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Quinta feira, 5 de Janeiro de 1995

DIÁRIO da Assembleia da República

l Série VI LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE JANEIRO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Ex.mºs Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMARIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos

Antes da ordem do dia.— Deu-se conta da entrada na Meia de vános diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr Presidente informou a Câmara do pedido de renúncia ao mandato do Sr. Deputado do PSD Pedro Santana Lopes.
Foi lida a mensagem à Assembleia da República do Sr. Presidenle da República de devolução, para nova apreciação, do Decreto n.º IW VI [Altera a Lei n º 30/84. de 5 de Setembro (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa)].
O Sr Deputado Nogueira de Brito (CDS-PP) anunciou a tua renúncia ao mandato de Deputado, após o que foi homenageado pelo Sr. Presidente e pelos Srs Deputados Manuel Alegre (PS), Pacheco Pereira (PSD), Octávio Teixeira (PCP) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Em declaração política, a propósito dos acontecimentos na Marinha Grande, o Sr Deputado João Amaral (PCP) condenou a intervenção policial na resolução de conflitos sociais. Respondeu depois a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Guilherme Silva (PSD), Rui Vieira (PS) e Mano Tomé (Indep)
O Sr Deputado Costa e Oliveira (PSD) falou acerca da importância dos jovens agricultores no desenvolvimento da economia, tendo respondido, no final, a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado António Murteira (PCP).
A Sr." Deputada Elisa Damião (PS) referm-se à situação na empresa Manuel Pereira Roldão. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Puig e Silva Marques (PSD), que também exerceu o direito de defesa da consideração.

Ordem do dia.— Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a substituição de um Deputado do PSD
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n. 442/VI — Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS), 445/VI — Delimita as competênaas e jurisdição sobre a zona ribeirinha do estuário do Tejo (PCP) e 470/VI — Transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes)
Após o Sr. Deputado Cardoso Martins (PSD) ter procedido à síntese do relatório da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente sobre aqueles projectos de lei, usaram ainda da palavra, a diverso título, os Srs Deputados António Crisóstomo Teixeira (PS), Macáno Correia (PSD), Manuel Queira (CDS-PP), João Amaral (PCP). Isabel Castro (Os Verdes) e João Matos (PSD)

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos

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O Sr. Presidemte: — Srs. Deputados, temos quorum, pelo declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.

Adériío Manuel Soares Campos.

Adriano da Silva Finito.

Alberto Cerqueira de Oliveira.

Alberto Monteiro de Araújo.

Alípio B airosa Pereira Dias.

Álvaro José Martins Viegas.

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.

Américo de Sequeira.

Amabela Honóno Maíïas.

António Augusto Fidalgo.

António Costa de Albuquerque de Sorasa Lara.

António da Silva Bacelar.

António de Carvalho Martins.

António Esteves Morgado.

António Germano Fernandes de Sá e Abrem.

António Joaquim Bastos Marques Mendes.

Aeíómio José Barradas Leitão.

António Manuel Fernandes Alves.

António Moreira Barbosa de Melo.

António Paulo Martins Pereira Coelho.

Aristides Alves do Nascimento Teixeira.

Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.

Arménio dos Santos.

Belarmino Henriques Correia.

Carlos Alberto Lopes Pereira.

Carlos Alberto Pinto.

Carlos Filipe Pereira de Oliveira.

Carlos LéDis da Câmara Gonçalves.

Carlos Manuel de Oliveira da Silva.

Carlos Manuel Duarte de Oliveira.

Carlos Manuel Marta Gonçalves.

Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.

Cipriano Rodrigues Martins.

Delmar Ramiro Palas.

Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.

Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.

Ema Mana Pereira Leite Lóia Paulista.

Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.

Fernando dos Reis Condesso.

Fernando José Antunes Gomes Pereira.

Fernando José Russo Roque Correia Afonso.

Fernando Monteiro do Amaral.

Fernando Santos Pereira.

Francisco Antunes da Silva.

Francisco João Bernardino da Silva.

Guido Orlando de Freitas Rodrigues.

Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.

Hilário Torres Azevedo Marques.

João Alberto Granja dos Santos Silva.

João Álvaro Poças Santos.

João do Lago de Vasconcelos Mota.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.

João Granja Rodrigues da Fonseca.

João José da Silva Maçãs

João José Pedreira de Matos.

Joaquim Cardoso Martins.

Joaquim Eduardo Gomes.

Joaquim Vilela de Araújo.

Jorge Avelino Braga de Macedo.

Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.

José Alberto Puig dos Santos Costa.

José Álvaro Machado Pacheco Pereira.

José Angelo Ferreira Correia.

José Augusto Santos da Silva Marques.

José de Almeida Cesário.

José de Oliveira Costa.

José Fortunato Freitas Costa Leite.

José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.

José Guilherme Reis Leite.

José Júlio Carvalho Ribeiro.

José Leite Machado.

José Luís Campos Vieira de Castro.

José Macário Custódio Correia.

José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.

José Manuel da Silva Costa.

José Mário de Lemos Damião.

José Mendes Bota.

José Pereira Lopes.

Luís António Carrilho da Cunha.

Luís António Martins.

Luís Carlos David Nobre.

Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.

Luís Manuel Costa Geraldes.

Manuel Acácio Martins Roque.

Manuel Albino Casimiro de Almeida.

Manuel de Lima Amorim.

Manuel Filipe Correia de Jesus.

Manuel Maria Moreira.

Manuel Simões Rodrigues Marques.

Maria da Conceição Figueira Rodrigues.

Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.

Maria Luísa Lourenço Ferreira.

Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.

Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de

Sousa.

Mário Jorge Belo Maciel. Melchior Ribeiro Pereira Moreira. Migue! Bento Martins da Costa de Macedo e Silva. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. Nrano Manuel Franco Ribeiro da Silva. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Domingos de Souza e Holstem Campilho. Pedro Manuel Cruz Roseta. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

jï Alberto Limpo Salvada.

li Carlos Alvarez Carp.

ú Fernando da Silva Rio.

in Manuel Lobo Gomes da Silva.

li Manuel Parente Chancerelle de Machete. Simão José Ricom Peres. Virgílio de Oliveira Carneiro. Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Aroms Braga de Carvalho.

Alberto Bernardes Costa. Alberto da Silva Cardoso. Alberto de Sousa Martins Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Ama Maria Dias Bettencourt. Coelho da Costa.

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António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Mana Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria da Conceição Seixas de Almeida.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de mais, faço votos de que tenham tido um bom Natal e um bom início de ano e desejo-vos, ao longo deste ano, as maiores prosperidades.
Feito este voto, que seguramente é recíproco - julgo estar apenas a interpretar a vontade geral da Assembleia -, dou a palavra ao Sr. Secretário para a leitura do expediente.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 117/VI- Autoriza o Governo a aprovar o novo Código Cooperativo; propostas de resolução n.ºs 83/VI- Aprova, para adesão, o Acordo entre as Partes Contratantes do Acordo de Schengen e a Polónia relativo à Readmissão de Pessoas em Situação Irregular e a respectiva Declaração Comum e Acta Anexa -, 84/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo relativo às Consequências da Entrada em Vigor da Convenção de Dublin sobre Determinadas Disposições da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen -, 85/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo por Troca de Notas sobre Supressão de Vistos entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Croácia - e 86/VI- Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho de 31 de Outubro de 1994, relativa ao Sistema de Recursos Próprios das Comunidades Europeias -, que baixaram à 3.ª Comissão; projectos de lei n.º1 474/VI - Elevação à categoria de vila da povoação de Souselas no concelho de Coimbra (PCP)-, que baixou à 5.ª Comissão, e 475/VI - Altera o Código Civil, permitindo a opção dos pais pelo regime de guarda conjunta de filhos -, que baixou à 1.ª Comissão; ratificação n.º 129/VI - Decreto-Lei n.º 292/94, de 16 de Novembro, que cria o Gabinete Nacional SIRENE (PCP); e, por último, o inquérito parlamentar n.º 28/VI - Para apuramento das responsabilidades pelas brutais cargas policiais sobre os trabalhadores da empresa Manuel Pereira Roldão e sobre a população da Mannha Grande (PCP).
Na reunião plenária de 13 de Dezembro de 1994, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira; ao

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Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados Armando Vara e José Magalhães; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Miranda Calha; aos Ministérios da Educação, das Finanças, da Defesa Nacional e do Planeamento e da Administração do Território, às Comissões do Mercado de Valores Mobiliários e Nacional para os Descobrimentos Portugueses, ao Governo e à RTP, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins; ao Governo e aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelo Sr. Deputado Luís Sá; e aos Ministérios do Emprego e da Segurança Social e da Indústria e Energia, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Trindade.
Nas reuniões plenárias de 14, 15 e 16 de Dezembro de 1994, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Marques da Costa; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Rosa Albernaz; aos Ministérios da Educação e do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio; ao Governo e ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Marques Júnior; a Sua Excelência o Sr. Presidente da Assembleia da República, formulado pelo Sr. Deputado José Lello; às Câmaras Municipais de Almeirim e Alpiarça, formulados pelo Sr. Deputado André Martins; ao Ministério da Administração Interna e ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Marques Júnior; ao Ministério do Mar, formulados pelo Sr. Deputado António Murteira.
Finalmente, no dia 19 de Dezembro de 1994, foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Mendes Bota.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Paulo Rodrigues, na Comissão Permanente de 29 de Setembro; António Filipe, no dia 12 e na sessão de 20 de Outubro; Joel Hasse Ferreira e António Murteira, nos dias 17 e 18 de Outubro; Macário Correia, na sessão de 26 de Outubro; Paulo Trindade, na sessão de 9 de Novembro; e Paulo Rodrigues e Luís Sá, nas sessões de 23 e 25 de Novembro.
Entretanto, informam-se os Srs. Deputados de que a Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente está reunida desde as 14 horas e 30 minutos e que a Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família reunirá às 16 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devo informá-los de que o Sr. Deputado Pedro Miguel Santana Lopes, eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa, me dirigiu uma carta em que apresenta a sua renúncia ao mandato de Deputado, com efeitos a partir de 23 de Dezembro de 1994. Nos termos regimentais, dei andamento ao pedido, pelo que, comunicada a renúncia, ela produzirá os efeitos previstos na lei, exactamente a partir de 23 de Dezembro de 1994.
Por outro lado, o Sr. Presidente da República, numa mensagem em que essencialmente indica os motivos, nos termos e para os efeitos do artigo 139.º, n.º 1, da Constituição da República, informou-me de que vetou o autógrafo da lei referente ao Decreto n.º 184/VI, de 22 de Outubro, da Assembleia da República, o qual "altera a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa)". Vou, agora, dar a palavra ao
Sr. Secretário para proceder à leitura da mensagem que acompanha o ofício de S. Ex.ª o Presidente da República.

O Sr. Secretário (João Salgado): - É do seguinte teor:

"Sr. Presidente da Assembleia da República

Excelência:

No exercício das competências que me são atribuídas pelo artigo 139.º, n.º 1, da Constituição da República, venho devolver, para nova apreciação da Assembleia da República, o Decreto n.º 184/VI, que altera a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa), aprovado no contexto da reapreciação do anterior Decreto n.º 178/VI, que vetei, pelas razões então expressas, em mensagem fundamentada, dirigida a essa Assembleia.
A Assembleia da República poderia ter confirmado o decreto vetado por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, superando o veto pela afirmação de uma vontade inequívoca e obrigatória para o Presidente da República. Não o fez. Optou por reabrir o processo legislativo com a apresentação de propostas de alteração.
Contudo, da reapreciação do decreto inicial resultou apenas a aprovação de alterações nas competências do Conselho de Fiscalização dos serviços de informações. Considero, assim, que as alterações introduzidas ficaram muito aquém do que seria aconselhável, e mesmo exigível, no quadro de um Estado de direito democrático.
Por esse motivo, em consciência e no uso dos meus poderes constitucionais, entendo ser meu dever apelar de novo à atenção da Assembleia da República, invocando as razões da minha discordância, dadas a importância e a delicadeza para a vida democrática que atribuo a este assunto, que, com efeito, julgo merecer da Assembleia da República uma cuidadosa reapreciação, que ora solicito.
O Estado de direito democrático postula uma ordem jurídico-política caracterizada por um conjunto de regras e princípios concretizadores dos fundamentos, legitimação e actuação do poder político, em que sobressai a ideia da sujeição do poder ao direito e ao respeito pela vontade popular, apelando à participação dos cidadãos, como um direito e um dever de cidadania.
Assim, no quadro de um Estado de direito democrático, comum a todos os países da União Europeia, os serviços de informações encontram a sua legitimidade no ponto de equilíbrio, que reconheço ser difícil de alcançar, mas que é possível, entre a salvaguarda dos valores colectivos da segurança interna e externa e o respeito mais absoluto pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Daí que, para além da definição concreta da natureza dos serviços de informações e das suas atribuições e estrutura orgânica, devam ser claros os objectivos, os métodos e as missões dos serviços, sempre subordinados a um rigoroso e efectivo controlo democrático, quer do ponto de vista da natureza e qualidade das informações, quer dos métodos utilizados para as obter, quer ainda dos resultados operacionais conseguidos, factor permanente de legitimação da sua actividade face à Constituição e à lei. Controlo esse que, sem prejuízo da eficácia dos serviços, assegure permanentemente a sua subordinação exclusiva à prossecução do interesse público de salvaguarda da independência nacional e de garantia da segurança interna e o respeito mais absoluto pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, consignados na Constituição e na lei, que, aliás, constitui um limite estrito às actividades dos referidos serviços de informações.
É no contexto destes parâmetros reflexivos que considero ser manifestamente insuficiente o complexo de com-

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petências atribuídas ao Conselho de Fiscalização, que, a meu ver, não assegura a indispensável autonomia na gestão e utilização dos meios imprescindíveis à sua actividade fiscalizadora, nem a independência de acção, num quadro legal pré-estabelecido, face aos órgãos do poder político.
Acompanhei com atenção e muito interesse o debate sobre o sistema de informações em democracia, que teve recentemente lugar na Assembleia da República.
Partilho a opinião, bem expressa nesse debate, de que as mudanças ocorridas no mundo, nos últimos anos, provocaram nos Estados de direito a redefinição das suas políticas de informação, com o consequente reexame do papel do$ respectivos serviços e dos meios necessários à correcta fiscalização destes, para que da sua acção não resultem abusos.
Creio que, em Portugal, 10 anos passados sobre a entrada em vigor da Lei n.º 10/84, esta necessidade foi apreendida e interiorizada pelos cidadãos, que exigem que os seus direitos sejam respeitados pelos poderes políticos. Apercebi-me desta preocupação através das variadas queixas, petições e preocupações, que regularmente me têm chegado, muito particularmente após a demissão dos membros eleitos para o Conselho de Fiscalização. Devo transmiti-la, com clareza, à Assembleia da República, para que os Srs. Deputados a ponderem, se entenderem em consciência dever fazê-lo.
Partilho também a opinião, que julgo ser a da maioria dos Deputados, sobre a oportunidade e a importância deste debate, no plano dos princípios, que não está esgotado, que preocupa vastos sectores da opinião pública e que é muito importante para o futuro da nossa democracia. Daí a razão de ser desta mensagem, que representa uma manifestação da esperança no labor ponderado dos Srs. Deputados, que, julgo, poderão encontrar soluções legislativas aperfeiçoadas, que compatibilizem, tranquilizem e dêem satisfação aos dois objectivos acima enunciados: salvaguarda da independência nacional e da segurança interna e o respeito mais absoluto pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, tal como estão consignados na Constituição da República".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ouvida a conferência dos representantes dos grupos parlamentares, agenciarei, nos termos do artigo 169.º do Regimento, o debate e a votação da segunda deliberação referente ao decreto em causa.
Gostaria ainda de comunicar à Câmara que na tribuna destinada ao Corpo Diplomático se encontra, acompanhado por dois Srs. Deputados, o Sr. Vice-Presidente da Assembleia Nacional da República da Guiné-Bissau, a quem apresento, em nome da Assembleia, os nossos cumprimentos.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, desejo também informá-los de que está a assistir à sessão um grupo de alunos da Escola Secundaria Camilo Castelo Branco de Vila Nova de Famalicão, para quem solicito a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma declaração pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Uso hoje da palavra, Sr. Presidente, para anunciar que, em conformidade com o estabelecido na lei, vou entregar nas mãos de V. Ex.ª o escrito em que renuncio ao mandato que, por intermédio dos eleitores do meu círculo de Braga, me foi conferido pelo povo português para aqui o representar nesta Assembleia da República.
Faço-o naturalmente com mágoa, mas faço-o por razões que se me afiguram insusceptíveis de ser ultrapassadas e faço-o sobretudo, para manter o respeito por mim próprio, enquanto cidadão, enquanto Deputado e, em meu entender, por respeito para com o partido em cujas listas fui eleito e pela própria instituição parlamentar.
Entendo, na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, no sistema eleitoral estabelecido, desde a primeira hora, na Constituição de 1976, se toma necessário construir e manter um equilíbrio permanente e delicado entre os constrangimentos próprios do enquadramento partidário, a disciplina de partido, e um certo grau de autonomia na actuação e, sobretudo, o respeito por si próprio e pela sua consciência com que o Deputado deve sempre exercer o seu mandato.
Concordo que a construção e a preservação de tal equilíbrio delicado são talvez das questões mais complexas e mais difíceis de atingir por todos e por cada um dos Srs. Deputados, se não no dia-a-dia da vida parlamentar ao menos em certos momentos especiais em que a disciplina colectiva e a consciência individual entram em conflito.
Diria mesmo que tal só é possível quando se mantém, em nível elevado, a relação de confiança e de respeito mútuo entre as direcções partidárias e os seus parlamentares.
Quando tal não é possível, quando o equilíbrio se rompe, a lei aponta-nos mais do que uma solução, mas, no entendimento que defendo e sempre defendi, só uma é possível: a renúncia ao mandato.
Com efeito, mesmo no meu caso de único Deputado eleito pelo círculo, foi o partido que aqui me trouxe, foi o partido que me propôs ao sufrágio, foi numa lista partidária que fui eleito e, por isso, se se quebrou a relação de confiança entre o Deputado e as instâncias partidárias, só uma solução existe verdadeiramente compatível com a dignidade de quem quer sobretudo manter-se fiel aos compromissos assumidos, mesmo sem estatuto de Deputado.
Eu sei que não foi esta direcção partidária que me propôs ao sufrágio e que, em 1991, o partido se apresentava perante o País com uma face e um pensamento diferentes dos actuais. Mas quero com o meu gesto significar também que a identidade partidária ainda não desapareceu, que o CDS, que tão grande papel desempenhou na história constitucional portuguesa posterior a 1974, não desapareceu e não desaparecerá e, por isso, prefiro renunciar ao mandato a assumir o estatuto de independente.
Esta a explicação que pretendi dar à Câmara, na pessoa de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e na pessoa de todos e de cada um dos Srs. Deputados.
Suponho que foi o Sr. Presidente da República que, em certo momento da sua vida política, se referiu com saudades à vida parlamentar e disse que aqui se geram solidariedades que muitos não entendem. É bem verdade e sinto-o de modo especial neste momento de despedida.
É curioso como, após uma vida parlamentar agitada na monarquia constitucional e na I República, é possível, agora, gerar tais solidariedades e fazê-lo sem diminuir as divergências essenciais ao próprio confronto parlamentar.
Mas isso não chega, infelizmente, para atenuar os sinais cada vez mais nítidos da crise enorme que atravessamos, como instituição e como peça-chave de um sistema de democracia representativa.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não devemos, por isso, adiar por mais tempo as grandes reformas e mudanças que se tornam

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necessárias no desenho das instituições, das suas atribuições e do modo como exercem as suas competências e, sobretudo, na sua compatibilidade com as formas de democracia directa que não sejam simples concessões à demagogia e ao populismo fácil.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não esquecendo, obviamente, a necessidade imperiosa de reformar o próprio Estatuto dos Deputados.
Mas tudo fazendo sem pôr em causa um grande respeito pela instituição parlamentar, que é, sem dúvida, a verdadeira sede da democracia, procurando sempre defender e não denegrir a sua imagem, no conceito popular.
Estou certo de que VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, e os que vos sucederem, assim farão. Recordo, a propósito, os momentos altos que aqui vivi, por ocasião da revisão constitucional de 1991, como membro da Comissão Eventual de Revisão e como interveniente na discussão no Plenário, e os passos importantes que, então, a todos foi possível dar.
Permitam-me, Srs. Deputados, que as minhas últimas palavras vão para o Sr. Presidente, meu contemporâneo e meu mestre, em Coimbra, que aqui soube sempre exercer o cargo com a maior dignidade, mas sempre como um primeiro entre iguais. Obrigado pela lição, Sr. Dr. Barbosa de Melo.
E também para os membros do Grupo Parlamentar do CDS, para todos e para cada um, que, enquanto grupo, dignificaram a instituição parlamentar e superaram em muito as possibilidades inerentes ao seu escasso número e que, nos momentos difíceis que ultimamente vivi, me rodearem sempre com provas inexcedíveis de solidariedade que não mais esquecerei.
Os meus Colegas entendem, estou certo, que destaque o Sr. Prof. Adriano Moreira, que continua a ser uma referência para o País e para esta Assembleia, o Professor Narana Coissoró, grande parlamentar, que tem sabido manter em condições sempre difíceis um grupo de cinco pessoas como se mais Deputados tivesse, e ainda o Dr. António Lobo Xavier, amigo e filho de um grande amigo, que, com a sua inteligência e brilho, tantas vezes iluminou, enquanto aqui esteve, este Hemiciclo e os trabalhos parlamentares.
Um grande abraço para todos nesta despedida parlamentar e também para os dirigentes do CDS bracarense, a cujas estruturas regresso nesta hora para as tarefas de simples militante, empenhado na continuidade do partido, que me quiserem atribuir.

