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Sexta-feira, 6 de Janeiro de 1995

I Série - Número 27

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE JANEIRO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa do inquérito parlamentar n. º 29/VI, do projecto de deliberação n.º 103/VI, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr Presidente anunciou à Câmara a renúncia ao mandato do Deputado do CDS-PP Nogueira de Brito.
Em declaração política, o Sr Deputado Pacheco Pereira (PSD) teceu críticas à prática de oposição do PS bem como à intervenção do Presidente da República durante o segundo mandato No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Narana Coissoró (CDS-PP), Jaime Gama (PS) e Octávio Teixeira (PCP).
Também em declaração política, o Sr Deputado António Costa (PS) referiu-se aos rumores acerca da permanência do Primeiro-Ministro à frente do Governo até ao final da legislatura, respondeu a um. pedido de esclarecimento do Sr Deputado Guilherme Silva (PSD) e deu explicações ao Sr Deputado Pedro Pinto (PSD).
Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão da proposta de lei n.º 113/VI - Autoriza o Governo a alterar o Código do Registo Civil, que foi depois aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global intervieram, a diverso título, além da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça (Eduardo Azevedo), os Srs Deputados José Vera Jardim (PS), Odete Santos (PCP), Luís Pais de Sousa (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Os projectos de lei n.º 1442/VI - Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS), 445/VI - Delimita as competências e jurisdição sobre a zona ribeirinha do estuário do Tejo (PCP) e 470/VI - Transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes) foram rejeitados na generalidade.
A proposta de resolução n.º 66/VI - Aprova, para ratificação, o Estatuto do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa foi apreciada, tendo intervindo, além do Sr Secretário de Estado para os Assuntos Europeus (Vítor Martins), os Srs Deputados Miguel Urbano Rodrigues (PCP), Raul Brito (PS) e Arménio Santos (PSD).
A proposta de resolução n º 81/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção entre os Estados membros das Comunidades Europeias relativa à aplicação do princípio Ne Bis In Idem foi também apreciada. Após a apresentação do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação pelo Sr Deputado António Mana Pereira (PSD), usaram da palavra, a diverso título, além do Sr Secretário de Estado para os Assuntos Europeus, os Srs Deputados Odete Santos (PCP), Luís Filipe Madeira (PS) e Conceição Seixos (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Vargas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paradista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.

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António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz,
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Deputados independentes:

Raul Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: inquérito parlamentar n.º 29/VI- Às condições em que se tem processado a elaboração, aprovação, execução, fiscalização e pagamento dos projectos de arborização e beneficiação florestal e ao eventual envolvimento, por acção ou omissão, dos membros do Governo titulares do Ministério da Agricultura (PCP) e projecto de deliberação n.º 103/VI - Relativo aos acontecimentos da Marinha Grande (PS).
Informo também que durante a tarde irão reunir as Comissões de Petições e de Educação, Ciência e Cultura.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, nos últimos dias, os seguintes requerimentos: ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelos Srs. Deputados António Crisóstomo Teixeira e Leonor Coutinho; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas; ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Sócrates, na sessão de 29 de Novembro; Luís Peixoto, nas sessões de 9 de Fevereiro e 19 de Outubro; Fernando Pereira Marques, na sessão de 27 de Abril; Paulo Rodrigues, na sessão de 13 de Maio e na Comissão Permanente de 29 de Setembro; Rui Rio, na sessão de 15 de Junho; António Murteira, na sessão de 14 de Julho e no dia 28 do mesmo mês; Gameiro dos Santos, no dia 23 de Agosto; José Silva Costa, no dia 6 de Setembro e na sessão de 10 de Novembro; Guilherme d'Oliveira Martins, nos dias 15 de Setembro, 18 de Outubro, 5 de Dezembro e na sessão de 11 de Novembro; Lino de Carvalho, na sessão de 20 de Outubro; Luís Sá, na sessão de 21 de Outubro; Miranda Calha, no dia 28 de Outubro e na sessão de 2 de Novembro; Fialho Anastácio na sessão de 9 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos do n.º 2 do artigo 163.º da Constituição da República, o Sr. Doutor José Luís Nogueira de Brito apresentou a declaração de renúncia ao mandato de Deputado à Assembleia da República.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

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O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não gostaria de começar este período dos trabalhos parlamentares sem vos desejar um bom ano.
Para todos os que exercem funções políticas um ano de eleições é sempre um bom ano, porque as eleições são a respiração da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É verdade que será um ano de escolhas difíceis, será um ano em que todos temos que prestar contas a quem nos elegeu e alguns vão pedir ao eleitorado que nos renove a sua confiança. Por isso, desejo-vos a todos, em meu nome e no do Grupo Parlamentar do PSD, felicidades nos vossos objectivos pessoais.
Ainda bem que vos posso desejar bom ano neste período de acalmia e de algum apaziguamento, que, aliás, coincide sempre com as viagens do Sr. Presidente da República ao estrangeiro.

Aplausos do PSD.

Como não se compreenderia que o Sr. Presidente da República abandonasse o país em momentos de crise, ele próprio encarrega-se de confirmar a total normalidade política sempre que chega a um aeroporto, por muito que tudo possa ter estado mal para o mesmo Presidente da República no dia anterior no seu Palácio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas normalidade política é o que há! A normalidade de uma democracia nos seus debates e polémicas, reforçada embora pelo efeito calmante destas viagens, em que o «moinho da crise» em vez de ser movido pelas águas turbulentas da presidência, passa para o riacho lento e vagaroso da oposição.

Risos do PSD.

Aproveitemos, pois, esta escassa paz para dizer de nossa justiça, o PS tem usado e abusado, nos últimos tempos, de uma linguagem excessiva. Entretem-se a fazer «exigências», «reptos», «ultimatos» e «desafios» para esconder a fraqueza da sua política real.
No PSD não os tomamos muito a sério...

Vozes do PS: - Fazem mal!

O Orador: - ... porque os últimos anos estão cheios destas palavras grandiloquentes de numas consequências práticas, mas não queremos começar este ano político decisivo sem responder, com toda a clareza, às últimas variantes dos «reptos», «exigências», «ultimatos» e «desafios».
A primeira dessas respostas respeita à extravagante proposta anticonstitucional do PS sobre uma absurda antecipação, dita «consensual», das eleições - proposta de puro malabarismo político para dizer sem dizer, para parecer que se faz sem se querer fazer. A ela respondemos com clareza: não!

Aplausos do PSD.

E «não» porque não se deve brincar com a dissolução da Assembleia da República, instrumento excepcional do Presidente da República cujo sentido constitucional é resolver problemas de grave impasse político, o que não acontece.
O que a oposição pretende é a trivialização da questão da dissolução da Assembleia da República e da antecipação das eleições, usando-a para escolher timings, que acha ser os melhores ou os piores para um ou outro partido ganhar ou perder as eleições.
Pensar ou actuar assim seria um abastardamento total do mecanismo da dissolução a que frontalmente nos opomos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Somos a favor da normalidade institucional, pelo cumprimento dos prazos constitucionais que estão na Constituição para alguma coisa: para a responsabilização dos eleitos pelo conjunto dos seus mandatos e pelos programas de acção com que são eleitos.

Aplausos do PSD.

Mas o que se passa no país é que a normalidade constitucional é total: há um Governo que governa, apoiado por uma maioria nesta Assembleia, e a relação de confiança política entre essa maioria e o Governo não foi rompida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A ficção de que «não há Governo» ou de que o Governo está «paralisado» pode ser útil para o combate político puramente verbal, para o «frenesim», de que falou em tempos, com propriedade, o líder parlamentar do PS, para a imensa superficialização da vida pública a que a impaciência da oposição conduz, mas tem um pequeno senão: não corresponde à realidade!
Repare-se que só nos últimos dias o Governo tomou medidas de fundo sobre questões cruciais no plano nacional, que traduzem escolhas políticas bem pouco compatíveis com um Governo «paralisado». Só a desatenção da oposição à causa pública, substituída pela excessiva atenção às primeiras páginas dos jornais, é que os leva a ignorar essas decisões. Eles não se lembram; nós vamos lembrar-lhes.

Aplausos do PSD.

Então, meus senhores, decidir sobre matérias tão complexas como a da privatização das Telecomunicações ou da Siderurgia, que implicam escolhas estratégicas, revelam «ausência» de governação?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, então vamos discutir!

O Orador: - Decidir sobre o processo de indemnizações aos expropriados da reforma agrária é uma opção de somenos?

Vozes do PSD: - Não!

O Orador: - Resolver a reforma da Região Demarcada do Douro ou a criação da Empresa de Desenvolvimento do Alqueva cai dos céus da «paralisia»?

Vozes do PSD: - Não!

O Orador: - Só se for para quem ignora o papel crucial que esta legislação vai ter para o Douro ou para o Alentejo!
Assegurar a presidência portuguesa da UEO, com o que isso implica de papel activo da nossa diplomacia, é um acto de não-governo?

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Vozes do PSD: - Não!

O Orador: - E - exemplo-limite - ter a coragem de pôr ordem na fiscalidade, regularizando, contra todas as pressões, as dívidas fiscais - medida difícil e estritamente do domínio da decisão política, matéria em que nenhum governo do PS teria a coragem de mexer - é obra de um governo fantasma?

Vozes do PSD: - Não!

O Sr. José Magalhães (PS): - Está mal informado!

O Orador: - Não se convençam demasiado com as vossas palavras nem com o mundo em que vivem e não brinquem connosco.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda dessas propostas a que queremos responder é a ideia do PS, também absurda, de trazer para esta Assembleia o debate político interno do PSD habitual em vésperas de um congresso decisivo para o partido e para o país, como se o PS e os seus membros quisessem ser parte dos órgãos internos do PSD.

Aplausos do PSD.

Também dizemos com clareza: não! Só faltava que o PS quisesse agora discutir na Assembleia da República quem vai ou não vai ser líder de um partido alheio e que escolhas serão feitas e em que tempo. Isso seria o equivalente - e vamos ver se os senhores estão dispostos a fazê-lo - a querer discutir na Assembleia da República aã é o Dr. Sampaio, o Dr. Gomes ou o Dr. Cárdia o candidato do PS à Presidência da República.

Aplausos do PSD.

Mas a razão é mais de fundo! Tudo isto porque o PS é dependente da estratégia do PSD, que copia com o atraso de uma batalha perdida, e fica muito confuso, no entretanto, enquanto não sabe o que deve copiar.

Aplausos do PSD.

A verdade é que actuando assim são os partidos da oposição que se tornam reféns das opções políticas do PSD. Em todos eles, e em particular no PS, a formulação de uma política alternativa de governo é substituída todos os dias por um estranho «bailado» de palavras sobre aquilo que o PSD e o seu presidente possam ou não fazer. Isso porque a extensa enunciação de medidas demagógicas - aumentos de salários e das pensões de segurança social, dissolução dos órgãos de decisão do Estado em formas de basismo «consensual», degradação da autoridade, que correspondem às propostas do PS, não podem ser consideradas uma verdadeira política, pois não constituem um objecto de actividade, um trabalho, mas, sim, um discurso feito para encher o vazio.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se há drama ou psicodrama ele encontra-se no patente nervosismo com que o PS vê a sua dependência estratégica do PSD, ou no sobressalto com que o PS, num raro momento de lucidez, se apercebe que as toneladas de demagogia em que se enterra diariamente e em que se enterrou nos últimos 10 anos o impede, seriamente, de encarar a possibilidade sequer de governar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Também eles perceberam como é que a economia, os mercados financeiros e a opinião pública reagiriam depressivamente à mera hipótese de os socialistas, já não digo ganharem as eleições, mas, estarem lá, existirem, serem, ao lado do PSD, quando este toma medidas difíceis e sofre na sua popularidade por toma-las.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para os socialistas é tudo fácil, embora eles saibam que não podem ser tomados a sério! E os portugueses não o fazem! Um candidato a Primeiro-Ministro que lhes promete, no dia seguinte à sua posse, que lhes daria um salário quase o dobro acima da inflação - e mais: certamente lhes daria uma inflação do dobro do seu salário -, que lhes garantiria uma coisa a que chama «rendimento mínimo garantido», que já ele próprio abundantemente confessou não saber quanto custa...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É falso!

O Orador: - ... - e quem sabe, sabe que é não só má solução, como custa muito -, taxas de juro baratas, casas quase grátis.

Protestos do PS.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Não se exaltem! Calma!

O Orador: - Nós podemos não saber muita coisa, mas sabemos bem o que vos incomoda!

Protestos do PS.

Ao lado disto, o célebre «bacalhau a pataco» - versão pré-histórica da demagogia socialista feita por alguns dos vossos avós republicanos - é um pobre exercício.
O actual líder parlamentar do PS já uma vez classificou esta política de «frenesim», sintetizando numa palavra uma política que não tem qualquer objecto útil que não seja dizer todos os dias que existe: «eu existo», «eu estou cá», «eu faço conferências de imprensa», «eu faço Estados Gerais», como se estivesse na Revolução Francesa.
A confusão criada pela dependência estratégica do PS das decisões do PSD e de Cavaco Silva revela a total ausência de um pensamento de Estado e de governo ou sequer de autonomia na acção política na prática oposicionista do PS.
Aliás, nem sequer o PS percebe que a sua enorme agitação e exuberância é a melhor homenagem que faz ao PSD e ao seu líder, convertido pela perturbação no PS em verdadeiro centro da vida política portuguesa, capaz de, pela sua decisão, mudar muita coisa.

Aplausos do PSD.

Mas podemos, desde já, acalmar o PS: pode o PS estar sossegado que o PSD vai estar nas eleições de 1995 com os mesmos objectivos de 1991.
O PSD não condiciona a sua política - que faz em função do que entende ser o interesse nacional - ao «frenesim» do PS.

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Temos as nossas dificuldades e dúvidas! Temos, com certeza!

Vozes do PS: - Ah!...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Veja lá o que é que diz!...

O Orador: - Até por uma razão que os senhores desconhecem: porque colocamos a fasquia dos nossos objectivos e obrigações bastante alta.

Aplausos do PSD.

Temos problemas, que queremos defrontar, que se colocam a um nível de dificuldade a que os socialistas nem sonham chegar, porque sempre adiaram tudo e se recusaram a defrontar problemas de fundo da sociedade e da economia portuguesa.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isso é uma aldrabice!

O Orador: - O menor dos quais não é, certamente, o de adequar uma política de fundo e de longo curso necessária ao desenvolvimento do país, à instabilidade inscrita no nosso sistema político e eleitoral, que contraria a governabilidade exigida por essa política. Não admira, por isso, que para grandes dificuldades, respostas mais difíceis de dar, soluções mais inventivas, opções mais corajosas. Se se tratasse de apenas fazer política «usual» o mundo seria mais simples; mas trata-se de fazer política diferente, mais árdua e difícil para defrontar os problemas do país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Essa é uma dificuldade que é só nossa - porque só nós é que temos consistentemente combatido pelas condições de estabilidade política, quer propondo e conseguindo que os portugueses, dando uma maioria absoluta ao PSD, subvertessem um sistema eleitoral feito para o impedir, quer definindo e pautando as nossas acções por um entendimento político e constitucional das funções presidenciais, face a um Presidente da República que, no seu segundo mandato, entendeu regressar a um intervencionismo presidencial que ele próprio tinha combatido, abjurado, e comprometido a não fazer.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos, pois, que voltar ao Sr. Presidente da República e ao seu papel na vida pública portuguesa, papel que entendemos ser hoje fundamentalmente perverso e negativo.

Vozes do (PSD): - Sem prejuízo das viagens do Sr. ao estrangeiro!

O Orador: - Referi no início da minha intervenção a acalmia política interna que sempre acompanha as viagens do Sr. Presidente da República. Mas há uma virtualidade nesta viagem, com cujos objectivos de Estado nos identificamos, e que, aliás, teve o mérito de nos fazer prestar mais atenção à investidura do novo Presidente do país irmão, o Brasil.
Ouvimos, por isso, com atenção, as palavras de optimismo e esperança que Fernando Henrique Cardoso disse aos brasileiros. Como é positivo ver um homem, um político corajoso e respeitado, merecedor da confiança do seu povo, ter tanta confiança no seu país e nos seus compatriotas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sem ignorar as dificuldades, o Presidente Cardoso usa o lugar e o cargo para valorizar o seu país e os seus homens. Que contraste com o Senhor Presidente da República e a sua visão angustiada e pessimista de Portugal!

Aplausos do PSD.

Parece que o Sr. Presidente da República guarda do país a imagem que tinha dele no momento em que deixou de ser Primeiro-Ministro: um país triste e amargurado, sem esperança nem futuro, no qual se confundia democracia com instabilidade e o futuro com o Fundo Monetário Internacional.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pior: essa imagem volta, sistematicamente, como se ele não fosse capaz de imaginar que alguém pudesse fazer mais e melhor. Talvez, por isso, o Sr. Presidente da República mantém com a sua experiência como Primeiro-Ministro uma estranhíssima relação: tudo que era bom para Mário Soares, Primeiro-Ministro, é agora mau para Mário Soares, Presidente da República.

Aplausos do PSD.

O sistema de fiscalização do SIS, que era bom quando como Primeiro-Ministro o aprovou, agora, apesar de ter sido melhorado, não garante os objectivos a que se propõe; o esquema de controlo dos rendimentos dos cargos públicos, que aprovou e com o qual governou longos anos, que era bom quando era Primeiro-Ministro, é agora mau e suspeito de inconstitucionalidade; os trabalhadores da Marinha Grande, que, no seu tempo, eram agitadores «treinados no estrangeiro» ou «comunistas», hoje são parte de legítima legião de «indignados» contra o Governo e têm o beneplácito presidencial para violar a lei; o intervencionismo presidencial e os ataques vindos do Presidente ao Governo eram inadmissíveis, quando eram do Presidente Eanes contra o Primeiro-Ministro Mário Soares, e hoje são bons quando são do Presidente Soares contra o Primeiro-Ministro Cavaco Silva.

Aplausos do PSD.

Não somos nós que o dizemos: muitos interpretam as acções do Presidente da República como sendo motivadas não pelo interesse nacional ou pelo exacto cumprimento das suas funções mas, sim, pela obsessão de decidir qual é o voto politicamente correcto dos portugueses.
O que o Presidente da República anda a fazer é dizer aos portugueses que não é politicamente correcto dar uma nova maioria ao PSD, e isto é inadmissível!

Aplausos do PSD.

Ora, o que é isto senão, para usar uma metáfora futebolística tão ao gosto do Presidente da República, «jogar» ou, pior ainda, «querer jogar chefiando uma equipa, ao mesmo tempo que se é jogador, ter os poderes de árbitro para expulsar jogadores, marcar faltas e penalties»?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isso é mais à Aníbal ou à Gabriel Alves?!

O Orador: - É isso que é objectivamente um abuso das suas funções: usar o cargo e o respeito institucional que ele merece não para meramente «exprimir opiniões - para

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o que tem óbvio direito e dever -, mas para condicionar a vida política, para dizer aos portugueses quais os votos bons e quais os votos maus.
Faz o Sr. Presidente da República tudo dentro do «estrito cumprimento» dos poderes constitucionais? No limite talvez, mas o que não cumpre é o que prometeu a todos os portugueses na sua campanha eleitoral.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, que português reconhece no seu voto presidencial de 1990 os objectivos que o bizarro e pitoresco vocabulário de Belém encontra nas triagens de origem culinária ou futebolística citadas pelos jornais? Será que para o Presidente da República, no exercício das suas funções, tudo se resume no fim a «vingar-se de Cavaco Silva», «a ajustar contas com o PSD», «a cozer em lume brando o Governo», ou, nas versões mais hard, a «fritá-lo» ou a «assá-lo»... e a outras imagens do mesmo teor? Talvez fosse bom haver menos culinária e mais seriedade.

Aplausos do PSD.

Mais: como se não bastasse em 1994 ter tomado uma iniciativa de carácter parapartidário - o Congresso «Portugal, que Futuro?» -, avançou recentemente na sua entrevista ao «Diário de Notícias» com afirmações de grande gravidade, em particular aquelas que apontam um dedo acusador à Assembleia da República e à maioria dos seus Deputados. E essas não podem ficar aqui sem resposta!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque o Sr. Presidente da República não está a falar do Governo, nem para o Governo, que dele e de nós depende, está a falar de nós que somos seus iguais e seus pares, com a mesma legitimidade política, vinda da mesma fonte: o voto do povo, a soberania do povo.

Aplausos do PSD.

É porque nós somos seus iguais e seus pares que a sua acusação de «ditadura de maioria» é uma afronta à Assembleia da República. Fiquei a saber que, como Deputado, exerço uma ditadura, o que para mim só pode significar que violo as leis e a Constituição, persigo e prendo os meus opositores, censuro a rádio, a televisão e os jornais, impeço a justiça... Porque se tal «ditadura» existe é de nossa responsabilidade. É, pois, connosco- seus iguais, seus pares - que tem de falar! É connosco que esperamos que nos diga, directamente, aquilo que as bancadas da oposição depois repetem com dificuldade ou gaguez! É connosco que o Sr. Presidente da República tem de discutir a «ditadura da maioria».

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos tranquilos. À oposição dizemos o que sempre dissemos: querem derrotar o Governo ou pelo menos manifestar essa intenção? O instrumento institucional para o fazerem é a moção de censura. Se não a querem utilizar porque sabem que perdem o debate político e expõem as vossas fraquezas. Como aconteceu com o CDS, isso é vosso problema.
Nós recusamo-nos a aceitar ou a fazer o jogo de usar instrumentos institucionais como a dissolução para resolver problemas de estratégia política.
Por isso mesmo, também, não deixamos sem resposta as críticas opinativas de um Presidente da República que resolveu intervir abusivamente para condicionar os resultados eleitorais das próximas eleições legislativas.
Como pares e iguais, insisto, como pares e iguais em legitimidade política com o Sr. Presidente da República, falamos com a mesma autoridade e não aceitamos ter cometido o crime político de sermos responsáveis por uma «ditadura».
Estamos, pois, à espera da sua mensagem, à espera que nos diga, institucionalmente e no lugar próprio - a nós seus iguais-, aquilo que não queremos saber em acusações genéricas e não fundamentadas num jornal, fraco meio de assumir as suas responsabilidades ou de dizer muito e fazer pouco.

