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1114 I SÉRIE - NÚMERO 29

Designadamente, a passagem das Forças Armadas de tradição agrária para Forças Armadas de laboratório, num trânsito que desafia a capacidade de os pequenos países se manterem com peso e dignidade a intervir no sistema global de segurança, exige que se combata a ideia mais comum entre a população, e até sempre consagrada pelos textos constitucionais, de que a participação na segurança e na defesa se traduz e se esgota na obrigação do serviço militar. Conviria transformar num elemento da cultura cívica, sem a qual não há apoio suficiente para o esforço da defesa, que o dever geral é o de participar obrigatoriamente na segurança e defesa do país, obrigação da qual o dever do serviço militar é apenas uma das vertentes.
Já se afirma isto nos conceitos correntes acolhidos pela doutrina das escolas e das estruturas, mas não parece que tenha passado para o património cultural da população. De maneira geral as proposta de alteração merecem aprovação, sem omitir que a evolução da conjuntura e das eventuais obrigações internacionais podem exigir a curto prazo uma nova meditação. Neste momento a evolução das variáveis é dificilmente previsível e, desde a queda do Muro em 1989, a humildade parece uma virtude a cultivar pelos analistas mais responsáveis. Tomemos por isso a proposta como uma demonstração da política dos pequenos passos de acompanhamento responsável da mudança.
Enunciaremos apenas algumas dúvidas, mais jurídicas do que de conceito político sobre os textos. No artigo 28º, n.º 2, e no artigo 29.º, n.º 3, a intervenção do Conselho Superior de Defesa Nacional para a promoção dos oficiais-generais e para as nomeações de titulares dos cargos de comando é considerada condição de eficácia e não de validade, o que pode vir facilmente a traduzir-se, sem vantagem e certamente com prejuízo, num conflito.
Note-se finalmente, porque o sentido da lei fica assim claramente definido, que o facto de se terem retirado as referências legais respeitantes à discordância do Presidente da República quanto às propostas para a chefia do estado-maior não altera a sua competência e natureza constitutiva da intervenção que lhe cabe.
Na conjuntura actual tem importância esta reafirmação de conceito no relatório da proposta e na intervenção do Ministro da Defesa Nacional, porque a harmonia institucional é um direito do País que, em todos os aspectos, deve ser preservado.

Aplausos do CDS-PP.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional: Em Junho de 1991, tive oportunidade de, na Assembleia da República, me pronunciar sobre a matéria que constitui a substância do diploma que agora analisamos. Discutia-se, então, a Lei de Bases da Organização das Forças Armadas e, neste contexto, referi que no respectivo articulado os poderes respeitantes ao Ministro da Defesa Nacional ficavam diluídos, especialmente, na clarificação da situação das chefias militares em relação ao Governo e, muito embora, o diploma indiciasse alguma transferência de competências para o Ministério.
Estamos em 1995, numa situação muito idêntica à anteriormente apontada e só agora a Assembleia se debruça sobre uma legislação de relevante importância e que tem a ver com a prática prosseguida nos países democráticos, mormente naqueles que integram as organizações internacionais relacionadas com a defesa e às quais pertencemos. Só 13 anos depois da aprovação da Lei de Defesa Nacional é que se equaciona uma questão essencial na orgânica do Estado e que é a do posicionamento da hierarquia militar em relação ao poder político.
Em 1982, o meu colega de bancada, Deputado Jaime Gama, em intervenção proferida sobre a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas referia "estar-se então a formalizar a passagem de um regime de separação plena entre as Forças Armadas e o sistema representativo para um regime contraditório de direcção concordatária (...) muito embora se compreendesse o melindre da situação que era patente no civilismo teórico que o Governo de então defendia e a essência dos dispositivos enunciados na Lei (...) Em termos de poder real o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas é equiparado a ministro das Forças Armadas e os chefes dos Estados-Maiores dos ramos a secretários de Estado do exército, da marinha e da força aérea com precedência sobre os restantes."
É, de algum modo, esta situação que se pretende alterar, dando-se assim razão aos que, coerentemente, defenderam a aproximação aos modelos organizacionais que funcionam na generalidade dos países democráticos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei em apreço sugere-nos ainda mais algumas reflexões. Adquirida a ideia sobre um processo de nomeação das chefias militares que normaliza o processo de consolidação de princípios fundamentais que têm a ver, em essência, com a normal dependência das Forças Armadas em relação ao poder político e aos órgãos de soberania, a sua integração no Estado democrático, o apartidarismo e isenção dos seus elementos, a sua noção de dever e patriotismo e a sua assumpção como Forças Armadas nacionais aptas ao desempenho das missões que o povo português, por intermédio do Estado e dos órgãos de soberania, lhes confia, a proposta de lei leva-nos a reflectir também sobre a política de defesa nacional, e neste contexto a abordagem que se vem fazendo em relação à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Até aqui o Governo tem vindo a optar por intervenções cirúrgicas na lei, mas não tem manifestado uma ideia geral sobre a necessidade de revisão de uma lei da maior relevância para o nosso regime democrático. A aprovação, em 1982, desta lei, correspondeu a um ponto alto da actividade desta Câmara consubstanciada a nível dos trabalhos que se desenvolveram para, de forma ponderada e equilibrada, se iniciar uma nova fase das nossas Forças Armadas.
Tratou-se de um trabalho profundo e meticuloso e, por isso, entendemos que estas, quase periódicas, abordagens que consistem em alterações pontuais não são a melhor forma de adequação da legislação de defesa e, mais do que tudo, são reveladoras de constantes e diferentes percepções na política de defesa. Aliás, a título de curiosidade, mencione-se que até a mais recentemente aprovada Lei de Bases de Organização das Forças Armadas é alterada através do diploma em discussão. Mas, e ainda, se há alguma circunstancialidade reconhecível na forma como as leis vêm sendo apresentadas à Assembleia da República não deixa também de haver algumas contradições. Contradições entre esta lei, por exemplo, cujos princípios consideramos ajustados, e outras que entretanto nos chegam, como sejam as propostas de lei sobre mobilização e requisição no interesse da defesa nacional, bases da justiça militar e acesso dos militares ao Provedor de Justiça. Digamos que se distinguem, certamente, por prosseguirem objectivos diferentes, mas também se distinguem pela forma fechada, redutora e mesmo inconstitucional como se apresentam.

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