Aplausos, de pé, do CDS-PP, do PSD, de alguns Deputados do PS e do Deputado independente Manuel Sérgio.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, antes de dar a palavra a outros Srs. Deputados, permita-me que, em nome pessoal e em nome de todos os Srs. Deputados, agradeça a clareza e a frontalidade das suas palavras, sublinhe a nobreza das suas ideias reformistas sobre a grande instituição parlamentar inerente à democracia e, por fim, a gentilíssima referência pessoal que quis fazer-me.
É com tristeza que vejo um parlamentar tão brilhante, tão atento e sempre tão bem preparado para as intervenções aqui feitas sair do Parlamento, mas continua a ter, claro está, a minha admiração e amizade.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PS, quero aqui deixar uma palavra de estima, de consideração e de respeito pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito.
É conhecida a sua capacidade política. O Sr. Deputado Nogueira de Brito sempre se distinguiu pelo fulgor e qualidade política das suas intervenções- foi um grande parlamentar que enriqueceu esta Casa -, mas também se distinguiu pela cordialidade do seu relacionamento, pelo seu aprumo pessoal e pela dignidade política do seu comportamento.
Se são conhecidas as suas qualidades políticas, queria deixar uma nota pessoal sobre as suas qualidades humanas.
Conhecemo-nos há muitos anos, defrontámo-nos nas noites quentes da Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra. Fomos adversários nas eleições que, então, ali se realizaram e que foram, porventura, as mais disputadas de sempre, em que Nogueira de Brito encabeçava a lista, então, vencida.
Tive ocasião de constatar, nesses tempos de duros e terríveis combates, que ele sempre foi capaz de manter com os seus adversários uma cordialidade de relacionamento e mesmo de amizade, e gostaria de dar aqui o meu testemunho.
Numa situação para mim difícil, em que estava sob a ameaça de prisão, sendo ele meu adversário político, veio dizer-me que a sua casa estava à minha disposição. Foi um acto sincero e nunca esqueci esse gesto, que demonstra qualidade humana num tempo muito difícil, em que os campos estavam muito demarcados. Estivemos sempre em diferentes barricadas, mas sempre conseguimos manter a nossa amizade e as nossas cordiais relações.
Creio que Nogueira de Brito, pelas suas qualidades políticas e humanas, por ser um grande parlamentar, faz falta à direita democrática, ao sistema político e ao Parlamento português. Por isso, respeitando embora a sua decisão, é com mágoa que o vemos partir, mas com a esperança de que um dia aqui volte.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há adversários que nos honram e o Sr. Deputado Nogueira de Brito tem sido um dos adversários que mais nos honra. E honra-nos porque tem uma virtude que é difícil de encontrar: a virtude da sabedoria. E nessa sabedoria olha para as coisas da política, para as coisas da História, para as coisas do poder com alguma ironia e também com alguma alegria, que é muitas vezes par dessa ironia. E sabe, com a experiência que só a sabedoria dá, que o poder é frágil, que, pelas suas próprias características, é uma coisa frágil, como também - e mostrou-o hoje - que só há uma maneira de ultrapassar a fragilidade inerente ao exercício do poder: é através da dignidade pessoal, da dignidade dos actos individuais, dos actos que se tomam sozinhos,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... das decisões subjectivas, da solidão interior que cada um de nós tem de preservar face ao poder, para conseguir ter com ele essa relação de dignidade, a única que efectivamente o fortalece. O seu acto de hoje manifesta essa dignidade e saiba, Sr. Deputado, que estamos todos consigo, com o seu acto, apesar da pena que temos em o vermos ir embora.

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Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Nogueira de Brito, em regime da bancada do Grupo Parlamentar "do PCP e em meu nome, gostaria de, nesta ocasião, manifestar o apreço com que sempre analisámos e apreciámos a sua actuação nesta Assembleia. Os debates em que muitas vezes, a maioria delas, tínhamos profundas divergências políticas não desmereceu nem reduziu o apreço com que apreciámos a sua actuação ao longo de todo este ano, porque sempre o fez com total e completa frontalidade, sem, com isso, eliminar aquilo que é necessário e exigível também nesta Casa: a Cordialidade no tratamento pessoal, no tratamento entre todos.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de frisar ainda a dignidade, que, mais uma vez, mostrou quando, neste último momento, subiu àquela tribuna, na tomada de decisão, que, aliás, teve oportunidade de explicitar e explicar muito bem.
Neste momento e para terminar, Sr. Deputado Nogueira de Brito, apenas me resta, em meu nome e em nome do meu grupo parlamentar, desejar-lhe as maiores felicidades.

Aplausos do PCP, do PSD, do PS, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de ter a fleuma britânica para ser sereno e calmo, "ias penso que não me é possível.
Depois de mais de uma vintena de anos de amizade e de uma década de companheirismo de bancada parlamentar, em que V. Ex.ª honrou este friso de Deputados, dando-nos o privilégio e ao mesmo tempo o valor da sua intervenção parlamentar, não pode ficar simplesmente registada uma renúncia, porque esta não é devida a interesses privados.
V. Ex.ª não sai do Parlamento para ir ganhar mais! V. Ex.ª não sai do Parlamento porque entendeu alterar a sua vida na prossecução de outros valores! V. Ex.ª não sai deste Parlamento para dizer: "Acabou uma fase da minha vida e vou começar uma outra melhor"! É a primeira vez, na história do Parlamento moderno, que um Deputado sai em nome e para dignificar o Estatuto de Deputado. Pôs V. Ex.ª nos dois pratos da balança, de um lado, a partidocracia e, do outro, aquilo que todos nós sempre quisemos e sempre soubemos respeitar, a independência do Deputado eleito directamente pelo povo e não pela direcção partidária.
V. Ex.ª coloca o problema de saber quem elege quem; a quem se deve obediência e a quem se deve tolerância; o que é um Deputado e quais os seus limites de actuação; qual o papel do Deputado no sistema global em que actualmente, neste sistema e neste regime, vivemos; quem indica o Deputado, a quem deve ele prestar contas e quem deve exigir dele essas responsabilidades!
Tivesse o nosso sistema a relação directa do Deputado com o seu eleitor e Nogueira de Brito não teria saído daqui. Se tivesse o nosso sistema eleitoral uma palavra Conferida ao eleitorado, para dizer, publicamente: "Nós queremos o Nogueira de Brito no Parlamento", se isto fosse possível, José Luís Nogueira de Brito aqui continuaria até ao fim da Legislatura. Tivesse o nosso sistema eleitoral a força interior de o Deputado poder dizer, claramente, a céu aberto, ao seu partido, aos seus pares e à opinião pública: "A minha opinião vale mais do que mil congressos e mil eleições intrapartidárias" e V. Ex.ª aqui continuaria a exercer o seu mandato!
O Dr. Nogueira de Brito deixa-nos esta grande mensagem no momento da sua partida. O que é que ele nos diz? Diz-nos: "Meus queridos camaradas, pensem bem no que vós estais aqui a fazer! Pensem bem, cada um de vós, no que aqui representais! Pensem bem, cada um de vós, na situação que encontrais, porque a única coisa que manda no Deputado não pode ser a direcção partidária"! Neste sistema eleitoral, o único limite final que lhe resta é a sua própria consciência de homem livre, de homem independente, político, por natureza, homem devotado à causa pública, à Pátria e ao País. E ao dizer "Adeus" a este serviço público Nogueira de Brito diz, mais uma vez: "Vou largar esta trincheira de madeiras, de tacos, de bancos e vou para a rua! Vou para junto do meu eleitorado! Vou para lá, de onde eu vim! Vou para junto daqueles que me elegeram"! Vai para junto daqueles que, hoje, vieram prestar-lhe a homenagem, apesar do sistema em que vivemos. Não vejo aqui aqueles que efectivamente o deviam honrar mas, sim, os seus eleitores, os que vieram ao Parlamento tributar-lhe homenagem e que ele, como Deputado serviu.
José Luís Nogueira de Brito, como Deputado, V. Ex.ª não precisa de lições sobre a fragilidade, os defeitos, as obscuridades que envolvem e diminuem o nosso sistema eleitoral actual. V. Ex.ª foi talvez a sua primeira vítima. Mas a natureza, a vida, a história e a própria política têm os seus segredos: escolheram o melhor dos Deputados desta Casa, o parlamentar mais ilustre e respeitado pelos seus pares para ser imolado no sistema partidocrático eleitoral que nos rege, o que não foi por acaso, porque as coisas, na História, não sucedem por acaso José Luís Nogueira de Brito parte e, ao fazê-lo, quebra, física e intelectualmente, na própria sede em que devia ser feito, em cacos o sistema eleitoral vigente. Ó sistema eleitoral português está, neste momento, em pedaços com a partida do meu grande colega e enorme amigo José Luís Nogueira de Brito!
Tenho a certeza absoluta de que a carreira política de Nogueira de Brito não acaba aqui, o que seria injusto, intolerável e inconcebível. Ele vai continuar a dar à política, ao País, à pátria, à nação - palavras que, hoje, muitos não gostam de ouvir - o melhor de si próprio, que é superior ao que o País pode dar-lhe Ele participará como comentador e analista político, estará presente no congresso do partido, no CDS, e sempre, connosco, para lembrar-nos que falta nos faz José Luís Nogueira de Brito no grande debate que iremos travar até ao termo desta Legislatura.
José Luís Nogueira de Brito, na hora da despedida formal desta Assembleia, em nome daqueles que sempre o acompanharam desde o primeiro dia em que entrou neste Hemiciclo, em nome de todas as direcções do partido e de todos os antigos Deputados que sempre o louvaram, elogiaram e acompanharam - porque José Luís Nogueira de Brito foi presidente do grupo parlamentar e até chegou a desempenhar, durante um curto período de tempo, o cargo de presidente do próprio partido, não é uma pessoa qualquer que parte Leva nos seus ombros um grande manto histórico do CDS e que não lhe é pesado, pois sabe usá-lo e exibi-lo quando é necessário -, quero dizer que

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contamos consigo nos combates que travamos no dia-a-dia, se não como Deputado ao meu lado, como nosso conselheiro, confidente, estratega e homem que nos iluminará até onde ocuparmos esta bancada. Bem haja! Felicidades! E seja sempre do CDS!

Aplausos do CDS-PP, do PSD, do PS e do Deputado independente Manuel Sérgio.

Neste momento, o Sr. Presidente foi cumprimentar o Sr. Deputado Nogueira de Brito, que deixou a Sala acompanhado do Sr. Deputado do CDS-PP Narana Coissoró.

Aplausos, de pé, do CDS-PP, do PSD, do PS e do Deputado independente Manuel Sérgio.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vale a pena discutir de quem é a responsabilidade pelas gravíssimas actuações das forças policiais na Marinha Grande, porque a questão está devidamente esclarecida. A verdade é que o Governo, através do Ministro da Administração Interna e do Secretário de Estado da Administração Interna, assumiu desde o início a responsabilidade pela violência excessiva e desproporcionada com que a polícia actuou contra os trabalhadores da empresa Manuel Pereira Roldão e contra a população da Marinha Grande.
Mais: o Ministro não se limitou a assumir a responsabilidade em termos políticos gerais; fez a apologia daquela intervenção e daquele estilo de actuação. Depois do primeiro dia de cargas policiais com cenas que incluíram perseguições dentro da câmara municipal, o Ministro Dias Loureiro veio louvar publicamente essa actuação da polícia e cada um dos seus actos concretos, incentivando-a, dessa forma, a prosseguir, o que esta, aliás, veio a fazer logo a seguir, no dia 27 de Dezembro, segundo dia de cargas de violência excessiva e desproporcionada.
O Secretário de Estado da Administração Interna teve o desplante de produzir uma espantosa declaração acerca da actuação da polícia. Garantiu publicamente e à Câmara Municipal da Marinha Grande que a polícia não interviria na manifestação convocada para o dia 29 de Dezembro. Isto é, deu público testemunho de que a polícia intervém ou não ao sabor das conveniências e critérios políticos do Governo e não em função da lei e dos critérios objectivos de segurança interna.

Aplausos do PCP.

O compromisso do Secretário de Estado poderia ser considerado um acto de uma ingenuidade caricata se não revelasse antes, o que é bem mais significativo, uma repugnante cultura do poder que faz da escalada repressiva uma arma política para ser usada em função de critérios de oportunidade política. É este o cerne da questão que tem de ser denunciado e combatido.
O Governo construiu e pôs no terreno um poderoso aparelho policial repressivo destinado a calar, a desmobilizar e a reprimir as acções e as lutas de natureza social com métodos de actuação assentes na violência gratuita, excessiva e despropositada, e vinculado não a objectivos de segurança dos cidadãos mas aos interesses político-partidários do Governo e do PSD.
Perante situações de crise social aguda, o Governo reage de imediato, cada vez com mais frequência e de forma quase pavloviana, com esse aparelho policial repressivo e com a exibição despudorada da violência como forma privilegiada do seu relacionamento com a sociedade. Digamos que a polícia de intervenção começou a ser a face mais visível da política social do Governo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os estudantes manifestam-se contra a política governativa? Quem marca presença na primeira fila é a polícia de intervenção! Os agricultores não aceitam pacificamente a degradação do rendimento agrícola e o desmantelamento da nossa agricultura? Polícia para cima deles! Os trabalhadores da TAP lutam em defesa da empresa? Têm como primeira resposta a polícia! As populações da margem Sul indignaram-se com os aumentos das portagens e buzinaram? Violência sobre eles! Há trabalhadores, como os da empresa Manuel Pereira Roldão, que não aceitam os salários em atraso e a ameaça de despedimentos e encerramento de empresas? Primeira reacção: chanfalhada neles!
À medida que a crise social se agudiza (e agudiza-se, efectivamente, .com a subida do desemprego, com o aumento do número de empresas que encerram e novamente com a praga dos salários em atraso), o Governo intensifica a escalada repressiva e refina o aparelho policial repressivo que a executa.
Duas palavras sobre os componentes deste aparelho e o seu modelo de construção e funcionamento. As principais forças deste aparelho policial repressivo são, por um lado, os corpos de intervenção da PSP e da GNR e, por outro, os serviços de informações, particularmente, o SIS (Serviço de Informações e Segurança).
A situação deste último é por demais conhecida: encontra-se em roda livre, sem qualquer controlo democrático, actuando como um serviço de informações políticas, excedendo claramente os limites da lei que o criou, colocando-se despudoradamente como força de apoio às opções político-partidárias do Governo e contra os direitos fundamentais que estão constitucionalmente garantidos. Não vale a pena procurar agentes do SIS na pesquisa de informações na área do banditismo, da alta criminalidade ou da droga. O seu meio natural, aquele que o Governo lhe reservou, são as manifestações, a acção sindical, as organizações de estudantes e agricultores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos corpos de intervenção da PSP e da GNR, o seu número total, contando não só os corpos centrais mas também as forças de intervenção a nível de brigada e de comando distrital, foi-se acrescentando paulatinamente ao longo do tempo e ronda hoje os 4000 homens. É um exército! Qual a lógica que levou a esta super concentração de meios de choque em detrimento do exercício das funções de polícia que têm a ver com a prevenção e o combate da criminalidade? A lógica é meramente política, de privilegiar os investimentos na construção de meios de repressão à medida da agudização da crise social e a preparação desses corpos para um exercício acrítico da violência desproporcionada contra manifestantes. É bom dizer, aliás, que, se a responsabilidade do Governo não pode encontrar atenuantes nas responsabilidades de outros, não é possível deixar de associar-lhe as responsabilidades próprias dos altos comandos da PSP e da GNR e dos seus comandantes operacionais. São eles os responsáveis pela formação ou, melhor, pela falta de formação cívica e de-

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mocrática que é ministrada aos agentes destes corpos de intervenção. São eles os responsáveis por formas da actuação que excedem completamente as regras de actuação policial neste tipo de corpo.
Pergunto: uma polícia treinada para dispersar persegue cidadãos? Uma polícia com uma filosofia democrática invadiria propriedades, lojas e edifícios públicos e agrediria indiscriminadamente quem lá estivesse? Uma polícia com formação cívica não conhece os direitos dos órgãos de comunicação social? Não é capaz de identificar como jornalista um cidadão portador de uma máquina profissional de vídeo com o símbolo da TVI, que é perfeitamente identificável? Não sabe distinguir uma criança de um adulto?
As tácticas de actuação imprimidas pelos comandos às actuações dos corpos de intervenção vão mesmo beber inspiração nos manuais militares. Mandatadas para dispersar, acabam por fazer "cercos" e perseguem o "inimigo" tendo em vista a neutralização de "bolsas de resistência" e a eliminação dos "atiradores isolados". Isto não é acção da polícia mas acção militar em meio urbano.
Os que, no Governo e nos comandos gerais, superiormente preparam e assim deformam estes corpos de Intervenção são os mesmos que defendem uma concepção militarista das forças de segurança, que atacam o sindicalismo policial e negam direitos essenciais aos membros das polícias e que defendem a presença de oficiais das forças armadas nos comandos das forças de segurança.
O aparelho policial repressivo que o Governo foi construindo não só atinge os direitos e liberdades dos cidadãos como põe em perigo o regime democrático e as suas características essenciais. Pela sua composição e forma de actuação, pela filosofia política e directivas que recebe do Governo, exprime o vezo de autoritarismo e prepotência antidemocrática que vai marcando cada vez mais a actuação do PSD no Governo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP)- - Muito bem!

O Orador: - Os métodos antidemocráticos resvalam hoje para um autoritarismo tornado critério solitário da intervenção do Governo na vida política e social.
E não há, Sr. Presidente e Srs. Deputados, psicodrama que consiga esconder esta vertente da política do Governo, que o coloca no confronto directo com as instituições e com o regime democrático, o qual é cada vez mais perigoso. A situação da Marinha Grande mostra que a questão central da vida nacional está no conflito, cada vez mais agudo, entre a política do Governo e os interesses dos trabalhadores e da grande maioria da população.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo do PSD, que dispôs de mais 60 milhões de contos para encher os bolsos dos agrários que, antes do 25 de Abril, fizeram o Alentejo da exploração e que, repostos hoje na titularidade dos latifúndios, quer pôr novamente o Alentejo amarrado ao passado; que se louva de ter reconstituído os mesmos grupos económicos que, antes do 25 de Abril, foram o suporte do regime fascista, é o mesmo Governo que assina um brutal relatório negando uma decisão favorável aos trabalhadores da empresa Manuel Pereira Roldão dizendo que o pagamento de salários é uma questão privada entre o capital e a "força do trabalho" e que organiza a operação repressiva e provocatória sobre os trabalhadores e a população da Marinha Grande!
Não há encenação de psicodrama ou de psicofarsa que possa fazer com que esta questão deixe de ser central na vida política nacional!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E não devia haver quem caísse na esparrela do psicodrama, esquecendo que o que está em julgamento são as acções do Governo e do partido que o sustenta, não só as passadas mas aquelas que hoje continua a praticar, quando dá, por exemplo, milhões aos agrários ao mesmo tempo que manda carregar a polícia sobre os trabalhadores.
A acção do aparelho policial repressivo é mais uma componente da avaliação que fazemos de que urge clarificar a vida política, não para ficar candidamente à espera de eventuais decisões do Primeiro-Ministro acerca do seu futuro mas, sim, para tomar a iniciativa política, interrompendo esta política do PSD, que gangrena o País e que, por isso, cada dia que prossegue, mais sacrifícios e perigos arrasta para os portugueses, recorrendo assim com urgência à antecipação das eleições com a demissão do Governo.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Esta é a iniciativa política necessária para ser possível responder às reclamações populares, seja dos trabalhadores da empresa Manuel Pereira Roldão ou das Minas do Pejão, seja da generalidade da população que quer outra política de democracia social e económica, que respeite o trabalho como o maior valor do património de um País e as liberdades e direitos dos cidadãos e dos trabalhadores como um bem essencial e inquestionável e um valor em si mesmo.
Deixo aqui expressa, a terminar, a nossa solidariedade aos trabalhadores da Manuel Pereira Roldão e à população da Marinha Grande, que os apoia na sua luta pelo trabalho e pelo salário, pela empresa e pelo emprego, ao fim e ao cabo, a luta por muito do que dá mais dignidade e sentido à vida humana!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva, Rui Vieira e Mário Tomé.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao intervir, pela primeira vez, nesta Assembleia, antes de formular o meu pedido de esclarecimentos ao Sr. Deputado João Amaral, quero desejar à Mesa e a todos os Deputados desta Assembleia, em meu nome e no do Grupo Parlamentar do PSD, as maiores felicidades neste ano de 1995 e neste final de Legislatura e de sessão legislativa.
Sr. Deputado João Amaral, com o devido respeito pela sua intervenção, não pode falar-se com leviandade partidária de assuntos que envolvem direitos fundamentais mas, sim, com o sentido de cidadania que ultrapassa as questões partidárias.
No que diz respeito aos trabalhadores da empresa Manuel Pereira Roldão, da Marinha Grande, é necessário ter presente vários direitos fundamentais: por um lado, o di-

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reito à segurança dos cidadãos e o direito à livre circulação, por outro, a obrigação que pertence ao Estado de assegurar esses direitos, contexto em que devem analisar-se os incidentes que ocorreram na Marinha Grande.
Para poder, eventualmente, compreender a reacção de V. Ex.ª à intervenção policial, gostava de saber se há, da parte do Partido Comunista Português, uma vontade influente - e sabe-se publicamente que a tem junto do operariado e dos sindicatos da Marinha Grande - no sentido de garantir que o direito de manifestação, que é também um direito fundamental de todos os cidadãos, designadamente dos trabalhadores da Marinha Grande, será usado, de futuro, de forma a que outros direitos fundamentais, como a segurança dos demais cidadãos e a livre circulação sem obstrução de estradas, sem o recurso a granadas, sem a utilização de pedras ou dinamite, possam expressar-se livremente? Está V. Ex.ª em condições de assegurar que os responsáveis do PCP e as suas estruturas com influência no domínio laborai garantem que, no futuro, as coisas acontecerão desta forma?
Por outro lado, não entende V. Ex.ª que, se as coisas não vierem a acontecer no futuro dessa forma mas, sim, com o recurso aos meios há pouco referidos, deve o Estado, através das suas forças policiais, repor a legalidade e garantir que os demais direitos dos cidadãos serão livremente assegurados, conciliando o direito de manifestação e os direitos postos em causa?
Gostava igualmente que fosse explicado por V. Ex.ª, sabendo que estão em curso investigações por parte da Procuradoria-Geral da República e um inquérito pelo Provedor de Justiça, se é razoável e legítimo que, com base, em eventuais imagens televisivas que, ao serem truncadas, não dão uma noção da realidade integral dos acontecimentos, afirmemos, desde já, com um processo de intenções, que houve excessos policiais e emitamos um juízo sobre essa situação. Suponho que devemos aguardar o resultado dos inquéritos.
Mas quero, desde já, dizer-lhe claramente que, antes de mais, estamos solidários com os trabalhadores da Marinha Grande.

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - Não aprovamos a actuação dos agitadores e dos provocadores que levam a polícia a intervir, prejudicando o direito de manifestação dos trabalhadores bem como os seus interesses. É necessário dizer que esses agitadores e provocadores fomentam situações radicais, que alguns trabalhadores já vieram dizer que não acompanham pois sentem estar a ser prejudicados por esse extremismo. Com estes, estamos solidários, o que não sucede com os outros.
Do mesmo modo, condenaremos sem qualquer hesitação a conclusão - e estaremos claramente solidários com ela - que, eventualmente, se extraia quanto a ter havido um ou outro excesso e exigimos a responsabilização que tenha de ser pedida a quem efectivamente se tenha excedido na reposição da ordem pública.
Que fique clara a nossa posição: não aceitamos que se provoquem estas medidas que são contrárias à ordem pública, que são ofensivas de outros direitos fundamentais e que, depois, se venha, pura e simplesmente, falar na reacção que o Estado tem de ter a essas situações, qualificando-a, prematuramente, de excessiva. Nesse tipo de processos de intenção, sem as regras fundamentais a que todos os processos devem obedecer, sem as regras do contraditório, sem as regras da averiguação, não contem connosco para prejuízos precipitados. Não aceitamos que questões que envolvem direitos fundamentais, questões de cidadania, sejam instrumentalizadas partidariamente de forma leviana.

O Sr. Presidente (Correia Afonso). - Sr. Deputado João Amaral, ainda há mais duas inscrições para pedidos de esclarecimentos. Deseja responder agora ou no fim?

O Sr. João Amaral (PCP): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP). - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, quando tomou a palavra julguei que ia pedir perdão, como chegou a fazer o Sr. Governador Civil de Leiria, que, depois, deve ter levado a devida repreensão...
Como dizia, pensei que o Sr. Deputado iria pedir perdão pela forma como actuou a polícia, já que o País pôde assistir à forma como essa intervenção foi feita e pôde tomar conhecimento dela, não só pelas imagens televisivas como por relatos da comunicação social, como até pelas informações que todos podemos ter acerca do que lá se passou.
Ora, o Sr. Deputado aproveitou para fazer uma espécie de provocação que consiste em colocar aqui, na Assembleia, interrogações sobre os chamados "comunicados" das Relações Públicas do Comando Geral da PSP. Refiro-me, por exemplo, ao "famoso" comunicado emitido a propósito dos acontecimentos em Matosinhos, segundo o qual se descobriu que houve um cidadão que ia correr contra uma bala que tinha "asinhas", que andava perdida no ar, e o cidadão, teimoso, logo havia de ter ido de encontro à bala e morrido...!