Aplausos, de pé, do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Narana Coissoró, Jaime Gama e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, em primeiro lugar queria agradecer-lhe os votos de bom ano e desejar-lhe, também, que tenha um bom ano e, segundo o que li nos jornais, que o Sr. Deputado Duarte Lima chegue o mais depressa possível, para que V. Ex.ª se especialize mais no Presidente da República, deixando ao Sr. Deputado Duarte Lima o contencioso.com o PS.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De acordo com o que ouvimos hoje, parece que o problema nacional está resumido a duas preposições principais: actualmente, o PSD ocupa-se do Dr. Mário Soares e o PS do psicodrama de Cavaco Silva. O País e os seus problemas passam, inteiramente, todos ao lado, isto é, VV. Ex.ªs não querem saber, neste momento, o que é que, efectivamente, sucede no País.
Qual é o papel de Portugal na UEO? Quais são os prejuízos ou benefícios resultantes do alargamento para o País? E os problemas da segurança, do desemprego, da falta de retoma económica, bem como o levantado, várias vezes, pelo Dr. João Salgueiro a dizer que o psicodrama do Professor Cavaco Silva está a prejudicar gravemente o País? Efectivamente, esta situação não pode continuar assim.
O que V. Ex.ª aqui disse foi já hoje expressado, de uma forma sumária, na Conferência de Líderes, pelo Sr. Deputado Silva Marques, que fez um discurso combinado, com frases feitas e conceitos - agora trazidos aqui de uma forma mais alargada - que queriam dizer exactamente a mesma coisa, ou seja, que este é um problema «nosso», «interno» e, portanto, ninguém deve mexer nele.
Sr. Deputado Pacheco Pereira, em primeiro lugar gostava de lhe perguntar o seguinte: se estivéssemos num regime democrático como o dos países da União Europeia e se o Sr. Primeiro-Ministro tivesse de vir, uma vez que fosse por quinzena - já não digo por semana! -, ao Parlamento, não seria ele afrontado e perguntado, pelas bancadas da oposição, por ser o principal responsável pela queda da bolsa, pela falta de investimentos e pelo distanciamento da retoma?!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

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O Orador: - E ele teria de responder, daquela tribuna, aquilo que se recusa a fazer hoje, uma vez que se esconde atrás das «tabuetas» do Regimento,...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - ..., Regimento esse que não o obriga a vir cá e lhe dá todos os argumentos para se manter atrás das «tabuetas»!

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, o vosso Secretário-Geral, V. Ex.ª e o Sr. Deputado Silva Marques...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou os 3 minutos de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, queria apenas pedir-lhe uma coisa: V. Ex.ª permitiu, e bem, segundo o Regimento, que o Sr. Deputado Pacheco Pereira falasse durante 35 minutos. O meu partido tem, neste momento, quatro Deputados e, naturalmente, peco-lhe, como Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP e como amigo, que não queira que a intervenção do CDS seja resumida a 2 ou 3 minutos e, desse modo, todo o debate se passe no «bloco central», na intimidade de inimigos chegados e que nós sejamos, sistematicamente, postos de lado, porque não temos tempo para falar!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró fez uma observação à chamada de atenção que fiz, pelo que gostaria de responder-lhe, se me permitem. Disse-lhe apenas que tinham passado 3 minutos e nada mais!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Em segundo lugar, queria perguntar a V. Ex.ª se os chamados problemas internos do PSD podem ser, efectivamente, problemas internos. V. Ex.ª é - e não só - um analista político mas, para além da sua formação profissional de filósofo, também um cientista político, pelo que sabe, perfeitamente, qual é o papel dos partidos políticos no sistema global português, principalmente quando o sistema partidário e político português é sustentado pelos contribuintes, isto é, os partidos políticos representados no Parlamento existem, são obrigados a cumprir funções, porque os contribuintes, com o seu dinheiro, pagam esses partidos!
Por isso mesmo, preciso de saber se, efectivamente, este dinheiro dado pelos contribuintes para a existência dos partidos permite os psicodramas, os segredos, as confidencialidades,...

Protestos do PSD.

... tais como as de um partido, contra o regime político, poder dizer: «Estou fechado sobre mim próprio; ninguém tem nada de saber o que se passa dentro das minhas quatro paredes, porque quando resolvermos o nosso problema, daremos explicações ao País!» Ou seja, não estou a entrar na intimidade de quem é ou não presidente, mas quando o funcionamento de um partido político, sustentado com os impostos, prejudica o normal funcionamento da economia portuguesa,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Que conflito é que há entre vós? Precisamos de saber!

O Orador: - ... como os próprios economistas e especialistas do PSD dizem, é caso para perguntar se é possível manter o tipo de psicodrama contra os contribuintes portugueses e contra os seus interesses.
Com efeito, constatamos que com este psicodrama o desemprego aumenta, não há investimentos nem retoma, o que se repercute no dinheiro dos contribuintes, repito, contra os interesses deles!
Em terceiro lugar, quero perguntar a V. Ex.ª se, efectivamente, o vosso interesse passou a ser o de um dissidente, ou seja, V. Ex.ª aguçado pelo Santana Lopes, veio hoje defender a tese dele, segundo a qual «o partido está mal; o Conselho Nacional está mal, bem como tudo aquilo que se fez! Saio porque vocês não afrontaram o Presidente da República e não disseram: ou demita-nos ou demitimo-nos!»
V. Ex.ª disse aqui aquilo que não foi lido na mensagem de Santana Lopes e veio afrontar o Presidente da República. Pergunto, então, se V. Ex.ª tem coragem de dizer: «Já que o Presidente da República não nos demite, demitimo-nos e pedimos, desde já, eleições antecipadas».

Protestos do PSD.

Tenha a coragem de dizer ao Presidente da República: «Já que o senhor não exerce as suas funções e não cumpre, nós demitimo-nos e vamos pedir a antecipação das eleições, porque V. Ex.ª, depois, renuncia ao seu cargo em virtude das críticas feitas!»

Protestos do PSD.

É essa coragem que vos falta e é esse apego ao poder que diminui a vossa postura! É esse apego aos interesses estabelecidos que vos leva a que fiquem até Outubro! É que quanto mais tempo os senhores estiverem no poder, mais ganham!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-vos silêncio para que o Sr. Deputado Narana Coissoró possa terminar a sua intervenção.

O Orador: - VV. Ex.ªs não têm coragem para tirar as consequências da entrevista dada pelo Presidente da República! Não devem dizer ao Presidente da República que os demita, porque ele já disse que não vos demitia; pelo contrário, devem dizer: «Já que V. Ex.ª não teve coragem de nos demitir, não nos demitimos, mas vamos antecipar eleições e ver o que é que o povo decide!

Risos do PSD.

Olhem os risos que aí vão!...

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD)- - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, é simples responder-lhe: o Sr. Professor Cavaco Silva, Primeiro-Ministro, tem vindo e virá, com certeza, ao Parlamento responder a todas as questões que dizem respeito ao Governo, de que ele é responsável; o Sr. professor Cavaco Silva, Presidente da Comissão Política Nacional do PSD, responderá, com certeza, sobre todas as questões que dizem respeito ao partido, nos órgãos próprios do partido,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não tem respondido!

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O Orador: - ...porque nós não fazemos a confusão entre partido e Estado!

Aplausos do PSD.

Risos e protestos do PS, do PCP e do CDS-PP.

Está a correr-vos mal, não está?...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço o favor de guardarem silêncio para que o Sr. Deputado Pacheco pereira possa concluir a sua intervenção.

O Orador: - Repito: não só não fazemos confusão entre partido e Estado como temos...

O Sr. José Magalhães (PS): - Fazem anedotas!

O Orador: - Compreendo o vosso protesto, porque nunca foi essa a prática do Partido Socialista,...

Aplausos do PSD.

... que deixou, no Estado, um rasto de militantes partidários escolhidos por funções estritamente partidárias, e agora faz o mesmo nas câmaras municipais!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, para concluir, dizia: não só não fazemos essa confusão como a nossa concepção de um partido político e a de que ele nada tem a ver com o Estado,...

Risos do Deputado do CDS-PP, Narana Coissoró.

... é uma associação de livre iniciativa dos cidadãos, responsável perante os cidadãos que dele fazem parte. E a nossa concepção de sistema político não é a de tornar os partidos dependentes do Estado, como acontece nos países totalitários.

Aplausos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quem é que vos dá milhões de contos por mês?!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, queria retribuir serenamente os cumprimentos e votos de bom ano do Deputado Pacheco Pereira e dizer quanto nos congratulamos com a sua aparição neste hemiciclo. O Deputado Pacheco Pereira é um ser verdadeiramente multimedia, pelo que estamos habituados a ter dele a versão escrita, radiofónica e televisiva, que, aliás, em relação a estas duas últimas, são a mesma!

Risos do PS.

E temos também a oportunidade de o ver como ser vivo, quando está, não virtualmente mas realmente, no meio de nós e sobe à tribuna, mais condicionado, porque tem mais responsabilidades, embora interinas, não menos substanciais. E isso também nos agrada.
Registamos que, nesta sua primeira grande intervenção no reinicio dos trabalhos parlamentares - ele que, não sendo socialista, é laico e republicano -, tenha vindo prestar, no Parlamento, dois actos de penitência. Um que tem um
referente presidencial, visto que aquilo que disse em relação ao Presidente da República é uma penitência não só da sua amizade natalícia para com o Presidente da República,...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Noto aí alguma inveja!

O Orador: - ... mas também do seu apoio à recandidatura do Presidente da República.

Aplausos do PS.

E uma segunda penitência em relação ao que o próprio Deputado Pacheco Pereira diz sobre o Partido Social Democrata e o Governo, como comentador e espírito livre no debate político português
Foi uma versão mais oficial. Foram duas penitências.
Todavia, há algumas questões que, naturalmente, o Deputado Pacheco Pereira, como líder parlamentar, evidencia no debate político, mas há outras que silencia. E as que silencia são igualmente importantes e, por isso, o desafiamos a que lhes dê resposta.
Em primeiro lugar, em relação ao Primeiro-Ministro, a questão da sua titularidade política não é apenas um problema interno do PSD!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Somos uma nação civilizada e, quando, no País, se faz propalar e se deixa correr que o Primeiro-Ministro está em vias de cessar a sua actividade política, de deixar a liderança do partido e a própria liderança do Governo e de voltar à universidade, põe-se uma questão de clarificação institucional, e não são porta-vozes anónimos nem as habituais fontes credenciadas que devem esclarecer esse assunto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O primeiro-ministro tem o dever de responder institucionalmente, primeiro, perante esta Assembleia e, depois, perante o próprio Presidente da República, sobre a sua disponibilidade em relação ao desempenho do seu cargo. É ele que tem de o fazer no sistema político e no quadro institucional de uma democracia civilizada.

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, o Sr. Deputado Pacheco Pereira vem invectivar o Presidente da República e o Partido Socialista - não vou fazer a cronometragem dos tempos utilizados em relação a cada um, pois isso é secundário -, mas a verdade é que as questões políticas centrais não são as questões do Presidente da República nem as do Partido Socialista mas, sim, as questões da má governação do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E V. Ex.ª não pode substituir, com a sua argumentação, a real responsabilidade que o Governo tem em explicar a sua má governação,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... responsável por 400 000 desempregados;...

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - ... responsável pela estagnação da agricultura e pela desindustrialização do País;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... responsável pela descapitalização da segurança social;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... responsável pela retracção do investimento interno e externo e pela flutuação bolsística;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... responsável pelo atraso no relançamento da economia, agravado com a indeterminação da posição política do máximo responsável do Governo, que é o Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

E V. Ex.ª também, como representante de um partido responsável, não pode eximir-se, nesta Câmara, a prestar contas sobre as questões essenciais que constituem o seu ideário central - a reforma política. Qual é a disponibilidade do Partido Social Democrata para realizar uma reforma política substantiva? Anulou a hipótese da revisão constitucional; anulou por completo a hipótese da reforma do sistema eleitoral;...

Protestos do PSD.

... é completamente opaco em matéria de reforma sobre as incompatibilidades, até as agrava no pior sentido; é absolutamente fechado em relação à problemática central da reforma do estatuto dos titulares do poder político;...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... fecha-se completamente quanto à questão central do controlo do património dos rendimentos e dos interesses dos titulares dos cargos políticos.

Aplausos do PS.

Ou seja, o Partido Social Democrata, partido com responsabilidades centrais na governação, é hoje um partido completamente fechado não só em relação à solução dos problemas económicos e sociais e à ultrapassagem da crise política concentrada na problemática da indefinição da atitude do Primeiro-Ministro mas também em relação à problemática da reforma do sistema político e da luta pela transparência neste mesmo sistema.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª tinha razão quando disse que o Partido Social Democrata estava tão mal, tão agónico e tão perdido que só uma estratégia de que era possível, isto é, uma estratégia que partisse de temperaturas muito negativas para atingir o zero e se relançar.
Admito até que V. Ex.ª, hoje, contrariando o seu diagnóstico, tenha procurado dar um início de terapêutica, orientada mais para o denegrimento dos seus competidores do que para a salvação da sua própria formação política. Mas admitamos que ela foi um início de salvação e talvez até possamos admitir que, no estado a que as coisas chegaram, se o Prof. Cavaco Silva, como se diz, abandonar a presidência do partido, pois bem, V. Ex.ª já está lançado na calha para assumir com dignidade essas funções.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, de multimedia para minimedia, podemos...

Risos do PS.

Tive ocasião de o ver, recentemente, várias vezes na televisão e tenho aqui um abundante dossier com as suas entrevistas e escritos, aliás bem interessantes de consultar.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Não tenho um dossier sobre declarações nem de mim próprio nem de qualquer de VV. Ex.ªs!

Aplausos do PS.

O Orador: - Faz mal, Sr. Deputado Jaime Gama, porque isso é sinal de pouco profissionalismo no trabalho político...

Aplausos do PSD.

... ou, pior, não quer ter memória de algumas interessantes coisas, como a entrevista que deu a O Independente, sintetizada pelo jornal nos seguintes termos:...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Isso é intrigalhada política!

O Orador: - É?! Então vou dar-lhe um exemplo de intrigalhada política. O Dr. Jaime Gama dizia uma coisa que eu, evidentemente, não vou aproveitar contra ele, apenas a vou utilizar para discutir politicamente, que é a seguinte: «O Eng.º António Guterres pratica, com uma grande velocidade, aquilo que ele próprio considera a teoria da limitação dos danos». O que o Sr. Deputado Jaime Gama fez aqui foi um exemplo concreto da teoria da limitação dos danos. Em que é que o Sr. Deputado Jaime Gama quis limitar os danos?
Em primeiro lugar, não lhe faço a injustiça de considerar que ele não compreende que, de facto, o Sr. Primeiro-Ministro não tem nada que vir a esta Assembleia explicar quais são as opções que faz no foro estritamente partidário, porque isso é um completo absurdo.

O Sr. Jaime Gama (PS): - O cargo de Primeiro-Ministro não é partidário!

O Orador: - Tanto mais que o Sr. Primeiro-Ministro já disse várias vezes...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - O cargo de Primeiro-Ministro não é partidário!

O Orador: - Desafio-vos a citar uma única vez em que o Prof. Cavaco Silva tenha dito que abandonava o lugar de Primeiro-Ministro,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... mas os senhores não são capazes de o fazer.

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Protestos do PS.

Se querem resposta à vossa pergunta, tiveram-na de uma forma duplamente autorizada, ontem, através das declarações do Secretário-Geral do PSD e, hoje, de forma institucional na resposta que dei, por uma razão muito simples...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Mas você não é o Primeiro-Ministro!

O Orador: - ... é que nós somos a maioria que apoia o Governo, somos eleitos com um programa que é o programa que o Governo está a aplicar. A responsabilidade política última do Governo depende de nós e do Sr. Presidente da República. E a nossa afirmação é uma resposta institucional à pergunta que o Sr. Deputado fez.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Não esclarecido!

O Orador: - Está tudo esclarecido, o problema é que os senhores, como não têm política, entretêm-se com estas coisas! Está esclarecido! Acabou!

Aplausos do PSD.

Em segundo lugar, os senhores dizem que nós não queremos a reforma política. Tenham, ao menos, a honestidade de dizer que nós não aceitamos as proposta* de reforma política que os senhores propõem, mas temos outras. Ou seja, defendemos uma reforma política, mas isso não significa assinar de cruz as propostas do Partido Socialista, e os senhores fazem confusão entre as duas coisas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Mas não entregaram nenhumas!

O Orador: - Em terceiro lugar, devo dizer o seguinte: sempre considerei que a amizade entre as pessoas se realiza num foro que não é público, nem publicitável, nem necessariamente trazido, de imediato, para o plano político. Mas também lhe devo dizer que não me arrependi de apoiar o Sr. Presidente da República em 1991, mais por uma razão que disse explicitamente, é que não concordava com quase todas as posições substantivas do Sr. Presidente da República, mas concordava com o entendimento que ele fazia do exercício das funções presidenciais, que ele abundantemente explicitou e que também abundantemente negou pelos seus actos nos últimos meses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, a intervenção que V. Ex.ª aqui nos trouxe é significativa do autismo político em. que o PSD e o Governo vêm vivendo e da manobra de diversão que vêm tentando lançar sobre a situação política no País.
O Sr. Deputado referiu-se exclusivamente a questões que poderíamos considerar do âmbito da superestrutura, mas esqueceu por completo aquilo que é a questão central, ou seja, os problemas e o agravamento da situação social e económica.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mais do que isso, o Sr. Deputado Pacheco Pereira conseguiu, naquela bancada, dizer que, neste período, estamos a viver numa enorme acalmia. Vejamos a que período de acalmia é que o Sr. Deputado Pacheco Pereira se está a referir. E ao período em que os trabalhadores da empresa Manuel Pereira Roldão estão com salários em atraso e em luta pelos seus postos de trabalho? É ao período em que a polícia de intervenção agride fortemente e de forma inaceitável esses mesmos trabalhadores? É ao período em que se manifestam os trabalhadores das minas do Pejão? E ao período em que, segundo notícias hoje divulgadas, das quais não tenho a confirmação, a polícia de trânsito está a fazer greve às multas? É ao período em que é divulgado um novo record dos desempregados inscritos nos centros de emprego? É este período, com todas estas questões e muitas outras, que o Sr. Deputado Pacheco Pereira caracteriza de período de acalmia? Isto é significativo daquilo que é o autismo político do PSD e do Governo. Não ligam, «estão-se nas tintas» - desculpem a expressão - para aquilo que, de facto e realmente, se passa no País.

Aplausos do PCP.

Sr. Deputado Pacheco Pereira, gostaria de lhe dizer que, pela nossa parte, escusa de ter receio de que nos transformemos em reféns da estratégia do PSD.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Honra lhes seja feita!

O Orador: - Por múltiplas vezes disse, e mais uma vez o vou repetir: o Partido Comunista Português não se preocupa se o Prof. Cavaco Silva vai ou não continuar no PSD, se vai ou não continuar a ser Presidente do PSD e, por outro lado, também não temos a noção de que existe, neste momento, um vácuo de governação;...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... pelo contrário, o nosso problema é a governação que está a ser feita.

Aplausos do PCP.

O nosso problema são os elementos que já referi, aqueles que o Sr. Deputado há pouco referiu, é o problema de dar indemnizações de 60 ou 70 milhões de contos a ex-agrários, não por terem ficado sem as terras mas, sim, por eventuais e hipotéticos lucros cessantes; o nosso problema é a governação que conduz à aceleração das privatizações, porque os senhores estão a «ver a areia a fugir-lhes debaixo dos pés» e querem privatizar o mais rapidamente possível, só por privatizar; o nosso problema são os aumentos das taxas de juro, que novamente estão aí à vista de toda a gente; o nosso problema são as razões e os factos que conduzem a que um Governo se predisponha, para além de todos os outros auxílios que terá prestado, a alterar a lei para que o Banco Totta & Açores fique na mão do Sr. Champallimaud. São essas políticas, é essa governação que nos preocupa e não o problema do melodrama.

O Sr. João Amaral(PCP): - Muito bem!

O Orador: - Para terminar, Sr. Deputado Pacheco Pereira, e depois do que lhe referi, quero dizer-lhe o seguinte: no início da sua intervenção, ao desejar bom ano novo a todos, o Sr. Deputado referiu que, para os políti-

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cos, um ano de eleições é sempre um bom ano, porque as eleições são a própria respiração da democracia, e é exactamente isso que pretendemos. É que se na Constituição se prevê um mandato de quatro anos, esse valor não é absoluto, o cumprimento desse mandato não se pode traduzir em valor absoluto e, portanto, não se pode defender uma tese como a que o Sr. Deputado aqui defendeu, no sentido de que mesmo que a governação seja má, mesmo que a governação seja péssima, mesmo que a governação destrua o País e coloque milhares e milhares de cidadãos em situação difícil, deve aguentar-se até ao fim desse período de quatro anos. Não! A Constituição, para estas hipóteses, também prevê as eleições antecipadas e, por isso, deve ser dado à democracia o direito de respirar, com eleições, o mais rapidamente possível, para acabar com esta governação.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, muito obrigado por ter confirmado, com as suas palavras, praticamente tudo aquilo que eu disse, e uso o exemplo das suas palavras para responder também ao Partido Socialista.
Faço-lhe justiça, porque o Partido Comunista é o único cuja estratégia tem a ver com o destino do mundo e não com as eleições de Outubro de 1995.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é verdade!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - A vossa só tem a ver com as eleições!

O Orador: - E como tem a ver com o destino do mundo e da humanidade, de facto, não é dependente da estratégia do PSD. Honra lhe seja feita! Os senhores falam para o destino, para a história, para o reino da perfeição e não para os humildes mortais. Os meus parabéns!
O Sr. Deputado Octávio Teixeira disse, e bem, que as eleições são a respiração da democracia. Sucede que nós respiramos normalmente, ou seja, em períodos regulares, e VV. Ex.ªs sofrem de hiperventilação e de asma e querem estar sempre a respirar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados- Iniciámos esta semana um novo ano e permitam-me, por isso, que inicie esta intervenção formulando, também eu, sinceros votos de um feliz ano novo para todos.
Mas permitam-me também que depois de ouvir o discurso do Sr. Deputado Pacheco Pereira lhe dirija a ele um cumprimento muito especial, porque o seu discurso foi a melhor prova da gigantesca tarefa e da grande dificuldade das funções que, embora interinamente, lhe caíram sobre os ombros. Por certo, vai ter um ano particularmente difícil.
Ano novo muito especial, ano novo em que se concluem dez anos consecutivos de Governo PSD, presididos por Cavaco Silva, dez anos coincidentes, aliás, com os primeiros dez anos de Portugal como membro da Comunidade/União Europeia, ano novo marcado ainda pela realização de eleições legislativas, as quais abrirão um novo ciclo político que nos conduzirá à viragem do século.
É, pois, um ano decisivo para as opções fundamentais que determinarão o Portugal do século XXI. É, pois, um ano particularmente exigente para os responsáveis políticos, a quem se exige, mais do que nunca, clareza, frontalidade, determinação e coragem.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - O País não é o Diário da República e o seu Estado e o estado do Governo não se medem pelo activismo frenético de alguns governantes, que tentam disfarçar no frenesim a quebra de liderança e o desnorte estratégico.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Frenesim tem o Engenheiro Guterres!

