD), António Filipe (PCP) e José Magalhães (PS).
A proposta de lei nº 104/VI. - Autoriza o Governo a aprovar os novos estatutos da Casa do Douro foi discutida na generalidade, tendo baixado, a requerimento do PCP. PSD, PS. CDS-PP e Os Verdes, à Comissão de Agricultura e Mar. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar (Luís Capoulas), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Eurico Figueiredo (PS), Carlos Duarte e José Costa Leite (PSD), António Martinho (PS), Nuno Ribeiro da Silva e Vasco Miguel (PSD).
Procedeu-se à apreciação das petições n.ºs 196/VI (2.ª), 238 e 240/VI (3.ª), 218/VI (2.ª) e 255/VI (3.ª). Intervieram os Srs. Deputados Mário Maciel (PSD), Fernando Pereira Marques (PS), António Filipe (PCP), André Martins (Os Verdes), Miranda Calha (PS), Luís Peixoto (PCP), Maria da Conceição Rodrigues (PSD), Domingues Azevedo e Artur Penedos (PS), Paulo Trindade (PCP), Cerqueira de Oliveira (PSD), Miguel Urbano Rodrigues (PCP), Carlos Luís (PS), Paulo Pereira Coelho (PSD), Martins Goulart (PS), Mário Maciel (PSD) e João Amaral (PCP).
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de um Deputado independente.
Foram debatidos, em conjunto, a proposta de lei n.º 105/VI - Altera a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa), que foi aprovada na generalidade, e os projectos de lei n.ºs 336/VI - Altera a composição e reforça as competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações (Alteração à Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro) (PCP), 402/VI - Extinção do Serviço de Informações e Segurança (Deputado independente Mário Tomé) e 429/VI - Reforça as competências do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações (PS), que foram rejeitados também na generalidade. Produziram intervenções, a diverso título, além do Sr. Ministro da Defesa Nacional (Fernando Nogueira), os Sr. Deputados Eduardo Pereira (PS), Mário Tomé (Indep.), José Lello (PS), João Amaral (PCP), Jorge Lacão (PS), José Puig (PSD) e Adriano Moreira (CDS-PP).
Foi aprovado o voto n.º 114/VI - De pesar pela morte dos Srs. Professores Doutores Rui Carrington da Costa e José Gouveia Monteiro (Presidente da AR, PCP, PS e CDS-PP), após o que a Câmara guardou um minuto de silêncio.
Mereceram aprovação três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando dois Deputados e denegando um outro a deporem em tribunal.
A requerimento do PCP. PS, PSD e CDS-PP, que foi aprovado, o projecto de lei n.º 413/VI - Altera algumas disposições do Decreto-Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro (Pensões de preço de sangue) (PCP) baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, antes da votação na generalidade.
Após leitura, feita pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues (PCP), e posterior rejeição de um requerimento de avocação a Plenário, apresentado pelo PCP, da votação do artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro - Aprova o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo [ratificação n.º 114/VI (PS)], foi aprovado, em votação final global, o texto das propostas de alteração ao Decreto-Lei, aprovadas na especialidade em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Por fim, foi também aprovado, em votação final global o texto final da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social e Ambiente relativo ao projecto de lei n.º 420/VI - Regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrígues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrígues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luis Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luis Barreto Ferro Rodrigues.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.

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Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrígues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta das Comissões que irão reunir hoje.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de informar a Câmara que hoje, às 10, 15 e 21 horas, irá reunir-se a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; a Subcomissão da Qualidade de Vida às 10 horas e 30 minutos; a Comissão de Saúde às 11 horas; a de Agricultura e Mar às 15 horas; a Comissão Eventual Para a História do Parlamento às 15 horas e 30 minutos; a Subcomissão da Cultura às 16 horas; e, por último, as Comissões de Petições e da Reforma do Ordenamento Administrativo às 17 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o primeiro ponto da ordem do dia de hoje respeita à apreciação da proposta de resolução n.º 67/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à Eliminação da Dupla Tributação em caso de Correcção de Lucros entre Empresas Associadas.
Para fazer a apresentação sintética do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, tem a palavra o Sr. Deputado relator Carlos Miguel Oliveira.

O Sr. Carlos Miguel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Gostaria de fazer a apresentação do relatório da Comissão e, de seguida, expor a posição da bancada do PSD.
Em relação ao relatório, o objectivo desta Convenção é o da introdução de um procedimento arbitrai para a resolução de divergências entre as administrações fiscais dos Estados membros da União Europeia no que se refere à correcção de preços de cessão interna entre empresas transnacionais ou transfronteiriças associadas.
Este procedimento arbitrai tem por finalidade obviar, o mais rapidamente possível, aos casos de dupla tributação resultante da correcção de lucros entre estas empresas transnacionais. Por este motivo, esta convenção é geralmente conhecida por "Convenção de Arbitragem".
Vou agora referir, de forma muito sucinta, o conteúdo essencial da Convenção.
A Convenção estipula uma obrigatoriedade de informação prévia por parte das autoridades fiscais que pretendem corrigir os lucros de uma empresa associada, da respectiva empresa e do Estado Contratante onde esta está domiciliada. Haverá, então, lugar a um procedimento arbitrai, mas somente no caso de as empresas em causa e das administrações fiscais dos Estados Contratantes envolvidos não chegarem a acordo.
Este procedimento tem duas fases: uma fase amigável de dois anos e uma arbitrai de seis meses. O procedimento arbitrai só terá lugar se no procedimento amigável as autoridades fiscais competentes não chegarem a acordo. Uma vez iniciado o processo arbitrai, passados seis meses terá dê haver uma conclusão e as autoridades competentes deverão então assumir uma posição que assegure a eliminação da dupla tributação num prazo de seis meses contados a partir da emissão do parecer da comissão consultiva.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, considera-se que o objectivo da eliminação da dupla tributação foi alcançado quando os lucros forem tributados num só Estado ou quando o imposto a cobrar num Estado seja deduzido do imposto a pagar num outro Estado.
Esta Convenção foi objecto de uma discussão consensual na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, que foi de parecer que a proposta estava em condições de subir a Plenário.
De uma forma sucinta, vou apresentar agora a posição do Grupo Parlamentar do PSD, que é favorável à aprovação desta Convenção, salientando dois aspectos principais.
O primeiro é o do seu enquadramento com o mercado interno comum. A presente Convenção é importante para este mercado interno comum enquanto espaço livre de circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais sem fronteiras. Pressupomos que as vantagens económicas de um mercado interno desta natureza derivam, em grande medida, do crescimento da actividade económica transfronteiriça ou transnacional. Por este motivo é necessário proporcionar às empresas a possibilidade de desenvolverem as suas actividades com um mínimo de restrições ou impedimentos impostos por controlos fronteiriços ou fiscais.
No entanto, o facto de coexistirem na União Europeia 12 zonas e regimes fiscais nacionais próprios, cada um regulamentando unilateralmente o tratamento fiscal dispensado à actividade económica, coloca frequentemente as empresas que operam a nível internacional dentro da União em situação de desvantagem em relação às empresas que operam simplesmente num dos Estados e que estão unicamente sujeitas a uma tributação nacional. Por esta razão a presente Convenção vai permitir às empresas transnacionais ultrapassar as dificuldades decorrentes da existência destes 12 regimes fiscais próprios, favorecendo, assim, um

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melhor desenvolvimento das actividades económicas transfronteiriças das empresas na União.
O segundo e último aspecto que gostaria de realçar refere-se às vantagens específicas desta Convenção, sendo de salientar, desde logo, quatro.
A primeira é a de que a Convenção impõe aos Estados Contratantes uma obrigatoriedade de eliminar a dupla tributação, o que não acontecia nos procedimentos anteriores decorrentes dos acordos bilaterais, alguns dos quais acabámos de aprovar em sessões recentes e que seguiam o acordo-tipo da OCDE.
A segunda vantagem tem a ver com o facto da duração do procedimento de negociação entre os Estados Contratantes ser limitada, pela primeira vez, a um prazo específico e preciso (neste caso três anos sobre o início do procedimento).
A terceira vantagem refere-se ao facto de desde o início do processo estar reservado às empresas um papel mais activo, contribuindo, assim, para uma decisão mais rigorosa e mais ajustada com os factos em causa.
A quarta e última vantagem a salientar é a de que este novo procedimento beneficia, em primeiro lugar e particularmente, as pequenas e médias empresas que geralmente não dispõem de recursos adequados e suficientes para encetar negociações em sede dos processos complexos de dupla tributação.
Por estes motivos, a bancada do PSD votará favoravelmente esta proposta de resolução.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, ainda não tinha pedido a palavra porque estava convencido de que o Sr. Secretário de Estado iria introduzir a discussão da proposta de resolução n.º 67/VI.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em termos genéricos, o Partido Socialista está de acordo com esta proposta de resolução, mas não pelas virtualidades que ela possa ter para as empresas - que as não tem! -, já que isto é apenas uma clarificação no domínio das receitas públicas dos Estados Contratantes. Ela justifica-se, uma vez que Portugal é um espaço territorial com muitas empresas e filiais de outros Estados, cujo sector comercial se encontra normalmente sediado no Estado da empresa-mãe, permitindo, portanto, que elas, pelos seus métodos de trabalho, desvirtuem os resultados obtidos nessas filiais ou sucursais.
Atente-se que, de facto, o espírito desta proposta de resolução, nomeadamente o consagrado no seu artigo 4.º, é o mecanismo que sustenta o método de actuação neste domínio. E em relação a este artigo 4.º, gostaria de dizer - facto que, aliás, já referi a propósito de uma proposta de resolução aqui aprovada recentemente no que concerne à eliminação da dupla tributação lambem com Espanha - que ele está enformado, de algum modo, com métodos subjectivos.
Confio muito nas administrações fiscais de cada país e no interesse que os funcionários públicos colocam na definição do interesse público e no tratamento destas questões, mas, talvez pela minha formação, tenho sempre algum receio da subjectividade carreada para o mecanismo de determinação deste processo. Sinceramente, gostava mais que, no que se refere aos elementos de ordem objectiva quantificáveis - e facilmente quantificáveis -, tivesse havido a preocupação de instruir este artigo 4.º com essa objectividade, embora compreenda a dificuldade que há em fazê-lo.
Por exemplo, se numa empresa fôssemos à relação dos trabalhadores, compreenderia por que é que não apareceria o valor acrescentado ou por que é que ficariam de fora as que tivessem um valor acrescentado elevado e para as quais não houvesse um concurso relativamente forte em relação à mão-de-obra. De qualquer forma, creio, neste artigo 4.º, que seria preferível ou fazer a introdução de regras objectivas de determinação ou, então, aquilatar do desvirtuamento dos proveitos quando estas situações acontecem.
Uma outra questão que gostaria de colocar prende-se com as declarações unilaterais deste processo. E curioso que nas declarações unilaterais de todos os Estados Contratantes há a preocupação de enquadrar com rigor as situações em que não haverá comissão arbitrai ou aquelas em que poderá não haver a comunicação ao Estado membro da obrigatoriedade de este fazer a dedução dos lucros que, por efeito da rectificação, sejam cobrados num outro Estado.
É que a substância desta proposta de resolução é, por um lado, a de consignar ao Estado onde a riqueza é produzida o direito a cobrar os respectivos impostos e, por outro, a obrigatoriedade de o Estado onde a empresa está sediada repor ao próprio contribuinte, por efeito da dedução, os lucros que ele possivelmente aí tenha liquidado. O contribuinte nunca é beneficiado: ou paga no Estado onde se encontra sediada a empresa-mãe ou paga no Estado, por efeito de rectificação, onde se situa a empresa filiada, associada ou participada, situações que se encontram enquadradas no artigo 4.º.
Por isso, neste processo o contribuinte é neutro: ele tanto paga num Estado como paga no outro! Isto apenas clarifica qual o Estado que tem direito a cobrar os impostos correspondentes à riqueza gerada naquele Estado.
Segundo o mecanismo consagrado no artigo 5.º, prevê-se a obrigatoriedade da informação à empresa, informando esta, depois, o seu próprio Estado, para se conseguir a solução amigável, ou, em alternativa, o processo ser remetido para a comissão arbitrai, no sentido de essa mesma comissão fazer a determinação dos valores a que um Estado se considere no direito de cobrar por efeito do exercício dessa actividade.
Mas é importante constatar que, segundo o artigo 8.º, n.º 1, o processo de resolução amigável ou o recurso para a comissão arbitrai podem não se vir a verificar, desde que a empresa tenha sido julgada ou indiciada em processo administrativo por conduta a que corresponda penalidade grave.
Ora, no final da Convenção, notámos nas declarações unilaterais dos países contratantes a preocupação dos diversos países de clarificar o conceito, o alcance e o conteúdo desta afirmação "penalidade grave". E curiosamente Portugal não tem uma declaração unilateral neste processo...

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Vasco Matias): - Tem, tem! É antes da do Reino Unido!

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Secretário de Estado.

Neste aspecto, verificamos que os outros países tiveram a preocupação de escalpelizar esta questão, tentando especificar o conceito - se é falta de entrega de declaração, entrega extemporânea da declaração, viciação da declaração, omissão intencional, por exemplo, de rendimentos na declaração, a que conduz a falta de liquidação do imposto, evasão nos processos, na determinação dos valores através da contabilidade, etc. Chamo a atenção, por exemplo, para as declarações da Irlanda, da Bélgica, da Grécia e de outros países, onde há esta preocupação de clarificar, com rigor, este conceito de "penalidade grave".
Ora, quando chegamos à declaração portuguesa, apenas nos é dito que é considerada uma "penalidade grave",

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desde que a esta corresponda uma infracção susceptível da aplicação de uma coima de montante superior a 1 milhão de escudos.
Sr. Secretário de Estado, parece-me que esta formulação é um pouco redutora, em termos da conduta de uma entidade, que pode ser uma empresa ou um empresário em nome individual, que tenha, por exemplo, admitamo-lo, viciado documentos ou distorcido resultados. É que só isto, julgo, é pouco ilustrativo... Gostaria de ouvir a sua opinião quanto a esta matéria, Sr. Secretário de Estado.
Quanto à estrutura de fundo da própria Convenção, o PS não põe quaisquer objecções, pelo que vai votar favoravelmente o presente diploma. No entanto, exprimimos, uma vez mais, a nossa preocupação relativamente a documentos deste tipo, no que concerne à subjectividade, em nosso entender, excessiva, da forma de determinação dos resultados a corrigir.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quero apenas fazer duas notas muito breves para expor a posição do PCP em relação à proposta de resolução em apreço.
A minha primeira questão tem a ver com um problema já anteriormente aflorado e para o qual gostaríamos, mais uma vez, de chamar a atenção do Governo, que é o da inexistência de uma nota justificativa na proposta de resolução. Já não é a primeira vez que a questão se coloca, sendo absolutamente necessário que, em termos regimentais, as propostas de resolução sejam acompanhadas de uma nota justificativa. Para além do mais, porque a nota justificativa sempre simplificaria o processo de debate, designadamente a sua duração.
A segunda referência, relativa ao conteúdo concreto da proposta de resolução, é a seguinte: o princípio que sub-jaz a esta proposta é o da tributação dos lucros das empresas no local e no país em que eles são gerados - e não apenas os lucros gerados mas também aqueles que o seriam se não houvesse relações especiais entre empresas citas em dois Estados diferentes. Por isso, o princípio da tributação, sempre no local da realização, ou da potencial realização, desses lucros.
Parece-nos que isto é positivo e é-o, designadamente, para Portugal, na medida em que somos fundamentalmente um "importador", e não um "exportador", de filiais de empresas estrangeiras. Consequentemente, este aspecto é, do nosso ponto de vista, favorável ao nosso país.
É evidente que discordamos de uma opinião transmitida, há pouco, pelo Sr. Deputado relator, segundo a qual este princípio serviria fundamentalmente para beneficiar as pequenas e médias empresas. É que não serão propriamente as pequenas e médias empresas que terão relações com empresas filiadas noutros países. Mas isso é apenas uma questão de pormenor...
A questão de fundo parece-nos positiva e, por isso, iremos dar o nosso voto favorável à proposta de resolução n.º 67/VI.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: -

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estava preparado para fazer uma pequena intervenção de apresentação desta proposta. Todavia, dado que o Sr. Deputado relator, no seu parecer, focou com grande detalhe os objectivos essenciais da proposta, escusei-me de a apresentar mais pormenorizadamente.
Ainda assim, gostaria de dizer que ela é mais um instrumento fundamental no sentido da eliminação da dupla tributação e, no caso desta Convenção, resulta da necessidade de eliminar a potencial dupla tributação existente quando estão em causa lucros entre as empresas associadas e com especiais relações económicas.
Daí que quando haja a correcção, se um determinado Estado, para onde a empresa transfere os seus lucros, os aumenta, ou seja, entende que esses lucros transferidos devem ter uma determinada dimensão, é evidente que a esses dois movimentos deve corresponder, no outro país que recebe essa transferência de capitais, um movimento simétrico. Portanto, se há uma correcção no país A, automaticamente e para que não haja dupla tributação, no país B deve diminuir-se correlativamente o mesmo montante.
Simplesmente, o que acontece é que, num espaço comunitário integrado, isso pode não acontecer e, por isso, esta proposta de resolução tem justamente como escopo fazer com que o resultado seja efectivamente neutro. Como estão em causa duas administrações fiscais independentes, poderia daí resultar que uma procedesse a uma correcção, aumentando os lucros, e a outra não fizesse a correcção, diminuindo esses lucros e, portanto, aumentando os custos.
Nesse sentido, esta proposta tem justamente como pressuposto a protecção das empresas, na medida em que elas próprias podem despoletar junto do Estado Contratante onde residem o procedimento amigável, tentando chegar a um entendimento entre os Estados membros, e, no caso de isso não ser possível, passarem, então, à fase da arbitragem.
Penso que é mais um exemplo e uma necessidade de um espaço integrado, como este em que nos inserimos, e, portanto, da harmonização da tributação, também no domínio da tributação das empresas.
Julgo que se trata de um passo importante no sentido de assegurar a neutralidade da tributação dos lucros entre empresas dentro de um espaço como o comunitário.
Quanto às objecções expressas pelo Sr. Deputado Domingues Azevedo, é evidente que, em relação ao artigo 4.º, tanto quanto é possível perceber, quando estamos a lidar com legislações de 12 Estados membros, provavelmente até para não ferir susceptibilidades, temos de optar por conceitos relativamente indeterminados. Daí que se diga "(...) participe directa ou indirectamente na direcção, no controlo ou no capital (...)". Portanto, estabelecer aqui, a priori, percentagens que fossem comuns na determinação dos conceitos seria mais difícil. Daí que estes conceitos sejam suficientemente indeterminados para abarcar justamente os conceitos de cada um dos 12 Estados membros. E note que, na prática, o que acontece é que, como este é um procedimento sempre amigável e o relacionamento entre os dois Estados membros passa pela participação de uma das empresas num dos Estados Contratantes, é evidente que as partes têm de estar de acordo quanto a esta matéria e, consequentemente, ambos os Estados acabam por acordar na situação concreta que está em causa.
Quanto ao problema do artigo 8.º e, concretamente, em relação à questão das declarações unilaterais, direi que a nossa declaração é suficientemente abrangente, na medida em que, por um lado, aí se inserem as penalidades fiscais aplicáveis a infracções cometidas com dolo. Portanto, se me fala do caso de viciação de escrita, etc., isso até é considerado crime, é uma infracção dolosa, estando, portanto, aí

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abrangida. Por outro lado, refere-se a infracções em que a coima aplicável seja de montante superior a 1 milhão de escudos. Por consequência, basta que a uma tipificação da infracção seja aplicada uma coima superior a l milhão de escudos para que esteja abrangida.
Logo, a formulação é bastante genérica. Aliás, se a cotejar com a de outros países, verificará que a maior parte delas tem um enquadramento relativamente semelhante. Veja o caso da declaração da Alemanha - então, designada República Federal da Alemanha -, segundo a qual "penalidade grave" é "qualquer acto contrário às leis fiscais que seja sancionado com uma pena privativa de liberdade, com uma sanção penal pecuniária ou com uma multa de carácter administrativo".
Portanto, no fundo, relativamente à abrangência, a única restrição que fazemos é a de ela ser superior a 1 milhão de escudos. De facto, trata-se de descrições, mais ou menos, semelhantes para esta situação. Posso também citar o caso da declaração espanhola, para a qual a expressão "penalidades graves" engloba "as sanções administrativas por infracções fiscais graves, bem como as sanções penais por delitos cometidos face à administração fiscal". Logo, são também caracterizações bastante genéricas.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Secretário de Estado, qualquer correcção, por exemplo, a uma declaração modelo n.º 22 ou modelo n.º 2 do actual sistema fiscal não cai no conceito aqui consagrado. O mesmo já não acontece relativamente à redacção dada pela Alemanha...

O Orador: - Na declaração modelo n.º 22, Sr. Deputado?

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Na declaração modelo n.º 22 ou modelo n.º 2.

O Orador: - É que estamos a falar de empresas, Sr. Deputado!

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Na declaração modelo n.º 22 ou modelo n.º 2, porque aqui também não se excluem os empresários em nome individual. Repare que no n.º 2 do artigo 4.º não se excluem essas situações - e muito bem, porque é mais abrangente!
Agora, se o Sr. Secretário de Estado analisar a redacção dada à declaração pela Alemanha, verá que aí já se diz "(...) com uma sanção penal pecuniária ou com uma multa de carácter administrativo", o que engloba todas as situações!
Ora, se Portugal propõe este limite de 1 milhão de escudos, pode acontecer que qualquer empresa, que, fraudulentamente, vicie a sua declaração modelo n.º 22 e que, depois, entregue uma outra rectificativa, repondo a verdade fiscal, não tenha uma penalização, por esse efeito, de 1 milhão de escudos!

O Orador: - Sr. Deputado, julgo que sim, porque aqui diz-se "(...) aplicáveis a infracções cometidas com dolo (...)" - ora, se foi fraudulenta, é com dolo! - "(...) ou em que a coima aplicável seja de montante superior a 1 milhão de escudos". Portanto, se é com dolo, cai automaticamente na primeira parte.
Como dizia, a nossa formulação é semelhante às aplicadas nos outros países comunitários.
Julgo, pois, que esta proposta de resolução é positiva, já que evita, num espaço económico integrado, uma dupla tributação por situações inerentes à actuação das administrações fiscais de cada Estado membro, permitindo, de facto, uma melhor harmonização do espaço fiscal comunitário e, nessa medida, é mais um passo significativo na esteira do mercado interno em que nos encontramos.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate relativo à proposta de resolução n.º 67/VI, que aprova, para ratificação, a Convenção relativa à Eliminação da Dupla Tributação em caso de Correcção de Lucros entre Empresas Associadas.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da proposta de resolução n.º 68/VI, que aprova, para ratificação, o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo à readmissão de pessoas em situação irregular.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumpre-me apresentar o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo à readmissão de pessoas em situação irregular.
O Acordo de readmissão, seja qual for o seu âmbito subjectivo de aplicação, visa eliminar o fenómeno da imigração ilegal, através da responsabilização do Estado de origem ou de proveniência, sob ,a forma de dever de readmissão.
É conhecido que, principalmente a partir dos anos 80, a imigração se tornou um fenómeno sempre crescente, ao ponto de se tornar uma ameaça à criação de um espaço europeu, onde as pessoas circulassem livremente, sem controlos nas fronteiras internas. A livre circulação de pessoas, objectivo consubstanciado na supressão total do controlo nas fronteiras internas, pressupõe uma confiança entre os Estados-partes e, simultaneamente, uma corresponsabilização em tudo o que diga respeito à segurança, não apenas no território de um Estado mas também em todo o espaço, seja ele Schengen ou comunitário.
É neste contexto que o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo à readmissão de pessoas em situação irregular surge mais como um instrumento legal adequado a criar mútua confiança e solidariedade entre os Estados na criação de um espaço sem fronteiras, onde a livre circulação seja uma realidade.
O projecto de Acordo de readmissão entre Portugal e Espanha visa simplificar a readmissão de pessoas que tenham entrado ou que permaneçam irregularmente no território de cada uma das Partes Contratantes e assegurar o trânsito para efeitos de afastamento.
E, de harmonia com o texto, cada uma das Partes Contratantes readmite no seu território, a pedido da outra, os nacionais de países terceiros, que não preencham ou tenham deixado de preencher as condições de entrada ou de permanência vigentes no território da Parte Contratante requerente, desde que se tenham deslocado directamente do território de uma das Partes para o território da outra Parte ou sejam titulares de um visto, de uma autorização de residência ou de um passaporte de cidadão estrangeiro válidos emitidos pela Parte Contratante requerida.
A obrigação de readmitir o nacional de um país terceiro cabe à Parte Contratante a partir de cujo território ele se deslocou directamente para o território da Parte Contratante requerente ou que o habilitou com um visto, autorização de residência ou passaporte.

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Cada uma das Partes Contratantes autoriza, a pedido da outra, a entrada e o trânsito no seu território dos nacionais de países terceiros que sejam objecto de uma medida de afastamento tomada pela Parte Contratante requerente.
O regime definido no Acordo visa facilitar o trânsito para efeitos de afastamento, salvaguardando os legítimos interesses da Parte Contratante requerida.
Com efeito, o trânsito de nacional de país terceiro pode ser recusado sempre que este represente uma ameaça para a ordem pública, para a segurança nacional ou para as relações internacionais da Parte Contratante requerida.
Por outro lado, a Parte Contratante requerente assume a inteira responsabilidade pela continuação da viagem da pessoa afastada para o seu país de destino, pelo que deve retomá-la a cargo se, por qualquer motivo, a medida de afastamento não puder ser executada.
A possibilidade de escoltar a pessoa afastada está igualmente prevista, definindo-se regras específicas no caso do trânsito ser assegurado a bordo de aeronaves de uma das Partes Contratantes.
O projecto de Acordo entre Portugal e Espanha relativo à readmissão de pessoas em situação irregular está relacionado com a supressão dos controlos nas fronteiras internas, prevista na Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.
A ligação entre o projecto de Acordo e a citada Convenção explica a redacção dada ao n.º 1 do artigo 15.º do projecto, quando ali se prevê que o Acordo só entrará em vigor decorrido determinado prazo sobre a notificação exigida e desde que a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen se encontre em vigor para ambas as Partes Contratantes.
Todavia, importa também referir que a celebração deste Acordo não é imposta pela Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, pois o n.º 4 do artigo 23.º limita-se a remeter para as disposições pertinentes dos acordos de readmissão concluídos pelas Partes Contratantes. Isto no que se refere à expulsão de estrangeiros, expressão que apenas abrange as pessoas que não são nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sonsa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Presente a proposta de resolução n.º 68/VI, relativa à ratificação do Acordo estabelecido entre Portugal e Espanha e respeitante à readmissão de pessoas em situação irregular.
Presentes, ainda, os relatórios das Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Assuntos Europeus e bem assim as importantes considerações de natureza substantiva e adjectiva que enunciam, das quais destacarei, por mais relevantes, as seguintes:
Em primeiro lugar, a importantíssima ressalva feita pelo Governo português, a título de declaração unilateral, relativa aos cidadãos beneficiários do Acordo de Supressão de Vistos entre Portugal e o Brasil, como lembra- e bem! - o relatório da Comissão de Assuntos Europeus, secundada que foi pelo da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação;
Em segundo lugar, a justificação, preambularmente apresentada, relativa à vontade de simplificar, numa base de reciprocidade, a readmissão de pessoas entradas ou permanecentes em situação de irregularidade nos territórios dos dois Estados em apreço;
Em terceiro lugar, a necessária subsequência da entrada em vigor deste Acordo relativamente à da entrada em vigor da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen;
Em quarto lugar, a subordinação do futuro dos mecanismos previstos neste Acordo à salvaguarda dos interesses nacionais e à aplicação das disposições da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais:
É evidente que a aprovação que o Grupo Parlamentar do PSD concederá à proposta vertente não resulta apenas de um julgamento favorável dos mecanismos formais e das soluções institucionais que resultam do texto do Acordo que nos é submetido a apreciação. Resulta, sim, de sobremaneira, de um entendimento favorável da oportunidade da existência de um instituto como o presente, perante a conjuntura factual que se desenha, mormente a partir da esperada supressão dos controlos das fronteiras internas, decorrente da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.
Outros factores há que não podem discutir-se da mesma forma: em absoluto a vizinhança geográfica e geopolítica ou a história e, determinantemente, as relações demográficas e os patrimónios culturais, entendidos em sentido lato. Todavia, destes factores não escolhidos, resultam situações concretas que cumpre à intervenção política avaliar e enquadrar devidamente.
A Europa, económica e politicamente integrada, que, com o nosso apoio, está em processo de construção, não pode ser uma cidadela inexpugnável e xenófoba, rompendo com a sua própria tradição e património político de tolerância e de liberdade, valorizados e aperfeiçoados ao longo de séculos de sofrimento e de lutas.
E, por isso mesmo, não é possível acolher que o idealismo utópico e o voluntarismo desmedido, desinteressados das aspirações e interesses concretos dos povos e das nações que os constituem, ponham virtualmente em risco este macro projecto colectivo, construído em liberdade e pela democracia, visando a felicidade objectiva das pessoas concretas que a compõem.
A cidadania europeia é hoje já uma realidade, que acrescenta novos direitos e novas obrigações as pessoas que constituem o elemento humano desta comunidade.
O Acordo em apreço demonstra inequívoco realismo, equilíbrio e sentido de oportunidade, compreendendo-se a sua necessidade na nova fase de desarmamento das fronteiras comuns que aceitámos construir.
E seguramente que esta solução se enquadrará com outras afins, visando idênticos propósitos, numa concertação que as próprias realidades políticas ditem como necessárias.
É neste entendimento que o Partido Social Democrata aprovará a proposta que ora nos é submetida.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era apenas para exprimir brevemente a posição que iremos tomar relativamente a esta aprovação, para ratificação, deste Acordo.
De alguma forma, o debate sobre a readmissão já foi feito a propósito da aprovação de uma convenção semelhante com a República Francesa, realizado em Dezembro do ano passado, onde tivemos já oportunidade de exprimir a nossa posição relativamente a essa Acordo, na medida em que este é, em larga medida, similar e prevê disposições em tudo idênticas

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A crítica que fizémos ao Acordo celebrado com a França é mantida em relação a este. Sendo este um procedimento que tem muito a ver com a salvaguarda de direitos fundamentais dos cidadãos alvo dos procedimentos de readmissão, que são, naturalmente, processos coercivos, não é devidamente acautelada nas disposições deste ou do anterior acordo.
Esta questão tem, efectivamente, a ver com direitos e garantias fundamentais, mas é feita exclusivamente na perspectiva da tramitação inter-estadual do processo relativo à readmissão e da forma como os Estados se relacionam para reenviar cidadãos de um território para outro. Ora, nas disposições do Acordo é completamento ignorada qualquer tutela dos direitos de defesa dos cidadãos visados por estes processos.
Foi por esta razão, como tivemos oportunidade de o expressar, que votámos contra a aprovação da Convenção entre Portugal e a França relativa à readmissão de pessoas em situação irregular e, naturalmente; iremos tomar uma posição idêntica, agora que se trata da celebração de um acordo idêntico com o Reino de Espanha.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A posição do Grupo Parlamentar do PS é favorável à aprovação deste texto, nos termos que decorrem, de resto, do próprio parecer que tive ocasião de fundamentar em nome da 1.ª Comissão, que sintetiza as suas principais consequências e implicações.
Em primeiro lugar, quero deixar aqui duas observações de carácter jurídico-formal, mas não pouco importantes.
A primeira é a de que se reeditou aquilo que tinha ocorrido com a convenção similar ou homóloga com a República Francesa, quanto à natureza exacta do acto que vamos praticar. Não vamos aprovar, para ratificação, coisa alguma, pois trata-se de um acordo em forma simplificada, que, nos termos constitucionais e na sequência da redacção dada à Constituição pela penúltima revisão, carece de assinatura ulterior do Sr. Presidente da República.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias propôs uma redacção alternativa do texto da resolução, que, suponho, será consensual.
A segunda é a de que o texto não veio instruído com as declarações ministeriais produzidas, na altura própria, para os efeitos e ao abrigo do artigo 11.º, coisa que o Governo supriu ontem mesmo, estando, portanto, reunidas as condições necessárias para a adequada aprovação deste texto.
No que se refere ao seu conteúdo, quero também fazer apenas três observações.
A primeira tem a ver com a sua filosofia. Se é um facto que a necessidade de regular a readmissão flui de compromissos assumidos no plano internacional pelo Estado português, designadamente aqueles que emergem da Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen, é também verdade - e importa sublinhar tal ponto - que as regras sobre readmissão devem respeitar, nos termos, de resto, do artigo 13.º deste próprio texto e do texto homólogo da convenção com a República Francesa, todas as obrigações que o Estado português tem.
Estas normas não substituem, a título algum, as normas aplicáveis em matéria de extradição ou de extradição em trânsito. São as convenções aplicáveis a essas figuras jurídicas que devem ser invocadas e interpretadas para casos em que tais situações se suscitem, pois a readmissão não é um substituto da extradição.
Por outro lado, não podem precludir os direitos de livre circulação dos cidadãos da União Europeia ou da livre prestação de serviços, que são a base ou um dos pilares da própria ideia de União Europeia, e, aspecto não menos importante, não é suposto que prejudiquem a protecção dos refugiados e a regular análise dos pedidos de asilo, nem, em geral, podem ou poderiam impedir a aplicação das normas da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Este último aspecto é especialmente relevante em dois domínios: por um lado, é importante que seja proclamado, e é-o, de forma explícita e clara, no texto do acordo internacional em apreço; por outro, seria importante que fosse estritamente garantido procedimentalmente. Nesse ponto, este texto, tal como o celebrado com a República Francesa, não é abundante em expressões nem em garantias. Ou seja: sabemos que a readmissão é caracterizada por processos e prazos céleres, não se prevê expressamente a intervenção das pessoas visadas ou o seu controlo por outras entidades que hão as que estão envolvidas.
Há, portanto, neste ponto, alguma indefinição relativa do estatuto da readmissão, mas há que interpretar tal norma em consonância com outras do Acordo e, de resto, em consonância com as normas que garantem os direitos, liberdades e garantias de nacionais e de estrangeiros e que prevêem a intervenção de entidades não policiais, judiciais e de um outro tipo, inclusive de carácter humanitário, para assegurar que também aqui a União Europeia e os Estados que dela fazem parte combinem necessidades de segurança com necessidades de garantia plena de direitos fundamentais de pessoas humanas.
É nestes termos e com este sentido, Sr. Presidente, que daremos o nosso assentimento a este texto e foi também por essa razão que tive ocasião de propor a sua aprovação favorável pelo Plenário.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, declaro encerrado o debate da proposta de resolução n.º 68/VI.
Passamos à proposta de lei n.º 104/VI - Autoriza o Governo a aprovar os novos Estatutos da Casa do Douro.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar.

O Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar (Luís Capoulas): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A região do Douro tem pulsado, como sabemos, ao ritmo da sua vitivinicultura, dependente como está da comercialização dos seus vinhos e em especial do vinho do Porto.
Quando o vinho generoso se escoa regularmente e por preço compensador, o ambiente social é de acalmia e de optimismo; quando surgem dificuldades na sua comercialização, surge o desanimo, quando não o desespero.
É um facto histórico que os períodos de crise no Douro sempre estiveram relacionados com a recessão na exportação do vinho do Porto, do que resultava a falta de escoamento do vinho e a degradação dos preços ao produtor.
Todavia, as dificuldades vividas no período 1990/1993 não tiveram, pela primeira vez, origem na quebra das exportações de vinho do Porto. Efectivamente, ao longo da

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década de 80, o mercado do vinho do Porto atravessou um período de expansão, com o volume de vendas a subir constantemente, de 114 OOO pipas, em 1981, para 151 OOO, em 1988, ao que se seguiu uma ligeira regressão em 1989 e 1991, tendo-se, em 1993, atingido mesmo a maior comercialização de sempre, com 155 OOO pipas, 83 % das quais para exportação.
Pela primeira vez, portanto, aconteceu uma crise no Douro numa conjuntura de expansão da comercialização do vinho do Porto, pelo que importa averiguar as razões. Acontece que, no período de 1989/1991, por descontrolo na produção, verificou-se um excesso de produção de vinho generoso de 70000 pipas, devido especialmente aos excedentes das vindimas de 1989 e 1990.
Como consequência, os preços caíram acentuadamente, mesmo em termos nominais, com perda de rendimento dos produtores, situação agravada pelos atrasos no pagamento; gerou-se a instabilidade na região, derivada deste desequilíbrio do mercado e da incapacidade da Casa do Douro em absorver os excedentes não adquiridos pelo comércio; esta instabilidade ameaçou mesmo os mercados externos, face à eventualidade da desvalorização e da desqualificação do produto.
Foram estes os efeitos do desrespeito de uma regra essencial para a salvaguarda da economia regional - o cumprimento rigoroso do montante máximo do benefício autorizado para cada vindima.
Embora não tendo tido qualquer responsabilidade na situação, o Governo, na defesa do futuro do sector, do rendimento dos produtores e do prestígio do produto, definiu então, em 1991, dois objectivos a atingir, tendo tomado medidas correctivas da situação e preparatórias da reforma da organização institucional da região.
O primeiro objectivo foi o do reequilíbrio do mercado do vinho do Porto e a recuperação dos preços, para o que se tomaram, entre outras, as seguintes medidas: a celebração, sob o patrocínio do Instituto do Vinho do Porto, de um protocolo entre a Associação dos Exportadores do Vinho do Porto e a Casa do Douro para a compra do vinho da vindima de 1991 ainda por escoar em 1992, com o compromisso da sua comercialização escalonada em três anos; a redução do benefício autorizado em 1991, 1992 e 1993, com vista à absorção dos excedentes anteriormente constituídos; a concessão de um subsídio de 500 OOO contos aos viticultores a quem não foi atribuído qualquer benefício em 1992; a concessão de um aval do Estado à Casa do Douro num montante de 16 milhões de contos, para consolidação da dívida à banca, por forma a evitar-se a execução judicial do vinho dado como penhor e o consequente caos no mercado, incluindo 1,5 milhões de contos para pagamentos à produção e a abertura de linhas de crédito aos produtores e às adegas cooperativas para renegociação das suas dívidas à banca.
Tratou-se, pois, de um acompanhamento permanente e de um esforço considerável, determinado pela gravidade da situação vivida e plenamente justificado pela enorme importância do que estava em causa: a defesa do vinho do Porto, dos interesses da região e dos seus mais de 35 mil vitivinicultores.
Foi um esforço que valeu a pena e que permitiu que o objectivo do reequilíbrio do mercado esteja atingido, não tendo havido já na última campanha dificuldades no escoamento do vinho generoso e verificando-se, mesmo, uma nítida subida dos preços à produção.
Assim, na próxima vindima estaremos, portanto, já em condições de aumentar o montante do benefício para um nível próximo do que seria normal, caso não tivessem ocorrido os excessos de 1989 e 1990.
Como segundo objectivo, desde então que se definiu a necessidade de reforma da organização institucional da Região Demarcada, por forma a obviar-se a que um novo desequilíbrio volte a ocorrer e a criarem-se condições para o apaziguamento das relações, tradicionalmente conflituosas, entre os representante da produção e do comércio do vinho do Porto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos clara consciência de que as dificuldades deste período recente foram muito agudizadas pela inexistência de um fórum de concertação interprofissional, no qual a produção e o comércio possam comungar das competências e responsabilidades na gestão do seu interesse comum, que passa, objectivamente, pela estabilidade do mercado do vinho do Porto, pela promoção da qualidade do produto e pela dinamização das vendas.
É este o objectivo da presente proposta de autorização legislativa, inserida na reforma da organização institucional da Região Demarcada do Douro, que vem sendo discutida de há muito com as partes envolvidas e que ontem mesmo tive oportunidade de expor genericamente à Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar.
O espírito que anima o Governo ao propor esta reforma assenta nas seguintes motivações: que o conflito e a controvérsia entre quem produz e quem comercializa o vinho do Porto dêem lugar à cooperação interprofissional, para benefício de todos e de toda a região do Douro; que a tutela do Estado, aliás, hoje meramente supletiva no que diz respeito ao controlo da produção do vinho do Porto, seja progressivamente substituída pela auto-regulação interprofissional; que os centros de decisão relativamente aos assuntos da vitivinicultura do Douro se radiquem em Peso da Régua; que a fixação das regras disciplinadoras da produção de vinho do Porto e a distribuição do benefício sejam feitas com o maior rigor e transparência; que a organização associativa do Douro saia reforçada, pelo reforço da sua representatividade, para defesa dos efectivos interesses dos vitivinicultores da região; que se acentue a aposta nos vinhos de mesa de qualidade e na sua promoção comercial, atenuando a dependência da região relativamente ao vinho generoso e diversificando a sua base de sustentação económica; que a organização da Região Demarcada do Douro se aproxime, quanto possível, do estabelecido na Lei-Quadro das Regiões Demarcadas Vitivinícolas, a Lei n.º 8/85, de 4 de Junho.
O modelo que se preconiza radica, portanto, na criação de uma Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (CIRDD), com sede na Régua, representação paritária da produção e do comércio e presidida por um representante do Estado, que terá como principais atribuições: a definição das regras de disciplina da produção dos produtos vínicos da região com direito a denominação de origem; o controlo dos respectivos volumes produzidos e comercializados; a promoção e o controlo da qualidade do produto; a execução de estudos de mercado e a dinamização das vendas.
Estamos convictos de que, num quadro de concorrencialidade crescente dos mercados agrícolas e da plena afirmação das regras do mercado interno, só a concertação interprofissional pode facultar a estabilidade em cada fileira agro-alimentar e que a Região Demarcada do Douro e o vinho do Porto só terão a beneficiar com a modernização da sua organização, salvaguardados como deverão ficar alguns aspectos essenciais, que garantam a superação de eventuais situações de impasse no seio interprofissional e que evitem a fragilização da representação da lavoura.