O Sr. Guilherme Silva (PSD)- - Parece-me que V. Ex.ª já não está na Marinha Grande!

O Orador: - V. Ex.ª fala em "infiltrados"! Não sabe o que andam a fazer os serviços de informações? Não ouviu falar nisso? Por exemplo, não ouviu falar nas infiltrações que aqueles serviços fizeram nas associações de estudantes de Lisboa e que foram detectadas? As acções de infiltração e de provocação não são os métodos típicos utilizados pela polícia, historicamente conhecidos, até por membros da sua bancada, e denunciados a seu tempo? São estes os métodos da polícia, Sr. Deputado!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado afirmou que não sabia bem o que tinha acontecido. Mas queria que a polícia ainda tivesse sido mais clara do que foi, que ainda tivesse dado mais pancada, para o Sr. Deputado ficar convencido? Precisava que tivesse sido mais?
Sr. Deputado, nós estamos solidários com os trabalhadores na defesa dos seus direitos e, desde logo, na do seu direito essencial que é o direito ao trabalho e ao salário. É este direito que, com a vossa actuação, os senhores violam em primeiro lugar. Mas não só. os senhores violam também o direito de manifestação dos trabalhadores através de cargas de polícia com violência desproporcionada e injustificada, que envergonham o Estado democrático!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.

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O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, o caso da empresa Manuel Pereira Roldão revela que o estado de hibernação em que se encontra o Primeiro-Ministro afectou de forma definitiva todo o Governo. Na verdade, só por andar a dormir é que o Ministro da Indústria pode vir dizer, a propósito da Manuel Pereira Roldão, que o Governo nada tem a ver com o assunto, que se trata de um caso típico de má gestão.
De facto, é ou não verdade que esta empresa tem vindo a ser financiada por acções ligadas aos fundos comunitários? É ou não verdade que o dono da empresa, Sr. Carlos Antero, enquanto Presidente da Associação dos Industriais de Cristalaria, tem sido parceiro do Ministério, talvez mesmo parceiro privilegiado, na elaboração de um programa de reestruturação do sector, pomposamente anunciado em Leiria pelo Sr. Ministro da Indústria? É ou não verdade que o Estado é credor de 80% dos cerca de três milhões de contos que esta empresa deve? É ou não verdade que o Ministério da Indústria conhece por dentro a situação económico-financeira de cada uma das sete ou oito empresas abrangidas pelo referido programa?
Portanto, Srs. Deputados, nem me parece que o Ministro tenha vindo "lavar as mãos" na praça pública tal como Pilatos Não! O Sr. Ministro está é a acompanhar o Sr. Primeiro-Ministro neste profundo sono em que se encontra de há uns tempos para cá.
Mas há um ministro que não dorme, Srs. Deputados! Esse Ministro chama-se Dias Loureiro. Quando os outros dormem, ele vela; sempre que os outros paralisam, ele actua; onde os outros se descartam, ele assume. Onde faltou uma palavra apaziguadora do Sr. Primeiro-Ministro na quadra do Natal, sobrou o autoritarismo do Sr. Ministro Dias Loureiro; onde faltou uma acção atempada do Ministério da Indústria, sobrou a oportunidade e a rapidez do gesto do Sr. Ministro Loureiro. Enfim, onde falhou a acção do Governo, sobrou e extravasou a violência das forças comandadas pelo Sr. Ministro Dias Loureiro.
Permita-me, Sr. Deputado João Amaral, que o acompanhe em deixar aqui uma palavra de compreensão e de solidariedade para com os trabalhadores. É que, de facto, embora também reconheçamos que, nalguns casos, a sua actuação violou a lei, compreendemos que o desespero da situação em que se encontram, mesmo assim, não os levou a actuar com a violência das forças policiais que deveriam ter actuado no âmbito estrito previsto na lei.
Finalmente, Sr. Deputado João Amaral, permita-me que, em paradoxo com a atitude e com a actuação do Governo, deixe aqui uma palavra relativamente à acção do Presidente da Câmara da Marinha Grande, Álvaro Órfão. Ele, sim, sem ser da sua competência, apresentou soluções que hoje se encontram em cima da mesa da comissão de credores, que podem levar à viabilização da empresa.
Para acabar, Sr. Deputado João Amaral, devo dizer-lhe que a sua intervenção me merece uma pergunta: qual é a sua posição e a do Partido Comunista Português relativamente à proposta concreta apresentada pela câmara municipal e que é do conhecimento de V. Ex.ª?

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, em primeiro lugar, quero saudar a sua intervenção. Em segundo lugar, quero saudar o exemplo da Marinha Grande, a coragem dos trabalhadores, a intervenção dos jovens, a solidariedade da população e dos trabalhadores de todo o País, que se manifestaram em relação àquele caso de sonegação de direitos.
Os trabalhadores mostraram que, quando têm consciência dos seus direitos, se batem e sabem resistir. Isto é muito importante e de grande valor para a situação que hoje atravessamos.
Muito rapidamente, vou colocar-lhe duas questões sobre as quais gostaria de ouvir a sua opinião.
Independentemente da bárbara violência que foi vista por todo o povo português através da televisão, quero perguntar-lhe se considera que pode ser tolerada a violação da autonomia do poder local, com a invasão da câmara municipal - eu estava lá e vi! Em segundo lugar, aproveitando para colocar a questão a toda esta Câmara através do Sr. Deputado, gostaria de saber a sua opinião acerca da tentativa do SIS e da polícia de intimidar e persuadir os Deputados desta Casa, nomeadamente eu próprio, no sentido do não cumprimento das respectivas responsabilidades através da provocação, nomeadamente em relatórios policiais, sobre os quais vou apresentar um requerimento para me serem presentes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, tenho muito pouco tempo disponível para responder. Assim, quero tão-somente agradecer as palavras de aplauso que me foram transmitidas e esclarecer uma questão quanto à solução do problema de fundo da empresa Manuel Pereira Roldão.
Não há nenhuma solução justa para o problema desta empresa que não passe pela garantia da manutenção dos postos de trabalho e pelo pagamento integral dos salários em atraso.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta é a posição do meu grupo parlamentar sobre a questão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa e Oliveira.

O Sr. Costa e Oliveira (PSD): - Ilustre Presidente, Sr." e Srs. Deputados: O mundo rural assume, paredes meias com a urbanidade, a sua quota parte, de enorme transcendência, em todo o processo de desenvolvimento da humanidade.
Sem querer avançar por uma tentativa de eleição de sectores mais e sectores menos importantes, sempre diria que o sector rural, ou simplesmente o sector agrário, ou mesmo e apenas o agrícola são, de todo em todo, imprescindíveis.
Sem ele, o rural, ou sem eles, o agrário e o agrícola, é impensável conceber a angariação de bens alimentares base, pelo que, a ser assim, não são necessárias palavras para enaltecer a importância da ruralidade e de tudo o mais que a ela está ou possa estar intimamente ligado.
Logicamente, este sector não é, nem sequer está, estático, bem antes pelo contrário. Ele é, por si só, de um enor-

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me dinamismo; a prová-lo estão, embora infelizmente, confrangedoras realidades de povos a morrer de fome, em gritante e horroroso contraste com outros a quem sobram géneros alimentares, os quais, através do dinamismo que atrás apontámos, avançaram - e continuam a avançar, distanciando-se - em processos de desenvolvimento que, apesar de tudo, temos forçosamente de aplaudir.
Em toda a multifacetada reflexão que sobre este sector rural se possa fazer, nos inúmeros aspectos que sempre afloram à nossa mente, um se destaca, com toda a normalidade - o homem. Este, o "homem", o agente humano se preferirmos, divide-se com as mulheres no protagonismo assumido e, enquanto idosos, em pleno activo, ou jovens, consagram diferentes maneiras de ser e estar. Qualquer destes, o homem ou a mulher, o idoso, em pleno activo, ou jovens, a tempo inteiro ou parcial, têm para si reservadas funções bem distintas, sendo possível, com qualquer delas, alimentar discussões apaixonadas ou escrever compêndios que fariam história.
Para reflectir um pouco sobre ele - o "homem", o agente humano -, para sobre ele falarmos e discutirmos, subimos a esta tribuna.
Ilustre Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não dissertaremos sobre o assunto em toda a sua dimensão mas, sim e apenas, sobre um aspecto, os "jovens", os jovens agricultores ou os jovens empresários, se preferirdes assim os denominar.
Sabeis o que é um jovem agricultor. Trata-se daquele, rapaz ou rapariga, homem ou mulher, que tem entre 18 e 40 anos de idade, possui terra ou a utiliza e a ela se quer dedicar, a tempo inteiro ou parcial, extraindo-lhe os alimentos que consome ou coloca no mercado.
Tem sido, facilmente se comprova, verdadeiramente notável a atenção que, no nosso país, se tem dado a esta figura do jovem agricultor. Os resultados estão à vista, para o comprovar.
Na realidade, quer a nível privado, desde o início dos anos 80, quer a nível oficial, um pouco mais cedo mas, principalmente, após a integração de Portugal no espaço europeu, têm sido enormes os avanços que podemos registar nesta matéria. Importa, estamos certos e propomo-nos fazê-lo, reflectir sobre as verdades que acabámos de afirmar.
O sucesso que referimos não apareceu por acaso, bem antes pelo contrário. Ele obedeceu a objectivos bem precisos que pretenderam ser antídoto a fenómenos como o êxodo rural e aumentar os níveis de qualidade na classe empresarial, conferindo-lhe educação, formação e mentalidade mais consentâneas com níveis de agricultura mais desenvolvidos e, portanto, com maior capacidade de resposta.
A nível privado, a evolução foi, de facto, enorme. Os jovens souberam responder ao desafio que a Europa lhes dirigiu e deitaram mãos à criação da sua associação representativa. Com a ajuda de apoios, financeiros e não só, que o Governo nunca lhes regateou, os jovens agricultores portugueses souberam, tanto quanto se evidencia, recuperar muito do tempo que levavam de atraso em relação às suas congéneres europeias.
Do historial público da Associação dos Jovens Agricultores de Portugal - assim se chama a organização representativa que vimos relatando -, e tanto quanto foi dito em reuniões várias com as Comissões Parlamentares de Agricultura e de Juventude, deste historial público, dizia, alguns aspectos merecem particular realce.
Para além da afirmação desta "figura", que à data era perfeitamente inexistente em Portugal, são notórios os esforços que a Associação desenvolve em redor da problemática do rendimento e das condições de vida dos seus representados, fazendo do acesso à terra um dos seus verdadeiros cavalos de batalha.
A informação e a formação profissional ocupam muitas horas da actividade desta ainda jovem associação de jovens e algumas manifestações, donde realçaríamos a organização de um congresso mundial, a instalação de uma agência mundial em Portugal e a efectivação de em fórum técnico que engloba os jovens agricultores de Portugal, dos países africanos de expressão portuguesa e do Brasil, agrupando todos, assim, numa verdadeira Comunidade Lusófona deste escalão etário dos agricultores, de uma parte tão significativa do mundo. Algumas destas manifestações, dizíamos, assumem foros de uma enorme validade.
Os princípios e bases programáticos que os jovens agricultores defendem, em redor do privilégio e defesa do mundo rural, na consagração da iniciativa e propriedade privada e na livre concorrência das empresas, com o pugnar pela defesa do estatuto da empresa de dimensão familiar por um lado, e a intervenção que vem assumindo na sociedade democrática em que vivemos, por outro, elegeram a Associação dos Jovens Agricultores de Portugal como parceiro do Governo no diálogo social que importa praticar.
Por ser assim, foi pois com naturalidade que o Governo, em muito boa hora, concedeu os apoios e incentivos que atrás referimos e foi também em boa hora que o Governo deitou mãos à aplicação em Portugal das normas comunitárias que aos jovens agricultores dizem respeito, fazendo-o de tal forma que, hoje, o nosso país é aquele que mais jovens instalou na agricultura, de 1986 até à presente data. Repito, de 1986 para cá, Portugal foi o país que mais jovens instalou na agricultura, conforme o próprio Conselho Europeu ainda há bem pouco reconhecia, felicitando-nos por tal facto.
Ao todo, são agora mais de 10000 agricultores, ainda jovens, que estão a ver a agricultura de uma forma diferente. Estão mais conscientes, melhor preparados e são ajudados como nunca foram. Ao todo, são vários milhões de contos que, pela via dos jovens agricultores, foram direccionados ao investimento e funcionamento da agricultura portuguesa, deixando já perceber alguns bons resultados que no futuro melhor se irão consolidar.
Ilustre Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A intervenção do Governo português não se ficou pela aplicação ao nosso país da legislação comunitária que nos era sugerida. Na verdade, fomos bem mais longe, ao ponto de algumas terras do Estado terem sido cedidas a jovens agricultores para que projectos piloto se instalassem, a servirem de incentivo a todos os demais que precisem de um bom exemplo, que os encoraje a começar ou prosseguir na vida de agricultor.
Porém, como é evidente, este progresso, facilmente adjectivado de sucesso, é apenas e ainda uma mera etapa do caminho que todos teremos que percorrer para que milhares ou milhões de jovens agricultores em todo o mundo mudem a face de uma agricultura que, apesar de muitas coisas boas, a todos nós preocupa.
Por esse mundo fora, as carências são enormes, mas a este nível dos jovens agricultores é precisamente na Europa comunitária que se registam os progressos mais assinaláveis. Em outras partes do mundo, principalmente no menos desenvolvido, até esta figura é ainda perfeitamente inexistente, sendo através dos congressos mundiais, que já vos referi, que a Europa procura "semear" por esse mundo além esta filosofia da qual, com toda a evidência, só serão de esperar bons resultados.

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Pelo lado português, o Partido Social Democrata pugna pela defesa dos princípios que toda esta problemática encerra; pelo lado do Governo português, são mais do que evidentes os esforços desenvolvidos e, ainda há bem pouco, pela voz do próprio Ministro da Agricultura, eram anunciadas novas medidas que ainda mais vieram encorajar os jovens agricultores portugueses. Estamos certos de, assim, todos estarmos no bom caminho.
O êxodo rural, a impreparação de alguns agricultores mas, sobretudo, a fome no mundo e as condições de vida dos rurais tenderão a melhorar à custa de muitas coisas, mas, sobretudo e também, à custa de jovens que queiram ser agricultores.
O nosso quinhão, a nossa quota parte de intervenção, estão no bom caminho. A nossa política para o sector tem sido bem aplicada e os agentes visados mostram corresponder.
Quanto ao resto, o tempo se encarregará de pôr "o seu a seu dono", para que a agricultura portuguesa e mundial nos possam recompensar e para que os agricultores, neste caso agora os mais jovens, tenham o que merecem pelo digno esforço que sempre desenvolvem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Marteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a intervenção que acabámos de ouvir pretende, a pretexto de nos falar em 10000 jovens, fazer passar a mensagem de que a política agrícola deste Governo tem sido um sucesso. Ora, em nossa opinião, essa ideia corresponde ao inverso do que é a realidade.
Com efeito, em Portugal, temos recenseadas 600000 explorações agrícolas e fala-se em 10 000 jovens. Mas, os resultados obtidos mostram que esta política, mesmo em relação à juventude, não só não tem sido um êxito como é considerada um insucesso.
Senão vejamos: é ou não verdade, Sr. Deputado, que assistimos à desertificação do mundo rural português, ao seu envelhecimento, ao crescimento do desemprego, à expulsão da juventude da agricultura e não à fixação dos jovens no mundo rural e na agricultura?
É ou não verdade, Sr. Deputado, que a evolução da estrutura fundiária, em Portugal, também mostra um envelhecimento da nossa agricultura? O Governo propôs-se fazer uma política de reestruturação fundiária que aproximasse a nossa estrutura fundiária da comunitária e a rejuvenescesse. Porém, o que constatamos é que se trata de mais um fracasso, também nesta área.
Por um lado, a norte e centro do rio Tejo mantém-se o minifúndio, com um conjunto de milhares e milhares de explorações fragmentadas em diversos blocos e com proprietários muitíssimo envelhecidos e, por outro lado, a sul do Tejo assistimos à reconstituição de uma grande propriedade de raiz latifundista, em que hoje cerca de 1% - apenas 1%! - dos grandes proprietários detêm 80% da superfície agrícola utilizada, segundo as estatísticas do vosso Governo.
Ora, estes dados comprovam que não há introdução de gente nova na agricultura e que, pelo contrário, se mantém, ao fim de 20 anos, a mesma estrutura fundiária que existia, o que constitui um grande fracasso deste Governo. O que é que o Governo pensa fazer para resolver este problema da estrutura fundiária, de forma a modemizá-la? Este ponto é indispensável para tornarmos a agricultura moderna e competitiva no quadro da Comunidade Económica Europeia.
Outros resultados que mostram que esta política foi um fracasso são os que se prendem com o agravamento da dependência agroalimentar, de 51%, em 1986, para 70%, em 1994. A que atribui este agravamento, já que falou da modernização da nossa agricultura?
Finalmente, Sr. Deputado, os jovens agricultores - e temos falado com muitos - precisam, efectivamente, de apoios, mas o que verificamos, neste momento, é que o Governo, em vez de canalizar, como devia, vultosos apoios para a instalação e desenvolvimento das explorações dos jovens agricultores, prepara-se para entregar mais 60 a 80 milhões de contos a 500 ou 1000 famílias latifundiárias,
Ora, isso é escandaloso, porque se vai entregar todo esse dinheiro a pessoas que, na maior parte dos casos, não produziam; talvez o Sr. Deputado desconheça que, no Alentejo, 70 000 ha de terra estavam abandonados aquando das ocupações e, portanto, ir indemnizar hipotéticos lucros que essas pessoas teriam obtido se explorassem as terras - o que, na verdade, não acontecia - é, repito, um escândalo e não se compreende.
Por outro lado, estas pessoas já receberam cerca de 72 milhões de contos ao longo destes anos e deviam à banca comercial, à altura das ocupações, 32 milhões de contos. Pode, o Sr. Deputado, dizer-me se estas dívidas, que eram dinheiros públicos, já foram pagas?!
Além do mais, elas receberam ainda, através de frutos pendentes das UCP/cooperativas, cerca de 20 milhões de contos e estão agora a receber, com base num estranho regulamento comunitário, cerca de 22 milhões de contos, para reconverterem a sua agricultura de cereais em pecuária.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

São, pois, cerca de 70 milhões de contos de fundos e dinheiros públicos que estas grandes famílias latifundiárias vão receber- porque é delas que estamos a falar e não de pequenos e médios agricultores ou empresários agrícolas -, apesar de terem as terras abandonadas.
Posto isto, como é que o Sr. Deputado justifica que, em vez de se canalizar o dinheiro, efectivamente, para estes pequenos e médios agricultores e para os jovens agricultores, os senhores se preparem para ir entregar - se o conseguirem - 80 milhões de contos às pessoas que aqui acabei de referir?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa e Oliveira.

O Sr. Costa e Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, agradeço a gentileza que o Sr. Deputado António Murteira teve em me abordar e é com muito prazer que vou comentar aquilo que disse.
Quanto à problemática de fundo da sua intervenção, de facto, estamos em manifesto desacordo. Tanto quanto julgo saber das suas posições políticas, pessoais e públicas, os senhores são pela colectivização da propriedade, enquanto nós somos pela propriedade privada.

O Sr. António Murteira (PCP): - Não é verdade, Sr. Deputado!

O Orador: - Portanto, logo aqui, temos uma divergência de fundo.

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Para tanto, veja-se o caso do Alentejo, reportando-nos a 1974, e a tentativa feita pelos senhores no sentido de colectivizarem a propriedade, mantendo, de alguma forma, os latifúndios, apenas os passando de mão.
De qualquer forma, penso que também é possível registar, a partir dessa experiência da reforma agrária alentejana, que a dimensão da propriedade no Alentejo não aparece por acaso! Além do mais, alguma divisão de propriedade que os senhores lá fizeram permitiu-lhes constatar facilmente que tal não resultava, porque se a propriedade tem, em termos gerais, a dimensão que tem, isso deve-se a razões de ordem histórica, cultural e económica que assim obrigam.
Pela mesma razão, no norte do País, o minifúndio não aparece por acaso: as coisas são como são devido ao mesmo historial social, económico e cultural.
Assim, penso que, na óptica da dimensão da propriedade, dificilmente estaremos de acordo.
Agora, em relação à estrutura fundiária que o Sr. Deputado referiu, como reparou, caminha-se progressivamente para a tal dimensão da propriedade que pode ser equiparada à da Comunidade Europeia.
Não sei quando é que Portugal vai ser capaz de ter uma dimensão média de propriedade comparável à média da Europa, como acontece na Inglaterra, França ou na própria Espanha. Essa transformação vai, com certeza, demorar um número significativo de anos, mas, de facto, o que verdadeiramente me preocuparia era se não notasse que, por exemplo, a nível do emparcelamento e da mentalidade dos próprios intérpretes do sector, se está a fazer algo nessa matéria. Aliás, estão a decorrer várias experiências no País, que o Sr. Deputado poderá visitar e, dessa forma, com positividade, poderá constatar que está a ser aplicado um conjunto de medidas muito precisas que vai resultar a médio prazo, proporcionando que a dimensão da estrutura fundiária portuguesa seja completamente mudada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas a questão que constituiu o cerne da minha intervenção, e que o Sr. Deputado teve a gentileza de abordar, tem a ver com a gente nova.
De facto, o Sr. Deputado falou em cerca de 600 000 explorações agrícolas e em potenciais agricultores. Pergunto: quantos potenciais agricultores são jovens? Posso dizer que são cerca de 70 000, dentro do leque etário que temos para a agricultura portuguesa. E desses 70 000, que pudemos configurar em 1986, o Governo português já viabilizou a instalação de 10 000. Dir-me-á que é pouco e que poderia ser melhor! Mas também lhe digo, Sr. Deputado, que partimos do zero, de uma figura perfeitamente inexistente em Portugal e com um atraso associativo - por razões que o senhor, como eu, também sabe - de 25 anos em relação à Europa comunitária e, num espaço curto de oito anos, conseguimos instalar 10 000 jovens agricultores.
O representante do próprio Conselho Europeu disse, à minha frente, que Portugal foi o país que mais jovens agricultores instalou na agricultura, ou seja, foi o País que melhor conseguiu encurtar as assimetrias que, dentro deste escalão etário dos agricultores portugueses, se verificam na Europa.
Portanto, sem deixar de comungar - tal como referi na minha intervenção - da ideia de que este é um sector com problemas difíceis, não podemos deixar de verificar que nos principais aspectos da agricultura portuguesa é significativa a evolução que se tem registado.
Assim, quando o Sr. Deputado diz que tudo o que se tem feito é igual a fracasso, devo contrapor que isso não é verdade nem para os jovens agricultores nem para o resto! Pelo contrário, tudo o que se fez é igual a um caminhar com passos seguros - que todos gostaríamos que fosse tão acelerado quanto possível -, que já aproxima a nossa agricultura da comunitária, de forma a que, tão breve quanto possível - não sei quando -, nos permita igualar aos melhores entre todos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr." Deputada Elisa Damião.

