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Quinta-feira, 12 de Janeiro de 1995 l Série — Número 29

Diário da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE JANEIRO DE 1995

Presidente: Ex.mo Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Ex.m° Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos
Antes da ordem do dia.— Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.ºs 476 e 477/VI ,da proposta de resolução n ° 87/VI e de requerimentos.
O Sr Deputado Luís Peixoto (PCP) condenou o Governo e o PSD pela actuação no caso das pessoas infectadas com o vírus da SIDA, através de fusões, respondendo depois a pedidos de esclarecimento dos Sr.s Deputados António Bacelar (PSD), João Rui de Almeida (PS) e Fernando Andrade (PSD).
O Sr Deputado Lima Amorim (PSD) abordou os problemas do sector do comércio e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Joaquim Silva Pinto (PS).
O Sr Deputado Joel Hasse Ferreira (PS) criticou a política industrial do Governo, designadamente quanto aos projectos Renault e Auto-Europa no distrito de Setúbal. Respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado António Alves (PSD).
Foi aprovado o voto n.° 124/VI — De pesar pelo desaparecimento de 20 pescadores de Sesimbra e Setúbal no naufrágio da embarcação "Menino de Deus" (PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes), tendo produzido intervenções os Srs. Deputados António Alves (PSD) Eduardo Pereira (PS), Lino de Carvalho (PCP), Manuel Queiró (CDS-PP), André Martins (Os Verdes) e Mário Tomé (Indep ), após o que a Camará guardou, de pé, um minuto de silêncio.
O voto n ° 126/VI — De protesto pela intervenção militar russa na Tchetchénia e de pesar pelas vítimas civis provocadas por essa intervenção (PS) foi também aprovado. Fizjeram intervenções os Srs Deputados José Lamego (PS), Pedro Campilho (PSD), João Amaral (PCP). Manuel Queiró (CDS-PP), André Martins (Os Verdes) e Mano Tomé (Indep).
Ordem do dia.— O relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a substituição de um Deputado do CDS-PP mereceu também aprovação da Assembleia. Após a apresentação, pelo Sr Deputado Alberto Martins (PS), do relatório da Comissão de Assuntos constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à proposta dec lei n.0 89/VI — Estabelece o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e Forças Armadas, procedeu-se ao debate da mesma. Produziram intervenções, a diverso título, além do Sr Ministro da Defesa Nacional (Fernando Nogueira) e do relator, os Srs Deputados André Martins (Os Verdes), João Amaral (PCP), Correia de Jesus (PSD), Adriano
Moreira (CDS-PP), Mano Tomé (Indep) e Miranda Calha (PS). A proposta de lei n.° 103/Vl — Altera a Lei n.° 29/82. de 11 de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas) foi apreciada, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr Ministro da Defesa Nacional, os Srs Deputados Manuel Sérgio (PSN), Adriano Moreira (CDS-PP), Miranda Calha (PS), João Amaral (PCP), Correia de Jesus (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP) e Mano Tomé (Indep )
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 05 minutos.

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I SÉRIE — NÚMERO 29
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Mata.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregaria Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bote.
José Pereira Lopes.
Júlio José Saraiva Sarmento.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.

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Carlos Manuel Luís. Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Comes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues. António Manuel dos Santos Murteira. João António Gonçalves do Amaral. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Carlos Martins Peixoto. Luís Manuel da Silva Viana de Sã. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Jorge de Agostinho Trindade. Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Maria Helena Sã Oliveira de Miranda Barbosa. Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins. 15abel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

ANTES DA ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: proposta de resolução n.º 87/VI - Aprova, para ratificação, o Quarto Protocolo Adicional à Constituição da União Postal Universal, as Declarações feitas por ocasião da assinatura dos Actos da União, o Regulamento Geral da União Postal Universal, o Regulamento Interno dos Congressos, a Convenção Postal Universal e o seu Protocolo Final, o Acordo referente às Encomendas Postais e o seu Protocolo Final, o Acordo referente aos Vales Postais, o Acordo referente ao Serviço de Cheques Postais e o Acordo referente aos Objectos Contra-Reembolso, que baixou às 3.ª e 5.ª Comissões; projectos de lei n.º 476/VI Reforço dos poderes e meios das áreas metropolitanas (PCP), que baixou à 5.ª Comissão, e 477/VI - Regulamenta os serviços de apoio à CADA e classifica os aspectos da disciplina do acesso aos documentos da Administração Pública (PSD), que baixou à 1.ª Comissão.
Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: ao Governo, a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e Fialho Anastácio; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, do Ambiente e Recursos Naturais e da Justiça, formulados pelo Sr. Deputado Luís Sá -, ao Ministério do Emprego e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pela Sr.ª Deputada 15abel Castro; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Mário Tomé e Raúl Castro; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Lemos Damião; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Pereira Lopes; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia; e ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pela Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
Srs. Deputados, irão reunir a Comissões Eventual para a História do Parlamento e a Subcomissão da Qualidade de Vida.
Entraram, ainda, na Mesa os votos de pesar n.º 122/VI, sobre as vítimas do barco de pesca português "Menino de Deus" e 123/VI sobre a guerra e as vítimas da Tchetchénia.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o voto sobre as vítimas do barco de pesca está a ser objecto de uma redacção conjunta, segundo sou informado, pelo que trataremos desse assunto no fim do período de antes da ordem do dia.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

0 Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As notícias divulgadas ultimamente sobre novos casos de doentes contaminados pelo vírus da SIDA, a forma como o Governo tem bloqueado o funcionamento do Tribunal Arbitral, que tem como objectivo atribuir algumas indemnizações a hemofílicos que foram infectados por produtos derivados do sangue, e a forma como o Governo e o PSD têm reagido perante o que se está a passar é a clara demonstração da insensibilidade, da desumana e intolerável forma como o PSD e o Governo tratam os problemas sociais e a conta em que tem os dramas humanos, nalguns casos originados por sua responsabilidade.

Aplausos do PCP.

Até à data, pelo menos, 120 hemofílicos foram contaminados por lotes de sangue importado, tornando-se seropositivos, 23 já morreram e é desconhecido o número de pessoas não hemofílicas que contraíram a SIDA em consequência de transfusões de sangue.
Hoje sabe-se que, contrariamente ao que os responsáveis pela política de saúde e os responsáveis técnicos por esta temática têm vindo a dizer ao país, não é em Portugal, 100% segura, a administração com fins terapêuticos de sangue e seus derivados.
Desde 1987 que o país foi alertado, pelo então Presidente do Instituto Nacional do Sangue, Dr. Benvindo Justiça, para os riscos que se corriam. De imediato, o Governo e o PSD tiveram consciência da gravidade da situação, cerraram fileiras, demitiram o responsável por tais declarações e iniciou-se a grande cruzada de branqueamento da situação, principalmente dos responsáveis do monstruoso malefício atentatório da vida, primeiramente dos hemofílicos, que hoje se sabe não serem os únicos atingidos.
Tudo começou em Junho de 1985 quando o Ministério da Saúde (que tinha feito um belíssimo negócio ao comprar, quase por metade do preço do mercado, derivados do sangue a uma empresa austríaca pouco credenciada), foi alertado para o facto de o lote n.º 810 536 de factor VIII poder estar contaminado com o vírus da SIDA.
Em Outubro a empresa fornecedora é inibida do direito de comercializar tais produtos no seu país de origem e Leonor Beleza, então Ministra da Saúde, nega existir qualquer perigo, afirmando não haver conhecimento de algum cidadão português infectado após tratamento com sangue e seus derivados.
Porém, 15 meses depois, pelo Despacho n.º 12/86, com 90 dias para entrar em vigor, é admitido o erro e mandado retirar de circulação o referido sangue. No entanto, o lote n.º 810 536 corria, então, nas veias de muitos portugueses e não tinha sido anteriormente destruído por razões económicas. 0 Estado e o PSD pouparam dinheiro em prejuízo de vidas humanas!
Hoje, nos hospitais portugueses continuam a ser infectados indivíduos que nem informados são do risco que correm e eminentes hematologistas continuam a dizer que: "a grande maioria das transfusões no nosso país não obedecem a critérios científicos mínimos e na grande maioria dos hospitais distritais as condições são péssimas - as instalações são más, os equipamentos são obsoletos, o pessoal não é qualificado e não existem responsáveis no serviço de sangue. Mas o pior é que o Instituto Português de Sangue não fiscaliza como deveria as unidades de saúde."
O Instituto Português de Sangue refugia-se na Inspecção-Geral de Saúde e esta afirma que nos últimos anos apenas realizou inspecções pontuais em várias unidades de saúde e admite estarem, finalmente, previstas para 1995 actividades preventivas em diversos hospitais do país para garantir que o circuito entre a recolha e a administração do sangue funciona como deve ser.
Começam a surgir vozes, como a do Subdirector-Geral de Saúde, Dr. Jorge Torgal, que assumem aquilo que o próprio Dr. Paulo Mendo, quando ainda e só médico, defendia, ou seja, que "o Estado não pode eximir-se das suas responsabilidades", tendo sido o próprio Dr. Paulo Mendo, já Ministro, o responsável pela sua nomeação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É neste quadro que o Governo e o PSD, continuam a não reconhecer direitos a todos os que foram contaminados: aos de forma indirecta e aos não hemofílicos.
Começaram também por não reconhecer a sua responsabilidade, mas 13 responsáveis pela política de saúde foram já indiciados pelo Ministério Público.
Alguns hemofílicos ainda alimentaram esperança, quando há mais de um ano o Governo admitiu a possibilidade de atribuir algumas indemnizações, mas, passados mais de 12 meses sabe-se que é intenção do Governo ou do PSD dar "nada". 0 Estado contesta sistematicamente os processos, o tribunal arrasta-se escandalosamente e o Ministro da Saúde congratula-se com tal facto, porque "quanto mais tempo demorar maior é a possibilidade de ser justa a solução."
Diz o Ministro da Saúde, como gosta de o fazer, que se age "segundo o estado da arte", mas o responsável pelo Serviço de Sangue do Hospital de Santo António diz existir um teste que permite a detecção do HIV no chamado período-janela e que não é utilizado, de forma generalizada, por ser caro e demorado. Sabe-se hoje que se prevê implementar a obrigatoriedade da inactivação do sangue; é pena é que seja tão tarde!
São, pois, mais uma vez, causas económicas que levam o Governo e o PSD a assumir o ónus da recusa do direito a uma ajuda compensatória do prejuízo causado aos infectados, quer votando contra propostas apresentadas pela oposição, quer tornando inoperacional o funcionamento do Tribunal Arbitral por ele mesmo proposto.
A consciência de que o assunto não se esgota com o assumir de responsabilidades por parte do Ministério da Saúde e que os portugueses continuarão a exigir a punição dos responsáveis por ocorrências anómalas, que não foi possível esconder por muito tempo, tem sem dúvida um peso importante nesta actuação.
É hora de o Governo e o PSD acabarem com tal insensibilidade e desumana forma de encarar tamanho drama humano.
Esperemos que o próximo passo não seja demitir o Subdirector-geral de Saúde, Dr. Jorge Torgal, seguindo-se assim os passos de Leonor Beleza.
É altura de, com verdade, o Governo e o PSD reconhecerem que deve ser feita justiça e concederem com rapidez as indemnizações que são devidas a todos os portugueses...

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - ..., seropositivos para o vírus da SIDA, hemofílicos ou não, contaminados directa ou indirecta por tratamentos em serviços públicos com sangue e seus derivados.

Aplausos do PCP.

É urgente que o Governo tome medidas concretas, que garantam a segurança na administração de sangue e seus

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derivados com fins terapêuticos, que conduzam a quedem mais um português seja contaminado por uma doença cuja prevenção não é de todo impossível.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados António Bacelar, João Rui de Almeida e Fernando Andrade.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Peixoto falou de concidadãos nossos que, infelizmente, estão infectados com o vírus da SIDA, lançando todas as culpas para cima do Governo e do PSD. Julgo que, com essa atitude, não foi justo e vou dizer-lhe porquê.
V. Ex.ª, como médico que é, sabe que os primeiros casos de pneumonia atípica, pneumocystis carinii, foram descobertos nos Estados Unidos em 1981 - e permita-me que, a este propósito, faça um pequeno historial - e só em 19,83 é que foi identificado o vírus que, mais tarde, foi classificado como HIV-1. Em 1985 apareceu um outro vírus, denominado o HIV-2, em que cuja descoberta participaram cientistas portugueses, nomeadamente, a Professora Odete Ferreira.
V. Ex.ª falou nos hemofílicos, mas esses doentes, como V. Ex.ª sabe, inicialmente recebiam sangue e, mais tantos, é que passaram a receber os derivados do sangue, nomeadamente o factor VIII ou, em determinados casos, o factor Pt. Ora, como nós, em Portugal, não tínhamos a quantidades de dadores suficientes para poder fazer essa fragmentação tínhamos de importá-lo, neste caso particular que o Sr. Deputado falou, da Áustria.
Devo lembrar que todos esses lotes tinham um aval do Estado austríaco e do ministério da Saúde do país que .permitia a importação.
Quero também lembrar-lhe que numa audição parlamentar, em que o Sr. Deputado esteve presente, o Sr. Dr. Benvindo Justiça, reputado técnico e hematologista do Hospital de Santo António, disse - e creio que isso está gravado - que naquele momento, em Portugal, as transfusões de sangue eram completamente seguras, e V. Ex.ª sabe isso tão bem como eu porque, repito, estava presente e ouviu essa afirmação.
Quero, ainda, referir-lhe que na Subcomissão parlamentar da SIDA, de que V. Ex." faz parte, uma das primeiras pessoas que ouvimos foi o actual director do Instituto Português de Sangue e questionámo-lo sobre quais as condições em que estavam a fazer-se as pesquisas, por causa da transmissão de vírus da SIDA, relativamente ao sangue que era transfusionado no nosso país. E, por duas vezes, o director do Instituto Português do Sangue foi a essa Subcomissão e garantiu-nos que estavam a utilizar-se no país todas as condições que eram usadas em qualquer país de primeira linha.
Tínhamos, pois, todos os dados para dizer aos portugueses que ser transfusionado em Portugal não traz riscos, havendo uma confiança total no sangue. Por isso, parece-me que V. Ex.ª foi extremamente injusto naquilo que disse daquela tribuna.
Finalmente, e não querendo ser alarmista, gostaria de colocar-lhe, como médico que é, uma questão. Quem é que nos garante que, neste momento, não existe um HIV-3, que daqui a dois ou três anos se determine que ele existe e que há pessoas infectadas. Quem será, nesse caso, o responsável?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Peixoto, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, quero colocar-lhe uma questão que considero da maior importância.
Este acontecimento é, por certo, o mais grave e sério que ocorreu nos últimos anos em Portugal, no âmbito de todos os ministérios da Saúde. A própria Assembleia da República ficou manchada, ao elaborar um relatório-fantasma, sem análise séria e aprofundada desta matéria, sob a responsabilidade única do PSD/PPD.
O Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva, por mais de uma vez, teve oportunidade de, publicamente - e fez questão nisso -, apoiar a então Sr.ª Ministra da Saúde, Dr.ª Leonor Beleza, quando este problema foi colocado em termos públicos. Por isso, ele, também por mais de uma vez, se corresponsabilizou não por omissão, o que já por si seria grave, mas porque teceu comentários positivos e louvou mesmo a acção política da Dr.ª Leonor Beleza, enquanto Ministra da Saúde, sobre este e outros assuntos, mas particularmente sobre este.
Considero extremamente grave que o Primeiro-Ministro de Portugal, de um Governo que se considera e deve ser responsável, sobre um assunto tão grave e sério que diz respeito à vida das pessoas, tenha feito elogios públicos à então Ministra da Saúde, Dr.ª Leonor Beleza. Continuo a considerar que é inadmissível e inaceitável que o Primeiro-Ministro não tenha tido, até agora, uma palavra para, publicamente, dizer o que pensa sobre este assunto, que é, na realidade, o mais grave que aconteceu nos últimos anos em Portugal, em matéria de saúde.
Por isso, Sr. Deputado Luís Peixoto, gostava que comentasse este facto.
Para terminar, acrescento ainda que, em minha opinião, na sua intervenção houve a lacuna grave de não chamar à responsabilidade o Primeiro-Ministro sobre este assunto de extrema gravidade e que diz respeito tão directamente à vida das pessoas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, depois de o Sr. Deputado João Rui de Almeida ter falado no relatório aprovado nesta Assembleia, pergunto a V. Ex.ª se seria possível solicitar aos serviços que nos entreguem esse relatório, as referências elogiosas feitas pelo Sr. Primeiro-Ministro à então Ministra da Saúde, Dr.ª Leonor Beleza, que constam da comunicação social, e a notícia em que o Sr. Presidente da República também fez referências elogiosas à Dr.ª Leonor Beleza, em Leiria, segundo creio.

O Sr. Presidente: - Não sei se os serviços poderão fazer isso de pronto. No entanto, vou solicitar que diligenciem nesse sentido.
Sr. Deputado Fernando Andrade, tem a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, traz hoje aqui um assunto que

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a todos nos preocupa muito. No entanto, lamento a forma como o fez, com uma demagogia absoluta, utilizando a dor dos infectados como uma "arma" de arremesso política! 0 Sr. Deputado veio fazer afirmações absolutamente incorrectas, infundadas e baseadas apenas em demagogia!
0 Sr. Deputado sabe que o lote n.º 810 536 foi o primeiro a entrar em Portugal inactivado, e não infectante, por ser inactivado. Aliás, faço-lhe um desafio: apresente hoje, isto é, à luz dos conhecimentos de hoje, uma análise que prove que esse lote era infectante. Até hoje não há qualquer análise que o prove. Mais, quantos hemofílicos estavam infectados a essa data? Quando é que começou a doença, quantos estavam infectados até essa data e quantos passaram a estar infectados depois? É preciso fazer essa distinção. Peço-lhe também, se for capaz, que apresente esse dados.
Por outro lado, sabe que, com base em unia análise duvidosa, a Ministra de então mandou retirar o lote dos hospitais a que tinha sido distribuído. Infelizmente, já não existia esse lote. Repito, mandou-o retirar tendo como base apenas uma suspeita, pois a análise era duvidosa, não era conclusiva.
0 Sr. Deputado vem hoje fazer afirmações absolutamente descabidas, alarmistas e irresponsáveis! Vem dizer que não é seguro fazer transfusões em Portugal, que a maioria das transfusões não têm segurança e que na maioria dos locais não são feitas com técnicos capazes. 15so é irresponsável e não é verdade! Não podemos utilizar estas questões da saúde, tão importantes, como "arma" de arremesso política! 0 Sr. Deputado sabe bem que, em Portugal, as transfusões são feitas com o máximo de segurança, igual à de qualquer país do mundo! 0 Sr. Deputado vem aqui alarmar e dizer que isto não é verdade! Sabe bem que as condições de segurança de transfusão, análise e doação de sangue às pessoas que dele necessitam são iguais às de qualquer país. E irresponsável e lamento que venha usar uma situação destas com absoluta demagogia e como pura "arma" de arremesso política!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

0 Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Bacelar, quando diz que, infelizmente, alguns utentes foram tratados com sangue infectado, tem razão. Efectivamente, foram-no. Mas a isso respondo-lhe que, infelizmente, o Estado e o PSD continuam a ignorar esse facto.