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Naquela circunstância, de um eventual impasse ou de conflito insanável no foro interprofissional, ainda que supletivamente e sob homologação da tutela, o representante do Estado deverá ficar investido da faculdade de tomar as decisões que se revelem indispensáveis ao normal desenvolvimento de cada campanha vitivinícola.
Por outro lado, a Casa do Douro, como suporte da lavoura duriense, manterá a sua natureza de associação pública, para representação unitária da produção, assim se atendendo à vontade manifestada pela região e como reconhecimento da conveniência de se garantir a coesão entre as suas organizações, perante a atomização da sua estrutura produtiva.
Todavia, esta prerrogativa de representação unitária, não significa unicidade, pois que, tal como já hoje acontece relativamente ao conselho geral do Instituto do Vinho do Porto, a representação da Casa do Douro deverá incluir representantes de outras organizações de produtores, como sejam as adegas cooperativas e os produtores-engarrafadores.
Transitoriamente, prevê-se que a Casa do Douro continue a deter as competências de disciplina da produção e de certificação dos outros produtos vínicos da região, à excepção do vinho do Porto, assim como nada obsta a que mantenha as suas competências relativas à aplicação das medidas da organização comum do mercado vitivinícola, mediante protocolo com o Instituto da Vinha e do Vinho.
Portanto, e contrariamente ao que por vezes se especula, a Casa do Douro não perderá competências, mas tão só irá partilhar, na organização interprofissional, algumas das que detém actualmente, assim como passará a partilhar outras competências, no domínio da comercialização, e que serão transferidas do Instituto do Vinho do Porto para a organização interprofissional.
Por outro lado, e tendo em conta o sobredimensionamento do seu actual quadro de pessoal, prevê-se que os funcionários da Casa do Douro possam vir a integrar os quadros da comissão interprofissional e do Instituto do Vinho do Porto, bem como serão consagradas condições especiais de pré-aposentação para os funcionários mais idosos e com maior antiguidade.
O Instituto do Vinho do Porto, cuja sede será transferida para Peso da Régua, manterá as suas competências de fiscalização e certificação final do produto, associado como está à tradição de qualidade e à garantia da genuinidade do vinho do Porto, aspecto essencial na preservação da sua imagem externa.
São estes - a CIRDD, a Casa do Douro e o Instituto do Vinho do Porto - os três pilares em que se consubstancia o modelo da nova organização institucional e que resulta já de uma larga convergência de posições entre os parceiros profissionais interessados.
Como se reconhecerá, não foi tarefa fácil chegar a este consenso de base, ultrapassando desconfianças hoje sem qualquer sentido e que não servem o futuro da região.
Valeu a pena porfiar para se constatar que existe hoje uma vontade crescente, a nível regional, a favor da modernização do sector. Mas, naturalmente, que subsistem ainda algumas divergências que se pretendem superar, razão pela qual não estão ainda corripletamente ultimados os respectivos projectos de diplomas.
O Governo pretende fazer ainda um último esforço de persuasão, para que a implementação deste novo modelo decorra com o maior empenhamento das partes e num ambiente de franca cooperação.
Tal como já expus aos Srs. Deputados na Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas, o Governo está completamento disponível para, logo que possível, aprofundar a discussão que ontem teve lugar, independentemente da votação da presente proposta de autorização legislativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No quadro da União Europeia e perante o futuro que se perspectiva, é completamento irrealista pretender-se que seja o Estado a garantir o escoamento dos produtos ou os preços aos produtores agrícolas.
Neste novo contexto, só a auto-regulação interprofissional pode garantir o escoamento e o preço do vinho generoso do Douro - e este tem sido desde sempre, e continua a ser, o maior anseio dos seus mais de 35 OOO produtores.
Neste novo mundo em que tivemos, com a afirmação generalizada da economia de mercado, há que potenciar as organizações associativas e que acreditar na sua capacidade de gestão dos seus próprios interesses. Por isso, estou perfeitamente convicto de que a defesa da economia do Douro e desse produto inigualável da nossa vitivinicultura que é o vinho do Porto, passa pela reforma que o Governo preconiza, de modernização da organização institucional da Região Demarcada do Douro.
No diálogo, com espírito aberto e sentido construtivo, olhando mais para o futuro do que para o passado, com passo prudente mas firme, vamos conseguir dotar o Douro de uma organização moderna e eficaz!

A região do Douro bem a merece!!

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, ouvimos o Sr. Secretário de Estado referir hoje, como, aliás, referiu ontem na Comissão de Agricultura e Mar, que este pedido de autorização legislativa chega a Plenário depois da tentativa de obtenção de consenso de todas as partes, como resultado de um esforço que o Governo considera ter feito de diálogo ao longo destes meses. Mesmo ontem o Sr. Secretário de Estado, na Comissão, referiu o facto de terem sido distribuídos aos vários interessados os anteprojectos de decreto-lei que estão subjacentes a este pedido de autorização legislativa.
A verdade é que o mesmo chega à Assembleia sem esses documentos, impossibilitando os Deputados de conhecer com profundidade - porque a intervenção do Sr. Secretário de Estado é omissa em muitos aspectos importantes - o sentido e a orientação da matéria sobre a qual o Governo pretende legislar.
Acresce, além disso, que, em nosso entender, há um artigo do Regimento que deve ser cumprido, razão pela qual fazemos a interpelação à Mesa. É que o artigo 200.º do Regimento da Assembleia da República diz o seguinte: " 1. "Nas autorizações legislativas observam-se as seguintes regras especiais: (...). 2. O Governo, quando tenha procedido a consultas públicas sobre um anteprojecto de decreto-lei, deve, a título informativo, juntá-lo à proposta de lei de autorização legislativa, acompanhado com as tomadas de posição assumidas pelas diferentes entidades interessadas na matéria."
Ora bem, ouvimos o Sr. Secretário de Estado dizer, aqui e ontem na Comissão, que já houve consultas, que já há anteprojecto de decreto-lei, só que esses documentos não

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chegaram à Assembleia. Isto é, o Governo vem aqui pedir um autêntico cheque em branco, ainda por cima violando o artigo 200.º do Regimento.
Sr. Presidente, a nossa interpelação tem por objectivo saber se a Mesa tem conhecimento de já terem chegado à Assembleia os documentos a que o artigo 200.º do Regimento obriga, e, no caso de isso não se verificar, se é possível fazer diligências junto do Governo para que tal artigo seja cumprido.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, neste momento a Mesa não tem condições para lhe dar uma resposta cabal; os dados disponíveis dizem que esses documentos não estão juntos ao processo. Vamos averiguar e na altura oportuna informaremos o Sr. Deputado e a Câmara.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Sr. Presidente, na sequência da interpelação do Sr. Deputado Lino de Carvalho, quero apenas reeditar um esclarecimento que já aqui foi feito pelo Governo em relação a uma crítica semelhante, vinda também da bancada do Partido Comunista. Na altura pensámos que o assunto tinha ficado encerrado.
Na verdade, o que o Regimento diz tem a ver com as situações em que o Governo legisle sobre a obrigação de previamente fazer consultas ou discussão públicas de diplomas de acordo com preceitos de obrigatoriedade de realização das mesmas de acordo com a lei, o que não é manifestamente este caso. Há muitas situações, como esta, em que o Governo, por gostar de dialogar e de criar consensos, de um modo formal ou informal, contacta com parceiros sociais e instituições no sentido de captar opiniões. Mas não por obrigatoriedade legal, como é manifestamente este caso.
Contudo, a título excepcional, o Governo está perfeitamente disponível nesta situação, porque considera que é uma matéria importante, onde todos os consensos possíveis de obter são do interesse da região e do interesse nacional. Concordamos que esta proposta de autorização legislativa, excepcionalmente, baixe à Comissão e que, posteriormente, o próprio Governo possa ir acompanhando a sua discussão em comissão e possa vir aqui também apresentar o decreto-lei quando estiver em fase mais adiantada de ultimação, ou estiver até concluído e em vias de poder ir a Conselho de Ministros. Nestes termos, julgo que o Sr. Deputado Lino de Carvalho não tem qualquer razão para esse tipo de crítica e de objecção.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Como foi uma interpelação, apenas digo que é uma interpretação possível entre muitas outras. Por acaso não é a que partilho, mas, na discussão em apreço, de momento, não tem interesse.

Vamos continuar o debate.

Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, quero apenas dizer que, registando a disponibilidade do Governo para a proposta que o PCP apresentou ontem, em sede de Comissão de Agricultura e Mar, para que o diploma baixe à Comissão a fim de uma melhor apreciação, o melhor desmentido a este tese do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares foi o recente debate sobre o Código Penal!

Passo de imediato ao pedido de esclarecimento.

Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar, alguns dos argumentos que hoje V. Ex.ª usou aqui, não os usou ontem, nem estão no memorando que então nos entregou na Comissão de Agricultura e Mar. Ó Sr. Secretário de Estado parte da crise, enfim, das dificuldades por que terão passado o Douro e a Casa do Douro recentemente para justificar o avanço para este modelo de gestão interprofissional. Quanto às razões da crise, na minha intervenção falarei delas, não me vou agora debruçar sobre isso. Não temos a leitura do Sr. Secretário de Estado, obviamente, mas o Sr. Secretário de Estado referiu duas ou três questões que importa esclarecer.
Primeiro, diz que é necessário instituir um modelo de gestão interprofissional para diminuir a intervenção do Estado. Como é que V. Ex.ª diz isso, quando o primeiro projecto de decreto-lei que enviou às organizações interessadas previa exactamente o contrário? Já que retirava poderes aos actuais mecanismos de auto-regulação que existem na Região Demarcada duriense para transferir para um organismo do Estado, o Instituto do Vinho do Porto (IVP), os poderes que estão agora na Casa do Douro e nas diversas comissões paritárias, conselho geral do IVP e conselho interprofissional da Casa do Douro? Isto é, o projecto inicial do Governo é exactamente o oposto daquilo que o Sr. Secretário de Estado aqui vem dizer. Espero que o Governo entretanto tenha recuado e alterado esse raciocínio inicial, que apontava para a estadualização das funções e não a descentralização que o Sr. Secretário de Estado está agora a referir.

Vozes do PSD: - O projecto está dentro da nossa filosofia!

O Orador: - A segunda questão tem a ver com os mecanismos de auto-regulação. Estes já existem. Constam da legislação que define os poderes da Casa do Douro, dos pareceres de vários juristas e, como o Sr. Secretário de Estado sabe, os poderes que a Casa do Douro hoje tem são de autêntica intervenção, com os outros parceiros, no sentido de regular o mercado. Então, para que é que serve o conselho geral do IVP, que é uma estrutura paritária? Para é que serve o conselho interprofissional da própria Casa do Douro em relação aos vinhos regionais, onde têm assento paritárío a lavoura e o comércio? Não estão já aí os mecanismos de regulação? Porque é que não se aponta para o aperfeiçoamento desses mecanismos, Sr. Secretário de Estado? Tanto mais, que isso não está nada em contradição, ao contrário do que o Sr. Secretário de Estado dizia no seu memorando, com a Lei n.º 8/85!
O Sr. Secretário de Estado sabe que a própria Lei n.º 8/85, e depois o decreto de 1986 que desenvolve esses princípios, estabelecem para a Região Demarcada do Douro excepções, tendo em conta as características específicas da região. E são essas excepções que justificaram,, já depois da Lei n.º 8/85, que o Governo tenha feito aprovar os Estatutos da Casa do Douro. Se estivessem em contradição com a lei-quadro já na altura o Governo teria oportunidade de fazer essa alteração.
E, como o Sr. Secretário de Estado sabe, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 288/89, que aprova os Estatutos da Casa do Douro, diz-se isto: "É assim que, levando em consideração..."

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado. O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

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"... as características específicas da região duriense, se consagra a solução inovadora de contemplar a orgânica da Casa do Douro com o conselho vitivinícola interprofissional, órgão representativo, em plena paridade, da lavoura e do comércio e cujas competências, no âmbito dos vinhos de qualidade regionais (...) são as definidas na Lei n.º 8/85, de 4 de Junho." E há depois o conselho geral do IVP.
Portanto, existe já um modelo de gestão interprofissional e, como é do conhecimento de V. Ex.ª, nesse modelo de gestão interprofissional do IVP, designadamente, a associação dos exportadores tem-se recusado a participar. Ainda ontem houve uma nova reunião na Régua, ao que sei, e a associação de exportadores não participou.
O Sr. Secretário de Estado cria agora um modelo em que retira poderes à Casa do Douro para criar uma estrutura interprofissional que não existe e que não se sabe se vai existir, porque nem se sabe se, nomeadamente, a Associação de Exportadores vai participar. Isto é criar o vazio!
Gostaria ainda de dizer que a Casa do Douro se mantém, segundo o Governo, como pessoa colectiva com poderes públicos, mas retira-se-lhe todas as funções públicas. Então, para que serve a sua natureza pública se depois se lhe retiram todos os poderes? Por que razão é que, mesmo avançando para um conselho interprofissional, não se mantêm na Casa do Douro poderes executivos das deliberações que o conselho interprofissional venha a realizar? Porque é que o Sr. Secretário de Estado não reconhece aquilo que era reconhecido em 1988 pelo seu Governo quando dizia o seguinte: "Casa do Douro - o facto de nesta se fazer o registo cadastral, o facto de nesta se fazer a classificação dos vinhos, o facto de nesta se fazer a disciplina do trânsito dos produtos vínicos, no fundo, o facto de nesta se fazer o controlo em ordem a acautelar a qualidade do vinho do Porto levou o Governo a concluir que não havia que alterar o que estava organizado".
Então, o que é que mudou nos últimos anos para o Governo querer retirar à Casa do Douro as competências que hoje tem? Porque é que o Governo reconhecia que estava bem organizada, não se justificando, portanto, a sua alteração?
São estas as questões que, nesta fase do debate, gostaria de ver esclarecidas por parte do Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Secretário de Estado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar: - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): Tem, então, a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, os seus pedidos de esclarecimento traduzem o isolamento em que hoje se encontra o seu partido quer a nível nacional quer a nível regional.
Começando por responder à sua última questão, dir-lhe-ei que o que mudou foi, desde logo, a vontade da região. Tenho em meu poder, as bases dos consensos estabelecidos entre a Casa do Douro e a Associação de Exportadores que dizem, nomeadamente, o seguinte: "O objectivo final a atingir é uma organização interprofissional para todas as denominações de origem da Região Demarcada do Douro.
Deverá ser encontrado um enquadramento jurídico que permita à Casa do Douro a representação unitária da lavoura duriense.
A definição da política e de todas as regras do sector do vinho do Porto será da competência do conselho interprofissional.
A fiscalização e certificação da denominação da origem Porto, caberá totalmente ao Instituto do Vinho do Porto.
A sede do Instituto do Vinho do Porto e a sede do conselho interprofissional devem ficar na Região Demarcada do Douro.
O conselho interprofissional deve ser independente e autónomo do Instituto do Vinho do Porto". Portanto, Sr. Deputado, isto é aquilo que está vertido no modelo que preconizamos.
De qualquer forma, não é só a Casa do Douro que é desta opinião; em 1993 recebi uma delegação das adegas cooperativas da região que me deixaram um memorando em cujo ponto 5 se dizia o seguinte: "A lavoura do Douro, através dos seus legítimos representantes no Conselho Regional de Vitivinicultores, decidiu concordar com a institucionalização do conselho interprofissional para o sector, tendo por base a Lei n.º 8/85.
É urgente que o Governo legisle nesse sentido, sem pressões unilaterais, de modo a que seja estabelecido o diálogo entre a produção e o comércio, salvaguardando os interesses do sector."
Mas há mais organizações e eu também recebi recentemente outras mais pequenas, portanto sem a mesma expressão, nomeadamente a Agridouro, que dizem exactamente o mesmo, ou seja, querem a constituição de um conselho interprofissional.
Portanto, Sr. Deputado, os seus pedidos de esclarecimento demonstram o seu distanciamento relativamente a estes problemas e à vontade da região...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Olhe que não! Não sei é se eles querem esse tipo de conselho interprofissional.

O Orador: - ... e a forma como o PCP está amarrado a fantasmas passadistas que não servem o futuro da região do Douro e os seus vitivinicultores.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não use a cassete!

O Orador: - O primeiro projecto de decreto-lei que foi apresentado surgiu depois de um ano de discussões entre as partes interessadas, mas foi mal compreendido na região, porque não se tratava de estatizar o sector mas, sim, e tão-só, de transformar o próprio Instituto do Vinho do Porto, que já é interprofissional a nível puramente consultivo, em interprofissional a nível deliberativo.
Na verdade, não se criava uma nova organização mas o próprio Instituto do Vinho do Porto transformava-se numa organização interprofissional que ficaria na Régua e todos os mecanismos aqui previstos realizar-se-iam e consubstanciar-se-iam na lei orgânica do Instituto do Vinho do Porto, face ao compromisso e consenso que foi possível obter entre a Associação de Exportadores e a Casa do Douro quanto à criação de uma organização autónoma com o espírito interprofissional. De facto, não estamos agarrados a modelos; queremos é que o modelo escolhido seja implementável; responda à vontade das partes e sirva os interesses da região.
É por isso que retirámos o primeiro projecto e não vivemos hesitações ao adoptar este que foi sugerido pelos parceiros profissionais.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

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O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, congratulo-me com o facto de o Governo se preocupar com a região do Douro. Só direi que essa preocupação é um pouco tardia, pois já há muitos anos que tem sido alertado para as dificuldades que essa região atravessa, sobretudo para as dificuldades institucionais.
Na verdade, o produto, que é o Vinho do Porto, porta-se bem; aliás, é dos poucos vinhos generosos, como certamente V. Ex.ª sabe, de alto teor alcoólico que se tem aguentado a nível do mercado mundial, isto contra todas as previsões e contra a evolução de outros vinhos da mesma natureza.
Portanto, congratulamo-nos com a qualidade do produto e também por, embora tardiamente, o Governo vir exercer funções que, a nível da Casa do Douro, já tinha como funções de tutela e que, consideramos, não exerceu atempadamente, sobretudo para resolver alguns problemas que o Governo já conhece há muito tempo, nomeadamente os excessos de produção ao nível do benefício, por exemplo, para os quais o Governo já há muitos anos foi alertado, pois tinha competências para ter intervindo atempadamente nessa área.
O Sr. Secretário de Estado disse que havia consensos a nível regional, das cooperativas, da Casa do Douro, da Associação de Exportadores. Congratulamo-nos pelo facto de o Douro ter tido consciência, a nível das suas instituições, de que o fundamental é que as instituições se entendam e proponham ao Governo soluções, como, por exemplo, o interprofissional, que, como foi dito, existia embrionariamente, que possa ter outra dimensão, outras competências e outra autonomia e possa funcionar. Esta foi sempre a posição do Partido Socialista, ou seja, dar importância e força ao conselho interprofissional, criá-lo, desenvolvê-lo e legitimá-lo.
De qualquer maneira, há um problema ao qual não podemos fugir neste momento e gostaria de confrontar o Sr. Secretário de Estado: diz-se no Douro, pessoas responsáveis ligadas a instituições idóneas e bebendo do fino, como costuma dizer-se, que as centenas de empregados ligados à Casa do Douro não serão despedidos por razões técnicas.
A questão que gostaria de colocar é a seguinte: por que razão muitas das competências ligadas à Casa do Douro, que têm que ver com centenas de postos de trabalho, com ansiedade, no momento em que o desemprego aumenta, e havendo legitimidade para o interprofissional, não continuam na Casa do Douro? Gostaria que o Sr. Secretário de Estado, tecnicamente, me justificasse as vantagens de retirar essas competências à Casa do Douro.
Em segundo lugar, gostaria de colocar uma questão muito frontal, porque estas coisas dizem-se: há ou não razões políticas por trás do desemprego de tantos trabalhadores para depois se poder fazer uma selecção política? E desculpe a frontalidade da pergunta, mas é preciso fazê-la.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar.

O Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar:: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, congratulo-me com a larga convergência à volta deste modelo interprofissional e quero começar por dizer que, na altura em que ocorreram os excessos de benefício, eu, de facto, poderia ter uma intervenção mais drástica; aliás, isso foi-me reivindicado por muita gente, desde logo pelos agentes do comércio que pediam que eu destituísse a direcção da Casa do Douro e coisas deste género.
Porém, sempre entendemos que a responsabilidade maior talvez não fosse das pessoas mas, sim, do sistema e de alguma permissividade ou de alguma insuficiência de natureza administrativa a nível da Casa do Douro, pelo que havia de alterar o sistema.
Por isso dizíamos que havia necessidade de proceder a uma reforma de organização institucional, tanto mais que em 1990 pedi um parecer à Procuradoria Geral da República para nos esclarecer sobre qual a natureza da minha tutela sobre a Casa do Douro e a resposta foi inequívoca: é que a tutela do Governo sobre a Casa do Douro é meramente inspectiva, actua a posteriori, não pode prevenir a ocorrência de eventuais descontroles que, repito, nunca imputei a pessoas mas, sim, a um sistema.
Por outro lado, não se pode aceitar que, comercializando a Associação dos Exportadores cerca de 90 % do vinho generoso, os exportadores não tenham uma palavra a dizer sobre a disciplina e controlo da produção. É esse o sentido da Lei n.º 8/85, ou seja, envolver as partes interessadas no mesmo negócio na auto-regulação do sistema, pois se é apenas uma das partes a fazer essa auto-regulação a outra não tem de se responsabilizar pelas consequências e, portanto, pela necessidade de promover o escoamento do produto.
Mas a virtualidade do modelo interprofissional é a de permitir que, no seio da fileira do Vinho do Porto, haja essa auto-regulação e co-responsabilização dos parceiros pela estabilidade do mercado.
Quanto aos despedimentos, eu próprio recebi a Comissão de Trabalhadores da Casa do Douro e, desde logo, assumi o compromisso de não avançar com uma reforma que, de alguma forma, lançasse em Peso da Régua, um meio rural, um meio do interior onde não há muitas alternativas de emprego, pessoas no desemprego.
Por isso, desde logo o Governo assumiu o compromisso de que, ficando o Instituto do Vinho do Porto em Peso da Régua e havendo apenas uma alteração do modelo de organização, não haveria qualquer problema em que as pessoas que hoje têm determinadas tarefas na Casa do Douro pudessem vir a tê-las ou na comissão interprofissional ou, mesmo, no Instituto do Vinho do Porto.
Para além disso, uma vez que os quadros estão sobre-dimensionados e para que o vinho não seja sobrecarregado com taxas, porque quem paga a máquina administrativa é o produto, comprometemo-nos a criar medidas especiais de descongestionamento através da pré-aposentação dos funcionários mais idosos. É isto que a lei vai consagrar, pois, naturalmente, nunca descuraríamos as implicações sociais desta reforma, pois queremos modernizar para bem da região sem criar danos sociais ao nível dos trabalhadores da Casa do Douro - aliás, é este o espírito da reforma.
Quanto aos poderes, obviamente que o Governo numa reforma destas, tão complexa e importante para a região, não está muito preocupado com os poderes pessoais. Não é isso que nos move mas, isso sim, que haja uma grande articulação entre as partes e que o rigor e a transparência sejam totais.
Portanto, não faria muito sentido prever-se na lei, como alguns pretendem, que, de um lado, ficariam as competências e, do outro, o poder para exercer essas competências. Parece-me que isto seria perfeitamente absurdo em termos jurídicos, mas nada temos a objectar - aliás, tal qual como se prevê para o período transitório de três anos - que,

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mesmo depois desse período transitório, haja um protocolo livremente celebrado entre a comissão interprofissional e a Casa do Douro para que assim continue a ser. Mas, repito, não pode ser o Governo, se queremos, de facto, emancipar as organizações agrícolas e dar voz a quem realmente a deve ter, que são os produtores e os comerciantes dos vinhos da região, a estar, desde já, a vinculá-los a uma decisão política que, ainda por cima, teria uma base jurídica perfeitamente discutível e controversa.
De modo que estou em crer que, na tentativa de construção de um modelo moderno e eficaz que resolva os problemas e não crie outros, vamos conseguir prestar um bom serviço à Região.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela terceira vez, desde que o PSD detém a pasta do Ministério da Agricultura, o Governo traz à Assembleia da República uma proposta de alteração institucional para a Região Demarcada do Douro. E de cada vez uma solução que contradiz e está nos antípodas da anterior ou a esvazia.
Em 1986 o PSD propunha-se, pura e simplesmente, extinguir a Casa do Douro, substituindo-a por uma associação de natureza privada. Tendo enfrentado a forte oposição da região foi-lhe recusada a ratificação pela Assembleia da República e a tentativa fracassou.
Em 1989, o mesmo PSD, também através de autorização legislativa, aprova os Estatutos e o Regulamento Eleitoral da Casa do Douro. Sem força para retomar o seu propósito de extinguir a Casa do Douro, o PSD vê-se forçado a confirmá-la como pessoa colectiva de direito público, representante oficial da lavoura duriense com funções de regulação, disciplina e controlo da produção do Vinho do Porto, bem como dos restantes vinhos da região.
Agora, chega-nos um novo pedido de autorização legislativa para nova alteração dos Estatutos da Casa do Douro, ele próprio com um percurso que reflecte desorientação mas também as intenções últimas do Governo: na primeira versão enviada pelo Governo aos interessados, em Janeiro 1994, voltava-se à ideia da transformação da Casa do Douro numa associação privada e a transferência de todas as suas funções oficiais relativas ao Vinho do Porto para o Instituto do Vinho do Porto (FVP).
Obrigado a recuar devido à forte reacção da lavoura duriense, o Governo apresenta-nos agora um pedido de autorização legislativa que constitui uma autêntica emboscada. No pouco que, propositadamente, revela, o Governo não esconde que o seu objectivo, se o conseguir, é o de esvaziar o que não consegue destruir. Isto é, o Governo é forçado a manter a natureza de associação pública da Casa do Douro, mas logo a seguir retira-lhe, no imediato ou a prazo, todas as funções públicas que actualmente detém. Gato escondido com o corpo quase todo de fora.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que funções públicas é que restariam à Casa do Douro? Aparentemente nenhumas! Talvez unicamente o registo dos viticultores.
Acresce, contudo, que a proposta de autorização legislativa constitui um autêntico pedido de cheque em branco ao Governo. A acreditar na exposição de motivos o PSD pretenderá transferir globalmente as actuais competências administrativas da Casa do Douro e parte das competências do IVP para uma comissão interprofissional a criar. Mas o Governo não esclarece quais são as competências do IVP que pretende transferir, não junta nem o novo projecto de estatutos da Casa do Douro nem o seu Regulamento Eleitoral e, pior que tudo, fala na criação futura de uma comissão interprofissional, mas nada diz quanto ao seu estatuto, composição, atribuições e funcionamento.
É um órgão do IVP como constava do projecto inicial do Governo ou é uma associação de direito público com autonomia administrativa e financeira? A quem seria atribuída a competência referente ao cadastro, à atribuição do benefício, ao controlo das contas correntes, ao controlo do movimento de vinhos na região, ao escoamento, à regulação de stocks? Ao IVP ou à comissão interprofissional? À Casa do Douro serão atribuídas competências para executar, a título originário ou delegado, as deliberações do interprofissional, ou não? A certificação de que os vinhos para exportação foram antecipadamente pagos ao produtor, questão vital para os interesses destes, mantém-se na Casa do Douro, ou não? Por que é que o Governo não entregou à Assembleia da República, apesar de insistentemente requeridos, os anteprojectos dos estatutos da comissão interprofissional, da Casa do Douro e do Instituto do Vinho do Porto?
E, Sr. Secretário de Estado, o PCP não está isolado nesta matéria, posso até dizer-lhe que também tenho vários textos e a audição parlamentar que realizámos assim o confirmou, ou seja, que, de acordo com os conhecimentos existentes na região dos actuais propósitos do Governo, a tese geral é a de que, mesmo que se avance para o interprofissional, não devem ser retiradas competências à Casa do Douro. Esta é uma linha geral, uma linha de consenso, na qual o PCP se revê e não na linha que o Governo aqui nos traz. Quem está isolado é o Governo e não o PCP.
Se os textos já estão - como têm de estar - elaborados, se correspondem ao que foi debatido e acordado com a Casa do Douro, o Conselho Regional de Viticultores e outros interessados, se são propostas de consenso, porque razão é que o Governo as esconde da Assembleia da República?
Temos toda a legitimidade para duvidar das intenções do Governo. Os exemplos de 1986, 1989 e o percurso seguido nesta nova tentativa de alteração do figurino institucional da Região Demarcada do Douro são mais que suficientes para dizer que o Governo não nos merece qualquer confiança quanto à orientação e conteúdo das modificações que quer introduzir. Mas não se trata somente de um processo de intenções. O texto deste pedido de autorização legislativa e o modo como foi agendado são factos concretos a demonstrar que o Governo balançou de novo a favor dos interesses do grande comércio exportador contra os interesses da lavoura e da defesa da qualidade do vinho do Porto, contra o concerto de posições, contra os interesses de toda a região duriense.
Apesar do Governo ter acordado com os vários interessados que o debate desta matéria só seria feita no início da próxima sessão legislativa, lá para Outubro - o que foi mesmo confirmado nesta Assembleia por Deputados da maioria-, e que até lá continuaria o diálogo com vista a uma solução consensual a verdade é que, já depois de praticamente encerrados os agendamentos para o mês de Julho, o Governo substituiu, repentinamente, uma proposta de lei de autorização legislativa do Ministério das Obras Públicas,

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Transportes e Comunicações pela Casa do Douro. Tanta pressa para quê, quando ainda estavam em curso contactos e negociações com os diversos interessados, designadamente com a Casa do Douro? E por que é que na proposta apresentada pelo Governo nem sequer se prevê a possibilidade de a Casa do Douro, tendo em conta toda a experiência e profundo conhecimento da lavoura duriense, manter, a título originário ou por delegação de competências, funções executivas quanto às atribuições que actualmente exerce em matéria de disciplina e controlo do vinho generoso?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O vinho fino ou generoso, como é conhecido na região, o vinho do Porto (bem como toda a produção vinícola da região), não é só - e já seria muito - a "pérola" da região duriense, que deu origem à primeira região demarcada do Mundo. Em termos económicos, representa cerca de 60 % do volume total da exportação de vinho do País, iniciada há mais de 300 anos. No plano social, a viticultura no Douro é a chave-mestra de toda a agricultura duriense, o vinho do Porto é a fonte de vida para 30000 viticultores numa região que, pelas características orográficas, não admite, em muitos sítios, outras alternativas.
Preservar e melhorar as qualidades do vinho do Porto, que fizeram o seu prestígio, no País e no estrangeiro, é condição essencial para que não se perca esse "sol engarrafado que embebeda os quatro cantos do mundo", como lhe chamou Torga. Mas isso só se consegue se se assumir, claramente, que os primeiros interessados, que há a defender e a apoiar na defesa e prestígio do vinho do Porto e dos vinhos durienses, são os próprios produtores.
Ora, a história do vinho do Porto tem sido também uma história de luta, mas também de tentativas de concertação entre os interesses da lavoura e do comércio. A vida de 30000 viticultores, 85% dos quais produz menos de 10 pipas, dispersos, não pode estar dependente da vontade coesa de 19 grupos multinacionais que dominam a exportação do vinho generoso e que já detêm, aliás, 15 % das vinhas da região. É preciso recordar que as crises no Douro sempre estiveram associadas a momento em que a lavoura deixou de ter uma intervenção dominante nas estruturas de regulação. A defesa dos interesses desses 30 OOO viticultores, das adegas cooperativas, dos produtores engarrafadores e a defesa da qualidade do vinho generoso passa pelo controlo da disciplina e regulação de produção do vinho do Porto, designadamente quanto à repartição do benefício, do escoamento, à regulação dos stocks. E estes interesses têm sido representados pela Casa do Douro, que, sem prejuízo das críticas que nos merecem vários actos de gestão dos seus corpos directivos, é, como instituição, o garante da unidade e de representação da lavoura duriense, organismo de "autodisciplina" e "auto-regulação" e autêntica "colectividade territorial", como a define Vital Moreira.
Na história recente do Douro avultam as tentativas dos grandes grupos multinacionais, da Associação dos Exportadores na disciplina e controlo do plantio e da produção, chegando a defender o fim do sistema de pontuação e benefício e da Lei do Terço. Mesmo que hoje já não defendam por completo a desregulação e aceitem alguma regulação e disciplina de produção têm pretendido contudo controlar as instâncias de regulação. Daqui os ataques, visando o desmantelamento, enfraquecimento e esvaziamento da Casa do Douro e a sua substituição por uma estrutura onde o grande comércio exportador tenha uma palavra dominante.
As dificuldades dos viticultores, por eles imputadas à Casa do Douro, têm sido o pretexto recente. A verdade é que os problemas existentes têm tido, sobretudo, a ver com outras razões: o alargamento desregrado da área de plantio (de que a Portaria dos Mortórios, responsável por mais 28 OOO pipas de benefício, e as plantações ilegais das Casas Exportadoras são exemplo); as políticas desadequadas às condições específicas da produção de Vinho do Porto; a ausência de apoios à "stockagem"; a falta de suficiente valorização da restante produção vinícola e de diversificação da produção agrícola da região; as expectativas criadas nos finais dos anos 70 pelo comércio exportador, quanto ao crescimento do comércio mundial; o não cumprimento, pela Associação dos Exportadores do Vinho do Porto (AEVP), do protocolo assinado em Maio de 1992 com a Casa do Douro; o domínio do comércio exportador pela AEVP, a quem não interessa, em muitos casos, a expansão da produção, etc.
A ideia do interprofissional e da transferência para esta nova estrutura das funções da Casa do Douro tem como pano de fundo todo este conflito, que o Governo pretende gerir, fazendo pender a balança para o lado do grande comércio exportador.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Isso são só palpites!

O Orador: - Mas não existem já, Srs. Deputados, duas estruturas interprofissionais, o conselho vitivinícola interprofissional, no âmbito da Casa do Douro, e o Conselho Geral do IVP, com representação paritária da lavoura e do comércio? Por que não aperfeiçoar esses actuais mecanismos institucionais? Por que é que se quer retirar à lavoura competências que só a ela dizem respeito e pôr o comércio a interferir nelas, quando, ao contrário, a lavoura não pode interferir no comércio, apesar de hoje muitos produtores serem já engarrafadores e comerciantes, e até de a impedir de abrir portas para a exportação directa, quando pretendem romper o monopólio das casas exportadoras? Se o problema é a existência de uma estrutura interprofissional, então por que é que a AEVP se tem recusado a participar no Conselho Geral do Vinho do Porto? Que garantias há de participar na futura comissão interprofissional, se não for numa posição em que detenha a maioria e domine os mecanismos de controlo e regulação?
Por isto tudo, queremos aqui sublinhar que o PCP é claramente favorável ao actual figurino institucional, sem prejuízo do seu melhoramento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Somos expressamente a favor de uma configuração "bifronte", como sublinhou o actual Presidente da Assembleia da República Dr. Barbosa de Melo num estudo efectuado em 1982, em que a Casa do Douro é, simultaneamente, "associação profissional" e "organismo regulador dotado de poderes públicos (...) quer através da representação dos viticultores nela inscritos (...) quer a exercer competências públicas de intervenção na economia vinhateira da Região Demarcada do Douro". Mas, se se for para a criação de uma comissão interprofissional - e devo dizer que estamos disponíveis para, em sede de comissão da especialidade, intervir nessa matéria -, é, então, não só necessário que esta não seja uma direcção de serviços do IVP mas que tenha autonomia, que a representação da lavoura e do comércio seja claramente paritária, que se tenha em conta a diversidade das associações existentes e o facto de a lavoura, que exporta, também dever estar representada na parte do comércio e que a Casa do Dou-

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ro, como pessoa colectiva de direito público, mantenha, no plano executivo, as funções que detém actualmente e impõe-se que essa transição seja gradual e feita na base de uma procura séria de cooperação e entendimento entre todos os interessados. Com esta base, estamos disponíveis para cooperar, em sede de comissão de especialidade, na melhoria desta proposta de lei de autorização legislativa.
Mas, nesse quadro, também é preciso assegurar o futuro estável e o estatuto de mais de 300 trabalhadores da Casa do Douro. Mas não é isso o que o Governo nos propõe na proposta de lei de autorização legislativa, que remeteu à Assembleia e que estamos a discutir.
O Governo pede-nos para alterar os Estatutos da Casa do Douro e retirar-lhe competências, mesmo sem saber se vai haver comissão interprofissional e em que condições vai funcionar. Na prática, seria o vazio e a desregulação, que só interessaria ao grande comércio exportador. Não há ademais qualquer razão que justifique o não aproveitamento das estruturas, pessoal e experiência de mais de 60 anos da Casa do Douro. Não há qualquer lógica na opção que coloca aos viticultores, cuja uva tanto pode servir para a produção de vinho generoso como de vinho de pasto, a terem de tratar com dois organismos diferentes, como a proposta de lei do Governo defende.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As intenções expressas pelo Governo e pela proposta de lei que nos é presente desequilibram, em nossa opinião, claramente as relações entre a produção e o grande comércio exportador a favor deste.
Por isso mesmo, estamos disponíveis para, em sede de especialidade, se o PSD concordar - e já subscreveu connosco, com o que nos congratulamos, um pedido de baixa à Comissão de Agricultura e Mar -, rever esta proposta de lei de autorização legislativa e criar um quadro que responda, com sinceridade, aos interesses da região duriense e a um consenso real entre as partes e não a um consenso artificial e fabricado a partir da proposta do Governo. Posto isto, defendemos que esta proposta de lei não seja votada nesta sessão legislativa, que baixe à Comissão de Agricultura, onde deverá ser feito esse esforço de entendimento, para se obter um texto que sirva sobretudo os interesses do Douro e dos durienses, a qualidade e o prestígio do vinho fino e de todos os vinhos durienses.

(O Orador reviu.) Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Informo a Câmara de que se encontram inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Carlos Duarte e Vasco Miguel, mas o Sr. Deputado Lino de Carvalho não dispõe de tempo para responder.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Partido Ecologista Os Verdes cede l minuto ao PCP para que o Sr. Deputado Lino de Carvalho possa responder.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quem ouvisse, hoje e aqui, a sua intervenção ingénua e muito cândida e não se encontrasse no País na década 70, certamente desconhecedor de que foram vocês, quando estiveram no Governo, em 1974, que destruíram a Casa do Douro,...

Risos do PCP.

... que nomearam representantes do MFA para a gerirem,...

Vozes do PSD: - É verdade! Vozes do PCP: - Malandros!...

O Orador: - ... contra os interesses dos durienses, dos produtores do Vinho do Porto, acreditariam em vocês.

Vozes do PSD: - Esqueceram-se!

O Orador: - Com que autoridade moral e política é que o PCP vem hoje, aqui, arvorasse em defensor dos durienses e da região do Douro? É importante apelar à memória colectiva dos portugueses e de todos os políticos para que haja o mínimo de coerência na nossa tomada de posição.
Por outro lado, quando o Sr. Deputado fala na retirada de competências à Casa do Douro, no espírito do interprofissional, com que todos nós, como opção estratégica e política, concordamos, esquece-se de que é necessária uma partilha de funções entre as partes. E se da Casa do Douro são transferidas algumas das suas funções para o conselho vitivinícola interprofissional, também do próprio Estado, do Instituto do Vinho do Porto, são transferidas outras funções que o Estado desenvolvia e que a Casa do Douro vai partilhar. Por isso, nesse momento e nesse quadro, é um ganho de competências da Casa do Douro, pelo que as suas preocupações, que aparentemente quer transmitir como sendo dos durienses, não têm qualquer sentido.
Mas quando diz, por exemplo, que o conselho vitivinícola interprofissional da Casa do Douro devia ser mantido, o Sr. Deputado esquece-se de que o PCP, em 1989, quando os Estatutos da Casa do Douro foram discutidos na Assembleia e entraram em vigor, disse o seguinte: «O conselho vitivinícola interprofissional não pode ser (...)» - isto é, nem se pode dizer que não deve - «(...) um órgão da Casa do Douro. É inconstitucional. É atentatório dos direitos dos durienses».

