12 DE JANEIRO DE 1995 1103
diz o Governo. Aliás, isso ficou claro - e o acórdão aqui citado é de 1987 -, depois do processo de revisão constitucional de 1989 e do processo legislativo desta Assembleia que levou à aprovação do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91). Foi, então, clarificado definitivamente que condicionar o recurso ao Provedor de Justiça ao esgotamento de quaisquer meios é uma restrição do direito de queixa que a Constituição não prevê. Foi precisamente isto que ficou registado na acta da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, pelo Deputado e presidente da Comissão Rui Machete.
0 mesmo diz o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias elaborado sobre as propostas e projectos de 1990, assinado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva. Aí se sublinha, para mostrar o carácter de restrição do direito de queixa, que a natureza do Provedor é a de um órgão não jurisdicional de garantia de direitos, em face do qual é reconhecido a todos os cidadãos o direito de apresentarem queixas por acções ou omissões dos poderes públicos, e ainda o facto de a Constituição estabelecer expressamente que a actividade do Provedor de Justiça é "independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis".
Como demonstra o actual Provedor, depois da revisão constitucional de 1989 e da fórmula adoptada para o artigo 268.º, n.º 4, não é hoje possível sustentar, como chegou a fazer Freitas de Amaral, com argumentos tirados do paralelo regime do recurso contencioso, que nada impediria esta imposição de esgotamento da via hierárquica.
Pelo contrário, esta imposição frustra e pode mesmo inviabilizar e tornar inútil a intervenção do Provedor, que se veria coagido a assistir passivamente à violação de interesses ou direitos sem poder exercer os seus poderes atempadamente. 15to é, aqueles poderes que a Constituição lhe confere não podiam ser exercidos por força desta restrição.
A proposta quer, pois, fazer regredir a actual prática. da provedoria, cerceando-a e limitando o direito de queixa a tal ponto que a proposta inventa um novo recurso hierárquico exclusivamente para a hipótese de queixa ao Provedor. Se o militar se queixar, mesmo depois de já não ter direito a recurso hierárquico, é recriado esse direito de recurso e tem o dever de o exercer, dirigindo-se primeiro ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas ou CEM do ramo, ficando este com novo prazo de apreciação da matéria e com poderes para deliberar novamente sobre a mesma situação!
Uma última nota sobre esta questão. Tudo isto, que é restritivo e inconstitucional, tem, ainda por cima, um aspecto caricato, já que nada impede que outra pessoa amiga ou familiar do militar faça a mesma queixa e nada impede que o Provedor use os seus poderes próprios e actue ex oficio, mesmo sem ter qualquer queixa para analisar a mesma matéria objecto da tal queixa restringida por força desta proposta de lei.
Srs. Deputados, paralelamente, a proposta restringe o acesso do Provedor de Justiça à administração militar, só a permitindo por mediação do Ministro da Defesa Nacional. Trata-se de uma restrição que o actual Provedor qualifica de violenta.
Trata-se de uma restrição inconstitucional, porque viola poderes do Provedor constitucionalmente garantidos. 0. mais grave é que a Assembleia já dirimiu esta questão, já legislou sobre o assunto, quando, em 1991, aprovou o Estatuto do Provedor de Justiça, fazendo aí a clara opção de explicitar o que até então não sucedia, isto é, que o Provedor tem acção junto das Forças Armadas e tem a dimensão de um provedor militar. Há uma série de artigos onde isso é explicitado, particularmente o artigo 29.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, onde se explicita a administração militar em paralelo com todas as outras instituições sobre as quais o Provedor tem poderes.
Lendo o artigo 29.º, onde se refere que o dever de cooperação com o Provedor abrange todas "as entidades públicas, civis e militares" e onde se expressa que o incumprimento desse dever por "funcionário ou agente ( ... ) das Forças Armadas" constitui crime de desobediência, não restam quaisquer dúvidas que a Assembleia postulou e legislou no sentido de que o "Provedor pode actuar directamente junto de qualquer grau hierárquico das Forças Armadas" citei o "Relatório especial sobre o sistema de cooperação das Forças Armadas face ao Provedor de Justiça", da autoria do ex-Provedor Dr. Mário Raposo, remetido à Assembleia devido ao caso dos comandos. Aliás, foi o incumprimento doloso desta norma, por culpa do Ministério da Defesa Nacional, no tal caso ocorrido com os instruendos do Regimento de Comandos que se tomou a causa próxima do pedido de demissão do ex-Provedor Mário Raposo.
A proposta de lei visa e afronta, assim, a vontade política já manifestada pela Assembleia e procura diminuir o papel constitucional e legal do Provedor de Justiça na área militar, tal como hoje está consagrado.
Srs. Deputados, a proposta levanta outras questões que aqui vou referir sumariamente.
Assim, a proibição de queixas sobre toda a matéria classificada e toda a matéria operacional mesmo que não classificada, deixa a legítima dúvida sobre se há alguma coisa que, tirando o que consta do processo individual, pode efectivamente ser objecto de queixa! A indeterminação e latitude das formulações não é aceitável, na medida em que esvazie de conteúdo o direito de queixa.
Outro aspecto são as referências aos militarizados das Forças Armadas. Concretamente, quem é que se pretende abranger? São os militarizados da Marinha?
0 outro aspecto é a referência às forças de segurança, constante do artigo 3.º, n.º2. Que espécie de promiscuidade aparece novamente entre Forças Armadas e forças de segurança? Quando se regista de vez a diferença entre defesa nacional e segurança interna?
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - Srs. Deputados, a situação em que o Governo se colocou com esta proposta - importa assinalá-lo! - é muito curiosa.
De facto, para justificar, no plano constitucional, as limitações de direitos constantes da proposta, resta ao Governo o único caminho da invocação do artigo 270.º da Constituição, que permite restrições de direitos a militares. Só que a petição individual não consta do elenco de direitos passíveis de restrições ao abrigo desse artigo.
E se se conceder que, apesar da petição individual não constar, é possível esta restrição, então, por força dos artigos da Constituição aplicáveis, são precisos os votos de dois terços dos Deputados da Assembleia da República, o que significa que, sem esses dois terços, a proposta fica bloqueada.
Mais: nos termos do artigo 270.º, as restrições só podem ser aplicáveis aos militares dos quadros permanentes, pelo que sempre ficarão de fora os militares do Serviço Militar Obrigatório.
Srs. Deputados, o Governo justifica esta proposta e as restrições que nela faz incluir com os "valores militares fundamentais que enformam a organização das Forças Ar-