0 Sr. Fernando Andrade (PSD): - Tem de o provar!

0 Orador: - É pena que isso aconteça, porque, se se fala hoje em segurança, se os Srs. Deputados António Bacelar e Fernando Andrade dizem que é absolutamente seguro, se é aqui afirmado que foi dito, na Comissão de Saúde, por técnicos, que isso era verdadeiro, então, proponho - é o desafio que vos faço - que mostremos essas declarações a dois utentes que ainda recentemente foram contaminados no Hospital de Cascais, doentes acima de qualquer risco, tendo sido comprovado, aliás, que foram contaminados através de um produto não inactivado. É a esses doentes que devemos ir falar em segurança! Vamos dizer-lhes, a ver se eles acreditam, que é seguro receber sangue em Portugal! Talvez não acreditem, porque têm a doença.
Sr. Deputado João Rui de Almeida, quanto ao inquérito de que falou, à forma como ele foi tratado e aos elogios que houve na altura, felizmente, será o tribunal que lhe irá responder, uma vez que 13 dos responsáveis pelo Ministério da Saúde, neste momento, já foram indiciados. Aguardemos. Julgamos que será possível fazer justiça e, como hoje foi revelado na comunicação social que esses responsáveis tinham consciência do que estavam a fazer, que serão julgados, como, aliás, o foram, exemplarmente, noutros países.
Sr. Deputado Fernando Andrade, quando diz que não havia provas de que o factor VIII não estava contaminado, perdoe-me que lhe diga, falta à verdade. Efectivamente, talvez não haja uma análise 100% segura que o afirme, mas, tal como V. Ex.ª disse, há uma análise duvidosa. Ora, em caso de dúvida, num assunto destes, tão sério e tão grave, era responsabilidade do Ministério retirar de imediato esse lote de sangue.

0 Sr. Fernando Andrade (PSD): - E foi o que fez!

0 Orador: - Irei mostrar-lhe essas análises duvidosas e entregá-las-ei na Mesa.
Sr. Deputado, como justifica, por exemplo, que uma criança de seis anos, sem qualquer história de risco, tenha sido contaminada por esse lote com o vírus da SIDA?

0 Sr. Fernando Andrade (PSD): - Não foi esse lote!

0 Orador: - Justifique-me como é que isso acontece!
Quanto ao que disse, de eu usar demagogia, dizendo que os serviços não estão apetrechados para fazer recolha e administração de sangue em Portugal, Sr. Deputado, não sou eu que o digo, apenas citei responsáveis de alguns serviços de sangue em Portugal, que conhecem directamente o assunto e sabem o que se está a passar. Foi na voz deles que estas palavras foram ditas, e eu, neles, tenha paciência, acredito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lima Amorim.

0 Sr. Lima Amorim (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 sector do comércio foi durante um longo período de tempo considerado um sector subalterno, um mero prolongamento das actividades produtivas: indústria e agricultura.
Hoje, com o eclodir das economias modernas, assiste-se a uma cada vez maior interdependência entre os vários sectores da economia e, como tal, o comércio assume uma importância acrescida, não apenas pelo seu peso quantitativo no conjunto da economia mas sobretudo pela posição que o sector ocupa no novo modelo económico.
Esta importância acrescida, que merece ser realçada, significa também que um comércio não moderno e não competitivo é um factor de bloqueio no desenvolvimento económico de qualquer país.
Todavia, em Portugal, o crescimento do sector está a ocorrer com manifesta lentidão, não lhe permitindo aumentar o papel de motor no desenvolvimento económico, e a evolução recente do comércio, com um número crescente de falências, quebras acentuadas no emprego, redução de vendas, etc., têm-se revelado preocupantes.
Esta tendência regressiva vem confirmar o que há muito vimos afirmando, isto é, que o novo comércio, fruto de décadas de isolamento, debate-se com problemas estruturais profundos que, para serem ultrapassados, exigem grandes alterações num tempo limite.
0 facto de nos primeiros anos de adesão à Comunidade Europeia se ter assistido a uma discriminação do sector

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no acesso aos instrumentos comunitários ainda nos faz perder mais tempo face aos nossos parceiros.
É de reconhecer e louvar o esforço do Governo português, que conseguiu que a Comissão das Comunidades autorizasse a aplicação ao comércio português de fundos estruturais destinados à modernização do aparelho produtivo, o que constituiu caso único na União Europeia.
Hoje, felizmente, esses atrasos podem ser corrigidos mas carecem de uma abordagem global e de adopção, pelos poderes públicos, de um conjunto de medidas complementares, quer no enquadramento do sector, quer no apoio directo às empresas, que reforce a competitividade do tecido comercial.
Essas medidas não podem deixar de passar, em primeiro lugar, por uma regulamentação eficaz da actividade económica e garante de uma sã concorrência.
Ao confundir-se liberalização com desregulamentação, acentuou-se as dicotomias internas do sector, com uma transferência crescente para os grandes grupos (quase sempre dominados por capital estrangeiro) nas áreas com maior dinamismo, deixando-se as pequenas e médias empresas do sector confrontadas com a impossibilidade de poderem ser concorrenciais num cenário em que se assiste, por um lado, à contracção da procura interna e, por outro, à perda acentuada de quotas de mercado.
Neste contexto, avultam, pela sua importância, as questões relacionadas com a nova lei da concorrência e com a legislação aplicável às grandes superfícies comerciais e ao arrendamento comercial.
Relativamente à primeira, é manifesto que, seja pelo complexo processo de decisão que se estabeleceu, seja, pela notória falta de conhecimento para as questões do sector, revelada pelas entidades encarregues dessa apreciação, não se tem verificado uma aplicação efectiva da legislação da concorrência.
0 processo de licenciamento das grandes superfícies comerciais é outra matéria que merece reflexão.
A existência de um excessivo número de grandes superfícies comerciais e a forma como actuam no mercado - que é de todos conhecida -, aliada à não aplicação de regras de concorrência, têm contribuído de forma decisiva para a grave crise que o sector atravessa, com reflexos nas outras actividades produtivas e na economia, em geral.
Ainda na perspectiva de um quadro de medidas enquadradoras do sector, é fundamental que, em matéria de arrendamento comercial, sejam tomadas em conta as reivindicações assumidas pelos representantes dos comerciantes, nomeadamente a não consagração de contratos de arrendamento não habitacional a termo e a actualização brusca e ilimitada das rendas em vigor.
Complementarmente, torna-se necessário implementar um conjunto de medidas de apoio directo às empresas.
Com a entrada em vigor do novo Quadro Comunitário de Apoio, o sector dispõe de um programa específico - o PROCOM - para a modernização/reconversão da actividade comercial. Com um montante previsto de 45 milhões de contos, espera-se um efeito multiplicador na ordem dos 3 pontos, o que significa um investimento de cerca de 160 milhões de contos.
Neste contexto, assume particular importância, porque dirigido às muito pequenas empresas retalhistas, o sistema de apoio às microempresas comerciais.
Mas não tenhamos ilusões. Nem o PROCOM nem o programa especial de apoio às pequenas e médias empresas comerciais, nas suas 14 medidas, são suficientes para provocar alterações profundas no nosso aparelho comercial se simultaneamente não se garantirem outras medidas como, por exemplo, a articulação dos programas de apoio específicos para o sector com medidas visando a formação profissional, quer de empresários, quer de trabalhadores do sector.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De nada servem grandes investimentos em activo fixo se não forem alteradas as profundas debilidades do nosso sistema de ensino e de formação relativamente às reais necessidades das empresas.
0 acesso a fontes de financiamento, sendo um problema de mercado, é-o também de política económica, não podendo deixar de se exigir uma intervenção dos poderes públicos.
Ainda no domínio das relações do sector com as entidades bancárias, importa chamar a atenção para o facto de terem terminado os seis meses de transição do regime dos cartões Multibanco. As instituições bancárias passaram a negociar com cada comerciante, individualmente, as taxas a cobrar na utilização do Multibanco. Os pequenos comerciantes e todos os pequenos agentes económicos, sem qualquer peso negocial face à banca, estão a ter grandes dificuldades em negociar taxas aceitáveis e, em vista das estreitíssimas margens de comercialização que lhes são impostas, não lhes resta outra alternativa a não ser repercutir essas taxas no preço ao consumidor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A informação constitui seguramente um instrumento de actuação empresarial fundamental. Quando a generalidade das empresas comerciais são pequenas ou muito pequenas empresas, só é possível garantir que as mesmas disponham dos conhecimentos necessários, através de um apoio permanente dos serviços de consultadoria.
Por todo o exposto, entendemos que tem de haver diminuição dos custos fiscais das empresas muito pequenas e dos impostos que, não afectando directamente as empresas, acabam por se repercutir na sua actividade comercial.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta matéria, importa salientar as recentes alterações ao Imposto Automóvel, que se concretizaram e estão a ter graves consequências não só para todo o sector automóvel como para as restantes actividades comerciais.
Com isto, transmiti-vos as minhas grandes preocupações neste sector.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Silva Pinto.

0 Sr. Joaquim Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lima Amorim, ouvi-o atentamente e devo manifestar-lhe o meu aplauso pela forma isenta como V. Ex.ª, Deputado da maioria apoiante do Governo, fez uma intervenção altamente crítica, com a qual me solidarizo, em relação ao mesmo Governo.
Sr. Deputado, começo por dizer-lhe que não podia ter mais razão quando sublinhou que as medidas apontadas pelo Governo para o relançamento do comércio tradicional são, para usar a linguagem de V. Ex.ª, manifestamente insuficientes, ao que acrescentarei, em muitos casos, erradas.
Devo ainda sublinhar - e faço-o com toda a franqueza - que não irei tão longe quanto V. Ex.ª no ataque ao Governo, ao apontar-lhe a permissividade relativamente às grandes superfícies. Penso que a modernização do comércio justifica que se possa ir longe nesse domínio. 0 erro, em meu entender, é que não se tem dado apoio ao comércio tradicional para a sua reconversão e especialização.
Permita-me, V. Ex.ª, que, em homenagem à sua intervenção crítica, lhe formule três perguntas.

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Em primeiro lugar, julga V. Ex.ª que com as acções estabelecidas em termos de apoio às micro-empresas, o que tanta satisfação deu ao Sr. Ministro do Comércio e Turismo quando aqui as anunciou e fez com que o Sr. Primeiro-Ministro tivesse referido, em fórum europeu, que esse era um contributo importante do seu Governo, chegaremos a algum lado?
Em segundo lugar, não é V. Ex.ª da opinião de que as verbas obtidas dos fundos comunitários para apoio ao comércio são verdadeiramente provocatórias em relação às que estão a ser aplicadas no domínio da agricultura e da indústria? Não pensa V. Ex.ª, portanto, que o comércio é, uma vez mais, relegado a uma posição subsidiária e verdadeiramente ultrajante?
Em terceiro lugar - e esta pergunta faço-a ao Deputado e ao dirigente associativo -, nota V. Ex.ª alguns sintomas da retoma económica, da tão apregoada retoma económica, nos seus contactos com os comerciantes?

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lima Amorim.

0 Sr. Lima Amorim (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Silva Pinto, agradeço-lhe as palavras que me dirigiu.
Sr. Deputado, não fui tão crítico em relação ao Governo como V. Ex.ª, disse; limitei-me a expor algumas realidades do sector de que tenho conhecimento. Mas ainda bem que referiu esse aspecto, pois, como vê, ao contrário do que alguns dos seus colegas dizem, os Deputados da maioria são livres de exprimir aquilo que sentem acerca dos seus conhecimentos de cada sector.
Portanto, não somos, como dizem, manietados de qualquer forma. Ainda bem que rendeu essa homenagem a mim e à minha bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Em relação ao apoio ao comércio e às micro-empresas, dir-lhe-ei que ele não é suficiente. Como referi na minha intervenção, o que está em causa são problemas de fundo, devendo o sector ser encarado de uma outra forma e não sendo suficientes as 14 medidas que citei. De facto, trata-se de um sector muito complicado, com muitos problemas. Porém, tenho a certeza de que, quer o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, quer o Sr. Secretário de Estado do Comércio e, no fundo, todo o Governo, são sensíveis a esses problemas. Ora, como os apoios foram concedidos em Novembro, julgo que, só em Janeiro, vão começar a ser implementados esses programas. Vamos, por isso, dar mais algum tempo ao Governo, concedendo-lhe o benefício da dúvida e, só depois da devida implementação dessas acções de apoio, voltaremos a "atacar", se for caso disso, com uma intervenção.

0 Sr. Joaquim Silva Pinto (PS): - Falaremos daqui a seis meses!

0 Orador: - Exactamente! Estou à vontade para falarmos daqui a seis meses. E ainda bem que os senhores reconhecem que, daqui a seis meses, estaremos aqui todos para termos esse novo contacto com o sector.
Quanto a saber se as verbas concedidas ao sector são, ou não, provocatórias, gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado Joaquim Silva Pinto, ao senhor que já foi membro do Governo, noutra altura, que essas verbas serão eventualmente provocatórias. Contudo, temos de reconhecer que dos 12 Governos constitucionais este foi o primeiro que foi capaz de obter verbas para um sector que era desconhecido e que conseguiu, pelas suas intervenções em Bruxelas, que o sector das pequenas e médias empresas passasse de uma task force para uma direcção-geral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - 15so deve-se muito ao nosso Governo. Por isso, o Sr. Deputado também deve reconhecer que foi a partir daquilo que nós fizemos, que o nosso Governo fez, que se conseguiu passar de uma task force para uma direcção-geral, o que foi muito importante.
Relativamente ao problema da retoma, Sr. Deputado, por muito que lhe desagrade, ela já começou, embora muito lenta. Porém, segundo a informação que tenho, devido aos lugares que ocupo, quer na União dos Comerciantes do Distrito de Lisboa, quer nas estruturas de cúpula, a retoma, apesar de muito lentamente, está a começar.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

0 Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política deste Governo tem conduzido ao aumento do desemprego e da exclusão social.
As referências da acção do cavaquismo declinante têm sido o pseudopragmatismo político, conjugado com uma ideologia de cunho ultraliberal, atravessada por intervenções de pendor estatizante, que não obedecem a uma lógica estratégica nem são articuladas com qualquer política social digna desse nome.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Apesar da elevada injecção de fundos comunitários, recebidos durante os últimos anos, para a agricultura, para a indústria, para a formação profissional e para as infra-estruturas rodoviárias, se estas últimas se vão vendo, registamos com alarme o que se passa na economia real, nas empresas e nas unidades básicas da vida económica.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo não consegue resolver os problemas da indústria extractiva. E aí estão as minas do Pejão a demonstrá-lo com evidência. Não dizemos que não se possam fechar minas; o que preconizamos é que existam atempadas e garantidas medidas de reconversão profissional dos trabalhadores, de modo a que os cenários que se lhes deparem não sejam ou o da mais negra miséria ou o da instabilidade social e económica permanente.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Outros países reorganizaram economicamente antigas e vastas zonas mineiras, com notáveis esforços de reconversão profissional e de reestruturação do tecido empresarial, sem revelarem a incapacidade manifestada pelo Governo português.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a produção industrial, nos anos que passaram, cresce pouco, estagna ou decresce.
0 próprio produto interno bruto conheceu uma evolução preocupante, no último triénio. Afastámo-nos economicamente dos outros países da União Europeia, no período mais recente da vida do nosso País, também por ausência

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de uma estratégia industrial adequada e concretizada no terreno empresarial, na economia real.
Mas onde a política industrial deste Governo se está a revelar insegura e calamitosa é no sector da indústria automóvel, que alguns pensaram, em tempos, poder vir a substituir em, importância o próprio sector têxtil na economia nacional.
Ultrapassada a fase "estadonovista" da implantação de unidades de montagem de automóvel dispersas por várias regiões do País, aparentemente estabeleceu-se com a Renault um projecto estratégico de alcance nacional e repercussões internacionais com elevados custos financeiros.
Por outro lado, e já na vigência do consulado de Cavaco Silva, o projecto Auto Europa emergiu como revestido da capacidade de, instalado em Palmela, ajudar a região de Setúbal a reduzir gradualmente o desemprego, que continua aí muito superior à média nacional, contribuindo ainda para o crescimento ou até o desenvolvimento global da indústria do País.
0 empreendimento Auto Europa, dinamizado pela associação das empresas Ford/Volkswagen, apresentou-se com um elevado potencial gerador de emprego, criando postos de trabalho directos e influenciando, nomeadamente a montante, a criação de muitos outros empregos. Numa península e num distrito carenciados de novos projectos de dimensão apreciável, aparecia para alguns como muito promissor, trazendo para Setúbal e para o País um progresso económico relevante e a resolução simultânea de problemas de emprego e de investimento, bem como um sólido contributo para o incremento das exportações.
Não pomos em causa a importância de um projecto como o da Ford/VW em Palmela e continuamos a achar que a implementação deste projecto é útil para o País e para a região. Algumas considerações interessa, no entanto, fazer.
Não é claro, desde o princípio, até que ponto e com que calendário se integrará este projecto no tecido empresarial português. Quando as condições de custos dos factores se revelarem menos aliciantes do que noutras regiões do globo e quando a geração de determinados fluxos financeiros for atingida, não surgirá a tentação de rumar com o investimento para outras paragens? E o que acontecerá à região de Setúbal, aos trabalhadores e aos fornecedores do empreendimento? 0 empresário privado tem uma lógica própria, competindo ao poder político compatibilizá-la com os interesses económicos e sociais nacionais.
Oportunamente, na região e no País, nós, socialistas, alertámos para previsíveis dificuldades do projecto da Auto Europa.
Sem nunca nos termos oposto a tal empreendimento - muito pelo contrário -, nunca com ele "embandeirámos em arco", sempre alertámos, isso sim, para as dificuldades, previsíveis em torno deste projecto e as eventuais possibilidades alternativas de aplicação dos fundos portugueses e comunitários envolvidos.
E, hoje em dia, o que verificamos? Que no seio da Auto Europa e da Ford/VW se discutem, já nesta fase inicial, reduções do volume de investimento numa perspectiva confirmada neste Parlamento por um responsável governamental.
Essa perspectiva de redução do programa inicialmente previsto terá um efeito negativo directo na prevista criação de empregos, terá obviamente um efeito negativo no acréscimo previsto do investimento e, certamente no próprio volume das exportações; terá ainda obviamente um efeito negativo sobre as empresas que se vão instalando ou desenvolvendo na zona economicamente a montante da Auto Europa, cujo efeito positivo na região e no País se verá assim reduzido.
0 que se passa com a Auto Europa e cuja dimensão exacta não temos ainda condições de apreciar, mas cuja relevância nos compete desde já salientar, será um exemplo único na indústria automóvel deste país? Não.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, recentemente, o País recebeu com alarme a notícia do presumível encerramento das instalações da Renault em Setúbal. Numa primeira fase, o Sr. Ministro da Indústria e Energia reagiu, queixando-se da indelicadeza dos franceses; num segundo momento, informando a comunicação social de que o problema era com o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.
A situação da empresa Renault em Setúbal, que se previu contribuir para um sólido desenvolvimento do distrito, evidencia, pelas notícias vindas a público, uma perigosa perspectiva de encerramento, atingindo largas centenas de trabalhadores e numerosíssimas famílias.
Os investimentos da Renault, em Portugal, já referidos, inseriam-se numa estratégia de desenvolvimento da indústria automóvel e corresponderam também a uma forte participação pública e à concessão de vantagens nos domínios da comercialização, e não só, constituindo um dos alicerces da suposta política automóvel nacional.
Como é possível que um investimento destes se possa, assim, esboroar celeremente, tendo como resposta visível um "jogo de empurra" entre entidades ministeriais?