A Sr. Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao inviabilizar o diálogo e desacreditar a concertação adensou-se, num clima de pressão económica, a crise social. O Governo semeou ventos e colhe tempestades.
Em consequência das chamadas reestruturações industriais, nem todas explicáveis pela crise económica internacional, perdem-se definitivamente 10 000 postos de trabalho por mês, não se concertam estratégias nacionais e comunitárias para a defesa dos direitos sociais, tão laboriosamente edificados, sendo exemplar o conflito da Marinha Grande, paradigma da fuga às responsabilidades dos governantes que exibem afrontosa indiferença face aos dramas sociais que se vivem.
A Câmara mediou o diálogo entre as partes e preveniu o Governo, atempadamente, dos problemas graves da empresa Manuel Pereira Roldão e da importância social do sector na região, que, por acção do Governo, passou da dimensão local e pontual para fazer parte das angústias de todos os portugueses.
Há apenas alguns meses, o Sr. Ministro da Indústria e Energia anunciava, com pompa e circunstância, um programa de reestruturação do sector da cristalaria, no âmbito do PEDIP II, que, nos termos da Portaria n.º 934/94, de 21 de Outubro, e Despachos Normativos n.ºs 762 e 763/94, com base nos Decretos-leis n.ºs 251/86 (reestruturações sectoriais) e 177/94 (SINDPEDIP), permitiam apoiar financeiramente os projectos de modernização das 14 empresas do sector.
Constituiu-se a VITROCRISTAL, ACE, sob a presidência do IAPMEI conjuntamente com os industriais do sector, a cuja associação o administrador da empresa Manuel Pereira Roldão presidiu até há poucos dias.
Não é, portanto, de estranhar que os trabalhadores da empresa Manuel Pereira Roldão tivessem acalentado expectativas de, tal como na FÉIS e na IVIMA, se normalizar a situação da empresa, tendo reagido naturalmente ao facto de não lhes terem sido pagos os salários desde meados de Outubro e ainda 25% do subsídio de Natal de 1992, 50% do subsídio de Natal de 1993 e 33,3% do subsídio de férias de 1994.
O País também percebeu que, se os trabalhadores não tivessem reagido vigorosamente na defesa dos salários e dos postos de trabalho, pese embora alguns excessos que lamentamos, que a Câmara Municipal da Marinha Grande proeurou desencorajar e evitar, que se traduziram no corte de uma estrada secundária e da via férrea, nada teria sido feito.
Foi decidida uma carga policial, deliberadamente agressiva - e a presença da polícia não tem de ser necessariamente violenta, como já aqui foi dito -, sem aviso prévio, persecutória dentro de cafés e da Câmara Municipal, talvez para criar um clima de instabilidade social, com vista a

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alibis políticos e culpabilização do que chamam «forças de bloqueio».
Porém, os portugueses estão fartos de desculpas e de mistificações estatísticas e exigem conhecer a realidade, as medidas do Governo e a dimensão dos salários em atraso em Portugal neste momento. A verdade é que foi necessário uma dramática carga policial para o País ficar a saber o que pensa o Sr. Ministro da Indústria e Energia e o Sr. Ministro das Finanças e que se o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social tem algum pensamento sobre o assunto não o diz.
O Sr. Ministro da Indústria e Energia revela aos portugueses que a administração da empresa Manuel Pereira Roldão é incompetente e deixa no ar dúvidas sobre a sua honorabilidade, apesar de lhe ter atribuído milhares de contos de subsídios, e isto não obstante as elevadas dívidas à Segurança Social.
Entretanto, também o Sr Ministro das Finanças descobre indícios de fuga ao fisco, que manda investigar, sendo accionados os mecanismos de recurso aos tribunais, para defesa dos interesses dos credores maioritários - a Caixa Geral de Depósitos e a Segurança Social. Tudo isto depois dos nefastos acontecimentos.
O IEFP descobriu recentemente que a formação profissional que assegurou o pagamento de parte significativa das remunerações no ano transacto não tinha qualidade e rejeita novos pagamentos, propondo-se efectuar, por intermédio de uma empresa, um novo plano de formação.
Após tanta formação, os trabalhadores com mais de 20 anos do sector não se sentem nem mais aptos, nem mais considerados, nem com mais futuro, pelo contrário, sentem-se ludibriados, desqualificados e abandonados à sua sorte Valeu-lhes a solidariedade da Câmara Municipal na sua pluralidade.
O País ficou a saber e os trabalhadores devem ter reparado que, com este Governo, é necessário o recurso a alterações de ordem pública para que se inicie uma forma concreta de resposta política e social, ou seja, quando o silêncio e a indiferença matam o diálogo, resta o conflito.
Entretanto, o Grupo Parlamentar do PSD invoca pretextos meramente formais de convocatória da comissão de trabalhos, pedida com 35 minutos de atraso, para iludir o debate e assumir as suas responsabilidades. Para o PSD, tudo são apenas maquinações dos partidos de oposição, pois os problemas não existem.
Nem a quadra natalícia os demoveu a, pelo menos, demonstrarem preocupação e um mínimo de solidariedade para com todos aqueles que. sem salário e sem subsídio, enfrentaram o novo ano com medo do futuro e com algumas nódoas negras.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS)- - Muito bem!

O Orador: - O PS responsabiliza o Governo pela violência como resposta ao pedido dos trabalhadores à administração da empresa do cumprimento do mais elementar dever de pagamento atempado do salário Este, ao conceder créditos avultados e subsídios, avalizou e considerou supostamente a empresa viável, tanto mais que. até há poucos dias, nunca accionou os mecanismos legais, nomeadamente o de substituição da actual administração pelos credores.
O PS exige o completo esclarecimento sobre a modernização do sector, sobre a situação social da empresa Manuel Pereira Roldão, sobre o diagnóstico global das salários em atraso em todo o País e sobre a decisão política que conduziu ao comportamento invulgar e excessivo da polícia, que indicia a incapacidade do Governo de governar em diálogo e de assegurar a convivência democrática.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS) - Muito bem!

O Orador: - A reposição da legalidade não se pode limitar à repressão brutal dos supostos agitadores entre os manifestantes, antes passa por assegurar minimamente a transparência da concessão de subsídios, a eficácia da acção fiscalizadora do Governo e o empenhamento das diversas instituições da Administração Pública e governamentais na modernização e sobrevivência das empresas que se demonstram viáveis e prósperas nas mãos de estrangeiros.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD) - Sr. Presidente. Sr.ª Deputada Elisa Damião, estes acontecimentos da Marinha Grande perturbaram-na manifestamente e fizeram com que V Ex.ª se precipitasse por diversas vezes, tanto no âmbito da Comissão como da intervenção que aqui fez Mas é esta que agora está em causa, o resto ficará para uma outra ocasião. É sobre a intervenção que acaba de fazer que gostaria de lhe deixar algumas notas e solicitar alguns esclarecimentos.
A Sr.ª Deputada afirma que se constatou indiferença do Governo e do PSD- penso que o referiu- sobre esta matéria. Desconhece, certamente, no que se refere aos salários em atraso, os meios que os trabalhadores nesta situação têm hoje ao seu alcance, que não tinham, por exemplo, tanto em 1985 como antes desta data, desconhece, se calhar, a diferente proporção - e a medida de todas as coisas tem sempre muita importância nisto - entre a situação de hoje e a de 1985.
A situação de 1985 era de 10,5 meses de salários em atraso, o que justificou determinadas agressões, que foram, aliás, amplamente divulgadas em tudo o que é comunicação social, em função das quais, os senhores, na altura, acusaram as pessoas e os trabalhadores que as protagonizaram de «arruaceiros treinados lá fora» - hoje, já não são certamente os mesmos! Agora, como a Sr.ª Deputada bem referiu, são 25% de um subsídio de Natal, 50% de outro e 33,3% do subsídio de férias que estão em atraso. A situação tem uma proporção completamente diferente!
Para além disso, existe hoje a Lei n.º 17/86, de 14 de Junho - repare que ela é de 1986-. que se aplica às situações de salários em atraso, a cujos mecanismos, como sabe, podem recorrer esses trabalhadores, existem, como o Governo divulgou neste comunicado que a Sr.ª Deputada certamente conhece, instruções para que os serviços da segurança social avaliem socialmente a situação dos trabalhadores mais carenciados, para que estes possam beneficiar de apoios pontuais, se disso estiverem necessitados e esta não é uma prova de indiferença, é, sim, uma prova bem clara de solidariedade, e existe o programa de reestruturação no âmbito do PEDIP II, de que falou, que foi, aliás, discutido e aprovado na concertação social, para o qual o Governo, como é óbvio, não manda dinheiro sem que os projectos sejam apresentados.
Trata-se, portanto, de um caso concreto, para o qual não foram apresentados projectos nem houve candidaturas a subsídios, o que pode, quando muito, justificar que a consideremos uma situação de má gestão Primeiro, a Sr.ª

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Deputada contestou essa afirmação do Sr. Ministro, mas, depois, deu uma série de exemplos que configuram essa situação.
Concorda certamente connosco que a intervenção do Estado não pode nem deve ir além disto. Não se compreende a sua precipitação em acusar de falta de solidariedade, sabendo que tudo isto existe.
Uma intervenção qualitativamente superior a esta - e eu não sei se o PS já defende isso ou se a Sr.ª Deputada se sente inclinada a defendê-lo - só pode ser a da nacionalização da indústria vidreira! Estou certo que o PCP ainda defende esta solução, mas não sei se o PS também a defende, se pretende uma solução do tipo PREC ou se defende o que ontem dizia o Dr. Jaime Antunes, aliás, num excelente artigo num órgão de comunicação social, que, se fosse o PS a governar, isto seria muito pior, porque ele não resistiria à tentação «popularucha» de distribuir subsídios por todas as empresas que apresentassem essas dificuldades. Porém, essa não era a solução do problema, só o ia agravar.
Sr.ª Deputada, gostava que, de uma forma séria, esclarecesse a Câmara e nos esclarecesse a nós sobre estas questões de fundo, pois, ultimamente, com as suas intervenções nesta matéria, tem provocado uma série de dúvidas.
Já agora, gostávamos de lhe deixar a seguinte nota final: com a intervenção que fez, afirmando nomeadamente que é preciso intervir em termos de afectar a ordem pública para que os direitos sejam reconhecidos, Sr.ª Deputada, depois, se acontecerem situações deste género, neste ou noutro local, não aflige as suas responsabilidades de estimular a situações de violência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Elisa Damião, como ainda existe mais um pedido de esclarecimento do Sr Deputado Silva Marques, pergunto-lhe se responde já ou no fim.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, respondo de imediato. Porém, ainda antes de responder, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, de acordo com o Regimento, dar-lhe-ei a palavra no fim das respostas aos pedidos de esclarecimento.
Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, V. Ex.ª faz uma confusão total à volta das questões.
Devia ter começado por esclarecer porque é que o IDICT não elaborou um relatório para que se aplicassem as situações de excepção de pagamento de salários em atraso à empresa Manuel Pereira Roldão, mas não o fez.
Também não esclareceu porque é que os sindicatos não recorreram à aplicação da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, uma vez que a substituição do salário pelo subsídio de desemprego pressupõe que os trabalhadores peçam a suspensão do contrato de trabalho e, obviamente, os trabalhadores consideram, tal como o Governo lhes fez supor, que a empresa é viável e esperam continuar com o seu posto de trabalho na referida empresa.
O Sr. Deputado José Puig também não esclareceu esta Câmara das datas em que os Srs. Ministros tomaram acções concretas relativamente ao problema da empresa Manuel Pereira Roldão e em que o Sr. Ministro das Finanças solicitou a fiscalização a propósito das suas dívidas ao fisco, assim como também não nos esclareceu sobre as declarações do Sr. Ministro da Indústria e Energia.
Sabendo-se que a empresa mantém há anos avultadas dívidas à segurança social e que, em situações de absoluta irregularidade, lhe foram atribuídos subsídios para a sua modernização, que beneficiou de diversos subsídios do PEDIP I e que, nos últimos três anos, tem recebido avultadas quantias da formação profissional, algumas das quais servem para pagamento aos trabalhadores, quando a empresa não podia ter acesso a eles, uma vez que não tem a sua situação regularizada perante a segurança social, o que faz a segurança social? Nada! Depois dos conflitos na Marinha Grande, acciona a assembleia de credores e exige do tribunal que sejam assegurados e garantidos os seus créditos. É demais, Sr. Deputado!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, a sua intervenção revela as dificuldades dos socialistas.

Risos do PS.

Revela e vou demonstrar-vos rapidamente isso.
Sr.ª Deputada, em primeiro lugar, a Marinha Grande é, hoje, algo de muito diferente do caso da empresa Manuel Pereira Roldão. O incidente desta empresa é o estertor do passado, sobretudo no seu significado mais profundo, que é o de um estranho mas bem compreensível conluio entre um certo extremismo sindical e um certo e enorme oportunismo e parasitismo patronal.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E esta curiosa aliança entre estes dois, que medraram no PREC e que se têm alimentado graças a uma grande complacência, ao longo destes últimos anos, está a acabar. É por isso que este incidente é bem...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E o Governo nada tem a ver com isso?!

O Orador: - Tem, porque o Governo está a procurar acabar com isso pouco a pouco!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O Governo financiou o conluio!

O Orador: - E o que nos surpreende é que os senhores não apoiem essa acção sistemática, no sentido de pôr termo a esse estranho e inaceitável conluio entre o extremismo sindical e o parasitismo patronal. A tal ponto que, durante anos, assistimos ciclicamente a certos sequestros patronais, bem executados pelo extremismo sindical, que tinham como estrita e pura finalidade «sacar» das autoridades complacentes mais uns milhares de contos que mantivessem, precisamente, situações inviáveis.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Subsídios esse que eram pagos pelo resto do País, que tinha as contribuições em dia, graças ao mérito de terem encontrado soluções produtivas próprias.
Sr.ª Deputada, o que nos surpreende, sobretudo,, é que V. Ex.ª, que se interroga acerca do que se passa na Marinha Grande, peça informações, quando alguns dos seus camaradas as têm. A este respeito, cito-lhe um documento subscrito pelo seu camarada Álvaro Neto Órfão, ilustre presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande, que, em ofício, diz, entre outras coisas, referindo-se à reestruturação do sector do vidro e do cristal, o seguinte: "... um plano de reestruturação que nos merece os mais rasgados elogios". Se não tem o documento, o seu camarada certamente lho fornecerá, mas eu, que também tenho o sentido de camaradagem, também lho posso fornecer.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, apoie, se, por acaso, nenhum complexo a paralisa, uma acção que tem sido desenvolvida de forma sistemática, com prudência, com gradualismo e com cuidado,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS)- - Com a polícia de choque?!

O Orador: - ... mas que visa, sem cedências, pôr termo aos casos de parasitismo escandaloso e inaceitável, sobretudo relativamente aos trabalhadores e aos empresárias que têm as suas contribuições em dia. Espero que a Sr." Deputada, entre aqueles que trabalham e contribuem para as soluções sociais e os parasitas, esteja ao lado dos primeiros e não dos parasitas, sejam eles trabalhadores ou empresários, porque há muitos de uma natureza e de outra.
Relativamente às cargas policiais, Sr.ª Deputada, se a choca a desproporção da repressão policial, a mim também. E quantas vezes as sofri directamente!... Mas, repare: mal vão aqueles que ficam a carpir mágoas relativamente aos excessos das coisas e, em nome desses excessos, abandonam a verdadeira causa.
A Sr.ª Deputada não se interroga sobre a desproporção das provocações de certos manifestantes e extremistas? Quantos socialistas não foram já agredidos por esses mesmos extremistas na Marinha Grande? A Sr.ª Deputada não esteve em nenhuma comemoração do 18 de Janeiro, quando esses extremistas consideravam que o 18 de Janeiro era um exclusivo seu, tendo-nos batido? Se calhar, nãos porque não estava lá, mas é como se estivesse e lhe tivessem batido, porque a Sr.ª Deputada está do outro lado, e bem, isto é, está do lado em que eu estou, estamos do mesmo lado.
A única coisa que lhe digo, Sr.ª Deputada Elisa Damião, minha queridíssima socialista, é que se descomplexe e coloque do lado daqueles que trabalham, contra os parasitas, daqueles que têm as contribuições em dia, contra os caloteiros, daqueles que não têm medo dos extremistas e, por isso mesmo, querem construir um futuro sólido e não artificial em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, depois desta sua simpática intervenção, quase me apetecia chamar-lhe camarada Silva Marques, mas não chego a tanto.

Risos.

O Sr. Silva Marques (PSD)- - E por que não?! Nós estamos do mesmo lado da "barricada"!

A Oradora: - Não, Sr. Deputado, neste caso, não estamos! E explico porquê: em matéria de violências, agressões, vítimas de extremismos sindicais, o Sr. Deputado sabe que não recebo lições. Portanto, o seu a seu dono.
Na minha intervenção, também sublinhei os excessos e, digamos, o recurso a algumas formas de luta. Aliás, por isso mesmo, senti-me extremamente ofendida com a intervenção do Sr. Deputado José Puig, exactamente porque há habilidades parlamentares que não ficam bem quando estão em causa situações de pessoas que têm, efectivamente, salários em atraso.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Todos sabemos que as diatribes parlamentares têm limites, quando se confrontam com a realidade. E a realidade é que as pessoas entraram no novo ano com vários meses de salários em atraso, a realidade é que, hoje, nós não conhecemos, e os Srs. Deputados também não, a dimensão desse problema social.
É óbvio que houve instrumentos que serviram para regularizar uma situação que era bastante dramática, e até a vivi pessoalmente, conjugados com a actividade económica e a adesão à Comunidade. Tudo isso, conjugado, serviu para ajudar a resolver essa situação, mas, hoje, não me parecem tão adequados, se o Governo não tomar a atitude fiscalizadora que se impõe e seria legítimo que o fizesse.
O seu Governo devia ter accionado a empresa e exigido, em nome dos credores, que são públicos, a reposição da legalidade, mas não o pode fazer pelo seguinte: os senhores fizeram uma cruzada contra a Fábrica-Escola Irmãos Stephens, destruíram uma empresa que era um património cultural e entregaram-na a um empresário dinamarquês que a transformou numa empresa próspera, quando os senhores a consideraram inviável.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso é mentira! Grande má-fé!

A Oradora: - Sr. Deputado Rui Carp, inscreva-se para usar da palavra, porque estou completamente farta dos seus apartes.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Há limites!

A Oradora: - Tenha também limites e contenção para outras coisas, Sr. Deputado!

Como estava a dizer, a Fábrica Irmãos Stephens, nas mãos de um empresário dinamarquês, é próspera, lucrativa e funciona.

Vozes do PSD: - Exacto!

O Sr. Rui Carp (PSD): - E quem é que conseguiu isso?!

A Oradora: - Sr. Deputado, inscreva-se para usar da palavra!
Obviamente, houve uma depuração dos trabalhadores, toda uma situação se arrastou por inércia do Governo e, por isso mesmo, aquilo que se pede aqui é que o Governo actue, que não dê subsídios a empresas que não cumprem a lei, que não estimule esse incumprimento e, posteriormente, tenha uma insensibilidade social para com a situação os trabalhadores. É que o Governo nem sequer

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accionou os mecanismos legais para reposição dos salários dos trabalhadores da Marinha Grande!
Ora, é exactamente isso que trazemos a este debate: a responsabilidade do Governo, ao diminuir o valor do diálogo social e da concertação.
Este foi mais um ano em que o Governo enganou os trabalhadores e as suas organizações, que julgavam poder chegar a um acordo social, dada a dimensão da crise e os problemas existentes. O Governo, efectivamente, preferiu eleger o conflito e, como tal, é responsável por todos aqueles que estão a surgir. Aliás, os trabalhadores até são levados a questionarem-se sobre se não é exactamente o conflito a forma mais eficaz de resolver os problemas.
Mas se os senhores escolheram a via do conflito, em detrimento da via do diálogo, assumam as vossas responsabilidades! Talvez seja a altura de dizerem que não são capazes e de solicitarem o exercício do governo a outro partido desta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem! Risos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD). - Sr. Presidente, importa-se que exerça o meu direito de defesa da consideração pessoal, uma vez que me senti ofendido e magoado pela intervenção da Sr.ª Deputada Elisa Damião?

O Sr. Presidente: - Não me importo, Sr. Deputado, mas não lhe dou agora a palavra, porque a Sr.ª Deputada Elisa Damião inscreveu-se primeiro, pelo mesmo motivo, relativamente à intervenção do Sr. Deputado José Puig.

Para esse efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elsa Damião (PS): - Sr. Presidente, muito brevemente, quero dizer que é inadmissível o Sr. Deputado José Puig ter tirado a ilação de que estávamos a fazer um apelo a determinado tipo de conflito.
O Sr. Deputado José Puig nunca deve ter presenciado ou vivido, na circunstância de vítima, quer de uns, quer de outros, um conflito daquela natureza e, por isso, o facto de fazer chicana política e argumentar desta forma parece-me inadmissível e inaceitável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, também muito brevemente, quero apenas referir que a expressão não foi minha e compreendo que a Sr.ª Deputada já esteja arrependida de a ter utilizado, mas utilizou-a.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Não insista mais nisso! A intervenção está escrita!

O Orador: - A Sr.ª Deputada, na tribuna, disse que, realmente, as autoridades só actuavam e os direitos só eram reconhecidos e garantidos quando havia perturbações da ordem pública. Ora, se isso não é um estímulo a essas perturbações, então, o que será?! E foi a Sr.ª Deputada que o disse!

O Sr. Rei Vieira (PS): - Não foi nada disso! O Orador: - Quanto à chicana política,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É a polícia de choque que faz chicana política?!

O Orador: - ... para além desta parte da sua intervenção, em que o objectivo e o sentido das suas expressões foram muito claros, quero dizer-lhe o seguinte: não há dúvida de que salários em atraso, por poucos que sejam, em termos relativos, devem merecer a solidariedade de todos, mas é pena que, em face dessas situações, se tentem fazer aproveitamentos políticos, verdadeira chicana político-partidária, escondendo a realidade das coisas, como a Sr." Deputada já fez aqui e noutros locais sobre a mesma matéria.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, a Sr.ª Deputada sabe o apreço que tenho por si, só que esse apreço não lhe vai permitir sair deste incidente pacificamente. E que a consideração que me merece obriga-me a não ficar em silêncio perante afirmações suas, que, analisadas em todo o seu rigor, têm de ser consideradas como ofensivas.
Repare: quem terá mais sentimentos, a Sr.ª Deputada ou eu? Ambos, decerto, os teremos. Então, Sr.ª Deputada, aborde as questões do ponto de vista das soluções e não dos dramas humanos, porque os dramas comovem-nos a todos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Não parece!

O Orador: - A Sr.ª Deputada entende que a política do Governo, relativamente à cobrança das dívidas à segurança social, em vez de corresponder a uma atitude gradual devia ser mais drástica e incisiva? A Sr." Deputada entende ou não que as dívidas à segurança social são uma das situações mais gritantes do ponto de vista da injustiça relativa e até mesmo do ponto de vista da saúde concorrencial das empresas?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Da irresponsabilidade do Governo! De anos de irresponsabilidade do Governo!

