6 DE JANEIRO DE 1995 1051
naturalmente da análise cuidada de situações concretas em matéria tão sensível como esta, que condiciona, em boa parte, a capacidade civil e os direitos pessoais e patrimoniais que balizam a vida privada das pessoas.
A situação não é, nesta matéria, brilhante. Já referi que, sobretudo, no que se refere às transcrições de actos celebrados no estrangeiro, elas estão com demoras de anos - não é de meses - na Conservatória dos Registos Centrais. Nunca, que eu me recorde, houve atrasos nas conservatórias do registo civil. Nunca! De há muitos anos!
Não pode, pois, o Governo, nesta matéria, reivindicar para si qualquer actuação no sentido da celeridade. Não foi nas conservatórias do registo civil que se verificaram problemas, foi noutros campos, designadamente de registo comercial e de registo predial. Mas o que se passa na Conservatória dos Registos Centrais é, pura e simplesmente, escandaloso, atentório dos direitos dos cidadãos.
Vamos, agora, às reformas. Como já disse, é uma reforma bem intencionada, mas, tecnicamente, levanta alguns problemas, que não temos as respectivas soluções como líquidas.
Comecemos por aquelas que não nos levantam problemas. Ou porque já se encontram reveladas no Código e não têm trazido com elas problemas especiais, ou porque se referem a medidas que só pecam por tardias - e refiro-me em especial à abolição do imposto de selo em vários actos de registo civil, que era, e continua a ser, em vários campos, uma matéria de um arcaísmo que «brada aos céus». Obviamente que, em matéria de registo civil, ainda mais, visto que ele é obrigatório, não é um direito dos cidadãos, é um dever, e o Estado permite-se cobrar imposto de selo por aquilo que é um dever imposto, que vem, digamos, da Revolução Francesa e do século XIX, com a extensão do registo civil nos sistemas mais variados às sociedades democráticas civilizadas.
Portanto, não nos parece que estas matérias das sanções e do imposto coloquem problemas especiais, antes pelo contrário. Damos, pois, o nosso apoio à substituição em alguns casos, da sanção da multa, aliás, já hoje ridícula, porque de 200$ ou 330$, pelo sistema da coima, que é no nosso sistema geral sancionatório o mais adequado a estes casos.
No que diz respeito ao imposto de selo, já a ele me referi, não vale a pena insistir. Repito, só peca por tardio e bom seria que o Governo, em vez de andar a passo de tartaruga nesta matéria do imposto de selo, afastasse, de uma vez só, um imposto de um arcaísmo tal, sobretudo em actos obrigatórios, como os que já referi.
São as primeiras cinco alíneas da lei que trazem novidades mais substanciais ao regime em vigor, implicando alterações de direito substantivo e processual relevantes e que colocam algumas perplexidades e interrogações.
O primeiro bloco de alterações diz respeito à substituição do juiz pelo conservador no julgamento de questões de direito matrimonial ou de filiação no decorrer de um processo de registo civil. Trata-se da concessão da dispensa de impedimentos (artigo 1609.º do Código Civil), do suprimento da autorização para o casamento de menores (artigo 1612.º do Código Civil) e da declaração de inexistência de posse de estado para efeitos de afastamento da presunção de paternidade (artigo 1832.º do Código Civil).
Estes são, até agora, como a Sr.ª Secretária de Estado referiu, processos organizados nas conservatórias mas decididos por um juíz e passam a partir de agora a ser organizados e decididos pelo conservador. Temos dúvidas sobre tal solução, pois trata-se de matérias altamente sensíveis da vida pessoal e patrimonial dos cidadãos. Mas, mais do que isso, trata-se de questões em que existem interesses conflituantes a exigir uma decisão super partes que tenha em conta uma cuidada ponderação das posições em conflito e uma interpretação da lei em situações de extremo melindre e de consequências decisivas para a vida pessoal dos interessados. Trata-se, em suma, de algo que compete à esfera jurisdicional e a sua transposição pura a simples para uma decisão administrativa levanta problemas sérios de constitucionalidade.
Como atribuir a um conservador do registo civil competência para julgar da existência de - e transcrevo do Código Civil - «motivos senos que justifiquem a celebração do casamento no caso de existência de impedimentos susceptíveis de dispensa»? Como atribuir a um conservador do registo civil a possibilidade de suprir a autorização para casamento de menores apreciando a existência de - e cito novamente o Código Civil - «razões ponderosas e a suficiente maturidade física e psíquica do menor»?
Estamos aqui perante matérias que relevam claramente do exercício do poder jurisdicional e não de decisões administrativas. Trata-se de zona de conflitualidade de interesses a exigir, a nosso ver, a intervenção do juíz. A intenção de aliviar os tribunais, que agora constitui uma bandeira para não lhe chamar um chavão como fez há pouco a Sr.ª Secretária de Estado, de tudo o que possa contribuir para uma justiça mais célere não justifica tudo. E não se venha dizer que a instrução é feita já pelo conservador - é certo que é - mas o juiz pode fazer novos actos de instrução, pode chamar os pais (no caso de suprimento), pode ouvir novas testemunhas, etc., etc. E, sobretudo, é um juiz que decide super partes e não um conservador do registo civil.
Caso já bem diverso é o da possibilidade atribuída ao conservador para decretar o divórcio ou a separação de pessoas e bens por mútuo acordo nos casos em que não haja filhos menores ou se mostre regulado judicialmente o exercício do poder paternal. E que neste caso há uma vontade consensual dos dois cônjuges e bastará a sua simples verificação, conjuntamente com a verificação dos requisitos do artigo 1775.º, n.º 1, para o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens poderem ser decretados.
Como disse há pouco a Sr.ª Deputada Odete Santos são os cônjuges que se casam e são os cônjuges que se descasam e, portanto, ser um juiz ou ser uma entidade administrativa que recebe essa declaração dos cônjuges e a transforma ou lhe dá, digamos, o selo do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens é, a nosso ver, nestes casos em que não há filhos menores ou em que, havendo, o exercício do poder paternal já está regulado judicialmente, irrelevante e, portanto, havendo vantagem para as partes, não vemos nada contra a solução.
E porquê? Porque não se trata de deprimir conflitos de interesses que, aliás, não existem mas tão somente verificar pressupostos que o conservador melhor e mais rapidamente que o próprio juiz poderá verificar. É uma solução nova no quadro europeu, deve dizer-se, pois a regra, de longe, vigente nos países europeus é a solução judicial. Dos elementos que conseguimos recolher apenas em dois países, a Dinamarca e a Noruega, há sistemas administrativos e até na liberalíssima Suécia, em matéria de divórcio e separação de pessoas e bens, esta matéria cabe a um juíz e não a uma entidade administrativa.
Mas nem por isso deixamos de apoiar esta iniciativa desde que sejam clarificados alguns pontos obseuros na proposta. Qual a conservatória competente, designadamente no caso de casamentos celebrados no estrangeiro ou em território nacional mas em local bem diverso do da resi-