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Quem, e quando, assume com clareza as responsabilidades existentes e procura clarificar as eventuais inflexões estratégicas que se possam justificar?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, socialistas, nem nos queixamos da evolução do mercado mundial nem das consequências da globalização da economia.
0 que julgamos é que, face às oportunidades e às ameaças surgidas, têm de redefinir-se rapidamente estratégias sectoriais inseridas numa perspectiva global de actuação, que não confunda a intervenção política do Estado, frequentemente necessária, com interesses abusivos ou até arbitrários na esfera económica.

0 Sr. Joaquim Silva Pinto (PS): - Bem dito!

0 Orador: - Temos tido demasiado abuso e arbitrariedade por parte do Governo na esfera económica e têm rareado as políticas coerentes e eficazes, as estratégias adequadas e concretizadas, que contribuam para o desenvolvimento económico nacional e a criação de empregos e que combatam a exclusão social.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é, pois, clara a política da indústria automóvel em Portugal. 0 possível ou provável encerramento da Renault, em Setúbal e as reduções de investimento discutidas para a Auto Europa, em Palmela, criam expectativas negativas para a situação da indústria automóvel em Portugal, nomeadamente na zona de Setúbal - Palmela, expectativas negativas essas com repercussões em todo o tecido económico nacional.
Os efeitos negativos que se geram em termos de emprego pela conjugação do previsível encerramento de um empreendimento e pela eventual redução do investimento previsto no outro geram preocupações fundas nas empresas fornecedoras, permitindo formular a interrogação: será que estes novos elefantes morrem ou começam a embranquecer ainda tão novos?
0 distrito e a região de Setúbal sofreram, durante um largo período, das hesitações provenientes da incapacida-

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des de definir com rapidez um modelo alternativo para as elevadas concentrações de unidades industriais que a reorganização global dos mercados mundiais, a obsolescência tecnológica, os condicionamentos energéticos ou as dificuldades de gestão tinham posto em causa.
E se uma malha industrial e de serviços, nomeadamente de pequenas e médias empresas, se foi afirmando nos últimos anos, dinamizada designadamente por novos empresários e apoiada aqui e além pelos fundos comunitários, a verdade é que o Governo não tem conseguido apoiar, da maneira que lhe seria exigível, o desenvolvimento desta região, vendo-nos todos agora confrontados com os problemas referidos na área da indústria automóvel e noutros domínios da actividade económica.
Efectivamente, não é só nesta indústria que tal incapacidade se verifica.
Por exemplo e para só citar um caso geograficamente próximo, diremos que o Governo não consegue resolver os problemas do turismo nem das empresas turísticas. 0 folhetim dos sucessivos adiamentos da assembleia de credores da Torralta tem evidenciado a incapacidade governamental de assumir as suas responsabilidades políticas e financeiras e delas tirar as consequências mais benéficas para o desenvolvimento económico, regional e nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Governo não tem conseguido resolver os problemas da indústria e da economia nacional, nem apoiar a sua resolução.
Os casos referidos constituem exemplos paradigmáticos dessa incapacidade.
É também essa incapacidade de resolver os problemas na esfera económica que gera problemas graves nas áreas sociais ou que os agudiza. A insuficiência dos meios de apoio postos ao dispor dos desempregados provoca ou agudiza situações de exclusão social ou até de marginalidade. Encoraja-se o crime e aumenta a insegurança. Os concelhos de Setúbal, Barreiro e Almada são daqueles onde, segundo dados recentes, a criminalidade mais aumentou.
Num complexo caldo de cultura social, onde avultam as causas que podem reforçar a existência e a influência da própria marginalidade, as deficiências e os erros da actuação governamental na área económica contribuem poderosamente para o aumento da exclusão social e para o vasto desânimo de cada vez mais sectores da sociedade portuguesa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante o quadro existente e as situações sinteticamente discutidas, impõe-se uma urgente mudança de política. É preciso um novo governo, com uma nova maioria, que apoie os trabalhadores e os cidadãos, que ajude as empresas a resolverem os seus problemas, que combata a exclusão social, estabelecendo políticas de solidariedade efectiva, e que tenha uma perspectiva e uma estratégia clara de criação de empregos e de aumento do investimento, no quadro de uma economia real ao serviço dos cidadãos.
Para isso, trabalharemos sem descanso! Para combater a situação existente, de desemprego e de exclusão social, não descansaremos, não descuraremos o combate político.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Alves.

0 Sr. António Alves (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, sabe a muita consideração que me merece como amigo e como adversário político, que respeito e admiro. Não entendo, pois, toda essa demagogia vinda de um parlamentar, cujo partido tem pretensões a ser governo.
Como é do seu conhecimento, o emprego tem vindo a crescer no País. Não tanto como gostaríamos, mas o Governo continua a incentivar a criação de empresas.
Sr. Deputado, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: em sua opinião, o investimento realizado nos portos de Setúbal e de Sines, a criação do parque industrial da Quimiparque e da Auto Europa e os incentivos existentes para a criação de indústrias e modernização das existentes não é uma política acertada?
Julga o Sr. Deputado que as minas do Pejão, que estão totalmente esgotadas, têm alguma hipótese de reconversão?
Por outro lado, como sabe, as exportações têm crescido. Para si, isto não é um sintoma de retoma da economia?
Relativamente à Renault, o Sr. Ministro da Indústria e Energia já informou que a mesma terá à sua disposição as verbas que do PEDIP puderem ali ser colocadas, de acordo com projectos ou programas a apresentar pela empresa. Em sua opinião, Sr. Deputado, isto não é uma política correcta do Governo?

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

0 Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Alves, é evidente que um Governo que está há todos estes anos no poder - há anos demais! alguma coisa haveria de ter feito, pressionado pela própria lógica económica.
Quanto à Auto Europa, já exprimi as minhas reservas, aliás em coerência com as reservas expressas na própria campanha eleitoral de 1991. Na altura, chamámos a atenção para estas perspectivas e foi-nos dito que estávamos a ser demagógicos e pessimistas. 0 que está a passar-se é exactamente um dos cenários que traçámos, se bem se lembra, por ocasião da campanha eleitoral de 1991, na qual o eleitorado, pelo menos em Setúbal, nos deu um aumento significativo de votos e nas próximas eleições irá, certamente, colocar o PS à frente do partido de V. Ex.ª.
Quanto à questão da Auto Europa, penso que ficou claro que não somos contra. 0 que nos parece é que se apresenta mirificamente um projecto que, apesar de ter alguma importância neste quadro, não é realmente a salvação que se desejava, tendo-se, ainda por cima, como o Sr. Deputado muito bem sabe, "rapado" um conjunto de verbas comunitárias, para apoiar o projecto Auto Europa, em detrimento de apoios solicitados, e que podiam ter sido dados, pelas pequenas e médias empresas.
Em relação à Quimigal/Quimiparque, devo dizer que a estratégia de desaparecimento da conversão da Quimigal e da construção da Quimiparque é um debate que está em curso, promovido, como muito sabe, pelo meu próprio partido, em várias zonas, nomeadamente no Barreiro, e há, evidentemente, aspectos positivos. Agora, o que se diz é que, em relação ao conjunto dos grandes investimentos da zona, como na siderurgia, construção e reparação naval, indústrias químicas, petroquímicas, o balanço da reconversão, realizada nestes nove anos de cavaquismo, hoje declinante, é insuficiente e negativo.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Com as poderosas verbas postas à disposição pela Comunidade, com a capacidade dos empresários da região de Setúbal e do País, com a capacidade de

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concertação estratégica, que muitos trabalhadores e sindicalistas ali demonstraram, com a capacidade e a paciência da classe média e da juventude, que suporta níveis de desemprego em muito superiores ao da média nacional, este Governo tem feito muito pouco, Sr. Deputado e meu caro amigo.
Quanto às minas do Pejão e outras situações, o problema existe porque o Governo não tem capacidade de fazer a reconversão e de diálogo social.
As explicações dadas pelo Governo e pelas empresas têm de ser enviadas para a comunicação social, porque os trabalhadores já não as ouvem. No próprio distrito de Setúbal - e aqui o Sr. Deputado estará, certamente, de acordo comigo - os esforços, na área da formação e reconversão profissionais, são insuficientes, não estão virados para a criação de novos empregos e, em muitos casos, para a criação de novas empresas.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - A retoma vem ao longe... Nem o Sr. Deputado Lima Amorim ainda a viu! Consta nas cúpulas que ela vem aí! Mas onde está a retoma?! Esta história da retoma, começa a dizer-se, só se verá de facto em evidência quando Cavaco Silva for para o Pulo do Lobo ou para outro "pulo" qualquer.
Quanto à questão da Renault, pois é, as verbas existem. As verbas foram e serão postas à disposição, mas o que; vai fazer a Renault? 0 Sr. Ministro Mira Amaral diz que é com o Sr. Ministro Faria de Oliveira; este - diz o Diário de Notícias - vai a Paris pedir aos accionistas franceses ou ao ministro francês para cá virem. Em que estamos? Onde é que está a capacidade de previsão, de antecipação, estratégica? Gerir e fazer política é, também, prever!
Este Governo tem demonstrado, na área económica, uma total incapacidade de previsão dos acontecimentos. Não percebeu o que é economia global, o que é integração europeia. É altura de, quanto antes, se preparar para ir embora.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos no período da ordem do dia, conforme o anunciado no início da sessão, deram entrada na Mesa três votos de pesar, com os n.ºs 122/VI, 123/VI e 125/VI, do PCP, do PSD e do PS, respectivamente, pelo desaparecimento de 20 pescadores de Sesimbra e Setúbal no naufrágio da embarcação "Menino de Deus", que foram fundidos num único voto de pesar, o Voto n.º 124/VI, que o Sr. Secretário vai ler.

0 Sr. Secretário (José Cesário): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto n.º 124/VI - De pesar pelo desaparecimento de 20 pescadores de Sesimbra e Setúbal no naufrágio da embarcação "Menino de Deus", é do seguinte teor:
Foi com profundo pesar que tomámos conhecimento do naufrágio da embarcação de pesca "Menino de Deus" matriculada em Sesimbra, ocorrido na madrugada do passado dia 7 de Janeiro ao largo de Marrocos.
0 naufrágio da embarcação causou a morte de 20 pescadores, 18 de Sesimbra e dois de Setúbal, tendo-se salvo apenas o contramestre.
Trata-se da maior tragédia havida na comunidade piscatória portuguesa nos últimos anos.
Nesta hora de luto e dor, a Assembleia da República manifesta às famílias dos malogrados pescadores, e à comunidade piscatória de Sesimbra e Setúbal, o seu mais profundo pesar.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Alves.

0 Sr. António Alves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sesimbra foi há dias abalada por um infausto acontecimento com o afundamento da embarcação "Menino de Deus". Permitam-me, pois, Sr. Presidente e Sr.ªs e Srs. Deputados, que cite um pequeno excerto de Mar Português de Fernando Pessoa, como homenagem aos 20 pescadores, que, com o barco "Menino de Deus", terão desaparecido em águas marroquinas, quando procuravam, num modo de vida de alto risco que escolheram, o seu sustento e o das suas famílias.
"ó mar salgado quanto do teu sal/são lágrimas de Portugal!/Por te cruzarmos, quantas mães choraram,/quantos filhos em vão rezaram!/Quantas noivas ficaram por casar/para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? ( ... )/Deus ao mar o perigo e o abismo deu mas nele é que espelhou o céu".
A esses 20 homens que desapareceram, fora da sua terra e das famílias, as minhas justas e sinceras homenagens.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se diz no voto de pesar, este naufrágio constitui a maior tragédia, no mar, de pescadores portugueses, nos últimos anos, e é, no que se refere a Sesimbra, uma tragédia que dificilmente se apagará da memória de toda a população da vila.
A vila é pequena, somos poucos e quase todos estamos ligados, de uma ou de outra forma, ao mar, à pesca, aos pescadores. Todos ficámos de luto, chorando os familiares ou os amigos do "Menino de Deus". A vida do pescador em terra é a pausa para esquecer a vida tão intensamente vivida, de mãos dadas com o perigo do mar. 0 dia de amanhã, o seu futuro e o dos seus, raramente é equacionado pelos pescadores.
A tragédia do desaparecimento dos pescadores, à dor e ao luto dos seus familiares vai seguir-se, inevitavelmente, um rosário de grandes dificuldades para os que os perderam. Os pescadores ganham em função do que pescam, não amealham o suficiente, não se previnem no seu futuro, nem no futuro dos seus.
Srs. Deputados, este não é só o momento de pesar pelo desaparecimento dos pescadores do "Menino de Deus" é também o momento de preocupação pelo futuro dos seus familiares. Convido-os a que este momento seja ainda o da reflexão, pois temos de encontrar soluções para tudo o que está errado nesta tragédia, soluções para prevenir os erros que precipitam estas tragédias, soluções para minorar as suas consequências.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Em boa hora foi possível congregar os votos inicialmente apresentados pelos vários grupos parlamentares, incluindo o do PCP, num único voto de pesar.
Neste momento trágico para os pescadores de Sesimbra e suas famílias e, no fundo, também para toda a comunidade piscatória do País, a hora é de luto, é de pesar, mas também é, e deve ser, de reflexão sobre as duras condições de trabalho, tantas vezes com débil segurança,

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não regulamentada, que os nossos pescadores têm na faina do alto mar.
Desta vez, neste naufrágio, desapareceram 20 pescadores, 18 de Sesimbra e dois de Setúbal, mas ele não foi o primeiro onde pereceram pescadores na labuta e faina da pesca.
Como é natural, todos nós, a Assembleia da República e o Grupo Parlamentar do PCP em particular, neste momento, convergimos neste voto e na manifestação de pesar à família dos pescadores e a toda a comunidade piscatória, apresentando as nossas condolências pelas mortes ocorridas neste naufrágio. Porém, em meu entender, é também a altura de todos reflectirmos sobre as duras condições de trabalho dos pescadores portugueses e a necessidade de serem criadas condições que lhes garantam, no alto mar como em terra, condições de trabalho e de vida adequadas a esta dura profissão de pescador.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

0 Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer à Câmara que também, como é natural, o CDS-PP elaborou um voto de pesar sobre esta tragédia, mas, em virtude de termos sido previamente informados de que estaria em preparação um voto de pesar conjunto, não o apresentámos à Mesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Inclinamo-nos, naturalmente, perante a tragédia dos que foram vitimados, das famílias e da dureza da vida dos que a ganham a pescar no mar, nomeadamente quando esse modo de vida atravessa uma natural crise, como é o caso em Portugal, onde todos, em particular o meu próprio partido, se batem pela possibilidade da continuação desta actividade. Devo dizer que o fazemos não pela conservação do modo de vida tradicional mas pensando na melhoria das condições em que esse trabalho, honesto, decorre e em que esses homens são obrigados a ganhar a vida.
Neste momento, estas observações parecem-nos a propósito, porque não estão apuradas as condições em que tudo decorreu, mas impressiona saber que, pelo que parece, em poucos segundos, a vida de 20 pessoas foi tragada e nada foi possível fazer em termos de salvamento. Inclinamo-nos, portanto, perante a dureza da vida do mar e esta tragédia, associando-nos, naturalmente, à dor das famílias e aos votos entretanto apresentados.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em meu nome pessoal e do meu grupo parlamentar, quero associar-me às palavras que foram proferidas pelos Sr. Deputados a propósito desta enorme tragédia, como é referido no voto de pesar que foi apresentado e que pela nossa parte subscrevemos.
Esta é a maior tragédia ocorrida com pescadores portugueses nos últimos anos. 0 desaparecimento de 20 pescadores, 18 dos quais da vila de Sesimbra, jovens na sua maioria, é uma perda substancial para a vida desta vila e, sobretudo, para uma população cuja actividade depende, em parte significativa, da faina piscatória. Os reflexos desta perda, para além das vidas desaparecidas, sentir-se-ão também significativamente entre a população de Sesimbra.
Assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que é em momentos como este que importa reflectirmos todos sobre as responsabilidades que temos no sentido da criação de melhores condições de vida e mais e melhores condições de segurança para aqueles que, para ganharem a sua vida, para promoverem os seus filhos na sociedade, são obrigados a trabalhar naquelas condições, contribuindo também para o desenvolvimento do País e da economia nacional. Por isso, repito, penso que este momento deveria servir para que todos os que têm responsabilidades nesta matéria contribuíssem para que esta forma de vida passe a ser menos perigosa para os portugueses que nela trabalham.
Finalmente, dirigindo-me à população da vila de Sesimbra e, em particular, aos familiares das vítimas, quero endereçar-lhes as mais profundas condolências.