Vozes do PSD: - Esqueceram-se!

O Orador: - E, então, hoje vem dizer que aquilo que não podia ser há cinco anos, que era inconstitucional, devia manter-se? Qual é a coerência, Sr. Deputado, em relação a estas posições? Se quer ser porta-voz de alguns interesses, que o seja, mas com coerência política, de forma a haver substrato nas suas opções.
Por outro lado, dado ter mencionado o facto de o Partido Comunista Português ter requerido a baixa à Comissão de Agricultura e Mar desta proposta de lei, quero dizer que desde sempre foi afirmada, pelo PSD e pelo Governo, a intenção de continuarmos, em sede de Comissão, o esforço de consensualização das soluções para a região do Douro, no seguimento dos trabalhos desenvolvidos até na própria Comissão Parlamentar há dois anos e dos esforços de diálogo que o Governo desenvolveu durante os últimos anos.
Neste sentido, embora sendo uma entorse ao Regimento, que, nos termos da alínea b) do artigo 200.º, não o permite, o PSD quis ver consagrado este diálogo em sede parlamentar, pelo que demos assentimento, contrariando a letra do Regimento.

O Sr. António Braga (PS): - Não contraria em nada o Regimento! Essa é uma visão ortodoxa!

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O Orador: - Portanto, em sede de Comissão de Agricultura e Mar, irá fazer-se esse esforço de consensualização.

No entanto, o importante é os outros partidos, que dizem, teoricamente, estar a favor do interprofissional, não estarem a inquinar as partes, a envenenar as situações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O importante é tentarmos não criar anátemas contra ninguém por forma a criar mais atritos na região. O importante para nós é tentar aproximar as partes, adoptar soluções aceites pelas partes, de forma a que a região do Douro, os produtores do Vinho do Porto e a economia nacional beneficiem da proposta de lei saída desta Assembleia e da legislação que o Governo, na sequência dela, irá promulgar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Como é que isso é possível?! É um escândalo!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, prescindo.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho. Dispõe de l minuto cedido pelo Partido Ecologista Os Verdes.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Sr. Deputado André Martins a cedência de tempo.
Sr. Deputado Carlos Duarte, a primeira questão tem a ver com a destruição da Casa do Douro, em 1974. Como o Sr. Deputado sabe, o que aconteceu em 1974 foi a extinção de todos os organismos corporativos, através do Decreto-Lei n.º 440/74, de 12 de Setembro, assinado por todos os ministros, incluindo os do PSD. Portanto, o que aconteceu a seguir à extinção de todos os organismos corporativos foi a criação de uma comissão instaladora para a Casa do Douro, como verdadeira representante dos interesses durienses e autónoma e não tutelada, como estava anteriormente, pelo Estado. Foi isto o que se fez e foi nisto que nos empenhámos e temos empenhado.
Portanto, Sr. Deputado, não confunda o que eram os organismos corporativos e a Casa do Douro, ainda dependente desses organismos, e o que foi a Casa do Douro criada a seguir, com a nossa intervenção...

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Do Governo AD!

O Orador: - ... e a de toda a região duriense.

Em relação à segunda questão, Sr. Deputado, o que está em discussão não é o conselho vitivinícola interprofissional da Casa do Douro, aliás, toda a gente está de acordo, até a própria Casa do Douro,...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, peço-lhe que termine.

O Orador: - Vou terminar já, Sr. Presidente.

Como dizia, toda a gente está de acordo em que esse conselho vitivinícola interprofissional possa sair da Casa do Douro, o problema é o Conselho Geral do IVP, porque aí é que está a verdadeira estrutura paritária para o vinho do Porto, e que já existe. Esta é a questão sobre a qual se deveria reflectir para, melhorando os seus mecanismos institucionais, poder criar-se, a partir daí, o verdadeiro conselho vitivinícola interprofissional.
Não se trata só de uma partilha de poderes, Sr. Deputado Carlos Duarte, mas também de uma transferência de poderes. Aliás, o Sr. Secretário de Estado reconheceu aqui que nem sequer está na perspectiva do Governo admitir a hipótese de a Casa do Douro vir a ter poderes executivos. Só se o conselho vitivinícola interprofissional vier a aceitar isso, então é que se faria.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Costa Leite.

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, esta Assembleia da República vai debater a Região Demarcada do Douro, motivada pela apresentação da proposta de lei n.º 104/VI, que autoriza o Governo a aprovar os estatutos da Casa do Douro. Este debate é importante não só pela matéria em si mas também porque ela implica a organização de um sector que diz respeito a cerca de 30000 produtores, que abarca 18 concelhos de quatro distritos e que é responsável pela entrada anual de mais de 50 milhões de contos em divisas e que, acima de tudo, se trata de um produto que é o embaixador privilegiado de Portugal em todos os continentes.
Esta relevância económica, social e cultural exige que este debate seja feito com elevação, dignidade e ponderação para se poder encontrar as melhores soluções que preservem a qualidade deste excelente produto, evitem as preocupações dos milhares de produtores, impeçam convulsões sociais, promovam a economia desta região, com a adequada articulação dos interesses em causa.
O vinho, desde os alvores da nacionalidade, sempre representou um produto imprescindível na economia agrária portuguesa. Esta realidade é demonstrada pela vastidão da cultura da vinha, espalhada pelo todo nacional, que moldura a paisagem e que é sustento de milhares de portugueses. A partir do século XIV e até ao século XX, o vinho sempre ocupou um lugar importante nas exportações portuguesas para o estrangeiro. Mas, a partir da fixação dos ingleses no Porto, o vinho do Douro começa a ter um incremento de tal maneira importante que, no fim do século XVII, a exportação de Vinho do Porto deveria já representar entre metade a dois terços da exportação de todos os vinhos nacionais. O Tratado de Methween, em 1703, reforça a dinamização e a extensão da vinha no Douro, que se traduziu posteriormente no aviltamento dos preços e na presença cada vez maior dos ingleses na exportação.
Esta situação leva à criação da Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro pelo Marquês de Pombal em 1756. Com esta medida, nasceu a primeira região demarcada do mundo e um sistema de regulamentação que, em muitos aspectos, ainda se encontra actualizado. Com a ruína da Companhia, em 1852, voltou a imperar a mixórdia e a miséria no Douro. Por isso, em 1907, é criada a Comissão de Viticultura do Douro, no Governo de João Franco, um organismo público da lavoura com poderes de regulamentação e disciplina na produção e comércio do Vinho do Porto.
Depois de uma nova crise e de muita miséria provocada pelos baixos preços pagos pelos exportadores, o De-

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creto n.º 21 883, de Novembro de 1932, cria a «Casa do Douro» que «sindicaliza» todos os viticultores do Douro conferindo-lhe os poderes de defender e controlar a vinha e o vinho na Região Demarcada do Douro. Em 1940, esta «Casa do Douro» é integrada nos organismos corporativos do Estado Novo. O 25 de Abril de 1974 extingue os organismos corporativos, mas a Casa do Douro continuou de pé devido à vontade intransigente dos vitivinicultores que sentiam que somente a sua Casa poderia defender os seus interesses. Esta situação é juridicamente regularizada pelos Decretos-Leis n.ºs 486/82 e 230/83, que reconheceram a Casa do Douro como pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira. Finalmente, o Decreto-Lei n.º 288/89, de l de Setembro, aprova os Estatutos da Casa do Douro reconhecendo, novamente, o seu carácter de pessoa colectiva de direito público.
A presença constante da Casa do Douro, nos últimos tempos, independentemente dos governos e dos regimes, mostra à evidência o seu papel preponderante na organização e na promoção da qualidade do vinho e na defesa dos interesses da agricultura e da região. Mas a sociedade humana não é estática. As pessoas e as instituições têm de se adaptar constantemente às mudanças dos ventos da História e procurar responder aos desafios e problemas que entretanto vão surgindo.
Estes últimos anos não foram fáceis para a Região Demarcada do Douro nem para os produtores do Douro. O recente trabalho de preparação do Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) descreve-nos o Douro como uma zona em que não tem havido crescimento do PIB e uma das zonas com mais dificuldades no sector económico, facto este já por mim aqui denunciado numa intervenção em 23 de Fevereiro último. A própria Casa do Douro, até então uma instituição sólida, começa a ter sérios problemas financeiros. São cometidos erros graves na gestão da atribuição de benefício, que geraram excedentes de produção e consequente aviltamento dos preços.
Perante esta situação dramática, a Comissão de Agricultura da Assembleia da República deliberou promover uma audição parlamentar a partir de Abril de 1992, em que foram ouvidas as seguintes instituições: Casa do Douro, Associações de Exportadores, Instituto do Vinho do Porto, Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar. Estas audições parlamentares permitiram chegar à conclusão de que era necessário caminhar para uma «consensualização de soluções a adoptar, nomeadamente através da participação dos diversos agentes económicos».
O próprio Governo proeurou minimizar as crises no Douro através de uma série de medidas, que já aqui referiu o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas, medidas essas que tentaram resolver a crise do Douro, ao contrário do que aqui foi afirmado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, e eu dispenso-me de as referir. Com estas medidas, proeurou-se ultrapassar uma das maiores crises do Douro e criou-se o clima necessário para se fazer uma reforma estrutural que, juntando a produção e o comércio num mesmo organismo, leve ao desenvolvimento de uma região que, aliando a natureza e o esforço hercúleo do homem do Douro numa sintonia perfeita, já se tornou património da humanidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após tantas vicissitudes, após tantos dramas, após tantas dificuldades que atravessaram os homens do Douro, eis-nos chegados, nesta Assembleia da República, a um debate sobre uma proposta de autorização legislativa para alteração dos Estatutos da Casa do Douro, que pode marcar - esperemos que para o bem! - uma tão vasta região.
Esta alteração estatutária é o produto de uma longa caminhada de diálogo e de estudo em que se proeurou consenso e que vem ao encontro, nas suas grandes linhas, das conclusões que foram tiradas pela Comissão de Agricultura nas audições atrás referidas. O primeiro grande princípio consiste na criação de um conselho interprofissional com representações paritárias da produção e do comércio e que regerá tudo o que diz respeito ao vinho generoso. Será neste organismo interprofissional que os legítimos interesses da lavoura e do comércio serão analisados e discutidos até à exaustão. Ao Estado caberá o papel de árbitro para as matérias sobre as quais não seja possível o consenso.
Várias vezes aqui defendemos que a região não poderá continuar a tolerar que os organismos que, institucionalmente, se dedicam ao controlo dos vinhos desta região se encontrem sediadas fora dela. Por isso, aqui queremos saudar as palavras do Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas, agora proferidas, afirmando que a sede do conselho interprofissional bem como do Instituto do Vinho do Porto será fixada na Régua. Está feita justiça a uma velha aspiração das gentes do Douro! Haverá certamente ainda alguma discussão sobre se deverá haver um ou mais organismos para tratar dos diversos vinhos da região demarcada. Sendo um assunto polémico, deixaremos isto para ulterior debate, que deve ser proporcionado na especialidade.
O segundo grande princípio será o facto de a Casa do Douro manter a sua natureza de associação pública e associação representativa de todos os vitivinicultores da região, que nela deverão estar inscritos, independentemente da liberdade de associação em cooperativas, associações de produtores, produtores engarrafadores, ficando aquela, através do Conselho de Vitivinicultores, com o direito de indicar os seus representantes e das organizações suas associadas, dentro das regras da proporcionalidade, no Conselho Geral da Comissão Interprofissional.
Este princípio, e no momento actual, revela-se fundamental para a defesa dos interesses dos lavradores, dada a pulverização da propriedade e o número elevado de pequenos proprietários. Torna-se um imperativo pelo facto de a Casa do Douro continuar com as competências de controlo, disciplina e certificação dos vinhos com denominação Douro. Sem esta representação unitária, a lavoura, com os seus cerca de 30.000 produtores, ficaria altamente fragilizada na defesa dos seus interesses. Por isso e no momento presente, aceitaremos esta medida.
Antes de terminar, não quero deixar de salientar a necessidade de que os direitos dos trabalhadores da Casa do Douro possam ser acautelados. Por isso, é mais um apelo que faço ao Sr. Secretário de Estado em relação a esta situação. Certamente que esta alteração institucional, com a criação do conselho interprofissional, absorverá muitas tarefas reservadas ao FVP e à Casa do Douro. Será bom que sejam estabelecidos mecanismos de transferência de quadros para a nova instituição, de maneira a evitar e minimizar a implementação de quadros excedentários.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na Casa do Douro, existe um vitral do pintor Lino António, acabado em 1945, que, para além de outros centros de interesse, apresenta três grandes figuras no painel do centro. Uma publicação da Casa do Douro interpreta este vitral da seguinte maneira: «A figura do centro representa a Casa do Douro que mostra um pergaminho onde se lê: "Casa do Douro, Decreto 21 883, Novembro de 1932"; a figura da esquerda representa a agricultura e tendo aos seus pés uma enxada de ganchos; a figura da direita representa o comércio e tem na mão um caduceu». As figuras representativas do

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comércio e da lavoura «têm as mãos dadas simbolizando o pacto de honra e cavalheiros entre a produção e o comércio do Vinho do Douro».
Que esta figura do vitral da Casa do Douro seja o símbolo desta reforma institucional em que, através do conselho interprofissional da Região Demarcada do Douro, de uma vez por todas, comércio e produção possam, à mesma mesa, encontrar o ponto de equilíbrio indispensável à manutenção da qualidade do Vinho do Porto, criação de riqueza e desenvolvimento para toda a Região Demarcada do Douro! Assim o esperamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Solicita o Governo a esta Assembleia uma autorização legislativa, faz constar que pretende uma reforma institucional da Região Demarcada do Douro, mas, na verdade, fica-se por uma proposta de lei que tem por título: «Autoriza o Governo a aprovar os novos estatutos da Casa do Douro».
A alteração do quadro jurídico-institucional do Douro é uma necessidade reconhecida genericamente. Por mais de uma vez me referi a ela neste hemiciclo, por convicção própria, em coerência com a defesa que o meu grupo parlamentar fez em anteriores legislaturas e dando sempre voz aos agentes económicos, sociais e culturais da região, assim como a um número significativo dos eleitos dessa mesma região. Uma das causas - não a única, claro-da crise que a região tem vivido nos últimos anos reside no modelo de organização institucional desta região demarcada, que se tem traduzido num conflito permanente entre os intervenientes: Associação dos Exportadores de Vinho do Porto, Casa do Douro, Instituto do Vinho do Porto e Governo. Com evidente prejuízo para os durienses.
Há mais de um ano que o Governo prepara alterações na organização institucional do Douro. Em fim de sessão legislativa, apressadamente e como que às escondidas, solicita uma autorização legislativa. Porquê agora? Porquê só agora? É caso para perguntar. O momento e a forma como o pedido é feito suscita algumas interrogações relativamente às razões que o motivaram. Quero crer que uma das razões não terá sido a tentativa (mais uma) de acabar com o Douro. Mas será o reconhecimento tardio de que o Governo de Cavaco Silva fez em 1988-89 uns maus estatutos para a Casa do Douro, porque não quis ouvir os Deputados do PS que, então como hoje, demonstraram ter razão no que ao Douro diz respeito? Ou será uma tentativa, um contributo pelo menos, para retirar o Douro de uma crise estrutural para a qual o Governo ainda não soube ou não quis encontrar solução?
O Governo manifesta ter uma visão incompleta da problemática do Douro, uma visão minimalista, quando solicita uma autorização legislativa para elaborar uns novos estatutos da Casa do Douro. Nem os problemas da mais antiga região demarcada do mundo se resolvem somente com uma alteração da sua organização institucional nem esta reforma institucional é a que preconizamos para o Douro. Por isso, não estamos dispostos a passar cheques em branco.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o Governo sonega à Assembleia da República a informação indispensável a um debate sério, aberto, empenhado, sobre uma questão tão crucial para o Douro, não fazendo acompanhar a proposta de lei do documento a que a mesma respeita, nos termos do n.º 2 do artigo 200.º do Regimento desta Assembleia da República.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isto é perfeitamente regimental! Não é uma entorse regimental, como disse o Sr. Deputado José Costa Leite.

O Orador: - Regozijamo-nos pelo facto de o acordo já ter sido realizado entre os grupos parlamentares neste hemiciclo. E a nova lei orgânica do Instituto do Vinho do Porto devia acompanhar também este pedido, assim como as bases do conselho interprofissional, o que não acontece.
Uma reforma institucional do Douro exige transparência, diálogo e consenso; não pode ser feita no segredo dos gabinetes do Terreiro do Paço. Diálogo e consenso entre forças económicas e sociais da região, diálogo e consenso entre os representantes políticos dessa mesma região.
E ainda mais: seria importante, mesmo muito importante para a região, que o Governo apresentasse, em simultâneo, uma proposta de desenvolvimento global e integrado que constituísse uma parte fundamental da estratégia de desenvolvimento do Douro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- Considero-a uma opção indispensável, e o Governo não fez isto.
O vinho é um sector importante da nossa economia no relatório Porter. Mas o Vinho do Porto é um sector estratégico da economia portuguesa, facto nem sempre reconhecido pelo Governo nem pelo PSD.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Isso não é verdade!

O Orador: - Por exemplo, na audição já aqui referida hoje, o PSD não aceitou a introdução nas conclusões de algo tão simples como mecanismos de apoio financeiro aos produtores como uma das soluções para a crise da lavoura.

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Isso é utópico!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Voltemos à reforma institucional da Região Demarcada do Douro.
A história deu razão às posições que o Grupo Parlamentar do PS aqui expôs em 1988 e 1989, aquando do debate do pedido de autorização legislativa que autorizou o Governo a fazer os actuais Estatutos da Casa do Douro. E os princípios que, então, o PS defendeu, através da intervenção dos Deputados António Barreto e Armando Vara, mantêm a sua actualidade.
Recordo-os, em síntese:
«Em primeiro lugar, a unidade da região, instrumento da sua força e da sua personalidade», unidade que é preciso preservar a todo o custo. Os inimigos do Douro procuram sempre a divisão para enfraquecer a região. Divisão entre vinho fino e de pasto, entre lavoura e comércio, entre os distritos, entre as sub-regiões.
Assim, o melhor contributo para o Douro, a este nível, seria a criação imediata da região administrativa de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - É um desafio ao Governo! Aplausos do PS.

Em segundo lugar: «A autonomia dos organismos representativos dos durienses e dos lavradores. (...) Os durienses sabem que os seus interesses residem na qualidade dos seus vinhos e no rigor com que organizam as suas actividades produtivas».
Em terceiro lugar: «Defendemos também a presença do Estado um sector com esta importância, mas numa posição arbitrai e de garantia». Mas ao Estado pertence também «um papel importante no apoio ao desenvolvimento regional e social, numa perspectiva mais vasta do que a monocultura». Efectivamente, como aqui defendi, só o Estado pode assumir um comportamento estratégico no mercado do Vinho do Porto e ao Estado compete assegurar a coesão económica e social da região, o que não tem feito.
Em quarto lugar: «Somos partidários do interprofissionalismo e do progresso da autodisciplina» - estamos de acordo.
Tendo em atenção estes princípios, consideramos absolutamente indispensável o seguinte:
Primeiro, o Instituto do Vinho do Porto, pela natureza das suas funções, pelo seu papel histórico na região, pelo papel que no futuro pode vir a desempenhar na promoção do próprio Vinho do Porto, deve manter-se. Há já, ao que parece, consenso relativamente às suas novas competências no que respeita ao controlo e certificação final do Vinho do Porto. Deve transferir a sua sede para a cidade de Peso da Régua, ser transformado em Instituto de Vinho do Porto e do Douro, devendo, entre outras funções, acompanhar a evolução económica, tecnológica, comercial e social do sector.
Segundo, a Casa do Douro deve manter a sua natureza de associação pública e deve exercer a representação unitária da lavoura no conselho interprofissional. Mas estas características têm que ter um conteúdo, isto é, a Casa do Douro deve manter algumas das actuais atribuições. Efectivamente, o sistema interprofissional em nada é incompatível com a permanência de certas funções na titularidade da Casa do Douro ou, pelo menos, com a atribuição da execução da mesma a título originário ou delegado, àquela organização.
E atenção, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a lavoura é a componente mais frágil deste conjunto complexo que é o Douro. Além do mais, a Casa do Douro tem um património, estruturas, pessoal, experiência acumulada que não pode ser menosprezada. Enfim, a Casa do Douro é, também, parte da cultura duriense.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Referir-me-ei, por último, ao conselho interprofissional. Ele deve ser um órgão independente, autónomo, único para as diferentes denominações de origem (Porto e Douro), podendo funcionar por secções e deve abranger as diversas actividades que vão da vinha ao comércio. De representação paritária da lavoura e do comércio, o conselho interprofissional da Região Demarcada do Douro deve ser presidido por uma personalidade isenta, independente, de reconhecido prestígio, designado a partir do consenso estabelecido entre a lavoura e o comércio. O conselho interprofissional tem funções deliberativas e não consultivas, como o Conselho Geral do FVP.
Não terminarei sem enunciar algumas das atribuições do conselho interprofissional da Região Demarcada do Douro. Estas, exercidas por um organismo deste tipo, são a expressão da justeza de uma alteração institucional da região do Douro que vá neste sentido. Limitar-me-ei a transcrever algumas, que são propostas por um reputado jurista.
Assim, «constituem atribuições do CIRDD: a) Defender as denominações de origem RDD e velar pela sua promoção e prestígio; b) Concertar os interesses entre os intervenientes na produção e comércio dos vinhos da RDD; c) Dirigir e superintender a regulação e disciplina da produção e comércio dos vinhos «porto» e «douro»; d) Fomentar as condições de justa remuneração da produção e estabilidade dos mercados, sem prejuízo das regras aplicáveis em matéria de concorrência; e) Pronunciar-se sobre todas as questões que lhe sejam submetidas pelo Governo acerca da disciplina e regulação do Vinho do Porto e Douro e sobre a sua promoção; f)Propor ao Governo as medidas legislativas ou de política tendentes a aperfeiçoar a regulação dos Vinhos do Porto e do Douro».
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estas são algumas das nossas preocupações sobre o verdadeiro tema do debate - o ordenamento jurídico e institucional da região do Douro -, mas são também princípios a que o mesmo deve obedecer. Quisemos, ainda, ser construtivos e concretizámos algumas das nossas propostas.

Para bem do Douro. E dos durienses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Nuno Ribeiro da Silva e Vasco Miguel.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, quando estamos a discutir uma questão que todos reconhecemos, no quadro dos princípios, ser fundamental para a região do Douro, com todos os reflexos que tem, pela importância da região e do produto em causa na economia do País, e quando todos também, no plano dos princípios, aceitamos que encontrar o ponto equilibrado para o estabelecimento de um organismo interprofissional é o único caminho de bom senso a desenvolver, é paradoxal que as intervenções que temos ouvido por parte da oposição, tal como acabámos de ouvir de V. Ex.ª, venham, em primeiro lugar, ter uma atitude de acérrimo entre as partes que estão a negociar e, por outro, aproveitando esta oportunidade, lançar questões que não cabem neste fórum estar a abordar quando se olha para a região do Douro.
Concretamente, o Sr. Deputado sabe bem que o Partido Socialista, desde 1974 - em 20 anos -, nunca apresentou uma proposta concreta sobre a forma de ultrapassar esta questão. Portanto, é compreensível que, agora, venha dizer que há uma aparente pressa do Governo em resolver esta situação, porque, se seguíssemos a bitola do PS, era natural que, daqui a 20 anos, continuássemos a ter apenas intervenções esporádicas de alguns Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, como aconteceu em 1989, com uma intervenção do Deputado António Barreto,...

O Sr. António Martinho (PS): - Não leu bem! Leia bem!

O Orador: - ... que dizia assim: «A lei não pôde excluir outras possibilidade de representação dos viticultores da

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região. Quaisquer outras associações legalmente constituídas e cujos objectos sejam a defesa de interesses dos produtores e a representação de interesses de vitivinicultores não só não podem ser excluídas como devem ser acolhidas na organização do sistema». Mas não vamos centrar-nos nesse aspecto porque foi uma intervenção, como disse, esporádica e pontual.
E, como o Partido Socialista continua a não ter ideias sobre o assunto, o Sr. Deputado António Martinho veio fazer uma intervenção em que balanceia entre dois pólos, que nada ajudam à solução e a uma atitude construtiva relativamente ao problema.
Um pólo é a inefável atracção do Partido Socialista em dizer que nada está feito na região do Douro - e, portanto, desfoca do problema específico que está em apreço - e diz que precisamos - célebre fórmula! - de uma proposta de desenvolvimento global e integrada para o Douro. De facto, esta é a maneira de escamotear a falta de ideias!
Quando o Sr. Deputado passa à concretização de alguns pontos, vem dizer-nos o mais déja vu que se possa imaginar, dado que todas as coisas que aqui concretiza são pontos adquiridos por todas as partes que têm discutido este problema há uma série de tempo.
Desta forma, apelo para que o Sr. Deputado explicite quais são as ideias concretas. Se quiser focar no plano global e integrado para levantamento e resolução dos problemas da região do Douro, concretize; se quiser focar em algo mais concreto e que faz parte do apreço desta reunião, não venha com questões laterais. É que, quando se passa ao plano e se tenta fazer um esforço para entrar nas questões concretas, o Sr. Deputado acaba por dizer - perdoem-me a expressão e com o respeito que lhe tenho - uma série de banalidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Temos aqui um documento!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, de início, deu-me a sensação de que a sua intervenção não poderia acabar da maneira como acabou: tudo mau, as propostas do Governo são péssimas e o PSD a apoiar...
No fim, Sr. Deputado António Martinho, surpreendeu-me, porque não conheço outras atribuições a nenhum órgão interprofissional ou, mais concretamente, numa CVR (Comissão Vitivinícola Regional) - que é o que passa a ser este órgão-, que não tenham precisamente essas atribuições, que o Deputado jurista da sua bancada lhe deu para referir na intervenção.
Sr. Deputado, está ou não de acordo - porque nós estamos! - com essas atribuições? Essas são as que constam de todas as CVR, não só da futura CVR Douro mas de todas as que foram criadas ao longo do País.
Depois de ouvir a sua intervenção, tenho dúvidas de que concorde com os tais pontos que lhe foram indicados pelo jurista da sua bancada!... De facto, estamos de acordo com esses pontos. E o senhor também está de acordo com o seu colega Deputado jurista?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, não considero minimamente paradoxal a minha intervenção. Aliás, não pretendi acirrar ninguém mas mostrar que há aspectos nesta problemática em que estamos de acordo com o Governo, há outros em que estamos de acordo com o PCP e há outros ainda em que não estamos de acordo nem com o Governo nem com o PCP. Esta é uma parte importante do consenso a gerar nesta Casa.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Devo dizer que procurei contribuir com audiências à Casa do Douro e à Associação dos Exportadores de Vinho do Porto, para ouvir as forças económicas. Depois de os ouvir, comparei as suas preocupações com a filosofia e os princípios que o PS aqui defendeu e fiz a síntese, contribuindo para o consenso. Isto não é acirrar ninguém, é simplesmente dar o contributo responsável do Grupo Parlamentar do PS à resolução desta problemática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. João Maçãs (PSD): - Qual é a proposta?

O Orador: - Sr. Deputado João Maçãs, sobre questões concretas, folgamos em poder dar, em sede de comissão, um contributo concreto. Eu li as suas intervenções de há cinco anos.

O Sr. João Maçãs (PSD): - E gostou?!

O Orador: - Em 1988 e 1989, o Grupo Parlamentar do PS manifestou aqui algumas preocupações e fez afirmações, tendo havido uma evolução do grupo parlamentar e do próprio partido na análise da problemática do Douro. Naturalmente, se o PSD não evolui...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - «Involui»!

O Orador: - Ainda sobre questões concretas, o documento que tenho comigo resulta de uma reunião com 1000 agricultores, exportadores, técnicos da UTAD e militantes do PSD, do PS e independentes, na Escola Secundária da Régua, em Abril de 1992.
Em seguida, o documento foi objecto de discussão interna no seio do meu partido, numa convenção no Douro - aliás, o único partido que usou esta figura estatutária para aprovar um documento -, foi debatido e melhorado, tendo sido depois enviado ao Sr. Ministro Valente de Oliveira.
Não pode haver, da parte da oposição, maior atitude construtiva do que esta!
Também aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1994, apresentámos uma proposta de aditamento, concreta, com vista à dotação de uma verba e o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, em debate na Comissão de Economia, Finanças e Plano, reconheceu que tinha virtualidades. Está em acta!

O Sr. Manuel dos Santos (PS). - Sim senhor!

O Orador: - Agora, o Sr. Ministro Valente de Oliveira fala de uma intervenção integrada com uma forte componente do turismo, mas o Sr. Ministro não pode enjeitar que é ele próprio quem deve assumir essa intervenção integrada.
Porém, estamos em fase prepatória da aplicação de verbas do II Quadro Comunitário de Apoio e as verbas para

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o Plano de Desenvolvimento Regional têm de ser atribuídas tendo em conta a realidade do País.
Julgo que não basta fazer uma alteração institucional no Douro, porque essa é uma forma de contribuir para debelar a crise - disse-o há pouco da tribuna -, mas, se não formos mais além, o Douro não se transformará. É preciso potenciar aquilo que o Deputado Eurico Figueiredo e o Sr. Secretário de Estado já disseram. É que, apesar de tudo, o Douro resistiu dentro dos vinhos chamados licorosos, mas, de facto, o Vinho do Porto é único. O Douro resistiu, está em recuperação e em 1993 já se notou isso.
É preciso, pois, potenciar o esforço que os produtores e os exportadores fizeram na manutenção da qualidade...

Protestos do PSD.

Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, qual é o papel do ICEP na promoção do Vinho do Porto no estrangeiro? Sei que a resposta é esta: o ICEP não tem tido qualquer papel relativamente à promoção do Vinho do Porto, o que lamento!
Por isso é que referi que o Instituto do Vinho do Porto devia assumir um papel na promoção do Vinho do Porto no estrangeiro. Seria bom para Portugal e, naturalmente, para o Douro. É isso que está na minha proposta, que é construtiva. Não é para acirrar ninguém, é construtiva!

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Vasco Miguel, claro que há consensos ao nível jurídico...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado António Martinho, queira terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, não gostaria de terminar sem antes dar uma resposta ao Sr. Deputado Vasco Miguel, pois a muita consideração que tenho por ele leva-me a isso.
Sr. Deputado Vasco Miguel, estou de acordo com aquelas atribuições, que são fruto de um consenso que se foi criando nas Regiões Demarcadas de Bordéus, de Champagne e noutras que há na Europa, assim como em Portugal. Estou, naturalmente, de acordo! Pode registar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar, que dispõe de tempo cedido pelo CDS-PP.
O Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar: - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Grupo Parlamentar do CDS-PP por me ter concedido algum tempo regimental.
Vou apenas registar, em breves palavras finais, o largo consenso que aqui se verificou à volta dos objectivos e mesmo do modelo que deve enformar esta reforma.
Apenas o Grupo Parlamentar do PCP se pronunciou contra qualquer alteração. Naturalmente, isso é o reconhecimento de que tudo está bem, de não haver dificuldades criadas aos agricultores e, portanto, tudo deveria manter-se como está.
Sr. Deputado, não é essa a nossa perspectiva. Não podemos apostar no «quanto pior, melhor». Queremos o melhor para a Região e entendemos que isso é proceder em cada momento, no momento oportuno, com a vontade das partes e da própria Região às reformas que os novos tempos justificam. É isso que motiva o Governo, estou convencido de que é isso que motiva também a maior parte desta Câmara e os Deputados eleitos pela Região.
Daí a disponibilidade do Governo, manifestada pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para que, a título excepcional, esta proposta de lei possa baixar à Comissão, não porque o Regimento o imponha mas porque entendemos que é matéria suficientemente complexa, específica ao nível regional, para que também os Srs. Deputados da Região possam colaborar na criação desta vontade comum, a fim de que esta reforma seja, depois de aprovada, implementada e tenha o sucesso que todos queremos numa região que é do interior e extremamente dependente da vitivinicultura, para quem esta questão é, de facto, nuclear.
Não podemos aceitar que permaneçamos agarrados a fantasmas do passado, porque isso é permanecer agarrados ao empobrecimento. Com certeza, não é isso que queremos para o nosso interior e para a região do Douro. Os viticultores durienses bem merecem que possamos unir esforços.
Vou tentar fazê-lo, juntamente com os Srs. Deputados da Comissão de Agricultura e Mar, para que esta reforma corresponda o mais possível aos anseios da Região e com a responsabilidade e compreensão de que, dando as mãos ao comércio, é que se consegue estabilizar o mercado, dinamizar as vendas e, portanto, melhorar o rendimento dos produtores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, quero utilizar esta figura regimental, porque o Sr. Secretário de Estado, aproveitando-se da intervenção final, deturpou as posições da nossa bancada, que foram, com clareza, expostas na nossa intervenção.
Se o Sr. Secretário de Estado não se lembra, eu passo a ler: «Queremos aqui sublinhar que o PCP é claramente favorável ao actual figurino institucional, sem prejuízo do seu melhoramento».
Entendemos que o actual quadro institucional tem virtualidades, tem potencialidades, o próprio Governo reconhece que tem funcionado no essencial e sem prejuízo do seu melhoramento. É nessa base que se deve, e devia, trabalhar.
Mas dissemos mais. Dissemos que estamos disponíveis para, em sede de comissão, se avançar para uma solução de real consenso em relação ao interprofissional. E quando dizemos «uma solução de real consenso» temos razões legítimas para desconfiar que, se calhar, o nosso conceito de consenso é capaz de não ser o mesmo do Governo.
O que o Governo traz aqui, quando fala em consenso, é retirar poderes a uma estrutura, a uma entidade, que é absolutamente necessária para a defesa dos viticultores, para a defesa da parte mais frágil, que é a Casa do Douro. Para nós, o consenso para a interprofissional passa pela manutenção da Casa do Douro, dos poderes e das competências que hoje detém. Este é também o consenso que existe na Região.
Esta é uma questão que nos separa do Governo. Quem tem estado isolado nesta matéria não é o PCP mas é o Governo e o PSD.

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Vozes do PSD: - Isso não é verdade!

O Orador: - Quem propôs extinguir a Casa do Douro foram os senhores, em 1986; quem propôs passá-la de associação pública para privada foram os senhores, através do projecto que, em Janeiro de 1994, enviaram às entidades.

Vozes do PSD:- Não é verdade!

O Orador: - Defendemos a concertação de posições e a defesa dos interesses durienses, mas na base da defesa de uma estrutura que é fundamental para a defesa dos viticultores e para a defesa de toda a região durienses, que é a Casa do Douro.(O orador reviu.)

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar.

O Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar:

- Sr. Presidente, na minha intervenção, limitei-me a fazer uma síntese daquilo que todos ouvimos. Não disse que o Sr. Deputado era contra qualquer aperfeiçoamento dentro deste modelo, deste sistema; só que todos reconhecemos - e disse-o claramente - que não imputamos responsabilidade a pessoas. Naturalmente, o Sr. Deputado tem de dar responsabilidade a pessoas e portanto defende o modelo institucional actual.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Quais pessoas? Quem fala em pessoas é o Sr. Secretário de Estado e não eu!

O Orador: - Defendemos, sim, a sua forma, porque entendemos que as coisas não funcionaram bem, exactamente porque o modelo não é o mais adequado para que haja estabilidade no mercado e essa cooperação interprofissional.
Assim, o consenso que procuramos não é o mesmo que o PCP procura, algo estaria errado se o fosse. Queremos um consenso entre quem produz e quem vende, para que todos ganhem e para que haja desenvolvimento na Região. O Sr. Deputado defende um consenso em que só uns disponham e obrigue os outros, à boa maneira do que tentou fazer, se calhar, em tempos passados, como foi aqui referido.
Sem reconhecer, de alguma forma, ter ofendido a honra da bancada do PCP, quero dizer que não espero que haja, nesta matéria, um consenso por parte do PCP, não proeuro. O que quero é um consenso na área democrática, na área dos Deputados eleitos pela Região, que sentem os problemas da Região, que os vivem e que os conhecem em pormenor, porque são esses que têm de responder pelos seus eleitores, assim como o Governo em sede própria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está encerrado o debate da proposta de lei n.º 104/VI.
Entretanto, gostaria de informar a Câmara de que foi apresentado na Mesa, e distribuído aos Srs. Deputados, um requerimento de baixa à Comissão de Agricultura e Mar da proposta de lei que acabou de ser apreciada, subscrito por Deputados do PCP, do PSD, do PS, do CDS-PP e de Os Verdes.

Alguém quer pronunciar-se?

Não havendo objecções, vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Informo ainda os Srs. Deputados de que pelas 16 horas terá lugar a reunião da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.

Está interrompida a sessão.

Eram 13 horas.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Correia Afonso.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, acaba de me ser transmitida uma mensagem relativa a recentes e próximas votações no Congresso dos Estados Unidos da América sobre a questão de Timor-Leste, no quadro de uma determinada proposta limitativa de venda de armamento à Indonésia, que gostaria de levar ao conhecimento de V. Ex.ª, apelando às diligências urgentes que tenha por adequadas face à natureza dos acontecimentos descritos na mensagem em causa.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado José Magalhães, no seguimento da sua interpelação, a Mesa ordenará a distribuição aos grupos parlamentares do documento que nos fez chegar e encaminhá-lo-á para conhecimento do Governo.
Srs. Deputados, vamos apreciar um conjunto de petições, sendo a primeira a n.º 196/VI (2.ª), apresentada pelo Museu Mineralógico e Geológico, solicitando que sejam desenvolvidos esforços no sentido da salvaguarda da imponente jazida de Carenque, que se encontra ameaçada pelo traçado da Circular Regional Exterior de Lisboa (CREL).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nem sempre temos a satisfação de usar da palavra sobre uma petição cujo objecto já se encontra resolvido. Assim, a minha intervenção é para me rejubilar com o Museu Mineralógico e Geológico na pessoa do seu director, Professor Galopim de Carvalho - presente nesta sessão - pelo facto de o motivo principal desta petição já ter sido resolvido, ou seja, a preservação dos icnofósseis, dos icnitos ou das pegadas de dinossauro que apareceram na região de Carenque, em Sintra, feita após uma obra louvável de engenharia - a construção de um túnel sob essa jazida.
Com essa construção preservou-se para as gerações vindouras, para a Cultura, para a Ciência e para a História da Ciência Natural Universal, um riquíssimo legado. Lem

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bro que essas jazidas foram consideradas pelo melhores paleontólogos mundiais como sendo das mais importantes no mundo inteiro e, portanto, justifica-se bem o esforço financeiro necessário para levar a cabo a sua preservação.
O meu grupo parlamentar, desde sempre, pela minha pessoa, interessou-se por esse assunto. Lembro que após termos recebido a carta do Professor Galopim de Carvalho, em 12 de Maio de 1992, pedindo o apoio da Assembleia da República, questionei o Governo, através duma pergunta e, posteriormente, no dia 11 de Fevereiro de 1993, fiz uma intervenção. Nessa altura, aconteceu um gesto de alto significado político que foi o facto de o Sr. Presidente da Assembleia da República se ter associado ao debate e ter enviado ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações a acta da sessão, o que também foi importante para a resolução do problema.
Aliás, o Professor Galopim de Carvalho, depois da sua brilhante luta pela concretização deste louvável objectivo valorizante da ciência portuguesa, publicou um livro, A Batalha de Carenque, no qual faz uma retrospectiva muito interessante da prestação de um conjunto de entidades, nas quais inclui a Assembleia da Republica, para que essa jazida fosse preservada.
Em minha opinião, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Parlamento dignificou-se com esta posição, porquanto não se alheou da discussão louvável acerca deste assunto, que apaixonou não só a comunidade científica mas também todas as pessoas que têm a sensibilidade de considerar que a ciência natural e os legados científicos devem ser respeitados e preservados, e prestou um bom serviço à Cultura, à História da Ciência Natural deixando às gerações vindouras um legado de valor científico e cultural inestimável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Ferreira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Março de 1993, 21 220 cidadãos subscreveram esta petição solicitando a tomada de medidas urgentes para salvaguardar as pegadas de dinossauros da jazida de Carenque, a qual é considerada por todos os especialistas como uma das mais importantes do mundo.
Como o Sr. Deputado Mário Maciel já teve oportunidade de dizer, este é um daqueles casos felizes de petição cujo objectivo, no essencial, está atingido com a adopção de um traçado em túnel para o percurso da auto-estrada A9, conhecida por CREL. Limitar-me-ei, portanto, a realçar dois aspectos principais.
Por um lado, a dimensão do movimento de opinião gerado em torno desta questão científico-cultural que mobilizou este largo número de duas dezenas de milhar de cidadãos, movimento esse e dimensão essa que se devem em grande medida ao entusiasmo do Sr. Professor Galopim de Carvalho.
Por outro lado, gostaria de realçar o papel que a Assembleia da República, dignificando a sua própria função, teve nesta questão, não só através dos diversos grupos parlamentares e de diversos Deputados (eu próprio também fiz um requerimento sobre esta questão), como através do Sr. Presidente da Assembleia da República e da própria Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que não se alheou do assunto, tomando-o a peito com diversas iniciativas e intervindo na medida das suas possibilidades.
Importará ainda sublinhar que, para que se justifique e valorize este investimento feito pelo erário público, importará agora não descurar um necessário trabalho de valorização e integração paisagística da área onde se integra esta importante jazida, nomeadamente restaurando o monumento megalítico conhecido pelo nome de Galeria Coberta de Carenque, um monumento nacional que se encontra somente a algumas centenas de metros desta jazida.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, importará que os poderes públicos potenciem científica e culturalmente este monumento natural, que, graças a esta mobilização da opinião pública, que tem um importante significado cívico, foi salvo da destruição.
Assim, em nome do meu grupo parlamentar, congratulo-me com o bom êxito que esta petição acabou por ter, aliás, por força da própria dinâmica da opinião pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O caso desta petição é um daqueles que, tal como outros Deputados já disseram, é motivo de congratulação pois o problema que fez movimentar estes cidadãos está resolvido. E, sendo motivo de congratulação o facto de ter sido encontrada uma solução para este problema, é de toda a justiça salientar a iniciativa do Sr. Professor Galopim de Carvalho dinamizando o movimento da opinião pública no sentido da preservação das jazidas fósseis de Carenque.
Todavia, ao congratularmo-nos com esta solução, é importante que se encontrem soluções para outros problemas, designadamente a nível de património cultural, verificados noutros troços da CREL, nomeadamente na zona de Loures, e que estão a provocar avultados prejuízos patrimoniais e ambientais. Portanto, fazemos votos que, à semelhança da solução encontrada para este problema, se encontrem outras soluções para outros problemas que estão a ser criados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que esta é das poucas vezes que temos a possibilidade de, perante petições apresentadas à Assembleia da República, nos congratularmos com o sucesso de uma iniciativa dirigida por um ilustre Professor, reconhecido nacional e internacionalmente pela sua defesa do património natural, no fundo, do património cultural, do património da Humanidade. Refiro-me, naturalmente, ao Professor Galopim de Carvalho que soube, durante mais de um ano, insistir muitas vezes junto dos vários órgãos competentes, junto de cientistas, de políticos, de órgãos de soberania, permitindo assim encontrar uma solução. Penso que todos estamos de parabéns porque, através dessa insistência, um cidadão português conseguiu dinamizar, em torno daquilo que defendia, a opinião pública e os poderes instituídos.
Apesar da intervenção feita pelo Sr. Deputado Mário Maciel em nome do PSD, não podemos deixar de referir

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que, infelizmente, outras situações não foram igualmente consideradas. É isso que lamentamos, e fazemos um apelo para que o Governo, e designadamente os responsáveis pelo traçados das vias de comunicação rodoviárias, tenha em conta os valores da Humanidade que estão a ser postos em causa. Refiro apenas dois: o traçado do IP n.º 2 junto a Alpedrinha e o traçado da auto-estrada Lisboa-Porto no atravessamento do Parque Natural da Serra de Aires e Candeeiros. Estes são dois exemplos significativos para os quais não foi possível mobilizar a opinião pública como neste e que são factos consumados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É lamentável que o Estado português permita que se faça isto ao património da Humanidade. Finalmente apelamos para que decisões destas e erros destes deixem de ser cometidos a bem de nós todos e designadamente por respeito das gerações futuras, da Ciência e da Humanidade.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate sobre esta petição. Entretanto, a Mesa também não quer deixar de se congratular pelo facto de a situação estar ultrapassada e, nos termos regimentais, irá enviar a acta desta reunião aos peticionantes.