O Orador: - O Sr. Deputado Pacheco Pereira só conhece o País pelos comunicados do Conselho de Ministros e, por isso, confunde o País virtual com o País real.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O País real, no balanço destes dez anos, sente-se num impasse, na incerteza quanto ao futuro, inseguro no seu dia-a-dia, sem confiança no sistema político, inquinado pela atrofia que a maioria laranja criou.
Este estado não resulta do psicodrama do Primeiro-Ministro, mas porque o Primeiro-Ministro e o PSD, em dez anos, conduziram o país ao impasse, desde logo na estratégia de desenvolvimento, mas também na capacidade de regeneração de um sistema político, em que os cidadãos vêm perdendo, crescentemente, a sua confiança.
Não obstante as oportunidades únicas, sem paralelo na história nacional dos últimos séculos, proporcionadas pela integração europeia, Portugal, pelo terceiro ano consecutivo, vai crescer menos do que os seus parceiros europeus. Ou seja, em vez de nos aproximarmos dos níveis da Europa, a estratégia do Primeiro-Ministro e do PSD vai-nos deixando ainda mais atrasados em relação à Europa.
A produção industrial está em queda desde o segundo trimestre de 1991, tendo caído 10%, entre 1991 e 1994, e a produção agrícola ainda está pior, pois caiu 20 %nesse período.
O impasse a que o Primeiro-Ministro e o PSD nos conduziram é evidente nos mais recentes números do desemprego, que, entre 1991 e 1994, já aumentou 65%. Só no ano passado, houve mais de 56 000 desempregados, ou seja, mais de 154 desempregados, por cada dia que passou.
O País está num impasse e sente-se inseguro, na incerteza.
Em dez anos de Governo do PSD, presididos por Cavaco Silva, Portugal perdeu capacidade produtiva e, pior, não aproveitou esta década para superar os défices de educação e formação, para reforçar a capacidade de as portuguesas e os portugueses se afirmarem num mundo crescentemente competitivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segundo dados de 1993, Portugal é o País da OCDE com o mais baixo nível de formação, atrás da Irlanda e da Itália, ultrapassado pela Espanha e até mesmo pela Turquia.
A incerteza e a insegurança sentem-se na rua.
A ruptura da coesão social, provocada pela estratégia do Primeiro-Ministro e do PSD, encontra expressão direc-

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ta no aumento da criminalidade, entre 1990 e 1993, em 42%. Só no primeiro semestre de 1994, o crime de roubo aumentou 56,5%, relativamente a período homólogo do ano anterior.
Dez anos é um período muito longo. Os jovens que, este ano, vão votar pela primeira vez tinham oito anos quando Cavaco Silva chegou a Primeiro-Ministro. Trata-se de um período muito longo, que não consente nem manobras de virtuais, nem ilusões de conjuntura.
O resultado de dez anos de Governo do PSD, presidido por Cavaco Silva, é estarmos mais dependentes, menos preparados, mais desempregados e menos seguros.
Mas o sentimento de insegurança e incerteza do País resulta também do impasse a que o Primeiro-Ministro e o PSD conduziram a capacidade de regeneração do sistema político, no qual os portugueses vêm perdendo confiança, em resultado do pântano em que estes dez anos de hegemonia, impunidade e clientelismo do Estado «laranja» atolaram o País e que o Primeiro-Ministro e o PSD persistem em favorecer, proteger e encobrir.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Sr. Deputado Pacheco Pereira terá de repetir muitas vezes o discurso que aqui fez. É que entrámos num novo ano e afirma-se gritante a urgência de romper os impasses e devolver certeza, segurança e confiança às portuguesas e aos portugueses. E é nestes momentos decisivos, de grandes opções, de mudanças estruturais, que se vê o carácter e a estatura dos homens de Estado.
Quanto ao Primeiro-Ministro, estamos entendidos: pode ser um timoneiro, mas não passará de um timoneiro de água doce.
Se o Primeiro-Ministro está farto do PSD e quer mesmo ir embora, que vá! Compreendemo-lo, aliás, muito bem, pois também nós estamos fartos do PSD, e connosco a maioria dos portugueses. A diferença, a grande diferença, é que estamos fartos do PSD, mas também estamos fartos do Primeiro-Ministro, cabeça deste gigantesco polvo clientelar em que o PSD se tornou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se o Primeiro-Ministro tem medo de enfrentar as tormentas que criou e quer mesmo ir embora, que vá, mas vá depressa, porque Portugal não pode perder mais tempo! Não seria, aliás, novidade, pois já o fez em 1980.
Se o Primeiro-Ministro sabe que vai perder e quer mesmo ir embora, à espera de regressar numa manhã de nevoeiro, que vá e que o sol brilhe para todos nós!

Aplausos do PS.

Se o Primeiro-Ministro quer mesmo ir embora agora, para voltar já nas eleições presidenciais, que vá! O Primeiro-Ministro tem o direito de escolher onde pretende ser derrotado, se nas legislativas, se nas presidenciais.
Se o Primeiro-Ministro quer mesmo ir embora, mas está preso às pressões da clientela que criou, não se preocupe, não perde pela demora, até Outubro há-de ir, com certeza, e é o povo que o põe na rua.

Aplausos do PS.

Mas, se tudo isto é uma jogada, como cada dia parece mais evidente, então, trata-se de uma monumental farsa, desde logo indigna de um Primeiro-Ministro de Portugal e que, além do mais, redundou em monumental fracasso. Se o Primeiro-Ministro pretendia que o País se levantasse, em sentida e comovente vaga de fundo, bom, efectivamente, nos últimos dias, temos visto diversas manifestações de rua, na Marinha Grande, no Pejão e em Setúbal, por parte dos taxistas, só que em nenhuma dessas manifestações se pediu que Cavaco Silva ficasse. Pediu-se, isso sim, emprego, pagamento de salários e segurança, que se perderam com o Primeiro-Ministro, o seu Governo e o PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com excepção de dois jantares, em que 4000 comensais do «Estado laranja» surgiram como figurantes atentos, obrigados e venerandos, mais ninguém, em Portugal, clamou pela sua permanência. Se isto lhe basta, então, já está por tudo e essa é a maior confissão de fraqueza.
Se, pelo contrário, o Primeiro-Ministro precisava deste psicodrama para tentar pôr mão no PSD, para ter força e proceder à varridela interna, como alguns barões aparecem, agora, diariamente, a sugerir, em pungente pânico, para ver se de entre mortos e feridos se vão safando, então, que dramática confissão de fraqueza! Se precisa de pôr em causa a estabilidade do País para dar um abanão aos Drs. Menezes, Arlindos e Isaltinos que povoam o PSD, então, a cabeça do polvo já está a ser asfixiada pelos seus próprios tentáculos.
De qualquer modo, a terapia é excessiva para o País, mas será sempre insuficiente para o PSD. É que um partido que chegou ao ponto de, numa disputa distrital, envolvendo membros do seu Governo, do seu grupo parlamentar e uma plêiade de titulares de cargos públicos nomeados pelo Governo, acabar na indiciação pela prática do crime de terrorismo, já lá não vai com uma varridela, do que este partido precisa é de uma muito longa e regeneradora cura de oposição.

O Sr. Rui Carp (PSD). - E em Braga, o PS?!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs Deputados: Em qualquer destes cenários, dizemos muito claramente que estamos preparados para nos opormos, se nos mantivermos em funções, e para o derrotar, se se candidatar nas eleições legislativas ou nas eleições presidenciais.
Agora, é preciso acabar com a brincadeira, pois os tempos são senos, muito sérios, e o País não se pode dar ao luxo de se distrair com crises artificiais, quando vive uma crise bem real que tem de ser atacada e vencida.
Os órgãos constitucionais de quem o Governo depende não podem consentir que a instabilidade criada pelo Primeiro-Ministro se arraste. É que não se trata de uma questão pessoal do Professor Cavaco Silva, nem de uma questão interna do PSD. É-nos indiferente o destino pessoal do cidadão Cavaco Silva, mas não nos é indiferente, não nos pode ser indiferente, o Primeiro-Ministro de Portugal.
Para o País, os custos económicos desta crise artificial são imensos. Aliás, o próprio Dr. João Salgueiro já os considerou mesmo irreparáveis.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Grande exemplo!

O Orador: - O descrédito para as instituições é manifesto, quando já chegámos ao ponto de até o Dr. Alberto João Jardim estar em condições de poder dar lições de racionalidade política ao Primeiro-Ministro de Portugal. Onde já chegámos!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Já chegaram à Madeira!

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O Orador: - É imperioso que o Primeiro-Ministro compareça aqui, no Parlamento, e responda, pessoalmente, sobre a sua disponibilidade para se manter em funções até ao termo do mandato.
Portugal é um Estado de direito com regras, em que o Primeiro-Ministro presta contas perante os órgãos constitucionais de quem depende - a Assembleia e o Presidente da República- e não através de declarações de fontes anónimas ou oficiosas aos jornais.
Que curiosa noção do regular funcionamento das instituições democráticas, a do PSD e do seu líder parlamentar, quando entendem que o Primeiro-Ministro, que depende da Assembleia e do Presidente da República, não deve prestar contas perante quem depende e querem que seja o Presidente da República, que nem resulta da Assembleia, nem dela depende, a fazê-lo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta visão representa a subversão do regular funcionamento das instituições democráticas! É que o Primeiro-Ministro, ao contrário do Presidente da República, não é um nosso igual, o Primeiro-Ministro, ao contrário do Presidente da República, depende desta Assembleia e é a ela que deve prestar contas.
O Grupo Parlamentar do PSD comporta-se, relativamente ao Primeiro-Ministro, não como sendo o Governo a depender da Assembleia mas como dependente do Primeiro-Ministro, como acontece, aliás, com os líderes das distritais do PSD. O Deputado Pacheco Pereira assume aqui o papel dos Arlindos e dos Menezes do PSD...

Vozes do PSD:- Tenha mais respeito, Sr. Deputado!

O Orador: - ... e, por isso, quer decretar nesta Assembleia como tabu, o esclarecimento sobre o que se passa com o Primeiro-Ministro de Portugal. Mas enganam-se e este é um teste decisivo ao funcionamento das nossas instituições. É que se querem decretar o direito de que os órgãos constitucionais estão sujeitos aos tabus e aos caprichos do Primeiro-Ministro, então, o regular funcionamento das instituições democráticas está efectivamente inviabilizado pelo comportamento da maioria.
O PSD recusou a antecipação consensual das eleições para Junho. Fez mal! Os agentes económicos e o país em geral necessitam de ver estabilizado o calendário das grandes opções nacionais. Necessitam que não se eternize por mais 10 meses o estado de incerteza em que Portugal se encontra.
E aqui o PS está à-vontade: deu provas em 1989, quando foi necessário fazer uma revisão constitucional decisiva para a reforma do tecido económico nacional; e, em 1993, quando foi necessário aprovar o Tratado de Maastricht, mostrámos ter sentido patriótico para sacrificar aqueles que são os interesses imediatos do nosso partido e defender os interesses nacionais. Fizemo-lo em 1989 e 1993, como o tínhamos feito em 1975, na defesa da liberdade e, em 1976 e 1983, quando foi necessário salvar o país da bancarrota. Pagámos um preço político elevado e estaremos sempre dispostos a pagá-lo, mas mantemos o orgulho de nunca sacrificar os interesses do país aos do nosso partido, ao contrário daquilo que faz o PSD e o Primeiro-Ministro.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, mais do nunca, exige-se clareza, frontalidade, determinação e coragem e que este Parlamento saiba ser digno até ao fim do mandato que recebeu do povo português, assumindo as suas responsabilidades e exigindo ao Primeiro-Ministro que assuma as suas, aqui e depressa.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Costa veio àquela tribuna confirmar exactamente a crítica que o Sr. Deputado Pacheco Pereira fez há pouco ao PS:...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Não fez crítica nenhuma!...

O Orador: - ... VV. Ex.ªs, enquanto são poder - e revelem-no aqui hoje, designadamente, com a sua intervenção -, confundem Estado com partido!

Protestos do PS.

E vêm aqui, mais uma vez, pela sua voz, exigir que o Professor Cavaco Silva se desloque a esta Assembleia para tratar de questões que são do âmbito interno do PSD e que devem ser tratadas nos órgãos próprios dos partidos.

O Sr. António Costa (PS): - Ora essa!

O Orador: - Nós não fazemos essa confusão, Sr. Deputado!
V. Ex.ª vem também aqui referir, com uma angústia e uma crítica, algumas intervenções do Dr. Alberto João Jardim, dizendo que este está a transmitir ensinamentos ao Professor Cavaco Silva. Sr. Deputado António Costa, o nosso partido é completamente diferente do vosso.

Aplausos do PS.

Aplaudam, aplaudam! Estamos num partido muito diferente do vosso, só que para melhor!

Protestos do PS.

Por isso, temos abertura na emissão de opiniões e nas críticas, mas temos senso, o que, realmente, não é uma característica do vosso partido. V. Ex.ª quando tem de fazer críticas no seu partido não as faz no lugar próprio! Usa o jornal Expresso para chamar paranóico-como chamou-ao Dr. Mesquita Machado, seu companheiro de partido, de Braga!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É verdade!

O Orador: - Isto revela bem o retrato desse partido a que V. Ex.ª pertence.
Sr. Deputado António Costa, V. Ex.ª e o seu partido estão extremamente preocupados com os efeitos para o país pelo silêncio partidário do Professor Cavaco Silva e isso revela bem as preocupações que VV. Ex.ªs vão ter se, eventualmente, se puser a hipótese - que se não põe - do Professor Cavaco Silva deixar de ter uma maioria nas próximas eleições.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, o que eu disse sobre o Dr. Alberto

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João Jardim - e creio que fui claro - foi que fico preocupado quando até o Dr. Alberto João Jardim já está em condições de dar lições de racionalidade política ao Primeiro-Ministro. No Diário de Notícias do passado domingo, dia l, é referido que o Dr. Alberto João Jardim considera a situação irracional e absurda. Ora, para mim, o Dr. Alberto João será certamente um bom homem, mas não o tenho como um modelo de racionalidade política e quando o Primeiro-Ministro de Portugal já ultrapassou a irracionalidade e o Dr. Alberto João sente já condições de vir dar-lhe lições, eu, para ser sincero, como português e como responsável político, fico muito preocupado - e sei que o Sr. Deputado também fica.
E o absurdo e a irracionalidade são tão grandes que todos vêm acusar da confusão entre partido e Estado, quando o bom exemplo dessa confusão está na posição que VV. Ex.ªs assumem! O Primeiro-Ministro, de forma irresponsável, deixou instalar no país a dúvida, não dizendo se permanece ou não em funções. Todos vimos na televisão um jornalista, à porta do Conselho Nacional do PSD, interpelando o Primeiro-Ministro no sentido de saber se este se manterá ou não em funções. Ora, num país que vive uma situação terrível, com 400 000 desempregados e com o crime a aumentar diariamente na rua, o Sr. Primeiro-Ministro deu-se ao luxo de fazer pose, encostando-se ao carro, batendo na cara e sorrindo, dizendo: «O futuro a Deus pertence»!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Tem fair play, que é uma coisa que o PS não sabe ter!

O Orador: - Ainda ontem, no aniversário dos bombeiros portugueses, interpelado pela comunicação social no sentido de saber se se mantém ou não em funções, o Primeiro-Ministro alimentou e consentiu que se mantivesse a dúvida e disse: «Vamos a ver, ainda não abriram os prazos para as candidaturas».

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Claro! E o Dr. Jorge Sampaio vai candidatar-se a Presidente da República ou não?!

O Orador: - Não está em causa uma questão interna do PSD. A questão interna do PSD é a de saber como .é que os bandos na Guarda se organizam e são ou não indiciados pela prática de crime de terrorismo!

Protestos do PSD.

Não queremos ter nada a ver com a vida interna do PSD. Só que esta não é uma questão pessoal do cidadão Cavaco Silva - que nos é indiferente -, mas uma questão que tem a ver com o titular de um cargo público, que depende desta Assembleia da República e que não depende do Governo. O Primeiro-Ministro não o é porque o PSD o designou, mas porque tem a confiança da Assembleia da República e é por isso que é perante esta que tem de dar satisfações e não em almoços com as distritais!

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Esta vossa atitude é que é demonstrativa da grande confusão. É-me indiferente se o Professor Cavaco Silva, no seu capricho, inventou um tabu que paralisou o partido. Vem hoje nos jornais que não poderem apresentar moções, estão à espera que o homem se decida!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E os senhores é que estão preocupados!...

O Orador: - Isso é com o vosso partido e não nos interessa! Agora, a paralisia do Estado e do Governo, essas, são preocupantes.

Protestos do PSD.

Vem em todos os jornais! O Dr. Santana Lopes demitiu-se e o Primeiro-Ministro está incapacitado de o substituir porque não há nenhum cidadão lúcido neste país que se disponha a comprometer-se com um Governo que não sabe se está a prazo, se para ficar! Isto é a prova da paralisia deste Governo.

Protestos do PSD.

E os danos para o país são danos terríveis.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está a ver a falta que o Professor Cavaco Silva faz!

O Orador: - Não somos nós que o dizemos: é um antigo Ministro das Finanças do seu partido, um economista muito respeitado, o Dr. João Salgueiro, que, antes de ontem, veio dizer: «Um psico-drama político provocará atrasos irrecuperáveis na retoma».

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Devia estar a referir-se ao Presidente da República!

O Orador: - Ora, isto é preocupante, porque não se trata da vida interne do PSD, mas da vida em geral do país e sobre isso esta Assembleia tem de pronunciar-se e temos de responsabilizar este Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, compreendo perfeitamente que alguns Srs. Deputados se admirem com o facto de ter pedido a palavra para defesa da honra, mas fi-lo, porque temos vivências diferentes, vivemos em partidos diferentes e os senhores aceitam, sem se sentirem ofendidos, que eu diga que, no vosso partido, apenas se preocupam com as falcatruas e as vigarices e não com os assuntos de Estado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Sr. António Costa (PS): - É natural!

O Sr. José Lello (PS): - As falcatruas e as vigarices de quem?!

O Orador: - Eu sei que alguns dos senhores provavelmente não se preocupariam com isso e talvez por isso estejam admirados.

Protestos do PS.

Como devem imaginar, sinto-me ofendido quando vejo referências destas em relação ao meu partido e fico-o ain-

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da mais quando oiço utilizar palavras e posições do meu partido que não são correctas. Pelo contrário, são fruto de uma demagogia e de uma estratégia, são autênticas calúnias para levar, essas sim, a que as pessoas não saibam a situação em que se encontram.
Já hoje foi aqui perguntado e, como membro do Conselho Nacional do PSD, que é o órgão máximo entre congressos, posso aqui dizer-lhes que, ao contrário do que aqui foi dito, nunca foi posta em causa qualquer posição do Professor Cavaco Silva quanto à sua continuidade como Primeiro-Ministro. E digo ainda mais: o que foi sempre dito pelo Primeiro-Ministro é que tem um contrato e uma obrigação com os portugueses, que fará com que termine sempre as suas funções como Primeiro-Ministro.
Se tal não acontecer, Sr. Deputado, serei o primeiro a vir aqui tirar as ilações contrárias.

O Sr. António Costa: - Não é o Sr. Deputado que o tem de dizer, mas o Primeiro-Ministro!

O Orador: - Mas por que é que tem de ser o Primeiro-Ministro?! Porquê?! Não havendo uma única posição política do Primeiro-Ministro a dizer que não continuará em funções, os Srs. Deputados procuram atirar para a opinião pública a ideia de que é possível que Cavaco Silva esteja a pensar em renunciar. Isso é completamente falso, porque a posição do Primeiro-Ministro é muito clara: estará à frente do Governo deste país enquanto esta bancada o quiser. E nós dizemos - já o dissemos aqui pela voz do nosso líder parlamentar e digo-o pela minha - que o Professor Cavaco Silva será o líder do Governo até ao final desta legislatura.
Mas vou ainda mais longe, para que fique tudo muito claro: o que está causa é saber se o Professor Cavaco Silva será ou não líder do PSD a partir do próximo congresso.

O Sr. António Costa (PS): - Isso não me interessa!

O Orador: - Isso não lhe interessa e faz muito bem! Mas, então, se não lhe interessa e porque é a única questão que se encontra em discussão, fariam melhor em estar calados e não procurar provocar perturbações na sociedade portuguesa, contribuindo, muito provavelmente, para algumas das situações que o Sr. Deputado aqui enunciou.

Aplausos do PSD.

O Sr. Silva Manques (PSD): - O Sr. Deputado António Costa foi muito mais brilhante na prova entre o burro e o Ferrari!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, vou dar explicações à honra sensível do Sr. Deputado Pedro Pinto, que deu a melhor resposta - muito melhor do que a que eu podia dar - à questão que lhe colocou o Sr. Deputado Guilherme Silva e àquilo que disse o Sr. Deputado Pacheco Pereira sobre quem confunde o Estado com o partido. O Sr. Deputado Pedro Pinto entende que as explicações dadas perante o Conselho Nacional do PSD substituem as respostas que têm de ser dadas à Assembleia da República. E terá a bondade de me conceder a possibilidade desta loucura que me passou pela cabeça que é pensar que o Conselho Nacional do PSD não é nenhum órgão de Estado, nem nenhum órgão de soberania, e que, pelo menos por enquanto, o órgão de Estado e de soberania é a Assembleia da República e que a confiança no Governo não depende do Conselho Nacional do PSD, mas da Assembleia da República, pelo que as explicações terão de ser dadas perante esta Assembleia da República, sendo-me indiferentes as explicações que são dadas noutras instâncias.
O que está em causa, Sr. Deputado, não é saber se o Dr. Cavaco é ou não líder do PSD! Esse é um problema doméstico do PSD, que me é totalmente indiferente. O que está em causa é saber se o Dr. Cavaco vai ou não manter-se em funções como Primeiro-Ministro.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Com certeza que vai!

O Orador: - E como existe essa dúvida no País, o primeiro dever do Primeiro-Ministro é o de a esclarecer perante o País, no órgão próprio que é a Assembleia da República. Ora, porque é que ele não o faz e, sobretudo, porque é que os senhores impedem que ele cá venha dar este esclarecimento? Por uma simples razão: é que, ao contrário do que disse, ele não é Primeiro-Ministro enquanto os senhores quiserem; os senhores é que estarão aí enquanto ele quiser! Foi esta subversão da articulação e da arquitectura do Estado que resultou desta maioria, da volúpia laranja e da forma como o Primeiro-Ministro vos comanda e dirige a todos. Mas que fique claro: ele dirige-vos, mas - desculparão - nesse comboio não vamos, nem de burro nem de Ferrari!

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, é que, depois de eu ter usado da palavra para defesa da honra o Sr. Deputado António Costa, que muito prezo, deu-me explicações. No entanto, continuo a dizer que esses não são os métodos a utilizar, pois não os utilizo e quando me sinto ofendido peço a palavra. Portanto, porque volto a sentir-me ofendido, considero que a aplicação do Regimento tem de ser cumprida na íntegra.
Assim, Sr. Deputado António Costa, quero dizer-lhe que é minha convicção profunda que o presidente do meu partido, enquanto tal, não tem de vir dar explicações a esta Câmara. Enquanto Primeiro-Ministro, tem de dar explicações a esta Câmara sob duas condições: quando ele entender que deve dá-las e quando esta Câmara entender que devem ser dadas pelo Primeiro-Ministro.
Sr. Deputado António Costa, a bancada do PSD não tem qualquer dúvida - e volto a reafirmá-lo - de que o Primeiro-Ministro estará em funções até ao final desta sessão legislativa.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Nós temos!