0 Sr. Presidente: - Para uma brevíssima declaração, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero associar-me ao voto de pesar apresentado e aproveitar para endereçar as minhas sentidas condolências às famílias enlutadas e a toda a população da vila de Sesimbra.
Para além disso, vou tecer rapidamente uma pequena reflexão sobre a razão por que todos aqueles homens estavam a dormir "que nem, pedras". É que eles trabalham 20 horas seguidas! E porquê? Quais são as condições de remuneração do seu trabalho? 0 que é que lhes impõem os mestres e os armadores? Há quanto tempo andam os pescadores do nosso país em luta dura para terem melhores condições de trabalho, de remuneração e de segurança social? Estas é que são as questões fundamentais! E, neste domínio, o Governo tem de ser acusado por não responder a essa luta e a essas reivindicações...

Protestos do PSD.

Sei que para VV. Ex.ªs nunca é o momento apropriado para falar disto, mas nós não podemos Ficar calados perante uma situação destas!
Concluo, reiterando as minhas condolências às famílias dos pescadores desaparecidos.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 124/VI - De pesar pelo desaparecimento de 20 pescadores de Sesimbra e Setúbal no naufrágio da embarcação "Menino de Deus".

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

Peço à Câmara que guardemos um minuto de silêncio pelos pescadores desaparecidos.

Neste momento, a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, passamos agora à apreciação do voto n.º 126/VI, de protesto, que diz respeito à intervenção militar russa na Tchetchénia.
Antes de dar a palavra aos Deputados que entendam intervir, peço a todos que sejam brevíssimos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

0 Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um grupo de parlamentares do Partido Socialista resolveu apresentar este voto de protesto e de pesar porquanto esta intervenção militar russa na Tchetchénia não está

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minimamente coberta por qualquer norma de direito internacional, nomeadamente as que regulam o direito de ingerência, e porque este facto causa instabilidade e insegurança na Europa. Lembro ainda que se trata de um confronto cultural, na medida em que a população tchetchena é muçulmana em grande maioria.
Ora, o silêncio das competentes instâncias europeias, que não é generalizado, pois o Governo francês e o Governo alemão já intervieram criticamente sobre este ponto, poderá induzir a ideia de que, por parte das democracias europeias, se trata de uma duplicidade de critérios, na medida em que estão a ser vitimizadas populações muçulmanas.
Por esse facto e porque não é legítimo calarmo-nos perante uma intervenção militar num país estrangeiro que não tem a mínima justificação em termos do direito de ingerência humanitária e porque não queremos, de modo nenhum, regressar à política oitocentista das esferas de influência, apresentamos este voto de protesto e de pesar pelas vítimas civis e pela reiterada violação de direitos humanos. Para além disto, instamos o Governo, através do Secretário-Geral da UEO, a que desenvolva as acções diplomáticas convenientes e também a que desenvolva, junto da CSCE, iniciativas diplomáticas adequadas a um arbitramento pacífico do conflito, porquanto também a CSCE tem comissões competentes para a discussão desta matéria.
Penso que o silêncio desta Câmara perante este facto será um beneplácito a um regresso à política de esferas de influência. Aliás, o meu grupo parlamentar teve igualmente oportunidade de protestar a propósito de circunstâncias completamente diferentes mas em que também estava em causa a ingerência em assuntos internos de outros países.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Campilho.

0 Sr. Pedro Campilho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Grupo Parlamentar do PSD não pode deixar de exprimir que certamente nos preocupa tudo o que diz respeito aos direitos humanos, ainda mais num momento como este em que, nesta zona do globo, estão a ser vitimados civis sem qualquer responsabilidade no conflito que se gera, pelo que nos associamos a este voto de protesto.
Certamente que o Governo estará a desenvolver as relações diplomáticas e a accionar os mecanismos diplomáticos que entende, mas gostaríamos de deixar claro que não pode deixar-se passar despercebida uma situação de clara violação dos direitos humanos como esta significa, nomeadamente em relação às populações civis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amara] (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 voto que agora apreciamos é composto por duas partes distintas: por um lado, é um voto de protesto e de pesar propriamente dito, de acordo com o seu título, e ainda um apelo e, na segunda parte, contém uma recomendação ao Governo português.
Quanto à primeira parte, entendemos que a iniciativa é curial e, portanto, que deve ser votada favoravelmente, embora caiba aqui uma nota muito breve sobre quem, ainda há muito pouco tempo, aplaudia entusiasticamente o presidente que agora ordenou estas acções contra civis na Tchetchénia.
Quanto à segunda parte, envolve questões que merecem uma análise cuidada. É que tanto a União da Europa Ocidental (UEO) como a Conferência de Segurança e Cooperação Europeia (CSCE) têm um estatuto definido no qual é questionável que possa caber uma ingerência nos termos em que é proposta neste voto. Assim, entendemos que o conteúdo desta recomendação tem um alcance que ultrapassa as possibilidades conferidas pelo tratado constitutivo da UEO e pelas declarações e actas que dão base à CSCE.
Neste quadro, solicitamos que o voto seja dividido, isto é que seja votado o conjunto constituído pelo primeiro parágrafo e que, depois, se proceda à votação do conjunto constituído pelo segundo parágrafo.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

0 Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tratando-se embora de acções militares que, à face do direito internacional, decorrem no interior de um país, parece inegável que há a violação dos direitos do homem pela existência de numerosíssimas vítimas de violentos combates vítimas civis e escusadas. No entanto, associamo-nos a este pedido que é feito às autoridades russas porque lastimamos igualmente essa violação dos direitos humanos.
Quanto às diligências diplomáticas que são solicitadas ao Governo português, se, porventura, vierem a ser desenvolvidas através da LTEO, entendemos que vêm reforçar as diligências diplomáticas que, há dois dias, foram desenvolvidas pela NATO, nomeadamente a advertência feita por esta última ao governo russo. Ora, conjuntamente com os nossos aliados na NATO, já fizemos chegar uma advertência ao governo russo, com base na violação dos direitos humanos, e as diligências que, eventualmente, venham a ser desenvolvidas através da UEO irão reforçar as anteriores. Entendemos que daí não virá mal nenhum e que, pelo contrário, só poderá ser acrescida a possibilidade de sucesso daquelas diligências diplomáticas, naturalmente delicadas e às quais auguramos sucesso.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Grupo Parlamentar de Os Verdes associa-se a este voto de protesto pelo não respeito dos direitos humanos que está a verificar-se na Tchetchénia devido a intervenção militar. Naturalmente, associamo-nos a este voto de protesto porque entendemos que, de facto, os direitos humanos não estão a ser salvaguardados.
Na segunda parte do voto apresentado, como já foi salientado, é posta em causa a competência da UEO numa intervenção do tipo da que é aqui solicitada, pelo que também sugeríamos que se optasse pela hipótese de se votar autonomamente cada parágrafo do referido voto, se também for esse o entendimento do Partido Socialista.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que estou de acordo com o voto de protesto,

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embora as instituições nomeadas na sua segunda parte não tenham qualquer credibilidade para o desenvolvimento das acções apontadas.
Além do mais, no meu entender, não se trata apenas de uma questão de direitos humanos mas também de direitos dos povos, que, esses sim, estão a ser brutalmente violados.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme o requerido pelo Partido Comunista Português, vamos votar, autonomamente, os dois parágrafos do voto n.º 126/VI - De protesto pela intervenção militar russa na Tchetchénia e de pesar pelas vítimas civis provocadas por essa intervenção.
Vamos então votar o primeiro parágrafo do voto acima identificado, que corresponde à sua primeira parte.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Raúl Castro.

É o seguinte:

A Assembleia da República exprime o seu voto de protesto pela intervenção militar russa na Tchetchénia e um voto de pesar pelas centenas de vítimas civis provocadas por essa intervenção. A Assembleia da República apela às autoridades russas para que cessem a intervenção militar e resolvam pela via do diálogo o conflito com as autoridades da Tchetchénia.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar a segunda parte do mesmo voto.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

É o seguinte:

Preocupados com os efeitos que as violações reiteradas de direitos humanos e uma eventual escalada do conflito possam acarretar para a paz e a estabilidade na Europa, os Deputados à Assembleia da República entendem que chegou o momento das organizações de paz e segurança europeia, com a UEO e a CSCE, desencadearem iniciativas no sentido de se pôr termo ao conflito. Por isso, e atendendo a que cabe neste momento a Portugal a presidência da UEO, os Deputados da Assembleia da República exortam o Governo português a que desenvolva no âmbito da UEO e junto da CSCE as iniciativas diplomáticas adequadas a um arbitramento pacífico do conflito.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, resta-me informar a Câmara de que o voto de pesar n.º 124/VI, já votado, será enviado às famílias dos pescadores que faleceram ou desapareceram e à Câmara Municipal de Sesimbra.

0 Sr. Eduardo Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Eduardo Pereira (PSD): - Sr. presidente, queria apenas lembrar que também o deveríamos enviar à Câmara Municipal de Setúbal.

0 Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos sobre substituição de Deputados.

0 Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Nogueira de Brito, do CDS-PP, a partir do dia 5 de Janeiro corrente, inclusive, pelo Sr. Deputado António Monteiro de Castro e deste, por um período mínimo de 45 dias, a partir do dia 5 de Janeiro corrente, inclusive, pela Sr.ª Deputada Maria Helena Oliveira de Miranda Barbosa.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 89/VI - Estabelece o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e Forças Armadas.
Para proceder à apresentação do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tem a palavra o Sr. Deputado Relator Alberto Martins, por um período de 5 minutos.

0 Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nesta iniciativa legislativa do Governo propõe-se que o regime de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares seja regulado de forma específica e, ao fazê-lo, nalguma medida, é pretendida uma especificação do disposto, quer no texto constitucional quer na Lei n.º 9/91, que regula o Estatuto do Provedor de Justiça.
Em nosso entender e com a explicitação constante da última lei de alteração ao seu Estatuto, o Provedor consagra-se iminentemente como um provedor plurifuncional, sendo ao mesmo tempo provedor dos cidadãos em geral e, também, provedor militar. Não há assim, de acordo com o novo estatuto do Provedor de Justiça e no quadro constitucional, quaisquer limitações ao exercício da sua acção, a não ser as que decorrem do texto constitucional e da Lei do Provedor de Justiça.
Deste modo, mesmo a disposição legal contida na Lei de Defesa Nacional, que restringe ao percurso hierárquico o direito de queixa para o Provedor de Justiça, é, a nosso ver, inconstitucional, principalmente desde que a Lei do Provedor de Justiça regula de forma explícita todo o processualismo e mecanismo de chegada ao Provedor de Justiça.
0 direito de queixa ao Provedor de Justiça cinde-se em dois objectivos fundamentais: por um lado, o direito de os cidadãos militares obterem um meio informal de queixa e de petição individual e, por outro lado, o próprio direito do Provedor de intervir em todos os domínios e actos dos poderes públicos que não sejam órgãos de soberania.
Não faz, aliás, sentido que haja qualquer restrição à acção interventora do Provedor no âmbito militar,

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porquanto o artigo 270.º da Constituição é taxativamente expresso quanto aos limites de exercício dos direitos dos militares e não consagra este limite do direito de petição individual aos militares.
Assim, esta lei, ao impor o recurso hierárquico, é condicionadora, mutiladora e castradora do direito de intervenção dos cidadãos e dos poderes de acção do Provedor de Justiça.
Além do mais, a mesma proposta de lei, ao prever a regra da informação e da operacionalidade como limite de acesso a documentos do Provedor no âmbito da administração militar, consagra uma restrição de direitos, também ela inaceitável, porque a matéria que pode ser vedada ao Provedor é, nos termos do seu Estatuto e da Constituição, a de segredo de justiça e a de segredo de Estado.
Por último, é de duvidosa constitucionalidade que o direito de queixa e o acesso do Provedor de Justiça à instituição militar se deva fazer mediante ou vencendo a barreira do apoio, do controlo ou da aceitação do Ministro da Defesa Nacional.
Esta é uma concepção de intervenção e de cerceamento da acção do Provedor manifestamente inconstitucional e que remete para uma visão arcaica da vida militar, castrense, mutiladora e que despreza a natureza informal da acção do Provedor de Justiça.
Anote-se, para terminar, que o Provedor de Justiça, é plurifuncional, com intervenção no âmbito militar, o que, aliás, não é novo em termos de direito comparado. De facto, se fizermos um cotejo desse mesmo direito, ainda que numa dimensão autónoma, verificamos que existem provedores militares na Suécia, Alemanha, Noruega e noutros países, pelo que esta interpretação, que na exposição de motivos é dito ser o objectivo da proposta de lei, não é uma regulamentação mas, sobretudo, uma regulação ou, se quisermos, uma revisão inconstitucional do Estatuto do Provedor de Justiça.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional, na qualidade de autor da proposta de lei em apreço.

0 Sr. Ministro da Defesa Nacional (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde 1982, ano da entrada em vigor da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, que estava por regular um aspecto relevante do funcionamento da instituição militar, ao qual o Governo confere a maior dignidade, reputando-o como um claro sintoma de maturidade democrática: a forma como os militares podem apresentar queixas ao Provedor de Justiça por acções ou omissões dos responsáveis, a todos os níveis, pelas Forças Armadas.
Tal vazio legislativo, entende-o claramente o Governo, não é compatível com dois valores inerentes à sociedade portuguesa dos nossos dias, que estamos apostados em preservar e aprofundar.
Refiro-me, por um lado, à figura do Provedor de Justiça, acolhida no nosso sistema constitucional e regulada na legislação ordinária com dignidade e equilíbrio tais, que deve ser motivo do nosso orgulho perante as instituições congéneres das democracias mais avançadas.
Refiro-me, por outro lado, à própria instituição militar, hoje maduramente legitimada no seio da sociedade portuguesa, nela integrada e nela participando construtivamente. Aos militares que servem as nossas Forças Armadas portuguesas seria impensável, salvaguardada que seja a integridade destas, impedir o acesso ao Provedor de Justiça.
Sendo urgente legislar, o Governo legislou, tal como o fez relativamente a outros momentos nucleares do sistema jurídico de enquadramento da defesa nacional, em falta desde a entrada em vigor da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, Alguns desses diplomas fundamentais estão, neste momento, em fase de apreciação nesta Câmara.
A regulação do regime de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares chegou, de resto, a ser tentada em momento anterior, tendo várias formações políticas apresentado os seus próprios projectos legislativos, tendo-se revelado, no entanto, tais esforços como inúteis por terem caído as respectivas iniciativas legislativas.
Em abono da verdade, os intentos visados por esses projectos goraram-se apenas em parte, pois o Governo não deixou de analisar atentamente as propostas de então e nelas se inspirou naquilo que lhe pareceu haver de mais positivo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, mais uma vez, estamos perante uma matéria estruturante das Forças Armadas. 0 Governo toma-a como uma questão de Estado e não regateará esforços na procura do consenso entre os partidos com representação parlamentar, sem renegar, porém, os méritos que vê na sua própria proposta.
0 regime elaborado e apresentado pelo Governo, respeitando rigorosamente o artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional, assume-se expressamente com uma lógica de especialidade relativamente ao Estatuto do Provedor de Justiça e à Lei Orgânica da Provedoria de Justiça, sendo pois exclusivamente reguladas as especificidades imanentes à defesa nacional e à organização das Forças Armadas.
E tais especialidades são, realmente, apenas duas.
A primeira resulta da necessidade de prévio esgotamento das vias hierárquicas por parte dos militares queixosos. Bem se compreende que assim não possa deixar de ser, sob pena de se estar a corroer insidiosamente um princípio conatural à organização das Forças Armadas enquanto estrutura de autoridade: a hierarquia. Daí, também, o regime proposto para a intervenção do Ministro da Defesa Nacional, a qual, para além do mais, visa assegurar a salvaguarda integral do interesse do próprio Provedor de Justiça.
A segunda especialidade é, por si própria, evidente: a queixa não pode incidir sobre matéria operacional ou classificada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vale a pena recordar que esta importante questão foi largamente debatida, aquando da discussão, no seio da Comissão de Defesa Nacional, do actual artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Desse debate resulta patente um consenso geral no que respeita à necessidade de não se quebrar o princípio da hierarquia. Concluiu-se, com efeito, que a inevitável conciliação de diferentes momentos constitucionais, de igual relevo, teria que passar pela exigência do prévio esgotamento das vias hierárquicas e pela salvaguarda de determinadas matérias operacionais ou classificadas.
Importante será ainda referir que, no citado debate, jamais se ouviram vozes que considerassem aqueles requisitos como restrições ao direito de queixa.
Além disso, também o Tribunal Constitucional teve oportunidade de analisar as questões agora em causa, através do Acórdão n.º 103/87, publicado no Diário da República, I Série, n.º 103, de 6 de Maio de 1987 - anexo F.
Aquele tribunal começa por dizer que o regime de esgotamento das vias hierárquicas visa garantir que a possibilidade de intervenção do Provedor de Justiça no âmbito das acções ou omissões dos poderes públicos responsáveis pelas Forças Armadas, a solicitação de elementos destas,