Passamos à petição n.º 238/VI (3.ª), apresentada pela Comissão de Base de Saúde de Campo Maior, solicitando que seja garantido o funcionamento do Serviço de Atendimento Permanente 24 horas/dia no Centro de Saúde.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição apresentada pela Comissão de Base de Saúde de Campo Maior solicita que seja garantido o funcionamento do serviço de atendimento permanente 24 horas por dia no respectivo centro de saúde.
De facto, a população daquele concelho, cerca de 10 OOO habitantes, teve durante anos um serviço de atendimento permanente que recentemente tem vindo a ser reduzido de tal modo que funciona hoje entre as 9 e as 20 horas, ou seja, a parte noctuma do apoio médico àquela população é inexistente.
E certo que nas diligências efectuadas, como se verifica pelo relatório aprovado em Comissão, se conclui que a redução do atendimento permanente se deve ao número exíguo de doentes que procuram os serviços no período nocturno, que há um novo hospital a 17 Kms com acessos fáceis e que a própria Administração Regional de Saúde entende, nos pressupostos anteriores, que está assegurada a assistência médica à população de Campo Maior, já que os Bombeiros Voluntários da localidade garantem a tempo inteiro o transporte dos doentes.
No entanto, em minha opinião, assiste razão à população quando se manifesta pela abertura constante dos serviços.
Recordo a esta Assembleia que se trata de uma região onde a população tem vindo a decrescer e onde a taxa de natalidade - 8,8 % - é das mais baixas do país; onde o grupo etário com mais de 65 anos é o mais elevado a nível nacional - cerca de 21 %; onde a taxa de mortalidade atinge também uma das maiores percentagens - 15,2 %. Ou seja, todos os indicadores mostram que a necessidade de um serviço de atendimento permanente não é um mero capricho e que a exclusiva análise, fria e estatística do número de utentes, não cobre evidentemente o sentimento e a preocupação daqueles que porventura venham a necessitar dos serviços de saúde.
Não chega dizer, portanto, que há um hospital, perto, que a estrada é boa e que os bombeiros dão transporte. É preciso ter em conta a especificidade da população que poderá recorrer aos serviços e a humanização que dos mesmos dever ser feita para que não se viva em sobressalto ou com o espectro da falta de resposta numa situação de crise. Acrescem ainda, e não é demais repetir, as dificuldades económicas da região, crise já por demais retratada de uma zona onde os investimentos são quase nulos, as dificuldades de emprego efectivas e as condições de vida não são as melhores. Tudo, enfim, agregando-se para que a população reaja, com descontentamento, em relação à quebra de mais um elo - o da saúde - importante para o sentimento de segurança das pessoas e das suas reais condições de vida.
Cabe ainda aqui acrescentar que, segundo informações locais, os próprios quadros dos serviços do centro de saúde não estão totalmente preenchidos, o que constitui mais uma lacuna em termos de uma área onde a máxima eficácia deveria ser conseguida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 5 OOO assinaturas, de um conjunto de uma população que envolve perto de 10000 habitantes, significam um vasto consenso criado sobre o sentimento dos campomaiorenses em relação aos seus serviços de saúde, população idosa, dificuldades conhecidas que envolvem toda a região e implicam uma análise profunda e humana da situação vivida. É nesse sentido que considero que os responsáveis devem reequacionar a situação do Centro de Saúde de Campo Maior e dotá-lo das condições adequadas, quer de pessoal quer de equipamento - porventura uma enfermaria para homens e outra para mulheres seria suficiente -, de molde a que o mesmo possa servir bem a população a que se dirige.
Em matéria de saúde não pode haver mera contabilidade de números. Os cidadãos, como pessoas, devem merecer-nos a maior atenção e os maiores cuidados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão levantada pela Comissão de Base de Saúde de Campo Maior, no sentido de ser garantido o funcionamento do Serviço de Atendimento Permanente naquela localidade 24 horas por dia, não é nova nem exclusiva desta região. Com efeito, tem-se assistido em todo o país a uma reformulação do sistema de funcionamento das instituições de saúde, no sentido de uma maior concentração de meios, tendo em vista, infelizmente, objectivos puramente económicos. Uma tal alteração estrutural, da qual ninguém nega a necessidade, deveria, no entanto, ter apenas um objectivo: a melhoria qualitativa dos cuidados prestados, tendo em conta, fundamentalmente, as necessidades sociais de cada população e a realidade de cada zona.
Quando, como neste caso, se justifica com a existência de um outro hospital, situado a 20 Km, o encerramento parcial de um centro de saúde, não se têm em conta as realidades e necessidades da região. São utentes muito envelhecidos e sem facilidade de transporte os que mais recorrem aos serviços de saúde e não se pode esperar que as ambulâncias, por tudo e por nada, sirvam de táxi. A provar a realidade está a expressão numérica dos peticionários: num universo de pouco mais de 10000 pessoas, são 5 OOO as que reclamam.

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Em Campo Maior, onde outrora o centro de saúde funcionou como hospital, com valências e internamentos, existe hoje um centro de saúde com poucas horas de consulta e pessoal insuficiente. Pouco a pouco, esta população foi perdendo a dimensão desta instituição - hoje, o que existe é nitidamente insuficiente. Há pouco tempo, ainda funcionava, entre as 9 e as 24 horas, um Serviço de Atendimento Permanente, mas, aproveitando a doença de um dos médicos, a, nessa altura, ARS de Portalegre encurtou provisoriamente o horário do SAP para 21 horas, medida que rapidamente passou de provisória a definitiva, mesmo depois do regresso do dito médico.
A situação deste centro de saúde é considerada por 5 OOO dos seus utentes como ineficaz. O Grupo Parlamentar do PCP já disso tinha tido conhecimento e quando, em 15 de Dezembro de 1993, questionou o Ministro da Saúde perguntando-lhe «1.º - Qual o motivo pelo qual o SAP funciona apenas entre as 9 horas e as 21 horas? 2.º - Julga o Ministério da Saúde ser este o melhor horário para servir a população? 3.º - Existem carências de equipamento e pessoal?», obteve como resposta aquilo que os 5 OOO peticionários sabem não servir o concelho de Campo Maior.
A resposta foi a seguinte: «1.º - Entre as 21 horas e as 9 horas, os doentes são em número reduzido, havendo dias sem qualquer utente; 2.º - Dada a proximidade de Elvas e a existência permanente de meios de transporte, a população deste concelho, quando necessita, é de imediato atendida; 3.º - Presentemente, não há no centro de saúde qualquer carência».
A ser isto verdade, com certeza que não estaríamos hoje, aqui; a discutir uma petição de 5 OOO utentes deste centro de saúde.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr Presidente, Srs. Deputados: Não se nega a necessidade de uma maior e melhor planificação da forma de funcionamento dos estabelecimentos de saúde. É, no entanto, reclamado que isso não seja feito apenas com objectivos economicistas. Em vez de virar as costas aos problemas levantados pelas populações e prometer medidas futuras - actual método utilizado pelo Ministério da Saúde -, é necessário criar medidas que efectivamente sirvam as populações.
Em Campo Maior há necessidade de um melhor centro de saúde, com mais capacidade de resposta, o que, no entanto, não está ao alcance desta Assembleia. Esperamos que o Governo, a quem compete a resolução deste problema, compreenda e tenha em conta estas necessidades. A angustia desta população reclama medidas e não palavras. A população de Campo Maior quer ter direito a uma saúde melhor. Não é uma reclamação que fazem, mas um direito que reclamam.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Conceição Rodrigues.

A Sr.ª Maria da Conceição Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Base de Saúde de Campo Maior dirigiu-se a esta Assembleia da República através da petição n.º 238/VI, de 15 de Dezembro de 1993, solicitando a garantia do funcionamento do Serviço de Atendimento Permanente 24 horas por dia, no Centro de Saúde de Campo Maior, fundamentando, no seu entender, que a população foi votada ao ostracismo pela Administração Regional de Saúde de Portalegre, actualmente sub-região, na medida em que o serviço de atendimento foi reduzido em mais quatro horas, não havendo contratação dos médicos necessários para garantir por 24 horas, dada a abrangência do centro de saúde em termos populacionais - abrange cerca de 10 OOO habitantes.
No nosso entender, a Comissão de Base de Saúde de Campo Maior não tem razão no que alega quanto ao Centro de Saúde de Campo Maior, porquanto a actual sub-região de Portalegre, assim como a ARS de Évora, têm desde sempre manifestado todo o empenho na concretização dos seus objectivos, em termos de toda a população de todos os concelhos dos distritos que abarcam ter acesso a mais e qualitativa prestação de cuidados de saúde.
Assim, no que diz respeito ao distrito de Portalegre, até ao final do ano corrente, todos os concelhos terão renovados ou novos centros de saúde, devidamente equipados e com resposta adequada às necessidades da população. No que respeita a meios humanos - médicos, enfermeiros e paramédicos -, registam-se, efectivamente, ainda algumas dificuldades na sua contratação. Apenas em Aviz, o Serviço de Atendimento Permanente é garantido por vontade e abnegação dos médicos do seu centro de saúde. Nos restantes centros de saúde tal não se mostra para já possível, apesar dos esforços da sub-região, que, constantemente, abre concursos para preencher as vagas existentes de médicos e de enfermeiras, que, normalmente, ficam desertas.
Campo Maior, ao contrário do que referem os peticionários, encontra-se hoje numa situação privilegiada, na medida em que tem, por um lado, um novo centro de saúde, inaugurado em Maio e já totalmente em funcionamento, no qual não se justifica existir um Serviço de Atendimento Permanente, dado que, entre outras razões, a média de atendimento entre as zero e as 8 horas é de um doente por mês, e não haver capacidade para dar resposta a outras doenças graves, como enfartes, acidentes vasculares cerebrais e outros. No entanto, este centro dá resposta cabal às solicitações, em termos de prestação de cuidados primários de saúde, da população que abrange.
Por outro lado, no que se refere a situações de verdadeira urgência, como já referi, a população de Campo Maior tem acesso, desde 15 de Março de 1994, ao novo hospital distrital de Elvas, que está devidamente equipado em termos técnicos, prestando serviços em todas as valências hospitalares, bem como dando total resposta, em termos de médicos, enfermeiras e paramédicos. Efectivamente, Campo Maior dista apenas 17 Km de Elvas, que são percorridos, dada a actual acessibilidade rodoviária, em menos de 15 minutos e em total segurança.
Deste modo, não podemos deixar de concluir que a Comissão de Base de Saúde de Campo Maior não tem de ter preocupações relativamente à qualidade da prestação de cuidados de saúde à população de Campo Maior, na medida em que os serviços prestados pelo Centro de Saúde de Campo Maior são totalmente complementados, de uma forma superior qualificada, em todas as valências e a todas as horas, pela nova estrutura hospitalar de Elvas, cujo acesso é garantido, nomeadamente pelos Bombeiros Voluntários de Campo Maior, que asseguram 24 horas o transporte de doentes.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Agora, Sr.ª Deputada, mande essa intervenção para lá, para ser lá publicada!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado o debate da petição n.º 238/VI (3.ª).

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Nos termos constitucionais e regimentais, feita a apreciação em Plenário, será comunicado ao primeiro signatário da petição o relatório da Comissão, as diligências subsequentes e o Diário da Assembleia da República em que se encontra reproduzido este debate.
Vamos dar início à discussão da petição n.º 241/VI (3.ª), apresentada pela Comissão de Trabalhadores da EDP - Electricidade de Portugal, SA, solicitando que seja promovida uma discussão pública sobre as implicações inerentes à cisão da EDP em várias empresas e que seja criado um quadro legal que assegure os direitos dos respectivos trabalhadores, reformados e pensionistas.
Na qualidade de relator, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Ferraz de Abreu.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência da petição anunciada e da distribuição que me coube na Comissão de Petições, foi-me atribuída a elaboração do respectivo relatório.
Às questões concernentes à mesma prendem-se, com especial realce, as questões de natureza económica, em especial as implicações que a cisão da EDP tenha ou venha a ter na vida da economia, quer do país quer das próprias empresas. Com efeito, a cisão da EDP em diversas empresas, no que respeita à exploração dos diversos sectores, traz para os trabalhadores da empresa sérias apreensões quanto à capacidade de geração de proveitos e, consequentemente, quanto à possibilidade de sobrevivência financeira destas novas empresas, tendo em atenção que muitas destas pequenas empresas ficarão situadas em zonas em que a rentabilização é de natureza extremamente duvidosa e que, por esse efeito, as funções de natureza social que a EDP até hoje vinha desempenhando sofrerão, necessariamente, um agravamento e uma diminuição, especialmente nas zonas mais remotas, onde o consumo é menor e onde, naturalmente, haverá uma baixa da produtividade financeira.
Penso ser de louvar esta preocupação por parte dos trabalhadores da EDP, na medida em que estes não visionam apenas as suas questões de natureza pessoal, mas também questões relacionadas com a continuidade e com a sobrevivência financeira da própria empresa.
Mas naturalmente que esta cisão da EDP trará outro tipo de questões, que têm a ver com a segurança jurídica dos direitos adquiridos pelos próprios trabalhadores, ou seja, até que ponto é que a cisão da EDP em novas empresas assegura ou não a continuidade e a credibilidade que trabalhadores da EDP, durante muitas dezenas de anos, foram desempenhando e depositando na empresa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa pede-lhe para cingir a sua intervenção à leitura do relatório.

O Orador: - Sr. Presidente, estou exactamente a referir aquilo que diz o relatório. Em nosso entender, tem plena justificação o presente relatório, pelo que ...

Protestos do PSD.

O Orador: - Srs. Deputados, estou a referir exactamente o que diz o relatório, mas por outras palavras. Não tenho grande vocação de leitor, mas se W. Ex.ª fazem questão nisso, passarei a lê-lo. Pensei que os Srs. Deputados do PSD sabiam ler! Afinal, não sabem, pelo que passarei a lê-lo.

Protestos do PSD.

O Orador: - O controlo absoluto de alguns sectores da economia por parte do Estado, nomeadamente o sector energético, é equacionado pelo Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio, na sequência da Lei n.º 34/88, de 2 de Abril, evolução que culmina com a publicação do Decreto-Lei n.º 99/91, de 2 de Março, no qual se consagra o acesso dos particulares a este sector importante da economia portuguesa
E, por outras palavras, já que os Srs. Deputados do PSD assim o querem, repito o que disse inicialmente: naturalmente que a abertura ao sector privado do sector energético propicia o aparecimento de empresas que, embora sendo obrigadas a funcionar dentro dos moldes legalmente estabelecidos, não deixam de suscitar dúvidas quanto ao quadro actual e suscitar apreensões quanto aos trabalhadores, no que concerne ao quadro de funcionamento das suas regalias, quer enquanto permanecem no activo, quer quanto às perspectivas de funcionamento dos planos de reforma estabelecidos.
Nas audições concedidas à comissão de trabalhadores, quer individualmente pelo relator, quer em Comissão, composta por três Srs. Deputados da Comissão de Petições, equacionou aquela Comissão a continuidade da função social que a EDP tem desempenhado para as populações, dada a vertente economicista, naturalmente posta no sector pelos particulares, e o receio da inversão desta função, pelo abandono ou estagnação das zonas energeticamente menos rentáveis, com as naturais e inevitáveis consequências para as populações aí residentes, com especial destaque para as de menor densidade populacional.
É sua interpretação que a estrutura actual da EDP permite refazer os equilíbrios de exploração, compensando as zonas de menor rentabilidade energética com a maior rentabilidade nos grandes aglomerados populacionais.
Sr. Presidente, é isto que, na qualidade de relator, me apraz dizer nesta Casa, muito embora recuse que a intervenção do relator se limite, apenas e exclusivamente, à leitura do relatório, já que, penso eu, todos os Srs. Deputados desta Câmara sabem ler português.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, há que respeitar o Regimento.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vim a esta tribuna porque penso que o assunto que estamos a debater e o respeito que nos devem merecer os trabalhadores da EDP justificam esta homenagem.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, os milhares de peticionários, subscritores da petição em debate, todos trabalhadores da EDP, SA., manifestam à Assembleia da República as suas mais profundas preocupações e incertezas quanto ao futuro.
Exemplos recentes no tecido empresarial português, decorrentes de processos ditos de reestruturação ou de privatizações, constituem razões mais que suficientes para legitimar essas preocupações.
É que tanto este Governo como a maioria que o sustenta e os seus mandatários já demonstraram não ser dignos de crédito e muito menos de respeito.

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As preocupações dos trabalhadores da EDP não se circunscrevem apenas aos seus direitos. Vão muito mais além. Os interesses do país e da economia nacional, bem como os dos restantes cidadãos consumidores, são problemas para os quais não foi, até ao momento, dada qualquer resposta credível.
E dizemos credível porque operações de charme e afirmações sem qualquer sustentação são proferidas todos os dias pelos principais responsáveis pela administração e pelo Governo.
Há um ano atrás, quando procurámos apurar as reais intenções da administração, foi-nos dito que da anunciada cisão da EDP não resultaria qualquer processo de privatização!... Hoje fala-se já em privatizar 25 % da EDP.
O PS, aquando da ratificação do Decreto-Lei n.º 7/91, teve a oportunidade de criticar vivamente o modelo de reestruturação determinado pelo Governo.
Hoje, como ontem, mantemos a firme convicção que o plano de cisão da EDP visa, claramente, a destruição de um capital acumulado de saber, de raiz progressivamente nacional, e uma clara interrupção na indispensável consolidação de uma inteligência nacional neste importante e estratégico sector.
Visa ainda a destruição de uma empresa de dimensão internacional, que tantos milhões de contos custou ao Estado no processo de fusão, mas que, pode afirmar-se com todo o à-vontade, tem vindo a cumprir o importante papel que lhe estava destinado. Referimo-nos, claramente, à electrificação completa do território, que está feita, a um tarifário único que vigora no País, ao apoio à criação de uma indústria eléctrica e electrónica, de raiz progressivamente nacional, metas estas que foram ou que estão em vias de ser concretizadas, mas que são insuficientes para demover o Governo dos seus propósitos.
Aliás, dizia ontem o Sr. Primeiro-Ministro que os problemas do emprego se resolvem com empresas fortes, competitivas e de dimensão internacional.
O que se pretende fazer na EDP traduz exactamente o contrário daquilo que afirmou.
Nesta, como noutras matérias, estão os portugueses habituados a ouvir uma coisa e a ver o Governo fazer outra.
Trata-se, como dizíamos, da destruição de mais um sector de grande relevância para a política energética nacional e a condenação de inúmeras empresas que dependem e receberam inestimáveis apoios tecnológicos daquela empresa pública.
É talvez chegada a hora de o Governo aumentar os horizontes das suas clientelas, criando, por esta via, mais meia centena de cargos de administração. É, certamente, a preparação das eleições legislativas de 1995.
O Governo, com este processo de cisão, colocará os cidadãos portugueses em situação extremamente difícil e desigual.
É que não se encontra acautelada a unidade do sistema tarifário e potenciam-se assimetrias no acesso à energia, designadamente nas zonas mais vulneráveis.
Não estando assumido o carácter de serviço público associado às actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, agravando-se os encargos de estabelecimento e de exploração, facilmente poderá ante-ver-se que a sua incidência se fará reflectir nos preços que os consumidores irão pagar.
Em rodapé, direi que a importância deste assunto justifica que o mesmo possa e deva ser tratado com profundidade nas Comissões de Economia, Finanças e Plano e de Trabalho, Segurança Social e Família, às quais foi já apresentada a competente proposta de audição.

Fica claro que não aceitaremos situações de facto. Pêlos indícios conhecidos estará por dias a constituição de algumas dessas empresas. Este assunto, Srs. Deputados, é demasiado sério para ser tratado superficialmente.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, os milhares de trabalhadores da EDP estão também muito preocupados com o seu futuro e o dos seus colegas reformados e pensionistas.
E têm razões de sobra para alimentarem um grande pessimismo quanto ao futuro!
Exemplos maus não faltam neste país. Paradigmáticos são os casos da Rodoviária Nacional, da Rádio Comercial, da Portucel e da Petrogal.
Sabe-se que das onze empresas em formação, algumas delas, pela sua natureza, não vão gerar recursos próprios. Sabe-se também que essas não terão efectivos e requisitarão ao conjunto das restantes os trabalhadores que considerarem necessários e indispensáveis.
O que não se sabe é o que vai acontecer no futuro aos requisitados e àqueles que, dominando a técnica, não foram requisitados e se encontram colocados nas restantes empresas.
Não se sabe se neste processo poderá acontecer a mesma situação que se vive hoje na PORTUCEL e que conduz ao despedimento ou à diminuição de regalias sociais e retributivas.
Não se sabe qual o futuro da Mútua e das obrigações da EDP em matéria de saúde.
Não se sabe qual será o futuro do Fundo de Pensões da EDP. As onze empresas ficam obrigadas a contribuir para o Fundo de Pensões? Podem criar fundos próprios? Ou será que ficam desobrigadas dos complementos de reforma?
Não se sabe quem vai garantir aos reformados e pensionistas, que adquiriram esse estatuto antes de 1987, os complementos de reforma a que têm direito.
Não se sabe o que vai acontecer ao fim de um ano, quando as novas empresas pretenderem pôr fim ao Acordo de Empresa e ao Estatuto Unificado dos Trabalhadores da EDP.
Sabe-se, isso sim, que está instalado o medo, a insegurança e a incerteza no futuro colectivo dos trabalhadores peticionários.
Sabe-se que, em matéria de garantia de direitos e regalias dos trabalhadores, o conselho de administração diz ser uma questão de fé.
Sabe-se que, em questões tão fundamentais como o direito ao trabalho e à subsistência, ninguém minimamente responsável pode tratar o futuro de milhares e milhares de pessoas como mera questão de fé.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante o quadro traçado, que poderá pecar por defeito e nunca por excesso, impõe-se que esta Assembleia exija do Governo a plena satisfação dos anseios e legítimas expectativas dos trabalhadores da EDP.
Exigir do Governo um normativo legal concreto, que assegure os direitos e regalias daqueles trabalhadores, dos reformados e pensionistas é imperativo de consciência de todos os Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Trabalhadores da EDP promoveu uma petição subscrita por cerca de 9000 cidadãos,

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em que, tendo presente o eventual processo de cisão daquela empresa, se solicita que seja feita uma discussão pública das respectivas implicações, e que seja estabelecido um normativo legal concreto, que assegure os direitos e regalias dos trabalhadores, dos reformados e dos pensionistas do sector.
No entender do Grupo Parlamentar do PCP, a presente petição assume total acuidade.
Na verdade, o sistema eléctrico constitui uma infra-estrutura básica da economia nacional, a EDP tem sido e é uma empresa com uma função determinante para o desenvolvimento do país, goza de uma situação económico-financeira sólida, tem um importante papel na correcção das assimetrias regionais, pelo que eventuais alterações estruturais constituem uma questão política de importância nacional.
Por outro lado, no que respeita aos direitos dos trabalhadores e dos reformados da EDP, a prática reiterada do Governo em todo o processo de desmantelamento do sector empresarial do Estado tem sido enformada pelo constante atropelo de direitos, o que retira qualquer crédito a piedosas e vagas declarações do Governo de que os direitos serão respeitados.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, analisemos os argumentos do Governo e das administrações da EDP, por ele nomeadas, para fundamentarem a cisão e a posterior privatização da empresa.
Esses argumentos são os seguintes: aproximar a administração do cliente; acabar com o gigantismo da empresa; acabar com o monopólio da EDP; racionalizar a empresa.
O argumento de «aproximar a administração do cliente» não justifica qualquer cisão mas sim a descentralização de competências e é contrariado pelo encerramento de 139 agências e postos de atendimento, que lesaram 800 mil consumidores e obrigaram à transferência de 400 trabalhadores.
Quanto a «acabar com o gigantismo da empresa», trata-se de uma afirmação gratuita à luz da dimensão do território nacional. A questão fundamental é, sim, a da eficácia da empresa no quadro das suas funções de produção, de transporte e de distribuição de energia, dando resposta às necessidades das populações e não à óptica de uma mera maximização de lucros enquanto último e supremo fim.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No que respeita a «acabar com o monopólio da EDP», trata-se de um argumento falacioso, eivado de um nítido e retrógrado pressuposto ideológico.
Trata-se, em primeiro lugar, de tentar incutir na opinião pública uma falsa ideia quanto à possibilidade de alternativas concorrenciais no sector.
Como é óbvio, nenhum consumidor poderá alguma vez mudar de fornecedor de electricidade como muda de fornecedor de batatas.
Por outro lado, num quadro de cisão da EDP, o menor consumo de electricidade nas zonas do interior do País implicará um inevitável aumento de tarifário, que funcionará não como factor de desenvolvimento dessas zonas mas sim como um acrescido travão ao respectivo desenvolvimento, acentuando as assimetrias.
Neste contexto, a lógica da maximização do lucro, conjugada com a inevitabilidade de transferências compensatórias, determinará, a curto prazo, a predominância de monopólios privados no sector, mas quanto a estes já o Governo não denota quaisquer pruridos.
Por fim, refiro-me ao argumento da «racionalização da empresa». Trata-se de uma intenção contrariada pelas medidas que têm vindo a ser implementadas, com graves prejuízos quer para os consumidores quer para os trabalhadores da EDP: é o já referido encerramento de agências, de unidades comerciais e técnicas; foi a redução de cerca de cinco mil postos de trabalho nos últimos anos com o crescente recurso a subempreiteiros e a consequente quebra de qualidade dos serviços prestados.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o processo da EDP insere-se na campanha de desarticulação, desmembramento e privatização do sector empresarial do Estado.
Porém, os argumentos com que o Governo tenta justificar tal política são facilmente desmontados até porque contraditórios.
Veja-se que, no caso da EDP, pretende-se fraccionar uma empresa para entregá-la ao capital privado. No caso das telecomunicações, fundem-se empresas para atingir o mesmo objectivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não estamos, pois, perante critérios racionais mas sim, perante a lógica «cavaquista» de privatizar sempre e a todo o custo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A EDP atingiu uma situação de bons resultados financeiros. Tem demonstrado constituir uma estrutura capaz de responder com eficácia às necessidades do País.
É, porém, neste quadro que o Governo decide o desmembramento da empresa e a privatização de alguns dos seus sectores, o que tem vindo a ser preparado desde 1988, ou seja, é a conhecida receita de rentabilizar empresas para entregá-las ao capital privado.
Mas, mais importante que estes aspectos, é o facto de que o desmembramento da EDP acarretará prejuízos para os seus trabalhadores no que respeita a direitos adquiridos, consagrados nos actuais Acordo de Empresa e Estatuto Unificado.
Apesar de estas intenções serem hipocritamente negadas pelo Governo, prática que também já é habitual, o que é certo é que o próprio Relatório de Contas de 1993 afirma que, em relação ao Fundo de Pensões, «é intenção da empresa cobrir integralmente a sua responsabilidade através de dotações anuais ao Fundo (iniciados em 1989), durante um período máximo de 10 anos», ou seja, a partir de 1999 o Fundo pode ir ao fundo. É caso para dizer que esta é uma situação a que se pode aplicar o provérbio «gato escondido com o rabo de fora».
Quanto muito, o que o Governo cinicamente garante é a manutenção de direitos na fase da actual transição para as empresas resultantes da cisão, mas nenhuns direitos estão assegurados na fase posterior, ou seja, na fase de privatização, que dará origem a novas empresas, altura em que o Governo de Cavaco Silva, caso ainda seja poder, assumirá, como tem sido usual, a posição de Pilatos, afirmando que não tem nada a ver com órgãos de gestão.
O Grupo Parlamentar do PCP, expressando a sua solidariedade aos trabalhadores da EDP e às lutas que têm desenvolvido em defesa dos seus postos de trabalho e dos direitos adquiridos, lança aos restantes partidos, especialmente ao PSD,...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira concluir, Sr. Deputado.

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O Orador: - ... o repto de viabilizarem um amplo debate público sobre a EDP e a concretização de um quadro jurídico concreto, que acautele os direitos dos trabalhadores.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Consequentemente, iremos, de imediato, entregar na Mesa um projecto de resolução visando tal objectivo.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr; Presidente (Ferraz de Abreu): - Previno as pessoas que se encontram nas galerias a assistir a este debate que não podem manifestar-se. Segundo a regra da Assembleia, os cidadãos assistem aos trabalhos, ouvem, mas não podem manifestar-se.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cerqueira de Oliveira.

O Sr. Cerqueira de Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 241/VI (3.ª), da iniciativa da Comissão de Trabalhadores da EDP, pretende que «seja promovida uma discussão pública sobre as implicações inerentes à cisão da EDP em várias empresas e que seja criado um quadro legal que assegure os direitos dos referidos trabalhadores, reformados e pensionistas».
A reestruturação da EDP, de um ponto de vista formal, resulta do estabelecido no Decreto-Lei n.º 7/91 e foi desenvolvida tendo como referência o enquadramento legislativo definido nos Decretos-Leis n.ºs 99/91 e 100/91.
Reconhecendo-se que a EDP desencadeou o processo de reestruturação dentro do enquadramento legal referido, é evidente que o plano de reorganização proposto resultou da fixação de outros objectivos e de alguns pressupostos.
Em primeiro lugar, considerou-se que a EDP, na sua estrutura actual, deu cumprimento aos objectivos que presidiram à sua formação, nomeadamente: integração dos serviços de distribuição de energia e melhoria das respectivas redes; electrificação extensiva do território nacional; estabelecimento de um tarifário uniforme em todo o território nacional.
Quais, então, os grandes objectivos da reestruturação? Ei-los: a introdução de maior flexibilidade de gestão, através de uma maior autonomia das diferentes áreas da EDP (que se transformarão em empresas); a introdução de maior flexibilidade organizativa, sobretudo devido à menor dimensão e à maior capacidade de articulação com as outras empresas e com o seu próprio mercado; a introdução de algum grau de competição como forma de criar incentivos a uma actuação eficiente (caso de construção e operação de centrais); a introdução de condições para um melhor relacionamento com o mercado; antecipar os movimento de mudança que se verificam por toda a Europa, nomeadamente a intenção de criação do Mercado Interno de Energia através da proposta da Directiva da Directiva DG/XVII, da Comunidade; maior eficiência e produtividade; contribuir para uma melhor clarificação e distinção entre sector eléctrico e a EDP; contribuir para o fomento da diversificação de intervenção de agentes económicos no sector eléctrico, criando condições para um quadro de relações entre sectores mais transparente; criação de empresas regionais de distribuição, contribuindo para uma maior aproximação ao cliente, com os consequentes ganhos na melhoria da prestação de serviço; permitir manter as economias de escala e sinergias favoráveis, nomeadamente o tarifário nacional único, a manutenção das obrigações de serviço público, o cornando técnico centralizado do sistema (despacho nacional da rede produção/transporte), o planeamento centralizado, a manutenção dos «sistemas de gestão» com aplicação generalizada, como, por exemplo, o SEGEC - Sistema Empresarial de Gestão Comercial.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, as grandes áreas do sector eléctrico são a produção, o transporte e a distribuição.
Trata-se, na realidade, de três negócios distintos, não se reconhecendo a existência de ganhos de escala resultantes da exploração integrada dos três negócios, enquanto é evidente um aumento da complexidade de gestão, com perda de flexibilidade e de eficiência operacional.
A separação dos sectores de produção, transporte e distribuição, darão origem a seis grandes empresas: uma empresa de produção, que deterá todas as centrais actualmente propriedade da EDP e que se encontram ligadas à rede de transporte (com activos líquidos superiores a 1,2 milhões de contos); uma empresa de transporte, que deterá a rede de transporte e o despacho (com activos líquidos de cerca de 180 milhões de contos); quatro empresas de distribuição (Norte, Centro, Tejo e Sul), com activos líquidos de cerca de 350, 195, 233 e 165 milhões de contos, respectivamente.
Para além destas grandes empresas, serão criadas empresas de serviços, num total de cinco, que prestarão essencialmente serviços a todas ou a algumas das seis empresas núcleo base do sector.
Será criada, simultaneamente, uma Holding que deterá a 100 % ò capital das seis empresas operacionais que formarão o núcleo do sector. Por sua vez, estas seis empresas, juntamente com a holding, deterão, em proporções diversas, a totalidade do capital das empresas de serviços.
Nestes pressupostos - e embora o Governo possa considerar a alienação futura de 20 a 25 % da empresa de produção, como forma de dinamizar o mercado de capitais -, a empresa continuará, portanto, a ser detida maioritariamente pelo Estado e a sua condução operacional e estratégica continuará, por via accionista, a estar a cargo da holding, garantindo assim o Governo o controlo sobre este sector vital e estratégico.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir, pois esgotou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe a mesma benevolência que teve para com o Partido Socialista.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Já lha concedi, Sr. Deputado.

O Orador: - O facto de as empresas resultantes da reestruturação da EDP apresentarem características em termos de activos, situação líquida, volume de negócios e de rentabilidade que, naturalmente, as farão evoluir no grupo das empresas mais importantes em Portugal (seguramente no ranking das 50 maiores empresas), terão de per si todas as condições para possuírem uma adequada capacidade de investimento, bem como uma excepcional capacidade de acesso aos mercados financeiros, em condições, seguramente, das mais vantajosas dentro do universo das empresas portuguesas.
Com esta reestruturação haverá, indubitavelmente, um aumento da produtividade e da qualidade dos serviço prestado, bem como uma diminuição de custos.

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, chamo-lhe a atenção para o facto de ter de concluir a intervenção, porque já esgotou, largamente, o seu tempo.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

Com isto estarão garantidas as condições de manutenção da tarifa única e o aumento da eficiência permitirá a continuação da redução do valor real das tarifas, aproximando-as dos valores médios comunitários, contribuindo, assim, para a melhoria da competitividade das nossas empresas a nível internacional.
No que concerne aos direitos dos trabalhadores da EDP, eles serão totalmente garantidos quando da operação de cisão.
O Acordo da Empresa e o Estatuto Unificado da Empresa serão transferidos, no momento da cisão, para as novas empresas, salvaguardando-se, assim, os direitos dos trabalhadores, de acordo com o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essa é boa!... Por quanto tempo?

O Orador: - ... que diz: «Os trabalhadores e pensionistas da EDP mantêm todos os direitos, obrigações e regalias que detiverem à data da entrada em vigor daquele diploma legal, ou seja, na passagem da EDP, EP. para sociedade anónima.
É igualmente garantida a provisão total das responsabilidades cobertas pelo Fundo de Pensões,...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, agradecia que concluísse a sua intervenção, porque está a ultrapassar largamente o seu tempo, e a Mesa não pode ser mais benevolente do que já foi.

O Orador: - Um momento, Sr. Presidente.

... contemplando os trabalhadores no activo, reformados e pensionistas.
O valor total do Fundo é de 110 milhões de contos, estando cobertas, neste momento, cerca de 80 % das responsabilidades da empresa perante os seus trabalhadores e pensionistas.
Com isto, quer o Governo garantir que as empresas resultantes da reestruturação da EDP sejam flexíveis, eficientes, prestem melhor serviço e produzam e distribuam com custos inferiores aos actuais, prestando, assim, um melhor serviço às populações que delas beneficiam.
Esta é mais uma acção descentralizador do Governo, numa tentativa de acabar com a macrocefalia de Lisboa, onde durante muitos anos estiveram concentradas as administrações das grandes empresas, desfasadas, em muitos casos, das realidades locais e muito longe dos centros de produção e de principal actuação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso que fique bem claro que o Governo não quer destruir a EDP e que, pelo contrário, quer reestruturá-la de molde a que o grande beneficiado desta operação seja o povo português que, na generalidade, utiliza os seus serviços, sem esquecer os trabalhadores no activo ou reformados, que, ao longo de muitos anos, contribuíram com o seu trabalho e dedicação para o seu engrandecimento e afirmação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, confesso que não sou grande especialista em Regimento, mas tenho aqui assistido a coisas que me causam alguma estupefacção.
Há dois dias, pedi uma transferência de tempo e foi-me dito que as transferências de tempo estavam regimentalmente ou, pelo menos, contratualmente - e estou a referir-me à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares-, impedidas. Sucede que, ainda ontem, e julgo que hoje de manhã também, embora não tenha a certeza, assistimos a transferências de tempo.
Assim, gostava de saber quais são as regras definitivas da Câmara. São ou não permitidas transferências de tempo? É que o PSD ainda ontem cedeu ao Governo vários minutos para que pudesse continuar a intervir e, por isso, parecem-me existir aqui dois critérios... A não ser que se tenha aprovado uma norma específica para o debate de ontem! Mas, se foi assim, V. Ex.ª o esclarecerá.
Já agora, se me permitisse, Sr. Presidente, e independentemente da resposta que dar a esta primeira questão, gostava de referir que o que estava agora em apreciação era uma petição apresentada pelos trabalhadores da EDP.
O meu camarada Artur Penedos, em nome da bancada do Partido Socialista, tratou desse tema, mas, infelizmente, o Sr. Deputado do PSD Cerqueira de Oliveira não correspondeu exactamente ao que estava em questão...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, peço-lhe que se cinja à interpelação da Mesa.

O Orador: - É o que vou fazer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Parece-me que está a «interpelar» o Deputado que acabou de intervir.