O Orador: - Mas se o Partido Socialista tem dúvidas, então, accione os mecanismos necessários, de entre os quais está a apresentação de uma moção de censura ao Governo. Portanto, o PS que ponha a moção de censura em cima da mesa, que assuma as suas responsabilidades e nós assumiremos as nossas. Sem procederem desta forma estarão a fazer malabarismo político, pura e simplesmente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Verifico que o Sr. Deputado António Costa também pretende fazer uma interpelação à Mesa

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com objectivo idêntico ao do Sr. Deputado Pedro Pinto. Assim, dou-lhe a palavra mas peco-lhe que seja o mais breve possível

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, é só para dizer que eu próprio também prezo muito o Sr. Deputado Pedro Pinto e não ponho em causa as suas convicções. No entanto, de uma coisa tenho a certeza: ele não é o Primeiro-Ministro e, enquanto não o for, e do Primeiro-Ministro que queremos ouvir as respostas e não do Sr. Deputado Pedro Pinto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação do primeiro ponto da ordem do dia para hoje: proposta de lei n.º 113/VI - Autoriza o Governo a alterar o Código do Registo Civil.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça.

A Sr.ª Secretária de Estado da Justiça {Eduarda Azevedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desenvolvimento e a modernidade da sociedade portuguesa «ao pressupõem apenas a preparação do País para a competição numa economia global, requerendo também a introdução de melhoramentos significativos no sentido da promoção de políticas de qualidade centradas no cidadão. Daí a atenção prestada à melhoria do enquadramento jurídico-administrativo da vida civil, desde logo traduzido no Direito Registrai Civil, em si mesmo reflexo do pulsar de uma sociedade.
Ora, tanto a evolução social como o progresso tecnológico, ocorridos desde 1978, data da entrada em vigor do actual Código do Registo Civil, aconselham a redefinição da função registrai civil em termos substanciais B, bem assim, modificações legislativas adequadas a um funcionamento das conservatórias do registo civil, emancipado face a práticas e comportamentos arcaicos. Tal definição e tais medidas, dada a amplitude que revestem, justificam & publicação de um novo Código do Registo Civil.
Em certas matérias a competência do Governo acha-se, porém, ultrapassada, razão por que se pede à Assembleia da República a necessária autorização legislativa.
Começando pela intervenção pretendida no âmbito do direito substantivo, considera-se que certas matérias, normalmente afectas aos tribunais, podem ser transferidas para a área da competência das conservatórias do registo civil.
Assim, constitui importante medida moratória a possibilidade de obtenção do divórcio ou da separação de pessoas e bens, de comum acordo, junto da conservatória do registo civil. Tal medida, criando uma alternativa aos tribunais, vem ajustar-se inteiramente, no modelo proposto, à preparação e vocação própria dos conservadores do registo civil. Para além dos demais requisitos de direito substantivo indispensáveis, e que se mantêm inalterados, prevê-se a possibilidade de instrução e concluirão destes processos também na conservatória, desde que b casal requerente não tenha filhos menores ou, lendo-os, o respectivo exercício do poder paternal se mostre já judicialmente regulado, garantindo-se, deste modo, que a ponderação de tal matéria, dados os interesses que visa proteger, se mantenha na exclusiva competência dos tribunais.
Esta importante inovação permitirá como que fechar o círculo de competências do conservador do registo civil no domínio da sua intervenção na vida jurídico-civil dos cidadãos. De facto, e prevenindo-se necessariamente o carácter não contencioso do processo (sublinho que o mútuo acordo é pressuposto), atribui-se ao conservador a possibilidade de pôr termo à sociedade conjugal tantas vezes por ele mesmo constituída.
Por outro lado, a cuidada preparação técnico-jurídica hoje reconhecida aos conservadores do registo civil é garantia suficiente de certeza na aplicação do direito, designadamente em relação a processos que se inscrevem nos domínios do Direito de Família e para o tratamento dos quais se encontram especialmente vocacionados.
Daí que, justamente, se proponha a intervenção do conservador no processo de dispensa de impedimentos e no de suprimento de autorização para casamento de menores, não como simples instrutor mas antes como responsável pela respectiva decisão final.
Também importante medida moratória no âmbito da competência das conservatórias do registo civil é a atribuição ao conservador do poder de declarar, nos processos para afastamento da presunção da paternidade, a eventual cessação desta presunção, a pedido da mulher casada que tenha declarado o nascimento de um filho com a indicação de que o mesmo não é do marido. Tal declaração, cometida aos tribunais, tem vindo a ser proferida em condições de apenas constituir o resumo e o desfecho de processos cuja instrução, apreciação da prova produzida, informação sobre esta e sobre a matéria de direito aplicável, cabem inteiramente ao conservador do registo civil.
Não só a prática tem demonstrado que, em regra, estes processos não são objecto de contestação do pedido da mãe, em geral declarado procedente, sem necessidade de dirimir qualquer conflito, como também as questões sobre filiação constituem matéria da especial vocação e domínio técnico por parte dos conservadores do registo civil.
É esta competência que se impõe, pois, alargar aos casos antes referidos, sempre com a possibilidade de recurso da decisão do conservador para os tribunais e com a certeza de que nem a decisão proferida pelo conservador nem a decisão do tribunal são impeditivas de que a filiação estabelecida ou afastada se impugne ou investigue, consoante os casos, em processo judicial próprio.
Por fim, constata-se que em matéria de regime de bens e sobre o alcance da convenção antenupcial que os nubentes queiram, eventualmente, celebrar e que deve, depois de celebrada, ser junta ao processo de casamento, é ao conservador do registo civil que cabe, no exercício da sua função de assessoria, elucidar os interessados.
É indubitável, também, que o conservador do registo civil possui preparação jurídica e técnica adequada, o que lhe permite dar forma legal ao regime de bens escolhido convencionalmente pelos nubentes, tal como é ele, aliás, que, nos casos de regime supletivo e nos de regime imperativo, lhes dá, registralmente, o devido tratamento legal.
Assim, a consagração da possibilidade de as convenções antenupciais poderem ser celebradas perante o conservador do registo civil, por meio de auto, além de oferecer aos nubentes iguais garantias de segurança jurídica, contribui para uma maior comodidade e celeridade que, em geral, os nubentes reclamam em matéria de processos de casamento.
Fora das inovações de direito substantivo, confere-se ainda celeridade na tramitação dos processos, atribuindo-

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se também ao conservador do registo civil competência para iniciar, oficiosamente, mediante auto de notícia, as acções de registo, logo que tenha conhecimento dos factos que a elas dão lugar, sem prejuízo da possibilidade sempre reservada aos interessados e ao Ministério Público de o fazerem.
Uma vez que a grande maioria dos factos que originam os processos de justificação judicial é constatada nos serviços do registo civil, conceder-se aos conservadores a possibilidade de promoverem o respectivo início assegura, sem qualquer dúvida, quer um notável aligeiramento dos serviços do Ministério Público nos tribunais, quer, ainda, manifesto encurtamento no tempo médio deste tipo de acções, sem prejuízo da tutela judicial garantida pela intervenção obrigatória do Ministério Público e ulterior decisão final pelo juiz competente.
Do ponto de vista da intervenção em matéria penal, cumpre tipificar como ilícitos criminais determinadas condutas praticadas por testemunhas, cônjuges e declarantes, em certas condições, pelos ministros da Igreja e pelos funcionários do registo civil, em violação de algumas disposições do Código do Registo Civil.
As tipificações penais ora previstas correspondem, aliás, às já existentes no Código anterior, não se justificando a sua alteração, tendo em conta a relevância dos interesses em causa e a respectiva dignidade penal.
Assim, e porque da própria validade do casamento se trata, prevê-se como crime de desobediência a não comparência, na conservatória do registo civil, das testemunhas que devam assinar o assento provisório de casamento civil urgente, caso tenham sido, para tanto, e sob aquela cominação, notificadas. Do mesmo modo, e incorrendo em idêntico crime, se prevê a não comparência, no mesmo local, dos cônjuges que devam prestar esclarecimentos em sede de processo de publicações, no caso de casamento católico urgente.
Garantindo-se a liberdade de celebração do casamento, pune-se, ainda, pelo crime de falsas declarações, o declarante de impedimento de casamento sem fundamento, com a deliberada intenção de obstar à realização do mesmo.
No que respeita aos párocos, tal tipificação fica a dever-se à imposição estabelecida no artigo XXII da Concordata celebrada entre a Santa Sé e o Estado Português e que, nesta parte, mantém actualidade. Por razões de imperiosa coerência, entende-se, como no passado, que deve estabelecer-se idêntico regime para os funcionários do registo civil.
Prevê-se que a cominação para as infracções em causa, atenta a remissão do artigo XXII da Concordata para as «penas de desobediência qualificada», seja a contemplada no Código Penal.
Em matéria de punição de outras infracções ao Código do Registo Civil, entende-se, ainda, considerar como ilícito de mera ordenação social, punível com coima de 1000$ a 5000$, a omissão de declaração, perante o conservador do registo civil, do nascimento ou do óbito de qualquer indivíduo, dentro do prazo legal, e conferir ao mesmo conservador competência para conhecer do ilícito e aplicar a respectiva coima.
Tendo em conta o princípio de subsidiariedade do direito criminal que, em última análise, se destina a punir as ofensas intoleráveis aos valores ou interesses fundamentais à convivência humana, afigura-se da maior actualidade submeter a este regime as infracções supra mencionadas.
Como última medida, mas ainda assim da maior importância, importa intervir, no âmbito da presente reforma, em matéria de imposto do selo.
Na verdade, cumpre alargar a orientação que o Governo tem vindo a seguir no sentido de isentar de emolumentos uma grande variedade de actos do registo civil, em atenção à importância social e ao interesse público dos mesmos. Daí que, em obediência a esta lógica, devam considerar-se isentos de imposto do selo todos os actos e processos de registo civil.
E, no tocante às convenções antenupciais, para uniformizar o regime fiscal de um acto que passa a poder ser lavrado tanto nas conservatórias do registo civil como nos cartórios notariais, revoga-se ainda o artigo 64.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, isentando do pagamento do respectivo imposto as convenções antenupciais celebradas por auto ou por escritura pública desde que, neste caso, apenas estipulem o regime de bens.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, em relação a esta proposta de lei de autorização legislativa, diria que é cheia de boa intenções mas com alguns precalços.
Assim, para começar, pergunto a V. Ex.ª se não acha demais atribuir poderes jurisdicionais aos conservadores do registo civil. Efectivamente, há vários processos que são instruídos nas conservatórias do registo civil, mas em que, manifestamente, pode haver interesses contrapostos igualmente legítimos. Refiro-me, por exemplo, ao suprimento da autorização paternal para o casamento, que é um processo sensível, complexo, que tem a ver, naturalmente, com os direitos do menor, mas também com os direitos dos pais. Ora, o Governo, pura e simplesmente, remete esse processo para uma entidade administrativa, esquecendo-se, ao que parece, que o poder jurisdicional, secundo a Constituição da República, compete aos juizes. É por esta e outras questões - porque o problema não se põe apenas neste caso, mas também noutros - que eu queria perguntar a V. Ex.ª se não pensaram na constitucionalidade destas propostas, pois, pela minha parte, estou preocupado com elas.
Sr.ª Secretária de Estado, passo agora a uma outra questão que é a de saber desde quando é que os conservadores do registo civil são assessores jurídicos dos impetrantes de registo. Refiro-me, em especial, à proposta que aqui é feita, que, em geral, merece encómios, pois, como já temos dito várias vezes - e pena é que o Governo não se tenha convencido disto, há mais tempo, em relação a outras matérias-, estar a fazer escrituras, convenções, nos notários e, depois, ter de ir registá-las, é uma perda de tempo, uma fonte de despesas, etc.
No entanto, do nosso ponto de vista, este aspecto vale, apenas e tão-só, para os casos de convenções antenupciais que se refiram apenas aos tipos previstos na lei. Pelo contrário, já não poríamos, tão facilmente como VV. Ex.ªs o fazem, o conservador do registo civil a aconselhar as partes a celebrarem convenções das mais variadas que é possível fazerem, visto que isso é baralhar totalmente o nosso sistema de assessoramento jurídico que, em Portugal, que eu saiba, ainda é feito pelos notários e pelos advogados. A partir de agora, passamos a ter uma nova figura, a do conservador do registo civil, a aconselhar as partes a fazerem convenções antenupciais que, como V. Ex.ª sabe, podem ser altamente complexas e têm a ver com fundamentais direitos patrimoniais das partes. Portanto, estas são as duas questões iniciais que queria colocar-lhe.

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Já agora, Sr.ª Secretária de Estado, V. Ex.ª veio fazer a apresentação deste novo Código do Registo Civil, mas eu esperava da sua parte uma palavra de esperança ou de optimismo, dizendo que os registos passariam a ser mais rápidos - aliás, atrás de mim, estava sentado um colega que, enquanto a ouvia, dizia que estava à espera de ver, se V. Ex.ª vinha prometer isso. É que V. Ex.ª certamente sabe que as transcrições de registos efectuados no estrangeiro estão a sofrer demoras de um ano - tenho comigo provas disto - e, às vezes, até são necessários trinta e tal Meses, como é o caso de casamentos ou óbitos ocorridos no estrangeiro, bem como de filiações de casais residentes no estrangeiro e que regressam a Portugal, cujos registos chegam a demorar 33 meses, Sr.ª Secretária de Estado!
Portanto, gostaria de perguntar a V. Ex.ª se não tem novidades para nos dar a este respeito em vez de vir apenas apresentar-nos um novo Código do Registo Civil. Ou seja, gostaria que, neste início de ano novo, viesse prometer-nos que os registos iriam demorar menos a ser feitos, coisa que, aliás, V. Ex." e o Sr. Ministro já têm prometido várias vezes, mas que, na prática, ainda não vimos ser executada.
De momento, são estas questões que tenho para colocar-lhe mas, certamente, no decorrer do debate, teremos ocasião de aprofundá-las.

O Sr. Presidente: - Ainda há mais uma inscrição para pedir esclarecimentos. Como sou informado de que a Sr.ª Secretária de Estado responderá no fim, dou a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró para o efeito.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, todas as nossas intervenções de hoje têm começado por desejar um bom ano, portanto, também o faço, desejando a V. Ex.ª e ao seu Ministério, a todos os funcionários e ao Sr. Ministro, um bom ano.
Sr.ª Secretária de Estado, fico um pouco perplexo com a conceptualização que está na base deste privilégio ou competência que agora é dada ao conservador do registo civil para «decretar a separação», como diz o articulado da exposição de motivos. Efectivamente, o conservador o mais que faz é conservar os registos, ou seja, ele não decreta nada - quem decreta é, como já o disse o meu colega José Vera Jardim, uma autoridade jurisdicional; aliás, .3 própria palavra «decreta» mostra que há aí qualquer coisa que soa a falso, porque o conservador não pode decretar nada, assim como o notário não pode decretar nada: o conservador conserva, o notário «notariza», ou seja, passa a registo aquilo que é a vontade das partes.
Em segundo lugar, a separação ou o divórcio têm a mesmíssima natureza jurídica, quer tenha filhos menores ou não. Ou seja, a natureza jurídica do acto de separação de pessoas e bens ou do acto de divórcio não se modifica consoante tenha ou não tenha filhos. E, ao fazer agora esta distinção de dar ao conservador os poderes de «decretar», eu diria antes registar a vontade das partes quando não haja filhos e remeter obrigatoriamente o mesmo caso, quando haja filhos menores, para o poder jurisdicional, mostra que, neste caso, há dois conceitos que lhe estão na base. Gostaria que isto ficasse em acta porque dá a impressão de que, não tendo filhos, é tudo simples, é tudo administrativo, basta a vontade - as pessoas saem da boite e vão às 10 horas da manhã separar-se e pronto, acabou-se! Mas, havendo filhos, não se acaba assim porque ainda têm de aturar o juíz, etc.!
Acaba-se, também, com uma das formalidades que, embora estivesse um pouco em desuso havia ainda juizes que a utilizavam, era a tentativa de conciliação das partes antes da decisão, chamando a atenção (isto é importante, pelo menos para os católicos, para quem está imbuído do espírito da família) de que só em último caso é que se deve romper. Penso que uma tentativa de conciliação é sempre um acto importante para chamar a atenção de que o divórcio não pode ser a mesma coisa que desfazer um contrato qualquer, embora o casamento seja um contrato civil, um contrato institucional. Mas deixo isso de lado, pois V. Ex.ª pode dizer que estamos numa sociedade laica, numa sociedade que não é dominada por esses princípios e que isso não tem nada a ver com o nosso Código Civil. Admito perfeitamente que me dê esta resposta, mas não queria que esta matéria passasse em aberto.
Por isso, apenas pergunto: qual é o conceito que está na base desta diferenciação entre o mero registo quando não há filhos e a remissa para o poder jurisdicional quando há filhos menores?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça.

A Sr.ª Secretária de Estado da Justiça: - Srs. Deputados, sob pena de não responder pela sequência em que me foram colocadas as questões, permitia-me esclarecer dois ou três pontos que foram suscitados pelos dois Srs. Deputados e que, em meu entender, resultam de uma leitura apressada da proposta de lei.
Começando pela observação do Sr. Deputado Narana Coissoró, a circunstância de achar que há aqui uma distinção entre casamento dissolvido na conservatória, havendo filhos e não havendo filhos, devo dizer a V. Ex.ª que aquilo que ficou consagrado, em termos de proposta - acho que é muito linear e está muito explícito, só não vê, passe a expressão, quem não quer ver, uma vez que V. Ex.ª lê, certamente, com muita facilidade -, é o seguinte: antes de mais, a questão é exactamente a de que é alternativa, não é um regime obrigatório; e, depois, não é uma questão de se dizer que sem filhos é menos importante e com filhos é mais importante. O que está em causa é que, mesmo havendo filhos menores, desde que a regulação do poder paternal tenha ocorrido na sua sede própria para assegurar os direitos e os interesses dos ditos menores, porque aí é que pode haver conflito, os pais, os cônjuges, podem perfeitamente solicitar o divórcio na conservatória. Sublinho não só este aspecto, como também o facto - e eu disse-o e vem na exposição de motivos e no próprio articulado - de que os requisitos substanciais que a lei do Código Civil exige para o divórcio, seja ele nos tribunais, seja nas conservatórias, são exactamente os mesmos e mantêm-se inalterados.
Portanto, para V. Ex.ª o problema surge, como tal, de, eventualmente, não haver uma tentativa de conciliação. Devo dizer-lhe que as duas conferências se mantêm e que o conservador as fará, ou não, tal como o juiz. Como sabemos, hoje, este pode fazê-lo, ou não, fazer disso um pró forma ou uma tentativa efectivamente convicta, activa e deliberada de conciliação; o conservador pode, e deve, também fazê-lo.
Assim, não há aqui qualquer enviesamento, não há aqui qualquer diminuição de garantia, não há aqui qualquer fuga ao espírito que inspirou o nosso legislador do Código Civil, está exactamente nos mesmos moldes.
E agora, juntando a questão colocada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró com a do Sr. Deputado José Vera Jardim, de uma certa reacção, sobre o porquê da atribui-

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cão destes poderes aos conservadores. Os conservadores do registo civil - e posso falar sem qualquer corporativismo, pois não o sou, sequer - não são meros registadores. Eles são técnicos de direito e, ao longo do tempo, temo-nos preocupado em dar, não só a estes conservadores, mas agora são eles que estão em causa, a todos os conservadores em geral e aos notários também - mas, repito, são os conservadores do registo civil que estão em causa agora -, formação técnica cada vez mais apurada. Aliás, em termos internacionais, os nossos têm uma fama que nem todos têm, mesmo noutros países onde existem conservadores do registo civil, e não são muitos. Temos tradições que se têm mantido e a formação está cada vez mais rigorosa, e eles absorvem-na e fazem jus a essa formação.
Por isso, dar-lhes este acréscimo de poderes, só por si, não é nada de conflituante com a sua imagem, com o seu papel e com a sua função.
Concretamente, o Sr. Deputado José Vera Jardim colocou o problema, em termos específicos, do suprimento da autorização. Recordo ao Sr. Deputado - enfim, creio que o sabe tão bem como eu - que, já hoje, esses processos de suprimento, desde a instrução, à apreciação da prova, à audição das testemunhas, todos eles correm esta tramitação nas conservatórias. E depois vão ao juiz para quê? Obviamente para a decisão final! E aqui, sem desprimor pelo poder jurisdicional e, muito menos, pelas pessoas dos juizes, eles, juizes, fazem fé naquilo que vem de trás, em termos de instrução, que vem do conservador. Sabemos isso da nossa experiência profissional, também sabe V. Ex.ª e far-me-á também justiça se eu disser que sei o mesmo, porquanto também fizemos ambos advocacia, embora neste momento não o faça.
O que pretendemos fazer agora é, tão simplesmente, conceder aos conservadores o poder de quem leva o processo até à fase final, de quem toma a decisão final.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Ah, pois!

A Oradora: - Sr. Deputado, vejo que se mantém uma certa incredibilidade da sua parte relativamente às vantagens. Posso dizer-lhe que não é apenas uma mera celeridade ou desburocratização que está em causa aqui, não obstante serem dois grandes chavões da nossa actuação em áreas que são, tradicionalmente, consideradas burocratizantes...

O Sr José Vera Jardim (PS): - Chavões! Disse bem!

A Oradora: - São chavões, porque já não correspondem à realidade, Sr. Deputado. O problema é que continuamos a ver a realidade como ela era há uns anos atrás e não queremos, deliberadamente, acompanhar a mudança.
Mas dizia eu que, da decisão dos conservadores do registo civil, caberá sempre - nem outra coisa seria de esperar, naturalmente - interposição de recurso para o juiz da comarca. Como vê, o problema está sempre salvaguardado.
Por outro lado, dado que também falámos, ainda agora, da desburocratização e V. Ex.ª mencionou o problema dos atrasos - longe de mim dizer que não é realidade o que apontou em termos de transcrição dos registos feitos no estrangeiro, isso está fora de questão - aproveito para aqui, passe a expressão e uma certa ousadia, lhe lançar o desafio de me dizer qual é a conservatória do registo civil em Portugal, continente e regiões autónomas, que está atrasada. Não consegue arranjar uma única!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Os registos centrais! Tudo!

A Oradora: - Sr. Deputado, não estamos a falar agora - e porque estas medidas têm a ver com continente e regiões autónomas - dos registos centrais, que têm a ver com a transcrição dos registos operados no estrangeiro, numa situação difícil. Isso está fora de questão, sou a primeira a reconhecê-lo, mas esse problema está a ser resolvido aos poucos. Sr. Deputado, posso dizer-lhe - certamente não enjeitará esta minha afirmação e não a porá em causa - que, quando recebemos cerca de três ou quatro mil processos, por dia, é muito difícil ter os serviços em ordem! Não é justificação, mas é explicativo, o que é uma coisa diferente!
Por outro lado, em relação às convenções ante-nupciais, permito-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que não leu, de todo, a exposição de motivos nem o articulado da proposta de lei que apresentamos! E digo isto por uma razão muito simples: as únicas convenções que passam a poder ser celebradas por auto, nas conservatórias, são aquelas que apenas estipulam, exclusivamente, o regime de bens! Ora, já hoje, os conservadores do registo civil, no caso dos regimes imperativos, têm já poder para o fazer. Assim, se os nubentes quiserem estipular algo mais, a par da estipulação de bens do casamento, aí, obrigatoriamente, têm de fazer a escritura pública.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Não é isso o que lá está! V. Ex.ª é que não leu! Mas já lá iremos!