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não venha pôr em causa a plena observância do princípio da hierarquia - e do comando -, característica essencial a essas Forças, enquanto "princípio fundamental de organização e estruturação" das mesmas.
Quanto, por sua vez, à inadmissibilidade da queixa ao Provedor de Justiça em matéria operacional ou classificada, também não se trata de uma "restrição", mas antes, e a todas as luzes, de um "limite imanente" implícito ao correspondente direito.
Também não esquecemos que, em 1990, na discussão de uma proposta de lei do Governo e de dois projectos de lei da oposição sobre as mesmas matérias, foram crescendo algumas vozes no sentido de pôr em causa o próprio artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas; revelaram-se então dúvidas quanto à conformidade constitucional da exigência do prévio esgotamento das vias hierárquicas e criou-se o entendimento, que ninguém quis fundamentar, de que qualquer especialidade de um regime neste âmbito, eventualmente, configuraria uma restrição de direitos não autorizada.
É, no entanto, deveras curioso que então, como agora, ao longo de toda a discussão, ninguém se tenha preocupado em saber, quanto ao esgotamento das vias hierárquicas, se a ratio do artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas se mantinha, ou seja, não se falou do princípio da hierarquia, não se disse que estas especialidades de regime não só não tinham surgido por acaso, como eram precisamente essas especialidades, com igual dignidade constitucional, que justificavam aquele debate.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, na proposta de regulação de ambas as especialidades, agora em debate, o Governo limitou-se ao mínimo indispensável.
Quanto ao esgotamento das vias hierárquicas, criou mecanismos vocacionados para desbloquear a impossibilidade de recurso ao Provedor de Justiça naquelas situações em que não existe ou já não pode existir recurso hierárquico, e chegou mesmo a reduzir o prazo geral do indeferimento tácito para 15 dias úteis.
Definiu rigorosamente, por outro lado, o conteúdo das matérias operacionais ou classificadas, não hesitando em impedir que como tal sejam considerados elementos constantes do processo individual do queixoso.
0 interesse de reduzir ao mínimo as especialidades do regime de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares está, além do mais, bem patente noutros momentos da proposta do Governo.
Vejamos: a queixa passa a poder incidir sobre toda a actuação da administração militar, que não apenas sobre actos ou omissões que violem os direitos, liberdades e garantias do militar ou que a este causem prejuízo; a queixa não tem de ser apresentada individualmente por parte dos militares; o âmbito pessoal de aplicação do regime é expressa e claramente definido e o processo de apresentação da queixa é simples e inequívoco.
Trata-se, como já foi dito, de soluções reclamadas pelas especificidades da defesa nacional que têm consagração constitucional e pelos valores fundamentais que enformam a organização das Forças Armadas: a missão, a hierarquia, a coesão e a segurança, com vista à defesa militar da Pátria.
Srs. Deputados, o Governo, tal como o fez na exposição de motivos que acompanha a presente proposta de lei, expressou aqui os seus propósitos com denodo e clareza. Nada tem a esconder. Tem a consciência do mérito do seu projecto e da importância deste processo legislativo e está, naturalmente, preparado e disposto a dialogar no debate parlamentar.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, inscreveram-se os Srs. Deputados André Martins e Alberto Martins,
Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, o Grupo Parlamentar de Os Verdes considera que esta proposta de lei sobre o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e das Forças Armadas é desnecessária, porque esta matéria tem já o devido e suficiente enquadramento legal e regulamentar, designadamente na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e no Estatuto do Provedor de Justiça, aprovados, respectivamente, em 1982 e em 1991, pela Assembleia da República.
A invocação do n.º 3 do artigo 33.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 73.º da Lei de Defesa Nacional, que corresponde à argumentação cio preâmbulo da proposta de lei ora em discussão, é desprovida de sentido, dado que toda a regulamentação que faltava sobre esta matéria ficou aí consagrada e resolvida.
Por outro lado, esta proposta de lei é atentatória do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado por esta Assembleia, designadamente no que se refere às suas funções, poderes, competência e independência.
Finalmente, esta proposta de lei é inconstitucional. Na nossa opinião, dos seis artigos que a compõem, cinco estão, no seu conjunto, feridos de inconstitucionalidade, tanto porque violam direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, consagrados na Constituição da República, como porque restringem os poderes do Provedor de Justiça, também consagrados constitucionalmente.
Consideramos mesmo, Sr. Ministro, que esta proposta de lei é um atentado à Constituição, à legislação em vigor e ao próprio funcionamento do sistema democrático.
Pela nossa parte, Sr. Ministro, entendemos que o único objectivo e razão clara da apresentação desta proposta de lei pelo Governo é escurecer e tornar cada vez menos transparente a vida e a actividade das Forças Armadas, com efeitos extremamente negativos para a sua imagem e para a imagem dos seus profissionais.
Não podemos aceitar que jovens recrutas continuem a morrer, em exercícios, por cansaço, ou afogados, por serem colocados em situações de iminente perigo de morte, sem que haja o apuramento de responsabilidades através de um órgão do Estado independente e que, nestes e noutros casos, quando o Provedor de Justiça, por iniciativa própria ou por queixa que lhe seja formulada, queira intervir, não o possa fazer, como está estabelecido nesta proposta de lei.
Dito isto, Sr. Ministro, e face a todas estas questões, a pergunta que lhe fazemos é no sentido de saber se não está disposto a reflectir e reconsiderar, retirando a proposta de lei n.º 89/VI, de modo a evitar que as indignações alastrem e cresçam.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa está informada de que o Sr. Ministro da Defesa Nacional responde depois de lhe serem dirigidos todos os pedidos de esclarecimento.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

0 Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, diria que a proposta de lei de seis

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artigos, que V. Ex.ª vem, hoje, aqui, defender, é, no sou todo, uma proposta confusa, os seus artigos 1.º, 4.º e 5.º são inúteis e os restantes são inconstitucionais. Ou seja, a referida proposta onde não é inútil é inconstitucional e onde não é inconstitucional é inútil.
Por isso, interrogo-me e interrogo V. Ex.ª sobre os objectivos da proposta que aqui traz. Aliás, pergunto-me até se, com essa proposta, V. Ex.ª não visa pressionar o actual Provedor de Justiça à sua demissão, uma vez que, como sabe, no Colóquio Parlamentar que teve lugar nesta Assembleia, em 16 de Maio de 1994, sobre a temática da Justiça Militar, o Provedor de Justiça, Dr. Menéres Pimentel, a propósito desta proposta de lei, disse de forma muito incisiva e taxativa o que passo a citar: "(...) Em primeiro lugar, como traço essencial, parece-me indiscutível que o artigo 270.º da Constituição não prevê restrição alguma ao direito de queixa ao Provedor de Justiça, sequer o de petição individual.
Em segundo lugar, a exigência de requisitos de legitimidade vai contra a informalidade característica do ombudsman (...)" - do mediador - "(...) e fonte de várias das suas virtualidades.
Em terceiro lugar, a exigência do esgotamento da via administrativa vai contra o ( ... ) artigo 23.º da Constituição, sendo fonte de arquivamentos por inutilidade e de reparos ou recomendações para o futuro - reparos piedosos, sem dúvida.
Em quarto lugar, a meu ver,(...)" - diz o Provedor - "(...) a proposta de lei é inútil, porque não veda iniciativas do Provedor constantes do seu Estatuto (...).
Em quinto lugar, a proposta de lei parece-me perigosa porque não define claramente quais as matérias reservadas. (...) e finalmente, ( ... )" - disse ainda o Provedor - "(...) a proposta de lei parece-me inconstitucional, não só pelo que deixa implícito, mas também por não (...)" respeitar a regra da "(...) proporcionalidade (...)".
Em suma, o actual Provedor de Justiça entende que esta proposta de lei é um aleijão e é inaceitável, em termos constitucionais.
Assim, pergunto: o que pretende V. Ex.ª com a proposta de lei que, apesar de tudo, mantém?

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

0 Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, o senhor disse que esta proposta de lei é desnecessária.
Com certeza, V. Ex.ª conhece a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, que, no seu artigo 33.º, n.º 3, refere que "os termos em que o direito referido no número anterior ( ... )" - ou seja, o direito de queixa dos militares ao Provedor de Justiça - "( ... ) pode ser exercido, bem como a forma de actuação do Provedor de Justiça nesse caso, serão regulados por lei da Assembleia da República".
Ora, se V. Ex.ª conhece a lei e diz que esta proposta é desnecessária, está a fazer um juízo jurídico, para não dizer político, absolutamente erróneo e que não tem resposta possível, ou seja, estamos a ter um diálogo de surdos. E estamos a ter um diálogo de surdos porque V. Ex.ª se recusa a ler o que está no n.º 3 do artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional, que determina que é esta Assembleia que deverá regulamentar o direito de queixa dos militares ao Provedor de Justiça através de uma lei específica.
Por outro lado, V. Ex.ª disse também que eu pretendo bulir com a independência do Provedor de Justiça. Trata-se de uma acusação injusta, sem qualquer sentido e que V.Ex.ª não fundamentou. É que pelo simples facto de, na proposta de lei que o Governo apresentou à Assembleia estar consagrado o princípio de que as informações a que o Provedor de Justiça quiser ter acesso, relativamente às Forças Armadas, são canalizadas através do Ministro da Defesa Nacional, isso não vai bulir absolutamente nada com a sua independência, a sua autonomia e o seu poder. 0 que se estabelece aqui é o mecanismo através do qual o Sr. Provedor de Justiça obterá as suas informações, as quais serão sempre as mesmas, quer as receba através do Ministro da Defesa quer se trate de informações sobre qualquer autoridade militar.
V. Ex.ª produziu afirmações que podem ser atentatórias da minha dignidade, e posso admiti-las, mas V. Ex.ª proferiu afirmações que atentam também contra a dignidade das Forças Armadas. É que V. Ex.ª disse, expressamente, que esta lei contribui para que haja cada vez menos transparência nas Forças Armadas e, Sr. Deputado, essa é uma acusação gravíssima que V. Ex.ª, com certeza, não repetirá, quando tiver oportunidade de usar, novamente, da palavra nesta Câmara. Mais: o Sr. Deputado André Martins irá, com certeza, assegurar que se equivocou ou foi infeliz na sua expressão, porque nas Forças Armadas há transparência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Deputado Alberto Martins, V. Ex.ª falou com a eloquência que lhe é conhecida e respeito muito a sua intervenção.
Talvez não seja V. Ex.ª o destinatário directo da minha resposta, porque talvez V. Ex.ª não tenha culpa do que vou dizer, mas foi a sua intervenção que me suscitou este reparo ou esta observação.
0 Sr. Deputado disse que, na lei, o que não é inútil é inconstitucional e o que não é inconstitucional é inútil, mas o que me parece é que a Assembleia da República, em particular o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, renegou todas as leis que fez no passado. É que, nas duas últimas vezes que vim à Assembleia, o Partido Socialista disse que, afinal, as leis que ele próprio aprovou são más, ou seja, quando o Governo toma uma iniciativa, o Partido Socialista vem dizer que os princípios que fundamentam as propostas de lei apresentadas pelo Governo e por eles votados são maus. Neste caso, aquilo que foi uma iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, isto é, a inclusão do artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional, agora é inconstitucional.
Para ilustrar aquilo que acabo de dizer, vou referir o que o Sr. Deputado Jaime Gama, o Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, disse, na altura, a este propósito, e peço, desde já, muita desculpa, porque, se calhar, estou a citar em excesso os Deputados do Partido Socialista, mas são VV. Ex.ª que me obrigam a fazê-lo.
0 Sr. Deputado Jaime Gama, na altura, disse que, pela vossa parte, o entendimento era o de que esse direito era, de facto, extensível, com duas limitações: por um lado, a ressalva da matéria operacional e classificada e, por outro, e aqui parece que iam ao encontro das preocupações de não transformação do instituto do Provedor de Justiça em algo incompatível com hierarquia e disciplina, a aceitação dessa extensão apenas quando tivessem sido esgotadas as vias hierárquicas ou judiciais, se fosse caso disso, de recurso. Quer dizer, o Partido Socialista, quando é governo, tem uma opinião sobre a Constituição e as leis; quando está na oposição, tem opinião inversa.
Assim não nos entendemos, assim não há diálogo sério entre as forças políticas que constituem este Parlamento! É

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que a Constituição, entretanto, não foi alterada, Srs. Deputados, a Constituição é a mesma! Então, o que é que mudou? Foram VV. Ex.ªs e a vossa postura perante o Governo e as iniciativas legítimas que ele tem trazido a esta Câmara.
Tal como aconteceu com o Serviço de Informações, está a acontecer agora: os senhores fazem leis que são boas quando são VV. Ex.ªs a aplicá-las, mas que são más e tenebrosas para o País quando é o Governo a proceder à sua aplicação. Não vou adjectivar este comportamento, registo-o apenas, mais uma vez, nesta Câmara.
0 Sr. Deputado Alberto Martins referiu ainda que pretendo forçar a demissão do Sr. Provedor de Justiça. Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que tenho a maior estima pessoal pelo Sr. Provedor de Justiça, considero que ele tem desenvolvido um excelente trabalho e que é um bom Provedor de Justiça. Aliás, ele foi votado para o cargo que ocupa por larga maioria desta Câmara, inclusive pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Portanto, Sr. Deputado, não sou eu que estou a tentar promover a demissão do Sr. Provedor de Justiça, é o Sr. Deputado que está a tentar que esta Câmara se demita da sua competência soberana de legislar, o que é grave, só porque o Provedor de Justiça discorda de uma iniciativa legislativa que está, neste momento, a ser submetida ao parecer e votação da Câmara.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Deputado, quem legisla é a Assembleia da República e não o Provedor de Justiça! Os Srs. Deputados é que legislam e é com esse facto que estamos confrontados, independentemente de podermos ter em conta, e temos, com certeza, em devida conta e muito respeito, a opinião das pessoas que não pertencem a esta Câmara.
Sr. Deputado, nem o Sr. Provedor de Justiça nem V. Ex.ª fazem interpretações autênticas da Constituição! Nos termos da lei e da Constituição, o órgão próprio para apreciar em definitivo a constitucionalidade das leis é o Tribunal Constitucional e ele já se pronunciou em relação aos dois pontos a que VV. Ex.ªs se referem.
Quanto à questão da salvaguarda da hierarquia e quanto ao esgotamento dos recursos hierárquicos, já se estabeleceu, num caso e noutro, a doutrina constitucional definida pelo órgão competente, de acordo com a Constituição e a lei, que é o Tribunal Constitucional, pois este tribunal já produziu um acórdão onde refere que não há qualquer inconstitucionalidade nas restrições estabelecidas pela lei que o Governo aqui apresenta.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado André Martins pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, para defesa da consideração, relativamente às afirmações que o Sr. Ministro acabou de fazer.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Miranda Calha pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, para defesa da consideração da bancada do PS.

0 Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Alberto Martins pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. Alberto Marfins (PS): - Sr. Presidente, também para defesa da consideração.

0 Sr. Presidente: - Nos termos regimentais, darei a palavra aos Srs. Deputados no fim do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei sobre o regime de queixa ao Provedor de Justiça, em matéria de defesa nacional e Forças Armadas, versa uma forma específica de um direito fundamental, o direito de petição, que se insere, portanto, na área dos direitos, liberdades e garantias.
Como sempre sucede quando trata dos direitos fundamentais dos militares, o Governo adopta uma atitude conservadora e reaccionária: a proposta traduz, no essencial, as mesmas fórmulas restritivas que dominavam as propostas e projectos (incluindo o projecto do PCP) apresentados há cinco anos à Assembleia da República, então rejeitados, além do mais, suscitando a questão da sua inconstitucionalidade.
0 debate sobre o militar como cidadão e sobre a questão do exercício dos direitos fundamentais por parte dos militares foi um debate que se acelerou muito nos últimos anos na sociedade portuguesa. A aprovação da chamada "lei dos coronéis" deu uma grande contribuição nesse aspecto, quando mostrou que no momento em que a hierarquia, salvo honrosas excepções, cooperava com o poder político na violação de interesses de militares, não assumindo assim o dever de os defender, então, o militar ficava sem mecanismos de defesa, manietado por uma legislação inadequada e injusta.
Entretanto, vinham da Europa sinais claros de mudança, consubstanciados, por exemplo, no relatório Peters, aprovado pelo Parlamento Europeu, e no relatório Apenes, aprovado pela Assembleia do Conselho da Europa.
Só o Governo contínua a considerar esta matéria tabu está na moda! - e a manter a mesma atitude fechada e reaccionária que fundamentou a aprovação, pelo PSD e pelo PS, do artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional, que restringe desmesuradamente os direitos fundamentais dos militares.
Da nossa parte, consideramos que é agora o momento oportuno para trazer a debate da Assembleia da República a necessidade de alterar o artigo 31.º. 0 PCP vai, pois, requerer a apreciação em sede de Comissão do projecto de lei n.º 202/VI, para o que apresentará à Comissão de Defesa Nacional o respectivo projecto de relatório já na próxima semana.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - É evidente que o Governo quer manter o actual elenco de restrições excessivas e desproporcionadas de direitos, liberdades e garantias, porque quer a instituição militar governamentalizada e os militares constrangidos. Mas a Assembleia não pode continuar imune aos sinais de crise e à vontade de mudança. Aqui, é também a defesa de direitos humanos que está em questão.
Srs. Deputados, com a presente proposta de lei, o Governo pretende uma regressão da legislação vigente e da prática que vem sendo seguida pelo Provedor de Justiça. 15to é, o Governo não apresenta esta proposta para melhorar a situação legal ou a prática do Provedor, mas, pelo contrário, para piorar a lei e condicionar o Provedor.
A proposta quer, efectivamente, restringir o direito de petição dos militares. Não é uma mera regulamentação, como