O Orador: - Nesse caso, Sr. Presidente, retiro a observação sobre o Sr. Deputado e informo V. Ex.ª que o tema que acabou de ser tratado irá ter seguimento, na medida em que vamos pedir uma audição parlamentar - aliás, como foi anunciado pelo Sr. Deputado Artur Penedos -, a realizar, seguramente, no âmbito da Comissão de Economia, Finanças e Plano e da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa ficou um pouco perplexa com a sua interpelação, porque não sabe se estava a defender a cedência de tempo pelo CDS-PP ao Deputado Cerqueira de Oliveira. Se era isso, devo dizer-lhe que a Mesa não aceitou a cedência e interrompeu várias vezes o orador, chamando-o à atenção para o facto de já haver esgotado o seu tempo.
Apenas por uma questão de delicadeza, não quis tirar a palavra ao Sr. Deputado Cerqueira de Oliveira, mas o que é certo é que o preveni várias vezes e apercebi-me de que passou à frente de uma ou duas páginas da sua intervenção.
Portanto, não aceitámos a cedência de tempo, até porque, em matéria de petições, essas cedências não são admitidas, a não ser que sejam previamente combinadas e aceites na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Para este debate, foi programada uma grelha que estabeleceu o tempo de cinco minutos para cada grupo parlamentar. Se o CDS-PP não quis intervir, paciência, o que não pode é ceder o seu tempo.

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O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Então, tenho de concluir que as cedências que ocorreram ontem ou foram combinadas em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, e não tinha conhecimento disso, ou foram anti-regimentais!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, as cedências de ontem não foram feitas em sede de debate de petições!

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Leia o Regimento!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, antecipadamente, peço desculpa pelas palavras que vou proferir, mas não posso deixar de manifestar alguma surpresa perante a situação que nos está a ser colocada neste momento. É que não se consegue compreender a posição do Partido Socialista, porque, efectivamente, acabou de fazer quatro intervenções.
O Regimento da Assembleia da República, nesta matéria, é claro e refere que o relator tem a palavra para fazer a apresentação sintética do relatório.
Neste caso, o relator, do Partido Socialista, acabou por fazer duas intervenções, ou seja, fez uma intervenção sobre a EDP e, seguidamente, leu o relatório.
Posteriormente, o Deputado Artur Penedos, sabendo que estavam estipulados cinco minutos, excedeu o tempo em 2.2 minutos, conforme se pode confirmar no quadro de tempos.
Ora, o Sr. Deputado do PSD foi interpelado duas vezes pelo Sr. Presidente, a primeira das quais ainda muito antes de exceder o seu tempo em 2.2 minutos. Aliás, a diferença que se verifica entre o PS e o PSD, em termos de tempo, conforme consta do quadro, é de 0.8 minutos.
Sr. Presidente, não poderia deixar de fazer esta interpelação, para que constasse da acta da reunião, pese embora me custar fazê-la perante V. Ex.ª.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, o senhor tem o direito de se pronunciar e de dizer o que quiser, mas tem de reportar-se à verdade dos factos.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado relator foi advertido pela Mesa de que tinha de cingir-se ao relatório da Comissão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Em segundo lugar, quando o Sr. Deputado Artur Penedos estava a intervir, foi advertido pela Mesa a propósito do excesso de tempo. E tal como fiz com o Sr. Deputado do PS, também adverti o Sr. Deputado do PSD, mas deixei-o concluir a sua intervenção.
Por isso, Sr. Deputado António Vairinhos, não tem qualquer razão para se queixar. O Sr. Deputado quis apenas falar para que constasse da acta, mas também vai ficar em acta que não tem qualquer razão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª, no cumprimento rígido do Regimento da Assembleia da República, não permite a transferência de tempos, tenho muita pena, porque o espírito é não perder tempo, e acabámos por perdê-lo com um incidente alheio à EDP, quando havia questões pertinentes a colocar sobre a situação da empresa.
Sr. Presidente, lastimo, mas V. Ex.ª está no correcto cumprimento do Regimento da Assembleia da República.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, todos somos escravos do Regimento, embora a Mesa, como sempre, tenha uma certa benevolência relativamente à ultrapassagem dos tempos.

Vou dar por encerrado o debate relativo a esta petição, uma vez que não há mais inscrições. Naturalmente, a Mesa, de acordo com os normas regimentais, dar-lhe-á seguimento e aproveita, desde já, para anunciar que recebeu um projecto de resolução sobre a cisão e a privatização da Electricidade de Portugal, o qual será agendado para momento oportuno.

Neste momento, registaram-se protestos de público presente nas galerias.

Srs. Guardas, façam o favor de evacuar as galerias. Pausa.

Srs. Guardas, devem deixar permanecer as pessoas que vieram assistir ao debate das petições que se seguem.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos iniciar o debate da petição n.º 218/VI (2.ª), apresentada por Rosa Maria Teixeira Ribeiro, solicitando a urgente reformulação da estrutura consular, a difusão da cultura e língua portuguesas junto das comunidades portuguesas no estrangeiro, bem como a promoção de um debate nacional sobre a política de emigração.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição que estamos a apreciar foi subscrita por mais de 6500 emigrantes com residência na Europa, mas dela se pode dizer que expressa o protesto e legítimas reivindicações dos trabalhadores da diáspora portuguesa.
O relatório da Comissão de Petições, aprovado por unanimidade, reconhece o óbvio. Passo a sintetizar. Os peticionantes apresentam, entre outras, as seguintes reivindicações: a reforma dá estrutura consular e a criação de um serviço de apoio jurídico; uma política de promoção real da cultura e da língua portuguesas, que assegure de maneira séria o ensino do nosso idioma no estrangeiro; o apoio concreto às associações portuguesas e um diálogo permanente e democrático com os organismos representativos das comunidades; a realização de um debate nacional sobre a política de emigração.
Sr. Presidente, o actual Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas informou, ao tomar posse, que iria proceder a mudanças importantes na sua área. Havia consenso quanto à quase impossibilidade de uma política pior do que a desenvolvida pelo seu antecessor. Entretanto, transcorridos dois anos, nada se fez.
A reforma dos serviços consulares avançou apenas no terreno da propaganda. As carências existentes, a principi-

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ar pela situação dos trabalhadores consulares, persistem. Em alguns casos agravaram-se. A extinção do Instituto de Apoio à Emigração, por exemplo, abriu um vazio cujas consequências afectam centenas de milhares de portugueses, nomeadamente os impropriamente definidos como cidadãos comunitários.
Tivemos este ano exemplos expressivos do tipo de apoio que as missões oficiais portuguesas no estrangeiro prestam aos trabalhadores em situações difíceis, quando, em França, foi promulgada a chamada Lei Pasqua, que veio facilitar a expulsão de emigrantes desempregados, e quando, na Alemanha, repetidamente, trabalhadores portugueses foram agredidos por grupos neo-nazis. No primeiro caso não houve sequer protesto, no segundo, a embaixada, em Bonn, emitiu uma tímida nota verbal, ou seja, um reparo envergonhado. Isto, num momento em que a própria imprensa alemã revela que os autores da chacina de mulheres e crianças turcas, em Solingen, foram treinados e formados numa escola dirigida por Bernd Schmidt, membro da polícia política alemã.
Srs. Deputados, no sector do ensino as coisas somente não continuam na mesma porque pioraram. Aos apelos da emigração, no sentido de uma ampliação do número de cursos e de professores, o Governo «Cavaco» respondeu reduzindo ambos. A situação criada é indecorosa. Os novos tectos mínimos levaram ao encerramento de cursos e, como se isso não bastasse, em alguns estabelecimentos, adolescentes com níveis de escolaridade e idades muito diferentes foram colocados na mesma sala de aula.
Existe, porventura, algum projecto para acabar com essa situação caótica? A resposta é negativa e para o próximo ano lectivo não há mudanças previstas.
Quanto ao Instituto Camões, mítica instituição cujo nome serviu para uma propaganda torrencial, continua a ser um fantasma. Só existe no papel.
Srs. Deputados, ao suprimir o Conselho das Comunidades, o Executivo fechou o único espaço de diálogo de que os emigrantes dispunham para discutir os seus problemas.
O Governo confirmou temer o diálogo democrático com os portugueses da emigração- gente abandonada à sua sorte, mas muito incómoda, porque não aceita ser tratada como rebanho considerado útil só porque envia, anualmente, para o país mais de 600 milhões de contos, indispensáveis para tapar o buraco da balança de transacções correntes.
Para simular a substituição do insubstituível, o Governo criou os chamados Conselhos de País. Dessas instituições muito tem falado a propaganda oficial.
Ninguém conseguiu definir melhor a função instrumental que desempenham do que o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. Ao discursar no dia 10 de Junho, em Bruxelas, afirmou textualmente que «O Conselho de País não está vocacionado para ser uma entidade reivindicativa. Existe para que as autoridades possam levar às comunidades preocupações e anseios do próprio Governo e da Embaixada».
Srs. Deputados, encontramos nesta florida definição do papel atribuído pelo Governo aos Conselhos de País uma radiografia nítida da política de emigração do «cavaquismo». Um ministro de Salazar certamente a aprovaria.

Risos do Deputado do PSD Paulo Pereira Coelho.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Até hoje, o Governo não cumpriu a sua promessa de convocar o Congresso das Comunidades. Porquê? Porque teme a condenação da sua política de emigração pelos representantes dos portugueses da diáspora.
O Grupo Parlamentar do PCP, solidário com o conteúdo da petição em apreço, pensa, como os signatários, ser importante e urgente a realização de um debate nacional sobre a política de emigração.
Na fidelidade a esse espírito e como contribuição para o aprofundamento de alguns dos temas abordados na petição, o nosso grupo parlamentar propôs já à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação que promova, na próxima sessão legislativa, um simpósio sobre a temática da difusão no estrangeiro da língua e da cultura portuguesas. Essa proposta foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, identificamos nessa iniciativa uma contribuição para o debate nacional sobre a política de emigração, objectivo maior da petição que apreciamos.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 218/VI, subscrita por mais de 6500 portugueses residentes no estrangeiro e por largas dezenas de funcionários consulares e das missões diplomáticas portuguesas no estrangeiro, como já foi aqui afirmado, consubstancia essencialmente quatro pontos: a reestruturação consular, a defesa do ensino da língua e da cultura portuguesas, a defesa dos movimentos associativos e um debate global sobre a política de emigração.
No que diz respeito à reestruturação consular, trata-se de uma velha aspiração dos nossos compatriotas residentes no estrangeiro, aliás, por várias vezes reivindicada pelas estruturas representativas dos movimentos associativos.
Muitas promessas, mas uma reforma sempre adiada. Basta dizer que o regulamento consular data de 1920, não tendo havido até hoje melhorias sensíveis, nem qualquer proposta de alteração. Aliás, nem mesmo a recente Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros prevê mudanças substanciais no que diz respeito às nossas chancelarias e aos nossos consulados.
Assim sendo, exige-se uma reformulação imediata, pois os nossos consulados têm de responder às exigências da sociedade dos nossos dias. E verificamos que o funcionamento consular é semelhante ao de 1920 e ao do século passado.
Neste Plenário, durante a discussão do Orçamento do Estado, foi prometida a informatização dos consulados. Pasme-se: até este momento, não há nenhum consulado português que esteja completamente informatizado. Funciona-se, nos consulados, para um atendimento de milhares de dezenas de compatriotas, como se funcionava no século passado.
Por tudo isto, é urgente exigir-se uma reformulação e uma nova lei para a reestruturação consular, bem como para o redimensionamento de uma nova rede consular.
No que diz respeito ao apoio jurídico e social, verifique-se que dos 17 consulados, 4 gerais e 7 honorários que existem em França, só dois consulados gerais têm apoio jurídico e social.
Ora, sabendo que residem em França cerca de l milhão de compatriotas nossos, verificamos que é muito pouco ou quase nenhum o apoio social e o apoio jurídico que exis-

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te. Isto para não dizer o que se passa nos outros consulados gerais espalhados pelo mundo, onde o apoio jurídico e o apoio social são nulos.
No que diz respeito à modernização do atendimento, uma das reivindicações de seis mil e tal peticionários, verificamos que também ela é muito rudimentar, exigindo uma alteração significativa.
Mas o que, de facto, nos surpreende a todos é que cerca de 1600 funcionários consulares e das missões diplomáticas portuguesas espalhadas pelo mundo não tenham vínculo jurídico ao Estado, pois a sua grande maioria é recrutada localmente.
A esta situação foi bem sensível o Dr. Jaime Gama, quando foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, ao entabular um diálogo com o Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas Portuguesas (STCDE), por forma a encontrar um estatuto ou um vínculo jurídico entre os actuais assalariados e o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Nove anos passados, o referido Ministério, com má vontade e má fé, não quer pôr em prática o Decreto-lei n.º 451/85, que imediatamente tentou revogar com o Decreto-Lei n.º 500-B/85, que esta Assembleia, mediante a Resolução n.º 7/86, não conseguiu pôr em prática, mantendo-se desta forma em vigor o mencionado Decreto-Lei n.º 451/85.
Repito, durante nove anos, o Ministério dos Negócios Estrangeiros tentou dilatar no espaço e no tempo a aplicação deste diploma, o qual urge pôr em prática o mais rapidamente possível, porque os funcionários consulares e das missões diplomáticas continuam dependentes da boa fé do chefe da missão diplomática e quando são despedidos sem justa causa não têm qualquer vínculo jurídico ao Estado.
No que diz respeito à defesa do ensino, da língua e da cultura portuguesas, também já aqui foi dito que o Ministério da Educação- ou o Instituto Camões, hoje, responsável por esta área-, em vez de alargar o ensino do português no estrangeiro, fecha escolas exigindo um elevado número de alunos para que novos estabelecimentos de ensino sejam abertos.
Pela primeira vez, assistimos no verão passado a uma manifestação, junto do Ministério da Educação, de encarregados de educação e de alunos exigindo mais professores e escolas para a segunda e terceira gerações. A esta atitude, respondeu este Governo fechando escolas e suprimindo professores!
No que diz respeito ao Instituto Camões, criado pelo Decreto-Lei n.º 135/92, de 15 de Julho, até hoje - e já decorreram quase dois anos -, ainda não foi criada uma única delegação no estrangeiro deste Instituto. De facto, para este Governo, o ensino, a língua e a defesa da cultura portuguesas não constituem prioridades como se verifica na prática.
Quanto ao movimento associativo, representado pelo Conselho das Comunidades Portuguesas e criado pelo Decreto-Lei n.º 373/80, de 12 de Setembro, seja-me permitido fazer aqui uma referência ao papel positivo desempenhado pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, ex-Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas. É justo que saliente, no Plenário, o papel positivo e o diálogo travado entre estas comunidades e a ex-Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas Manuela Aguiar, o que contrasta com a política levada a cabo pelos que lhe sucederam nesse cargo, Correia de Jesus e Luís Macedo, que têm levado a cabo uma política de emigração desastrosa.
No âmbito do movimento associativo, havia um critério democrático de representatividade...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino de seguida, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, o Decreto-Lei n.º 373/80, de 12 de Setembro, estabelecia um critério de democraticidade na representação dos nossos compatriotas. O que fez o Governo, então? Substituiu este diploma pelo Decreto-Lei n.º 101/90, de 21 de Março, segundo o qual é o embaixador que nomeia os representantes dos movimentos associativos e dos representantes dos nossos compatriotas junto da embaixada e do Governo. De referir que, a esta governamentalização, diversos abaixo-assinados têm chegado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros bem como a esta Assembleia.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

Finalmente, exigem os peticionários a realização de um debate sobre a política global de emigração, desafio que iremos fazer à bancada do PSD para que seja posta a nu a verdadeira política que este Governo tem levado a cabo no que diz respeito às comunidades portuguesas. Há dias, na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação sugeri este debate, cuja realização é urgente para que não haja mistificações sobre a política de emigração e até por constituir uma exigência das comunidades portuguesas. Assim, o Governo e a bancada do PSD queiram dar resposta a este grande desafio!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição em apreço leva-nos, em primeiro lugar, a saudar esta iniciativa, pois entendemos que todas as oportunidades que surjam para, nesta Casa, podermos discutir e reflectir sobre a causa das comunidades portuguesas são bem-vindas, independentemente do seu conteúdo. Permite, por outro lado, que possamos chamar a atenção para alguns problemas que afectam as referidas comunidades e com isso interessar maior número de entidades, sensibilizando-as para colaborarem mais activamente na resolução dos mesmos.

No que concerne à petição n.º 218/VI (2.ª), podemos concluir que algumas das questões expostas já estão ultrapassadas no tempo pois, como se constata pelo relatório aprovado, por unanimidade, em sede de Comissão de Petições, alguma legislação entretanto publicada pretende responder a essas questões, como sejam os Decretos-Leis n.ºs 135/92, de 15 de Julho, que criou o Instituto Camões, e 53/94, de 24 de Fevereiro, que criou a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas.
Estas medidas inserem-se na linha orientadora da política externa definida no Programa do Governo de que destacamos o seguinte texto: «As comunidades portuguesas constituem hoje um elemento estrutural da Nação portuguesa, revestem-se de significativa importância na definição da nossa política externa, desempenham um papel relevante na afirmação de Portugal no mundo e gozam de um crescente prestígio nas sociedades de acolhimento».
Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto ao Instituto Camões, insere-se no reconhecimento por parte do Governo a necessidade de dotar o Estado de um instrumento adequado à difusão e defesa da cultura e da língua portuguesas em todo o mundo. No entanto, o Instituto Camões tem

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como prioridades assumir responsabilidades em duas áreas classificadas como estratégicas: as Comunidades Portuguesas e a cooperação com os PALOP. É nosso entendimento que tais orientações são adequadas pois enquadram-se nas linhas estratégicas da política externa definidas pelo Governo e que pensamos serem consensuais.
Com a integração deste Instituto na tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros, pensamos que os objectivos atrás descritos serão mais facilmente atingidos pelo que existe a fundada esperança de que, em breve, o Instituto atinja aquilo a que poderemos chamar «velocidade de cruzeiro». E que, até final do ano, as delegações do Instituto estarão já instaladas nalguns países que só não foram mais rapidamente contemplados por questões burocráticas e políticas ligadas à falta de estabilidade.
Cumpre ainda esclarecer que, no caso particular do ensino do português em França, este tem sido assegurado como língua de opção no sistema oficial, o qual está dotado de 300 docentes aproximadamente. Aliás, entendemos que esta matéria é demasiado séria para uma análise simplista sobre se há poucos ou muitos professores, poucas ou muitas turmas, porque os problemas que se prendem com esta questão vão muito para além disso e exigem ponderação e responsabilidade nas medidas a tomar.
Por outro lado, a instalação do Instituto Camões em França só não é uma realidade por questões burocráticas inultrapassáveis, como sejam as relacionadas com o visto do Tribunal de Contas.
É justo realçar que a actividade do Instituto Camões já compreende acções de alguma relevância como, por exemplo, a instalação de leitorados, a concessão de bolsas e o patrocínio de actividades de índole cultural.
Neste contexto de defesa da cultura e língua portuguesas é de referir a acção da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas que resulta na concessão de apoios específicos a organismos representativos das Comunidades Portuguesas e a luso-descendentes, que também atribui bolsas de estudo para cursos de verão, promove o programa de classes transplantadas, visitas de estudo, colónias de férias, apoio a escolas portuguesas no estrangeiro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a criação da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas vem de encontro ao objectivo de congregar na mesma estrutura o tratamento das questões de natureza consular, nomeadamente, a gestão dos postos consulares e dos assuntos inerentes à coordenação, orientação e execução das políticas de apoio às Comunidades Portuguesas no estrangeiro.
Pretende-se que os consulados desenvolvam uma actividade integrada de modo a estarem aptos para responder adequadamente às solicitações dos nossos compatriotas que os procuram, não sendo meras repartições viradas para actos notariais e de registo.
No âmbito desta direcção-geral, foi criada a Divisão dos Postos Consulares à qual compete estudar, acompanhar, e propor o redimensionamento e eventual reestruturação da rede consular existente.
É firme propósito do Governo dotar os consulados de mais e melhor equipamento, bem como formar profissionalmente o pessoal que neles presta serviço. É assim que, até ao final do corrente ano, o Consulado Geral de Paris e os Consulados de Nogent-sur-Marne e de Versailles serão informatizados e que até final de 1995 mais 18 consulados receberão tal melhoramento para se atingir a sua totalidade até ao ano de 1998. De referir ainda que este programa conta com 1,2 milhões de contos co-financiados pelo FEDER.
É óbvio que a informatização traz todo um sem número de serviços que poderão vir a ser prestados e que agora se tornam de todo impossível por razões óbvias. Complementarmente, estão a ser feitos estudos visando a revisão do regulamento consular de modo a permitir a reformulação das funções consulares em matéria comercial, de investimentos, de turismo, cultural, eleitoral, etc..
Sr. Presidente e Srs. Deputados, por último, referencio o projecto de decreto-lei que cria o centro emissor de bilhetes de identidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que se encontra em apreciação nesta Casa na Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados e que já tem instalações e pessoal adequado para funcionar em pleno logo que seja publicado o referido diploma, passando os bilhetes de identidade a serem emitidos num período que se estima entre 15 a 45 dias, evitando-se desta forma os longos períodos de espera que tanto têm desesperado os nossos compatriotas.
A tarefa de resolver os problemas que afectam as Comunidades Portuguesas é de facto ciclópica e, como tal, exige ampla participação e consciencialização de todos os agentes públicos e privados, pois os portugueses espalhados pelo mundo merecem o nosso respeito e estima, dado serem eles os verdadeiros embaixadores do Portugal que somos, honrando o nosso nome com a postura de trabalho, de competência e de dedicação de que constantemente dão testemunho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, não havendo pedidos de palavra, considero encerrado o debate da petição n.º 218/VI (2.ª).

Vamos iniciar a discussão da petição n.º 255/VI (3.ª) - Apresentada por Alberto da Silva Costa e outros, solicitando que a Assembleia da República aprecie em Plenário a questão da manutenção do Centro de Controlo Oceânico e respectivos serviços de tráfego aéreo no aeroporto da ilha de Santa Maria, nos Açores.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: A petição subscrita em primeiro lugar pelo Presidente da Câmara de Vila do Porto, hoje em apreciação nesta reunião plenária, ao assentar numa base tão ampla e significativa de apoios expressos, encontra-se legitimada pelos principais detentores do poder político democrático da Região Autónoma dos Açores que quiseram emprestar-lhe o mais elevado grau de representatividade formal e política. Ela conseguiu reunir também a adesão de homens e mulheres oriundos de todas as ilhas dos Açores, de todas as opções político-partidárias, desde o mais humilde cidadão até àqueles que exercem as funções de topo na hierarquia regional.
Esta peculiar e livre expressão de solidariedade significa um reconhecimento claro da justeza da pretensão do povo mariense e representa a melhor resposta a uma manifestação de centralismo político que, em violação de princípios constitucionais e de forma arbitrária, atenta contra os direitos de uma comunidade que a condição de isolamento, a extrema condição de periferia e a pequena dimensão tomam especialmente vulnerável.
A iniciativa que agora é trazida à consideração da Assembleia da República surge no momento decisivo de uma árdua luta onde estiveram sempre, lado a lado, os cidadãos

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que, desde a vigência do regime autonómico, têm exercido funções institucionais de representação democrática do povo da primeira ilha da descoberta dos Açores. É mister que se lhes preste uma homenagem por se terem recusado conformar com os sinais dados pelos arautos da capitulação e se mantêm unidos em torno do propósito inabalável de tudo fazerem em prol do progresso da sua terra.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o escasso tempo regimental que me é atribuído não permite a apresentação, em detalhe, do historial de um processo que liga a ilha de Santa Maria, e a sua população, aos serviços que, desde 1946, são prestados por Portugal à aviação mundial no Atlântico Norte a partir dessa extraordinária estrutura aeronáutica que é o aeroporto de Santa Maria.
Pela mesma razão, teremos de restringir o grau de aprofundamento dos temas que gostaríamos de submeter à apreciação da Assembleia relativamente aos factos que, por acção ou por omissão de governos e da empresa pública Aeroportos e Navegação Aérea, ANA, E.P., determinaram o agudizar do afrontamento contra uma comunidade insular em estado de desertificação latente. Mas a severidade da limitação do tempo não impede que produza algumas considerações breves sobre a problemática do centralismo e das anomalias que introduz na vida em sociedade.
O exercício do poder político em desrespeito pelo princípio da descentralização representa uma perversão no funcionamento do Estado de direito democrático. Não é motivo de vanglória reconhecermos que, em Portugal, se ofendem com frequência excessiva direitos que o regime democrático estabelece na Constituição e na lei, não só os que têm em vista garantir o regular funcionamento das instituições do poder local e regional, mas também aqueles que asseguram aos cidadãos, sem discriminações, a indispensável cooperação do Estado nas tarefas de desenvolvimento económico e social.
O caso particular e grave que consubstancia o tema deste debate - nomeadamente, a iminente transferência para Lisboa dos, serviços do Controlo Oceânico de Tráfego Aéreo, presentemente sediados em Santa Maria - constitui prova bastante do incumprimento inequívoco da obrigação constitucional imposta ao Governo de promover o desenvolvimento económico e social das regiões autónomas com o objectivo especial de superar ou atenuar as desigualdades derivadas da insularidade.
Estamos, de facto, perante um problema que subsiste por razões de ordem política decorrentes da lógica concentracionária do comportamento centralista do Governo e cuja solução depende exclusivamente da sua vontade.
Por isso se esperam, a curto prazo e na sequência deste debate, a assunção de medidas concretas que invertam a tendência subjacente a um indisfarçável objectivo de desinvestimento público por parte do actual Governo em áreas essenciais ao desenvolvimento dos Açores.
Quer-se afinal e tão-somente, à luz dos direitos consagrados na Constituição, a concretização efectiva de políticas de âmbito nacional norteadas pelo respeito dos princípios da solidariedade e da coesão nacional.
É neste contexto que se exige, com prioridade, ao Governo a definição urgente de uma política de investimento público na Região Autónoma dos Açores que se traduza, desde logo - e pelas razões expostas no texto e nos anexos da petição -, na manutenção do Centro de Controlo Oceânico e respectivos serviços de tráfego aéreo no aeroporto da ilha de Santa Maria.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é esta a primeira vez que o Partido Socialista levanta uma voz de protesto perante a facilidade com que o Governo se exime da responsabilidade de definir os objectivos e a estratégia para uma importante empresa pública.
No caso da ANA, E.P., a quem o Governo da República atribuiu responsabilidade exclusiva pela tomada de decisões numa base puramente comercial, tem sido sistemática a postura dos dirigentes socialistas de denúncia e de protesto contra as arbitrariedades cometidas, atitude que nesta ocasião reitero com firmeza na defesa dos lesados interesses de Santa Maria e da Região Autónoma dos Açores.
Para o PS, são inaceitáveis os argumentos artificiosos veiculados pelo Conselho de Gerência da ANA, E.P., que pretendem desviar para o domínio das opções técnicas e da racionalização de meios o fulcro de uma medida empresarial que, se for definitivamente implementada, para além de provocar um impacto brutal na Ilha de Santa Maria, em termos sociais e económicos, terá ainda como consequência a desactivação de infra-estruturas e de equipamentos úteis existentes no seu aeroporto internacional, bem como o desaproveitamento das vantagens decorrentes de uma localização atlântica privilegiada, o que conduzirá à desvalorização da posição de Portugal no âmbito da prestação de serviços de controlo de tráfego aéreo no Atlântico Norte.
A transferência de Santa Maria para Lisboa do Centro de Controlo Oceânico é, pois, contrária aos interesses de Portugal!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, convirá salientar, de forma resumida, alguns dos pormenores mais relevantes ao esclarecimento de uma situação que o condicionamento temporal deste debate não permite aprofundar.
Começo por referir que a prestação dos serviços de controlo de tráfego aéreo, no Atlântico Norte, se encontra delegada nos seguintes cinco Estados: Islândia, Canadá, Reino Unido, Estados Unidos da América e Portugal.
A parte do Atlântico Norte à responsabilidade de Portugal, desde 1946, é designada por Região de Informação de Voo (RIV) de Santa Maria e, dentro desta região, para efeitos de prestação de serviços de controlo de tráfego aéreo, constituíram-se duas regiões: a Região de Controlo Oceânico e a Região de Controlo Terminal (TMA).
O Centro de Controlo de Tráfego Aéreo para estas regiões, bem como os serviços de comunicações e apoio necessários, funcionam na ilha de Santa Maria há quase meio século. Apesar da política de desinvestimento já aludida, estes serviços têm recebido ao longo dos anos os maiores elogios da comunidade internacional pela sua eficiência.
Por despacho conjunto do Ministro da República, do Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes e do Presidente do Governo Regional, publicado no Diário da República de 28 de Abril do ano de 1983, ficou determinado manter estes serviços na ilha de Santa Maria, bem como a sua consequente modernização, a qual se designou, na altura, Projecto NAV II e hoje se denomina Projecto Atlântico.
Essa determinação legal nunca foi cumprida pela ANA, E.P., o que suscitou desde essa data o protesto insistentemente repetido - mas sem lograr êxito - dos órgãos mais representativos da região autónoma e da ilha, designadamente, a Assembleia Legislativa Regional, a Assembleia Municipal e a Câmara Municipal de Vila do Porto.
Na ausência de diálogo entre as partes interessadas - e contrariando o despacho conjunto de 1983 -, com a aprovação superior do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, em Fevereiro de 1988 foi tomada a decisão de instalar um novo Centro de Controlo Oceânico para a Região de Santa Maria junto do actual Centro de

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Controlo Regional de Lisboa, alegadamente, para satisfazer as condições técnicas e operacionais exigidas pelo futuro sistema de navegação aérea.
Perante a nova onda de fundamentados protestos das entidades oficiais de Santa Maria, não se estabeleceu um diálogo franco e aberto entre as partes interessadas que rasgasse caminho ao encontro de soluções que evitassem o desabar de uma crise que poderia pôr em causa o futuro da comunidade mariense. Até hoje, se houve algum diálogo, não houve com certeza qualquer resultado útil.
De nada tem servido o esforço posto na demonstração que as alegadas justificações técnico-profissionais produzidas pela ANA, E.P., carecem de consistência e de fundamentação verdadeira. A título de exemplo, bastará mencionar um detalhe que revela um limitado conhecimento por parte da empresa pública ANA, E.P., relativamente a alguns dos actuais aspectos operacionais da Região de Informação de Voo de Santa Maria.
O argumento apresentado por responsáveis da empresa de que, tal como se verifica nos centros oceânicos de Nova Iorque, Gander e Shanwick, o Centro Oceânico de Santa Maria deverá também ser localizado na sua região costeira contígua- isto é, em Lisboa-, para melhoramento do interface oceânico e continental, é apenas justificável para o tráfego que transita de e para as RIV de Lisboa e Madrid, o que representa somente 25 % de todo o tráfego que opera na RIV de Santa Maria.
Com este pseudo-argumento esquece-se os cerca de 20 % - e que por vezes ultrapassa os 30 % - de tráfego que transita de e para a Região Terminal de Santa Maria e que já hoje beneficia a interface oceânica e regional com a localização do Centro Oceânico nos Açores.
E se ainda juntarmos o tráfego de e para a TMA de Santa Maria com aquele, cujo fluxo de tráfego se cruza muito próximo da TMA, numa zona em que se justificaria a efectivação de cobertura de radar, cai por base a argumentação a favor da localização do controlo oceânico na sua zona costeira contígua.
Acresce, ainda, que o tráfego existente dentro da RIV de Santa Maria apresenta características de fluxo completamente distintas das oceânicas de Nova Iorque, Gander e Shanwick.
Hoje o fluxo de tráfego cruzado proveniente da área de Shanwick é maior do que o fluxo referente à Península Ibérica, facto que deve ser tomado em conta na escolha da localização do Centro de Controlo Oceânico, e cuja ponderação poderá justificar a existência de uma cobertura de radar duma vasta área do Atlântico a partir do arquipélago dos Açores.
Limitamo-nos a este exemplo, porque outros poderiam ser apresentados, designadamente os que permitiriam demonstrar que se desperdiçarão muitos milhões de contos com a eventual transferência para Lisboa do Centro de Controlo Oceânico de Santa Maria.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazemos sinceros votos de que, finalmente, o Governo assuma responsabilidades directas com vista à adopção de uma estratégia correctiva que, neste domínio, salvaguarde os interesses nacional e regional, e elimine os factores de pressão introduzidos por lobbies que comprovadamente ignoram a realidade insular e, na defesa de interesses inconfessáveis, teimosamente fazem avançar o processo numa direcção desastrosa não só para Santa Maria mas também para o todo nacional.
O debate que aqui estamos a fazer deve dar prova urgente da vontade política para se encontrar uma solução justa e deverá, ainda, indiciar as acções necessárias que, no âmbito das competências da Assembleia da República, possam contribuir para devolver aos actuais residentes e naturais da ilha, bem como às gerações vindouras de marienses, a esperança de poderem viver na sua terra com dignidade e de aspirarem a um futuro de progresso e de bem-estar.
Nós, os Deputados eleitos pelo povo dos Açores que subscrevemos esta petição, devemos honrar de forma especial este compromisso!

Aplausos do PS, do PSD e do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 255/VI (3.ª) foi subscrita por 5730 cidadãos açorianos à cabeça dos quais surgem as assinaturas do Presidente da Câmara de Vila do Porto, em Santa Maria, e respectiva vereação cuja presença saudamos, do Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e de todos os seus Deputados, do Presidente do Governo Regional dos Açores e de todos os seus membros e dos cinco Deputados eleitos pelos Açores à Assembleia da República.
Só um problema de profunda magnitude social e até política podia congregar estas entidades democraticamente eleitas, mas ideologicamente díspares, em torno de um objectivo que aglutina, inequivocamente, os açorianos contra atitudes centralistas da empresa pública nacional Aeroportos e Navegação Aérea (ANA, E.P.) a qual, em nome de imperativos técnicos supostamente insuperáveis, tem ostracizado deliberadamente os Açores nos seus planos de modernização e de investimento.
Pretende a ANA, E.P. transferir para Lisboa o Centro de Controlo Oceânico de Tráfego Aéreo sediado desde 1946 no aeroporto de Santa Maria, um dos maiores do mundo, e construído precisamente por causa da sua estratégica localização atlântica.
O assunto arrasta-se há 10 anos devido a pressões intoleráveis da ANA, E.P. e de hesitações lamentáveis da administração central. Despertaram-se inquietações familiares e incertezas profissionais perturbadoras de um bom ambiente de trabalho nas cerca de 600 pessoas, entre funcionários e familiares, que constituem cerca de 10 % da população da ilha de Santa Maria.
Ora, estes cidadãos são precisamente aqueles que têm mais peso económico já que contribuem significativamente com cerca de 50 % para o PIB de 3,6 milhões de contos de Santa Maria.
Obviamente que a sua retirada forçada lançaria a economia mariense num preocupante processo de enfraquecimento com nefastas consequências para o seu frágil tecido económico desde sempre muito dependente dos serviços aeroportuários geradores de emprego e de animação social.
Em 1983, era Primeiro-Ministro o Dr. Francisco Pinto Balsemão, as reclamações das autoridades regionais foram atendidas pelo Governo da República perante os planos da ANA, E.P., em retirar de Santa Maria o Projecto NAV II hoje designado Projecto Atlântico e que consiste na modernização, em equipamentos, do Centro de Controlo Oceânico.
No Dia 28 de Abril de 1983, foi mesmo publicado na II Série do Diário da República um despacho conjunto assinado pelo Ministro da República Conceição e Silva, pelo

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Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes, Viana Batista e pelo Presidente do Governo Regional, Mota Amaral. Esse despacho determinava a continuação do Centro de Controlo Oceânico em Santa Maria, incumbindo a ANA, E.P., de proceder com urgência às diligências necessárias para adquirir e instalar o respectivo equipamento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, volvidos 11 anos, e não obstante insistentes reclamações das autoridades regionais junto do Ministério da tutela, as sucessivas administrações da ANA, E.P., não cumpriram esse despacho e, desafiando as mais elementares regras do Estado de Direito, contestam-no abertamente com palavras e actos, a nosso ver, irresponsáveis.
Por exemplo, a política de recrutamento de pessoal tem sido a de admitir o menos possível cidadãos açorianos, apesar dos valiosos serviços que os técnicos açorianos têm prestado à ANA, EP, e à aviação mundial, serviços, aliás, elogiados pela comunidade internacional em documentos que os peticionários juntam à sua petição.
Houve também uma estranha e contraditória política de desinvestimento nos serviços da ANA, EP, em Santa Maria.
Então, se havia compromissos internacionais para que Portugal se modernizasse em matéria de controlo de tráfego aéreo no Atlântico Norte, sob pena de ser gravemente responsabilizado em caso de inércia, como se compreende que a ANA, EP, não tenha agido em conformidade e dotado Santa Maria com os novos equipamentos do Projecto NAV II?
A resposta, para prejuízo dos marienses e de Portugal, tornou-se muito clara, infelizmente. A verdade é que as sucessivas administrações da ANA, EP, cederam a grupos de pressão internos, cujo capricho principal é confundir Portugal com Lisboa. Vai daí, foi criado deliberadamente um facto consumado de carência tecnológica em Santa Maria para justificar a transferência para Lisboa, com prejuízo económico para a empresa.
A instalação em Lisboa do Projecto Atlântico implicará a construção de uma nova "Estação Aeronáutica", que custará milhões de contos e cujo tempo de vida útil expira no ano 2015.
A aviação do Atlântico Norte e Portugal, a nosso ver, lucrariam muito mais se esses milhões fossem aplicados na cobertura radar a partir dos extremos do arquipélago açoriano e na modernização das infra-estruturas já existentes no aeroporto de Santa Maria, cuja importância estratégica ninguém contesta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Contrariamente ao que as administrações da ANA, EP, têm propalado, é possível, em Santa Maria, controlar o tráfego aéreo do Atlântico Norte, em conformidade com os mais exigentes e modernos requisitos tecnológicos. Os Estados Unidos, a Inglaterra e o Canadá têm centros de controlo oceânico em regiões periféricas.
Apelamos ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, para que este contencioso tenha um desfecho justo e adequado, com base nas razões sociais, políticas e técnicas que aqui explicitamos.
A vocação principal de uma ilha que, durante meio século, tanto acarinhou a aviação mundial e prestigiou Portugal sofrerá um rude golpe com a transferência para Lisboa do Centro de Controlo Oceânico ainda sediado em Santa Maria.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para esse efeito, tem a palavra.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, ouvi falar em cidadãos açorianos. Suponho que a cidadania é portuguesa, porque eu, sendo transmontano, não falo em cidadãos transmontanos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa regista a observação.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendo que é muito importante assinalar, nesta petição, uma característica que, penso, nunca existiu em qualquer outra apresentada à Assembleia da República. Creio que nunca uma petição foi subscrita por um leque institucional e partidário tão vasto como o foi esta. Ela corresponde a uma tomada de posição de toda uma região autónoma, através dos seus subscritores, de todos os órgãos representativos dessa região e de muitos dos cidadãos que, aí vivendo, entenderam exprimir a sua opinião e apelar à Assembleia da República para algo que entendem justo.
O facto de a petição ter estas características bem poderia ter conduzido a que o processo da sua apreciação, como, aliás, de outras, fosse substancialmente diferente do que é, actualmente, o processo de apreciação das petições. Os cidadãos que se dirigem a esta Assembleia, peticionando, provavelmente querem mais do que discursos, querem uma resposta ao problema que expõem e que a Assembleia, dentro das suas competências, delibere, se pronuncie e diga o que entende acerca do conteúdo material daquilo que reclamam.
Creio que, com as características que tem esta petição, mesmo a nível da própria Comissão de Petições, pese embora o esforço feito pelo relator, que se deslocou propositadamente aos Açores, à ilha de Santa Maria e a Ponta Delgada, para contactar instituições e cidadãos, poderia ter-se feito algo mais. Em minha opinião, deveria ter-se ouvido a administração da ANA, EP, o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, e poderia ter-se apresentado aqui um esboço de solução com mais consistência do que o existente neste momento.
A situação, em si, está mais do que descrita, pelo que não vou repetir o que foi dito pelos dois oradores anteriores, que conhecem muito bem o problema, são, aliás, subscritores da petição e explicaram a toda a Assembleia exactamente o que se passa. Vou apenas fazer um comentário à situação.
A meu ver, a atitude tomada pela ANA, EP, e não só, porque ela tem base è cobertura num despacho de um anterior ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes revela algo que é grave: falta de visão estratégica nacional, o que sublinho.
Quando uma administração não entende que deve manter e robustecer o tecido económico e a fixação da população num ponto tão distante, e por isso tão debilitado, como numa pequena ilha do conjunto das nove ilhas que constituem o arquipélago dos Açores, ela pode ter óptimos resultados económicos e financeiros e, por isso, alguns louvores, mas não percebe o que é o País nem o que são os interesses nacionais. Ao fim ao cabo, com essa visão estreita, de natureza meramente económica e financeira, essa

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administração poderá ter resultados de curto prazo que serão "enternecedores" para os louvores que surgem sempre que há esses resultados, mas que podem comprometer aquilo que é a essência dos interesses nacionais.
Aliás, é importante dizer aqui algo de muito significativo. Se Portugal tem a FIR, ou seja, a área de fiscalização de voo de Santa Maria, é porque a ilha de Santa Maria integra o que é o território de Portugal, na sua expressão continental e insular. Isto é, se tem essa FIR, se tem esse valor acrescentado, é porque a ilha integra Portugal. Então, como se entende que, depois, não seja possível atender à situação concreta da ilha e responder a um problema concreto que ela tem? Apesar de já ter sido aqui demonstrado que tal não representaria um custo financeiro, admitamos que esse custo existia. Não se entende que o pagamento desse custo seja uma parte do ónus que todos pagamos, por ser o que somos e com a expressão que temos?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que, neste quadro, a petição é justa e deve ser atendida. Não vou formular qualquer proposta, nada vou dizer a esse respeito. Mas convido os Srs. Deputados que me antecederam a estudar a possibilidade, comigo e com quem entenderem, de a Assembleia poder encontrar uma forma, nomeadamente através de um voto, de se pronunciar com clareza sobre esta questão, de modo a não deixar qualquer dúvida de que apoia esta reclamação, tal como ela foi apresentada, acha-a justa e entende que deve ser atendida a curto prazo.