O Orador: - A Sr.ª Deputada não sabe que as dívidas à segurança social e as dívidas fiscais também, mas, sobretudo, as dívidas à segurança social, são algo de revoltante para quem tem as suas obrigações em dia? Por que é que a Sr." Deputada não aborda esta questão? Entende a Sr.ª Deputada que o Governo tem feito a cobrança dessas dívidas demasiado devagar? Considera que o Governo está a andar demasiado devagar? Um governo socialista procederia à cobrança dessas dívidas mais rapidamente, mais drasticamente?
Na medida em que a Sr.ª Deputada aborda estas questões apenas do ponto de vista dos sentimentos humanos, está a ofender aqueles que ousam ter uma perspectiva diferente da sua.
Esta questão, para os socialistas, é muito difícil, porque são, apesar de tudo, pessoas que se distinguem do extremismo sindical e de certas alas comunistas. Aliás, hoje, nem todos os comunistas são extremistas; mesmo na Marinha Grande há muitos comunistas que já não são extremistas, havendo muitas divergências entre eles.
Mas se o Partido Comunista Português, hoje, na Marinha Grande, está fragmentado entre comunistas que evoluíram e aqueles que continuam a apostar no extremismo

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sindical, se os comunistas, eles próprios, ou, pelo menos, certos sectores, já estão a evoluir num sentido positivo, surpreende-me que os socialistas não evoluam nem involuam e estejam numa posição de pântano, sem soluções e sem teses. E isto vai a tal ponto, Sr.ª Deputada Elisa Damião, que lhe pergunto o seguinte: o que está a fazer o vosso porta-voz para a indústria, que é precisamente da Marinha Grande? É que ninguém o ouve...

Aplausos do PSD.

O Orador: - O meritoso industrial Henrique Neto, que tantos subsídios tem recebido, que tantas contribuições estaduais tem arrecadado, está a fazer o quê? Está aro silêncio, a reflectir ou a dormir?!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, de facto, esta figura regimental nem sempre encaixa muito bem no nosso debate, mas tenho muito gosto em responder-lhe.
Em primeiro lugar, o meu camarada porta-voz para a indústria deu uma conferência de imprensa sobre esta matéria, na semana passada. Às vezes, Sr. Deputado, escapam-lhe alguns recortes dos jornais.

Vozes do PS: - Estava a dormir!

A Oradora: - Mas se ele estivesse aqui, nesta. Assembleia, provavelmente, teria de defender a sua honra, uma vez que o Sr. Deputado disse que ele beneficia de fundos públicos e que anda a dormir.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sim, sim, foi dos que mais arrecadou!

A Oradora: - Em todo o caso, Sr. Deputado Silva Marques, tome atenção: então, os fundos públicos são geridos com essa leviandade?!

Risos do PS.

Não me parece! Ele deve ser um empresário competente e deve ter apresentado bons projectos, para merecer esses fundos públicos. E foi isso que aqui suscitámos relativamente à Manuel Pereira Roldão: é que esta empresa, hoje, é desqualificada por um Governo que,, durante anos, lhe atribuiu fundos públicos, em situações de irregularidade. Foi exactamente isso que aqui dissemos!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Com o acordo dos sindicalistas, que, entretanto, também arrecadaram!

A Oradora: - Quais sindicalistas?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Os sindicalistas que se calaram! Os sindicalistas que sabiam da situação da empresa e que ela estava a receber subsídios e se calaram!

A Oradora: - Não, não, Sr. Deputado! Vamos a ver se concluímos alguma coisa com este debate!

Em primeiro lugar, as dívidas à segurança social são um enorme problema para o qual o PS tem chamado a atenção várias vezes. Mas, nesta matéria, coloca-se ainda outra questão: a acção discriminatória de alguns membros do Governo e de algumas instituições públicas, que, em alguns casos, ultrapassam as dívidas à segurança social e continuam a atribuir subsídios, perdoando, inclusive, algumas, mas não as ultrapassam noutros casos, não lhes atribuindo subsídios.
Ora, é exactamente esta falta de critérios que está em causa! Vamos, então, revelar esta situação, porque, para nós, ela também é obscura que tipos de dívidas à segurança social existem? Quais as que são cobráveis, como se cobram e como vamos agir para assegurar lealdade e concorrência num mercado que se quer livre?
É disso que estamos a falar, Sr. Deputado, e não das benesses e do "fechar de olhos" durante anos, para, depois, nos virmos desculpar com a falta de competência e de honorabilidade das empresas beneficiadas. Estamos a falar de acções discriminatórias de membros do Governo, que reconhecem, tarde e a más horas, terem-se equivocado sobre as empresas para as quais utilizam, indiscriminadamente, os tais subsídios, esquecendo que elas estão em situação ilegal porque não pagaram à segurança social.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O vosso porta-voz para a indústria não disse nada disso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período da antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 45 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Pedro Miguel de Santana Lopes, do PSD, do círculo eleitoral de Lisboa, pelo Sr. Deputado João Granja Rodrigues da Fonseca, a partir do dia 23 de Dezembro de 1994, inclusive.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora iniciar a discussão conjunta dos projectos de lei n.º 442/VI - Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS), 445/VI - Delimita as competências e jurisdição sobre a zona ribeirinha do estuário do Tejo (PCP) e 470/VI - Transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes).
Sobre esta matéria foi elaborado um relatório, de que é relator o Sr. Deputado Cardoso Martins, que, nos termos regimentais, tem a palavra por cinco minutos para apresentar uma síntese do mesmo.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Martins.

O Sr. Cardoso Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: os projectos de lei n.ºs 442/VI - Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS), 445/VI - Delimita as competências e jurisdição sobre a zona ribeirinha do estuário do Tejo (PCP) e 470/VI - Transferência de junsdi-

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cão de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes) foram submetidos, hoje, a parecer da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente.
Todos estes projectos implicam alterações quanto às zonas estuarinas, com particular relevo para o estuário do Tejo, e, em geral, quanto às zonas costeiras. O quadro legal que se pretende alterar tem sofrido adaptações desde o século passado e é caracterizado essencialmente pelo princípio geral de direito público de que as margens, leitos e águas marítimas ou fluviais devem estar na titularidade e gestão do Estado. É essa a tradição marítima portuguesa, concluindo alguns não se poderem separar as margens das próprias águas, o que implica que a eventual desafectação de áreas de valência portuária dê lugar, quando muito, à sua afectação a outro organismo do Estado e defendendo outros que a aplicação desse princípio implica que, para a coerência da gestão integrada nacional das margens, leitos e águas do mar, se devam submeter, quer as margens quer os leitos quer as águas, à mesma disciplina jurídica.
O fundamento do princípio de que os espaços litorais devem ser submetidos à jurisdição das administrações portuárias de outros organismos do Estado resulta não só da sua afectação às actividades portuárias, mas também da necessidade de se estabelecerem zonas de reserva para o futuro e de acautelar zonas de influência ou condicionamentos portuários. Esse princípio histórico do nosso direito público resulta também da necessidade de garantir a evolução conjuntural de actividades ligadas ao turismo, ao recreio e à nossa tradição marítima em geral.
O desenvolvimento harmonioso do País e em particular da faixa costeira pressupõe a execução de uma política de ordenamento e gestão racional das zonas costeiras de forma integrada, que, em princípio, só instituições específicas e vocacionadas para esses problemas permitiriam prosseguir.
Na apreciação dos projectos de lei que se vai seguir estarão necessariamente em questão e em jogo áreas tão sensíveis como as ribeirinhas, cujos interesses muitos defendem só poderem ser eficazmente moderados pelo Estado, havendo outros que pretendem a intervenção dos próprios municípios. E, ralando em municípios, estará também em causa o papel das autarquias, essencialmente no que diz respeito à jurisdição sobre essas áreas ribeirinhas, sendo porém de salientar que as autarquias têm já um papel importante no nosso ordenamento jurídico, tendo assento nas estruturas com responsabilidades nas matérias, como é o caso, por exemplo, do órgão recentemente constituído - o conselho de bacia - e tendo também assento nas comissões técnicas de acompanhamento dos planos de ordenamento da orla costeira.
Finalmente, cabe também já aos municípios, dentro do regime em vigor, licenciar as obras e trabalhos nas áreas de jurisdição portuária, salvo as que forem promovidas pela administração indirecta do Estado e directamente relacionadas com a respectiva actividade, e, como é sabido, o licenciamento de actividades que decorram da própria lei.
É isso, Sr. Presidente, que hoje estará em jogo na discussão dos projectos de lei em questão.

O Sr. Presidente: - Na qualidade de autor do projecto de lei, para uma intervenção de cinco minutos, tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira. Passados os cinco minutos iniciais, começará a descontar no tempo atribuído ao Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de começar a minha intervenção por manifestar alguma surpresa relativamente à visão de Estado do Sr. Deputado Cardoso Martins, visão essa que parece findar no Governo e nos seus corpos administrativos e não inclui os municípios, que são excluídos do âmbito da sua intervenção São conceitos que penso não serem partilhados pela Comissão que veio aqui representar e julgo ter-se excedido nas suas considerações.
Sobre o tema em debate, Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que se coloca hoje a esta Assembleia a oportunidade de debater uma situação já velha de décadas e resolver um conflito institucional que, por pessoas interpostas - neste caso, as administrações portuárias -, tem vindo a opor a Administração Central às autarquias.
Está em causa, na perspectiva do meu grupo parlamentar, a continuação da gestão das zonas ribeirinhas pelas administrações dos portos, nos casos em que as áreas sob sua jurisdição tenham perdido a vocação portuária. A questão coloca-se com crescente acuidade, na medida em que a evolução tecnológica do transporte marítimo e a reorientação e mudança de composição do comércio internacional geraram alterações dramáticas nos processos de exploração portuária, com redução do emprego a níveis baixíssimos, acumulação de equipamentos obsoletos e enormes excedentes de espaços e infra-estruturas.
Esta situação, no caso português, foi ainda agravada por uma separação jacobina entre porto e cidade, conduzindo ao desaparecimento progressivo dos grupos profissionais indispensáveis ao desenvolvimento das actividades e negócios marítimos e estrangulando a dinâmica e a capacidade de renovação portuária. Agora, esquecida que está, entre nós, a visão das áreas portuárias como plataformas comerciais e logísticas, conceito que o norte da Europa tão bem soube desenvolver na década de 80, subsistem apenas visões esquálidas e reducionistas dos portos como meros locais de trânsito de mercadorias, incapazes de acrescentar valor mesmo quando a tonelagem movimentada aumenta. E para o que sobra em absoluto - neste caso, o espaço - deixa-se uma vocação de finisterra turístico, de recreio e lazer. Ou a aventura do imobiliário, geradora de ganhos e perdas, sempre grandes, mas nunca compensando os impactes negativos sobre o interface ribeirinho, que se quereria livre como fronteira de trocas e não como área de demonstração de status.
É esta a perspectiva a que conduziu a última década de administrações portuárias, majestáticas e autónomas, bem como as políticas marítimas, incapazes de conduzir os debates necessários à elaboração das estratégias dos sectores comerciais, laborais e urbanos, elementos indispensáveis ao progresso dos processos de troca e circulação de mercadorias e serviços. E foi assim que as cidades portuárias portuguesas perderam protagonismo na centralidade sempre renovada da via marítima.
Entenda-se, pois, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que uma das razões que levam a bancada do PS a questionar a continuidade da gestão das zonas ribeirinhas urbanas pelas administrações portuárias decorre da falta de perspectiva, estudada e consistente, do futuro da actividade que, prioritariamente, estas entidades deveriam assistir.
Contudo, e antes do mais, está também em causa a necessidade de equilibrar a relação entre os poderes democráticos municipais eleitos e as administrações portuárias ditas autónomas; mas autónomas apenas na relação de extra territorialidade duvidosamente constitucional que diversos governos lhes têm permitido em relação às autarquias.
E falo em equilibrar, porque já existe, da parte da maioria das cidades portuguesas, a consciência dos portos

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como equipamentos úteis de intervenção económica. Quem, por exemplo, em Lisboa, é ainda capaz de defender a proposta de acabar com o porto, para devolver o rio à cidade? Infelizmente, não há reciprocidade. Nem bom senso.
O que se verifica é uma actuação de administrações portuárias, que, dando por esgotada a sua função logística, procuram agora competir com agentes imobiliários, através da urbanização do espaço público. E, como se tal não bastasse, procuram fazê-lo à revelia dos planos municipais de ordenamento do território e esquivando-se aos processos de licenciamento de obras e de utilização, com base, mais que duvidosa e contestada por distintos juristas, na legalidade dos seus próprios estatutos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste âmbito, são exemplares processos como o do POZOR, em Lisboa, e do PORSET, em Setúbal. Com efeito, sem dispor de um cenário de planeamento portuário próprio, na medida em que as directrizes do seu antigo plano estratégico tinham sido objecto de explícita desautorização política, a APL entendeu desenvolver, apressada e autonomamente, um projecto de reordenamento da frente ribeirinha na cidade de Lisboa.

Vozes do PSD: - É mentira!

O Orador: - Proeurou esta administração portuária cuidar do necessário diálogo institucional com a Câmara Municipal? Não! Limitou-se a solicitar informações sobre a lógica de elaboração do PDM e do Plano Estratégico de Lisboa, bem como sobre o detalhe das propostas relativas às áreas confinantes com a zona portuária.
Proeurou a APL compatibilizar as propostas dos seus consultores com as perspectivas da cidade? E haverá razão para tal, na medida em que, na sua maior extensão, o POZOR não contemplava desenvolvimentos portuários específicos. Mas não! Nem sequer aos pedidos repetidamente formulados de envio do documento, sob a forma de peças escritas ou desenhadas, houve qualquer resposta - nem à Câmara Municipal, nem aos Deputados que o solicitaram. A uma respondeu-se com a conclusão próxima de um documento de base e de referência para projectistas, que, futuramente, teriam a seu cargo a elaboração de propostas para as diversas áreas da frente ribeirinha - até ver... A outros respondeu-se com o facto de o POZOR. se encontrar em revisão, após a ampla consulta e debate públicos que teriam tido lugar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deve-se, então, perguntar onde está a verdade ou simplesmente constatar que a velocidade da mentira é notoriamente reduzida? Porque debate, pelo menos organizado pela APL e sustentado em documentos permitindo a reflexão e maturação do projecto, isso posso efectivamente assegurar que não existiu.
O que todos observámos foi um esforço considerável de actividade na comunicação social, eufemisacamente classificável como de promoção de imagem, tentando "vender" uma sequência longitudinal de instalações portuárias, de blocos de construção para o imobiliário e de micro-jardins, sem nexo nem lógica de ligação transversal à cidade.
Procuram alguns aquietar-nos com a afirmação de que o POZOR ainda não é mais do que uma ideia e que tudo está em aberto.
Não, Sr. e Srs. Deputados. Neste caso, as dúvidas quanto à dinâmica em curso são infundadas, até porque é demonstrável a intenção política de realizar sub-repticiamente o projecto, com as acções mais "verdinhas" em consonância com o calendário eleitoral e tentando minimizar a reacção indignada da opinião pública lisboeta por este atentado à sua cidade.
Senão, recordemos que a autoridade da Administração do Porto de Lisboa foi particularmente reforçada com confusões pessoais na nomeação para cargos na Comissão Nacional de Avaliação da Gestão Portuária e para o de gestor da medida "Portos" do II Quadro Comunitário de Apoio.
E recordemos também que foram estabelecidas dotações de 6,5 milhões de contos, no Orçamento do Estado para 1995, para financiamento de projectos identificados no POZOR, tais como os de reordenamento da frente ribeirinha entre Algés e Santa Apolónia, o de remodelação dos cais, de terminais de cruzeiros e de estações marítimas em Alcântara e na Rocha de Conde D'Óbidos, o da construção de um novo terminal de cruzeiros em Santa Apolónia e o de um novo terminal de contentores em Xabregas.
Estes projectos, no período correspondente ao II Quadro Comunitário de Apoio, mobilizarão, a serem executados, 16,8 milhões de contos, dos quais 12,4 milhões de contos são de Fundos Comunitários.
É caso para perguntar se não se perspectivará um novo processo de reclamação, por aplicação indevida de dinheiros da União Europeia em projectos legítima e fortemente contestados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nestes termos, afigura-se-nos, em absoluto, que já não faz sentido manter o exclusivo da jurisdição das administrações portuárias sobre as zonas ribeirinhas urbanas e que é particularmente absurda a sua manutenção quando estas tenham perdido a sua vocação inicial de áreas de exploração ou de expansão portuária.
Daí que o nosso projecto de lei aponte, essencialmente, para a possibilidade de as câmaras municipais poderem solicitar ao Governo a transferência da jurisdição e da titularidade de gestão dessas áreas, segundo processos que divulgámos publicamente e em relação aos quais terei todo o gosto em satisfazer os pedidos de esclarecimento que forem apresentados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Macário Correia e Manuel Queiró.

Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD). - Sr. Presidente e Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, ficámos decepcionados. Estávamos à espera de uma intervenção qualitativamente superior que desse algumas explicações sobre o conteúdo do projecto de lei apresentado, mas o que ouvimos ficou muito aquém do que esperávamos.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS):- Não percebeu!

O Orador: - Apresentar um projecto de lei é um acto de responsabilidade...

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Não foi ilustrado!

O Orador: - ... e obriga, naturalmente, a estudar as coisas, a ter conhecimento daquilo que se diz, como obriga, num Estado de direito, a exprimir opiniões fundamentadas, tendo em conta diplomas em vigor, que devem ser, naturalmente, do conhecimento de quem apresenta projectos neste âmbito. Para além disso, para que as respostas

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sejam sensatas e tenham significado, os seus proponentes devem, naturalmente, conhecer como funciona a Administração Pública neste sector, no plano empresarial.
Não foi a isso que assistimos aqui, e vamos ver porquê.
Os projectos de lei que estão hoje em discussão surgem não por iniciativa legítima da ideia do programa de qualquer um dos partidos que os subscrevem, mas antes no seguimento de uma posição normal e legítima de cidadãos, que se manifestaram em relação à questão da zona ribeirinha de Lisboa. E, a reboque dessa opinião pública, apareceram então estes documentos, intitulados projectos de lei. Portanto, como disse, eles não emanam da convicção do programa de um qualquer partido político, que é, afinal, a sua razão de existir.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isso é um disparate. Não tem o menor sentido!

O Orador: - Esta não é uma maneira séria de fazer política, é, antes, andar a reboque dos acontecimentos.
Depois, foi aqui dito um conjunto de inverdades. Embora, de facto, estes projectos de diploma venham no seguimento de um caso concreto, intitulado POZOR, a realidade é que os dirigentes dos partidos políticos que os subscrevem estão na génese, na concepção e na definição daquilo que foi, no Verão passado, apelidado de POZOR. Em mais de uma dúzia de reuniões conceberam, passo a passo, no segredo dos gabinetes, aquilo que veio, depois, gerar a polémica pública. Mas, a seguir, não têm a hombridade de dar a face, de assumirem que são os autores, escondem-se, atiram pedras aos outros, e apresentam...

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Quem?!... Quem?!...

O Orador: - Os senhores!

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Quais senhores? Diga os nomes, diga a verdade.

O Orador: - Eu digo a verdade: foram os dirigentes locais. Eu dou-lhes a lista.

O Sr. João Amaral (PCP): - Tem mesmo feitio de informador!

O Orador: - Tenho-a comigo e vou enviá-la à Mesa, que a fará distribuir a todos os partidos políticos. Dela constam nomes de dirigentes locais, regionais e nacionais do Partido Comunista e do Partido Socialista, bem como de dirigentes da administração municipal e não só. pois inclui também pessoas nomeadas por confiança desses, que participaram na concepção e na elaboração, do princípio ao fim, desse documento.
Vou entregá-la à Mesa para que a distribua aos partidos políticos, a fim de que saibam que esteve nessas reuniões, em que dias e a que horas. Assim, fica tudo esclarecido.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): Este não precisa do SIS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar, já esgotou os três minutos de que dispunha.

O Orador: - Depois, dá-se a circunstância de que quem apresenta este projecto de lei começa por dizer que ele se funda em dificuldades de interpretação. Não sabem ler as leis.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Ora essa!

O Orador: - A seguir diz coisas que colidem com o artigo 84.º da Constituição. Não sabem também ler Vital Moreira ou Gomes Canotilho.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa foi muito profunda!

O Orador: - Depois, vai ao ponto de ignorar o Decreto-lei n.º 450/83, na parte que tem a ver com a desafectação, para as autarquias, de áreas do domínio público para fins concretos e para objectivos específicos. Não leram nada disso.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Os senhores é que não sabem ler.

O Orador: - Depois, vão ao ponto de inventar comissões de comissões, sendo que um dos projectos apresenta uma comissão cuja designação tem três linhas. Onde vai esta confusão, meu Deus!...
Depois disto tudo, imaginem o ridículo...

Protestos do PS.

Peço a atenção dos Srs. Deputados do Partido Socialista, para não corarem com aquilo que eu vou dizer a seguir.

Vozes do PS: - Não coramos!

O Orador: - Peço muita atenção.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É aquela do cinzeiro?!...

O Orador: - Em Setembro do ano passado, os senhores apresentaram um projecto de lei...

O Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Eu vou concluir, Sr. Presidente, mas esta, de facto, é grave e eu não queria deixar de dizê-la aqui.
Como dizia, em Setembro do ano passado, os Srs. Deputados do Partido Socialista apresentaram a esta Câmara um projecto de lei. Certamente tinham-no estudado, conheciam-no perfeitamente, tinham apreciado os "prós" e os "contras", era uma coisa madura, séria e responsável.

O Sr. José Lelo (PS): - O senhor é que está maduro!

O Orador: - No entanto, na semana passada, depois de terem tido conhecimento do agendamento desta matéria para a sessão de hoje, não é que o primeiro subscritor - tenham atenção - deste diploma do Partido Socialista se dirige à Administração do Porto de Lisboa e, imaginem - eu vou citar, estejam sentados -, diz: "Para melhor esclarecimento do assunto da gestão das áreas ribeirinhas, muito apreciaríamos que nos fosse prestada informação sobre o entendimento que nesta matéria têm em relação às áreas actualmente sob vossa jurisdição, nomeadamente se existem parcelas significativas que já não tenham vocação portuária e/ou não tenham serventia para futuras expansões."?
Então, meus amigos, quem faz um diploma, quem sabe tudo sobre a matéria e sobre aquilo que quer, vai depois

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perguntar - fê-lo a semana passada, quando a matéria estava agendada -, o que é que a Administração do Porto de Lisboa pensa sobre isto para vir utiliza-lo aqui?
Isto não é sério nem é digno. Nós queríamos que a instituição parlamentar fosse dignificada com outro tipo de intervenções e de projectos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, está também inscrito, para pedir-lhe esclarecimentos, o Sr. Deputado Manuel Queiró. Pretenda responder já ao Sr. Deputado Macário Correia ou responde no fim?

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): -- Sr. Presidente, é um prazer tentar dar esclarecimentos ao Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - De facto, à primeira parte da intervenção do Sr. Deputado não posso fazer comentários, na medida em que ele se limitou a fazer juízos de valor.
Sr. Deputado, não sei o que para si é qualidade, e, como humilde Deputado que sou, limito-me a afirmar a validade das minhas produções jurídicas, que, como deve calcular, não são grandes.
Agora, com grande franqueza, no que diz respeito à legitimidade da iniciativa, devo dizer-lhe que penso que o seu conceito de legitimidade, infelizmente, não vai muito além do conceito de Estado do Sr. Deputado Cardoso Martins. Provavelmente o seu conceito de legitimidade, em matéria de iniciativa legislativa, termina na portana governamental.
Sr. Deputado gostaria de dar-lhe mais dois esclarecimentos. Começarei por dizer-lhe que não tenho qualquer dúvida sobre a formulação do Decreto-Lei n.º 450/83, nem sobre a reformulação que, em 1990, o Governo fez desta matéria, mas também não tenho qualquer dúvida sobre as aplicações concretas que foram dadas a este decreto-lei. Para quê? Diga-me lá, Sr. Deputado... está recordado? Foi para entregar os terrenos do domínio público no âmbito da QUIMIGAL, a fim de poder formar a QUIMIPARQUE e viabilizar financeiramente essa entidade...