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diz o Governo. Aliás, isso ficou claro - e o acórdão aqui citado é de 1987 -, depois do processo de revisão constitucional de 1989 e do processo legislativo desta Assembleia que levou à aprovação do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91). Foi, então, clarificado definitivamente que condicionar o recurso ao Provedor de Justiça ao esgotamento de quaisquer meios é uma restrição do direito de queixa que a Constituição não prevê. Foi precisamente isto que ficou registado na acta da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, pelo Deputado e presidente da Comissão Rui Machete.
0 mesmo diz o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias elaborado sobre as propostas e projectos de 1990, assinado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva. Aí se sublinha, para mostrar o carácter de restrição do direito de queixa, que a natureza do Provedor é a de um órgão não jurisdicional de garantia de direitos, em face do qual é reconhecido a todos os cidadãos o direito de apresentarem queixas por acções ou omissões dos poderes públicos, e ainda o facto de a Constituição estabelecer expressamente que a actividade do Provedor de Justiça é "independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis".
Como demonstra o actual Provedor, depois da revisão constitucional de 1989 e da fórmula adoptada para o artigo 268.º, n.º 4, não é hoje possível sustentar, como chegou a fazer Freitas de Amaral, com argumentos tirados do paralelo regime do recurso contencioso, que nada impediria esta imposição de esgotamento da via hierárquica.
Pelo contrário, esta imposição frustra e pode mesmo inviabilizar e tornar inútil a intervenção do Provedor, que se veria coagido a assistir passivamente à violação de interesses ou direitos sem poder exercer os seus poderes atempadamente. 15to é, aqueles poderes que a Constituição lhe confere não podiam ser exercidos por força desta restrição.
A proposta quer, pois, fazer regredir a actual prática. da provedoria, cerceando-a e limitando o direito de queixa a tal ponto que a proposta inventa um novo recurso hierárquico exclusivamente para a hipótese de queixa ao Provedor. Se o militar se queixar, mesmo depois de já não ter direito a recurso hierárquico, é recriado esse direito de recurso e tem o dever de o exercer, dirigindo-se primeiro ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas ou CEM do ramo, ficando este com novo prazo de apreciação da matéria e com poderes para deliberar novamente sobre a mesma situação!
Uma última nota sobre esta questão. Tudo isto, que é restritivo e inconstitucional, tem, ainda por cima, um aspecto caricato, já que nada impede que outra pessoa amiga ou familiar do militar faça a mesma queixa e nada impede que o Provedor use os seus poderes próprios e actue ex oficio, mesmo sem ter qualquer queixa para analisar a mesma matéria objecto da tal queixa restringida por força desta proposta de lei.
Srs. Deputados, paralelamente, a proposta restringe o acesso do Provedor de Justiça à administração militar, só a permitindo por mediação do Ministro da Defesa Nacional. Trata-se de uma restrição que o actual Provedor qualifica de violenta.
Trata-se de uma restrição inconstitucional, porque viola poderes do Provedor constitucionalmente garantidos. 0. mais grave é que a Assembleia já dirimiu esta questão, já legislou sobre o assunto, quando, em 1991, aprovou o Estatuto do Provedor de Justiça, fazendo aí a clara opção de explicitar o que até então não sucedia, isto é, que o Provedor tem acção junto das Forças Armadas e tem a dimensão de um provedor militar. Há uma série de artigos onde isso é explicitado, particularmente o artigo 29.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, onde se explicita a administração militar em paralelo com todas as outras instituições sobre as quais o Provedor tem poderes.
Lendo o artigo 29.º, onde se refere que o dever de cooperação com o Provedor abrange todas "as entidades públicas, civis e militares" e onde se expressa que o incumprimento desse dever por "funcionário ou agente ( ... ) das Forças Armadas" constitui crime de desobediência, não restam quaisquer dúvidas que a Assembleia postulou e legislou no sentido de que o "Provedor pode actuar directamente junto de qualquer grau hierárquico das Forças Armadas" citei o "Relatório especial sobre o sistema de cooperação das Forças Armadas face ao Provedor de Justiça", da autoria do ex-Provedor Dr. Mário Raposo, remetido à Assembleia devido ao caso dos comandos. Aliás, foi o incumprimento doloso desta norma, por culpa do Ministério da Defesa Nacional, no tal caso ocorrido com os instruendos do Regimento de Comandos que se tomou a causa próxima do pedido de demissão do ex-Provedor Mário Raposo.
A proposta de lei visa e afronta, assim, a vontade política já manifestada pela Assembleia e procura diminuir o papel constitucional e legal do Provedor de Justiça na área militar, tal como hoje está consagrado.
Srs. Deputados, a proposta levanta outras questões que aqui vou referir sumariamente.
Assim, a proibição de queixas sobre toda a matéria classificada e toda a matéria operacional mesmo que não classificada, deixa a legítima dúvida sobre se há alguma coisa que, tirando o que consta do processo individual, pode efectivamente ser objecto de queixa! A indeterminação e latitude das formulações não é aceitável, na medida em que esvazie de conteúdo o direito de queixa.
Outro aspecto são as referências aos militarizados das Forças Armadas. Concretamente, quem é que se pretende abranger? São os militarizados da Marinha?
0 outro aspecto é a referência às forças de segurança, constante do artigo 3.º, n.º2. Que espécie de promiscuidade aparece novamente entre Forças Armadas e forças de segurança? Quando se regista de vez a diferença entre defesa nacional e segurança interna?

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Srs. Deputados, a situação em que o Governo se colocou com esta proposta - importa assinalá-lo! - é muito curiosa.
De facto, para justificar, no plano constitucional, as limitações de direitos constantes da proposta, resta ao Governo o único caminho da invocação do artigo 270.º da Constituição, que permite restrições de direitos a militares. Só que a petição individual não consta do elenco de direitos passíveis de restrições ao abrigo desse artigo.
E se se conceder que, apesar da petição individual não constar, é possível esta restrição, então, por força dos artigos da Constituição aplicáveis, são precisos os votos de dois terços dos Deputados da Assembleia da República, o que significa que, sem esses dois terços, a proposta fica bloqueada.
Mais: nos termos do artigo 270.º, as restrições só podem ser aplicáveis aos militares dos quadros permanentes, pelo que sempre ficarão de fora os militares do Serviço Militar Obrigatório.
Srs. Deputados, o Governo justifica esta proposta e as restrições que nela faz incluir com os "valores militares fundamentais que enformam a organização das Forças Ar-

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madas, entre elas a hierarquia, a coesão e a segurança". Dito de outra forma: na opinião do Governo, a actividade do Provedor é tida como a do grande perturbador e o exercício dos meios constitucionais de defesa de direitos, por parte dos militares, é considerado um acto de indisciplina.
A proposta tem, assim, não só os contornos inconstitucionais referidos e representa, como já referi, o vezo governamental contra o exercício pelos militares dos seus direitos fundamentais, como, por outro lado, transporta uma visão completamente retrógrada do relacionamento dos militares e da instituição militar com a sociedade, visão que rejeitamos, com clareza e frontalidade.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

0 Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, apesar das divergências de opinião, não quero deixar de o cumprimentar pela sua intervenção e de lhe colocar, em sentido rigoroso, dois pedidos de esclarecimento.
Tanto quanto sei, o PCP está na origem das propostas e sugestões que deram lugar à consagração do artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Mais recentemente, em 1989, o Partido Comunista Português apresentou nesta Câmara, como foi, aliás, reconhecido por V. Ex.ª, um projecto de lei que regulamentava o direito de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares e fê-lo em termos que não devem considerar-se muito distantes daqueles que constam hoje da proposta do Governo, ora em apreciação.
Em primeiro lugar, pergunto-lhe se, afinal, o PCP formulou projectos que hoje considera inconstitucionais.

Em segundo lugar, pergunto-lhe se, no seu entendimento, o Estatuto do Provedor de Justiça revogou o artigo 33.º ou, mais amplamente, gostava de saber se, na sua opinião, o artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional está ou não em vigor.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia de Jesus, em primeiro lugar, não foi o PCP que esteve na origem da norma do artigo 33.º. No debate da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, o quadro de restrições aos direitos foi proposto pelo então Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa, Freitas do Amaral, tendo o PCP considerado que não deveria restringi-los porque - e essa foi a formulação encontrada na altura - a lei devia restringir-se àquilo que era o comando constitucional, portanto, a organização das Forças Armadas, não entrando no campo da restrição dos direitos, que devia ser objecto de lei autónoma. E separámos completamente a discussão votando contra esses normativos.
Depois, o que se passou foi que, por força do artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional, o direito de queixa ao Provedor de Justiça foi, na prática, inviabilizado.
Devo até dizer-lhe, Sr. Deputado - e, provavelmente, a sua memória não funcionará neste caso, porque não estava ligado na altura às questões de defesa -, que chegou a haver lamentáveis cenas de ministros da defesa nacional andarem a pedir o nome de militares que exerciam o direito de petição, argumentando que queriam aplicar-lhes penas disciplinares. Lamentável! Chegaram a fazê-lo. Um deles, chegou ao descaramento de o pedir à Assembleia da República. E foi preciso a intervenção corajosa de um presidente da Assembleia, que se senta actualmente na sua bancada, dizendo retundamente a esse ministro que não.
De facto, o que se passava é que durante muito tempo o direito de queixa não pôde ser exercido. Era inviabilizado. 0 nosso projecto de 1989 procurava, aceitando o artigo 33.º, desbloquear essa situação. Porém, aquando dessa discussão em 1990, constatou-se uma coisa evidente: a vontade maioritária da Assembleia era a de considerar que esse não era o caminho para resolver a questão e, mais do que isso, que era inconstitucional a solução do artigo 33.º.
15so foi dito por todas as bancadas, incluindo a sua. Só não é dito pelo Governo, porque ele não consegue ter, em relação a esta questão, uma visão doutrinária. 0 Governo vê isto como uma questão do seu relacionamento com a administração militar, não consegue perceber que estamos no domínio dos direitos fundamentais, não consegue ter, sobre esta questão, a única atitude descomplexada e realista que poderia ter. É por isso que se situa do outro lado.
Não quero perguntar-lhe qual é a sua opinião íntima sobre esta questão, porque não tenho dúvidas sobre ela e vou ouvi-lo daqui a pouco dizer várias coisas... mas também não tenho qualquer dúvida sobre a opinião de todos e cada um dos Deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Portanto, relativamente ao projecto apresentado em 1989, arquivámo-lo, considerámo-lo errado, como o considerou a Assembleia no seu conjunto, e progredimos. Aliás, já registei, no início desta intervenção, que só o Governo é que não progrediu. Neste processo, só o Governo é que se manteve reaccionário e conservador; só o Governo é que considera que não deve mexer...

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atenção ao tempo!

0 Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, de forma muito breve.
Creio que a legitimidade da aplicação do artigo 33.º está completamente abalada. Não sei se se pode dizer que o Estatuto do Provedor de Justiça o revogou, mas, pelo menos, a parte relativa ao relacionamento com a administração militar, não tenho qualquer dúvida que revogou. Hoje, esse relacionamento, por força da Lei n.º 9/91, é directo, não pode ser mediado, aliás, por força também da Constituição.
Na parte relativa à necessidade do esgotamento, há alterações constitucionais muito importantes. Quero recordar, por exemplo, a alteração ao artigo 268.º, n.º 4, da Constituição e a pertinência que ela tem como regime paralelo em relação a esta situação. Creio que a legitimidade da aplicação deste processo está posta em questão. A norma está em desuso, o Provedor aceita as queixas e o que se passa é que o Governo quer, hoje, reconfirmá-la, fazê-la reviver na ordem juridica e na prática da Provedoria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

0 Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei sobre o regime de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos membros das Forças Armadas...

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

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0 Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, é para chamar a atenção para o facto de o Sr. Ministro da Defesa Nacional não estar presente. É evidente que temos aqui o Governo, mas parece-me que o meu colega de bancada, Alberto Martins, não devia fazer a sua intervenção sem que o Sr. Ministro aqui estivesse.

0 Sr. Presidente: - Pretende intervir, Sr. Secretário do Estado dos assuntos Parlamentares?

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Pretendo sim, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, é para esclarecer que o Sr. Ministro saiu por breves instantes, o que é prática habitual em debates prolongados e dizer que seria um grave precedente se V. Ex.ª interrompesse os trabalhos sempre que um dos membros do Governo presentes no debate se ausentasse e tivesse como único critério a importância que esta ou aquela bancada dá à presença deste ou daquele membro do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Governo está representado na Sala e eu peço aos Srs. Secretários presentes na Mesa que transmitam correctamente as informações colhidas, apesar de também estarem ausentes do Plenário, de momento, como vemos, muitos Deputados.
Queira continuar no uso da palavra, Sr. Deputado Alberto Martins.

0 Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei sobre o regime de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos membros das Forças Armadas, constitui, na prática, um regime de proibição de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares.
Esta proposta não é regulamentadora, não se destina a facilitar o processo de queixa dos cidadãos militares, ao Provedor de Justiça, nem se destina a facilitar a intervenção e a acção do Provedor no âmbito militar. Esta proposta constitui, sim, um bloqueio e uma tentativa inaceitável. de condicionamento das exigências constitucionais e de revogação do Estatuto do Provedor de Justiça vigente.
Com esta proposta vê-se que o Governo se dá mal com um Provedor de Justiça "plurifuncional", sem respeito por "coutadas" nos diversos ramos ou sectores da Administração Pública, seja civil ou militar e, por isso, pretende-se, um regresso ao passado, a uma instituição militar fechada, corporativa e na restrita e estreita tutela política e de subordinação ao Governo, independentemente das competências dos restantes órgãos de soberania e órgãos do Estado.
Esta proposta, se aprovada, colocaria o Provedor de Justiça à porta dos quartéis, desgraduado para uma subalternidade que a cada momento poderia ser revista pelas "boas graças" do Ministro da Defesa Nacional.
Mas, para além de instituir um Provedor de Justiça em regime de liberdade condicionada, esta proposta vem restringir, gravosamente, os direitos de queixa dos cidadãos que prestam serviço nas Forças Armadas, condicionando-os ao filtro dos recursos internos e à magnitude de matérias insusceptíveis de queixa, assim como a um controlo informativo e tutelar sobre o seu direito de queixa por parte dos superiores hierárquicos e, no limite, pelo Ministro da Defesa Nacional.
Acresce que, com todo este processualismo dilatório e este vasculhar do procedimento peticionário, o melhor conselho, o mais prudente, o mais sábio que poderemos dar a um militar no activo, neste domínio, é que nunca se queixe ao Provedor de Justiça.
Podemos, claramente, dizer que com esta protecção legal os militares passam a ter, por exemplo, a "benção" dos seus superiores para as reclamações ou queixas que sobre estes fazem. E, por isso mesmo, passam a poder ser bloqueados, ou "acarinhados", no exercício desse seu direito de queixa.
Estamos conversados. Esta lei é arcaizante, eivada de um corporativismo castrense demodé, mutiladora dos poderes do Provedor de Justiça e dos direitos dos cidadãos-militares.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei que estabelece o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e Forças Armadas, compõe-se de um articulado de seis artigos confusos, sendo três desses artigos inúteis e os restantes de duvidosa constitucionalidade, como, aliás, já disse.
Comecemos pelas inutilidades dos artigos 1º, 4º e 5º, respectivamente.
É inútil vir proclamar que os militares podem recorrer para o Provedor de Justiça, nos termos do artigo 1º, nomeadamente, em razão da violação dos seus direitos, liberdades e garantias ou de prejuízo que os afecte. Podem fazer muito mais: nos termos constitucionais, podem reclamar por violação de direitos de terceiros e o próprio Provedor de Justiça pode tomar a iniciativa de iniciar um qualquer processo, até com vista à reposição da legalidade ou da justiça.
É também inútil consagrar um processualismo burocrático, minucioso de identificação, como nome, residência, unidade, estabelecimento, órgãos onde se exerceram funções, "recursos esgotados", vias de comunicação utilizadas (largas ou estreitas), nos termos do artigo 4.º.
A Constituição, que, naturalmente, regula já este assunto, remete para uma plena informalidade que se contém, apenas, nos limites da identificação pessoal como cidadão, à margem de quaisquer regras de legitimidade ou procedimentos específicos que limitem o exercício do direito ou o façam depender de um procedimento labiríntico, desgastante, devassante e, no limite, colocando o queixoso militar na condição de réu militar. 15to não augura nada de bom e corresponde a uma concepção castrense, fechada e restritiva, a pendência do direito de queixa da barreira do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, ou do Chefe de Estado-Maior do respectivo ramo, o que institui, na prática, um poder prévio condicionante e censório do exercício do direito de queixa ao Provedor de Justiça.
Naturalmente que, nos termos constitucionais, o Provedor de Justiça recebe as queixas que lhe são dirigidas, independentemente de processualismos exorbitantes e inadequados.
É, por último, inútil a pretensão de aplicação do regime de queixa aos militares no quadro da definição do seu universo castrense, pois o dispositivo genérico de aplicação da lei está já contido no Estatuto do Provedor de Justiça vigente e na lei constitucional.
Deixadas as inutilidades passemos às alterações substantivas propostas, as quais correspondem a uma revisão inconstitucional do Estatuto do Provedor de Justiça.

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Assim, há três matérias que condicionam, de forma definitiva, o exercício do direito de queixa dos militares ao Provedor de Justiça e lhe desnaturam o conteúdo: as respeitantes ao dever de esgotamento das vias hierárquicas estabelecidas na lei; a impossibilidade da queixa versar sobre matéria operacional ou classificada; a obrigatoriedade da intervenção do Provedor de Justiça, na recolha de elementos, ser feita através do Ministro da Defesa Nacional.
Passemos ao primeiro caso, o do esgotamento das vias hierárquicas.
Vale a pena, a este título, referir que no anterior Estatuto do Provedor de Justiça não estava prevista, explicitamente, a acção do Provedor de Justiça no âmbito das Forças Armadas, a qual só veio a ser consagrada na Lei n.º 9/91, de 9 de Abril.
Anote-se que o Provedor de Justiça tem, agora, livre acesso a todos os locais de funcionamento da administração central, regional, local e institucional, aos serviços civis e militares.
Acresce ainda que, no âmbito do procedimento do artigo 29.º, da Lei n.º 9/91 - Estatuto do Provedor de Justiça -, os órgãos e agentes das entidades públicas, civis ou militares, têm o dever de prestar todos os esclarecimentos e informações que lhe sejam solicitados pelo Provedor de Justiça, que as entidades públicas, civis ou militares, prestam ao Provedor de Justiça toda a colaboração que este lhes solicitar, designadamente informações, e podem efectuar inspecções através de serviços competentes, facultando-lhe documentos e processos para exame.
0 anteriormente disposto não prejudica, naturalmente, as restrições legais respeitantes ao segredo de justiça nem a invocação do interesse superior ao Estado, nos casos devidamente justificados pelos órgãos competentes, em questões respeitantes à segurança, à defesa ou às relações internacionais.
Anote-se ainda, neste contexto, que, nos termos da Lei n.º 9/91, "a actuação e intervenção do Provedor de Justiça não é limitada pela utilização de meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis nem pela pendência desses meios."
Poder-se-á, pois, concluir, como fez o então Provedor de Justiça, Mário Raposo, no seu relatório intercalar, enviado à Assembleia da República a 4 de Outubro de 1991, que "o Provedor de Justiça pode actuar directamente junto de qualquer grau hierárquico das Forças Armadas, a não ser na hipótese prevista no n.º 5 do artigo 29.º, em que pode optar pela requisição do militar ao órgão do qual ele dependa..."
Diz ainda mais que, à falta de cooperação, nos termos legais, pode preencher o tipo legal de crime de desobediência, previsto e punido no artigo 388.º do Código Penal.
0 novo quadro legislativo consagrado pela Lei n.º 9/91 - Estatuto do Provedor de Justiça - vem, assim, expressamente consagrar uma plurifuncionalidade na acção do Provedor em todos os domínios de acção dos poderes públicos, ressalvados os actos de natureza jurisdicional e a actividade dos órgão de soberania.
Como dizem J. Gomes Canotilho e Vital Moreira na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, "o Provedor de Justiça é, no sistema constitucional, um Provedor plurifuncional', um 'Provedor médico', um 'Provedor militar', um Provedor do ensino', etc. ..."
Assinale-se que esta especial dimensão do Provedor das Forças Armadas, que o estatuto constitucional incorpora, não constitui uma solução originária do ordenamento português, ainda que se deva relevar, entre nós, o seu carácter de integração unitária, tem já larga tradição em países como a Suécia, a Alemanha e a Noruega.
Antes de nos debruçarmos sobre alguns dos artigos da proposta de lei, importa reter que a Constituição admite, no que se refere aos militares, que a generalidade dos direitos fundamentais, reconhecidos ao "comum" dos cidadãos, possam sofrer restrições, nos termos das regras dos n."' 2 e 3 do seu artigo l8.º .
Mas as restrições ao exercício de direitos fundamentais dos militares e agentes militarizados tem de ter enquadramento constitucional. Assim, a lei constitucional pode estabelecer- e só - restrições ao exercício dos direitos de expressão, de reunião, de manifestação, de associação e de petição colectiva, e a capacidade eleitoral passiva dos militares, como já disse.
Ao indicar, de forma taxativa, os direitos dos militares que podem ser restringidos, conclui-se, de modo preciso, que a petição individual correspondentemente ao direito de queixa ao Provedor de Justiça não está, de nenhum modo, compreendida nessas restrições.
0 artigo da proposta de lei vem consagrar que "sendo queixosos os militares ou os agentes militarizados das Forças Armadas, a queixa referida no artigo anterior só pode ser apresentada ao Provedor de Justiça uma vez esgotadas as vias hierárquicas estabelecidas na lei."
Assim, a proposta de lei retoma idêntico preceito da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, a respeito da qual se discutiu da sua conformidade constitucional.
Mário Raposo, anterior Provedor de Justiça e em pleno exercício desse cargo, dizia sobre o suporte constitucional deste dispositivo: "Trata-se de uma questão duvidosa, se entendido for que a exigência de estarem esgotadas as vias hierárquicas estabelecidas na lei traduz uma verdadeira restrição. ( ... ) tudo leva a supor que a exigência de se encontrarem esgotadas as vias hierárquicas pode afectar o seu conteúdo essencial, a sua raison d'être, o seu sentido útil, a finalidade em que se objectiva. Pois, na verdade, o carácter informal da actividade do Provedor tem como decorrência e justificação o poder constituir uma intervenção expedita não sujeita às concebidas demoras das demais formas dos direitos fundamentais."
A regulamentação agora proposta, com este articulado, quanto a nós, colide, pois, com o núcleo essencial dos poderes do Provedor de Justiça, pondo em causa a informalidade intrínseca da sua acção, cuja natureza se desprende das lógicas de legitimidade, de jurisdicionalidade, ou de quaisquer requisitos processuais.
A dependência, ainda que temporária, do Provedor de Justiça dos meios hierárquicos é uma limitação no tempo e no âmbito dos poderes do Provedor, em colisão com o texto constitucional.
Aliás, a acção tempestiva do Provedor, que é a de apreciar as queixas dos cidadãos, dirigindo aos órgãos competentes recomendações para prevenir e reparar injustiças, desdobra-se quer na defesa da legalidade quer nas sugestões de comportamentos que estão, necessariamente, à margem da apreciação estrita dessa legalidade. E são, pela sua natureza, anteriores ou posteriores a essa apreciação.
Em nosso entender, também a matéria operacional ou classificada sobre o que pode versar a queixa exige clarificação. Assim, nos termos do artigo 3.º da proposta de lei n.º 89/VI, "constitui matéria operacional toda a informação, documento ou material que, embora não classificado, tenha por objecto o sistema de forças ou o dispositivo das Forças Armadas e das forças de segurança."
Na extensão deste artigo não se sabe onde termina o conceito de operacional idade, o qual, se consagrar um simples dever de cooperação, "não prejudica as restrições legais respeitantes ao segredo de justiça e ao segredo de Estado, onde estamos, naturalmente, centrados, numa natural autolimitação da acção do Provedor.