Aplausos do PCP, do PSD e do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, a Mesa prestou toda a atenção a este problema, mas informo-vos de que não há qualquer projecto de resolução sobre esta petição. No entanto, a todo o tempo é tempo de ele ser apresentado, se os Srs. Deputados intervenientes neste debate assim o entenderem.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório de parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado independente Mário Tomé, por um período não inferior a 45 dias, a partir do dia 8 de Julho corrente, inclusive, pelo Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.
Srs. Deputados, vamos entrar agora na discussão conjunta da proposta de lei n.º 105/VI - Altera a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa) e dos projectos de lei n.ºs 336/VI - Altera a composição e reforça as competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação (Alteração à Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro) (PCP), 402/VI- Extinção do Serviço de Informações de Segurança (Deputado independente Mário Tomé) e 429/VI- Reforça as competências do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro Defesa Nacional (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo apresenta-se nesta Assembleia com o firme propósito de desenvolver uma discussão aberta mas serena sobre uma importante questão da organização do Estado: a da problemática dos serviços de informações, na sua vertente estratégica.
Espero sinceramente que a circunstância de a presente proposta de lei surgir num momento de alguma agitação política em redor da matéria não prejudique o discernimento de todos nós nem retire a serenidade exigível ao tratamento de assuntos tão melindrosos.
Permitir que a conjuntura se sobreponha ao fundo da questão que nos cabe tratar seria, neste caso, não apenas um erro imperdoável como um mau serviço ao País.
Estou certo de que ninguém o deseja e que, por isso mesmo, todos saberemos respeitar a elevação que a presente discussão reclama. Proponho-me falar-vos de questões estruturais e não de circunstâncias.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, a Lei-Quadro do Serviço de Informações da República Portuguesa, publicada em Setembro de 1984, prevê a existência dos seguintes órgãos: o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações; o Conselho Superior de Informações; a Comissão Técnica; o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa; o Serviço de Informações Militares; e o Serviço de Informações de Segurança.
A referida lei prevê ainda a existência de uma comissão de fiscalização de centros de dados, constituída por três magistrados do Ministério Público, designados pela Procuradoria-Geral da República.
Todos estes órgãos e serviços estão em pleno funcionamento e desenvolvem a sua actividade normal. De tal panorama, destoa o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, que, estando embora regulamentado, nunca foi implementado. Importa, sumariamente, explicar porquê.
A opção feita pelo legislador, em 1984, era uma de entre várias possíveis, sendo que, ao criar três serviços com competência para pesquisa, tratamento e difusão de informações que interessam à salvaguarda da independência nacional e garantia da segurança interna, o legislador unicamente visou a não concentração de poderes num único serviço. Isto é, a argumentação então aduzida e o espírito do legislador justificam que haja mais do que um serviço de informações e já não que eles devam ser dois, três, quatro ou mais.
Muito embora haja exemplos bem sucedidos, em democracias consolidadas e amadurecidas, em que os respectivos sistemas só prevêem a existência de um serviço, como são os casos do Canadá, da Espanha, do Luxemburgo e da Suíça, aceita-se como desejável que entre nós o modelo unitário não seja consagrado.
Questão diversa é a de saber e avaliar qual o número plural de serviços desta natureza que devemos ter. Quanto a esta questão, escasseiam razões de ordem lógica e racional, que imponham inequivocamente uma solução como sendo a suprema.
Não havendo aqui, como em quase tudo na vida, soluções óptimas, há que procurar a melhor das soluções possíveis e essa, dada a experiência já vivida, não parece ser a solução consagrada na Lei n.º 30/84. Vejamos porquê.
A existência autónoma de um Serviço de Informações de Segurança, para a componente da segurança interna, é algo que não se questiona e nunca ninguém questionou.

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Outro tanto não se poderá, porém, dizer da separação que hoje se revela algo fictícia, para não dizer mesmo inconveniente, da informação estratégica militar face à informação estratégica de defesa. Autonomizar estas duas vertentes é o mesmo que tentar dividir a água do vinho, depois de a mistura estar feita.
Se bem vislumbro, as razões conjunturais que terão justificado então tal cautela são agora desprovidas de sentido, já que dispomos, na actualidade, de umas Forças Armadas coesas e modernas, completamente integradas no quadro democrático do Estado e que têm como referência uma Lei de Defesa Nacional que, para além da sua aprovação e publicação, está também em vigência plena, quer do ponto de vista formal, quer substantivo.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Explicitando, em 1984, fruto de vicissitudes históricas e sociológicas do passado então recente, a Lei de Defesa Nacional era pouco mais que um recém-nascido e, para alguns, de aplicabilidade duvidosa. Hoje, é um ente normativo consensual, instrumento de pacificação e de coesão, onde as Forças Armadas portuguesas se revêem.
Hoje, existe um Ministério da Defesa Nacional em pleno funcionamento e estão perfeitamente limitados os planos político e militar na área da defesa militar. A Lei Orgânica da Organização Superior das Forças Armadas reconduziu o EMGFA a um verdadeiro comando operacional das Forças Armadas, enquanto a dimensão estratégica da componente militar da defesa nacional é desenvolvida na plenitude pelos órgãos de soberania competentes.
Isto dito, e numa outra perspectiva, fácil é imaginar como seria complexo que, de um lado, pudesse haver um serviço de informações estratégicas militares e, de outro, um serviço de informações estratégicas de defesa. Onde terminaria o campo específico de um e começaria o do outro? Como definir com rigor, no dia a dia, a distinção das respectivas áreas de responsabilidade? Como evitar zonas cinzentas e de sobreposição? Como evitar conflitos negativos e positivos de competências?
A duplicação de serviços nestas condições traria inegáveis prejuízos a uma correcta análise de vulnerabilidades e de definição de ameaças estratégicas colectivas ou regionais. Recusamo-nos a correr tal risco, porque ele põe, ou pode pôr, em causa a segurança externa do Estado e a garantia da segurança dos portugueses.
O Governo tem a firme convicção de que é possível - com ganhos de eficiência e eficácia - honrar Portugal e a sua posição geoestratégica no mundo, em matéria de informações externas, com uma única estrutura coesa, dotada de meios materiais e humanos satisfatórios, em face das missões que lhe estão assinaladas.
Acaso seria compreensível que o Estado sacrificasse tal convicção, diminuindo a eficácia dos serviços e sobrecarregando o erário público, por apego a um comando normativo que tinha alguma justificação em 1984 mas que hoje se revela destituído de sentido? VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, ajuizarão em consciência, certos como estão - como estamos todos - de que o bom senso aconselha e impõe soluções simples, claras e eficazes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acresce a tudo já dito que a necessidade de informação que toda a tomada criteriosa e atempada de decisão pressupõe e exige norteia-se essencialmente em função da natureza da ameaça dominante. Assim sendo, os serviços a criar deverão reflectir, também na sua estrutura, os ajustamentos necessários em função das exigências que a obtenção de informação actualmente coloca, face às mutações da envolvente externa.
Ora, os riscos e ameaças que hoje enfrentamos deixaram de ter como pano de fundo uma ameaça militar global, que esteve presente em todas as actividades de informações até há alguns curtos anos atrás. Tal ameaça militar global justificava e impunha que a estrutura dos serviços de informação estratégica estivesse basicamente assente na estrutura militar e orientada para a pesquisa e processamento de informações de natureza militar.
Tal estado de coisas, todos o sabemos, modificou-se por completo, pulverizando-se, e, no seu lugar, temos hoje um quadro multifacetado dê riscos e ameaças de natureza não militar, mais subtis e difíceis de identificar, que colocam novas exigências à obtenção atempada de informações qualificadas, indispensáveis para a tomada de decisão. Desmoronou-se assim um quadro de legitimações- durante décadas considerado indestrutível - e com ele a legitimidade de actuações e procedimentos considerados até há bem pouco tempo como inquestionáveis.
Tais transformações impõem que os serviços de informações sejam hoje não apenas redimensionados, mas também reestruturados e harmonizados no sentido de darem resposta às novas exigências da obtenção de informações.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A redução para dois serviços, tornará possível uma mais profunda e diversificada preparação de pessoal para responder com proficiência aos desafios que a nova situação coloca.

Aplausos do PSD.

A menos serviços corresponderão necessariamente - de acordo com a orientação inspiradora que perfilhamos e a praxis que seguimos - melhores serviços. Serviços que, pela sua actuação ao serviço da comunidade, juridico-politicamente organizada, dignifiquem o País, preservando a Nação de ameaças internas e sobretudo externas, capazes de fazer perigar os valores fundamentais constitucionalmente relevantes, que ao Estado - e por força disso a qualquer Governo - cumpre garantir e preservar.
Assim, ao incluirmos num mesmo órgão a informação estratégica militar e a respeitante à Defesa Nacional, fazemo-lo no entendimento de que, pese embora a diluição da ameaça militar directa e global, tal vertente da acção estratégica mantém plena actualidade. Ela está bem presente, de forma indirecta, no apoio a modernas formas de coacção que nenhum país independente pode ignorar e na avaliação em permanência das intenções político-estratégicas de potenciais antagonistas. É esta, Srs. Deputados, a finalidade que pretendemos atingir com a criação do SIEDM, garantindo a unidade de pensamento e doutrina na produção de informação estratégica. Tal opção em nada colide com a manutenção de todos os mecanismos e órgãos de fiscalização, a quem cabe velar para que as atribuições e competências do Serviço estejam permanentemente enquadradas nas disposições legais agora definidas.
Justificada a criação do SIEDM, na sua legitimidade e nos pressupostos que a enformam, uma questão legítima se coloca, a saber: se a informação militar estratégica é inclu-

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ida no SIEDM e se extingue o SIM, porque se criou entretanto, através da Lei Orgânica do Estado-Maior General das Forças Armadas, a DIMIL? Não será isto um subterfúgio e uma mera operação de cosmética?
Sendo legítima, a interrogação aparentemente impressionante não resiste, porém, a uma breve explicação.
Na verdade, a DIMIL, com a criação do SIEDM, deixa de tratar informação estratégica, para se remeter meramente às atribuições previstas na Lei Orgânica do Estado-Maior-General das Forças Armadas, em apoio à decisão do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Com efeito, gostaria de sublinhar que o Estado-Maior General das Forcas Armadas é hoje o órgão executante apenas da vertente operacional da estratégia militar. Nessa qualidade, necessita de informação específica para o planeamento da defesa militar e conduta das operações, não necessitando contudo de produzir informação estratégica relevante para os níveis mais elevados de planeamento e decisão, que não lhe cabem.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido, a DIMIL tem como objectivo a sustentação da organização militar, com a indispensável produção de informação relativa à segurança militar que envolve, nomeadamente, o pessoal, as instalações militares e a segurança das próprias informações.
Não há Forças Armadas capazes de elaborar planeamento operacional sem a existência de um órgão de informações próprio, integrado na respectiva estrutura e movido por preocupações específicas. A esse orgão cabe estudar e avaliar a ordem de batalha de qualquer antagonista real ou potencial, analisar as condições e o terreno de possíveis teatros de operações. Cabe-lhe isto e não mais do que isto. Só com esta informação, porém, será possível a definição de uma doutrina operacional, que oriente a conduta de operações militares.
Em resumo, a DIMIL apoia o planeamento operacional do EMGFA, a um nível táctico, existindo total coerência com o princípio da necessidade de conhecer, já que a informação estratégica, porque interessa ao planeamento da Defesa Nacional, é produzida de forma integrada no SIEDM, em sintonia com o actual conceito alargado de defesa e servindo um nível de planeamento estratégico global.
Estamos convictos, Srs. Deputados, que não merece dúvidas fundadas a necessidade de existência da DIMIL, como estamos convencidos que está claramente definido o seu campo de actividade, enquadrado no n.º 2 do artigo "... da proposta de lei do Governo.
No entanto, para os mais cépticos e em nome da jurisprudência das cautelas, a proposta de lei do Governo prevê no seu n.º 4, artigo 8.º, a intervenção do Conselho de Fiscalização no trabalho de informação operacional específica produzido pelas Forças Armadas, incluindo, mesmo, a possibilidade de serem solicitados esclarecimentos, em qualquer momento, ao Ministro da Defesa Nacional sobre esta matéria.
No fundo, a solução preconizada pelo Governo contempla apenas dois Serviços de Informações Estratégicas (SIS e SIEDM) que servem áreas funcionais distintas: a segurança interna e a segurança externa, embora ambos contribuam para a mesma finalidade, ou seja, a segurança nacional.
A uma preocupação única - segurança nacional - corresponde uma dependência última e única - o Primeiro-Ministro - através dos ministros das respectivas pastas.

Este modelo, Srs. Deputados, ajusta-se à separação funcional, constitucionalmente consagrada, entre segurança interna e externa e é adoptado por outros países democráticos como a Bélgica, Reino Unido e Itália e responde à crescente necessidade de informação de qualidade em tempo oportuno.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tema que hoje aqui nos reúne constitui uma fundamental questão de Estado, tendo como tem directas implicações na sustentação e na defesa da nossa vivência colectiva e do nosso devir enquanto Nação soberana.
A recolha e o tratamento das informações relativas à segurança e à defesa de Portugal e das suas gentes é, pois, determinada como um dever fundamental do Estado, enquanto necessidade vital do País; como tal, constitui um ónus especialmente elevado que impende sobre todos os poderes soberanos e não apenas sobre o Governo. Este tomou em suas mãos a responsabilidade de adaptar o sistema erigido em 1984 às novas realidades estratégicas e à plena integração, assumida hoje com naturalidade, das Forças Armadas na administração directa do Estado, obedecendo aos órgãos de soberania. Mas, pelas razões apontadas, guarda a legítima expectativa de assistir nesta Câmara a uma ponderação da sua proposta de lei, com a frieza, serenidade e seriedade intelectual a política exigidas pela cultura própria dos Estados democráticos, sendo indesculpável qualquer apropriação fraudatória deste tema como mera arma de arremesso político ou catalisador de antagonismos artificiais.
O núcleo essencial das alterações substanciais agora propostas pelo Governo a esta Assembleia implicará obviamente a regulamentação, por decreto-lei, do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares.
Para isso, e na lógica do modelo erigido em 1984 com a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, o Governo solicita agora à Assembleia da República a necessária autorização legislativa.
Nada tem, no entanto, a esconder! Está já preparado o respectivo projecto de decreto-lei e o Governo dele já deu conhecimento aos Srs. Deputados, estando disponível para prestar os esclarecimentos que sobre ele entenderem solicitar.
Todas as matérias relativas aos princípios da especialidade e da cooperação, aos conflitos de competência, ao uso da informática e respectiva fiscalização, ao segredo de Estado, ao dever de sigilo, à prestação de depoimento ou de declarações por parte dos funcionários dos serviços de informações, bem como todas as matérias relativas ao Conselho Superior de Informações e à Comissão Técnica, constarão, nos termos da actual proposta de lei, da própria Lei-Quadro do Sistema de Informações. Pretende-se, deste modo, não apenas um regime jurídico mais transparente e uniforme mas evitar-se repetições desnecessárias, promovendo-se ainda uma maior coerência sistemática.
Em consequência deste novo modelo agora proposto pelo Governo, será revogado, por absoluta carência de objecto, o Decreto-Lei n.º 223/85, de 4 de Julho.
Srs. Deputados, o princípio da necessidade de conhecer é garantido e com ele reforçada a segurança interna e externa do País com esta iniciativa do Governo.
A Nação, através dos órgãos próprios, exercerá o salutar controlo quanto à legalidade de actuação dos serviços. Os cidadãos têm assim a garantia de que a segurança do Estado é preservada no respeito escrupuloso pelos seus direitos fundamentais, virtualmente susceptíveis de serem lesados pelos serviços de informações.
Numa última palavra: a arcana praxis na actividade do Estado pautar-se-á, como sempre terá de acontecer numa sociedade democrática, aberta e plural como é a nossa, por

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critérios de escrupulosa observação de legalidade cívica e de rigor, sindicáveis no momento próprio e pelos órgãos próprios legitimados para o efeito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Inscreveram-se para pedirem esclarecimentos os Srs. Deputados Eduardo Pereira, Mário Tomé e José Lello.

Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira. )

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, não cai em saco roto o seu pedido para que este debate seja aberto, elevado e responsável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Caiu, sim, em saco roto o pedido da oposição para que este debate tivesse a dignidade que teve o debate da Lei n.º 30/84. Esta foi discutida em Plenário, em quatro sessões, foi criada uma Subcomissão de Defesa Nacional, houve 17 reuniões dessa subcomissão, que foi presidida pelo ilustre Deputado Ângelo Correia, e, finalmente, houve uma reunião para votação final global.
Quanto à proposta de lei que estamos a analisar, deu entrada há dias, enquanto os decretos-leis que o Sr. Ministro pretende modificar devem ter dado entrada esta tarde. A Comissão ainda não viu o documento, eu próprio não o conheço e, portanto, se este debate não tiver a dignidade que deveria ter, a culpa é só do Sr. Ministro da Defesa Nacional.
Aliás, estamos a discutir na base de que há no sistema dois grupos de diplomas: um referente à segurança interna, que os senhores acham que continua válido e é para seguir; um outro referente à Defesa Nacional e à defesa militar, que foi produzida pelo PSD, diploma este orientado pelo então Ministro da Defesa Nacional e que, hoje, o PSD recusa e repudia sem explicar bem porquê.
Não conheço nenhum parecer dos serviços - entenda-se "serviços" por administração pública civil - que tenha uma palavra de apreço pelo sistema que o Sr. Ministro da Defesa Nacional pretende implementar. Conheço, sim, informações de militares, de serviços militares, que foram discutidos em 1983 e repudiados pelo então Ministro da Defesa Nacional, Professor Mota Pinto, que se repetem agora, mais uma vez, e que, desta vez não são repudiados antes vão ser aceites.
A mudança é simples: passa a haver concentração de serviços, passa a haver um director dos dois serviços - digo "director" no sentido de "responsável" -, que é o Sr. Primeiro-Ministro, coadjuvado por um secretário-geral de uma comissão técnica; um dos serviços de defesa nacional estará ao serviço da estratégia de defesa militar e o serviço de informações militares propriamente dito estará ao serviço das outras necessidades da defesa militar.
Considero que um sistema deste tipo, gozando de autonomia administrativa e de autonomia financeira, sem controlo do Tribunal de Contas, ajudado por legislação da requisição e mobilização militar que já conhecemos, é na verdade um perigo no campo das informações e não compreendo como o Governo e o Sr. Ministro da Defesa Nacional insistem.
Assim, gostaria que, mais uma vez, o Sr. Ministro pudesse explicar neste Plenário - já o fez em sede da Comissão - quais são as razões que o levaram a apresentar esta proposta de lei. E por favor responda, de forma particular, às questões que lhe pus.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Mário Tomé, tem a palavra.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, faço-lhe uma pergunta muito rápida.
Aquele tipo de acções terroristas, de apoio aos grupos anti-comunistas de libertação, que levam à preparação de atentados, à violação de direitos e até à violação da soberania de outros Estados, vai ficar sob a tutela do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares ou da DIMIL?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado José Lello, tem a palavra.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, permita-me que, mais do que um pedido de esclarecimento, faça um desabafo.
É que gostaria de dizer-lhe que, na minha condição de cidadão de uma democracia europeia e europeísta, uma democracia evoluída e civilista, ficarei sinceramente embaraçado, para não dizer envergonhado, ao ser posto perante a situação de ver Portugal ter uns serviços de informações de carácter militar a pesquisarem informações estratégicas, úteis à salvaguarda da independência nacional, em áreas como a económica, a energética, a ambiental, a tecnológica, a diplomática, a dos recursos naturais, para além, obviamente, da área militar, sendo esta última um vector importante da defesa nacional na actual conjuntura estratégica- nem eu sei bem se, porventura é o mais importante:
Assim, Sr. Ministro, acho que, ao dar a prevalência militar nas informações estratégicas globais, estamos a regredir e, porventura, estaremos a caminhar para aquele lugar na Europa que o Sr. Primeiro-Ministro tanto odeia: a cauda da Europa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as questões que me foram colocadas e começarei por, responder ao Sr. Deputado Eduardo Pereira.
Sr. Deputado, penso que a Lei n.º 30/84 é uma boa lei. Foi uma lei de difícil elaboração, que teve o prazo de maturação e de desenvolvimento nesta Assembleia que teve, prazo esse que julgo ter sido ajustado porque se tratava, pura e simplesmente, da configuração ex nova de todo o sistema de informações da República Portuguesa,...

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - ... subsequentemente a um período histórico em que os traumatismos resultantes da existência da PIDE e da DGS justificavam que matérias desta delicadeza e deste melindre fossem tratadas de forma o mais desenvolvida possível. É que estávamos a construir, a partir do nada, não apenas todo um edifício estrutural do serviço de informações como tínhamos de vencer resistências psicológicas que, muito justamente, assaltavam alguns espíritos daqueles mais torturados pela existência de uma polícia com a natureza da que o anterior regime proporcionou.
Agora o Sr. Deputado vir comparar o que deveria ser o trabalho de elaboração jurídica e política de todo o quadro do sistema de informações da República com a simples fusão de dois serviços já previstos nessa lei-quadro é algo que, com a devida vénia, Sr. Deputado, penso que não tem comparação possível.

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Por outro lado, devo dizer-lhe que se o Sr. Deputado não teve mais tempo para discutir estes problemas em sede de Comissão foi porque nem V. Ex.ª nem o seu partido quiseram. É que este diploma esteve agendado para quarta-feira passada e foram VV. Ex.ªs que - pasme-se! - exigiram o respectivo desagendamento com este fundamento.

Protestos do Deputado do PS Eduardo Pereira.

Sr. Deputado, vejo que protesta. Considera que estou a fazer alguma afirmação inverdadeira, Sr. Deputado?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - São afirmações falsas, não in verdadeiras!

O Orador: - É capaz de me esclarecer o distinguo entre "inverdadeira" e "falsa", Sr. Deputado?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - É que ainda hoje entraram documentos e a Comissão reuniu anteontem!

O Orador: - Sr. Deputado, já lhe respondo a isso, mas quem está a produzir afirmações falsas é o Sr. Deputado e já vou demonstrar-lhe porquê.

Como estava a dizer, o seu partido exigiu o desagendamento que estava previsto para debate, na generalidade, neste Plenário, na quarta-feira passada. E qual foi o fundamento invocado por VV. Ex.ªs? Foi o de que não havia parecer do Conselho Superior de Defesa.

O Sr. José Puig (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Parecer que V. Ex.ª não apresentou, aquando da discussão da Lei n.º 30/84, em 1984!

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Agora, talvez compreenda a razão que levou VV. Ex.ªs a aduzirem este argumento. Para chegarmos ao dia de hoje e poderem dizer que não têm tempo para discutir em profundidade, em sede de Comissão! Esta é a conclusão que sou forçado a tirar, o que lamento profundamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão de o Sr. Deputado dizer que o decreto-lei do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM)...

Pausa.

Sr. Deputado, digna-se prestar-me um pouco de atenção?!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Estou a ouvir. Não ouço com os olhos!

O Orador: - Muito obrigado.

Sr. Deputado, é verdade que foram hoje distribuídos, na conferência de líderes, o decreto-lei do SIEDM e a proposta de revisão do decreto-lei do SIS. Mas, V. Ex.ª disse que só hoje foi distribuído o decreto-lei do SIEDM...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Foi verdade. Só hoje foi entregue na conferência de líderes!

O Orador: - De facto, o Sr. Deputado não participou em toda a reunião da Comissão de Defesa Nacional, realizada há dois dias atrás,...

Protestos do Deputado do PS Eduardo Pereira.

... em que, com todo o gosto, acedi ao pedido da Comissão para fazer a apresentação da proposta de lei e entreguei ao Presidente da Comissão de Defesa Nacional - quando o Sr. Deputado ainda estava presente - o projecto de decreto-lei do SIEDM. Portanto, se o Sr. Deputado não o conhece é porque não quis ou não teve tempo para o conhecer!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não foi a título oficial!

O Orador: - Agora, o projecto de decreto-lei do SIEDM não foi apenas distribuído hoje e isso o Sr. Deputado não é capaz de o desmentir!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): Protestos do PSD.

Não foi a título oficial!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto aos pareceres de entidades da Administração Pública - devo dizer que não percebi bem a sua questão -, o que lhe posso dizer é que a proposta que o Governo hoje apresenta foi objecto de parecer unânime pelo Único orgão que se deve pronunciar sobre estas matérias nos termos da lei, lei que V. Ex.ª subscreveu e que, reafirmo, é uma boa lei.
Com efeito, V. Ex.ª subscreveu uma lei que diz que o Primeiro-Ministro deve ouvir o Conselho Superior de Informações. E o que se verificou foi que este órgão pronunciou-se, de forma unânime, pela solução que o Governo agora apresenta. Não há nenhum outro ente do Estado ou da Administração Pública que deva ser ouvido sobre esta matéria.
Sr. Deputado Mário Tomé, por muito respeito que lhe tenha - e é muito, Sr. Deputado -, o senhor não fez uma pergunta mas, sim, uma provocação. E a provocações não respondo, desculpar-me-á!

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Então a DINFO não andou metida nisso? Até foram a tribunal! Não quer é responder.

O Orador: - Sr. Deputado José Lello, a questão que coloca é uma falsa questão. Posso dizer-lhe que, por exemplo, a Bélgica- como bem sabe - só tem dois serviços, ou seja, tal como o modelo que agora preconizamos, tem um serviço para a segurança interna e um para a segurança externa, produzindo também, este último, informação estratégica militar.
Também o Reino Unido tem dois serviços: um para a componente externa e outro para a componente interna. O serviço para a componente externa...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Como dizia, o serviço para a componente externa chama-se MIS. Sabe V. Ex.ª o que isso significa? Military Intelligence Service.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado José Lello fez sinal à Mesa para que efeito?

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O Sr. José Lello (PS): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - No fim do debate poderá usar da palavra para o efeito. Sr. Deputado.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Ouvi o apelo do Sr. Ministro da Defesa Nacional à seriedade do debate, por isso tenho de começar por responder directamente a essa questão.
A verdade é que este debate é indissociável da situação de escândalo público que, ainda há bem pouco tempo, as actuações dos serviços de informações provocaram no País. Isto é, não é possível considerar a proposta de lei do Governo sem ter presente o que tem sido a actuação do SIS, nos seus contornos concretos: as ilegalidades cometidas e a antidemocrática postura da polícia de informações políticas ao serviço do Governo do PSD e contra os seus opositores políticos e sociais.
A questão que a opinião pública, a comunicação social e, provavelmente, muitos dos jornalistas presentes querem ver esclarecida é a de saber como é que foi possível chegar-se a essa escandalosa situação de ilegalidade instituída, é a de saber que medidas vão ser tomadas para apurar responsabilidades e como vai ser corrigida a situação para o futuro, de forma a pôr cobro aos abusos e ilegalidades verificados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As respostas que o Governo deu, até agora, a estas questões são, elas próprias, um escândalo nacional. O Governo recusa o inquérito que o PCP e, depois, o PS propuseram, isto é, recusa o esclarecimento completo . da situação. O Sr. Ministro da Administração Interna, primeiro responsável político pelo caso SIS Madeira, não assume as suas responsabilidades. A substituição de chefias não esconde o facto de que nenhuma medida concreta foi tomada para alterar o modelo de actuação dos serviços de informações.
Com este quadro, o que é que se esperava que sucedesse aqui, na Assembleia da República? Que a discussão se resumisse a uma sorumbática análise sobre se deve haver dois ou três serviços de informações? Não, Sr. Ministro, o que aqui deve ser esclarecido e debatido é a forma como o Governo tem vindo a gerir e a orientar os serviços de informações, a forma como se tem aproveitado do SIS e como o tem usado como instrumento da luta política.

Esta é a única conclusão que é possível tirar do que tem sido a actividade publicamente conhecida, até hoje, do SIS.
Com efeito, nunca ninguém ouviu uma palavra sobre o SIS em nenhuma das áreas de intervenção para as quais foi criado e que lhe estão fixadas na lei (o SIS, no relatório de segurança interna relativo a 1993, di-lo publicamente e com toda a candura): nada quanto ao terrotismo, à sabotagem, à espionagem ou às ameaças ao Estado de direito constitucionalmente estabelecido.
O que o SIS não esquece, nesse relatório, são ás "manifestações estudantis", as "movimentações sindicais" e as "acções públicas de tipo sectorial e corporativo". Isto é, trabalhadores, sindicalistas, estudantes e agricultores, cometendo, todos eles, o terrível crime de discordar do Governo e a máxima subversão de combaterem a sua política.
Têm os portugueses de pagar um serviço de informações que se põe descaradamente ao serviço partidário do PSD?
O descaramento do; SIS é tal que não se coíbe de comentar e combater a própria comunicação social, pelos vistos também ela desafecta ao Governo, afirmando que a projecção pública daquelas acções resulta tão somente - e cito - "do empolamento que lhe foi dado pela comunicação social"!
Ficam, pois, no começo deste debate, todas as perguntas que o País formula sobre a natureza das acções do SIS, as ilegalidades cometidas, as infiltrações, as vigilâncias, os relatórios indevidos, as suspeitas de uso de escutas, as práticas de filmagens.
A posição do PCP é a de considerar que hoje é ainda mais necessária a realização de um inquérito às actividades do SIS. O PCP já propôs um inquérito parlamentar, que o PSD rejeitou.
Face à gravidade da situação, às imputações de ilícitos de natureza criminal, à profundidade e qualidade da investigação necessária, o PCP considera que, agora, a entidade adequada para realizar um inquérito ao SIS é a Procuradoria-Geral da República.
Para isso, o PCP apresentou um projecto de lei propondo a atribuição à Procuradoria-Geral do poder de realizar um inquérito extraordinário, tendo por finalidade a investigação da prática, pelo SIS, de actividades proibidas por lei, designadamente das actividades que ofendem direitos, liberdades e garantias e das que possam constituir crimes.
A segunda linha de prioridade que o PCP considera essencial refere-se ao Conselho de Fiscalização. É escandaloso o que se passa com o Conselho! A lei não lhe garante poderes efectivos de fiscalização. Nos termos da lei, este órgão apenas tem direito a relatórios de actividades dos próprios serviços.
É evidente que esses relatórios só contêm o que os serviços querem dizer sobre si mesmos. Aliás, o mesmo sucede quando o Conselho possa obter documentos directamente dos serviços. É evidente que os serviços só fornecerão os documentos na forma e com o conteúdo que entenderem.
Para a realização de uma efectiva fiscalização, é essencial garantir que o Conselho de Fiscalização tenha acesso directo aos serviços sempre que o entenda necessário. É esse o sentido do projecto de lei n.º 336/VI, apresentado pelo PCP, que reforça as competências do Conselho de Fiscalização, atribuindo, entre outros, o poder de realizar inspecções com ou sem pré-aviso.
O PCP entende, também, que a composição do Conselho deve ser modificada. Propomos que seja presidido por um magistrado judicial e que tenha mais quatro membros eleitos pela Assembleia, sob proposta dos quatro maiores partidos parlamentares.
Mas o que entendemos prioritário não é esta alteração da composição mas, sim, o reforço dos poderes do Conselho. Quisemos assinalar esta prioridade por forma a não deixar qualquer dúvida e, por isso, restringimos o objecto do projecto de lei n.º 336/VI à questão dos poderes do Conselho.
De qualquer forma, deixamos claro, seja qual for o resultado final das votações, mesmo que seja rejeitado o inquérito extraordinário que propusemos ou o reforço dos poderes do Conselho de Fiscalização, que o PCP continuará firmemente determinado em combater as ilegalidades e abusos do SIS. E não chegámos há oito dias a esta postura crítica sobre a forma como o Governo se serve dos serviços de informações e os põe a actuar em benefício dos

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seus interesses partidários. Sempre denunciámos com frontalidade esta situação, continuaremos a fazê-lo se ela não se alterar.
É neste quadro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que aparece a proposta de lei do Governo. Não vou referir, minimamente, as razões que podem ter levado o Governo a acelerar e a querer aprovar em oito dias aquilo que tem atrasado desde que o Primeiro-Ministro Cavaco Silva chegou ao poder, isto é, há quase nove anos.
Não se venha, aliás, invocar as necessidades do Estado em dispor de adequada informação estratégica. É evidente que a informação estratégica de defesa é vital. O que é espantoso, então, é o facto de o Governo, com todo o quadro legislativo dos três serviços pronto desde meados de 1985, tenha optado, em 1985 e a partir daí, por montar o Serviço de Informações de Segurança virado contra estudantes, agricultores e sindicalistas, e tenha relegado para segundo plano a vital informação estratégica de defesa de que o País carecia, adiando a entrada em funcionamento do SIEDM.
Esta aceleração, tenha as razões que tenha, é absolutamente injustificável se se pretendesse que a Assembleia da República realizasse aqui um trabalho sério e aprofundado.
Vamos votar, agora, à pressão - não sei se esta noite - alterações a 17 artigos da Lei n.º 30/84, isto, é, metade da lei! E esta é uma lei que levou quase duas dezenas de reuniões da Comissão, em 1984, para ser aprovada. Não é trabalho sério, por isso, o que se pede à Comissão.
A proposta de lei é particularmente criticável por duas razões: primeiro, por realizar uma concentração de serviços, reduzindo-os de três para dois, o que contraria a lógica da Lei n.º 30/84, bem como as razões de garantia democrática que levaram, em 1984, a optar por três serviços; segundo, por procurar concretizar um inaceitável alargamento do âmbito de actividade do SIS, numa tentativa de dar cobertura às ilegalidades que vem praticando.
Estamos contra a concentração dos serviços. Claro que há países onde só há dois, mas Portugal optou por ter três. A nossa experiência histórica com serviços secretos levou-nos a ser mais prudentes que outros países.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E o que se tem passado nos últimos tempos com o SIS não é de molde a mudarmos de opinião. Pelo contrário, com o tipo de orientações que tem tido o SIS, com a cobertura que tem do Governo, mais receios ficam com a concentração que se pretende, agora, operar.
Essa concentração é feita à custa das Forças Armadas. Não temos qualquer razão contra as Forças Armadas que nos leve a acompanhar o espírito de desconfiança que perpassa por aí (incluindo no relatório da Comissão de Defesa Nacional) em relação à instituição militar. A questão com os serviços de informação é a do sistema de controlo e fiscalização e não a do lugar onde se inserem.
Quanto ao alargamento do âmbito de actuação do SIS, constitui uma grosseira tentativa de cobrir actuações passadas. Onde se dizia que o serviço produzia informações "destinadas a garantir a segurança interna", passaria a figurar "que contribuam para a salvaguarda da segurança interna". Toda a gente entende, Srs. Membros do Governo, esta subtileza!
Outros aspectos da proposta merecem também registo negativo e sublinho particularmente dois.
Em primeiro lugar, a concessão de autonomia financeira aos serviços de informação e a retirada de grande parte das competências ao Tribunal de Contas, em certas circunstâncias. É uma espécie de "vale tudo". Nessa situação, não fica instituído qualquer sistema de controlo, o que pode permitir gastos completamento ilegais - a questão é a da ilegalidade dos gastos - em regime de completa impunidade. A segunda questão é a do segredo de Estado. O regime que se pretende instituir contraria a Constituição. A proposta quer classificar como segredo de Estado tudo, absolutamente tudo, o que está portas adentro dos serviços, mas a Constituição não o permite! E cito o acórdão que considerou inconstitucional o Decreto-Lei n.º 223/85, de 4 de Julho: "O segredo há-de ter-se como aceitável somente enquanto constitua uma protecção ou uma projecção de interesses constitucionalmente relevantes. No sistema democrático, o segredo-excepção vai, por isso, aferir-se, caso a caso, pela respectiva legitimidade constitucional". Sublinho, caso a caso, Srs. Ministros e Srs. Deputados! Não há segredo automático, não há segredo para toda uma categoria de situações!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao resto, a proposta de lei cumpre o que é nestes dois item que acabei de sublinhar e apresenta-se, toda ela, como uma lei de excepções permanentes. Posso dar dois exemplos.
A primeira parte do n.º 3 do artigo "... introduz um princípio - aliás, inútil na economia do diploma, porque resulta dos princípios gerais -, de que cada serviço é estanque em relação aos outros, para, logo a seguir, a segunda parte do mesmo artigo afirmar que os serviços devem comunicar uns aos outros informações.
Quanto ao n.º 1 do artigo 6.º, proíbe que outros serviços realizem os objectivos dos serviços de informação, mas o n.º 2 do mesmo artigo vem, logo a seguir, permitir que as Forças Armadas possam desenvolver actividades de informações de natureza operacional específica, o que, aliás, só abonava a necessidade de manter o Serviço de Informações Militares.
Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Até hoje, o Sistema de Informações da República Portuguesa viveu sob uma situação de ilegalidade, com a não criação do SIED e, na prática, com a não criação do SIM, já que a única coisa que existiu, até agora, foi a DINFO, a Divisão de Informações do EMGFA e não um verdadeiro serviço de informações militares tal como resultava do espírito da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, e era exigência da mesma.
Com a presente alteração legislativa, resolve-se a ilegalidade de uma forma efectivamente arrasadora: resolve-se a ilegalidade eliminando a norma legal!
As soluções da proposta são, do nosso ponto de vista, inaceitáveis e, por isso, votaremos contra a proposta. Votaremos favoravelmente o nosso projecto de lei de reforço das competências dos serviços de informação, assim como o do PS, que vai no mesmo sentido do nosso.
Repito o que já disse: suceda o que suceder, o PCP continuará, com determinação, a combater as ilegalidades e abusos dos serviços de informação e a sua prática antidemocrática de instrumento ao serviço das opções partidárias do Governo do PSD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Dado não haver inscrições para pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, para fazer a apresentação do

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projecto de lei n.º 402/VI - Extinção do Serviço de Informações de Segurança, da sua autoria.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apresentar o projecto-lei que propõe a extinção do SIS na mesma sessão em que se discute a proposta do Governo que altera a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa é, no meu entender, o melhor contributo que poderia dar para esta discussão.
De facto, trata-se não só do SIS mas do SIStema e é o sistema que tem de ser confrontado e questionado.
É que as graves irregularidades, ilegalidades e ilegitimidades que puseram o SIS debaixo da crítica da opinião pública, muito antes que debaixo da crítica dos próprios Deputados, não configuram, como se pretendeu fazer crer, excesso de zelo de um funcionário afectado por disfasia em relação aos mui nobres objectivos do SIS, mas, isso sim, excesso do próprio SIStema, porque é, de facto, o sistema que está em causa.
Poderia dizer-se que também o Governo está de acordo, visto vir propor a sua alteração.
Mas ao Governo, em minha opinião, falta-lhe credibilidade para apresentar uma nova proposta. E porque falta credibilidade ao Governo?
Primeiro, porque o Governo ainda não assumiu as suas responsabilidades políticas nem em relação à actividade ilegal do SIS nem em relação à actuação ilegal e criminosa da DINFO, que se traduziu em atentados contra direitos humanos, no envolvimento em actividades criminosas e atentados contra a vida de pessoas, nomeadamente violando a soberania de outro Estado.
Depois, porque ainda nada sabe dizer-nos sobre o famoso microfone à escuta do Procurador-Geral da República.
A proposta do Governo nada altera de substancial naquilo que são preocupações de garantia de transparência e acção nos moldes democráticos que a Constituição prescreve, reforça a governamentalização dos serviços de informação e confirma a apetência centralizadora e policial do Governo.
Os agentes dos serviços de informação são gente que está acima da outra gente. Vigiam-na, invadem a vida privada dos cidadãos mas, em nome de um segredo de Estado ou de acordo com a vontade do Primeiro-Ministro, podem furtar-se a comparecer em tribunal, naquilo que pode mesmo configurar uma ingerência inaceitável do poder executivo no poder judicial.
Finalmente, a proposta de lei nem sequer se refere ao SIS, o mais contestado ramo das «secretas».
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Podemos fazer um exercício de abstracção e admitir que o que interessa é garantir uma fiscalização adequada do SIS, que passaria pelo reforço de poderes e de meios do Conselho de Fiscalização.
O SIS teve uma actuação que, em alguns aspectos, se tornou do conhecimento público pela flagrante violação dos direitos democráticos dos cidadãos: infiltração numa associação académica, vigilância de manifestações de estudantes e sindicais, vigilância de magistrados na Madeira e de militantes partidários, etc.
Para quê e porquê, pergunta-se. O Governo respondeu de duas formas: disse, em primeiro lugar, que nada da actividade do SIS configurava qualquer violação da legalidade democrática e ainda que o SIS podia, e pode, fiscalizar organizações e associações legais, desde que possa entender-se que prosseguem fins que conduzam a ameaças sérias ao Estado constitucional, como as terroristas ou violentas. No entanto, não consta que tenha havido qualquer actuação séria sobre os skinheads ou o MAN, e a que houve deveu-se ao Ministério Público. Aliás, a presença consentida de Le Pen periodicamente no nosso país, com os seus sequazes, para propagandear ideias e organizar movimentos fascistas, não é, sequer, questionada pelos poderes públicos.
Em segundo lugar, quando o escândalo da Madeira não podia mais ser calado e tomara conta da opinião pública, o Governo respondeu que se teria, tratado de violações por excesso de zelo, por ingenuidade ou até por senilidade do responsável, na versão do Primeiro-Ministro Cavaco Silva.
O SIStema aceitou e arquivou relatórios ilegais, tornando-se cúmplice da violação de direitos fundamentais, ainda mais por não ter comunicado aos interessados que haviam sido vítimas dessa violação. Mas ela era uma secreta violação!...
A fiscalização poderia detectar esta situação? Eventualmente, como é evidente!
Mas por que razão o director do SIS/Madeira e o director do SIS violaram a legalidade democrática? O que é, para essas pessoas, a legalidade democrática, os direitos dos cidadãos, etc.? E não nos devemos esquecer que foram colegas nos Serviços de Centralização e Coordenação de Informações durante a guerra colonial, em íntima ligação com a actividade da polícia política, na perseguição a democratas e nacionalistas!
Tudo aquilo que não colida com os interesses superiores do Estado, eis onde fica para eles esse fugidio campo da legalidade democrática: primeiro o Estado, depois os direitos dos cidadãos! Mas esta aberração é apenas de gente desajustada do regime democrático? Não! Ela preside a toda a concepção dos serviços de informação, nomeadamente, e em especial do SIS.
Não pode aceitar-se que a democracia seja defendida por serviços secretos. O Estado democrático apenas se defende na defesa da democracia e, portanto, da livre expressão dos direitos constitucionais dos cidadãos e do seu uso em declarações, reuniões, manifestações, protestos, reivindicações e resistência, ao abrigo do artigo 21.º da Constituição, bloqueando a ponte ou impedindo a entrada de peixe espanhol, que os arruina ou os põe à fome, como fazem os pescadores. Eis a vida de uma sociedade democrática!
E o terrorismo, a sabotagem e a espionagem? Pois bem, o SIS, para prevenir essas ameaças - que vêm de onde? - infiltra-se, acompanha, vigia tudo o que seja movimentações da sociedade, umas mais conformadas que outras, donde possam surgir eventuais focos que possam, mais cedo ou mais tarde, originar os tais actos que ponham em risco a segurança do Estado.
De outra forma, que fazer? Deixar o Estado indefeso?! Coitado!... Esperar que, de repente e de surpresa, lhe caia um raio que o parta, sem saber de onde vem?! Impossível! Então de onde vem ou pode vir o temível corisco? De outro país, inimigo potencial? De uma organização terrível, como aquelas que o «Agente 007» impede de darem cabo do mundo? Para tal, haverá, de certo, o SIED ou, agora, o SIEDM, como quer o Governo. Mas o SIED está há 10 anos sem ser regulamentado, porque o que preocupa o Governo é o famoso inimigo interno, ou seja, os cidadãos e as suas organizações políticas, sindicais e até mesmo culturais ou recreativas. Para a defesa dos cidadãos nem sequer está a funcionar a Comissão Nacional de Protecção de Dados!