O Sr. Macário Correia (PSD): - Mas mantêm-no!

O Orador: - Desculpe, não o mantém, foi desafectado.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Posso mostrar-lhe o diploma que faz essa desafectação.
O que é que se passou com os terrenos da LISNAVE? Também aí houve a aplicação deste tipo de diplomas!
Sr. Deputado, vamos ver onde é que estão as inverdades.
Agora, quanto a essa carta que tanto o surpreendeu e sobre a qual tentou fazer tanto suspense, esclareço que nós mandámos, com preocupações de diálogo, uma carta a todas as câmaras municipais com zonas ribeirinhas portuárias e a todas as administrações portuárias e juntas autónomas, porque este processo, Sr. Deputado, não vai ficar por aqui. Como é óbvio, independentemente do sentido do voto desta Câmara, este processo vai ter desenvolvimentos, como deve calcular.
Posso dizer-lhe que, neste momento, tenho comigo uma resposta que chegou hoje, e eu não esperava outro tipo de resposta. É uma resposta educada, esta sim,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Peça silêncio para lê-la.

O Orador: - ... do Sr. Presidente da Junta Autónoma do Porto da Figueira da Foz, que se limita a dizer o seguinte: "Na sequência da comunicação de V. Ex.ª relativa ao projecto de lei, visando a gestão das áreas ribeirinhas, cumpre informar que, uma vez que o assunto ultrapassa o âmbito desta Junta, foi o mesmo endereçado ao gabinete de S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro do Mar."
Está a ver o que são entidades respeitadoras?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, é um facto que este conflito entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Administração do Porto de Lisboa sobre as áreas desafectadas à actividade portuária já tem muitos anos. Já a gestão camarária da Aliança Democrática tinha este problema, uma vez que o então presidente da Câmara Municipal de Lisboa colocava permanentemente à opinião pública a sua insatisfação pelo facto de a câmara não ter qualquer jurisdição sobre as áreas desafectadas da actividade portuária.
Por sua vez, o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa, na sua campanha eleitoral, apontou como promessa que iria desencadear os mecanismos necessários para a transferência dessa jurisdição nessas áreas para a Câmara Municipal. Só que não o fez - não o fez ele, com os mecanismos que tinha à sua disposição, nem o fez o PS até hoje. E foi, realmente, na sequência de um movimento de opinião perante um plano que, julgo eu, é indiscutível, foi elaborado com a colaboração de técnicos da Câmara Municipal, que o PS - e não vejo nisso mal nenhum, apenas há aqui um descuido ou uma contradição com as posições do Sr. Presidente da Câmara - avança com este projecto de lei.
Quanto a nós, há dois problemas a atender: em primeiro lugar, a competência para planear urbanisticamente as áreas desafectadas da actividade portuária - a quem deve pertencer essa competência? Outro problema, que nós queremos separar deste, é o da gestão patrimonial dessas áreas: quanto a nós, na vossa iniciativa, o PS confunde, logo no artigo principal, no primeiro artigo, que diz "nas zonas ribeirinhas das áreas classificadas como urbanas que perdem vocação para portuárias, o Governo procederá à transferência da jurisdição, titularidade de gestão ou propriedade dos bens imóveis, conforme aplicável".
Ora bem, é esta indefinição, que o PS deixa, logo à cabeça, no principal artigo do seu projecto de lei, que nos provoca reservas. Do nosso ponto de vista, haveria outra forma, mais capaz, de resolver este problema, de arbitrar este conflito entre dois interesses públicos - um, nacional, que é o ordenamento e desenvolvimento dos portos, que está entregue aos institutos públicos que gerem as áreas portuárias, e outro, municipal, que é o de gerir urbanisticamente as áreas desafectadas (pressupomos que existem planos de desenvolvimento e de ordenamento das áreas portuárias já devidamente feitos) - que é a de efectuar a transferência da capacidade de planear, de fazer planos de

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ordenamento sobre essas áreas, sem fazer a transferência da gestão patrimonial, por exemplo, através da reformulação dos estatutos dos institutos públicos que gerem as áreas portuárias.
Se o CDS-PP tiver oportunidade e se esta iniciativa do PS tiver ocasião de descer à Comissão, a esse título, nós apresentaremos iniciativas no sentido de procurar encontrar a melhor solução. Assim, queria perguntar ainda ao PS se está aberto, assim como nós estamos a viabilizar a vossa iniciativa, a trabalhar para a revisão dos estatutos dos institutos públicos que gerem as áreas portuárias.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, agradeço as suas considerações mas gostaria de lhe dizer, em relação à duplicação da acusação de que, neste caso, o PS foi a reboque da reacção relativamente a um projecto...

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Não é uma acusação, mas uma constatação: foram a reboque!

O Orador: - Gostaria que tivesse a gentileza de considerar que a elaboração de um projecto, que é um pouco complexo, não poderia ter tido lugar- se atender à data em que foi apresentado - de forma precipitada. É um projecto que foi maduramente reflectido com os meus camaradas de bancada. Houve uma primeira versão pronta durante o mês de Julho e, se V. Ex.ª esteve atento, terá verificado que, quando foi inaugurada a exposição do POZOR, tive o cuidado de apresentar um artigo de opinião sobre essa temática onde estas ideias já estavam, na altura, contidas. Portanto, rejeito liminarmente a acusação de ter ido oportunistamente a reboque de um movimento de opinião.

O Sr. João Matos (PSD): - Ao fim de três anos de legislatura!

O Orador: - Sr. Deputado, não se preocupe, porque há fenómenos que se vão acentuando com o declínio das actividades marítimas que foi bem sensível durante o ano de 1993.

O Sr. Macário Correia (PSD): - O declínio?!...

O Orador: - O declínio das actividades marítimas foi bem sensível em Portugal durante o ano de 1993! Não se esqueça disso!
Relativamente às sugestões do Sr. Deputado Manuel Queiró, julgo que são de considerar mas gostaria de dizer que não me parece que esteja apenas em causa um problema de capacidade de planeamento. Quando, no projecto de lei, considero a possibilidade de transferência de "jurisdição, titularidade de gestão ou propriedade dos bens imóveis, conforme aplicável", ligando esse aspecto ao facto de isso decorrer de pedidos das câmaras municipais, certamente que compreende que são alternativas e não uma situação de conjugação absoluta.
De qualquer forma, reconheço que a perspectiva de transferir a capacidade de planeamento nessas áreas para os municípios pode solucionar o problema e julgo que, no âmbito do debate que possa vir a processar-se na Comissão, se a proposta for viabilizada, estaremos plenamente disponíveis para seguir a sua sugestão, embora, muito sinceramente, lhe diga que me parece corresponder a algo que é francamente minimalista.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, permitam-me que, no início deste debate, comece por cumprimentar a Câmara Municipal de Lisboa, aqui representada pelo Sr. Presidente, Dr. Jorge Sampaio, e pelo Sr. Vereador, Eng. Rui Godinho. Dado que esta é uma questão que interessa directamente à actividade do município de Lisboa, é importante que aqui estejam para apoiarem, com a sua presença, a solução de um problema que é essencial para Lisboa
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é curioso constatar que o POZOR funcionou de forma parecida com a que resultou no Pejão da intenção de inaugurar uma estátua de homenagem ao mineiro precisamente no dia do encerramento da mina: nesse dia o copo da paciência transbordou e a revolta instalou-se. Este é também o incontestável mérito do POZOR: o de, como a última gota de água no copo cheio, fazer transbordar a saudável revolta dos lisboetas contra a prepotência com que a APL tratou a cidade ao longo de decénios!
O POZOR é também a causa próxima deste debate político-legislativo. Mas o POZOR não é o objecto deste debate. O POZOR, aliás, já não é o que era ou o que foi. Começou por ser o que se anunciava em título: um plano. Isso está nos documentos distribuídos na exposição feita na Gare Marítima de Alcântara. É isso o que resulta desses documentos e todos podem ler nesses documentos o título "Plano de Ordenamento do Porto de Lisboa", apresentado pelo Ministério do Mar. Começou por ser isso mas, agora, já não o é Como intenção, o POZOR foi, entretanto, passando à prática. Foi possível ver, por exemplo em frente à Cordoaria (depois acabou por ser retirado, por razões compreensíveis), um grande, enormíssimo placar, que dizia "Aqui o POZOR já está em execução" Mas, propriamente como plano, o POZOR, ao contrário, foi encolhendo. A certa altura, já não era plano era um ante-plano; depois, deixou de ser um ante-plano para ser um esboço; depois, deixou de ser um esboço para ser uma ideia; e, a certa altura, duvidou-se mesmo que alguma vez tivesse existido! Pode o POZOR desaparecer, mas o que ficou bem à vista foi a filosofia de actuação e de responsabilidades que presidiu à sua elaboração. É essa filosofia de actuação e é a repartição correspondente de responsabilidades que estão em questão neste processo legislativo.
A legislação em vigor, o Decreto-Lei n.º 309/87, da responsabilidade de um dos governos do PSD presididos pelo Professor Cavaco Silva, expropria aos municípios toda a área delimitada como área de jurisdição da -Administração do Porto de Lisboa, definida por um mero critério geográfico (todo o estuário do Tejo, entre Vila Franca e São Julião na margem direita, e entre o Cabo e o Bugio na margem esquerda), e não um critério que tenha a ver com a função da actividade portuária, que é específica da APL, e atribui a esta entidade a responsabilidade total dessa área, em todas as suas vertentes, desde o ordenamento ao licenciamento.
Foi com base neste disparate conceptual que a APL foi actuando! Foi com base neste disparate conceptual que se chegou ao POZOR, benzido pela presença festiva do Sr. Ministro do Mar na sessão pública da sua apresentação!

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Com o projecto de lei n.º 445/VI, o PCP visa no essencial a devolução aos órgãos do município das competências de que foram expropriadas.
O PCP propõe, em primeiro lugar, que a área não afecta directamente à actividade portuária, ou que lhe seja desafectada, passe para a jurisdição plena da Câmara, incluindo no que respeita ao planeamento e gestão urbanística.
Em segundo lugar, quanto à área afecta directamente às actividades portuárias, o PCP propõe que, sempre que se trate de obras ou utilizações estranhas a essas actividades, elas só se possam concretizar depois de licenciadas pelas câmaras municipais respectivas.
Finalmente, e quanto a obras e utilizações próprias das actividades portuárias, o PCP propõe que fique na lei clarificado que essas obras e utilizações devem ter em conta e subordinar-se aos instrumentos de planeamento regional e municipal em vigor, propondo-se ainda que fique atribuída às câmaras uma competência de acompanhamento, traduzida designadamente na emissão prévia de parecer.
Consideramos que estas são as soluções mais directas e eficazes para atacar o problema, e o problema concreto está colocado em cima da mesa é o problema do porto de Lisboa e, principalmente, a questão da ligação da cidade de Lisboa ao rio Tejo. O rio é a própria razão de ser da cidade e da sua fisionomia identificadora e característica. Lisboa não é pensável sem o rio e a relação estruturante de harmonia e equilíbrio só foi historicamente quebrada quando o porto e a sua administração se tornaram num feudo, separando a cidade do rio. É esta questão que é preciso atacar de frente, devolvendo a competência para o ordenamento da orla ribeirinha aos órgãos do município. Devolvendo o no à cidade!
Estão aqui pendentes outras soluções legislativas. Na nossa opinião, a do PS poderá ser excessivamente tímida e não totalmente clarificadora. Mas todas as propostas devem merecer análise em sede de especialidade, para que a solução final recolha todos os contributos úteis. Ponto é que o Grupo Parlamentar do PSD seja capaz desta vez de actuar aqui não como mera caixa de ressonância de interesses governamentais ou como um mero porta voz do centralismo, mas que seja capaz de uma visão estratégica sobre a cidade e a forma de a salvaguardar e desenvolver.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É bom que fique desde já esclarecido que não e o porto de Lisboa, não é a actividade portuária que aqui se discute. O porto de Lisboa tem uma indesmentível importância económica e corresponde ao exercício de uma função estratégica, não só no quadro nacional mas também com conhecidas e importantes incidências peninsulares - não é nada disso que aqui se discute nem isso se questiona. Aliás, se esse fosse o tema do debate, seria então necessário lembrar que o encerramento dos estaleiros da Margueira e da Rocha, esses, são factos que retiram importância e valia estratégica ao porto de Lisboa. Será preciso lembrar que o actual regime de concessão da actividade portuária não tem conduzido à modernização do porto, pelo contrário. Se se discutisse aqui o porto de Lisboa, muito haveria a dizer sobre a falta de uma estratégia sólida de promoção do seu desenvolvimento.
Não venha o PSD confundir as questões: não vale a pena! O que se pede aqui ao PSD não é uma política de confusão de responsabilidades; o que se pede é que mostre se é capaz ou não de ter uma visão estratégica sobre a cidade.
Há boas razões para ter dúvidas o PSD mantém, desde sempre, uma relação conflitual com as grandes áreas metropolitanas, onde tem caminhado politicamente de desastre em desastre. Mas alguma vez essa questão central - a que se convencionou chamar a questão de capitalidade - terá de ser abordada de frente pela Assembleia da República e pelos agentes e instituições políticas no seu conjunto.
As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto colocam problemas específicos para os quais começa a haver alguma percepção, embora insuficiente. Mas creio ser hoje pacífico aquilo que o PCP logo considerou em 1991, quando o PSD e o PS aprovaram a Lei das Áreas Metropolitanas, que era uma lei com soluções recuadíssimas, criando uma estrutura sem poderes nem capacidade operacional.
Hoje mesmo, respondendo ao sentido de um debate travado na Assembleia Metropolitana de Lisboa, e de acordo com as posições que sempre assumimos, entregámos na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei de reforço dos poderes e meios das Áreas Metropolitanas.
Mas se, quanto à debilidade das Áreas Metropolitanas, se alarga a opinião que urge dar-lhe resposta (esperamos que essa opinião tenha adequada a tradução legislativa), já quanto aos problemas específicos das capitais, e particularmente de Lisboa de que hoje aqui tratamos, o PSD mantém uma sistemática atitude de incapacidade de compreensão e de oposição destrutiva.
Compreende-se que o PSD não goste que Lisboa seja gerida por uma coligação de socialistas e comunistas - é o domínio das opções políticas. O que não se compreende nem se aceita é que o PSD dê reiteradas provas de que não gosta de Lisboa, de que não gosta da cidade e não dê a contribuição necessária para a solução dos seus problemas!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Também é verdade que a cidade não gosta muito do PSD - mas essa e outra questão!

Não posso deixar de referir aqui, como exemplo "exemplar", o caso das derramas. A Assembleia aprovou, com inteira justiça (sublinho, com inteira justiça), que a derrama fosse paga aos municípios onde as empresas exercem actividade, e não ao município da sede- é sabido que, sendo paga ao município da sede, era Lisboa que recebia grande parte da derrama. Certíssimo! É uma solução certíssima! Mas o que não está certo e que, simultaneamente, não se procurasse uma forma de compensar os lisboetas e a sua cidade de uma perda efectiva de receitas, que se traduz em menos possibilidades de contribuir para a solução dos problemas de Lisboa.
Não deixa, aliás, de ser curioso constatar que são precisamente aqueles que manifestam desprezo pela capital que mais apoiam politicamente o centralismo e mais combatem a regionalização e a afirmação de Poder Local - isto é, que mais se identificam com o Terreiro do Paço! É a mesma cultura centralista e menosprezadora do valor e problemas próprios da capital que conduziu a esta situação, de uma simples administração portuária ter sido transformada no suserano de uma zona essencial para a cidade e para a sua compreensão humana.
O desafio está feito. É o desafio de ser capaz de mudar para melhor. É o desafio que é colocado ao PSD e que se devia esperar que fosse melhor respondido do que aquilo que já foi anunciado até este momento nas intervenções produzidas em nome do PSD

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Cardoso Martins e Manuel Queiró. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Martins.

O Sr. Cardoso Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, vou ser muito breve e colocar-lhe uma questão muito concreta, que poderia muito bem resultar da aplicação do diploma do projecto de lei apresentado pelo PCP. Pensa V. Ex.ª que faria sentido o município promover, na sua eventual área de jurisdição, a construção de infra-estruturas marítimas sem ter necessariamente em conta os reflexos que iria ter nos concelhos limítrofes?
Esta é uma pergunta muito concreta mas faço-lhe ainda outra, muito mais geral: concorda, ou não, que haverá necessidade de uma política nacional de gestão das zonas ribeirinhas, e que a vocação para a gestão dessas zonas caberá mais a instituições especificamente preparadas para esse tipo de problemas? E, muito concretamente, deveriam ou não ser essas instituições organismos do Estado?
Já agora, o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira questionou-me sobre o meu conceito de Estado, de forma um tanto incompreensível e com uma sobranceria tal que me parece até ser imprópria de quem não se move muito à-vontade nos conceitos jurídicos - e digo-lhe porquê. Questionou-me se as autarquias não eram Estado? Sr. Deputado, sabe muito bem que, no nosso ordenamento jurídico, é utilizada a expressão "Estado" em vários sentidos!

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Com letra grande ou pequena?

O Orador: - Não confunda o Estado português, no sentido constitucional, com a administração do Estado, com o domínio público do Estado e com os organismos do Estado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ou com um estado interessante!

O Orador: - Pense bem! Porque, assim como não se move bem nesses conceitos, também, no projecto de lei apresentado, utiliza conceitos jurídicos muito pouco precisos (para ser generoso nessa classificação!), como seja a titularidade de gestão distinta da jurisdição e da propriedade do Estado, que era uma conceito que conviria, antes de mais, esclarecer.

Risos do PS.

Srs. Deputados, mantenham a calma! Para tranquilidade do vosso estado de alma, vou já terminar, pedindo ao Sr. Deputado João Amaral que me responda às perguntas colocadas.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Fez a sua carreira de Ministro de Estado!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E está em óptimo estado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cardoso Martins, quanto à lição de Direito e Ciência Política darei talvez algum tempo ao Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira para lhe poder dizer alguma coisa...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Por que é que não referiu o Deputado José Magalhães?

Risos.

O Orador: - Ele já teve hoje, logo no começo, uma oportunidade de falar, mas não falou

Sr. Deputado Cardoso Martins, considero que o município de Lisboa e os municípios vizinhos têm de concertar as suas acções, não só no domínio da orla marítima como também em muitos outros domínios, porque fazem parte de um espaço comum chamado Área Metropolitana.
Portanto, não tenho qualquer dúvida de que o instrumento de planeamento, que deveria existir ou devia ser construído a partir da vontade das câmaras e da vontade de uma instituição chamada área metropolitana, que é o Plano de Ordenamento Metropolitano, é um instrumento fundamental e decisivo para definir as soluções justas para a grande Área Metropolitana de Lisboa. Isso passa-se na área dos transportes, na área da gestão das águas, na área do sistema viário, deverá passar-se em outras áreas como, por exemplo, na definição dos pólos de desenvolvimento e, com certeza, terá de passar na área de gestão integrada da orla ribeirinha.
Não faz sentido, por exemplo, no termo do concelho de Lisboa e na parte inferior do concelho de Loures, na mesma zona ribeirinha, fazer duas actividades que conflituam uma com a outra.
Agora, Sr. Deputado Cardoso Martins, estamos a falar de gente adulta, estamos a falar de pessoas que têm o sentido da responsabilidade, que podem utilizar uma coisa tão simples como um telefone, que conhecem os instrumentos de planeamento, designadamente os planos directores municipais, que foram aprovados e existem.
Portanto, as possibilidades de concertação estão colocadas, permanentemente, em cima da mesa, não vale a pena inventar fantasmas. O conflito que existe, neste caso, é entre quem quer realizar o ordenamento dessa orla ribeirinha, tendo como critério prioritário os interesses dessa grande cidade, da pequena cidade que é Lisboa e da grande cidade que é a Área Metropolitana de Lisboa, e quem tem uma visão que tem de ser forçosamente vocacionada só para a actividade portuária, que é da Administração do porto de Lisboa.
E não percebo em nome de quê é que se pode pedir ao porto de Lisboa que faça o ordenamento do território da orla ribeirinha. Porquê? Porque é que tem de o fazer? O que se tem de pedir ao porto de Lisboa é que, no respeito das regras fixadas a nível central, regional - embora os senhores não queiram essa componente - e local, construa um porto que tenha eficácia, competitividade e que seja um património nacional relevante É o que se pede ao porto de Lisboa. Não é que faça coisas de lazer, que se faça zonas verdes ou azuis...

Vozes do PS: - Ou laranjas!

O Orador: - Muito menos laranjas! Bem lembrado! Risos.

Não é isso que se pede.

Portanto, a resposta às suas perguntas dou-a de uma forma leal e agradeço, aliás, a forma leal como as colocou. Mas a minha convicção, que está presente no projecto que o PCP apresentou, é a de que o quadro de soluções passa por esses instrumentos de planeamento, de que é preci-

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so dignificá-los, bem como reduzir a Administração do Porto de Lisboa àquilo que é a sua vocação, esperando que este, finalmente, actue com a eficácia desse domínio e que não continue a complicar aquilo que não lhe compete.
É com este espírito que entendemos que a solução que propomos é a solução adequada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - As vossas soluções não existem em nenhum país que funcione!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou ser breve porque ainda pretendo colocar uma questão à bancada do PSD.
Sr. Deputado João Amaral, se o Deputado António Crisóstomo Teixeira entender que somos "minimalistas" porque queremos apenas a atribuição clara da competência do planeamento e do ordenamento aos municípios nas áreas desafectas à actividade portuária e não a transferência patrimonial, como classificará o PCP a nossa posição, uma vez que, na vossa iniciativa, o PCP vai bastante mais longe do que o PS. O PCP não quer apenas a jurisdição camarária nas áreas desafectas à actividade portuária, quer também poderes urbanísticos, nomeadamente, municipais, sobre as próprias áreas de jurisdição portuária.
O Sr. Deputado sublinhou, há pouco, o sentido estratégico e nacional do porto de Lisboa. Quem é que deve interpretar esse interesse estratégico e nacional? E a autarquia local? Não estará o Sr. Deputado, através desta sua iniciativa, a municipalizar a gestão portuária e, ainda por cima, a fazê-lo casuisticamente, em vez de alterar a "lei dos portos", logo no maior porto do País? Não deveria, então, o Sr. Deputado alterar a filosofia da gestão portuária, na defesa desse interesse nacional, através das extensões da administração central? Não devia fazer a respectiva transferência para as autarquias através da chamada "lei dos portos" em vez de o fazer casuisticamente e logo no maior porto do País?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, tenho muito gosto em responder-lhe.

Quero explicar exactamente o que queria dizer quando falei em "minimalista". A expressão que, provavelmente, melhor traduz a reserva que coloquei é "pouco clarificadora" e quer dizer que deixa margem para dúvidas, deixa uma margem de interpretação...

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - O controlo democrático... o voto político!...

O Orador: - Desculpe-me, mas o senhor disse que eu o tinha acusado a si e ao PS de serem "minimalistas". Eu não o acusei a si, acusei o PS... Mas, agora, deixe-me lá meter, aqui pelo meio, este "rabanete"...