A Oradora: - Se me der dois minutos, eu encontro-lhe, na exposição de motivos, porque o diploma é um todo, a justificação...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Alínea c) do artigo 2.º! Leia o que lá está!

A Oradora: - Ora bem, permito-me remeter para a página 3 da proposta, onde se diz: «a consagração da possibilidade de as convenções ante-nupciais poderem ser celebradas perante o conservador do Registo Civil, por meio de auto,» oferece «iguais garantias de segurança jurídica em relação a actos que não são caracterizadamente notariais, contribui para a comodidade e celeridade». Temos, um pouco antes, a afirmação de que o conservador possui a preparação para o efeito - já hoje o faz. E, mais atrás, diz-se que a eles cabe, na «sua função de assessoria, elucidar os nubentes sobre a matéria de regime de bens e sobre o alcance da convenção ante-nupcial», exclusivamente, não se diz mais, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr.ª Secretária de Estado, permite-me que a interrompa?

A Oradora: - Já terminei, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Nesse caso, Sr. Presidente, permite-me que coloque ainda uma questão à Sr.ª Secretária de Estado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se a Sr.ª Secretária de Estado estiver de acordo, dou direito a V. Ex.ª de interromper o que já não está em curso. Dado que a Sr.ª Secretária de Estado não se opõe, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, diz o artigo 1698.º do Código Civil: «Os esposos podem fixar livremente em convenção

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ante-nupcial o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste Código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver dentro dos limites da lei».
V. Ex.ª não tem aí o Código de Processo Civil, mas eu levo-lho já, para o relembrar. Aliás, V. Ex.ª disse, várias vezes, que eu não tinha lido a proposta de lei que. o Governo apresenta, e essa - desculpar-me-á! - é uma coisa que lhe levo a mal, porque ler com atenção, li; posso é não ter percebido por insuficiência intelectual! Contudo, ler com atenção, posso garantir a V. Ex.ª que o fiz!
Ou seja, os esposos, o que é que podem fazer;? Quando não haja um regime imperativo, das duas, uma: ou não fazem nada, e têm o regime supletivo, ou escolhem um dos outros regimes que estão previstos na lei, ou fazem uma convenção que não tem nada a ver com isso, que é uma, mistura de vários, etc. V. Ex.ª concorda com isto, certamente!
Ora, o que critico - e continuo a criticar - não é o que diz respeito ao regime supletivo. No que diz respeito a este regime, já não é preciso nada, porque, hoje, na falta de declaração, o conservador regista-o.
Que os esposos possam escolher um dos regimes que vem na lei, claramente definido e regulado, nada temos contra, mas que possam pedir ao conservador - que é isso que vem aqui, Sr.ª Secretária de Estado - assessoria para fazer uma convenção...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, lembro-o de que está a usar tempo regimental do Governo.

O Orador: - Sr. Presidente, uma vez que tenho tempo suficiente, se V. Ex.ª me permitir, passaria a usá-lo agora, porque, às vezes, aproveita-se mais no debate do que propriamente na intervenção.

O Sr. Presidente: - Estou de acordo, Sr. Deputado. O debate fica, aliás, mais dinâmico.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Portanto, dizia eu que estou inteiramente de acordo, se os esposos dizem que querem o regime da comunhão geral de bens, que o façam por auto; mas já não estou de acordo com o que V. Ex.ª refere, ou seja, se eles dizem que não querem nada disto mas, sim, uma convenção, que o conservador preste assessoria para fazer uma convenção que nada tem a ver com os regimes tipificados na lei. É isso que vem aqui na proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça.

A Sr.ª Secretária de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, de facto, sou capaz de relevar a afirmação que fiz de que o Sr. Deputado não leu bem. Agora, o que não relevaria era a seguinte afirmação: a assessoria de que estamos a falar é a dos registos e do notariado, a qual é, tão simplesmente, o conselho sobre o que significa comunhão geral, separação geral e comunhão de adquiridos. Isto é que é a assessoria! Não há aqui substituição de ninguém! A assessoria é o conselho no sentida do esclarecimento técnico, que o técnico de Direito, neste caso, o conservador, dá aos nubentes.
Qualquer pessoa que lide com os registos e notariado sabe o que é a assessoria. E nós sabemos que o que está aqui em causa é, tão simplesmente, o estabelecimento do regime de bens no casamento. Podemos clarificar melhor e se chegarmos ao entendimento de que é, efectivamente, isto que todos pensamos, então, podemos consubstanciá-lo no papel de forma mais clara. Isso está fora de questão! Mas, repito, a assessoria é, tecnicamente falando, o esclarecimento jurídico. É só isso!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao centralizar a atenção sobre as principais propostas do presente pedido de autorização legislativa, interrogámo-nos sobre o fio condutor das mesmas.
Estaremos perante soluções com um fundamento teórico dotado de solidez e harmonia ou, não obstante a bondade de algumas, trata-se, bem lá no fundo, de uma saída, finalmente encontrada num labirinto que, apesar disso, continua a permanecer?
É claro que não estou a referir-me às novas competências propostas para os conservadores em matéria de dispensa de impedimentos, de celebração de convenções antenupciais - e, nesse aspecto, tenho o mesmo entendimento que a Sr.ª Secretária de Estado aqui referiu -, de acções de registo, de aplicação de coimas A tais soluções não temos, em princípio, nada a opor.
Relativamente à tipificação de crimes de desobediência qualificada, lamentamos que, tendo o Governo apresentado à Assembleia da República, muito recentemente, um pedido de autorização legislativa para alterar o Código Penal, não tenha aproveitado essa oportunidade para aí inserir os novos tipos de crimes que agora propõe, evitando-se, desse modo, mais uma forma avulsa de legislar em matéria penal.
Não era, no entanto, a estas matérias que, de início, nos referíamos.
Com efeito, o que se destaca neste pedido de autorização legislativa é a atribuição de competências aos conservadores do registo civil para decretarem, em certos casos, a dissolução do casamento por mútuo consentimento e para decidirem que um filho de mãe casada não tem como progenitor o marido desta.
O que leva o Governo a fazer estas propostas, diga-se claramente, é a morosidade da justiça, o tal labirinto que continua a existir como uma verdade insofismável, que nenhum dogma, por melhor roupagem que ostente, consegue escamotear.
É o próprio preâmbulo da proposta que, contrariando as afirmações do Sr. Ministro da Justiça, confessa que a verdadeira razão de ser daquelas duas competências atribuídas aos conservadores reside na necessidade de «aligeiramento do trabalho dos tribunais».
Não há, assim, um fundamento técnico-teórico sólido nas duas soluções propostas. Antes conflituam uma com a outra.
Enquanto nos divórcios por mútuo acordo se salvaguarda o interesse dos menores, só tornando possível o divórcio na conservatória quando não haja filhos menores ou quando já exista regulação (judicial, obviamente) do poder paternal, nas acções em que se trata de determinar a filiação paterna de um menor, ou melhor, de afastar uma filiação para possibilitar outra, essa decisão é retirada aos tribunais.
Entendemos que é correcto ser o tribunal a decretar o divórcio por mútuo consentimento quando haja que proceder à regulação do exercício do poder paternal no próprio processo de divórcio. É que ainda que os cônjuges este-

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jam de acordo, pode tratar-se de uma solução que não sirva os interesses do menor. Um dos cônjuges pode ter claudicado no acordo face ao seu interesse urgente de obter o divórcio.
Nestes casos, não estão apenas em causa os interesses dos cônjuges, existem os interesses dos menores que podem estar em conflito com os interesses dos progenitores. Sem margem para dúvidas, trata-se, neste caso, de hipóteses de interesses conflituantes, não se oferecendo dúvidas de que só através do exercício da função jurisdicional, a cargo dos tribunais, se pode obter a dissolução do casamento.
O que não entendemos na proposta, ou melhor, aquilo que nos parece incoerente é que nos outros casos (da não existência de filhos menores ou existência de sentença de regulação do exercício de poder paternal) se fixe a competência para a dissolução do casamento a duas entidades, em paralelo: ao conservador do registo civil e ao tribunal.
Das duas, uma: ou o Governo, receoso, não quis assumir em lei de processo as consequências da definição de casamento que nos é dada pelo artigo 1577.º do Código Civil, ou se trata de repartir o mal pelas aldeias.
Nos locais em que os tribunais estejam em bancarrota, ou quase, as pessoas recorrem à conservatória. Na situação inversa, as pessoas recorrem ao tribunal.
O artigo 1577.º do Código Civil define o casamento como um contrato. É um contrato com tendência perpétua, mas a que se pode pôr termo nos casos estabelecidos na lei, em nome da verdade nas relações familiares e da afectividade, que é a verdadeira característica de uma família.
Da natureza contratual do casamento, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, no seu Código Civil Anotado, conclui-se que são os nubentes que entre si celebram o casamento, e não o conservador, funcionando este, no caso do casamento civil, como uma testemunha idónea que subscreve o Assento (sendo relevante que actualmente se dispense a assinatura de testemunhas no Assento).
A natureza da celebração do casamento como um acto em que são apenas dois os outorgantes, vem, aliás, de tempos muito idos, aflorada em eternas obras literárias. Os judeus casamenteiros, a alcoviteira Inês Pereira, mais não representam do que as testemunhas que asseveram que entre os nubentes se trocaram «palavras de presente» Isto é, mais não asseveram de que se outorgou um contrato.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, o próprio sacramento do casamento não é ministrado por terceira pessoa, é ministrado pelos próprios nubentes entre si, que, por via da sua fé, quiseram recorrer a uma testemunha oficiante da sua comunidade religiosa.
Sendo, portanto, o casamento um acto de natureza contratual, celebrado entre os nubentes perante o conservador, ou a este assegurado como realizado perante a testemunha-oficiante, é lógico que seja dissolvido perante o conservador, quando aqueles que por acordo o celebraram, por acordo lhe queiram pôr fim.
Nesta lógica, não se compreende, de facto, a competência paralela da conservatória e do tribunal.
Julgamos, portanto, que esta proposta se situa aquém da solução teoricamente correcta.
Afirmamos o contrário relativamente às acções de afastamento da presunção de paternidade. Aí, parece-nos que a solução vai para além do que constitucionalmente se permite. Ao decidir-se que determinado menor não é filho do marido da mãe (decisão que se situa no âmbito de direitos indisponíveis) dignem-se um conflito de interesses, conflito que envolve os interesses do próprio menor.
Trata-se aqui, como no exemplo citado pelo Sr. Deputado José Vera Jardim, de uma função jurisdicional que, por isso, só os tribunais podem exercer nos termos do artigo 205.º da Constituição da República.
A solução hoje em vigor já constitui um entorse ao exercício da função jurisdicional, porque deve ser o julgador a ouvir as testemunhas. E não se trata aqui de qualquer desconfiança relativamente à competência técnico-jurídica dos conservadores, que procedem hoje - em nosso entender, mal! - à inquirição das testemunhas para enviar o processo à decisão do juiz. Em parêntesis, diga-se que esta solução em vigor também já foi uma solução de recurso para aligeirar os tribunais.
Não se trata aqui, dizia eu, de qualquer desconfiança.
Trata-se, o que é muito diferente, de ler depoimentos escritos ou ouvir de viva voz os testemunhos prestados. Ouvi-los de viva voz ou através de uma gravação.
Anunciando-se, como se anuncia, a gravação dos depoimentos prestados em tribunal para que haja um verdadeiro julgamento da matéria de facto em segunda instância (o que não acontecerá nas conservatórias do registo civil), os que recorrem até ao Supremo Tribunal de Justiça das decisões do conservador relativamente à filiação, estabelecida ou afastada, ficam em situação de desigualdade relativamente aos recursos de acções instruídas e julgadas pelos tribunais. E estas não são acções de menor importância! São até mais exigentes. Porque não se permitindo nelas a prova por exames laboratoriais destinados a provar a filiação biológica, fácil é que possam existir possíveis conflitos futuros «ainda que não muitos», segundo o preâmbulo da proposta.
Não interessa, contudo, a quantidade, sobretudo, em matéria de filiação e do seu registo, que deve assegurar a veracidade do mesmo constante.
É que não é difícil - e tem acontecido - prefigurar um acordo entre três, para que um (o verdadeiro pai) não conteste e para que o outro (que deseja ter um filho) o venha a perfilhar.
O ónus poderá recair, no futuro, sobre o perfilhado que, descobrindo ter sido vítima de uma fraude, que o aligeiramento da lei tornou mais fácil, suportará as consequências da mesma.
Face a todas estas questões bem complexas, como complexas são as questões suscitadas pelo Direito de Família, não poderá o Grupo Parlamentar do PCP dar o seu voto favorável ao pedido de autorização legislativa.
O Governo deve assegurar a celeridade da justiça e não tomar caminhos enviezados que contendem com direitos indisponíveis, nomeadamente quando se tratar de direitos de menores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como já tive ocasião de referir, este pedido de autorização legislativa tem uma boa intenção geral: uma boa intenção de simplificação de processos, abaixamento de custos, de um maior e mais rápido acesso dos cidadãos à resolução dos seus problemas, portanto, mais celeridade.
Tudo aquilo que, afinal, o PS tem reclamado como fundamental na área da justiça, sem êxito visível até agora, antes pelo contrário, com a posição quase sistematicamente bloqueadora do Ministério e da maioria.
A matéria do registo civil é daquelas que exige mais simplicidade, celeridade, menos onerosidade, sem prejuízo

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naturalmente da análise cuidada de situações concretas em matéria tão sensível como esta, que condiciona, em boa parte, a capacidade civil e os direitos pessoais e patrimoniais que balizam a vida privada das pessoas.
A situação não é, nesta matéria, brilhante. Já referi que, sobretudo, no que se refere às transcrições de actos celebrados no estrangeiro, elas estão com demoras de anos - não é de meses - na Conservatória dos Registos Centrais. Nunca, que eu me recorde, houve atrasos nas conservatórias do registo civil. Nunca! De há muitos anos!
Não pode, pois, o Governo, nesta matéria, reivindicar para si qualquer actuação no sentido da celeridade. Não foi nas conservatórias do registo civil que se verificaram problemas, foi noutros campos, designadamente de registo comercial e de registo predial. Mas o que se passa na Conservatória dos Registos Centrais é, pura e simplesmente, escandaloso, atentório dos direitos dos cidadãos.
Vamos, agora, às reformas. Como já disse, é uma reforma bem intencionada, mas, tecnicamente, levanta alguns problemas, que não temos as respectivas soluções como líquidas.
Comecemos por aquelas que não nos levantam problemas. Ou porque já se encontram reveladas no Código e não têm trazido com elas problemas especiais, ou porque se referem a medidas que só pecam por tardias - e refiro-me em especial à abolição do imposto de selo em vários actos de registo civil, que era, e continua a ser, em vários campos, uma matéria de um arcaísmo que «brada aos céus». Obviamente que, em matéria de registo civil, ainda mais, visto que ele é obrigatório, não é um direito dos cidadãos, é um dever, e o Estado permite-se cobrar imposto de selo por aquilo que é um dever imposto, que vem, digamos, da Revolução Francesa e do século XIX, com a extensão do registo civil nos sistemas mais variados às sociedades democráticas civilizadas.
Portanto, não nos parece que estas matérias das sanções e do imposto coloquem problemas especiais, antes pelo contrário. Damos, pois, o nosso apoio à substituição em alguns casos, da sanção da multa, aliás, já hoje ridícula, porque de 200$ ou 330$, pelo sistema da coima, que é no nosso sistema geral sancionatório o mais adequado a estes casos.
No que diz respeito ao imposto de selo, já a ele me referi, não vale a pena insistir. Repito, só peca por tardio e bom seria que o Governo, em vez de andar a passo de tartaruga nesta matéria do imposto de selo, afastasse, de uma vez só, um imposto de um arcaísmo tal, sobretudo em actos obrigatórios, como os que já referi.
São as primeiras cinco alíneas da lei que trazem novidades mais substanciais ao regime em vigor, implicando alterações de direito substantivo e processual relevantes e que colocam algumas perplexidades e interrogações.
O primeiro bloco de alterações diz respeito à substituição do juiz pelo conservador no julgamento de questões de direito matrimonial ou de filiação no decorrer de um processo de registo civil. Trata-se da concessão da dispensa de impedimentos (artigo 1609.º do Código Civil), do suprimento da autorização para o casamento de menores (artigo 1612.º do Código Civil) e da declaração de inexistência de posse de estado para efeitos de afastamento da presunção de paternidade (artigo 1832.º do Código Civil).
Estes são, até agora, como a Sr.ª Secretária de Estado referiu, processos organizados nas conservatórias mas decididos por um juíz e passam a partir de agora a ser organizados e decididos pelo conservador. Temos dúvidas sobre tal solução, pois trata-se de matérias altamente sensíveis da vida pessoal e patrimonial dos cidadãos. Mas, mais do que isso, trata-se de questões em que existem interesses conflituantes a exigir uma decisão super partes que tenha em conta uma cuidada ponderação das posições em conflito e uma interpretação da lei em situações de extremo melindre e de consequências decisivas para a vida pessoal dos interessados. Trata-se, em suma, de algo que compete à esfera jurisdicional e a sua transposição pura a simples para uma decisão administrativa levanta problemas sérios de constitucionalidade.
Como atribuir a um conservador do registo civil competência para julgar da existência de - e transcrevo do Código Civil - «motivos senos que justifiquem a celebração do casamento no caso de existência de impedimentos susceptíveis de dispensa»? Como atribuir a um conservador do registo civil a possibilidade de suprir a autorização para casamento de menores apreciando a existência de - e cito novamente o Código Civil - «razões ponderosas e a suficiente maturidade física e psíquica do menor»?
Estamos aqui perante matérias que relevam claramente do exercício do poder jurisdicional e não de decisões administrativas. Trata-se de zona de conflitualidade de interesses a exigir, a nosso ver, a intervenção do juíz. A intenção de aliviar os tribunais, que agora constitui uma bandeira para não lhe chamar um chavão como fez há pouco a Sr.ª Secretária de Estado, de tudo o que possa contribuir para uma justiça mais célere não justifica tudo. E não se venha dizer que a instrução é feita já pelo conservador - é certo que é - mas o juiz pode fazer novos actos de instrução, pode chamar os pais (no caso de suprimento), pode ouvir novas testemunhas, etc., etc. E, sobretudo, é um juiz que decide super partes e não um conservador do registo civil.
Caso já bem diverso é o da possibilidade atribuída ao conservador para decretar o divórcio ou a separação de pessoas e bens por mútuo acordo nos casos em que não haja filhos menores ou se mostre regulado judicialmente o exercício do poder paternal. E que neste caso há uma vontade consensual dos dois cônjuges e bastará a sua simples verificação, conjuntamente com a verificação dos requisitos do artigo 1775.º, n.º 1, para o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens poderem ser decretados.
Como disse há pouco a Sr.ª Deputada Odete Santos são os cônjuges que se casam e são os cônjuges que se descasam e, portanto, ser um juiz ou ser uma entidade administrativa que recebe essa declaração dos cônjuges e a transforma ou lhe dá, digamos, o selo do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens é, a nosso ver, nestes casos em que não há filhos menores ou em que, havendo, o exercício do poder paternal já está regulado judicialmente, irrelevante e, portanto, havendo vantagem para as partes, não vemos nada contra a solução.
E porquê? Porque não se trata de deprimir conflitos de interesses que, aliás, não existem mas tão somente verificar pressupostos que o conservador melhor e mais rapidamente que o próprio juiz poderá verificar. É uma solução nova no quadro europeu, deve dizer-se, pois a regra, de longe, vigente nos países europeus é a solução judicial. Dos elementos que conseguimos recolher apenas em dois países, a Dinamarca e a Noruega, há sistemas administrativos e até na liberalíssima Suécia, em matéria de divórcio e separação de pessoas e bens, esta matéria cabe a um juíz e não a uma entidade administrativa.
Mas nem por isso deixamos de apoiar esta iniciativa desde que sejam clarificados alguns pontos obseuros na proposta. Qual a conservatória competente, designadamente no caso de casamentos celebrados no estrangeiro ou em território nacional mas em local bem diverso do da resi-

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dência dos cônjuges? Como regular a prestação de alimentos ao cônjuge ou o destino da casa de morada de família? É que não são apenas os acordos quanto a menores que têm de ser juntos, mas o Código Civil manda juntar mais dois - o destino da casa de morada de família e os alimentos ao cônjuge que deles necessite. Será um imperativo o acordo nestas matérias. Temo-lo como assente mas a proposta nada diz. Mantém-se o dever de prévia tentativa de conciliação? Temo-lo como imperativo mas a proposta nada diz. Pode o conservador convidar os cônjuges a alterar os acordos quanto a alimentos e à casa de morada de família? A proposta nada diz.
Estas são questões importantes sobre as quais estamos, estávamos e continuamos no eseuro. E aleitamos o Governo para a necessidade de as ter presentes pelo menos quando da redacção da lei definitiva.
Já não compreendemos a solução dual proposta pelo Governo ao manter o recurso à via judicial passando a haver divórcios por mútuo consentimento e separações de pessoas e bens judiciais e administrativas. O pressuposto da existência de filhos menores ou de se encontrar regulado judicialmente o respectivo exercício é suficiente, quanto a nós, para um opção segura e única, a menos que se impusesse a via judicial sempre que existissem filhos menores e se reservasse a solução administrativa para os casos de desnecessidade de regulação, ou seja, mesmo que existissem filhos menores e que já estivesse regulado o poder paternal impunha-se a via judicial.
Todavia, abrir as duas vias, uma judicial e uma administrativa, sem qualquer critério, no caso, naturalmente, de não haver filhos menores ou de já estar regulado o exercício do poder paternal é uma solução para nós má, pois passará a haver divórcio e separações de pessoas e bens judiciais e administrativas e tememos que uns sejam de primeira e outros de segunda.
Finalmente, a lei pretende possibilitar que as convenções antenupciais possam ser lavradas por auto perante o conservador. Temos dito e repetido que sempre que exista registo obrigatório de determinado facto há que caminhar no sentido de evitar a dupla formalidade, escritura e registo, atribuindo aos conservadores em geral competência para, mediante declaração das partes, escrita ou oral, efectuar o registo.
Daí que apoiemos esta medida mas com uma limitação que não consta da proposta, a de que tal só deve ser possível se os nubentes escolherem para o casamento um dos regimes tipificados na lei para além dos supletivos ou imperativos em que já hoje é desnecessária qualquer escritura. Assim, não concordamos que sejam atribuídos aos conservadores do registo civil competência para aconselhar os nubentes na redacção de convenções diversas daquelas que vêm previstas no Código Civil.
A Sr.ª Secretária de Estado está a abanar a cabeça mas esta leitura é inteiramente possível face à redacção da proposta.
Trata-se de matéria da competência de outros profissionais do direito, notários, advogados, e que, manifestamente, não cabe aos conservadores. Se o que o Governo entende por assessoramento é apenas a explicação do conteúdo das convenções tipificadas na lei estamos inteiramente de acordo, mas outra coisa, bem diversa, é assessorar a feitura de uma convenção que não é nenhuma das tipificadas na lei. No entanto, isso não vem cá. «A estes conservadores cabe proceder ao registo mediante declaração de adesão das partes a um regime descrito», mas não aconselhar e conceber um regime atípico invadindo a esfera de outros profissionais que, esses sim, têm por missão o aconselhamento dos particulares na leitura dos negócios jurídicos. Confundir estas duas funções não é positivo e poderá ter consequências gravosas em geral, pelo que proporíamos uma alteração, em especial, desta alínea que trata das escrituras antenupciais.
Em resumo, a nossa posição perante esta proposta é em geral positiva mas achamos que há pontos obseuros que necessitariam de ser clarificados e como não o foram até agora suponho que ainda seja possível lazê-lo. Mas haverá outros em relação aos quais temos sérias dúvidas sobre a sua constitucionalidade e não lhe podemos dar o nosso apoio. Porém, em geral, damos o nosso apoio a esta proposta, embora pensemos que se se vai para um regime administrativo da separação e pessoas e. bens e do divórcio por mútuo consentimento, dados certos pressupostos, então, era de ir para um único regime e não para uma regime dual que é sempre uma solução má

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD). - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados: A Assembleia da República foi hoje chamada a pronunciar-se sobre uma importante proposta de lei de autorização legislativa no sentido de habilitar o Governo a aprovar um novo código do registo civil e bem assim a alterar, consequentemente, determinadas disposições matriciais do Código Civil.
Com efeito, decorridos 16 anos de vigência do actual Código de Registo Civil, (aprovado na sequência da revisão do Código Civil, designadamente do nosso Direito de Família, operada em finais de 1977) impõe-se uma mais cabal definição da função registrai civil, ao mesmo tempo que são fundamentais medidas de simplificação e melhoria dos serviços do registo civil.
Torna-se assim necessário intervir no plano do direito substantivo já que, como se lê na exposição de motivos da iniciativa do executivo, se considera que «certas matérias, normalmente afectas aos tribunais, podem ser transferidas para a área da competência das conservatórias do registo civil». Parece, pois, justificar-se, com evidente garantia de certeza jurídica, a intervenção do conservador em determinados processos, como o de dispensa de impedimentos e o de suprimento de autorização para casamento de menores, e isto em termos de decisão final.
Ademais, não faz hoje sentido o exclusivo de que gozam os notários em matéria de celebração de convenções antenupciais, sendo certo que os conservadores do registo civil já desempenham, com óbvia preparação técnico-jurídica, funções de esclarecimento dos nubentes nos respectivos processos de casamento em matéria de regime de bens.
Noutro plano, importa que o futuro código do registo civil consagre a possibilidade de obtenção do divórcio ou da separação de pessoas e bens perante o conservador, nos casos em que se verifique comum acordo e ausência de filhos menores. Trata-se duma medida alternativa aos tribunais e que colhe em face do modelo ora proposto para as conservatórias do registo civil, para além dos indiscutíveis ganhos de celeridade e comodidade. Ao que acresce uma outra medida substantiva e que é a da atribuição aos conservadores do poder de declarar, nos processos para afastamento da presunção da paternidade, a eventual cessação de tal presunção, a requerimento da mulher casada que tenha declarado o nascimento de um filho com a expressa indicação de que o mesmo não é do cônjuge.