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O SIS viola os direitos fundamentais ou não é capaz de agir, perspectiva a sua acção no entendimento de que o que se mexe é potencial subverter e ameaça do Estado ou, então, tem de fechar as portas. A serviço do SIS está, à partida, contaminado. Ele, pela sua forma da actuação, é uma arma do Governo, que intimida, condiciona e carreia elementos que poderão ser usados até para eventuais futuras chantagens na política ou nos negócios.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Fazer de cada cidadão um potencial suspeito, um efectivo espiado, quando o Estado deve constitucionalmente prosseguir fins que respondam aos interesses dos cidadãos e da sociedade, é inverter os papéis, é abrir portas ao regime policial, com um fim último, o do interesse nacional, a bem da Nação, nem que seja para dar cabo dela, é abrir as portas à perseguição não só política mas até mesmo ideológica. E as tiradas do Primeiro-Ministro e de Ministros, a propósito das recentes situações de protesto, não deixam campo para grandes incredulidades.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O SIS ou serve para defender o regime democrático, e não pode ser o que é, portanto, dissolva-se, ou não serve para defender o regime democrático, e não pode existir, portanto, dissolva-se!
O SIS é um tumor no regime democrático e a única solução é ser extirpado. Para tal, está na Mesa da Assembleia o projecto de lei n.º 402/VI, da minha autoria, que propõe a extinção dos Serviços de Informações de Segurança.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Acabámos há pouco de ouvir o Sr. Ministro da Defesa Nacional, em resposta ao Sr. Deputado José Lello, sugerir, a propósito dos serviços ingleses, que, tratando-se da existência de dois serviços - por um lado, o chamado MB e, por outro, o chamado M16 -, teríamos, no caso do M16, um serviço a desempenhar funções estratégicas claramente situado no âmbito do respectivo Ministério da Defesa, tanto mais que a designação Military Intelligence isso mesmo sugeriria.
Deveria o Sr. Ministro da Defesa Nacional saber que assim não é e que as expressões M16 e M15 são expressões tradicionais que vêm do tempo da guerra e que, hoje, estão formalmente substituídas por expressões formais de três serviços: o Security Service, que é um ramo especial da Scotland Yard e que desempenha as funções no âmbito da segurança interna com uma matriz civilista; o Secret Intelligence Service, chamado M16, que depende não do Ministério da Defesa mas, formalmente, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e o Defense Intelligence Staff, dependente do Ministério da Defesa. Portanto, clarificando claramente, ao nível dos três serviços, existem as áreas de informações de segurança, de informações estratégicas e de informações militares.
Esta a correcção que o próprio Ministro da Defesa Nacional deveria ter podido formular mas que, ao contrário, com a sua intervenção, acabou por baralhar.
Srs. Deputados, após nove anos de persistente incumprimento do Sistema de Informações da República e três meses depois da aprovação, em Conselho de Ministros, de uma proposta de lei de alteração do actual Sistema, curiosamente só apresentada na Assembleia da República após decorridas as últimas eleições, o Governo força agora um calendário parlamentar vertiginoso, destinado, obviamente, a inviabilizar qualquer reflexão seriamente participada sobre a matéria.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tendo tido mais que tempo - teve todo o tempo - para elaborar as suas posições, o Governo apresentou-nos uma proposta que é tecnicamente repleta de incongruências e, essencialmente, omissa quanto a razões justificativas das alterações propostas ao Sistema de Informações da República.
Tudo isto impõe, portanto, desde já, uma primeira e inevitável conclusão: ao querer forçar apressadamente a mão do Parlamento, contando com a habitual submissão e conformismo da sua maioria, o Governo revela um verdadeiro temor das consequências do debate político em torno do Sistema de Informações da República.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Muito bem!

O Orador: - E é um dado completamento inaceitável que, tratando-se, como se trata, de uma proposta que acentua em todas as suas vertentes o papel director do Primeiro-Ministro no Sistema de Informações da República, ele próprio se furte a dar a cara na apresentação desta proposta do Governo.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quem não deve não teme, mas, em matéria de informações, o Governo em geral e o Primeiro-Ministro em particular devem e temem por responsabilidades que não cumpriram: pela crise de confiança que deixaram alastrar, pelas ilegalidades que não preveniram ou que incrementaram, afinal de contas, por uma soma de actos e omissões justificativas de uma drástica censura à conduta do Governo, manifestamente reveladora de desnorte e, ela sim, de falta de sentido de Estado - uma conduta, afinal, serventuária de uma ideia de Estado-troféu, manipulado ao sabor dos interesses de um partido de vocação hegemónica, que demonstra desprezar a independência das instituições e o sentido suprapartidário que o serviço público, muito particularmente os serviços de informação, deveriam revelar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Apreciemos, pois, as questões nucleares do Sistema de Informações da República, à luz da experiência do seu funcionamento e vejamos os principais problemas que se levantam bem como as soluções legais susceptíveis de os resolver.
Em nosso entender, são quatro as questões nucleares merecedoras de uma atenção cuidada: a primeira refere-se à natureza, estrutura e articulação interna dos serviços; a segunda, às modalidades de exercício, em concreto, das actividades dos serviços; a terceira, ao relacionamento dos serviços com entidades externas, particularmente nos domínios judicial e das forças de segurança; a quarta, às garantias de funcionamento imparcial dos serviços e de fiscalização eficaz desse funcionamento.

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Quanto à primeira questão, a da natureza, estrutura e articulação interna dos serviços, devo dizer que, quando a Lei n.º 30/84 definiu um sistema de três serviços - de segurança, estratégicos de defesa e militar -, criou um modelo de integração exclusiva dos serviços de informação, ao mesmo tempo que optou por garantir a separação de tutelas, por forma a evitar excessos de concentração de poderes no interior do Governo e na estrutura do Estado.
O Governo, agora, pretende excluir do Sistema a componente das informações produzidas pelas Forças Armadas no âmbito da segurança militar. Em contrapartida, acrescenta uma valência militar às informações estratégicas de defesa, a que, de resto, já incumbia a área da segurança externa da República.
O que o Governo verdadeiramente pretende é justificar a atribuição do serviço estratégico de defesa ao Ministro da Defesa, com exclusão legal expressa de quaisquer outras áreas governativas. Por aqui se vê, afinal, a noção de prioridades do Governo em matéria de zelo pela independência nacional.
Os interesses estratégicos de defesa parecem ser, para este Governo, fundamentalmente de tipo militar.
Nada de mais errado para um pequeno país como Portugal, onde, manifestamente, os problemas da competitividade num mundo cada vez mais exigente e em mudança apelam a uma compreensão da independência nacional na óptica da economia, das novas tecnologias, do acesso à informação e aos conhecimentos científicos, dos problemas ambientais, matérias que deveriam exigir uma noção bem mais exigente dos interesses estratégicos nacionais.

Aplausos do PS.

Ao vermos afunilar, na vertente militar, a vocação do Serviço de Informações Estratégicas, em paralelo com uma acentuada concentração do poder de comando na figura do Primeiro-Ministro, não podemos eximir-nos a uma primeira conclusão, na disputa tradicional de influência entre os Srs. Ministros Fernando Nogueira e Dias Loureiro, o primeiro bate o segundo em toda a linha, ganhando preponderância num novo serviço e passando a dispor de influência em dois, enquanto o Ministro da Administração Interna, nos termos da proposta de lei, perde tutela autónoma sobre o Serviço de Informações de Segurança.

Vozes do PS: - É verdade!

Protestos do PSD.

O Orador: - Eis, Srs. Deputados, afinal de contas, um sistema de informações claramente desenhado à medida da influência partidária dos Ministros deste Governo. Para disfarçar o problema, vieram hoje sentar-se lado a lado como se, de facto, a questão porventura não existisse. Mas existe, todos sabemos que sim!

Aplausos do PS.

Segunda conclusão: por efeito da proposta, passamos a um sistema com duas direcções-gerais, funcionalmente todo ele unificado na figura do Primeiro-Ministro. Como resultado, temos que os Ministros são colocados no papel de simples assessores do chefe do Governo e este como um superintendente operacional de toda a produção de informações em Portugal.

O Sr. José Puig (PSD): - Que grande estadista!

O Orador: - Quem acha que todo o poder tende ao abuso e o poder absoluto a abusar absolutamente poderá facilmente apresentar, como exemplo a não seguir, o modelo de informações proposto e que agora o Governo pretende.
A segunda questão respeita ao modo de exercício das actividades dos serviços. Num golpe de mágica, Srs. Deputados, onde a lei actual - e peço a vossa atenção para isso - qualifica as actividades dos serviços de informação como, cito, «actividades de pesquisa», a proposta desqualifica o conceito de actividade por forma a viabilizar outras possibilidades de acção, provavelmente de natureza operacional, por parte dos serviços de informação.
Eis, afinal, a tentativa de legitimação, a posteriori, de casos como o do GAL, exemplo do péssimo envolvimento de agentes de informações em ocorrências operacionais de todo incompatíveis com a natureza legal dos serviços de informação.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - A inserção de uma componente militar no Serviço de Informações Estratégicas vem, aliás, reforçar a suspeita de uma intenção de abertura de portas a essas actividades operacionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas, atenção, a irmos por aí, o caminho por onde iremos já nada tem que ver com as concepções inicialmente conferidas aos serviços de informação, limitados originariamente à recolha e ao processamento de informações.
Há, por outro lado, que clarificar um problema do maior melindre relacionado com o regime de exclusividade dos agentes e funcionários dos serviços de informação. Onde encontrar cobertura legal para as redes de informadores de que se fala, à margem dos quadros de pessoal?
Quando, na proposta de lei, o Governo quer autorização legislativa para definir um regime de pessoal, que envolve civis e militares, sem lhe definir o alcance, admite que lhe passemos um tal cheque em branco?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, nem pensar!

O Orador: - Impossível, digo-lhes eu! Vivemos num Estado de direito que, nos termos constitucionais, deve respeito pela legalidade democrática e pelos direitos dos cidadãos.

Protestos do Deputado Silva Marques.

O Orador: - Tenha calma Sr. Deputado Silva Marques, não se enerve, ainda tem mais para ouvir!
Tudo, mas tudo, afinal, o que não puder ser sindicável por algum órgão de controle do Estado de direito mergulha no estado de segredo, esse sim, típico dos regimes autoritários.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Eis o que não aceitamos, exigindo, por isso, uma consagração legal do princípio da exclusividade, das condições de excepção e do averbamento em quadros próprios dos funcionários e agentes dos serviços de informação.
Quanto à terceira questão, a dos limites à actividade dos serviços e do seu relacionamento com entidades externas

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ao sistema, os serviços de informação, é sabido, não podem desenvolver actividades do âmbito dos tribunais e das polícias, designadamente de investigação processual ou de detenção de pessoas. Há, todavia, problemas de articulação entre serviços de informação e entre estes e outras instituições de garantia de legalidade.
Ao pretender reconstituir um amplíssimo regime de segredo de Estado, à revelia e para além da lei que recentemente definiu o seu âmbito, susceptível de oposição aos tribunais por decisão de oportunidade do Primeiro-Ministro, a proposta reabre um problema do maior melindre, o da oposição de uma vasta zona de segredo à investigação judicial.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Cuidado, que vai preso!

O Orador: - O Tribunal Constitucional, em questão incidental suscitada no caso GAL, evidenciou a inconstitucionalidade orgânica do regime vigente.
Sendo assim, impõe-se repensar, sem precipitações, a solução à luz dos equilíbrios exigíveis entre a aplicação do segredo de Estado e do segredo de justiça e a necessária separação de poderes, indispensável ao normal funcionamento do Estado de Direito.
E eis, por isso, que nos confrontamos com outra questão: a das garantias de funcionamento imparcial dos serviços e da sua fiscalização eficaz.

Protestos do Deputado Silva Marques.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - O Sr. Deputado Silva Marques está a dar um grande contributo para a seriedade do discurso do Sr. Ministro!

O Orador: - A proposta governamental, todavia, revela-se inteiramente indiferente aos múltiplos apelos dirigidos a uma reapreciação dos poderes do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações.
Ao ficarem as coisas como o Governo pretende, então, teríamos um sistema de informações definitivamente centralizado, subordinado à orientação exclusiva do Primeiro-Ministro, largamente imune ao controle judicial e de legalidade, cada vez mais fechado às capacidades de fiscalização derivadas do Parlamento, com um Conselho de Fiscalização definitivamente condicionado a apreciar relatórios fornecidos pelos serviços, após aprovação prévia do Governo.
Se a tudo isto acrescentarmos a pretensão de definir regimes excepcionais face ao regime da função pública, das regras gerais de contabilidade pública e da fiscalidade, ao abrigo de autorizações legislativas completamente em branco e, por isso, sem os suficientes requisitos de constitucionalidade, temos o quadro negro da tentativa de consumação de uma orientação governativa muito mais próxima das obsessões dos Estados de segurança estruturados para combater os pluralismos e o inimigo interno do que para garantir a segurança dos cidadãos, os direitos fundamentais e o normal funcionamento das sociedades abertas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Contra este modelo, de todo inaceitável, o PS contrapõe, em primeiro lugar, um Sistema de Informações da República que permaneça baseado em três serviços plenamente integrados entre si; que o Serviço de Informações de Segurança não evolua, como também pretende o Governo na proposta, para uma abrangência indiscriminada de todo o tipo de actividades de segurança interna, factor absolutamente perturbador da vida normal da sociedade aberta, como, aliás, se viu abundantemente nos últimos tempos; que o Serviço de Informações Estratégicas seja, por seu lado, constituído como um serviço de matriz civilista, susceptível de trabalhar informações estratégicas verdadeiramente relevantes para a defesa e a independência nacionais; que o Serviço de Informações Militares permaneça, por sua vez, integrado no sistema com a sua componente de processamento das informações de segurança militar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Nós confessamos tudo, Sr. Deputado Jorge Lacão!

Em segundo lugar, um sistema que veja reforçadas garantias de isenção e de separação de poderes, designadamente por uma maior interdependência institucional no processo de nomeação dos directores dos serviços. Para tal, Srs. Deputados, o PS vai propor, em sede de revisão constitucional, solução claramente inovadora, ou seja, que as nomeações dos directores dos serviços de informação passem a ocorrer mediante audição pública, em sede parlamentar, dos designados.

Aplausos do PS.

Assim se estabelecem requisitos de avaliação segura da idoneidade e do adequado perfil dos nomeados, a par de uma acrescida garantia de que os serviços de informação estão ao serviço da República e não do Governo do momento.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

Em terceiro lugar, Srs. Deputados, queremos um sistema que garanta condições de fiscalização eficaz. Para o efeito, o PS, que em vão aguardou neste aspecto a iniciativa do Governo, apresenta um projecto de lei de redefinição dos poderes do Conselho de Fiscalização, conferindo-lhe possibilidades efectivas de averiguação quanto ao funcionamento em concreto dos serviços e superando de vez qualquer ideia de dependência do Conselho, em face das tutelas, para o exercício das suas atribuições e permitindo-lhe ainda conhecer do tratamento das informações no quadro dos demais serviços e forças de polícia, matéria presente no projecto de proposta do Governo e dela retirada por arrependimento de última hora.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas nós já confessámos isso!

O Orador: - Um sistema correctamente fiscalizado é um sistema que oferece confiança aos cidadãos. E a confiança, em matéria de serviços de informação, é absolutamente indispensável, ainda mais quando a credibilidade do sistema se encontra tão afectada como o está neste momento.
Em conclusão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, norteados por exclusivas preocupações de Estado numa matéria cuja regulação deve ser estabelecida visando consensos alargados e não imposições apressadas, o PS vai bater-se pela concretização dos objectivos que acabei de enunciar, mas vai, também, diligenciar por todas as vias institucionais ao seu alcance, desde já no presente processo legislativo, para que muitas das modificações, demonstradamente prejudiciais, apresentadas pelo Governo não façam vencimento, para bem do Estado de direito, da sociedade pluralista e da garantia efectiva dos direitos fundamentais dos cida-

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dãos, afinal, para tranquilidade de todos nós, mesmo quando nos baterem à porta, um qualquer dia, às 6 da manhã!

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Num debate acerca de matéria com este relevo e complexidade, penso que devemos reflectir um pouco sobre a criação e desenvolvimento do Sistema de Informações da República, tomando em devida conta as propostas e as políticas dos maiores partidos com representação parlamentar.
Em Março de 1984, apresentando no Parlamento a proposta de diploma que originaria a Lei n.º 30/84, afirmava, em nome do Governo, o então Ministro do Estado e Assuntos Parlamentares, Dr. Almeida Santos: «O Estado deve ser justo, mas não tem de ser ingénuo. Vai para uma década que, de algum modo, somos uma coisa e outra ... Temos medo de quê? De que serviços dependentes do Primeiro-Ministro, do Ministro da Defesa Nacional ou dos mais altos chefes militares e fiscalizados por esta Assembleia, violem os direitos fundamentais dos cidadãos? Mas, então, esta lei ou os serviços por ela criados podem, assim, revogar a Constituição da República? Confiamos assim tão pouco nas instituições democráticas?!
Se bem ajuízo, há quem tenha medo, em democracia, de uma lei democratíssima mas não dos atropelos à segurança dos cidadãos que precisamente essa lei se destina a prevenir e a evitar. É bem isso ou será que se receia que a simples existência de normalíssimos serviços de informações, criados à luz do dia, controlados à luz do voto e fiscalizados por este Parlamento, traga no seio o risco de uma nova ditadura? Ainda aqui, amorosamente, cultivamos ilusões! A melhor forma de encomendar um tirano reside precisamente, não no reforço da protecção dos cidadãos, mas no seu desgaste».
Mais adiante, respondendo a críticas formuladas por Deputados do Partido Comunista Português, centradas nos escassos poderes de fiscalização do Conselho, afirmava o actual líder parlamentar do Partido Socialista: «(...) não há dúvida que, embora na sua criação, na sua génese e nos seus controles esses serviços devam ser o mais possível cristalinos, também é óbvio que não podemos sequer imaginar serviços de informações que se comportassem em termos de quem olha através de uma vidraça. Seríamos então supinamente ingénuos se admitíssemos que um serviço deste tipo alguma vez podia funcionar» (...), considerações que mereceram o aplauso de Deputados dos Grupos Parlamentares do PS e do PSD, reflectindo o entendimento dos dois maiores partidos do nosso espectro democrático, assim se justificando que estes partidos, juntamente com o CDS, tenham protagonizado a aprovação da Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa.
Quanto à posição então defendida pelo PCP, uma análise fria e objectiva da mesma conduz à inevitável evidência das muitas contradições subjacentes, como, aliás, acontece com todas, ou quase todas, as verdadeiras questões de regime.
De facto, resulta, em primeiro lugar, das palavras do então Deputado Lino Lima, uma enorme preocupação com as eventuais semelhanças entre as competências e os métodos dos Serviços de Informações da República e os da extinta PIDE/DGS de má memória.
Mas mais adiante, o Deputado Carlos Brito, do mesmo grupo parlamentar, declara textualmente que «(...) da nossa parte admitimos a existência, que, aliás, se verifica, de um serviço relativo à defesa nacional ou segurança externa, preferencialmente militar, mas com a adequada fiscalização parlamentar, como existe noutros países, e a existência, que também se verifica já, de Serviços de Informações da polícia de investigação criminal correctamente organizados».
E, noutro passo, afirma o mesmo Deputado que «É claro que (...) em Portugal sempre existiram serviços de informações desde o 25 de Abril. Trata-se, pois, de um dado de que nos servimos para demonstrar a desnecessidade destes Serviços de Informações que agora se propõem. E em relação aos Serviços propostos, vamos ver mais de perto alguns dos seus aspectos.
Em relação às informações militares, nada a dizer.
Em relação às informações relacionadas com a defesa nacional, qual o motivo porque se separa esta matéria dos Serviços de Informações Militares? Qual a vantagem, qual a funcionalidade desta separação?» - aliás, a posição de hoje do PCP é também, pela boca do Deputado João Amaral, perfeitamente antagónica e contraditória com esta defendida na altura.
E continuando, afirmava ainda o mesmo Deputado que «(...) quanto à questão da violência e do banditismo, nós dizemos não ser necessário um Serviço de Informações, visto que, para esse problema, há a Polícia Judiciária e é nesse campo que a Polícia Judiciária deve actuar».
De facto, o PCP defendia esta posição e estas eram as palavras do Deputado Carlos Brito. Ou seja, em termos de defesa nacional, preferia o Grupo Parlamentar do PCP a tutela militar, como, na altura, era habitual hoje já não tanto.
Por outro lado, no que respeita à segurança interna, apelava-se para a sobreposição das actividades policiais e de produção de informações. Isto é, solução que estaria, pelo menos, nas fronteiras de nova polícia de informações, exactamente o que se pretendeu evitar na solução que foi legalmente consagrada.
Tudo como, aliás, se vem expondo, de forma bem clara, nos pareceres do Conselho de Fiscalização apresentados à Assembleia, nos termos do n.º 3 do artigo 8.º da Lei n.º 30/84.
Num deles, referente aos anos de 1991 e 1992 refere-se que «(...) houve uma grande preocupação (por parte do legislador de 1984) em separar a actividade específica das informações da actividade policial e da função judicial, como forma de evitar o ressurgimento de uma polícia política ou polícia de informações».
Entrando na análise da proposta de lei hoje em debate, sublinha-se, desde logo, a extinção do Serviço de Informações Militares. No entanto, prevê-se a continuação das actividades de informação de natureza operacional específica, desenvolvidas pelas Forças Armadas, no âmbito estrito das suas necessidades internas de funcionamento e do desempenho das missões que lhes estão legalmente confiadas.
Ou seja, os Serviços de Informações Militares vêem apenas ajustada a sua dimensão e estrutura às efectivas necessidades de funcionamento interno inerentes ao desempenho das suas missões.
Em boa verdade, a existência de três serviços de informações é característica das mais poderosas potências internacionais, não sendo, de resto, a regra nos países comunitários.
Num país pequeno como Portugal afigura-se-nos que a evolução proposta se mostra adequada, em nome de uma efectiva racionalização dos recursos disponíveis.

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Por outro lado, desapareceram, com a criação do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e militares, as razões que têm fundamentado as críticas do Conselho de Fiscalização ao Sistema de Informações, assentes na atribuição das funções do SIED ao Serviço de Informações militares, que, em seu entendimento, seria o menos vocacionado para o respectivo exercício, dada a sua dependência hierárquica, impossibilitando mesmo a responsabilização directa do Governo.
Por outro lado, prevendo-se que as actividades de informação operacional específica se mantenham na esfera de competências das Forças Armadas, acolhem-se as reservas do Conselho quanto à real fusão dos serviços existentes - aliás, tal trabalho não escapa ao ónus de apresentação de relatórios, sujeitos à apreciação do Conselho de Fiscalização.
Evitando uma análise pormenorizada de todas as soluções constantes da proposta de lei, que se tornaria maçadora e desnecessária, refira-se apenas a saudável proibição de conexão de centros de dados, o aperfeiçoamento do dever de sigilo dos funcionários e agentes, a regulamentação da prestação de depoimento ou de declarações perante autoridades judiciais, em termos que não divergem essencialmente dos previstos no artigo 137.º do Código de Processo Penal e, por último, a determinação dos dados e informações que podem ser abrangidos pelo regime do Segredo de Estado - aliás, esta última teria de ser efectuada, cumprindo-se o disposto no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 6/94, que aprovou o regime do Segredo de Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Conselho de Fiscalização tem alertado para algumas dificuldades de interpretação do artigo 8.º da Lei n.º 30/84. Trata-se, pois, de saber se o conceito de esclarecimentos complementares englobam os diferentes relatórios preparados pelos serviços.
No entanto, o Conselho reconhece que a questão ou a dificuldade não se tem, na prática, concretizado, pois o Governo, desde 1987, tem interpretado o aludido normativo de acordo com o entendimento do Conselho, fornecendo todos os esclarecimentos complementares solicitados, incluindo os diferentes relatórios preparados pelos serviços - aliás, a respeito do Conselho de Fiscalização, da sua composição, funcionamento e competências, o Grupo Parlamentar do PSD sente-se particularmente à vontade.
Efectivamente, não somos nós, são outros, quem constantemente coloca em causa o seu trabalho, o conteúdo dos seus pareceres, quem os tenta ultrapassar por todos os lados com propostas de criação de comissões de inquérito que lhes disputariam as competências de fiscalização.
Por vezes, os Deputados dos Grupos Parlamentares do Partido Comunista Português e do Partido Socialista não tentam apenas ultrapassar o Conselho, tentam verdadeiramente atropelá-lo, o que, a concretizar-se, teria certamente efeitos mortais.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Consegue dizer isso sem se rir!...

O Orador: - O sistema de fiscalização por uma Comissão Parlamentar eleita não é corrente, por exemplo, na Europa Comunitária, não existe em países cujo regimes genuinamente democráticos ninguém ousará, certamente, colocar em causa, seja o Reino Unido, o Luxemburgo, a Espanha ou a Holanda. Portugal escolheu este caminho, influenciado sobretudo pelo sistema alemão e pensamos que escolheu bem e que não há motivo para recuos ou mudanças significativas.
Assim sendo, aceitamos, como temos demonstrado, os pareceres do Conselho, independentemente do seu conteúdo. Recusamos o maniqueísmo de outros, que só os aceitam quando eles expressam o que, politicamente, mais lhes convém, ou pensam que lhes convém.
O que não aceitamos é propostas como as do PCP, que pretendem Serviços de Informações devassados, pela simples razão de que, como bem expôs o actual Presidente do Grupo Parlamentar do PS em 1984, «tais serviços assim não podem funcionar»!
Não nos espanta tal iniciativa do PCP, que sempre foi contra o funcionamento e existência dos Serviços de Informação, com excepção dos militares.
Quem nos surpreendeu profundamente foi o PS! Entusiasmando-se, apresentou agora este Grupo Parlamentar uma iniciativa legislativa inédita em todo o mundo, ultrapassando o PCP pela esquerda, pela direita, por cima, por baixo, por todos os locais possíveis de ultrapassagem. Manteve a possibilidade de visitas inspectivas, acrescentou a de requerer e obter directamente dos Serviços os esclarecimentos complementares, a de sugerir procedimentos de inquéritos ou sancionatórios, etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Analisando as posições dos quatro maiores partidos aqui representados, verificamos que só o PSD e, de certa forma, faça-se essa justiça, o CDS, mantêm uma linha de rumo coerente no que concerne ao Sistema de Informações da República.
O PCP, demonstrando uma notável conversão, já não defende a pura e simples extinção dos Serviços de Informações não Militares.
Essa posição é agora exclusivamente assumida pelo Deputado Independente Mário Tomé, coerente, é certo, mas só que o abandonaram!
O Partido Socialista pretende agora que nem a simples vidraça que, em 1984, o Ministro de Estado Almeida Santos considerava o símbolo da ingenuidade, possa existir, certamente por impedir a análise a olho nu. Que explicações, perguntamos, para esta rotação de 180.º? Será uma evolução real do PS, influenciada, por alguns recém-convertidos à democracia mas, certamente, ainda pouco habituados à sua vivência? Ou será que têm razão os que garantem a existência de dois partidos socialistas, um para o poder, outro para a oposição?

Vozes do PS: - Três!...

O Orador: - E se assim for, com que surpresas nos presenteará ainda, até onde poderá ir o Partido Socialista, com a previsível continuação do calvário de oposição?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, gostaria de lembrar que o projecto de lei n.º 429/VI, do Partido Socialista, relativamente ao reforço das competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação, depois de se alargarem efectivamente o âmbito e a efectividade dessas competências, diz que «os pareceres do Conselho de Fiscalização são produzidos tendo em consideração as disposições legais sobre o segredo de Estado e o dever de sigilo», ou seja, com garantias de reserva sobre as posições externas do próprio conselho de fiscalização.

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Ora, se V. Ex.ª não entende o alcance desta medida para preservar as condições de trabalho discreto dos serviços de informação, não percebeu nada e revela que, daquela tribuna, só disse disparates acerca da iniciativa do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Ah!...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, o que está em causa não é nem o dever de sigilo nem o de segredo de Estado, que, como é óbvio, têm de ser respeitados, pelo que nem precisariam de ser referenciados nesse número, de forma expressa. O que está em causa e resulta da exposição bem clara do então Ministro de Estado Almeida Santos, é o facto de serviços desse género não funcionarem se forem serviços com uma vidraça, se forem serviços devassados.
O Sr. Ministro da altura explicou bem o porquê de ter de se encontrar o equilíbrio entre o dever de fiscalização e o dever de respeitar alguma característica própria de funcionamento desses serviços.
Quanto aos disparates, até porque pouco disse sobre essa matéria, ...

Risos do PS.

... imputo-os a V. Ex.ª relativamente ao dirigente da seu grupo parlamentar. E olhem que ele não merece, porque o Sr. Dr. Almeida Santos, quer pela intervenção feita na altura, que li, quer pela produzida hoje, sabe muito mais que o senhor sobre isto! Portanto, não merece que lhe façam essa injustiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei em apreço, que visa alterar a Lei-Quadro do Sistema de Informação na República Portuguesa, tem um objectivo importante, repor a legalidade que nos parece violada desde a entrada em vigor da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro. Trata-se, por outro lado, de resolver uma questão organizacional, com respostas internacionais muito diferentes, e que diz respeito ao número de serviços em que se analisa o sistema de informação dos vários países.
Olhando apenas para o que se passa com os nossos aliados e pondo de lado os Estados Unidos da América, onde pelo menos são identificáveis seis serviços, a solução varia entre três (Alemanha, França, Holanda, Itália), dois (o caso da Bélgica e do Reino Unido), ou apenas um (Canadá, Espanha, Luxemburgo, Suíça). A tendência mais evidente parece ser no sentido de adoptar um sistema binário, em que a divisão das competências atende ao critério territorial, serviço externo e serviço interno, dando relevo respectivamente às questões defensivas e ofensivas. Não parecem existir muitas divergências quanto ao conceito binário, que, por outro lado, segundo a experiência, corresponde a necessidades diferentes, pelo que toca à formação e aptidões do pessoal.
Na definição original que agora está a ser revista, o sistema orientou-se num sentido que, teoricamente, pode considerar-se mitigado do sistema binário, o de instituir um Serviço Militar de Informação especialmente dedicado às informações que interessam às Forças Armadas. Talvez não seja de omitir que a criação desse sistema trino, sem dúvida baseado em considerações técnicas e organizativas, também foi, na data, influenciada pela atitude de cautela em relação a uma eventual excessiva concentração de poderes no Governo.
Os factos desenvolveram-se em termos de ter sido organizado o Serviço de Informações Militares, estruturado pelo Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Junho, e de não ter entrado em funcionamento o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, que também fora criado pela Lei-Quadro. Não é necessário insistir agora no facto de ser inaceitável que o executivo decida da oportunidade, ou falta dela, de executar fielmente a legislação votada pela Assembleia da República porque está assumida a consciência desse facto e a reprovação dele. O que tem actualidade é a questão de adoptar agora um sistema binário, não esquecendo que o Decreto Lei n.º 48/93, de 26 de Fevereiro, que aprovou a Lei Orgânica do Estado-Maior-General das Forças Armadas, definiu no artigo 14.º a Divisão de Informações Militares (DIMIL), integrada no COFAR (Centro de Operações das Forças Armadas), que apoia o exercício do comando operacional das Forças Armadas.
Está acautelada a informação específica das Forças Armadas, que, de facto, no Serviço de Informações Militares, estava estritamente dependente do Conselho de Chefes, e o Ministro da Defesa era, por intermédio do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, informado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Admitindo que, a esta altura da vida do regime, a questão da multiplicação dos serviços, para evitar a concentração de poderes, está ultrapassada, o problema transfere-se para a eficácia e fiabilidade da fiscalização.
Do ponto de vista organizacional, pode colher-se a impressão de que, entre os nossos aliados, a tendência para terem esse serviço separado é mais comum nos Estados com a experiência da invasão pelo inimigo externo e desmantelamento do aparelho político. Vamos admitir que simples razões de meios disponíveis, humanos e materiais, aconselham a repor a legalidade pela fusão dos dois serviços em apenas um, que é o proposto Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares, e com uma mais-valia de rentabilidade, o que abona a aprovação da proposta. Trata-se de um passo organizacional, mas a verdadeira questão é a da mudança da conjuntura estratégica, entre 1984 e a data em que discutimos esta proposta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Então, em 1984, ainda a guerra fria definia o clima de insegurança, a nossa participação na Aliança Atlântica dava-nos uma posição, que outros aliados partilhavam, de consumidores da segurança. A mudança foi radical depois de 1989 e tudo o que constituía o pressuposto da legislação emitida nessa data por esta Câmara se alterou substancialmente.
À ordem de Yalta, pontuada por pequenas guerras, sucedeu uma situação em que as pequenas guerras se multiplicam e tudo é imprevisível, a começar pela linha do Mediterrâneo. A tragédia dos Balcãs é suficiente como

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exemplo alarmante. E impossível ignorar-se que os targets de 1984 desapareceram e que os serviços necessitam de alterar filosofias, práticas e recursos científicos e técnicos.
Note-se, como exemplo alarmante, que, como declarou recentemente Raymond Kendall, Secretário Geral da Organização Internacional da Polícia Criminal, OIPC - Interpol, «a droga ameaça a segurança das democracias». Já deu ela exemplo de dominar o governo efectivo de um Estado ocidental na América Latina e não é demais insistir na afirmação de que existe uma ligação estrutural entre o comércio das drogas, o financiamento de movimentos armados de mais de um tipo, a indústria e o comércio das armas. Pessoas como o Cardeal Konig, o Prémio Nobel Eli Wiesel ou a notável Catherine Lalumiere pregam a boa doutrina, mas o estado e os serviços de informação têm de tornar-se efectivos na segurança.
Também é evidente que a segurança interna e externa têm cada vez maior dependência dos movimentos financeiros, da apropriação dos adiantamentos técnicos e científicos, da tomada do controle de instituições financeiras, um facto que alinha, em plano diferente, com a desvalorização das fronteiras, com um descontrolo crescente sobre a formação de colónias interiores que, entre nós, começam a fazer lembrar velhas cautelas das Ordenações do Reino e que, agora, se tornam de gestão mais difícil porque é outra a perspectiva de conciliar a segurança interna e externa com os direitos do homem. E daqui a frequência crescente do conflito entre a legitimidade, que o Estado é tentado a assumir, e a legalidade que resulta dos tratados e das leis internas.
Fazemos por isso bem em redefinir a legalidade organizacional e parece não haver qualquer inconveniente em adoptar o modelo binário. Mas precisamos urgentemente de debater a nova conjuntura para conseguir uma perspectiva geral dos órgãos de soberania que, apenas a partir dessa percepção, poderão acertar o regime mais razoável para a definição da responsabilidade política pelos serviços, a eficácia da fiscalização e o respeito pela legalidade. Esse é o debate que precisamos de ter nesta Câmara, sobretudo tendo em conta que não fácil conciliar a investigação desses serviços com a publicidade, mas é possível e indispensável que coincida internamente com a legalidade.
Neste plano, parece-nos de sublinhar que um serviço incumbido das informações que contribuem para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais, da segurança externa do Estado português para o cumprimento das missões das Forças Armadas e para a segurança militar não pode dispensar um rigoroso dever de sigilo em relação aos funcionários, que não podem ser candidatos ao vedetismo das revelações e das memórias com os incidentes menores habituais nesses trajectos. Este dever não tem relação directa com a protecção do regime de segredo de Estado e tem de assumir-se que o excede, mas não parece fácil tornar menor a exigência.
Quanto ao segredo de Estado, tem de entender-se que o proposto no artigo 8.º, especialmente no n.º 2, não pode exceder a legislação em vigor no seu entendimento. As críticas que poderão ser feitas são em relação à definição legal que está em vigor e não quanto ao artigo 8.º, directamente. Mas é o facto de a natureza das coisas tornar impossível que serviços que ligam com a confidencialidade sejam desligados da classificação das matérias com que lidam, que torna urgente rever a fiscalização e o controlo. A própria Assembleia da República talvez necessite, para aumentar a sua capacidade de intervenção eficaz, de favorecer as sessões não públicas, previstas em Constituições europeias e que fazem parte da nossa tradição constitucional, para discutir francamente e sem limites as mudanças da conjuntura. O Regulamento de 1857, da Câmara dos Deputados, permitia as sessões secretas; o Regulamento da Câmara dos Pares, de 1884, previa o funcionamento em sessão secreta; o Regulamento do Senado, de 1914, admitia as sessões secretas.
Não é difícil enumerar inconvenientes inerentes a essa prática, mas é necessário correr alguns riscos operacionais para fortalecer a intervenção fiscalizadora do Parlamento, porque não se antevêem dificuldades de maior para ir aperfeiçoando a intervenção do Procurador-Geral da República ou da Comissão de Fiscalização na área dos centros de dados.
O poder judicial tem meios e, se necessário, deverão dar-se-lhe outros, para que não seja abusivamente travado pela classificação do segredo de Estado ou da confidencialidade. O que parece deficiente é o mecanismo de intervenção da Assembleia da República, à qual incumbe assegurar que o segredo não cubra a ilegalidade e que o saber secreto não acrescente indevidamente as capacidades do executivo, de qualquer executivo!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Eduardo Pereira. Dado que o CDS-PP já não dispõe de tempo para responder, a Mesa irá conceder-lhe um minuto para esse efeito.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira, não há dúvida nenhuma de que V. Ex.ª fez a confissão de que não vê muitos inconvenientes ou, melhor, até vê alguma razão na mudança de três para dois serviços, tendo admitido, aliás, que havia um serviço militar que continuava e, portanto, a alteração seria de três para três serviços. Falou um pouco de concentração, mas só de serviços, não tendo feito qualquer referência à concentração de poderes, ou seja, poderia haver três serviços e passar para dois mas com alguma independência entre si.
O Sr. Deputado Adriano Moreira conhece bem o diploma e sabe bem que o responsável pelos dois serviços é, em primeira linha, o Sr. Primeiro-Ministro, que nomeia e exonera o secretário-geral da comissão técnica sem ouvir os outros ministros, que o serviço, para além de autonomia administrativa, goza de autonomia financeira e que, ainda por cima, está livre de prestar contas ao Tribunal de Contas. Portanto, há aqui uma dupla concentração: há concentração de serviços - com a qual não concordo, mas não é esse ponto que gostaria que esclarecesse - e há uma concentração de poderes. Ora, sobre esta última questão não disse uma palavra e gostaria que o fizesse.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Pereira, agradeço a sua pergunta mas queria dizer-lhe que, no meu discurso, não tinha qualquer intenção de fazer uma confissão porque, aqui, não há um regime de confessionário, a discussão é aberta e não há nenhuma confidencialidade.
Por outro lado, queria dizer-lhe que aquilo que me preocupa mais é a teoria do Estado e aquilo que pude estudar, depois de ver a proposta de lei, levou-me a que a tendência ocidental - refiro-me a países com uma dimensão

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média pequena - é para os serviços binários, excepto nos países que têm experiência de ter sido invadidos. Isso é uma coincidência que me pareceu verificar e tomei nota para não a deixar perdida, referindo-a na Câmara.
Por que é que isto acontece? Nos países que têm experiência de ser invadidos, as forças armadas tendem a ter um serviço de informação privativo porque, quando a invasão dissolve o poder político, precisam de ter algum nervus do governo. Suponho que esta é a orientação, de um ponto de vista organizacional.
Porém, um país pequeno como o nosso vai ter dificuldades, se quiser ter um serviço sério, em encontrar gente tecnicamente habilitada, sobretudo com o que se chamam hoje (espero que não seja com sentido pejorativo!) as ciências soft, que são as ciências sociais, para poderem participar nestes serviços. É muito difícil isso!
Por outro lado, ainda, Sr. Deputado (e continuo apenas a seguir as observações objectivas que tentei colher), o tipo de funcionário para os serviços externos não coincide, de maneira nenhuma, com o tipo de funcionário requerido para os serviços internos. Ora, como nós não temos, felizmente, o tal problema da invasão e como não temos a riqueza de meios técnicos de toda a espécie, pareceu-me que o serviço binário era uma solução, de acordo com a experiência europeia, e também verifiquei que o serviço de informações que se mantém, nas Forças Armadas, a tal DIMEL, a meu ver, tem uma melhor definição do que tinha.
Aquilo que quero dizer e que, de uma maneira um pouco leve, já abordei, é que penso que o serviço anterior cortava muito a intervenção do Ministro nos serviços: o serviço dependia do Conselho de Chefes e o intermediário era o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: -... e não penso que um Ministro da Defesa possa estar a superintender num serviço em que o cordão umbilical é o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e não ele.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Só com uma pequena diferença, é que o Ministério da Defesa Nacional, com a estrutura, as competências que tem hoje, e tem-nas há um ano e pouco, à data, não podia estar «pendurado» do Ministro da Defesa Nacional.
Por outro lado, somos um pequeno País sem experiência de invasões, mas somos também um pequeno País com muito experiência de ditadura. E isso também é importante.