Risos.

Retomando o fio à meada, a ideia que tenho é que é mais "não clarificador", como disse, mas não me vou cingir a essa questão.
É que o Sr. Deputado até fez uma pergunta muito importante ao questionar se uma visão municipal é incompatível com o interesse estratégico nacional.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que olho para o plano tal como ele foi apresentado pelo Ministério do Mar e não vejo que sobre alguma coisa para a actividade portuária, ou seja, sobram umas fatiazinhas, e, depois, como a seguir, recebe a EXPO e o "muro de betão" da EXPO, o problema do porto de Lisboa, na margem norte, está aqui resolvido. Portanto, sobram uma pequenas fatias. Penso que a Câmara não iria fazer pior do que isto.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Portanto, a Câmara fez um bom plano!

Risos.

O Orador: - Falou,... eu nunca o vi... Só o vejo aqui!

Estou perfeitamente convencido que o limite mínimo da actividade portuária está colocado neste plano.
Agora, quando se coloca a questão da transferência, devo dizer que, em primeiro lugar, como é evidente, não há transferência de propriedade privada. A propriedade privada é propriedade privada!
Em segundo lugar, é sobre a propriedade que é do domínio público que queremos saber qual é a sua afectação. Não tenho qualquer dúvida.
Eu não digo, não tenho, não encontra no projecto do PCP uma norma que diga "é transferido o domínio público para o domínio público municipal". Também não seria chocante que isso sucedesse. Não era nada chocante! Foi o facto de existir um larguíssimo domínio público municipal em Lisboa, feito há muitos anos, que permitiu gerir, inteligentemente, a cidade durante muito tempo! E importante dizê-lo e registá-lo!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Foi o Abecasis! Risos.

O Orador: - Não foi! Foi um outro Abecasis mais antigo, a quem fizeram uma estátua...

Risos.

O Sr. Deputado ofende-se muito por eu comparar o Abecasis a essa figura superior do anterior regime, que V. Ex.ª tanto preza. Desculpe-me, mas deixe-me fazer esta graça...

Risos.

Sr. Deputado Manuel Queiró, eu não faço essa transferência, não a proponho, não a defino. E considero que o que é determinante é que sejam atribuídos à Câmara os seguintes poderes: primeiro, o de definir o ordenamento; segundo, o de licenciamento de toda a actividade que aí se desenvolva. Esses é que são os instrumentos de controlo; esses é que são os instrumentos decisivos. Porque se a Câmara...

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Então, passam as câmaras a tutelar a actividade portuária?!

O Orador: - O que está escrito no projecto é que a parte que passa para a administração municipal plena é a parte da orla ribeirinha que não esteja afecta directamente à actividade portuária. Porque a que está directamente afecta à actividade portuária mantém-se na jurisdição da APL.

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E até digo mais, se ler o projecto, a transferência é feita só em relação à zona terrestre, não se refere à parte fluvial. Portanto, não há, em nenhum ponto do projecto, qualquer atentado àquilo que poderia colocar o Sr. Deputado Cardoso Martins aos saltos, que era o de não ser respeitado o domínio público fluvial, tal como está definido.

O Sr. Rui Carp (PSD): - E quando há cheias?

O Sr. Silva Marques (PSD): - E quem faz a dragagem dos fundos?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permito-me fazer uma observação: relativamente a esta matéria há muitas leis, aliás, aquando da revisão de 1989, introduziu-se um artigo na Constituição. Era conveniente que fosse também julgado no debate.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes)- - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O POZOR esteve na origem

O Sr. Macário Correia (PSD): - Confessa a verdade!

A Oradora: - E lançada que foi a polémica em torno da tentativa de intervenção da administração dos portos numa zona ribeirinha específica, como o é a de Lisboa, lançada está também, para nós, Verdes...

Vozes do PSD: - Verdes?...

A Oradora: - ... a necessidade de, globalmente, pensar todo o problema e de o solucionar.
No fundo, trata-se, hoje, de saber como vamos garantir a preservação, a recuperação e a valorização de todo este riquíssimo património natural, cultural e paisagístico que, quer as zonas ribeirinhas quer as zonas costeiras, constituem o nosso país, e que a dimensão e as características geográficas do nosso litoral tornam como mais-valia inadiável salvaguardar.
Mas uma salvaguarda que não pode ser abstractamente equacionada ou como princípio genérico confundida, mas que tem, sem hipocrisias, de ter em conta a realidade do país que somos e, nessa óptica, ser ponderada.
A realidade de um país em que a crescente procura e ocupação do litoral tem sido, de norte a sul, pretexto de intervenção caótica e de agressão ambiental.
Do Minho ao Algarve, intervenções pautadas pela ruptura do equilíbrio ecológico numa faixa costeira repleta de inúteis exemplos, que tristemente deixaremos de herança às gerações vindouras.
Exemplos nas modificações absurdas de usos, nas pressões imobiliárias, nos muros de betão, nas marinas, nos pontões, nas areias extraídas, nos silos, nos estaleiros, nos restaurantes, nas aberrações de toda a espécie que povoam a costa e na profusão de malfeitorias, grande parte das quais com o licenciamento e a marca inconfundível das administrações dos portos, invandindo espaços, gerando o caos e o nosso descontentamento.
Caos que, em princípio, a observância estrita dos limites de competência e dos tipos de intervenção por parte das várias entidades a quem foram legalmente atribuídas competência específicas de gestão de faixas das zonas costeiras e ribeirinhas, não deveria ter permitido. Mas caos que o constante abuso de competência, o extravazar de fronteiras definidas e o próprio desvirtuamento das actividades foram, ao longo dos anos, cimentando.
Intervenções de autênticos estados dentro do Estado, que esvaziaram de conteúdo a gestão pelos municípios de parcelas fundamentais do seu território.
Municípios, eles próprios, que não raro foram reduzidos à condição de meros observadores e gestores das consequências de intervenções, que não só, muitas vezes, contrariam a sua própria concepção de desenvolvimento como colidem com os seus instrumentos de organização espacial, concebidos precisamente como meios de melhorar a qualidade ambiental e, desse modo, a qualidade de vida dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados - É, pois, neste contexto que o projecto de lei de Os Verdes surge e deve ser interpretado tendo como objectivo, naturalmente, permitir solucionar o conflito que em Lisboa claramente se instalou, mas que um pouco por todo a parte acontece.
A proposta é assim, através de uma comissão nacional, composta por uma equipa pluridisciplinar que assegure, designadamente, a participação das organizações ambientais, fazer um estudo e um levantamento de todas as zonas que, tendo cessado a sua actividade portuária, devam, por isso mesmo, para os municípios, poder transferir a sua jurisdição.
No fundo, trata-se de impedir, através da transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios, que a especulação e os atentados ecológicos em zonas de elevada sensibilidade, como são, seguramente, as zonas ribeirinhas e costeiras, continuem a acontecer à margem dos cidadãos, já que as ocupações, usos ou transformações, tal como propomos, deixarão de ser protagonizados por entidades que manifestamente para tal não têm competência nem estão vocacionadas e que se encontram imunes ao poder fiscalizador dos cidadãos Enfim, uma transferência para os municípios que não só são órgãos de poder político legitimados pelo voto e com o patamar mais próximo dos cidadãos como em melhores condições estarão, seguramente, para contribuir para a gestão e o planeamento de áreas, assim como para a qualidade e o equilíbrio ecológico, hoje, mais do que nunca, tão necessários.
O caminho proposto, ele próprio, resulta das alterações havidas e da necessidade de as interpretar. Mudanças profundas que confinam, hoje, a actividade portuária a uma dimensão totalmente diferente da que já teve e que devem determinar, em função disso, que áreas que, no passado, se encontravam sob a jurisdição da Administração do Porto de Lisboa, numa óptica de interesse público decorrente da actividade única para a qual estão vocacionadas, sejam, a partir de agora, numa mesma óptica de servir o interesse público, transferidas para a comunidade e seu usufruto.
Uma oportunidade que permita, no futuro, na área exclusiva que à Administração do Porto de Lisboa (e aos demais) e à sua actividade ficar afecta, que o diálogo institucional com a autarquia seja mais frutuoso e que não se continue de costas viradas.
Uma oportunidade que. finalmente, permita, devolvendo ao município o que lhe foi subtraído no passado, pôr fim ao desleixo, ao abandono, à degradação e aos montes de sucata a que, durante décadas, a Administração do Porto de Lisboa condenou as áreas sob a sua responsabilidade.
Áreas que têm de ser recuperadas, não numa lógica mercantilista como meio de viabilizar duvidosas operações imobiliárias que perpetuariam, a acontecer, o divórcio entre o rio e a cidade mas áreas recuperadas que como um fim em si mesmo se justifica. Um fim que seja parte integrante do esforço de despoluição, valorização e recupe-

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ração do Tejo e do seu estuário que as autarquias vêm desenvolvendo. Um fim que permita a recuperação do no e de toda a belíssima frente ribeirinha respeitando a cidade, a sua história, a sua memória colectiva, a sua vida e a sua relação com os lisboetas.
Uma oportunidade que, finalmente, dê corpo e sentido ao direito dos cidadãos de verem o seu no devolvido e de o poderem usufruir sem barreiras, mas um direito que está indissociavelmente ligado ao próprio direito e que tem implícito o direito de participar na cidade e na sua construção. Direito que hoje assumimos como sinónimo do sentido político contemporâneo de intervenção que aos cidadãos se reconhece, que exige legitimidade democrática, controlo fiscalizador, participação e parceria nas tomadas de decisões que a todos respeita e que ninguém, por mais providencial que seja, por nós deve ousar tomar ou por nós ousar esquecer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é a situação do País e de uma cidade que recusamos ver gerida a retalho na óptica paroquial de quem se julga detentor do seu quintal e, como tal, pensa que o deve continuar a gerir, independentemente dos interesses da comunidade.
Hoje importa, em nome da solidariedade entre gerações e do bem e do direito que o ambiente é, ter uma visão diferente, menos estreita. É importante dar lugar ao bom senso e o POZOR não é uma solução de bom senso. Importa, portanto, aproveitar a oportunidade e não desperdiçá-la.
Para nós, é tempo de dizer "não" ao POZOR, dizer "não" ao cinzento; é tempo de dar lugar à cidade e aos seus habitantes.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raul Castro

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma curtíssima interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Macário Correia (PSD) - Sr. Presidente, pretendia ser esclarecido sobre uma dúvida processual.
Tenho presente o Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 7, de 26 de Novembro de 1994, onde está publicado o projecto de lei n.º 470/VI, apresentado pelo Partido dito Os Verdes. Pergunto se é esta a versão que está em discussão ou se há outra. Faço a pergunta porque esta versão contém um conjunto de conceitos errados, nomes incorrectos de organismos públicos e outros erros. Aliás, não sei se esta versão foi vista por algum jurista!...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Macário Correia, esse texto, feito em papel reciclado, passou pela respectiva Comissão e está anexo ao processo ora em discussão.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr/Deputada Isabel Castro, verifico que os objectivos do articulado do projecto de lei apresentado pelo seu grupo parlamentar são sensivelmente idênticos aos do Partido Socialista e, portanto, de alguma forma, pode dizer-se que existe alguma convergência de actuação.
Reparo também que o âmbito das medidas que. propõe é nacional e não está restrito ao estuário do Tejo e, a esse propósito, gostaria de colocar-lhe uma questão que se prende com alterações recentes no âmbito do domínio público marítimo e da regulamentação da faixa costeira. Penso que todos nós estamos recordados que, em 1989, o Governo emitiu o Decreto-Lei n.º 379/89, que atribuía à Direcção-Geral de Portos a jurisdição sobre toda a faixa de costa que não estava incluída no domínio público das juntas autónomas dos portos e das administrações portuárias. Mas, menos de três anos depois, através do Decreto-Lei n.º 201/92, transferiu a jurisdição dessas mesmas faixas, que tinham ficado confiadas a Direcção-geral de Portos para a Direcção-geral dos Recursos Naturais, facto que levou algumas pessoas a comentar, com graça, que o Sr. Ministro do Mar "tinha perdido as costas"!

O Sr. Cardoso Martins (PSD): - Brincalhão!

O Orador: - Assim, em função de preocupações expressas pelo Sr. Deputado Cardoso Martins, gostaria de perguntar-lhe se, na sua perspectiva, esta transferência envolveu algum agravamento das condições de protecção da faixa costeira ou se esta retirada da área portuária do domínio público correspondeu a alguma melhoria no tratamento dado ao litoral português.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, diria que se o objectivo da transferência poderia pressupor, do ponto de vista teórico, que a qualidade ambiental e as orlas costeiras, como valor patrimonial, teriam maior atenção porque pressuporia que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais - e essa é a experiência que tenho de contactos em zonas de parques e de áreas protegidas - teria condições para uma melhor preservação desse património, o facto é que a realidade desmentiu esse pressuposto. E a realidade é que o carácter completamente incipiente que, ao longo dos anos, o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem manifestado, e que claramente continua a manifestar, e a ausência de dotação de meios humanos, técnicos e financeiros, que permitiriam ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais ser capaz de responder às novas responsabilidades, pelo menos nas áreas protegidas que tenho tido oportunidade de conhecer melhor, claramente não constituem uma solução que, na prática, traduza uma diferente concepção e uma diferente salvaguarda de um bem patrimonial que são as faixas costeiras. O exemplo mais recente é a Ria Formosa, onde se continuam a fazer todas as diabruras sem que a direcção do parque tenha quaisquer meios de resposta

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Matos.

O Sr. João Matos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão que hoje nos ocupa respeita à discussão de três projectos de lei relativos ao problema do domínio público marítimo e às zonas ribeirinhas. Questão sobre a qual poderemos, desde já, antecipar a nossa posição.
Entendemos hoje, como, de forma coerente, sempre sustentámos no passado, que a política de defesa da unidade de gestão do litoral é a única capaz de assegurar a sua preservação, na sequência, aliás, da posição que todo o mundo desenvolvido tem vindo a reconhecer nas últimas duas décadas.

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No entender do PSD, de forma comum nos três projectos de lei e sempre que esta matéria estiver em causa, o problema do domínio público marítimo e das zonas ribeirinhas deverá considerar, e por esta ordem, três planos distintos de análise: a questão da soberania, a questão da preservação do ambiente e, finalmente, os diferentes interesses económicos envolvidos.
No que respeita à questão da soberania, de forma indiscutível, a questão essencial de todo este processo, acompanhando toda a doutrina jurídica existente, consideramos que o domínio público marítimo, como o domínio público aéreo do País, constituem esfera de soberania não alterável casuisticamente por razões económicas, sociais ou regionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido, bastará por todos referir os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição Anotada: "Compete à lei a determinação do sujeito titular dos bens do domínio público, embora pareça natural que certos bens não podem deixar de integrar o domínio público do Estado, por serem inerentes ao próprio conceito de soberania (como sucede com o domínio público marítimo e aéreo)".
Dito de outra maneira, a gestão das zonas estuarinas, lagunares e costeiras, como sejam as do rio Douro, ria de Aveiro, Tejo e Sado, devem sempre considerá-las como unidades estruturais autónomas face à sua dinâmica própria e à existência de usos intensivos interligados, muitos deles cruciais para o País, designadamente os transportes marítimos. E apenas respeitando esta lógica de conjunto e de unidade estrutural será possível considerar, no interior das zonas portuárias, graus diferenciados de intervenção. A saber: uma zona de exploração; uma zona de expansão, que constitui uma área de reserva; e uma zona de influência portuária, assegurando o desenvolvimento de obras de conservação e aproveitamento geofísico e garantindo a defesa das águas e das margens de acções nocivas ao seu regime.
Consideramos, ainda, neste primeiro plano de análise, que a destruição da doutrina de administração do litoral pelo Estado, que o País segue há mais de 100 anos, só iria agravar os problemas.
Vejamos agora o problema ambiental. O Governo entendeu a este propósito, no início do presente mandato, reforçar a vertente de defesa ambiental da sua política do litoral e, nessa medida, transferir grande parte da costa para a jurisdição do Ministério do Ambiente, englobando ainda parte significativa da jurisdição portuária na Reserva Ecológica Nacional, tanto em portos secundários como nos principais.
A forte intromissão urbana nas zonas costeiras, em particular nos estuários e sistemas lagunares, e as alterações demográficas sazonais em certas zonas são significativas em Portugal. Acontece, porém, que as zonas estuarianas, onde existem grandes portos e, consequentemente, administrações portuárias são, ao invés das restantes zonas, bastante mais estáveis face às limitações decorrentes e à expansão urbanística.
Esta situação é generalizada, aliás, a todas as regiões consideradas desenvolvidas, como é o caso dos países da OCDE - como é referido no relatório de 1993 -, requerendo também, nesta perspectiva, políticas integradas no tocante ao seu ordenamento e gestão.
Consideremos, finalmente, a vertente económica. As tendências actuais e de desenvolvimento futuro apontam, face
à situação de pré-colapso do transporte rodoviário, vital para a Europa, para o reforço da utilização da via férrea e das vias fluviais e marítimas - e estou a citar Pierre Bauchet, em 1993.
Neste sentido, terá de haver uma renovação das estruturas portuárias, a médio prazo, por forma a potenciar as vantagens do tráfego marítimo, uma vez que este permite economia de energia e melhoramento na segurança dos transportes, em geral. Renovação esta que, em zonas onde estão implantados múltiplos sectores de actividade, como acontece nos estuários e sistemas lagunares, exige necessariamente uma política de ordenamento e gestão concertada emanada do Estado, no sentido de criar uma uniformidade nas acções, apesar da requerida multidisciplinaridade.
Aliás, exemplos recentes da aplicação prática desta estratégia, procurando evitar o conflito de interesses e de políticas, são os casos do estuário de Scheldt, na Holanda, e da baía de Chesapeak, nos Estados Unidos da América, onde foram criadas estruturas integradas e coordenadoras de acções comuns- e cito o relatório da OCDE de 1993.
Afirmada e explicada, de forma clara, a posição do PSD nesta matéria e fundamentada a posição que vem sendo mantida no sentido da defesa intransigente de uma política integrada, que considere sempre o domínio público marítimo e as zonas ribeirinhas na sua globalidade, olhemos agora, de forma individualizada, para os diferentes projectos de lei apresentados.
Em primeiro lugar, o do Partido Socialista. O projecto apresentado por este partido representa, de forma clara, a cedência perante os apetites imobiliários assumidos por algumas câmaras, ao contrário do que, por exemplo, a Administração do Porto de Lisboa soube fazer com o Plano de Ordenamento da Zona Ribeirinha, resistindo, nesse caso, com o apoio da indignação pública, às sugestões maliciosas da Câmara Municipal de Lisboa para o Cais do Sodré...

Protestos do PS.

O Orador:- Sim, Srs. Deputados!... E lembro que o projecto de pormenor do Cais do Sodré teve o envolvimento directo da Câmara Municipal de Lisboa e previa a execução de vários edifícios com oito pisos no Cais do Sodré...

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

E sempre valerá a pena recordar que a última manifestação que o este grupo parlamentar viu da parte do Partido Socialista sobre esta matéria foi o Decreto-Lei n.º 450/83, de 26 de Novembro, que veio reconhecer implicitamente as vantagens da filosofia de gestão integrada do litoral, conforme o PSD defende.
E mesmo, do ponto de vista jurídico, pode dizer-se deste projecto o que, por vezes, se tem de dizer a alguns jovens alunos quando apresentam as suas teses de doutoramento: o que é bom não é novo e o que é novo é francamente mau!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isso é muito original...!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: E não longe andarão os restantes projectos apresentados. Os projectos de lei do PCP e de Os Verdes parecem-nos, salvo melhor opinião, uma aberração jurídica como raramente se tem visto nesta Câmara. Então, vem propor-se a esta Cá-

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mara que o Estado crie um regime especial para um dos portos do País? Isto contra toda a tradição jurídica portuguesa, já centenária, que considera o litoral do País um todo cuja defesa compete, em primeira linha, ao Estado, mas também ao arrepio de qualquer racionalidade jurídica, política, económica ou de ordenamento.
Nada há que justifique esse regime especial do ponto de vista jurídico, como não há precedentes que possam ser levados em conta nesse sentido.
Na verdade, os Srs. Deputados do Partido Ecologista Os Verdes ter-nos-iam evitado este debate parlamentar, se ao menos tivessem lido com alguma atenção as modernas doutrinas ambientais - e tomo a liberdade de recomendar o livro de John Clark, intitulado Integrate Management of Coastal Zones, ou o de Edward Golbcrg, intitulado Coastal Zone Space Prelude to conflict?, publicado pela UNESCO.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sim, é preciso estudar isto!

O Orador: - De facto, é-nos particularmente penoso verificar a distracção de princípios essenciais da preservação do ambiente por pessoas que afirmam diariamente defendê-los acima de tudo. É o comentário que fazemos ao vermos um agrupamento político, dito ecologista, sacrificar a gestão global do litoral português aos apetites de alguns municípios.
O que Os Verdes pretendem é ver espalhadas pela costa portuguesa exemplos como os de Albufeira, Póvoa de Varzim, Costa da Caparica, Quarteira, Armação de Pêra ...! Nós preferimos preservar a costa na medida do possível e não lamentamos se isso retirar aos Verdes razões de protesto.
Em suma, estes partidos abandonam qualquer interesse pela defesa do ambiente ao pôr em causa a primeira prioridade ambiental do País: a preservação global e integrada do litoral.
Nesta matéria, tanto o PS como o PCP ou os Verdes, não hesitam em fazer tábua rasa da tradição centenária portuguesa de defesa da costa, ao contrário dos restantes países desenvolvidos, como os da OCDE e os EUA, que tendem, cada vez mais, para modelos com a mesma filosofia da do português de defesa integrada dos ecossistemas litorais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porquê, após três anos desta legislatura, esta vontade súbita e aparentemente pouco cautelar de algumas oposições em modificar a -estrutura de gestão integrada do litoral português? Vontade 6sta traduzida em projectos de lei eivados de contradições jurídicas, que propõem, com pior recorte técnico, inúmeras soluções já em vigor e que criam alternativas absurdas no pouco que têm de inovador.
A resposta é que estes projectos de lei apenas aparecem aqui porque as direcções do PS e do PCP se dispuseram a propor mais uma alteração irreflectida dó uma política estrutural, por compita, e para diminuir o embaraço de uma câmara que está ultrapassada em capacidade criativa,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ultrapassada pelo Macário!...

O Orador: - ... em projecto e em obra. Refiro-me expressamente à Câmara Municipal de Lisboa.
O pensamento político do Partido Social Democrata sobre esta matéria é, em conclusão, o seguinte: graças à visão dos responsáveis políticos portugueses do fim do século passado, o regime democrático herdou uma lei actual e visionária em matéria de gestão estratégica do litoral.
O PSD e o seu Governo mantêm a opção de explorar as inúmeras virtualidades do actual sistema de defesa do litoral, melhorando a orgânica administrativa de gestão costeira e estuarina na medida do possível, inovando a gestão portuária, melhorando a articulação com as autarquias e a iniciativa privada, não se justificando que, atentando contra a soberania e prejudicando de forma clara a preservação do ambiente, obseuros interesses económicos e disputas políticas menores nos levem a alterar esta posição.
Estas as razões pelas quais o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata votará contra as propostas apresentadas, manifestando frontalmente a sua discordância e o seu repúdio, pelo que constituem exemplos claros de violação do interesse nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel Queiró, Isabel Castro e António Crisóstomo Teixeira.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado João Matos começou a intervenção por invocar a soberania sobre o domínio público marítimo.