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Por outro lado, a proposta de lei que a Câmara que aprecia aponta para a intervenção do legislador em matéria penal, tipificando como ilícitos penais certas condutas praticadas por declarantes, cônjuges e testemunhas, em violação de normas do Código do Registo Civil. Assim, qualificam-se como crimes de desobediência e de falsas declarações novas situações a configurar pelo proposto normativo. Por sua vez, consideram-se ilícitos de mera ordenação social (puníveis com coimas) outras infracções ao Código do Registo Civil, do tipo omissão de declaração de nascimento ou do óbito dentro dum prazo legal.
Finalmente, a presente iniciativa do Governo propõe a isenção de emolumentos para vários actos do registo civil, o que - para além de se revogar o artigo 64.º da tabela geral do imposto do selo - se justifica em face do interesse público e do alcance social evidente daqueles actos.
Dito isto, Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, acrescentamos que a proposta de lei n.º 113/VI define cabalmente o objecto da autorização. E, uma vez que o Governo pretende legislar em matéria que é do âmbito da reserva relativa de competência desta Assembleia, declaramos que a proposta de autorização em apreço define com rigor o seu sentido e extensão.
Por outro lado, em relação à componente política das medidas legislativas ora propostas, afigura-se-nos que o debate parlamentar de hoje a consubstancia suficientemente. Acresce que, nos termos do programa do Governo, e para deixar este registo à Câmara, constitui prioridade a revisão da legislação própria dos registos, numa perspectiva que e também de «desburocratização e simplificação».
Acompanhamos, pois, com aplauso geral a presente proposta de lei, razão por que o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata lhe dará o seu voto positiva.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No dois ou três minutos que me restam é muito difícil escalpelizar todas a fundamentação do presente pedido de autorização legislativa, mas devo dizer, em primeiro lugar, que estou com o Sr. Deputado José Vera Jardim sobre a natureza alternativa de as partes recorrerem ao poder jurisdicional ou ao poder administrativo para a separação de pessoas e bens e para o divórcio por mútuo consentimento quando não haja filhos.
No entanto, achava eu que seria melhor não haver esta separação - a minha posição talvez seja conservadora de mais - e que esta questão continuasse nas mãos do poder jurisdicional e por uma razão simples. É que jurisdição é jurisdição e mesmo sendo de jurisdição voluntária não deixa de ser jurisdição; e a administração é a administração e há questões delicadas no direito institucional que não são meramente administrativas.
Tenho muito respeito por todos os técnicos de direito, sejam eles conservadores, notários, juizes, magistrados do Ministério Público ou outros. Não está em causa a sua capacidade de decidirem bem, com justeza, com rigor e com regularidade, mas, em conformidade com a separação de funções definidas pelo Estado, parece-nos que estas funções, de um direito institucional, não devem ser consideradas, meramente, como a dissolução de um contrato.
Lembro-me de uma controvérsia que houve entre o Professor Antunes Varela e o Professor Pereira Coelho, a propósito da publicação, por este último, das Lições do Direito da Família, onde ele definia a dissolubilidade do casamento canónico, apesar da Concordata. Como é natural, a controvérsia trouxe para a discussão muitos problemas, principalmente o da natureza jurídica do casamento e da sua dissolução. E uma das coisas que parecia adquirida era que tanto o casamento como a sua dissolução não eram actos de mero direito privado, eram, pelo menos, actos mistos de direito público e de direito privado, pela simples razão que existe um instituto, que é configurado, segundo o qual as partes não podem dispor livremente de requisitos, sejam do casamento, sejam de dissolução, seja ou não seja dos fundamentos. É uma espécie de take it or leave it (tome ou deixe), tem de entrar na instituição e ao entrar na instituição tem de comprar o pacote e ao deixá-la tem de o largar.
Efectivamente, quando se faz esta distinção entre o regime pessoal dos bens do casamento e o regime patrimonial do casamento, lemos de ter presente que os dois são indissociáveis e que apesar do regime pessoal do casamento e da sua indissolução poder ser considerado como um acto meramente administrativo, susceptível de ser deixado à competência dos conservadores, nunca podemos esquecer que os efeitos patrimoniais dessa dissolução, quando haja dificuldades, terão sempre de ir parar ao poder jurisdicional. Portanto, a mera dissolução pessoal nunca será um acto completo de dissolução
Em segundo lugar, isto pode abrir caminho - e, naturalmente, vai abri-lo - a que muito dos actos dos direitos da família, actualmente sob a jurisdição dos tribunais, passem para as conservatórias Então, por que razão não fazer o mesmo relativamente à adopção? Todos nós sabemos que no acto da adopção há interesses extremamente complicados, extremamente complexos e extremamente subtis, que não podem ser deixados ao mero acto administrativo. E a lógica que preside actualmente à dissolução administrativa do casamento através das conservatórias poderá levar, naturalmente, a que, amanhã, a adopção também seja feita através de mero acto administrativo.
Em terceiro lugar, parece-nos que a lógica do juiz não é a mesma que a do conservador ou a do notário. Há teses de doutoramento sobre isso, chamadas a lógica do juiz ou a lógica jurisdicional e, efectivamente, a lógica jurisdicional, que preside até mesmo aos actos de natureza administrativa ou de regime pessoal dos bens, não é a lógica administrativa notarial ou dos conservadores que deve intervir nestes casos.
Devo dizer-lhe, Sr.ª Secretária de Estado, que não posso, neste momento, como fez o Sr. Deputado José Vera Jardim, alínea por alínea, dizer com o que é que concordo e com o que é que não concordo. Mas a sensação com que fico é a de uma certa dúvida grave e de insatisfação, como jurista, como prático de direito e como institucionalista num regime de casamento e da sua dissolução. Por isso mesmo, não poderei aplaudir com grande entusiasmo essa medida, embora concorde que muitos actos devem ser retirados do tribunal para maior celeridade da Justiça, que deve ser prestigiada a função dos conservadores e dos notários dando-lhes poderes que possam exercer, sem grande gravame para as partes, para regularem a situação das pessoas, mas há alguma coisa que não me satisfaz, embora não saiba dizer qual. Talvez seja a própria natureza institucional, talvez seja a minha forma de pensar tradicional nesta matéria, talvez seja o meu receio de que a parte do regime dos bens consequente da separação das pessoas fique desguarnecida ou talvez eu acredite que a

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função do conservador não é tão segura como a do juiz no que se refere à abstracção.
Por isso mesmo, até melhor ponderação destes factos, limitar-me-ei, por cautela, a abster-me nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, esgotou-se a discussão da proposta de lei n.º 113/VI, que autoriza o Governo a alterar o Código do Registo Civil.
Como concluímos antes de passarmos às votações, nos termos regimentais, vai ser feita a votação, na generalidade, dos diplomas que foram ontem objecto de debate parlamentar.
O primeiro deles é o projecto de lei n.º 442/VI - Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano, do PS.

Vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos agora votar o projecto de lei n.º 445/VI - Delimita as competências e jurisdição sobre a zona ribeirinha do estuário do Tejo, do PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Raul Castro.

Srs. Deputados, passamos à votação do projecto de lei n.º 470/VI - Transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios, de Os Verdes.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Raul Castro e a abstenção do CDS-PP.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, é para produzir uma declaração de voto no final das votações.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não é regimental!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só é permitido fazer declarações de voto orais nas votações finais globais. Como estamos a votar na generalidade, a declaração de voto terá de ser apresentada por escrito.
Portanto, tomo a sua intervenção como uma declaração para a acta de que vai apresentar uma declaração de voto por escrito. É isso, Sr. Deputado?

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, tendo todos estes projectos de lei sido rejeitados pelos votos do PSD, não há oportunidade de discussão posterior e, consequentemente, nunca chegará a haver votação final global.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é uma evidência.

O Orador: - Julgo que, neste caso, a interpretação do Regimento poderia facultar a possibilidade de produzir uma declaração de voto oral, na medida em que há uma situação equivalente.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É lógico.

O Sr. Presidente: - Não é possível fazer aqui tal engenharia, Sr. Deputado. O Regimento é claro: quando não há votação final global fazem-se declarações de voto que são publicadas nas actas mas que não são produzidas oralmente.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): Sr. Presidente, é para informar a Mesa que entregaremos, igualmente, na Mesa uma declaração de voto sobre esta questão.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira pretende interpelar a Mesa de novo?

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, é para informar que estamos vencidos mas não convencidos e que entregaremos uma declaração de voto escrita, lamentando que não nos tenha sido autorizada a sua reprodução verbal nesta Assembleia

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o debate destes projectos de lei foi ontem feito e encerrado e nós cumprimos apenas o Regimento.
Temos, portanto, as votações programadas para hoje concluídas, mas vamos votar ainda o diploma que acabámos de discutir. Fizemos o debate da proposta de lei n.º 113/VI e os grupos parlamentares deram o seu consenso para que se procedesse, de imediato, à sua votação.
Como os Srs. Deputados sabem, em relação a esta proposta de lei, foi apresentada, pelo PS, uma proposta de substituição da alínea c) do artigo 2.º, que também vai ser votada.
Vamos, em primeiro lugar, proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 113/VI - Autoriza o Governo a alterar o Código do Registo Civil.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS. do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Raul Castro.

Suponho que há também consenso para se votar, na especialidade, todos os artigos da proposta de lei em conjunto, com excepção do artigo 2.º. Assim, proponho a votação, em conjunto, dos artigos 1.º e 3.º da proposta de lei.

Ninguém se opõe a que façamos a votação dos artigos 1.º e 3.º, ou votamos artigo a artigo, como manda o Regimento?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, pela nossa parte, não nos opomos a que se votem os artigos 1.º e 3.º em conjunto, mas, no que diz respeito ao artigo 2.º,

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pretendemos votar as alíneas a), b) e c) como um bloco, a alínea c) separadamente e as restantes alíneas como um outro bloco.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sugerem-me os Srs. Secretários que, por operacionalidade da Mesa, seria preferível votarmos este artigo alínea a alínea, a fim de não corrermos o risco de cometermos alguma irregularidade.
Assim, vamos votar os artigos 1.º e 3.º da proposta de lei.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD e do PS e abstenções do PCP, dó CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Raul Castro.

São os seguintes:

Artigo 1.º

(Objecto)

O Governo é autorizado, pela presente lei, a aprovar um novo Código do Registo Civil, a alterar algumas disposições do Livro IV do Código Civil e da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Artigo 3.º

(Duração)

A presente autorização legislativa tem a duração de 180 dias.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação do artigo 2.º. O PS apresentou uma proposta de substituição da alínea c) desse artigo, a qual, nos termos regimentais, será votada em primeiro lugar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro e abstenções do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

É a seguinte:

c) Estabelecer que as convenções antenupciais possam ser celebradas por auto lavrado perante o conservador do registo civil quando corresponderem a alguns dos tipos previstos na lei.

O Sr. Presidente: - Vamos agora fazer a votação do artigo 2.º da proposta de lei, alínea a alínea.
Assim, vamos votar o corpo do artigo e a alínea a) em conjunto.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro e abstenções do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

São os seguintes:

Artigo 2.º

(Sentido e extensão)

A autorização conferida ao abrigo do artigo anterior tem os seguintes sentido e extensão:

a) Atribuir competência ao conservador do registo civil para conceder dispensa de impedimentos para casamento e para ouvir os pais ou o tutor se o nubente for menor;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação da alínea b) do artigo 2.º da proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro e abstenções do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

É a seguinte:

b) Conferir competência ao conservador do registo civil para suprir a autorização para casamento de menores, se razões ponderosas justificarem a celebração do casamento e o menor tiver suficiente maturidade física e psíquica;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a alínea e).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro e abstenções do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

É a seguinte:

e) Conferir competência ao conservador do registo civil para proferir declaração de que, na ocasião do nascimento, o filho não beneficiou de posse de estado, nos termos legais, relativamente a ambos os cônjuges;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por lapso, não foi votada a alínea d) do artigo 2.º da proposta de lei, pelo que iremos proceder à sua votação agora.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP e do Deputado independente Raul Castro e abstenções do CDS-PP, de Os Verdes e do Deputado independente Manuel Sérgio.

Ë a seguinte:

d) Sem prejuízo da faculdade de recurso à via judicial, atribuir competência ao conservador do registo civil para decretar o divórcio e a separação de pessoas e bens, entre cônjuges, de comum acordo, se o casal requerente não tiver filhos menores ou o respectivo exercício do poder paternal se mostrar judicialmente regulado;

O Sr. Presidente: - Não havendo oposição, passamos à votação, em bloco, das restantes alíneas do artigo 2.º da proposta de lei.

Submetidas à votação, foram aprovadas, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro e abstenções do CDS-PP e do Deputado Independente Manuel Sérgio.

São as seguintes:

f) Atribuir competência ao conservador do registo civil para iniciar, oficiosamente as acções de registo, logo que tenha conhecimento dos factos que a elas dão lugar;

g) Tipificar, como crime de desobediência, a não comparência na conservatória do registo civil das testemunhas que devam intervir no assento pró-

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visório de casamento civil urgente, para aí o assinarem, depois de, para tanto e sob aquela cominação, terem sido notificadas pelo conservador;
h) Tipificar, como crime de desobediência, a não comparência na conservatória do registo civil dos cônjuges que devam prestar os esclarecimentos necessários à organização do processo de publicações, em caso de casamento católico urgente, depois de, para tanto e sob aquela cominação, terem sido notificados pelo conservador;
i) Tipificar, como crime de falsas declarações, a declaração de impedimento do casamento sem fundamento, prestada dolosamente;
j) Tipificar, como crime de desobediência qualificada, as seguintes infracções praticadas pelos ministros da Igreja:
l) Oficiar no casamento sem que lhe seja apresentado o certificado para casamento ou depois de recebida a comunicação da existência de impedimentos de conhecimento superveniente por parte do conservador, excepto se se tratar de casamento in articulo mortis na iminência de parto ou cuja celebração imediata haja sido expressamente autorizada pelo ordinário próprio;

2) Celebrar o casamento in articulo mortis sem motivo justificado e com o intuito de afastar algum impedimento previsto na lei civil,
3) Deixar de enviar, sem motivo grave e atendível, o duplicado do assento, ou enviá-lo fora do prazo estabelecido, com excepção dos casamentos secretos, regulados no direito canónico como casamentos de consciência, enquanto não forem denunciados pela autoridade eclesiástica, oficiosamente ou a requerimento dos interessados;
4) Tipificar, como crime de desobediência qualificada, as seguintes infracções praticadas pelo funcionário do registo civil:

1) Dar causa a que o casamento não se celebre ou a que o casamento católico não seja transcrito dentro do prazo legal, quando para isso não exista motivo justificado;
2) Celebrar o casamento ou passar o certificado para a celebração do casamento católico sem prévia organização do processo de publicações, salvo se a lei o permitir;
3) Celebrar o casamento ou passar o certificado para a celebração do casamento católico depois de haver sido denunciado algum impedimento, enquanto a declaração não for considerada sem efeito, ou o impedimento não for julgado improcedente;
4) Realizar o casamento quando algum dos nubentes reconhecidamente se encontre em estado de não poder manifestar livre e esclarecidamente a sua vontade;

m) Tipificar como contra-ordenação, punível com coima de 1 000$00 a 5 000$00, a omissão de declaração, perante o conservador do registo civil, do nascimento ou do óbito de qualquer indivíduo, dentro do prazo legal;
n) Atribuir competência ao conservador do registo civil da conservatória em cuja área o nascimento tenha ocorrido ou o assento de óbito deva ser lavrado para conhecer da contra-ordenação e aplicar a coima prevista na alínea anterior;
o) Isentar de imposto do selo todos os actos e processos do registo civil e, bem assim, as convenções antenupciais que apenas estipulem o regime de bens do casamento celebradas por auto lavrado perante o conservador do registo;
p) Revogar o artigo 64.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, no sentido de isentar de imposto do selo as convenções antenupciais, celebradas por escritura pública, desde que apenas estabeleçam o regime de bens do casamento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ainda de acordo com o consenso existente, vamos passar à votação final global da proposta de lei n.º 113/VI, incluindo, naturalmente, a substituição da alínea c) do n º 2, aprovada oportunamente.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Raul Castro.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim, para uma declaração de voto.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Como disse durante a minha intervenção, estaríamos disponíveis para votar a favor desta proposta de lei, apesar de alguma obscuridade de que ela está eivada e de algumas técnicas de legislar que julgamos imperfeitas, não fora a insistência na proposta de três casos, os quais, para nós, constituem casos de nítida inconstitucionalidade, tanto quanto estas questões podem ser nítidas.
Efectivamente, como tivemos ocasião de dizer, atribuem-se ao conservador do registo civil poderes que são claramente jurisdicionais, designadamente em relação a matérias respeitantes a direitos indisponíveis e a matérias em que há manifestos conflitos de interesses, sobretudo, em áreas muito sensíveis, como a do suprimento para autorização para casamento, a do problema da posse de estado e dos impedimentos para o casamento, nos casos em que pode haver dispensa desses impedimentos e o casamento realizar-se. Estas são, para nós, matérias que não podem ser decididas, a final, por um conservador do registo civil.
Embora tenhamos presente que a instrução do processo é feita na conservatória, é ao juiz que compete decidir tais matérias. Pelo que, tivemos de nos abster na votação final global desta proposta de lei, chamando mais uma vez a atenção para alguma obscuridade e algumas questões que não vimos resolvidas durante o debate, relativas a matérias técnicas mas que têm importância para o futuro Código de Registo Civil e para as inconstitucionalidades, para nós nítidas, em três preceitos desta proposta.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra, por três minutos, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Sarados (PCP): - Sr. Presidente, utilizarei muito menos tempo.
Creio que do teor da intervenção que produzi se conclui que o motivo da nossa abstenção tem a ver com o facto de se atribuírem aos conservadores, nas alíneas em que votámos contra e de que destaquei na minha intervenção a questão do afastamento da presunção de paternidade, funções jurisdicionais que, nos termos da Constituição, só aos juizes competem.
Houve uma alínea que, por a considerarmos importante, votámos favoravelmente, relativa à questão da atribuição aos conservadores do Registo Civil da competência

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para os divórcios por mútuo consentimento quando não estejam em causa filhos menores, embora entendamos que, decorrente da noção de casamento como contrato constante do artigo 1577.º do Código Civil, se deveria ter ido mais longe, não se mantendo uma competência paralela dos tribunais e das conservatórias nesses casos.
No cômputo final, dado que havia matérias que infringiam a Constituição, não nos restava outra posição de voto que não a da abstenção.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

0 Sr Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao debate relativo à proposta de resolução n.º 66/VI - Aprova, para ratificação, o Estatuto do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa.
Pergunto ao Sr. Deputado Fernandes Marques se, na qualidade de relator, deseja usar da palavra, de acordo com o direito regimental que lhe assiste.

0 Sr. Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, penso que esta matéria é suficientemente simples, não exigindo, por isso, a explicitação do que consta no meu relatório. Aliás, trata-se de um relatório por mim elaborado no âmbito da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família e há um outro relatório elaborado no âmbito da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
Penso que as intervenções dos diversos grupos parlamentares poderão chegar e sobrar para desenvolver este tema e que ganhamos todos em eficácia se eu prescindir da palavra.

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus, para o que dispõe, como autor da iniciativa, de cinco minutos, mas podendo depois continuar a intervenção.