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Mas a vacuidade e a extensão ilimitada do n.º 2 do artigo 3.º centra-se em que a "matéria operacional é toda &,:informação, documento ou material que, embora não classificado, tenha por objecto o sistema ou o dispositivo das Forças Armadas e das forças de segurança", o que torna esta restrição um saco sem fundo, aberta ao arbítrio de uma indeterminabilidade do preceito que desnatura a extensão do direito constitucional de queixa ao Provedor de Justiça e as exigências do dever de cooperação.
Ademais, a fórmula proposta é, desde logo, confusa e, de duvidoso alcance.
No Colóquio Parlamentar sobre Justiça Militar a que já aludi, disse, a propósito deste artigo, Freitas do Amaral (e cito a acta do referido colóquio): "A meu ver, esta é uma fórmula vaga, difícil de interpretar e que, penso, haveria toda a vantagem em transformar numa fórmula clara para todos. 0 que é que se pretende dizer? Pretende-se dizer que o Provedor de Justiça não pode pedir informações, em matéria de Forças Armadas, senão ao Ministro da Defesa Nacional, que não pode ir pedi-las directamente aos Chefes de Estado-Maior ou até a oficiais de escalão inferior a estes últimos? Será isto o que se pretende dizer?" Ninguém sabe.
Acresce que as limitações ao dever de cooperação pelo filtro hierárquico do Ministro da Defesa Nacional não tem estrito carácter regulamentador e consubstancia uma alteração legal de especialidade que, manifestamente, subverte o genérico dever de cooperação de todos os órgãos e agentes da Administração Pública, autonomamente considerados.
Sr. Presidente, Sr. e Srs. Deputados: Direi, em conclusão, que a presente proposta de lei é uma tentativa de revogação ou de revisão inconstitucional do Estatuto do Provedor de Justiça, pondo em causa o seu carácter de independência, de informalidade e de liberdade de acção.
Com esta proposta, para aplicação no âmbito militar, todos ficam a perder: o Provedor de Justiça, que é mutilado inconstitucionalmente nas suas competências; os cidadãos militares, que vêem levantar-se um incidente de suspeição sempre que usem o direito de queixa, o que, na prática, o reduz à sua inexistência.
Fica a ganhar, finalmente, um vezo controleirista, arcaizante, corporativo e tutelar, a que o Ministro da Defesa Nacional dá a sua chancela final. Esta proposta de lei de seis artigos é confusa, em tudo o que não é confusa nem inconstitucional é inútil e em tudo o que não é inútil é inconstitucional. Esta proposta de lei não faz falta ao Estado de direito democrático.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

0 Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Assembleia da República e o Governo, num magnífico exemplo de cooperação institucional, têm vindo a dotar o País com as leis de que este carece em matéria de defesa nacional e Forças Armadas.
No início desta minha intervenção não posso deixar de repudiar as intenções que aqui têm sido atribuídas ao Governo pelos oradores que me antecederam, por tomar esta iniciativa legislativa.
Na verdade, com a apresentação da proposta de lei n.º 89/VI, o Governo dá cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Ao tomar tal iniciativa, o Governo não só dá expressão a imperativos do nosso ordenamento jurídico, mas também acentua a sua preocupação humanista de regular, por forma clara e inequívoca, o exercício do direito de queixa que assiste aos elementos das Forças Armadas em face da violação de direitos, liberdades e garantias, bem como a explicitação dos seus limites.
0 artigo 1.º da proposta de lei reafirma o direito de todos os cidadãos poderem apresentar queixa ao Provedor de Justiça por acções ou omissões dos poderes públicos responsáveis pelas Forças Armadas de que tenham resultado, nomeadamente - e sublinho a palavra "nomeadamente" -, a violação dos seus direitos, liberdades e garantias ou prejuízo que os afecte.
Estamos perante uma formulação universal do direito de queixa oponível aos poderes públicos responsáveis pelas Forças Armadas, direito irrestrito quanto ao seu objecto já que, nos termos da proposta, o mesmo passa a poder ser exercido em relação a quaisquer actos ou omissões.
Atentas as especificidades da defesa nacional e das Forças Armadas, em termos axiológicos e organizacionais, a proposta estabelece, no seu artigo 2.º, que o direito de queixa só pode ser exercido por militares ou agentes militarizados das Forças Armadas depois de esgotadas as vias hierárquicas estabelecidas na lei.
E, para evitar qualquer incerteza ou dilação no exercício do referido direito de queixa, o mesmo artigo dispõe sobre quando se consideram esgotadas as vias hierárquicas e estabelece prazos curtos para o indeferimento tácito e para a preclusão do poder-dever da autoridade recorrida se pronunciar.
Atentos os mesmos valores e interesses, a proposta, no seu artigo 3.º, exclui do objecto da queixa a matéria operacional ou classificada, tendo o cuidado de definir uma e outra.
Por motivos óbvios, a delimitação material constante do artigo 3.º aplica-se não só a todos os militares no activo mas também aos que se encontram na situação de reserva, fora do serviço efectivo ou na situação de reforma, e aos agentes militarizados das Forças Armadas que estejam na situação de reforma.
No que toca à intervenção do Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e das Forças Armadas, o artigo 6.º da proposta de lei estabelece que a recolha de elementos e de informações será feita através do Ministro da Defesa Nacional, com o que se pretende acautelar a eficácia no fornecimento de tais elementos e informações, bem como a unidade de direcção em relação às forças, unidades, estabelecimentos, órgãos ou serviços militares dependentes do Ministério da Defesa Nacional.
Os dispositivos constantes da presente proposta de lei desenvolvem, pois, as matérias enunciadas no artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e constituem normas, especiais em relação às normas gerais do Estatuto do Provedor de Justiça, o que equivale a dizer que, fora do âmbito da presente proposta, se aplicam as disposições da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, correspondente àquele estatuto.
Não se trata de reduzir ou de limitar os poderes do Provedor de Justiça, trata-se de harmonizar a legislação ordinária com a Constituição da República.
Se é certo que esta prevê, no seu artigo 23.º, a figura do Provedor de Justiça com o estatuto que aí se consagra, não é menos certo que dedica o seu Título X à defesa nacional e daí faz decorrer importantes consequências em matéria de actuação dos poderes públicos responsáveis pela defesa nacional e Forças Armadas, bem como dos elementos que as integram.
Foi tendo em conta tudo isso que o Governo apresentou a presente proposta de lei.

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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, antes de terminar gostaria de afastar quaisquer dúvidas sobre a constitucionalidade da proposta de lei em discussão.
E, para isso, nada melhor do que socorrer-me da própria argumentação do Tribunal Constitucional, expendida no seu acórdão n.º 103/87, publicado no Diário da República, I Série, de 6 de Maio de 1987, sobre a matéria em apreço e aqui já citada pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional.
As dúvidas que se têm posto visam fundamentalmente dois pontos: o prévio esgotamento das vias hierárquicas e a exclusão do direito de queixa em matéria operacional ou classificada.
Entende o Tribunal Constitucional que é lícito ao legislador (e em particular ao legislador parlamentar) "regulamentar" o exercício dos direitos, liberdades e garantias do elenco constitucional e, nomeadamente, definir os "condicionamentos" desse exercício. Para tanto não necessita ele, legislador, de ser expressamente autorizado pela Constituição, ao contrário do que esta exige para as "restrições".
Quanto às Forças Armadas, a "regulamentação" ou o "condicionalismo" bem se justificam no plano material dada a necessidade de se preservar, integralmente, o especial princípio de hierarquia (o principio de "cornando") que lhes é estrutural.
Trata-se de obviar a que a possibilidade de intervenção do Provedor de Justiça, neste domínio, venha a pôr em causa a plena observância do princípio da hierarquia (e de comando), característico e essencial das Forças Armadas, enquanto "princípio fundamental de organização e estruturação" e impedir que essa intervenção venha a estender-se a áreas que não podem deixar de confinar-se ao poder de decisão e ao conhecimento das autoridades militares.
A exigência do recurso prévio à via hierárquica, segundo o Tribunal Constitucional, não incorpora propriamente uma "restrição" ao direito, mas tão só uma "regulamentação" do seu exercício.
Por sua vez, a inadmissibilidade da queixa ao Provedor de Justiça em matéria operacional ou classificada também não constitui uma restrição. Trata-se, antes, de um "limite imanente", implícito ao correspondente direito.
Acabo de citar o acórdão do Tribunal Constitucional.
Não restam, pois, dúvidas quanto à constitucionalidade das soluções consagradas na proposta.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta merece, assim, a nossa concordância, pelo que o PSD vai votá-la favoravelmente.

(0 Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

0 Sr. Deputado Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Deputados: Nós não temos oposição de doutrina à proposta do Ministério da Defesa Nacional, que vem completar o sistema jurídico nesta área, mas temos algumas dúvidas de constitucionalidade. Vamos ser breves porque, como se tem visto, o tema não é muito entusiasmante.
0 Provedor de Justiça, tal como resulta da Constituição, é um órgão do Estado eleito pela Assembleia da República, que goza de total independência e de autoridade própria no exercício das suas funções.
Para nós, a única duvidosa norma desta proposta é a que consta do seu artigo 6.º, que prevê que a recolha de elementos referentes a forças, unidades, estabelecimentos, órgãos ou serviços militares que se manifestem necessárias ao exercício das competências e poderes do Provedor de Justiça, em matéria de defesa nacional e das Forças Armadas, tenha como intermediário necessário o Ministro da Defesa Nacional.
0 argumento abonatório da proposta poderá ser o da garantia de que à intervenção do Provedor não serão criados quaisquer obstáculos, ficando o Ministro da Defesa Nacional responsável por este desiderato.
A pergunta que logo surge é a de saber qual será o processo quando a gestão administrativa derivada do Ministro da Defesa Nacional constituir, ela própria, o primeiro e mais importante objecto do exercício de tais poderes, que as constituições definiram justamente tendo em vista o Executivo.
0 Provedor não é um inspector, é mais um tribuno da plebe, ressuscitado para o nosso tempo.
Por outro lado, quanto à intermediação do Ministro da Defesa Nacional na recolha de elementos e informações referentes a forças, unidades, estabelecimentos, órgãos e serviços militares, admito que a Provedoria, como serviço, não está habilitada a tratar devidamente tais elementos e informações e que, com a sua actuação, poderá pôr em causa a integridade da organização das Forças Armadas, o que coloca em causa a própria confiabilidade e a nossa responsabilidade pelos meios ao dispor da Provedoria nos domínios que exijam respeito pela confidencialidade em todas as áreas onde a reserva legal é obrigatória. 0 Provedor, lembre-se, está obrigado a guardar sigilo relativamente aos factos de que tomar conhecimento no exercício das suas funções, se tal sigilo se impuser, em virtude da natureza dos mesmos e, nessa perspectiva, a Lei do Segredo de Estado é uma referência de direito positivo. Deste modo, não me
parece líquido que o artigo 6.º da proposta não contrarie o disposto no artigo 23.º, n.º 3, da Constituição.
Por outro lado ainda, o disposto no artigo 2.º da proposta, relativamente ao esgotamento prévio das vias hierárquicas, é questão diferente, que vem na sequência do disposto na Lei n.º 29/82. Não é imperativo, é apenas processual que os militares ou agentes militarizados estejam limitados no exercício do direito de queixa ao Provedor pelo esgotamento das vias hierárquicas. Este ponto parece constitucionalmente de ser admitido, embora politicamente contestável por alguns, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não acontece, todavia, o mesmo, parece-nos, quando a iniciativa é do Provedor. Não se trata, neste reparo que fazemos, de doutrina política - trata-se de constitucionalidade. Esperamos que se encontre um normativismo corrector da proposta que aprovamos na generalidade.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E, se não corrigirem, "chumbamo-la" por inconstitucionalidade!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, gostaria de colocar uma questão para me posicionar em relação a este debate. 0 Governo, na sua propalada campanha para adequação das Forças Armadas ao regime democrático, no sentido de que elas se integrem totalmente, normalmente orienta todo esse seu propalado esforço para a governamentalização - e pára aí! Porque, quando se trata, de facto, de criar nas Forças Armadas os mecanismos adequados a que elas estejam adaptadas à Constituição, ao regime democrático, ao usufruto dos direitos de cidadania pelos militares, o Governo, aí, compatibiliza-se, isso sim,

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com os interesses fechados da hierarquia. 15to não é um insulto para as Forças Armadas, porque todos sabemos qual é a tendência da hierarquia das Forças Armadas - sempre foi essa! É a de se fechar à sociedade, de se fechar à democracia, de impôr, arbitrariamente, muitas vezes, as decisões que vêm de lá de cima até cá abaixo! E aqui (passe o termo) "quem se lixa, é o mexilhão"!
Portanto, em minha opinião, não basta dizer que esta proposta de lei não é incompatível com a Constituição. Eu acho que é! Mas, mesmo que não seja - e os Srs. Deputados do PSD ficaram muito contentes quando o Sr. Deputado Correia de Jesus chegou a essa conclusão, porque estão habituados a que o Tribunal Constitucional declare a inconstitucionalidade de muitas propostas do Governo e do próprio PSD! -, isso não chega para legitimar, do ponto de vista político e do ponto de vista da sua adequação ao regime democrático e aos interesses dos cidadãos, nomeadamente dos cidadãos militares, esta lei. Os cidadãos militares não podem ser, sistematicamente, considerados cidadãos de segunda.
E mais: uma instituição com as características das Forças Armadas, exactamente pela sua tendência de fechamento e de arbitrariedade interna, exige, mais do que qualquer outra (arrisco-me a dizê-lo), que a intervenção dos mecanismos da Provedoria, do Provedor de Justiça, seja a mais límpida, a mais informal e a mais imediata possível. Dai que esteja totalmente em desacordo com a proposta do Governo e vá votar contra.

0 Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, utilizo a figura regimental da defesa da consideração porque não há mais nenhuma figura regimental que me permita utilizar com a máxima veemência o repúdio pela forma como V. Ex.ª usou e abusou do sentido das palavras com que me referi às Forças Armadas e aos seus profissionais.
É um texto que tenho escrito, além disso está gravado, pelo que vou repôr a verdade, Sr. Ministro, porque extremamente importante e, ao mesmo tempo, grave que V. Ex.ª tenha feito aquilo que fez. Porque, aquilo que o Sr. Ministro disse, se bem entendi, foi que eu afirmei que o que o Governo pretende com esta lei é "ofuscar ou escurecer ainda mais a vida e a actividade das Forças Armadas"".
Sr. Ministro, aquilo que eu disse, foi que "o único objectivo e razão clara da apresentação desta proposta de lei pelo Governo é o de escurecer, tornar cada vez menos transparente a vida e a actividade das Forças Armadas"...
15to é tanto mais grave porque tudo aquilo que referi e terminei por lhe solicitar que reconsiderasse e retirasse esta lei - é que V. Ex.ª não conseguiu, nas respostas que pretendeu dar, dizer nada de substancial que contradissesse
as afirmações que fiz. Referiu-se, por exemplo, ao facto de o n.º 3 do artigo 33.º da Lei de Defesa Nacional o das Forças Armadas dizer que "haverá uma regulamentação por lei da Assembleia da República". É só isto o que está
cá, Sr. Ministro: não está cá "por uma lei específica da Assembleia da República"!
Por isso, nós consideramos, tal como referi na pergunta que fiz, que, sendo a Lei de Defesa Nacional de 1992 e sendo o estatuto do Provedor de 1991, a matéria referente à apresentação de queixa dos agentes ou dos elementos das Forças Armadas está já claramente regulamentada no Estatuto do Provedor de Justiça. Por outro lado, também este mesmo estatuto estabelece as limitações em que a actuação do Provedor se pode efectuar, designadamente no artigo que refere "o segredo de justiça, o interesse superior do Estado, em casos devidamente justificados pelos órgãos competentes, e em questões de segurança, defesa e relações internacionais".