O Sr. Macário Correia (PSD): - E citou vários autores!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, o Ministério da Defesa Nacional tem um organismo para exercer essa soberania: é a Comissão do Domínio Público Marítimo. E nunca essa Comissão se pôde pronunciar sobre um "grama" das actividades que decorriam na orla ribeirinha de Lisboa...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Quem viola o domínio público? Quem?

O Orador: - De facto, não sei se o Sr. Deputado está a sugerir que a orla ribeirinha do estuário do Tejo passe para a competência dessa Comissão, mas se está a fazê-lo está a propor uma revolução bem maior, se calhar, do que o PS e outros partidos aqui, na Assembleia.
Assim, creio que o Sr. Deputado estava a falar era do domínio público hídrico...

O Sr. João Amaral (PCP): - Claro! É a página seguinte das anotações do Gomes Canotilho!

O Orador: - ..., que é o que está em causa.

Portanto, invocar para esse domínio a soberania, como grande argumentação para chumbar estas iniciativas, parece-me uma argumentação completamente desviada para defender, no fundo, aquilo que é uma espécie de companhia majestática. O senhor, para defender interesses, que, nesse caso, são particulares, escusava de invocar argumentos de soberania!
Sr. Deputado, ao abrigo de que atribuição consagrada por lei, nomeadamente no próprio Estatuto da Administração do Porto de Lisboa, essa Administração desenvolve planos que incluem obras de urbanização de interesse privado...

O Sr. João Matos (PSD): - Obras de urbanização?!...

O Orador: - Sim, o POZOR contém a possibilidade de fazer obras de urbanização, na sequência do plano de ordenamento que apresenta.

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É que não basta invocar o Estatuto, pois as competências que nele estão consagradas têm de se exercer ao abrigo das suas atribuições, pelo que é preciso uma interpretação muito extensiva das atribuições que aqui estão, porque todas apontam para o desenvolvimento portuário.
Portanto, Sr. Deputado, ao abrigo de que atribuição? Também não é ao abrigo da Lei dos Portos, que estive a consultar, onde não estão atribuídas aos institutos públicos da gestão portuária quaisquer atribuições ao abrigo das quais a Administração do Porto de Lisboa possa desenvolver planos de natureza urbanística, mesmo que seja apenas numa parte da área envolvida.
Gostaria, pois, que o Sr. Deputado me respondesse a esta pergunta para desfazer esta dúvida que considero fundamental.
A segunda questão que gostaria de colocar-lhe é a seguinte: que lógica vê o Governo ou o partido que o apoia em subtrair aos municípios nestas áreas, importantíssimas do ponto de vista urbanístico - aliás, a frente urbanística da capital do País é, talvez, a sua área mais importante do ponto de vista urbanístico -, a competência principal, que é a do planeamento nestas áreas? Isto está ao arrepio de toda a lógica da atribuição de competências ao poder local controlado pelos cidadãos, isto é, o poder local eleito democraticamente... É que um cidadão que entende que a sua cidade está a ser prejudicada urbanisticamente não vai pedir contas ao Governo. Ninguém vai pedir derrubar o Governo, porque a vista para o Tejo está a ser tapada por blocos?.. Procura-se, sim, é influir democraticamente nas decisões da sua autarquia. Então, que lógica vê o Governo e o partido que o apoia em subtrair, nomeadamente na capital do País e noutras cidades com zonas portuárias, esta competência essencial das autarquias nestas áreas tão importantes?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Matos, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. João Maios (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Matos, a falta de sentido daquilo que disse foi tão evidente que não valerá a pena desperdiçar tempo nisso, pelo que apenas direi o seguinte: se as preocupações ambientais são tão importantes para o Governo e se o sistema de atribuição de jurisdição, tal como está definido, em seu entendimento, é correcto, como é que se compreende e justifica que todo o conjunto de situações na área metropolitana e ao longo da costa seja de conflito, de aberrações, de ocupações indevidas dos solos ?
Sr. Deputado, se o Ministério do Mar, que tutela o Porto de Lisboa, tem preocupações ambientais tão grandes, então como explica o silêncio face ao afundamento do São Miguel, a tudo aquilo que envolveu e que, do ponto de vista ambiental, têm consequências negativas relativamente às quais, estranhamente, o Ministério do Mar se mantém silencioso e não se preocupa?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Matos, a sua exposição deixou-me perplexo, sobretudo quando referiu a problemática da unidade de gestão do litoral. Na realidade, se compulsarmos o movimento jurídico dos últimos anos, desde o tal Decreto-Lei n.º 379/89, que cometia à Direcção-Geral de Portos a jurisdição das costas não directamente ocupadas pelas administrações portuárias, verificamos que passamos por diversos domínios, nomeadamente por alterações no regime do domínio público marítimo, pela criação da REN, pela criação do regime de planos de ordenamento da orla costeira e pela subtracção ao regime do domínio público hídrico de uma parte da faixa costeira, a que é confiada à gestão do INAG.
Efectivamente, não sou capaz de descortinar a unidade da gestão do litoral neste conjunto de diplomas, que, infelizmente, têm muitos aspectos contraditórios. No entanto, se é isto que o Sr. Deputado entende por unidade, na medida em que estes diplomas emanam de um Governo todo ele da mesma "cor", talvez a unidade "laranja" possa ser a unidade de gestão do litoral.

Sr. Deputado, também não percebi as suas referências à questão da soberania.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Veja o artigo 84.º da Constituição!

O Orador: - O que está em causa nos projectos de lei que neste momento foram apresentados pelos diversos partidos políticos na Assembleia da República? Terá o senhor receio de que, ao abrigo destes projectos, seja declarada alguma república marítima na ria de Aveiro ou na ria Formosa?

Risos do PS.

Realmente, tenho algumas dúvidas sobre as suas intenções. Compreendo a necessidade de sistematização da sua intervenção, mas ficam-me sérias dúvidas acerca das suas intenções ao citar a problemática da soberania. Não somos menos patriotas do que o senhor, esteja descansado!
Sinceramente, fico um pouco intrigado quanto às "lentes" que utilizou para pesquisar a problemática do modo de encarar a gestão em termos de interesses económicos, na medida em que o Sr. Deputado só foi capaz de referir situações de portos correspondentes a regimes jurídicos que se podem classificar, de alguma forma, como continentais ou napoleómeos. Nunca pensou no que possa ser o regime de um porto como o de Antuérpia, o de Roterdão ou o de Hamburgo? Tem ideia de quem são os portos e de como são geridos? Não faz ideia de que, efectivamente, são meros serviços municipalizados?! Isso faz-lhe, certamente, alguma confusão, admito-o!

O Sr. João Matos (PSD): - Não é essa a tendência!

O Orador: - Sr. Deputado, não é essa tendência. Com efeito, não tenho qualquer ideia de que o sucesso de Antuérpia, Roterdão e Hamburgo esteja em vias de ser posto em causa pelo seu modelo de pretensa gestão e desafio quem quer que seja a prová-lo. Estes são portos que cresceram enormemente nos últimos anos.
O Sr. Deputado falou no Cais do Sodré. Pergunto-lhe se tem conhecimento de um documento que se chama Carta de intenções celebrada entre APL, CML e CP, para o desenvolvimento e qualificação da zona ribeirinha Santos, Cais do Sodré, Sul e Sueste. Esse documento termina com a delegação na CP da liderança desse processo de quali-

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ficação, através de uma empresa por ela constituída, a Investir, com o objectivo de valorização do seu património imobiliário Pergunto-lhe se o objectivo do seu remoque é dirigido à Câmara Municipal de Lisboa ou ao Sr. Ministro da tutela da CP, o Sr. Eng.º Ferreira do Amaral, que certamente não deve ter deixado de homologar este acordo celebrado com uma das entidades que está sob a sua tutela Ou será que está aqui apenas a representar unia das partes do Estado, e este com letra minúscula?
A última questão que gostaria de colocar-lhe relaciona-se com o facto de o senhor se ter manifestado, desde já, em termos de voto, contra os projectos que foram apresentados Pergunto-lhe, até porque a perspectiva não é muito diferente, por que razão, quando a problemática da EXPO 98 veio ao Parlamento, o senhor não se pronunciou quanto à separação destas áreas do âmbito da Administração do Porto de Lisboa.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É a soberania!

O Orador: - Em nome de quê vai votar de forma primária contra estes projectos? Não terá o senhor alguma preocupação de estabilidade quanto aos resultados da acção governativa! Mas não estou a falar na acção governativa!... O senhor não se apercebe de que a sua maioria está a chegar ao fim...

Risos do Sr. Deputado do PSD João Matos.

e, certamente, uma das primeiras medidas de novos governos será a colocação em prática deste tipo de medidas legislativas!
Penso que seria conveniente acautelar a actuação dos corpos administrativos que dos senhores dependem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim Q desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Matos

O Sr. João Matos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero agradecer as questões que me colocaram, o que significa que a minha intervenção motivou, por parte de VV. Ex.ªs, algum interessa, teve o mento de provocar esta reacção, o que indica que, pelo menos, tomaram atenção ao que eu disse.
O Sr. Deputado Manuel Queiró diz que é a Comissão do Domínio Público Marítimo que exerce a soberania, mas quero informá-lo de algo que, provavelmente. desconhece a Comissão do Domínio Público Marítimo, sobre essa questão das administrações portuárias, só se pronuncia acerca da afectação e desafectação das concessões relacionadas com os portos. Portanto, é natural que o Sr. Deputado não tenha...

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - É o contrário do que o Sr. Deputado disse'

O Orador: - Não, não! Sr. Deputado, o que neste momento acontece, e por isso somos intransigentes neste princípio da soberania, é que nunca poremos em causa a questão de princípio que tem a ver com o domínio público, posso chamar-lhe marítimo e fluvial, ou hídrico, como quiser,...

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP)- Hídrico!

O Orador: - Dizia eu que nunca poremos em causa os domínios públicos hídrico e aéreo Essa é uma questão de princípio e, como tal, nunca irá haver, por parte do PSD, uma vontade no sentido de alterar esta posição, pois trata-se de um princípio que é, para nós, inquestionável.
O Sr. Deputado referiu também a questão do plano de ordenamento da zona costeira de Lisboa, o POZOR, e. a determinado momento, refere a questão das obras de urbanização. Sr. Deputado, essa questão nunca se pode colocar, por uma razão simples: as câmaras, na generalidade, têm a possibilidade de fazer protocolos com as administrações portuárias e tudo o que tem a ver com obras de urbanização, nomeadamente o seu licenciamento, passa em exclusivo pelas câmaras municipais.
Por outro lado, quero acrescentar - e respondo também a outros Srs. Deputados - que, em relação ao plano director municipal de Lisboa, no seu regulamento prevêem-se regras de relacionamento que condicionam bastante a actividade urbanística por parte de quem está a planear em relação à zona ribeirinha. Concretamente, e cito este regulamento, "o sistema de vistas, a incompatibilidade dos usos industriais, a zona de maior risco sísmico, o estacionamento nos termos do disposto do artigo 30 º do presente título, são condicionados" Isto significa que as administrações portuárias, quando estão a realizar os planos de ordenamento, em conjunto com as autarquias, tem de ter sempre presente o que está previsto no regulamento do plano director municipal.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS) - Em conjunto?!

O Orador: - É evidente que tem de haver a participação também da câmara municipal, como tem acontecido, neste caso, em relação ao POZOR

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Tem acontecido como?

O Orador: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, provavelmente, não entendeu a minha intervenção. Se porventura precisar de mais biografia, lenho muito gosto em facultar-lhe.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Mas chamo-lhe a atenção para o seguinte, Sr.ª Deputada: nunca mostre aos membros de uma associação ecologista o seu projecto de lei, porque com certeza eles vão ficar, no mínimo, assustados, para não dizer escandalizados, como a proposta dos Srs. Deputados de Os Verdes, porque o que pretendem é pulverizar algumas costas, como as que já referi e são de triste memória para os portugueses.
Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, quanto à questão da soberania, penso que de alguma forma está esclarecido, basta olhar para o artigo 84.º da Constituição e aí encontra a resposta
Em relação à questão do Cais do Sodré e à carta de intenções, Sr. Deputado, a única coisa que lhe quero dizer é que este plano de pormenor, durante vários meses, esteve na Câmara Municipal de Lisboa e nunca o público teve possibilidade sequer de se pronunciar sobre ele Ora, e lamentável que o Sr. Deputado venha agora dizer que há...

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Tem a certeza?

O Orador: - Pelo menos, do público, ninguém teve possibilidade de se pronunciar sobre esta questão, ao

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contrário do que aconteceu com o POZOR. Por isso, é evidente que o Sr. Deputado não tem qualquer razão quanto a essa questão e isso e uma nódoa que fica na administração da Câmara Municipal de Lisboa.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Ora essa!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por rebater a citação do Professor Gomes Canotilho de uma forma muito simples: está mal citado. Isto é, não há qualquer ligação entre o que disse o Sr. Deputado João Matos, na citação que fez, que é uma leitura de um texto, e a situação do estuário do Tejo e do Porto de Lisboa. Não há qualquer relação entre uma coisa e outra!

Vozes do PSD: - Há, sim!

O Orador: - Não há qualquer relação! Isto é, o Sr. Deputado cita dois autores e ..

O Sr. Macário Correia (PSD): - Não lê Vital Moreira há muito tempo!

O Orador: - Aliás, não cita dois autores, cila uma norma constitucional que nada tem a ver com a situação do Porto de Lisboa, o qual tem o seu quadro definido num decreto-lei específico Isto é, existe um normativo específico para o Porto de Lisboa, para a Administração do Porto de Lisboa, que é o Decreto-lei n.º 309/87, que tem esse objectivo Ora, no nosso projecto de lei, propomos a alteração desse normativo.
Mas não me queria cingir a esta questão lateral. O PSD já anunciou o que pretende fazer pretende rejeitar o debate em torno desta questão O PSD não quer, não aceita, o debate em torno da questão, relativamente directa e clara, de se saber como se repartem as responsabilidades no que toca - e isto surge a propósito do POZOR - à administração da orla ribeirinha do Tejo e qual é o papel reservado à Câmara Municipal de Lisboa na gestão de toda essa área. Essa é a questão central. De resto, é isso que justifica o facto de o Sr. Deputado Macário Correia estar aqui a liderar o debate, por parte do PSD, quando ele nada tem a ver com portos! Bom, talvez tenha, mas essa e outra questão O que justifica a sua presença e a ligação a Lisboa. E o PSD demonstrou aqui, o que julgo lamentável, que, de facto, não gosta da cidade, porque não quer que ela seja gerida de acordo com uma lógica que tenha a ver com os interesses da população. A lógica que o PSD aqui defendeu foi a de aceitar, promover e aplaudir aquilo que a Administração do Porto de Lisboa fé?. E o que eles fizeram, e preciso recordá-lo.

O Sr. Macário Correia (PSD). - Eles, quem?!

O Orador: - . foi apresentar um plano de alta e densa construção em toda a área da orla ribeirinha de Lisboa para, através da venda, obterem os fundos que necessitavam...

O Sr. Macário Correia (PSD): - Da venda? Quem é que disse isso?

O Orador: - Sr. Deputado Macário Correia, então, quer dizer que a Administração do Porto de Lisboa ia permitir a construção de dezenas e dezenas de edifícios, de diversos hotéis e de variadíssimas coisas para os meter em casa, olhar para eles e ver que faziam um bonito efeito junto ao Tejo?!

O Sr. Macário Correia (PSD)- - Onde é que está escrito "venda"?! Quem é que disse isso?

O Orador: - O que a Administração do Porto de Lisboa queria- e isso e que é preciso denunciar aqui - era fazer uma monumental negociata!

O Sr. Macário Correia (PSD) - Negociata!

O Orador: - E aquilo que os Srs. Deputados do PSD aqui avalizam é a monumental negociata que a Administração do Porto de Lisboa quer lazer à custa dos interesse dos lisboetas.

O Sr. Macário Correia (PSD) - Não é verdade!

O Orador: - O que os Srs. Deputados aqui avalizaram é uma situação que afronta concretamente as competências próprias do município de Lisboa na defesa dos interesses da cidade!

O Sr. Macário Correia (PSD) - Não é verdade!

O Orador: - Os senhores estão do outro lado da barricada. Os senhores não gostam da cidade, mas, dando-vos a resposta devida, a cidade também não gosta de vocês!

O Sr. Macário Correia (PSD). - Respeite Lisboa! Seja digno para com os cidadãos! Seja educado!

O Orador: - Não sou! Consigo não sou!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes). - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de dizer que a posição do PSD face a este debate é por si só significativa e traduz bem a sua vontade de continuar a dar cobertura a todas as intervenções imobiliárias, a todas as negociatas, que, na cidade, se fizeram e que, ao longo de toda a costa, se fazem

O Sr. João Matos (PSD). - Exactamente o contrário!

A Oradora: - O poder que, hoje, se permite continue a ficar nas mãos das administrações dos portos para licenciar tudo e mais alguma coisa, completamente à revelia dos cidadãos e do seu poder fiscalizador. é mais do que evidente e, também em Lisboa, essa evidência está hoje aqui traduzida.
De facto, o PSD não está preocupado com o plano de pormenor do Cais do Sodré, porque, se estivesse preocupado com isso, também estaria com a EXPO 98, com o POZOR e com a especulação e a invasão imobiliária. Ora, não é essa claramente a preocupação que o move e orienta. É que se alguém tem - e deve ter sempre, qualquer que seja a coligação que apoie, o poder a que adira ou o projecto a que tenha ajudado a dar corpo e sentido - preocupações pela cidade também deve ter sempre a preocupação de manter um olhar crítico em relação àquilo que se faz e de exigir que o patamar da decisão e do controlo fiscalizador seja aquele que aos municípios não escapa. Esse, o único que e legitimado pelo voto e, portanto, tem a

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possibilidade de ser censurado ou apoiado pelos cidadãos, é o poder municipal. O PSD não está claramente interessado em colocar a esse nível a tomada de decisões, parque interessa-lhe que seja um poder sem rosto, um poder anónimo, a manter as negociatas. A hipocrisia foi clara, a máscara caiu e penso que o POZOR teve efectivamente duas grandes virtudes. A primeira foi a de mostrar que o projecto de cidade do PSD é o mesmíssimo que tinha no passado e as propostas avulsas que tem são meramente folclóricas, não resultando de um pensamento e de Uma visão diferente da cidade, do seu desenvolvimento e do seu usufruto pelos cidadãos de Lisboa. A segunda grande virtude do POZOR foi a de, definitivamente, ajudar a "abanar" os cidadãos, a de fazer entender a necessidade de estar atento, de ser crítico, a necessidade de olhar, porque efectivamente as coisas "mexem" e continuam a "mexer". Outros poderes, dentro do poder que a Câmara Municipal é, continuam a movimentar-se de forma tentacular e os Cidadãos têm de estar atentos.
O PSD mantém os seus privilégios, mantém a sua concepção e hoje, se dúvidas houvesse, a clareza ficou instalada,
Por isso, penso que o POZOR teve, pelo menos, a virtude de permitir clarificar posições, definir e de dizer a todos nós que é importante estarmos interessados em olhar, avaliar e ajuizar aquilo que nos envolve, tendo, para isso, uma visão clara sobre as questões.

O Sr. Macário Correia (PSD)- - Quem fez o POZOR?!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS)1 - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Gostaria de encerrar a minha participação neste debate com uma chamada de atenção para um dos aspectos do nosso projecto de lei Mas, antes disso, queria fazer justiça ao Sr. Deputado Macário Correia por, há pouco, ter feito a única intervenção pertinente de hoje, através de um aparte, quando perguntou onde eslava isto escrito, porque, efectivamente, todos nós gostaríamos de tomar conhecimento das peças escritas, de planos, como o POZOR.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Pergunte aos seus camaradas!

O Orador: - Portanto, expresso a minha homenagem por essa pergunta pertinente que, hoje, foi capaz de fazer neste Plenário.

O Sr. Macário Correia (PSD). - Os seus camaradas sabem! Tem aí a lista, mas, se quiser, posso disponibilizar a minha!..

Protestos do PS.

O Orador: - A chamada de atenção que gostaria de fazer, Sr. Presidente e Srs. Deputados,...

O Sr. Macário Correia (PSD)' - Está aqui! Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito que criem condições para que o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira possa continuar no uso da palavra

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Gostaria de colocar o enfoque num dos aspectos do nosso projecto de lei, designadamente o que se prende com a demonstração da viabilidade de projectos de desenvolvimento portuário para as áreas expectantes. que é uma das condições de transferência que estipulávamos no nosso diploma.
Portanto, era bom que esta medida fosse entendida, quer pelas instâncias governamentais, quer pelas próprias administrações portuárias, porque só desta forma será possível gerar um esforço de reflexão e análise que identifique nas frentes ribeirinhas os diversos potenciais que, como interfaces, possam ter para o desenvolvimento de funções portuárias ou outras Isto é importante. Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque alguns dos maiores portos do Norte da Europa, e muitos deles são de pequena e média dimensão - e essa pequena e media dimensão é a dos nossos maiores portos -, são pretensa das cidades e são geridos como serviços municipais, e não consta que. por isso, Hamburgo, Roterdão ou Antuérpia tenham perdido eficácia ou competitividade ou pensem em abandonar o seu específico modelo, que podemos classificar de hanscático.
Por outro lado, lenho consciência de que é difícil ultrapassar o conceito continental e napoleómeo de porto autónomo, que, em má hora, devemos ler importado e que gerou uma cultura de sequeiro neste país que se diz "à beira-mar plantado". Mas os processos de renovação das actividades marítimas não vão deixar descansados aqueles que julgam ter encontrado a sua finisterra. Assim o queiram entender as forças políticas representadas neste Parlamento para aprovar as medidas legislativas que devolvam às nossas cidades portuárias a sua função de actores nos processos económicos, sociais e territoriais associados à relação com o mar e com o plano da água.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate conjunto dos projectos de lei n.ºs 442/VI - Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS), 445/VI - Delimita as competências e jurisdição sobre a zona ribeirinha do estuário do Tejo (PCP) e 470/VI - Transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes), cuja votação terá lugar amanhã.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, com o período de antes da ordem do dia preenchido com declarações políticas e intervenções para tratamento de assuntos de interesse político relevante e terá como ordem do dia a apreciação da proposta de lei n.º 113/VI - Autoriza o Governo a alterar o Código do Registo Civil, e as propostas de resolução n.ºs 66/VI - Aprova, para ratificação, o Estatuto do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa, e 8 I/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção entre os Estados Membros das Comunidades Europeias relativa à Aplicação do Princípio Ne Bis In Idem.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos

Entraram durante a sessão os seguintes Srs Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

António Joaquim Correia Vairinhos
António José Caeiro da Mota Veiga
António Maria Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo
Cecília Pita Catarino.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.

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Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
José Albino da Silva Peneda.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel Nomes Liberado.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Cosia.
António Poppe Lopes Cardoso
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD): Domingos Duarte Lima.
Joaquim Mana Fernandes Marques
Manuel Amieiro da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos
Olimpo Henrique da Cruz Ravara.

Partido Socialista (PS):

António Fernandes da Silva Braga.
António Manuel de Oliveira Guterres.
João Mana de Lemos de Menezes Ferreira.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Marques da Silva Lemos

Partido Comunista Português (PCP)

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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