0 Sr Secretário de Estado para os Assuntos Europeus (Vítor Martins): - 0 Fundo de Desenvolvimento Social foi constituído em 1956.
Tem como objectivo primacial ajudar a resolver os problemas sociais resultantes da presença de refugiados ou de outros movimentos forçados de populações ou, ainda, resultantes de desastres naturais ou ambientais. Os projectos de investimento para os quais o Fundo contribui destinam-se, nomeadamente, a auxiliar o repatriamento ou a instalação num país de acolhimento dessas populações.
0 Fundo pode também contribuir para a realização de projectos de investimento, que permitam a criação de postos de trabalho em regiões desfavorecidas, a construção de habitação social e o alojamento de populações de baixo rendimento ou, ainda, a criação de infra-estruturas de desenvolvimento rural. Pode, assim, afirmar-se que o Fundo é o instrumento financeiro da política social do Conselho da Europa.
Conta, actualmente, com 23 membros e, durante os últimos anos, assistiu-se a um desenvolvimento considerável das suas actividades.
0 Fundo de Desenvolvimento Social tem quatro órgãos: o Conselho de Direcção, que integra os representantes dos governos dos Estados membros, o Conselho de Administração, que exerce os poderes que lhe são delegados por aquele órgão, o Governador, que é o representante legal do Fundo e responsável pela negociação dos contratos, e o Comité de Fiscalização.
Em 1991, os Estados membros do Fundo de Desenvolvimento Social acordaram na necessidade de se proceder a uma reforma dos seus estatutos Foi, assim, constituído um grupo de trabalho, presidido, de resto, pelo nosso representante permanente junto do Conselho da Europa, para preparar a sua revisão. Os estatutos precisavam, de facto, de ser revistos e adaptados às novas circunstâncias sociais e políticas da Europa, no post 1989, ao crescimento acentuado da actividade do Fundo, à adesão de novos membros da Europa Central e Oriental e à necessidade de assegurar uma maior eficácia e rigor no funcionamento do Fundo.
A revisão dos estatutos foi concluída recentemente, muito com base no esforço do nosso próprio representante permanente em Estrasburgo.
Assim, as principais inovações do novo estatuto são as seguintes: em primeiro lugar, uma nova definição dos objectivos do Fundo, que reafirma e precisa a sua natureza eminentemente social: em segundo lugar, a redefinição das competências e da articulação dos órgãos de direcção e fiscalização e, em terceiro lugar, o reforço dos laços com o Conselho da Europa, de que o Fundo é um instrumento financeiro e em cujas finalidades se deve enquadrar.
Não posso deixar de referir, nesta ocasião, que Portugal tem sido não só contribuinte deste Fundo como também dele tem beneficiado, em particular nos anos anteriores à nossa adesão à União Europeia. Estima-se em cerca de 500 milhões de ecus os montantes financeiros afectados pelo Fundo a Portugal, desde a nossa adesão.
0 Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa é, pois, um instrumento de solidariedade, cuja importância resulta acrescida numa Europa em mutação, que faz frente a novos desafios e exigências.
É também a expressão concreta da solidariedade devida pelos europeus aos povos que sofrem os flagelos da emigração forçada, das perseguições e do atropelo aos Direitos do Homem.
Creio que a ratificação dos novos estatutos do Fundo de Desenvolvimento Social é uma forma de dizermos "presente" a essa Europa dos valores e da solidariedade de que nos reclamamos defensores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

0 Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está em debate a ratificação do Estatuto do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa. Na realidade, estamos perante um estatuto modificado. Era necessário alterar o antigo e isso foi feito em 7 de Junho do ano passado.
As mudanças então introduzidas eram indispensáveis e contribuiram para melhorar a imagem do Fundo de Desenvolvimento Social, que havia sido embaciada por irregularidades cometidas por quadros dirigentes, cuja irresponsabilidade envolveu o nome da instituição numa atmosfera de escândalos.
Essa fase negativa foi, entretanto, superada e o Fundo está, actualmente, preparado para cumprir o seu objectivo prioritário, ou seja, contribuir, de acordo com o disposto do seu artigo II, para "ajudar a resolver os problemas sociais que põe ou pode pôr aos países europeus a presença de refugiados, (...) ou de outras movimentações força-

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das de populações, bem como da presença de vítimas de catástrofes naturais ou ecológicas".
Não vou aqui, obviamente, transcrever, sequer resumir, todos os objectivos definidos pelo Estatuto. Mas julgo útil sublinhar que, sendo eles ambiciosos - até incluem investimentos tendentes à criação de postos de trabalho em regiões desfavorecidas -, o desenvolvimento harmonioso e eficiente das actividades sociais do Fundo aparece intimamente ligado ao trabalho, à intervenção política e ao prestígio da instituição maior a que pertence, isto é o Conselho da Europa, o fórum no qual a problemática da solidariedade com migrantes e refugiados tem sido tema de numerosos relatórios, debates e resoluções.
Sr. Presidente, por isso mesmo, considero este momento oportuno para chamar a atenção do Plenário para algumas questões actuais que envolvem uma organização em cuja Assembleia Parlamentar esta Casa tem uma delegação de 14 Deputados, entre efectivos e suplentes.
0 Conselho da Europa cresceu muito nos últimos anos. Quando a presente legislatura terminar, terá quase o dobro de membros relativamente a 1991, aproximando-se da meta das quatro dezenas.
Com a entrada da Rússia, prevista para Abril, a sua representatividade ganhará uma nova dimensão. Passará a ser a maior organização internacional de países, depois das Nações Unidas, e a única do género na Europa, de que os Estados Unidos da América não podem, por motivos geográficos, fazer parte.
Teoricamente desvinculado do poder, como fórum consultivo e de estudo, o Conselho deveria, então, emergir como autêntica consciência da Europa, cumprindo a sua vocação humanista.
A experiência resultante do seu funcionamento demonstra, contudo, que muito dificilmente essa aspiração se concretizará. A praxis do Conselho da Europa revela a existência de muitos dos vícios e debilidades de que enferma o edifício da União Europeia, agravados por situações resultantes da nova desordem internacional em que vivemos, nesta era unipolar caracterizada pela instrumentalização das Nações Unidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa Europa dita de geometria variável, em três círculos, o terceiro, ou seja, o Conselho da Europa, aparece destinado, consoante as teses em debate, a papel subalterno ou a uma tarefa importante na marcha para a organização do continente.
Ao discursar, em Outubro, no Palácio da Europa perante a Assembleia Parlamentar do Conselho, o Presidente da Assembleia Nacional da França, Phillippe Séguin, pronunciou-se pela segunda alternativa. Na sua opinião, o Conselho está vocacionado para "constituir o quadro privilegiado para novas iniciativas". Séguin identifica o Conselho da Europa como "a única instituição europeia que considera a ética e os valores fundamentais da democracia e os direitos do homem como alavanca da sua acção, o que lhe confere uma grande originalidade e uma autoridade excepcional como fórum da concertação e pólo de iniciativas voltadas para o futuro".
Episódios pequeninos, mas indecorosos, como aqueles que levaram à alteração do Estatuto do Fundo, motivo deste debate, contribuem para esfriar a imaginação no tocante à possibilidade de o Conselho da Europa poder, em tempo previsível, colimar o grande desígnio de Phillippe Séguin.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou, porém, convicto de que o Conselho da Europa, tão esquecido nesta Câmara, mesmo sem ocupar todo o espaço que ambiciona, reúne condições excepcionais para cumprir, apesar das suas contradições e insuficiências, um papel único como fórum internacional de reflexão e diálogo. Por si só, essa perspectiva justifica a atenção e o tempo que dedicamos ao tema da ratificação do novo Estatuto do Fundo Social de Desenvolvimento do Conselho da Europa.
Obviamente, o Grupo Parlamentar do PCP aprovará a proposta de resolução n.º 66/VI, que nos é submetida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Brito.

0 Sr. Raúl Brito (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Caros Colegas: 0 Estatuto do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa, cuja versão revista hoje apreciamos, foi criado em 1956, com vista a ajudar a resolver os problemas sociais que a existência de excedentes de população, refugiados e pessoas deslocadas, colocava ou podia colocar aos países europeus.
Com o decorrer dos anos, as operações do Fundo alargaram-se a outras áreas de intervenção, tais como a ajuda às regiões desfavorecidas ou regiões afectadas por catástrofes naturais, à criação de empregos e ao realojamento de populações de baixos rendimentos, assim como a programas nos domínios da saúde pública e educação, para dar alguns exemplos.
Este alargamento das operações do Fundo, fica bem patente na repartição dos empréstimos efectuados durante o período compreendido entre 1956 e 1993.
Na verdade, verificou-se que, dos empréstimos concedidos, apenas 18,3 % foram aplicados na ajuda aos refugiados e migrantes. Os restantes 81,7 % foram aplicados em outros domínios, a saber: na formação profissional, 1,4%; em infra-estruturas sociais, 0,5%, na educação, 5%, na saúde, 1,9%, no realojamento de pessoas de baixos rendimentos e eliminação de bidonvilles, 23,3%, na ajuda a pequenas e médias empresas, 8,9%, na criação de infra-estruturas para o desenvolvimento regional e infra-estruturas turísticas, 16,9%, na ajuda às regiões atingidas por catástrofes naturais, 10,4%, e, finalmente, na modernização rural e prevenção da concentração urbana 13,4%.
Portugal foi um dos países beneficiários destes apoios. Nesse período, o nosso país viu serem aprovados projectos no valor de 492,1 milhões de ecus, ou seja, o equivalente a 5,68 %dos empréstimos concedidos.
Este encaminhamento das operações do Fundo para operações tão diversas, se, no período anterior a 1990 não levantou críticas, o mesmo não sucedeu nos anos seguintes, nomeadamente a partir do momento em que a Europa se viu confrontada com uma vaga sem precedentes de refugiados, provocada pela crise na ex-Jugoslávia.
0 instrumento que a Europa criara para atender ao drama dos refugiados no pós-Grande Guerra voltava a ser mais necessário do que nunca. Incompreensivelmente os responsáveis pela gestão do Fundo mostraram dificuldades em adaptá-lo à nova realidade, continuando a secundarizar os apoios aos refugiados. Esta situação acabou por levar o Conselho de Ministros, na sequência de diversas solicitações da Assembleia Parlamentar, a redefinir com toda a clareza os objectivos prioritários do Fundo.
Tal redefinição foi tomada pela Resolução n.º (93) 22, de 16 de Junho de 1993, que adopta uma nova redacção para o artigo II (Objectivos do Fundo).
Nos termos deste novo artigo, o Fundo passa a ter dois tipos de objectivos: os prioritários e os secundários.

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Assim, doravante, "o Fundo tem como objectivo prioritário ajudar a resolver os problemas sociais que põe ou pode pôr aos países europeus a presença de refugiados, de pessoas deslocadas ou de migrantes, resultante da movimentação de refugiados ou de outras movimentações forçadas de populações, bem como da presença de vítimas de catástrofes naturais ou ecológicas".
Além do mais, estes "projectos de investimento para os quais o Fundo contribui podem destinar-se não s a ajudar essas pessoas nos países onde se encontram, mas também a permitir-lhes regressar aos seus países de origem quando se encontrem reunidas condições para tal regresso, ou ainda, quando necessário, a instalar-se noutro país de acolhimento".
0 Fundo pode, secundariamente, continuar a apoiar a realização de projectos de investimento, "( ... ) que permitam a criação de postos de trabalho em regiões desfavorecidas, o alojamento de populações de baixo rendimento ou a realização de infra-estruturas sociais".
Esta recentragem do objectivo prioritário do Fundo foi, sem dúvida, a maior reforma introduzida no Estatuto do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa e manifesta uma clara vontade política dos países membros do Conselho da Europa em ajudar os novos Estados-membros da Europa Central e Oriental a resolver os graves problemas sociais colocados pela presença de refugiados, de pessoas deslocadas ou de migrantes ou da presença de vítimas de catástrofes naturais ou ecológicas.
0 Estatuto revisto comporta ainda outras reformas, que não são de somenos importância, visto que reforçam o controlo exercido pelo Conselho da Europa sobre o Fundo e aperfeiçoam as medidas de fiscalização sobre todos os aspectos do seu funcionamento.
Estas medidas, de há muito sentidas como necessárias, tomaram-se mesmo indispensáveis, a partir do momento em que foram divulgadas as conclusões de uma auditoria externa, efectuada em 1992. A auditoria denunciou a existência de irregularidades na gestão do Fundo, da responsabilidade do seu governador e de alguns dos seus colaboradores.
As irregularidades detectadas passaram pelo recebimento, por antecipação, da totalidade dos vencimentos anuais, pelo recrutamento e promoções arbitrárias, até à prática do que se chamou "empréstimos globais", isto é, empréstimos que não foram atribuídos a projectos precisos.
Na sequência desta auditoria e do relatório apresentada pela Comissão de Migrações, o Secretário-Geral do Conselho da Europa convocou, de urgência, o Comité de Ministros, o qual decidiu, entre outras medidas, suspender as pessoas postas em causa e reformar o Estatuto do Fundo, tendo em vista assegurar o respeito pelas regras de rigor e transparência, que devem caracterizar a gestão dos fundos públicos.

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Muito bem!

0 Orador: - 0 Governador acabou por apresentar a sua demissão, tendo o Comité de Direcção do Fundo decidido continuar a averiguação dos factos revelados pela auditoria, situação que ainda se mantém, no sentido de se. averiguar totalmente as responsabilidades destes intervenientes.
No final de 1993, tiveram lugar eleições para todos os postos importantes do Fundo - Presidente do Comité de Direcção, Governador e Presidente do Conselho do Administração -, pondo-se, assim, fim a um período de incertezas e instabilidade.
Dando sequência ao apelo lançado pelo Comité de Ministros, o Comité de Direcção, agora rebaptizado como Conselho de Direcção, apresentou o Estatuto revisto do Fundo, cuja versão final está, hoje, a ser apreciada por esta Câmara.
0 Estatuto revisto propõe um conjunto de medidas, que tudo indica darão resposta às preocupações suscitadas pelo Conselho de Ministros e pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. De entre essas medidas salientamos: primeiro, o Secretário-Geral participa ou faz-se representar nas reuniões do Conselho de Direcção e do Conselho de Administração e fornece a este último um parecer sobre a admissibilidade dos pedidos de empréstimo ou de garantia, com base na conformidade do projecto com os objectivos políticos e sociais do Conselho da Europa; segundo, é criado um comité executivo do Conselho de Administração, que procederá a um primeiro exame dos pedidos de empréstimo e acompanhará a execução dos projectos financiados pelo Fundo e a actividade financeira do Fundo em geral; terceiro, o Presidente do Conselho da Direcção informa regularmente o Conselho de Ministros e a Assembleia Parlamentar das actividades do Fundo; quarto, o Conselho da Direcção pronuncia-se sobre as recomendações e pareceres daqueles órgãos; quinto, o novo Estatuto dispõe que os membros do Comité de Fiscalização são nomeadas em razão da sua competência em matéria económica e financeira e que eles agem com toda a independência.
Em conclusão, no que respeita ao cumprimento dos objectivos, controlo dos projectos, tanto no momento da sua apresentação, como nas fases posteriores, existe a garantia de uma sã gestão financeira e transparência do seu financiamento, o que nos parece assegurar todas as cautelas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Europa é uma das regiões do mundo mais afectadas pelos grandes fluxos migratórios do nosso tempo, nomeadamente por causa da crise da ex-Jugoslávia e do desmembramento da ex-URSS. Estas deslocações maciças de populações inteiras ocorrem em circunstâncias particularmente desfavoráveis. Muitos dos países tradicionais de acolhimento debatem-se com graves problemas económicos, porque a chegada de refugiados gera egoísmos e atitudes negativas, que, por vezes, vão até à aparição de movimentos xenófobos.
Seja nos países de origem, seja nos países de acolhimento, estas populações precisam de protecção internacional e de apoio para satisfação das suas necessidades elementares. 0 Fundo Social revisto do Conselho da Europa vai certamente ajudar os países europeus a resolver muitos dos graves problemas sociais resultantes da presença de refugiados e de pessoas deslocadas.
Consequentemente, o PS apoia as reformas introduzidas no Estatuto revisto do Fundo Social do Conselho da Europa.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio dos Santos.

0 Sr. Arménio dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa foi constituído em Abril de 1956 e tem por objectivo prioritário ajudar a resolver os problemas sociais que se podem colocar aos países europeus com a presença de refugiados ou populações deslocadas.
Os projectos que o Fundo apoia destinam-se, por isso e essencialmente, a ajudar as pessoas deslocadas ou refugiadas nos países de acolhimento, viabilizar o seu regresso aos países de origem, apoiar a construção de infra-estruturas sociais e promover iniciativas destinadas à criação de postos de trabalho em regiões desfavorecidas.

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Portugal aderiu a este Fundo em Agosto de 1976, tendo a cooperação sido inicialmente desenvolvida em duas fases: a primeira, de 1976 a 1980, com 17 empréstimos destinados a projectos de "Ajuda aos Desalojados" provenientes das nossas ex-colónias africanas; a segunda, de 1982 a 1989, com 38 empréstimos para projectos em diversas áreas.
A partir de 1989 e até 1993, Portugal não voltou a submeter quaisquer projectos para financiamento do Fundo, em virtude de não se ter considerado necessário. Entretanto, tendo-se constatado o interesse de algumas entidades em obterem financiamento deste Fundo, para projectos de carácter marcadamente social - como a Caixa Geral de Depósitos, as câmaras municipais, as cooperativas e regiões autónomas - o Governo português decidiu, em Novembro de 1993, retomar a cooperação com essa instituição europeia.
É neste quadro que, já no final de 1993, foi apresentado, pela Região Autónoma dos Açores, àquele Fundo um importante projecto relativo à construção do Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada. E o mesmo sucedeu já no início de 1994, com a assinatura de um pequeno empréstimo social para completar o projecto de construção dos Hospitais de Matosinhos e de Leiria.
Este é, em traços muito gerais e em termos muito resumidos, o retrato dos objectivos principais do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho de Europa e o tipo de relações de cooperação que com ele Portugal tem mantido.
Mas o funcionamento e as respostas que os novos tempos e os novos problemas reclamam de uma instituição com as características deste Fundo tornaram necessário introduzir-lhe algumas alterações estatutárias, essencialmente com três objectos: primeiro, conferir-lhe maior operacionalidade: segundo, aproximá-lo mais das instituições de crédito; e, por fim, clarificar melhor as competências dos órgãos que o integram.
Estas preocupações estão acolhidas na nova versão dos seus Estatutos, revisão estatutária que foi conseguida após moroso e difícil processo de negociações conduzidas por um grupo de trabalho presidido pelo representante de Portugal no Conselho Directivo do Fundo, o Embaixador Dr. Santa Clara Gomes.
No que respeita a Portugal, embora detenha uma reduzida participação no capital deste Fundo, uma quota de 2,83%, considera-se que os seus interesses estão devidamente salvaguardados. Não só pela importante participação daquele nosso representante, como também pelo facto de ter sido adoptada nos Estatutos a exigência de uma maioria numérica que atribui mais peso à decisão dos pequenos accionistas, como é o caso do nosso País.
Ora, o que se pretende com a proposta de resolução n.º 66/VI, em debate, é que a Assembleia da República, em conformidade com as suas competências constitucionais, se pronuncie sobre o conteúdo dos novos Estatutos do Fundo de Desenvolvimento Social. Para esse efeito, queremos referir que da aprovação desta proposta de resolução não resulta a necessidade de alterar ou revogar qualquer legislação na ordem jurídica interna, nem implica qualquer alteração às obrigações financeiras anteriormente assumidas por Portugal.
Registe-se também que os domínios de intervenção privilegiados pelo Fundo, em 1993, foram a construção de infra-estruturas de saneamento e educação, dados que indicam os sectores a partir dos quais podemos intensificar com ele a nossa cooperação.
A modernização rural e as infra-estruturas turísticas, são outras áreas da sua intervenção, que Portugal deve ter em conta, pois são segmentos onde temos muito por fazer e onde apresentamos vantagens competitivas.

Acresce que a ratificação dos novos Estatutos do Fundo de Desenvolvimento Social, se insere nos objectivos programáticos do Governo português.
Por todas estas razões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PSD expressa o seu voto favorável à proposta de resolução n.º 66/VI.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por terminado o debate da proposta de resolução n.º 66/VI.
Vamos dar início à discussão da proposta de resolução n.º 81/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção entre os Estados membros das Comunidades Europeias relativa à aplicação do princípio ne bis in idem.
Tem a palavra, na qualidade de relator da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, o Sr. Deputado António Maria Pereira, para a apresentação do respectivo relatório, dispondo, para o efeito, de 5 minutos.

0 Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Convenção sujeita a aprovação desta Assembleia tem como objectivo reforçar a cooperação penal entre os países comunitários, através do reconhecimento mútuo do efeito ne bis in idem às decisões judiciárias proferidas nesses países.
A regra clássica ne bis in idem é um princípio fundamental nas legislações de todos países civilizados. Em Portugal, a regra tem dignidade de princípio constitucional. Está, com efeito, prevista no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição de República que, exemplarmente, a define nestes termos: "Ninguém pode ser julgado mais de que uma vez pela prática do mesmo crime".
Deste princípio deriva, para os cidadãos, um direito subjectivo fundamental, o de não poderem ser julgados mais de que uma vez pela prática do mesmo crime, e, para o Estado, uma obrigação, a de introduzir no Direito Processual, Civil e Penal esse princípio, através de disposições legais que garantam o respeito do caso julgado.
Mas o princípio ire bis in idem é aplicável não só no direito interno relativamente aos julgamentos por tribunais nacionais, mas também no campo do direito internacional, na medida em que a possibilidade de alguém ser julgado mais de que uma vez pela prática dos mesmos crimes tanto pode ocorrer dentro da ordem jurídica nacional, como relativamente a julgamentos efectuados noutros países. Por isso, o Código Penal português contém disposições para salvaguardar o princípio ao dispôr, no artigo 6.º, n.º 1, que "a aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional só tem lugar quando o agente não tenha sido julgado no país da prática do facto ou se haja subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação", acrescentando o n.º 4 que "quando o agente tiver sido julgado em país estrangeiro e voltar a sê-lo em Portugal pelo mesmo facto, levar-se-á sempre em conta, na pena que lhe for aplicada, àquela que já tiver sido cumprido no estrangeiro".
Sr. Presidente, Srs. Deputados. A cooperação entre países comunitários no domínio da justiça, que constitui uma vertente fundamental do chamado Terceiro Pilar do Tratado de Maastricht, não podia esquecer o princípio clássico do ne bis in idem. Daí a presente Convenção que tem precisamente como objectivo unificar a aplicação deste princípio entre os Estados Comunitários.
0 princípio está consagrado, em termos de regra geral, no artigo 1.º, onde se dispõe que "quem tiver sido definiti-

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vamente julgado num Estado membro não pode, pelos mesmos factos, ser perseguido num outro Estado membro, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida, esteja efectivamente em curso de execução ou já não possa ser executada, segundo as leis do Estado da condenação.
A esta regra abrem-se, contudo, algumas excepções, justificadas, sobretudo, pela gravidade de certos crimes, de que os Estados membros se poderão prevalecer, desde que assim o declarem no momento da ratificação, aceitação ou aprovação.
0 Governo português entendeu dever ressalvar a invocação de algumas destas excepções, através das necessárias declarações.
A primeira ressalva diz respeito à condição da reciprocidade.
O princípio da reciprocidade é comum à maior parte das modernas legislações. No Código Civil português ele está acolhido no artigo 14.º, ao estabelecer que, muito embora os estrangeiros sejam equiparados aos nacionais quanto ao gozo dos direitos civis, "não lhes são reconhecidos os direitos que, sendo atribuídos pelo respectivo Estado aos seus nacionais, o não sejam aos portugueses em igualdade de circunstâncias".
Por tal razão não surpreende que o Governo português tenha declarado que só aplicará o princípio ne bis in idem no caso previsto na alínea a) do n.º 1 sob condição de reciprocidade.
A segunda declaração restritiva da aplicação do princípio é prevista no artigo 2.º, alínea b), da Convenção, relativamente a factos, objecto de sentenças estrangeiras, "que constituam infracção contra a segurança ou outros interesses igualmente essenciais do Estado membro". A este respeito o Governo português declarou que invocará esta excepção "quando tal se mostre necessário para preservar um interesse do Estado essencial do Estado português" e ainda quando se trate de "crimes de contrafacção de moeda, de falsificação de moeda e outros afins, crimes de terrorismo e organização terrorista e crimes contra a segurança do Estado".
Trata-se aqui de situações e crimes particularmente graves, em relação aos quais o Governo português entendeu não abdicar da possibilidade de julgar os infractores nos tribunais portugueses, em qualquer caso, ainda que, porventura, eles já tenham sido julgados em tribunais de outros países comunitários.
0 artigo 4.º da Convenção contém disposições tendentes a aperfeiçoar a cooperação entre os Estados Comunitários para esclarecimento de situações que poderiam conduzir à violação do princípio ne bis in idem. A este respeito o n.º 3 deste artigo 4.º dispõe que cada Estado membro designará qual é a autoridade competente para solicitar e receber as informações previstas nesse artigo. Essa designação, por parte do Governo português, incidiu na Procuradoria-Geral da República, o que tem toda a justificação, atendendo a que se trata de um órgão que, além da dignidade constitucional, pois está previsto no artigo 222.º da Constituição, tem competência especializada no processo penal.
Em conclusão, esta Convenção constitui um importante passo no campo da cooperação entre países Comunitários no domínio da justiça, contribuindo decisivamente para a aplicação do princípio ne bis in idem nos países Comunitários, em ordem a evitar que os seus cidadãos possam vir a ser objecto de dois ou mais julgamentos pelos mesmos factos - o que é contrário a um consagrado princípio de justiça.
As declarações formuladas pelo Governo português, em certa medida restritivas da aplicação do principio, nos termos previstos para a Convenção, têm a justificação que atrás ficou referida.

