1116 I SÉRIE - NÚMERO 29
de lei n.º 103/VI, ao propor a alteração da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, particularmente na matéria de nomeação de chefias, revela uma outra componente da política de defesa do Governo que é a tendência para concentrar no Governo e no ministro da Defesa Nacional cada vez mais poderes e cada vez mais formas de interferência e ingerência na vida interna das Forças Armadas.
Foi o que já sucedeu no plano legislativo com a aprovação da Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas. Efectivamente, já a Lei n.º 111/91 governamentalizou áreas de competência própria das Forças Armadas, como sucedeu, por exemplo, quando conferiu ao Ministro da Defesa Nacional poderes para aprovar planos militares, que, por sua própria natureza, pertencem especificamente à área técnico-funcional militar e deveriam pertencer, portanto, à própria estrutura militar. Foi também o que sucedeu com a criação de uma série de serviços e direcções-gerais no Ministério da Defesa e com o consequente esvaziamento da grande parte das funções que cabiam aos serviços, aos ramos e aos respectivos chefes do estado-maior.
Paulatinamente, o Ministro da Defesa Nacional autotransforma-se em chefe das Forças Armadas e estas vão perdendo as características de autonomia funcional e técnica que garantiam o seu rigoroso apartidarismo e a sua colocação exclusiva ao serviço do povo português. A presente proposta vai mais longe e atinge a questão essencial da escolha da direcção militar superior das Forças Armadas para concretizar - e aqui discordo completamente do Sr. Ministro - um verdadeiro processo de ruptura com a legislação actual.
Na verdade, hoje, é o órgão superior das Forças Armadas (o Conselho de Chefes) a propor a lista dos nomes dos mais altos chefes militares, no caso dos chefes do Estados-Maiores dos ramos a partir da lista que lhes é proposta pelo respectivo Conselho Superior. 15so significa que, do ponto de vista qualitativo, as Forças Armadas ao mais alto nível condicionam, intervêm e participam na escolha das suas chefias. Essa é uma marca específica da organização das Forças Armadas, que resulta directamente do seu estatuto constitucional, tal como resulta do artigo 275.º da Constituição, particularmente no seu n.º 4.
Evidentemente que quem define as opções da política de defesa nacional são os órgãos de soberania, nos termos constitucionalmente definidos.
Evidentemente que as Forças Armadas, a quem incumbe a defesa militar da República, devem obediência aos órgãos de soberania competentes, mas estas não são uma qualquer direcção-geral, nem muito menos o braço armado do Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - As Forças Armadas "estão, ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto, quer da sua função para qualquer intervenção política", conforme o n.º 4 do artigo 275.º da Constituição.
Assim, como referem Vital Moreira e Gomes Canotilho, as Forças Armadas não são, pois, "instrumento do Governo" e estão obrigadas no exercício de funções não só a um rigoroso apartidarismo como a uma neutralidade política, que as coíbe de qualquer intervenção política.
Para garantia destes princípios, para além de outras regras, também contribuía, de forma decisiva, a fórmula em vigor de escolha de chefias, em que se partia das propostas da instituição militar, isto é, de uma lista escolhida com critérios técnico-funcionais próprios da instituição militar e não dos critérios político-partidários que, forçosamente, presidem a uma escolha feita por um Governo.
Porém, é isto que o Governo pretende com esta proposta de lei. Acabando com a intervenção da instituição militar no processo de escolha - e digo que a intervenção cessa, porque uma mera audição não condiciona nada nem ninguém - e auto-reservando-se o papel da escolha, o Governo quer privilegiar os seus critérios político-partidários, limitar a autonomia das Forças Armadas e desvirtuar a seu favor a aplicação dos princípios de imparcialidade e neutralidade a que elas estão constitucionalmente sujeitas.
Na exposição de motivos, o Governo diz que não bole com as competências atribuídas nesta matéria ao Presidente da República: não é verdade! A proposta mexe nas competências do Presidente, pois até agora o Presidente faz a nomeação num processo de diálogo com o Governo e com a instituição militar, de que ele é Comandante Supremo.
De facto, esse diálogo é efectivo, já que a rejeição dos nomes propostos pode implicar - e, no limite, obriga - novas propostas por parte da instituição militar.
No entanto, no sistema proposto, o Governo corta a ligação do Presidente da República à instituição militar no processo e reserva para si o papel de única fonte das propostas.
Mais: enquanto a lei actual explicita o que sucede quando o Presidente da República recusava o nome proposto (e um dos efeitos explicitado é que esse nome não podia ser reproposto), essa referência é apagada da proposta, abrindo-se campo para a conflitualidade e provocação institucional e para os bloqueamentos que na exposição de motivos o Governo diz querer evitar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto às competências específicas do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos chefes militares, a proposta consuma novos cortes, em geral, em benefício directo do ministro da Defesa Nacional.
É assim que o ministro passa a ser ele a nomear os comandantes operacionais colocados na dependência do CEMGFA, ou seja, o Ministro passa a controlar o CEMGFA por cima e por baixo!
É assim que quanto ao Presidente do Supremo Tribunal Militar, comandantes chefes e comandantes ou representantes militares de Portugal nas organizações internacionais, a competência, que era do Presidente da República, por proposta do Conselho Superior de Defesa Nacional, tomada por iniciativa do CEMGFA (que, obviamente, propunha ao Conselho Superior de Defesa Nacional o nome respectivo), passa agora a ser de proposta do Governo, cabendo ao CEMGFA "solicitar ao Governo, através do Ministro, a proposta respectiva"! Sem mais nem menos: solicitar!!!
É assim que uma série de nomeações que competiam aos chefes do Estado-Maior dos ramos na Lei de Defesa Nacional passa para a competência do Ministro, incluindo comandante naval e comandantes operacionais das Forças Armadas Terrestres e da Força Aérea, directores dos institutos superiores e comandantes das Academias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta tem mais algumas questões, de menor alcance, e que são típicas questões de especialidade. Por exemplo, o que é que se pretende com a revogação da competência do Conselho Superior de Defesa Nacional em tempo de guerra, prevista na alínea b) do artigo 64.º da Lei de Defesa Nacional?
Outro exemplo: será correcto fazer desaparecer a possibilidade da existência de um vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas?
Mas, repito, estas são questões de pouco alcance quando colocadas ao lado das outras questões que a proposta levan-