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado. Eu não estava a referir-me ao estado de espírito na data em que se votou a lei que estamos hoje a alterar. Estou a referir-me ao futuro, que é para isso que se destina esta lei, é para reger o futuro. E toda a pessoa que tem alguma experiência do que é uma instituição forte, sobretudo, a instituição militar, tem de admitir que um serviço que depende do Conselho de Chefes e tem por intermediário o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas é, institucionalmente, um serviço importante mas é institucional. A intervenção é mais difícil; não estou a dizer que é impossível, mas é mais difícil.
Portanto, o serviço actual é o serviço que interessa à instituição tal como ela existe.
Por outro lado...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, pedia-lhe que concluísse, porque o tempo esgotou, quer para um quer para o outro.

O Orador: - Sr. Presidente, só posso falar com a benevolência da Mesa, porque não disponho de tempo.
Apenas quero dizer que não me referi à concentração de poderes mas, sim, à de serviços.
Agora, vou referir-me à concentração de responsabilidades no Primeiro-Ministro. Folgo por, finalmente, estar consignada na lei a responsabilidade directa do Primeiro-Ministro, porque uma coisa que se pede na teoria dos serviços de informação é que se saiba quem é o responsável político cuja cabeça responde pela confidencialidade. E eu prefiro um serviço onde saiba quem é o responsável político que não pode, nunca mais, dizer que a responsabilidade é do subordinado. É isso que prefiro!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Desse ponto de vista, é mais fácil cortá-la depois!

O Orador: - Isso é com o Sr. Deputado!

Risos.

Mas gostaria que esta questão ficasse muito clara. Não podemos continuar e, em geral, não há na Europa serviços em que o responsável principal possa dizer «Isso não é comigo, isso foi ali com o meu ministro». Julgo, pois, que a assumpção da responsabilidade directa pelo Primeiro-Ministro é uma definição, do ponto de vista do Estado, importante.
Finalmente, penso que a Assembleia da República precisa de mais meios de intervenção. Foi por essa razão que me referi ao passado constitucional português e não a qualquer disposição do regime constitucional da ditadura, porque elas não precisavam de ser citadas, eram anteriores.
Isso também exige, da parte dos Deputados, a assumpção total do dever de sigilo, que é fundamental. E, nesse ponto, é a Assembleia que o deve resolver, está nas nossas mãos fazê-lo. Penso, que devíamos desenvolvê-lo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo intervir neste momento, depois de todos os grupos parlamentares terem tomado a palavra, para procurar esclarecer alguns pontos e responder às críticas que foram presentes em nos discursos.
Permitir-me-ão, porém, que, em primeiro lugar, deseje apresentar ao Sr. Deputado Adriano Moreira os meus agradecimentos pela forma elevada como colocou a questão, porque, efectivamente, o que estivemos a discutir aqui foi teoria do Estado, que, a estes níveis, deve merecer uma postura de grande seriedade e elevação intelectual que V. Ex.ª, mais uma vez, demonstrou aqui.
É a minha opinião, tenho direito de a expor!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dar uma explicação em relação a algumas críticas que aqui foram formuladas, justas e pertinentes, designadamente o tempo que demorou sem que se tivesse implementado o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa. É uma crítica justa, porque a lei existe desde 1984 - é verdade que os serviços propriamente ditos só foram criados por decretos-leis orgânicos subsequentes em 1885 e até hoje o Serviço de Informações Estratégicos de Defesa não foi criado.
No entanto, quero esclarecer os Srs. Deputados sobre qual terá sido, do meu ponto de vista, a razão por que assim

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sucedeu. Julgo, aliás, que são duas razões de natureza diversa. A primeira, porque seria uma ligeireza criar ao mesmo tempo, a partir do nada, dois serviços de informações: o Serviço de Informações de Segurança e o Serviço de Informações de Estratégicas de Defesa. Seria uma ligeireza e uma leviandade, porque criar um serviço de informações não é criar uma repartição administrativa; porque recrutar pessoal para os serviços de informações não é recrutar pessoal para uma tarefa burocrática qualquer, que não tenha a ver com os valores mais relevantes para o Estado e para os Direitos, Liberdades e Garantias.
Portanto, seria irresponsável que o Governo tivesse, com sentido de responsabilidade, a presunção de ser capaz de, ao mesmo tempo, desenvolver dois serviços de informações.
Srs. Deputados, optou-se por começar pela criação-implementação do Serviço de Informações de Segurança. E porquê? Porque, como toda a gente sabe - e mesmo aqueles que fazem de conta que não sabem, sabem-no -, havia um serviço que estava a produzir todas as informações e, muitas vezes, escapava ao próprio controlo dos órgãos democráticos e dos órgãos de soberania. Havia um serviço que fazia informação relevante para a segurança interna, informação militar e informação estratégica de defesa.

Protestos do Deputado do PS Eduardo Pereira.

Sr. Deputado, já em sede de Comissão Parlamentar, em que tive o gosto de participar, expliquei-lhe que a DINFO tem existência legal, através de decreto-lei assinado por V. Ex.ª, e esta Assembleia, na Lei n.º 30/84, faz com que o director da DINFO tenha assento no Conselho Superior de Informações. Vem na Lei n.º 30/84 e no Decreto-Lei n.º 224/85.
Se me permite, acho que é uma questão menos relevante para me desviar do que procurava transmitir aos Srs. Deputados.
A segunda razão por que demoramos tempo para, ou implementar o SIED ou avançar para a proposta de fusão que agora apresentamos aos Srs. Deputados, tem a ver com uma outra questão, que é a da inserção das Forças Armadas no quadro daquilo que são as referências de organização democrática do Estado. Não era possível reconduzir as Forças Armadas portuguesas à tarefa exclusiva de trabalho de informações operacionais e tácticas, não estratégicas, enquanto não houvesse Ministério da Defesa e enquanto o Estado-Maior-General das Forças Armadas não fosse convertido num comando operacional, única e exclusivamente um comando operacional das Forças Armadas portuguesas. E por essa razão tivemos de viver com esse sistema até aos dias de hoje.
Certamente leram, porque VV. Ex.ªs, nomeadamente aqueles que acompanham as questões de defesa, são particularmente atentos a esta matéria, a Lei Orgânica do Estado-Maior-General das Forças Armadas, publicada em 1993, que cria a DIMIL e diz no seu artigo final: «Normas transitórias - Enquanto não se proceder à revisão do Sistema de Informações da República mantém-se em vigor a orgânica e as atribuições actuais da Divisão de Informações do Estado-Maior-General das Forças Armadas.». Disse-se isso no decreto-lei porque só então era possível avançar para a fusão dos dois sistemas e reconduzir aquilo que são informações militares específicas e de natureza táctica ao próprio Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Mas há outras razões supervenientes que justificam a opção do Governo. Assim, na minha intervenção inicial referi aos Srs. Deputados que as alterações no enquadramento internacional estratégico justificam justamente que hoje importa mais a informação estratégica de defesa do que a informação estratégica militar propriamente dita porque desapareceu a ameaça global.
E esse tema foi, com a devida vénia, muito bem retomado na intervenção do Sr. Professor Adriano Moreira. Aliás, para além de todas as outras razões, a alteração radical da envolvente internacional justifica que hoje não se sinta a necessidade de uma autonomização de serviços de informações estratégicas militares.
O Sr. Deputado Jorge Lacão terminou de uma forma que me permito considerar menos feliz. A que propósito, quando nesta discussão estamos a falar de informações estratégicas de defesa, vem a referência às seis da manhã?! Sr. Deputado, os objectivos do Governo são tão democráticos como os de V. Ex.ª e nem o Sr. Deputado, nem ninguém, tem o direito de, referindo-se a iniciativas do Governo nesta Assembleia, pôr em causa, pôr em dúvida ou lançar o velho argumento, aliás já gasto, de que o Governo de Portugal não tem objectivos democráticos.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª acrescentou que o Governo tem medo do debate, mas o Governo não tem medo do debate e V. Ex.ª tinha obrigação de o saber desde logo porque, na sequência da publicação, em Fevereiro de 1993, da Lei Orgânica do Estado-Maior-General das Forças Armadas, portanto, em Maio desse mesmo ano, tive ocasião de promover um debate com todos os partidos que têm assento nesta Câmara. Assim, por iniciativa do Governo, no fim de Maio ou em princípios de Junho de 1993 representantes do partido de V. Ex.ª estiveram reunidos comigo nesta Assembleia e o Governo anunciou que era seu propósito avançar com a proposta de fusão dos dois serviços.
Portanto, o Governo não escondeu nada de ninguém; escreveu-o na lei e desenvolveu contactos junto de todos os partidos sem excepção (CDS-PP, PCP, Os Verdes, PSN e PS), porque, dada a natureza da matéria em questão, os deveríamos pôr de sobreaviso e trocar impressões.
E para ver que não temos medo do debate, vou dar-lhe outro exemplo. Tendo surgido a exigência, do meu ponto de vista não inteiramente justificada, de que o Conselho Superior de Defesa Nacional fosse ouvido - quando não o foi, como já referi na altura da aprovação da Lei n.º 30/84 - o Governo aceitou ir debater essa matéria ao Conselho Superior de Defesa Nacional. Subsequentemente, quando foi solicitada pelo Presidente da Comissão Parlamentar de Defesa a apresentação, em sede de Comissão e antes da discussão no Plenário, da proposta de lei o Governo não teve medo de ir à Comissão apresentar as suas razões e discutir com os Srs. Deputados.
Estamos, portanto, aqui, de peito aberto ao diálogo, mas abertos também, naturalmente, à firmeza dos nossos propósitos e à reivindicação das nossas razões.
Devo dizer que constatei, na intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, que V. Ex.ª insiste no número três. Não gostaria de lembrar, pois tive o cuidado de ler as actas de todas as discussões realizadas nesta Assembleia da República a propósito desta matéria, que, à altura, o Ministro Almeida Santos, meu caro amigo e ilustre Deputado desta Assembleia, a única razão que invocou na apresentação da proposta de lei foi que «três é o número que Deus fez». Eu admito que o laicismo de alguns sirva para certas coi-

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sãs, mas que se invoque, depois, a fé divina para outras. No entanto, sou católico e entendo que Deus em nada é aqui chamado.

O Sr. José Lello (PS): - Deus não precisa! Está em toda a parte!

O Orador: - Haver três ou dois serviços de informações é algo que não tem a ver com a fé divina, nem com a inspiração sobrenatural, mas com razões muito concretas e pragmáticas e com opções de natureza racional.
Claro que o PS, pela voz do Deputado Jorge Lacão, manifestou, mais uma vez, uma grande resistência à mudança: são três, deixem estar três, porque nós achamos que devem ser três. E volto a reafirmar, porque não me custa fazê-lo nem é favor nenhum, que a Lei n.º 30/84 é uma grande lei e foi um grande ganho para a democracia e para o Estado. Só que, em democracia, não há nada imutável, quando razões operativas, razões de princípio e filosóficas, reclamam que as leis sejam alteradas. E para isso que a Assembleia existe, é para isso que aqui estamos: para tentar aperfeiçoar os nossos sistemas, os nossos mecanismos e as nossas formas de relacionamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero ainda referir ter verificado que o PS está muito preocupado com a autonomia financeira dos serviços. Mas qual autonomia financeira? Há leis da contabilidade pública que explicam o que é a autonomia financeira dos serviços.
Depois, na proposta de autorização legislativa, diz-se, e bem, que haverá despesas dos serviços que não serão objecto de fiscalização pelo Tribunal de Contas. Entendo que deve ser assim e explico porquê. Haverá despesas normais dos serviços de informações que serão submetidas à fiscalização do Tribunal de Contas, havendo despesas classificadas que não serão sujeitas a essa fiscalização. Em qualquer caso, a dotação orçamental desses serviços para cada ano será inscrita por inteiro no Orçamento do Estado e W. Ex.ªs, Srs. Deputados, poderão verificar qual é a diferença entre as despesas normais - as despesas do quotidiano - e as despesas classificadas que não devem ir ao Tribunal de Contas, por razões óbvias que só não entende quem não quer entender.
Uma última palavra - e peço desculpa pelo abuso de tempo - que julgo ser importante: em relação ao modelo de fiscalização, não vou invocar, também, o facto de o Sr. Deputado Almeida Santos ter dito que só na Alemanha havia fiscalização e que tal não acontecia em mais nenhum país do mundo. Não chego tão longe! Há fiscalização noutros países, mas está longe de ser equivalente à fiscalização que é feita em Portugal e há uma diferença extraordinariamente importante entre os nossos serviços de informações e os de outros países, onde se prevêem outros mecanismos de fiscalização: lá, os serviços de informações podem fazer escutas telefónicas, rusgas a residências, apreensão de documentos e prisões, o que naturalmente implica outros mecanismos de fiscalização que não os que existem em Portugal, porque, como sabem, aos serviços de informações portugueses qualquer prática dessa natureza é absolutamente vedada.
No entanto, penso que é possível e desejável esclarecer melhor o artigo 8.º da actual lei, indo ao encontro daquilo que o Conselho de Fiscalização tem defendido, ou seja, ter acesso a outros relatórios e não apenas ao relatório de actividades. É essa a prática que tem vindo a ser seguida e que aceitaremos, substituindo a expressão «esclarecimentos aos relatórios» por, «esclarecimentos e os relatórios que foram necessários à sua actividade». Portanto, há abertura do Governo para transferir para a lei aquela que vem sendo a prática habitual do sistema.
Uma última palavra apenas para dizer que, quando o Primeiro-Ministro é chamado a responder directamente pelos serviços ou se colocam os serviços dependentes do Primeiro-Ministro, estamos a fazer jus àquilo que é o Governo: um órgão colegial, que tem um responsável político, que é o Primeiro-Ministro, que responde perante o Presidente da República e o Presidente da Assembleia da República. Porque para nós, Sr. Deputado Jorge Lacão, um Governo é uma equipe, é um órgão colegial, um órgão de soberania. Não é uma federação de Ministros e as informações não pertencem a este ou àquele Ministro, mas ao Governo, ao Estado, à Assembleia, ao Presidente da República, quando estes delas carecerem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado Jorge Lacão tinha pedido a palavra para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Ministro não tem tempo para responder.

Pausa.

Uma vez que o PCP cede tempo tanto ao Sr. Deputado Jorge Lacão como ao Sr. Ministro, tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, agradeço ao PCP o tempo cedido.
Sr. Ministro da Defesa, V. Ex.ª falou em questões de ligeireza e de irresponsabilidade e quero perguntar-lhe se sinceramente não entende que o maior sentido de irresponsabilidade foi ter passado nove anos com uma lei que um Governo presidido pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva não cumpriu. Se chegámos à actual situação, ou seja, a uma manifesta quebra de confiança no serviço de informações em Portugal, isso deriva, em grande medida, do incumprimento do sistema de informações da República, que só tem um responsável: o Governo.
V. Ex.ª falou em ligeireza e eu pergunto-lhe se não entende que a maior das ligeirezas foi ter, por despacho interno - portanto através de acto administrativo, sem cobertura legal -, conferido à DINFO as atribuições que a lei cometia ao não constituído Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e se crê que é este o modelo correcto de funcionamento de um Estado de Direito.
Pela minha parte, Sr. Ministro, não tenho dúvidas em antecipar uma parte da resposta, a minha resposta a este problema: é uma irresponsabilidade política ter passado nove anos sem cumprir o sistema e é um sinal de ligeireza ter actuado por acto administrativo interno onde a lei só permitia que se actuasse em cumprimento de um sistema legalmente estabelecido.
Por outro lado, o Sr. Ministro refere que a criação de dois serviços vem tornar mais consistente, porventura mais operacional, a produção das informações. Sr. Ministro, aquilo que está em causa é não perdermos de vista que vão continuar a existir três serviços, só que um deles salta do sistema.
Acontece porém, Sr. Ministro, que a lei que o Sr. Ministro citou, a Lei Orgânica do Estado-Maior General das Forças Armadas, diz que a DEMIL presta apoio ao Estado-Maior no âmbito das informações e da segurança militar. Ou seja, temos, de facto um serviço de informações estrito

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no quadro das Forças Armadas, que continua a produzir informações essenciais em matéria de segurança na componente militar, com a diferença de que, agora, o Governo fá-lo saltar do sistema, vamos continuar a ter três e não dois serviços de informações.
Quanto à questão de o Serviço de Informações Estratégicas ganhar uma valência militar, se o Sr. Ministro ler com atenção toda a minha intervenção verificará que nós não fechamos em definitivo a possibilidade a que, em matéria de missões com valor estratégico para as Forças Armadas no domínio da segurança externa, essas funções sejam desempenhadas pelo Serviço de Informações Estratégicas de Defesa.
Ora bem, a questão não é essa mas sim a que levou à centralização do comando sobre os serviços de tal maneira que levou a que as informações estratégicas de defesa, tendo uma valência de segurança externa, têm também uma valência de independência nacional em outras vertentes essenciais, tais como a actividade económica, como salientei, a produção científica, o acesso a informações, os aspectos essenciais estratégicos no domínio da protecção ambiental para o País e tantos outros. Nestes domínios, nos termos da lei, tudo vai ser centralizado no Primeiro-Ministro e no Ministro da Defesa Nacional.
Ora bem, quando, por exemplo, o Sr. Ministro da Defesa, no início da sua intervenção, em resposta ao meu camarada José Lello, disse, a propósito dos serviços ingleses, que o M16 era de natureza militar e dependia do Ministério da Defesa, eu tive ocasião de dizer-lhe que ele tem natureza civil e depende do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Aqui tem o exemplo de como um serviço de informações estratégicas pode ser concebido para funções mais amplas do que as questões militares.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir porque o PCP informa a Mesa que só deu dois minutos a cada um dos oradores.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente dizendo que o Sr. Deputado Adriano Moreira admitiu aqui a possibilidade da centralização do comando, sobretudo dos serviços, na figura do Primeiro-Ministro. Face à total concordância que manifestou com esta posição, quero perguntar-lhe o seguinte: Há muito pouco tempo, nesta Câmara, o Sr. Deputado Narana Coissoró exigia, por efeito de responsabilidade política, a demissão imediata do Ministro da Administração Interna.
Agora que o serviço vai ficar todo polarizado na pessoa do Primeiro-Ministro, é sua opinião que qualquer problema incidental ocorrido no interior dos serviços tenha de, necessariamente, por efeito da cadeia de comando, conduzir qualquer Deputado, designadamente o Sr. Deputado Narana Coissoró, a pedir imediatamente a cabeça do Primeiro-Ministro e, portanto, a criar uma crise efectiva, de valor político essencial, em matéria de responsabilidade pelos Serviços de Informação da República?
Eis aqui as matérias que nos separam e que, de facto, deveriam exigir uma reflexão mais apurada.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, da forma mais breve possível procurarei responder ao Sr. Deputado Jorge Lacão.
Em primeiro lugar, acho que não é por se falar em último lugar que se tem razão, como acho também que não é por se falar muito alto.
Antes de mais, quero dizer-lhe que quando falei em ligeireza não estava a referir-me ao Sr. Deputado Jorge Lacão. O que procurei dizer foi que seria ligeireza da parte do Governo ter e presunção - e, repito, falei em ligeireza da parte do Governo e não da parte do Sr. Deputado - de que podia, simultaneamente, desenvolver dois serviços de informações a partir do nada, pelas razões que aduzi há pouco e que não irei repetir.
Sr. Deputado, mas que grande crime que o Sr. Primeiro-Ministro cometeu por, através de um despacho, ter atribuído à DINFO, que tem existência legal, não apenas a informação estratégica militar mas também a informação estratégica de defesa nacional! Com certeza preferiria V. Ex.ª - e talvez fosse esse o método que seguiria - não emitir qualquer despacho e dizer: «Olhe, façam isso!»

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não podia, não tinha competência legal e constitucional.

O Orador: - Realmente, os senhores são de um formalismo confrangedor. Para VV. Ex.ªs não importa a recolha possível de informação estratégica para a defesa dos interesses vitais do Estado, só por haver um decreto-lei que ainda não foi implementado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Ministro está a dizer coisas muito graves.

O Orador: - VV. Ex.ªs não pensam, acham que o Governo deve abster-se de procurar saber se há inimigos externos a quererem fazer-nos mal só porque o decreto-lei não foi implementado. Talvez nos distingamos também nisso, Sr. Deputado.
Por outro lado, o Conselho Superior de Informações está a funcionar e deu um parecer favorável a este comportamento.
No que diz respeito à Divisão de Informações Militares (DIMIL), o Sr. Deputado, através das afirmações que produziu, fez-me crer que ainda não conseguiu perceber a diferença entre informação operacional táctica e informação estratégica militar, entre intelligence e information, entre ordem de batalha, que é a operação táctica e operacional, e intenções.
Sr. Deputado, tenho muita pena que ainda não tenha entendido pelo menos isso, mas, na verdade, não é culpa minha.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado José Lello, mantém o seu pedido de palavra para exercer o direito regimental de defesa da consideração?

O Sr. José Lello (PS): - Impõe-se, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Lello (PS): - Porventura, até se impõe mais.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, o meu pedido de palavra para defesa da consideração foi feito em devido tempo e talvez a formulação seja, porventura, demasiado forte, mas é a que existe. Não há outra.

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2932 I SÉRIE - NÚMERO 89

Se o Sr. Ministro bem se recorda, num momento de troca de «mimos» que ocorreu aqui, entre inverdades e falsidades, o Sr. Ministro trouxe uma constatação brilhante a esta discussão, dizendo que, aquando do debate da anterior Lei n.º 30/84, o Sr. Deputado Eduardo Pereira, então ministro, não havia apresentado o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que nesta circunstância também não foi o Sr. Ministro da Administração Interna, Dias Loureiro, que apresentou o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Além disso, também gostava de lhe dizer que, nessa circunstância, faria melhor se atendesse à memória de um cidadão ilustre que foi ministro deste país e que respeitamos muito.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Lello, pessoalmente, entendo que, em Portugal, está a tornar-se um abuso a exploração política da memória de políticos - que são património dos partidos que são - e, muitas vezes, invoca-se o seu nome em proveito político próprio...

O Sr. José Lello (PS): - Em proveito da verdade!

O Orador: - ... de pessoas que, seguramente, não se identificavam com eles como nós próprios nos identificamos.

Aplausos do PSD.

Parece-me que, nestas ocasiões, há um aproveitamento mórbido da memória de homens que todos devemos respeitar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, aquilo que quis significar quando referi essa questão foi que, no entendimento do PS - que, na altura, tinha responsabilidades governativas a par do PSD, mas maiores, porque o Primeiro-Ministro havia sido indicado pelo Partido Socialista - e do Governo de então, não era necessário o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional para a discussão, na Assembleia da República, da lei-quadro do serviço de informações.

Vozes do PS: - Onde é que isso se refere?!

O Orador: - E, na altura, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista também não reivindicou que a proposta de lei-quadro fosse ao Conselho Superior de Defesa Nacional.

O Sr. José Lello (PS): - E o PSD reivindicou?

O Orador: - Não, o PSD não reivindicou. Mas foram VV. Ex.ªs que reivindicaram agora que a proposta de lei do Governo não fosse discutida neste Plenário, porque deveria ir ao Conselho Superior de Defesa Nacional.
Portanto, mais uma vez, VV. Ex.ªs querem Deus para vós e o Diabo para os outros. Felizmente, Deus é mais justo do que vós.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está encerrada a discussão conjunta destes diplomas.
Vamos proceder agora à realização de votações, começando pela apreciação do voto n.º 114/VI - De pesar pela morte dos Srs. Professores Doutores Rui Carrington da Costa e José Gouveia Monteiro (Presidente da AR, PCP, PS, PSD e CDS-PP).
O Sr. Secretário vai fazer a leitura do voto.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
A Universidade de Coimbra e toda a comunidade científica viram, nos últimos dias, desaparecer de forma trágica e abrupta dois dos seus mais eminentes vultos, Rui Carrington da Costa, vítima num trágico acidente de aviação na Costa do Marfim, e José Gouveia Monteiro, falecido em consequência de doença súbita.
Rui Carrington da Costa, que, desde os tempos de juventude, pugnou sempre pelos ideais da democracia, da paz e da liberdade, foi um activista na luta contra a ditadura e teve destacada actuação enquanto membro do TEUC. Foi o primeiro Presidente da Câmara Municipal de Coimbra após o 25 de Abril, funções que desempenhou até 1977.
José Gouveia Monteiro, indefectível defensor dos direitos humanos, foi agraciado com a Medalha de Ouro da cidade de Coimbra durante as comemorações dos 20 anos da Revolução de Abril, tendo exaltado, na ocasião, os princípios da liberdade e da justiça. Foi Reitor da Universidade de Coimbra após a crise de 1969, cargo que desempenhou com grande dignidade.
O falecimento deste dois professores catedráticos constitui uma grande perda para toda a comunidade científica e universitária.
Ao recordar os valores e ideais dos homens, dos médicos e cientistas, dos cidadãos Rui Carrington da Costa e José Gouveia Monteiro, a Assembleia da República exprime às suas famílias e à Universidade de Coimbra sentidas condolências.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e de Os Verdes.

Peço a todos que façamos um minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria-Geral da República, Processo n.º 17/94 - L.º H-6, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Macário Correia (PSD) a depor, por escrito, no âmbito do processo em referência.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e de Os Verdes.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Instrução Criminal do Porto, Processo n.º 214/94, 2.º

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8 DE JULHO DE 1994 2933

Juízo B, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Silva Peneda (PSD) a ser inquirido no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e de Os Verdes.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, Processo n.º 5306, 5.º Juízo, 1.ª Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Manuel Sérgio (PSN) a prestar declarações no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e de Os Verdes.

Vamos passar à votação do requerimento, apresentado pelo PCP, PS, PSD e CDS-PP, de baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, antes da votação na generalidade, do projecto de lei n.º 4137 VI -Altera algumas disposições do Decreto-Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro (Pensões de preço de sangue) (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 105/VI - Altera a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 336/VI - Altera a composição e reforça as competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações (Alteração à Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro) (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos votar, também na generalidade, o projecto de lei n.º 402/VI - Extinção do Serviço de Informações e Segurança (Deputado independente Mário Tomé).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e votos a favor do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n. º 429/VI - Reforça as competências do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 67/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à Eliminação da Dupla Tributação em caso de Correcção de Lucros entre Empresas Associadas.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do PSN.

Vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 68/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo à Readmissão de Pessoas em Situação Irregular.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos agora passar à votação de um requerimento de avocação a Plenário, apresentado pelo PCP, da votação do artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro - Aprova o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo [ratificação n.º 114/VI (PS)].
Para ler o requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP, ao solicitar a avocação a Plenário da votação do artigo 66.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, com a redacção aprovada em Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sem o voto e sob protesto do PCP, entende fazer as seguintes declarações.
Aquando da discussão, na generalidade, do pedido de ratificação, apresentado pelo PS, tivemos ocasião de denunciar a existência sobejamente conhecida de numerosos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo que não obedecem aos requisitos mínimos de qualidade de ensino que justifiquem a sua integração no sistema educativo.
Lembramos que a inflação que se tem verificado no crescimento deste sector encontra a sua explicação, em larga medida, em negocismos que o desinvestimento do Governo no ensino superior público tem proporcionado.
Duvidámos das intenções de alguns que, agitando constantemente o princípio da liberdade de ensino, que ninguém contesta, se opõem a todas as medidas moralizadoras deste sector.
Entendemos que o resultado global da discussão e votação na especialidade de propostas relativas ao Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo é profundamente negativo e lamentável.
De facto, assistiu-se, por parte de vários Deputados, a uma surpreendente pressa e nervosismo na apresentação de propostas, visando diminuir as exigências contidas no Estatuto e retardar a aplicação das medidas aí previstas. Esta situação assumiu mesmo aspectos de um escândalo de que alguns jornais se fizeram eco. Foram publicadas denúncias da possível existência de interesses que explicariam esta intensa actividade de alguns Deputados.
Foram apresentadas propostas, pelo PSD, que, do ponto de vista regimental, não poderiam, a nosso ver, ser admitidas. É o caso dos artigos 66.º e 21.º, ambos apresentados pelo PSD, e do artigo 22.º, apresentado pelo PS.
Perante a reclamação do PCP, o PSD retirou essas propostas, reconhecendo o seu carácter anti-regimental, mas apresentou-as de novo, com o mesmo texto, inseridas em artigos que nada têm a ver com a matéria em causa.
Lamentavelmente, o PS procedeu da mesma forma, na proposta relativa ao artigo 22.º.

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O Regimento da Assembleia da República é perfeitamente claro, quando determina que as propostas de alteração só podem ser apresentadas até ao termo da discussão na generalidade, sem prejuízo da apresentação de novas propostas relativas aos artigos objecto de discussão e votação na especialidade, e apenas a esses.
As propostas em causa constituem uma forma fraudulenta de contornar e, evidentemente, desrespeitar o Regimento.
É sintomático que este procedimento haja sido adoptado para introduzir alterações que vão no sentido de diminuir as exigências condicionantes do funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior privado.
O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, quando esteve presente no debate realizado em Plenário, afirmou: «É chegada a altura de procurarmos entre os dois subsistemas (público e não público) a convergência desejada, que terá de afirmar-se pela qualidade, pelo rigor e pela exigência».
Este processo é um escândalo. Os factos que referimos comprovam que nem todos querem a qualidade, o rigor e a exigência.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação que foi lido.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, vamos então proceder à votação final global do texto das propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro - Aprova o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo [Ratificação n.º 114/VI (PS)], aprovadas na especialidade em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e abstenções do PS e do CDS-PP.

A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para anunciar que o PSD vai entregar na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Com certeza, Sr.ª Deputada.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto final da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social e Ambiente relativo ao projecto de lei n.º 420/VI - Regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e votos contra do CDS-PP e da Deputada do PSD Conceição Castro Pereira.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para anunciar que vou entregar na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Com certeza, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, a sessão plenária de amanhã terá início às 10 horas. Na próxima semana, haverá ainda sessão na quarta-feira, com início às 15 horas, e na quinta-feira, com início às 10 horas. Nestas três sessões haverá votações.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 30 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas, respectivamente, à ratificação n.º 114/VI e ao projecto de lei n.º 420/VI

Entendeu apresentar-se a seguinte declaração de voto relativamente à ratificação do Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, que aprova o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.
O Grupo Parlamentar do PSD entende que a aprovação das propostas de alteração a este decreto-lei exprime um aperfeiçoamento das soluções encontradas no referido diploma legal, com o qual o Grupo Parlamentar do PSD apresenta concordância e aprovação genérica.
Assim quanto à alteração do artigo 5.º, n.º 4, apresentada pelo PSD e aprovada por unanimidade de modo a que só os titulares dos órgãos de fiscalização financeira da entidade instituidora fiquem inibidos de fazer parte dos órgãos dos estabelecimento de ensino.
Assim quanto à alteração do n.º 3 do artigo 4.º e do n.º 5 do mesmo artigo de modo a reforçar a qualidade do corpo docente e a interdisciplinaridade dos saberes, bem como a transparência da composição do corpo docente das universidades públicas e privadas.
Assim, ainda, quanto ao requisito de democracia participativa na organização dos estabelecimento de ensino de modo a que os presidentes dos conselhos científicos e pedagógicos ou dos órgãos correspondentes seja feita de entre os respectivos membros (artigo 14.º).
Assim quanto ao n.º 1 do artigo 22.º passam as instituições do ensino superior privado a não ficar obrigadas ao figurino de organização do ensino superior público, podendo melhor cumprir a vocação do próprio ensino superior privado e poder, se o entenderem, inovar pedagogicamente.
Assim quanto às maiores exigências que agora se cometem ao Ministério da Educação no que diz respeito ao reconhecimento de estabelecimentos de ensino e à criação de cursos de modo a reforçar os meios de defesa das entidades instituidoras e a cumprir com princípio de igualdade e de imparcialidade na decisão destes processos (artigo 53.º).
Assim, e considerando que o novo Estatuto consagra uma significativa exigência científica, pedagógica e de organização aos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo já existentes, entendeu o Grupo Parlamentar do PSD que o reconhecimento e o período transitório até 30 de Julho de 1997 para adaptação a essa exigências será a melhor garantia do seu efectivo cumprimento.
As razões aqui apresentadas justificam o nosso sentido de voto.
Lamentamos que a posição do PS no que diz respeito à legalidade das propostas apresentadas pelo PSD não seja no Plenário a mesma que foi na Comissão.
A Deputada do PSD, Marília Raimundo.

Em 1988, e por iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes, foi aprovada nesta Assembleia a legalização da prática do naturismo enquanto forma de estar, enquanto forma de desenvolvimento da saúde física e mental dos cidadãos, através da sua plena integração na natureza.
Portugal acompanhava, assim, a evolução das mentalidades que se vinha verificando ao nível europeu.

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Mas a lei então aprovada, Lei n.º 92/88, expressamente remetia para uma regulamentação posterior.
Contrariando o aqui estabelecido, e contrariando a própria Constituição na medida em que esta determina incumbir ao Governo, entre outras, a elaboração dos regulamentos necessários à boa execução das leis, apesar de tudo isto, e diga-se o que se disser hoje aqui, o Governo, e o PSD que o sustenta, desde 1988 nada fez, não cumpriu a Constituição, não cumpriu a lei. E não o fez porque não teve a coragem política suficiente para tal.
Tal omissão legislativa não veio obstar nem à expansão da prática do naturismo, nem à atenuação sensível da oposição que, em 1988, ainda era manifestada por algum leque de cidadãos.
Contudo, a criação dos espaços de naturismo, como áreas assinaladas, onde as pessoas exercessem a sua liberdade de escolha, estava, tem estado, impossibilitada por inexistência de normas que definissem quem, onde e como poderiam tais espaços ser criados.
A preocupação fundamental do projecto agora apresentado foi a definição de normas que permitam a criação daqueles espaços, dando assim efeitos práticos à lei aprovada em 1988, seguindo como referência os parâmetros já naquela lei contidos. Por exemplo, quando no seu artigo 3.º, a propósito dos campos de naturismo, mandava adaptar as normas em vigor sobre parques de campismo.
Pretende-se salvaguardar o direito fundamental da liberdade de expressão, permitindo que os cidadãos que assim o entendam exerçam o direito à diferença, sem que de modo algum tal se possa entender como factor de marginalização.
Salvaguardando do mesmo modo, o direito daqueles que ou não aderem a esta prática ou aderindo, não se opondo, a não exercem.
Se o projecto apresentado salvaguardava estes direitos, as alterações que o PSD veio a introduzir, necessariamente, de alguma forma vão no sentido de criar situações de marginalização, fundamentadas em razões de pseudo-moralidade.
Nomeadamente, a redacção do artigo 11.º, a propósito dos campos de naturismo, ao determinar que «os campos serão vedados», visando com isto, diz o texto aprovado, «impedir a intrusão visual do exterior», ou seja admitindo a existência de muros, que, para além de fazer lembrar os «guetos» (onde se encerram uns quantos indesejáveis para proteger os bons cidadãos), poderão numa outra perspectiva vir a dar azo a chorudos negócios no que respeita aos campos de naturismo.
Ambos os conceitos introduzidos são necessariamente um grave precedente social em termos de livre expressão, em termos de acompanhamento da evolução social quanto aos modos de estar na vida.
Por outro lado, é injusta a exigência, também introduzida pelo PSD, de que os campos de naturismo serão reservados aos titulares de carta ou licença de naturista, na medida em que vai impedir muitos dos cidadãos de poder utilizar esses campos.
Afigura-se-nos mesmo inconstitucional a obrigação de inscrição numa qualquer organização como condição prévia de exercício de um direito fundamental que é a liberdade de expressão, sendo certo que os limites razoáveis, esses sim, estavam já contidos na proposta tal como apresentada.
Regozijando-nos com a aprovação desta lei, fica aqui o voto de que os Deputados e a Assembleia da República, pelas responsabilidades que lhes estão incumbidas de representar o sentir dos cidadãos, pela responsabilidade que têm de acompanhar as mutações sociais, a evolução das realidades, das mentalidades, dando-lhes corpo na forma legislativa, possam, a curto prazo, vir a repensar este regime e a criar as condições para que possam ser eliminados os «muros» incluídos neste diploma.
O Deputado de Os Verdes, André Martins.

Rectificação ao n.º 83, de 24 de Junho

Na pág. 2688, 2.ª cl., l. 44, onde se lê "criação de passes intermédios", deve ler-se "criação de passes intermodais".

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Augusto Fidalgo.
António de Carvalho Martins.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João José Pedreira de Matos.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Manuel Nunes Liberato.
José Pereira Lopes.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Fernandes da Silva Braga.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
João António Gomes Proença.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.

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2936 I SÉRIE - NÚMERO 89

Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido Comunista Português (PCP):

Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró.
Rui Manuel Pereira Marques.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Fernando Couto dos Santos.
António Maria Pereira.
Arlindo Marques da Cunha.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Peixoto Lima.
José de Oliveira Costa.
José Guilherme Reis Leite.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António José Martins Seguro.
Carlos Cardoso Lage.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

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