Por tal razão, o PSD vai votar favoravelmente esta proposta de resolução.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus.

0 Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção agora em apreciação na Assembleia da República consagra o princípio ne bis in idem no plano internacional, reconhecendo o seu mútuo efeito nos termos gerais da legislação interna dos Estados membros.
A reconhecida tradição portuguesa em matéria penal faz com que este princípio encontre expressão em vários momentos da legislação interna, nomeadamente no Código Penal, no Código de Processo Penal e, mais recentemente, no Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, sobre Cooperação Internacional em matéria penal. Acresce, acima de tudo, como, de resto, já foi referido, a própria consagração constitucional sob a afirmação de que "ninguém pode ser julgado mais que uma vez pela prática do mesmo crime".
Também no plano internacional aquele princípio encontra reflexo em diversos preceitos inseridos em convenções já ratificadas ou assinadas por Portugal, tanto no âmbito da União Europeia, como do Conselho da Europa e mesmo da ONU, de que é exemplo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Cabe, ainda a este propósito recordar também a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, já ratificada por Portugal, que dedica algumas das suas disposições a este princípio em termos idênticos aos desta Convenção.
A presente Convenção surge, pois, numa linha de continuidade do próprio ordenamento jurídico nacional, com o qual não apresenta qualquer incompatibilidade.
Deve assinalar-se a sua especial importância para a cooperação judiciária no contexto de um espaço sem fronteiras. De facto, trata-se de um instrumento que irá proporcionar um incremento desta cooperação entre os Doze, representando, de par com outros actos internacionais, como é o caso da Convenção relativa à transmissão dos processos penais, um avanço em matéria de cooperação internacional no campo do direito penal. Assim, esta Convenção faz parte de um conjunto de actos internacionais considerados necessários à boa realização do Mercado Interno, tal como foi previsto no Acto único Europeu.
Revestindo-se de grande simplicidade, a presente Convenção permitirá uma aplicação flexível entre os Estados membros e contribuirá para garantir a realização da livre circulação de pessoas, no respeito dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Prevalecendo-se do dispositivo da própria Convenção, o Governo considera dever produzir algumas declarações do interesse nacional, que importa salientar. Desde logo aquela que subordina à reciprocidade a aplicação do princípio ne bis in idem nos casos em que os factos objecto da sentença estrangeira tenham sido praticados, no lodo ou em parte, no seu território. Com efeito, essa reciprocidade afigura-se inteiramente justificável face à possibilidade de reconhecimento de decisões estrangeiras respeitantes a factos ocorridos em território português.
Por outro lado, Portugal defende - e isso mesmo se encontra expresso noutra declaração - que o princípio em causa se não aplica quando os factos objecto de sentença

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estrangeira constituam uma infracção contra interesses essenciais do Estado, como é o caso dos crimes de contrafacção de moeda e afins, de terrorismo e organização terrorista e dos crimes contra a segurança do Estado.
Entende, assim, o Governo que a aprovação desta Convenção constitui um importante passo para a realização de um espaço judiciário europeu, contribuindo para a concretização de uma verdadeira cidadania europeia.

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, devo dizer que, em relação à Convenção, nada tenho a opor, mas as minhas dúvidas situam-se na concatenação desta Convenção com o Código Penal, nomeadamente da leitura do artigo 6.º. De facto, o princípio consagrado no Código Penal é mais "mãos largas" do que o da Convenção.
A Convenção - e, em meu entender, bem - abriu excepções, que não estão no artigo 6.º do Código Penal, já que, em relação a factos praticados fora do território nacional, mesmo que sejam contra interesses essenciais do Estado português, não admite qualquer excepção a esse princípio, no caso de a pessoa já ter sido julgada noutro Estado.
Ora, perante isto coloco duas questões, sendo a primeira a seguinte: como é que isto se conjuga com o facto de na Convenção constar um artigo que diz que qualquer disposição mais favorável àquilo que vem na Convenção é aplicável. Portanto, mais favorável, entre aspas, porque, a meu ver, o Estado nem sempre pode abrir mão do seu poder punitivo. Ou seja, como é que, depois, se conjuga esse preceito com as excepções, com as declarações feitas pelo Estado português, porque contrariam, de facto, o disposto no artigo 6.º do Código Penal?
Segunda questão: por que é que não se aproveitou o pedido de autorização legislativa para rever o Código Penal, alterando-se esse artigo 6.º, que tantas críticas gerou, mesmo no âmbito dos trabalhos preparatórios.

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, para responder, se assim o desejar.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Odete Santos colocou duas questões, que, no fundo, se resumem a uma, a compatibilidade desta Convenção com o Código Penal. Ora, como é bom de ver, o que está em apreciação é a Convenção e não o Código Penal, e como a Sr.ª Deputada compreenderá nem me sinto habilitado a fazer apreciações a esse Código ou à perspectiva da sua revisão. 0 que posso dizer é que esta Convenção, que a Assembleia está a apreciar, vai ao encontro de uma disposição que está, inclusivamente, estabelecida a nível da Constituição.
Como tive ocasião de dizer na minha intervenção, os contornos desta Convenção são extremamente simples. Trata-se de consagrar um princípio que é relativamente pacífico nas ordens jurídicas internacionais e na generalidade dos Estados, que, por sua vez, coincide com uma disposição explicitamente assumida na Constituição portuguesa, pelo que entendemos não existir qualquer incompatibilidade com o ordenamento jurídico nacional.
Quisemos ter o cuidado - dado a Convenção o permitir - de, em declaração, estabelecer logo os casos de excepção em que, por manifesto interesse nacional, julgámos não dever abdicar dos nossos direitos em matéria de julgamentos e execução de sentença.
Por isso, Sr.ª Deputada, no que diz respeito a esta Convenção explicitamente, do ponto de vista do Governo, julgamos não haver qualquer incompatibilidade com a ordem jurídica interna e, mais, que viria traduzir aquilo que a própria Constituição da República Portuguesa já estabelece.

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP)- - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. De facto, não Fiz críticas à Convenção, tive o cuidado de dizer que não tinha reservas a opor-lhe. 0 que acontece é que esta Convenção veio chamar a atenção para o facto de termos uma disposição no Código Penal, o artigo 6.º, onde há uma abdicação total do poder punitivo do Estado português relativamente a factos ocorridos fora do território nacional.
No âmbito dos trabalhos preparatórios da revisão do Código Penal foram feitas - e esta lei sobrepõe-se ao Tratado, daí eu perguntar como é que as coisas se compatibilizam - várias críticas à proposta tal como está, que veio a ser consagrada, na medida em que não havia restrições a essa abdicação do poder punitivo do Estado português.
No entanto, consta das actas que isso ficaria para a parte especial do Código Penal; porém, não ficou e não se estabeleceram quaisquer restrições a essa abdicação do poder punitivo do Estado. E, na verdade, há interesses essenciais a defender, tais como os que constam da Convenção - nomeadamente, crimes de terrorismo e de organizações terroristas, etc. - mas, de acordo com a redacção do artigo 6.º do Código Penal, se alguém for julgado fora do território nacional por actos que tenham a ver também com infracções de disposições constantes das leis penais portuguesas não poderá ser julgado em Portugal.
Penso que o mérito da Convenção agora em debate é o de chamar a atenção para algumas aberrações existentes na ordem jurídica portuguesa e, neste caso, o Código Penal é altamente censurável e criticável.
Assim, não em relação à declaração da alínea a) do artigo 2.º da Convenção, porque essa se refere também a factos ocorridos, em parte, no território português, mas relativamente às outras duas alíneas, a dúvida permanece: como é que, perante uma situação concreta e vigorando na nossa ordem jurídica o artigo 6.º do Código Penal, segundo o qual não há restrições à abdicação do poder punitivo (não se trata da questão da soberania da lei penal aplicável), funcionam depois estas excepções, quando temos uma lei aprovada pela Assembleia da República, que é uma fonte de direito hierarquicamente superior?
Essas dúvidas permanecerão mas estes reparos, como é óbvio, não vão determinar que o PCP vote esta proposta de resolução de outra forma a não ser favoravelmente.
Na verdade, as excepções constantes da Convenção provam que a confiança de uns Estados no poder punitivo dos outros não é tão grande como poderia pensar-se, o que demonstra que a aplicação deste princípio faz-se agora numa óptica diferente. Nos protocolos internacionais, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, era um direito subjectivo fundamental do cidadão que estava em causa e era defendido, agora, tal como o preâmbulo da Convenção o demonstra, coloca-se de outra maneira e a razão de ser desse facto prende-se com a confiança de uns Estados noutros, que, afinal, como referi, não é tão grande como poderia pensar-se.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

0 Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste fim de tarde e de sessão, gostava de, com apenas algumas palavras, comentar o tratado que aprovaremos.
Na verdade, este tratado mereceria um comentário, mais do ponto de vista da qualidade do que em termos jurídicos. Juridicamente, não há quaisquer problemas e até penso, indo um pouco ao arrepio do que disse a Sr.ª Deputada Odete Santos, que o tratado ficou aquém da lei nacional, o que me parece errado; devia ir na mesma linha e não vejo razão para essa desconfiança nos tribunais europeus, da
Comunidade, quando estamos num processo de integração.
Neste aspecto, a Comunidade está, de certo modo, a reconstituir o antigo império romano - em qualquer parcela do império romano reconhecia-se a justiça praticada noutras parcelas. No fundo, está a transformar-se em direito internacional, neste caso, em direito comunitário, aquilo que é direito interno e, como já foi aqui dito, se o tribunal de Valença do Minho julgar um cidadão, o tribunal de Angra do Heroísmo não pode julgá-lo pelo mesmo crime.
À medida que a Europa põe em comum as suas soberanias, num clima de recíproca confiança e numa fundamental identidade de valores jurídicos e constitucionais, é natural que os Estados confiem uns nos outros; não se faria um acordo destes com um país cuja prática judiciária ou legislação fosse desequilibrada em relação à nossa e, sobretudo, envolvesse um processo de desconfiança.
Neste caso, só posso lamentar que os autores deste tratado comunitário não tinham tido a coragem de ir uni pouco mais longe. Aqui, como noutros aspectos, a economia vai à frente: vamos ter uma moeda única mas ainda não temos a coragem de reconhecer que o tribunal de Estrasburgo, o tribunal de Dusseldorf ou o tribunal de Roma têm igual competência e merecem a mesma confiança que o tribunal de Lisboa. 15so não! Ainda nos toca um pouco!
Como disse, a economia vai à frente. Pois que vã e que isso seja um bom sinal, porque o princípio ne bis in idem, mais do que de direito penal, é um princípio de direitos humanos, de respeito pela pessoa humana para além da sua nacionalidade. Já assim era no império romano onde, ao lado do Corpus Juris Civilis, havia um Jus Gentium, que tratava do direito dos estrangeiros, não com tanto primor como hoje fazemos mas acautelando a dignidade de um estrangeiro desde que não fosse escravo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: 0 meu partido votará favoravelmente esta proposta de resolução, lamentando apenas que estas excepções tenham sido, porventura, um sinal, ainda, de desconfiança, mas lá iremos. Não temos grandes pruridos nacionalistas não é com um nacionalismo exacerbado que chegaremos a algum lado, muito menos quando estamos a esforçar-nos - e temo-lo feito sinceramente em todos os campos, incluindo no da justiça - para integrar a Comunidade Europeia.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Conceição Seixas.

A Sr.ª Conceição Seixas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me parece que a presente Convenção manifeste qualquer desconfiança ou possa criar desconfianças. Ela é clara e traduz, tão-simplesmente, a intenção de ratificar, em Portugal, uma lei internacional, por forma a fazer-se no nosso mundo o que já se pratica em Portugal desde o direito romano, ou seja, a aplicação de um princípio que é indiscutivelmente um imperativo de justiça. E se hoje ele se apresenta a esta Convenção, que, eventualmente, está eivada de uma ou outra qualquer deficiência ou lacuna, essa questão não é bastante para repudiar a sua ratificação.
É de louvar esta Convenção, é de aderir à sua ratificação e é de esperar que ela venha a ser aplicada. 0 CDS-PP e eu, muito particularmente, que sou advogada, não temo o juiz do Algarve assim como não temo o juiz do Norte; não temo o juiz de Espanha assim como não temo o juiz da Alemanha. Não existe, da parte do CDS-PP, qualquer desconfiança ou receios quanto à aplicação da lei que vier a ser feita a um cidadão português na Alemanha, por factos que tenha praticado.
É um princípio fundamental de direito nos países civilizados, é um princípio muito antigo que nunca foi posto em causa e não poderia hoje sê-lo aqui sob pena de retrocedermos muito, muito, nos nossos sentimentos jurídicos axiológicos. Daí, os nossos parabéns a esta Convenção.
Apenas uma última observação, que é um reparo: na apresentação desta proposta de resolução é dito, a dado ponto, que esta Convenção foi aberta à assinatura dos Estados membros em Maio de 1987. Estamos em 1995 e lamento, o que faço com algum negativismo, o facto de só agora estarmos a aprovar a sua introdução no Direito português, mas mais vale tarde do que nunca!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia a apreciação das ratificações n.ºs 126/VI - Decreto-lei n.º 249/94, de 12 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 176-A/88, de 18 de Maio (Revê a disciplina jurídica dos planos regionais de ordenamento do território) (PCP), 127/VI - Decreto-Lei n.º 253/94. de 20 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto (Aprova o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e a tabela de emolumentos dos actos da nacionalidade) (PS), e 128/VI - Decreto-Lei n.º 291/94, de 16 de Novembro, que altera o Decreto-Lei n.º 513n9, de 24 de Dezembro (Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista) (PS).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para
publicação, relativa à votação da
proposta de lei n.º 113/VI.

Considerando ser para o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes desejável proceder à adopção de medidas que conduzam à simplificação e melhoria dos serviços prestados no âmbito de procedimentos que interferem com preceitos estabelecidos no Código Civil e considerando serem essas alterações processuais no sistema tanto mais necessários quanto é sabido, apesar da recusa do Governo em o assumir, que a morosidade continua a caracterizar a justiça no nosso país, entende o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes que a transferência de competências para a simplificação pretendida

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é não só necessária e desejável, desde que em caso algum possa implicar prejuízo para os cidadãos e a salva guarda dos seus interesses, em razão única dos quais, aliás, as mudanças preconizadas se entendem.
Assim, por ser o Partido Ecologista Os Verdes de opinião que a proposta de lei em causa não salvaguarda totalmente nem garante com suficiente clareza a preservação dos direitos dos cidadãos em matéria de defesa de interesses fundamentais para o seu bem-estar (por exemplo, em relação ao divórcio por mútuo consentimento é omissa quanto ao destino da casa morada de família e da pensão de alimentos) e por entender o Partido Ecologista Os Verdes não ser aceitável a transferência de competências em matérias que envolvem conflito de interesses, fazendo-se a necessidade de os dirimir numa óptica meramente administrativa e permitindo-se que questões claramente do foro jurisdicional passem a ser decididas em conservatórias, abstemo-nos na votação da proposta de lei n.º 1 13/VI, cujos propósitos se bem que genericamente partilhados, nos não parecem suficiente nem correctamente formulados e, como tal, capazes de garantir a salvaguarda dos interesses dos cidadãos.

A Deputada de Os Verdes, 15abel Castro.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação,
relativa à votação dos projectos de lei
n.ºs 442/VI, 445/VI e 470/VI.

Tendo sido apresentado e debatido em reunião plenária de 4 de Janeiro de 1995 um conjunto de projectos de lei tendentes a solucionar graves contradições que opõem directamente as administrações portuárias às Câmaras Municipais;
Considerando a natureza dos factos que as diversas propostas legislativas pretendiam remediar e que, no essencial, evidenciam uma prática pelas administrações portuárias de desenvolvimento imobiliário especulativo sobre o espaço público, com fuga ao regime de licenciamento de obras e utilização e pela elaboração de planos de urbanização à revelia dos municípios;
Em vista da declaração produzida pelo Grupo Parlamentar do PSD, de oposição total a todos os projectos de lei apresentados, ilustrando a intenção política de viabilizar práticas atentórias da lei pelas administrações portuárias tuteladas pelo Governo e dando livre curso a erros urbanísticos que poderão desvirtuar as áreas ribeirinhas das nossas cidades portuárias;
0 Grupo Parlamentar do Partido Socialista declara a intenção de votar favoravelmente todos os projectos de lei apresentados sobre a transferência da jurisdição e gestão das áreas ribeirinhas das zonas portuárias e de proceder à reapresentação do seu próprio projecto na próxima oportunidade permitida pelo Regimento desta Assembleia.
0 Deputado do PS, Crisóstomo Teixeira.

Considerando que as zonas costeiras e ribeirinhas constituem um património natural, cultural e paisagístico que importa salvaguardar;
Considerando que essa salvaguarda é tanto mais urgente quanto é precisamente sobre toda a orla costeira e o litoral que, a pretexto de intervenções, os maiores atentados se têm cometido e o caos instalado;
Considerando serem de destacar, de entre as muitas entidades responsáveis por esta situação, as administrações dos portos, pelo grande número de licenciamentos concedidos e atentados ecológicos um pouco por todo o País cometidos e de que são exemplos os muros de betão, as ocupações indevidas, os silos, as extrações de areia, os estaleiros, os restaurantes e tantos outros, numa profusão de malfeitorias a que urge pôr termo;
Considerando ser condição para unia paragem que estanque os atentados e ponha cobro ao extravasar de competências, à ultrapassagem dos limites definidos e ao próprio desvirtuar de actividades que essas entidades num âmbito específico receberam, transferir competências de modificações de usos, transformações ou ocupações em zona ribeirinhas (ou costeiras) para instâncias para tal vocacionadas, legitimadas pelo voto, próximas dos cidadãos e que estejam sujeitas ao seu poder fiscalizador, como naturalmente os municípios o são;
Considerando, ainda, ser essa transferência de bens imóveis de áreas que perderam a vocação para a actividade portuária, hoje reduzida a uma bem mais pequena escala, a única forma de garantir, uma perspectiva de defesa do interesse público, a valorização, recuperação e preservação de zonas de elevada sensibilidade ecológica, como o são as zonas ribeirinhas;
Sendo este objectivo, no caso de Lisboa, um objectivo que, em nosso entendimento, se deve articular e complementar com as próprias medidas de despoluição do rio Tejo e do seu estuário, que o município já vem desenvolvendo, resultando deste propósito a possibilidade de, através desta transferência de áreas que se encontravam sob jurisdição da APL e que, hoje, assumidamente, são desnecessárias à exploração portuária, acabar com o desleixo, o abandono e o lixo a que, durante décadas, estas áreas foram condenadas pela Administração do Porto de Lisboa, contribuindo-se, desta forma ainda, para restabelecer a relação de Lisboa e dos lisboetas com o seu rio e para a sua devolução e fruição de direito;
Entendeu o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes dever aproveitar a oportunidade que o conflito do POZOR ofereceu, e retomando reivindicações que alguns municípios da Área Metropolitana de Lisboa vinham fazendo, para contribuir, como é de seu direito, para a defesa não só de Lisboa e do Tejo como de todo o litoral português, com um projecto que favoreceria a defesa do equilíbrio ecológico.
Contudo, tal não foi nem é o propósito do PSD, como claramente o demonstrou e de modo inequívoco evidenciou no debate e votação, através dos seus deputados, pondo a nu a hipocrisia, ontem como hoje, do seu discurso pseudo-ambientalista e tornando óbvio, quer se trate de Lisboa quer de toda a costa portuguesa e qualquer que seja a instância em que exerce o poder, que continua, como sempre, a facilitar o clientelismo, a dar cobertura à especulação imobiliária, às negociatas, aos atentados ambientais e ao betão que o POZOR que tão ferozmente defende e, aliás, bem simboliza.
A Deputada independente, 15abel Castro.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Augusto Fidalgo. António Costa de Albuquerque de Sousa Lara. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco. Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. Filipe Manuel da Silva Abreu. Jaime Carlos Marta Soares. Jaime Gomes Milhomens.

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João Alberto Granja dos Santos Silva. João do Lago de Vasconcelos Mota. João José Pedreira de Matos. Joaquim Eduardo Gomes. Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha. José Albino da Silva Peneda. José Pereira Lopes. Luís Carlos David Nobre. Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa. Pedro Manuel Cruz Roseta. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho. António Manuel de Oliveira Guterres. António Poppe Lopes Cardoso. Armando António Martins Vara. Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. João António Gomes Proença. José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Maria da Conceição Seixas de Almeida.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):
Domingos Duarte Lima. Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia. Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.

Partido Socialista (PS):

João Cardona Gomes Cravinho. João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. João Paulo de Abreu Correia Alves. José Manuel Marques da Silva Lemos.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Monteiro de Castro.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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