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

0 Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, queria apenas referir que o Sr. Deputado André Martins repetiu o que eu repeti. Tomei nota quando fez a sua intervenção e o que afirmei foi que o Sr. Deputado André Martins tinha dito que "esta lei contribuiria para que fosse cada vez menos transparente ... " - tenho aqui escrito, é a reprodução exacta das suas palavras - " ... a vida e a actividade das Forças Armadas". E eu retorqui: "Sr. Deputado, está a fazer uma acusação grave às Forças Armadas, porque está a dizer que a vida e a actividade das Forças Armadas já não é transparente e que esta lei vai fazer com que seja ainda menos transparente" Se as palavras que V. Ex.ª escreveu, e que eu não inventei, o traíram, tenho muita pena, mas ainda bem que eu disse o que disse para V. Ex.ª ter tido oportunidade de manifestar que foi traído pelas suas palavras e que não era isso o que queria afirmar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a minha intervenção em defesa da minha bancada vem na sequência da intervenção do Sr. Ministro, na qual V. Ex.ª faz algumas insinuações sobre uma posição de um colega meu de bancada no ano de 1982, quando se tratava da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. 0 Sr. Ministro está mal esclarecido porque disse que nós, PS, no Governo, tínhamos uma posição e, na oposição, tínhamos outra. Acontece que, na altura, quem estava no Governo, era a AD e o PS estava, de facto, na oposição. Só que tomou as posições consentâneas com o momento em que se discutiam essas matérias e, naturalmente, usou-as - elas estão expressas nas actas dessas mesmas reuniões e correspondem ao contexto político e social em que se desenvolvia o debate desta matéria na época.
0 que aconteceu nessa altura, Sr. Ministro - e, como eu disse, o Governo era da AD -, é que se estava perto da chegada ao poder do PSD na área da defesa, onde, por sinal, já está há mais de doze anos. Aliás, tem sido, essencialmente, com o PSD e os respectivos responsáveis que tem vindo a ser desenvolvida, ou não desenvolvida, a aplicação da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Estamos a tratar, por exemplo, da questão do Provedor de Justiça e já vai lá não sei quantos anos que foi aprovada a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas! Portanto, incoerências, Sr. Ministro, penso que estão mais do seu lado e da sua bancada e menos do lado da bancada do PS.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

0 Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miranda Calha, efectivamente eu disse que

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o PS, ultimamente, tem andado a renegar leis que ele próprio votou. Depois, citei um exemplo, que não apenas aquele que temos hoje em discussão, que é o da Lei do Serviço de Informações. E foi a pensar nessa lei, e não nesta, que eu disse que o PS tem manifestado posições, quando está no Governo, diferentes daquela que toma quando é oposição.

0 Sr. Mirando Calha (PS): - Muitas imprecisões, Sr. Ministro!

0 Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

0 Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça... perdão, Sr. Ministro da Defesa,... Eu confundo, se está na justiça ou na defesa! Está, sobretudo, na defesa, neste caso, à revelia da justiça!

Risos.

Vozes do PSD:- Não apoiado!

0 Orador: - Não está em causa, naturalmente, a cordialidade e a consideração da intervenção de V. Ex.ª. Está, sim, em causa uma questão política essencial que se traduz no seguinte: há, nesta proposta de lei, uma restrição incompreensível das competências do Provedor de Justiça. Quando, há pouco, fiz a pergunta sobre se o que V. Ex.ª pretendia era a demissão do actual Provedor de Justiça, não o fiz com inocência, como V. Ex.ª constatará e conhecerá, mas fi-lo em apelo e referência a factos históricos anteriores e que têm a ver com o anterior Provedor de Justiça.
Como V. Ex.ª sabe, o Provedor de Justiça anterior, Dr. Mário Raposo, demitiu-se e aludiu publicamente, aquando da sua demissão, a restrições de intervenção no âmbito militar decorrentes da acção do Ministro da Defesa. A partir do momento em que V. Ex.ª apresenta uma proposta de lei sobre o direito de queixa ao Provedor de Justiça que o actual Provedor diz que é manifestamente inconstitucional e inaceitável, o que pretende V. Ex.ª? Uma nova demissão deste Provedor? Não é uma questão abstracta - é uma questão concreta! É uma responsabilidade política grave que V. Ex.ª tem neste momento, acerca da qual urge dar resposta à Câmara.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça...

Risos.

Perdão, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

0 Sr. Ministro de Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, eu estou na defesa mas não estou à defesa e proeuro fazer justiça, em qualquer circunstância!
Não é meu propósito promover a demissão de ninguém. Agora, o que V. Ex.ª não pode pretender é que eu próprio me demita de cumprir aquela que julgo ser a minha obrigação, que é dar cumprimento ao que está estabelecido na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, que, no seu artigo 33.º, diz dever existir uma lei da Assembleia da República para regulamentar especificamente o regime de queixa ao Provedor de Justiça por parte de militares.
A verdade é que esse artigo está em vigor, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas é uma lei estruturante das Forças Armadas e eu, sim, assumiria uma atitude demissionária se não tomasse esta iniciativa legislativa, agrade ou desagrade a V. Ex.ª, agrade ou desagrade ao Sr. Provedor de Justiça.
Devo também dizer, Sr. Deputado, que não vou comentar o passado. Mas comento o presente e posso garantir-lhe que, se perguntar ao actual Provedor de Justiça qual tem sido a atitude do Ministério da Defesa em relação às solicitações provenientes da Provedoria de Justiça, de certeza absoluta, ouvirá da sua parte a afirmação de que o Ministério da Defesa tem cumprido escrupulosamente todas as solicitações que o Sr. Provedor de Justiça lhe tem entendido formular.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por concluído o debate sobre a proposta de lei n.º 89/VI - Estabelece o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e Forças Armadas. Este diploma será objecto de votação amanhã, à hora regimental.
Passamos à proposta de lei n.º 103/VI - Altera a Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas). 0 relator da Comissão que analisou esta proposta de lei é o Sr. Deputado João Amaral, que tem a palavra para apresentar a síntese do relatório.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, analisei a norma do Regimento que me concede este direito e calculei - penso que bem - que ela se destina a que o relator possa explicar à Câmara qual o sentido do relatório. Ora, constato que se encontram aqui presentes pessoas que se interessam bastante por esta questão e que conhecem já o conteúdo do relatório e estou convencido que, com prazer, me dispensarão da tarefa de apresentar o relatório.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado faz uma boa gestão do tempo. É a conclusão que tiro.
Dou de imediato a palavra ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, para, como autor do diploma, fazer a sua apresentação.

0 Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A acção política desenvolvida pelo Ministério da Defesa Nacional ao longo da presente legislatura pautou-se, em permanência, pela observância do programa do XII Governo Constitucional. Tal programa, que está legitimado pelo voto desta Câmara, consagra a inequívoca intenção do Governo de - e cito: "Apresentar à Assembleia da República uma proposta de alteração da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, que, mantendo inalterado o equilíbrio institucional entre os diferentes órgãos de soberania e obtido o maior consenso possível, proceda à modificação do processo de nomeação de algumas chefias militares, conferindo ao Governo uma posição mais consentânea com a sua qualidade de entidade responsável pela definição e condução da política de defesa nacional".
É neste quadro, no quadro do programa do Governo, legitimado por esta Câmara, que o Governo pretende hoje, ao apresentar as propostas de alteração à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, continuar a dar cumprimento a tudo o que se propôs realizar perante os portugueses no âmbito da defesa nacional.
0 momento escolhido para a apresentação de alterações pontuais à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas foi ponderadamente escolhido, por forma a que, em matéria tão sensível como esta, não seja legítimo identificarem-se inten-

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ções políticas conjunturais por parte do Governo, já que consideramos estar perante um assunto da maior relevância para o Estado, na medida em que se trata de harmonizar o relacionamento institucional das Forças Armadas com o poder político democrático, qualquer que este seja.
Por conseguinte, consideramos ser esta a oportunidade para se proceder às alterações que hoje propomos, tendo em conta não só o cumprimento do programa do Governo, mas também as razões de coerência com as alterações estruturais que se operaram na política de defesa nacional e na reorganização das Forças Armadas na presente legislatura.
Imbuído deste espírito, entendeu o Governo, após o diálogo e a franca colaboração que a este propósito manteve com a instituição militar e de que resultou uma convergência de posições assinalável, suscitar o debate e parecer, em sede de Conselho Superior de Defesa Nacional, o que evidencia a cautela e o rigor colocados na preparação da presente proposta de lei.
A necessidade de revisão do relacionamento institucional das Forças Armadas com o poder político democrático, em matéria de designação das chefias militares, impõe-se, quer em nome de princípios e valores do regime democrático quer na sequência de, comprovadamente, se ter verificado no processo vigente a existência de vulnerabilidades susceptíveis de criarem bloqueios decisórios.

0 Sr. Correia de Jesus (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - Com efeito, o processo de escolha e nomeação actualmente vigente inviabiliza qualquer diálogo prévio entre a instituição militar e o poder político democrático, seja com o Governo, seja com o Sr. Presidente da República.
É um processo que não se enquadra na lógica democrática, de valorização plena do diálogo, como meio privilegiado na procura do consenso entre as instituições, mas que certamente tem a sua justificação no ambiente conjuntural da nossa democracia há treze anos atrás, cerceando a capacidade de escolha pelos órgãos de soberania competentes. Temos de reconhecer que, hoje, tal não se, Justifica nem tão pouco é democraticamente considerado.
A presente proposta de lei não é, por outro lado, mais do que um corolário natural da evolução e das transformações operadas desde então, pretendendo o Governo, com as alterações que hoje propõe à Assembleia da República, conferir coerência entre a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas - esta posterior àquela -, mas pretende, também, atribuir ao Governo competências na designação de chefias militares ajustadas às responsabilidades que lhe são cometidas na condução da política de defesa nacional e na administração das Forças Armadas.
A primeira preocupação que norteou o Governo nesta iniciativa legislativa foi a garantia de preservação da co-responsabilização e interdependência entre órgãos de soberania nesta matéria, a par com o princípio, para nós inquestionável, da audição da instituição militar no processa de nomeação das suas mais elevadas chefias. Neste sentido, as alterações em apreço não colidem e em nada afectara as competências atribuídas ao Sr. Presidente República, nem, obviamente, as disposições contidas no artigo 136.º da Constituição da República.
A presente proposta de alteração à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas preserva e reforça a coesão, e a autonomia interna das Forças Armadas, já que são mantidas as competências que lhes permitem, sem interferência do Governo ou de qualquer outro órgão de soberania, efectuar as promoções ao generalato, com base em critérios técnico-profissionais, continuando apenas a reservar-se aos órgãos democráticos de poder, através do Conselho Superior de Defesa Nacional, a competência de não confirmação dessas promoções, não podendo, no entanto, indicar quaisquer outras alternativas.
Teremos de concordar que qualquer rejeição pelos órgãos legítimos do Estado de listas de nomes apresentadas pelas Forças Armadas para cargos da mais alta chefia seria geradora de desprestígio e afectaria a dignidade da instituição militar, o que não é desejável, face às características muito peculiares que conferem às Forças Armadas uma individualidade própria e uma natureza institucional específica, que devem ser respeitadas. 0 que hoje o Governo propõe à Assembleia da República visa alterar uma situação que já não se ajusta à evolução da democracia e às transformações operadas, quer nas mentalidades quer nas estruturas da defesa nacional e das Forças Armadas.
Pretende-se, também, corri as alterações propostas a aproximação à generalidade dos sistemas em vigor na maior parte dos nossos parceiros da OTAN, da UE0 e da União Europeia. Para tal, a capacidade do Governo em matéria de nomeação de chefias militares terá de passar a ser uma competência positiva e não inibidora, como acontece com o actual regime, que, a todos os títulos, pode provocar constrangimentos institucionais no relacionamento com as Forças Armadas, face ao hermetismo do actual processo de nomeação de chefias.
0 regime que hoje propomos é, por outro lado, claramente mais conforme ao papel do Governo, como órgão de soberania responsável pela condução da política de defesa nacional e como órgão superior da administração das Forças Armadas. A alteração que se propõe ao processo de nomeação das mais elevadas chefias militares limita-se a prever, de forma simples e operativa, quem nomeia, quem propõe e quem deve ser ouvido, mantendo intacto o princípio da audição e da "co-responsabilização" da instituição militar.
Das alterações propostas é no n.º 2 do artigo 52.º que se prescreve o novo regime de nomeação do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, limitando-se aquele a estatuir, para o futuro, que a proposta do Governo deve ser precedida da audição do Conselho de Chefes do Estado-Maior, que é o órgão que, naturalmente, melhor tem de conhecer - e conhece - o sentimento ,geral da instituição militar.
Quanto à proposta do Governo relativa à nomeação dos chefes do estado-maior dos ramos, o regime que se propõe no artigo 56.º prevê que seja precedida da audição do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Não se previu neste caso a audição do Conselho de Chefes do Estado-Maior: por um lado, para reforçar o prestígio da figura mais elevada da hierarquia militar, já que, na nova estrutura organizacional militar, o Chefe do Estado-Maior-General é o comandante operacional de escalão mais elevado das Forças Armadas e é, simultaneamente, o principal conselheiro do Ministro da Defesa Nacional; por outro lado, não parece curial que os chefes do estado-maior dos ramos devam pronunciar-se sobre a nomeação do chefe de outro ramo, uma vez que não devem ser envolvidos no processo da respectiva nomeação. Em contrapartida, impõe-se ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas a audição do Conselho Superior do ramo em causa, o que materializa a forma alargada de envolvimento da Marinha, Exército e Força Aérea, no processo de nomeação do respectivo Chefe de Estado-Maior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. A vigência do actual processo de nomeação das chefias militares demonstrou, a um

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outro nível, dar lugar à existência de hiatos temporais - mais ou menos longos - de vagatura dos cargos, que não são desejáveis para a instituição militar, pelo que se considera de grande alcance prático a disposição inovadora contida no n.º 3 do artigo 52.º, que, no futuro, permitirá obviar a esse inconveniente.
Como fica claramente demonstrado a presente proposta de alterações pontuais à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas não altera em nada a sua regra básica, ou seja, o Presidente da República nomeia e exonera os chefes militares, sob proposta do Governo. Mantém-se assim inalterada a interdependência entre órgãos de soberania no referente à nomeação das chefias militares mais elevadas, ou seja, o Governo tem o direito de propor a nomeação ou a exoneração dos chefes do estado-maior, após audição da instituição militar, mas não poderá concretizá-las se, porventura, o Sr. Presidente da República discordar, o que continuará a poder fazer, sem qualquer restrição.
A presente proposta de lei incide, ainda, sobre o processo de nomeação relativo a outros cargos militares de especial importância na estrutura militar, sendo para o efeito propostas alterações ao artigo 29.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. A alteração prevista para o n.º 2 deste artigo mais não significa do que atribuir ao Governo a responsabilidade de apresentar ao Presidente da República as propostas de nomeação ou de exoneração ali previstas - do nosso ponto de vista, não faz sentido que assim não seja.
Quanto às nomeações previstas no n.º 3 do artigo 29.º, a alteração proposta visa, para além da adequação à nova estrutura orgânica das Forças Armadas, atribuir ao Ministro da Defesa Nacional, sob proposta do Estado-Maior-General das Forças Armadas ou do Chefe de Estado-Maior respectivo, a competência para nomear ou exonerar os titulares dos cargos ali previstos, tornando-se o regime proposto mais conforme ao papel do Governo e do próprio Ministro da Defesa Nacional.
Com a nova disposição proposta para o n.º 4 do artigo 29.º pretende-se tornar claras as consequências jurídicas inerentes às nomeações que dependem do acto confirmativo do Conselho Superior de Defesa Nacional, sendo este também o desiderato da alteração proposta para o artigo 28.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Relativamente à alteração proposta para o n.º 5 do artigo 29.º considera-se que ela é completamente inovadora, porque visa racionalizar e enquadrar as nomeações para os cargos mais elevados nas Forças Armadas em sintonia com as normais exigências de carreira e de respeito pelas posições hierárquicas na instituição militar. Reforça-se também desta forma a importância e o prestígio do Corpo de Almirantes e Generais das Forças Armadas.
Quanto à alteração proposta para o n.º 6 do artigo 29.º, apresenta-se de grande alcance prático, porque permite a suspensão do limite de idade de passagem à reserva do militar indicado para o preenchimento de certos cargos especialmente relevantes. Todas as demais alterações à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas decorrem das anteriores e visam a coerência do sistema normativo. Sublinharia, apenas, que é extinto o cargo de Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, opção que já fora assumida pela Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas e pela Lei Orgânica do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas que acabamos de propor, como facilmente VV. Ex.ªs se poderão aperceber, não representam nenhuma ruptura com o espírito e conceitos daquela lei, nem tão pouco constituem qualquer mutilação. De outra forma não poderia ser, já que essa mesma lei serviu de referência e de suporte a todas as grandes iniciativas legislativas, referentes à defesa nacional e Forças Armadas, aprovadas por esta Câmara ao longo da presente legislatura.
As presentes alterações são hoje uni imperativo, resultante da necessidade de se aperfeiçoar o relacionamento entre as Forças Armadas e o poder político democrático em matéria de nomeação das mais altas chefias militares, como resultado natural da evolução da democracia e das transformações estruturais operadas na defesa nacional e nas Forças Armadas. A preparação destas alterações foi feita de acordo com o espírito de diálogo que está inerente ao novo processo de nomeação de chefias militares e significa, seguramente, um passo em frente na harmonização de padrões de comportamento entre Portugal e a maior parte dos países do nosso espaço civilizacional.

0 Sr. Pedro Campilho (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei honra as Forças Armadas, porque elas são e souberam ser parte activamente colaborante numa transformação tão significativa. Justifica-se por si própria por corresponder a um desígnio que, estou certo, serve os interesses do País e das próprias Forças Armadas.

Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

0 Sr. Manuel Sérgio (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, colocaria duas questões, a primeira das quais é a seguinte: a disposição do n.º 2 do artigo 28.º, relativo a promoções, afigura-se-me algo artificiosa, pois não se percebe bem por que razão devem interferir dois chefes do Estado-Maior na promoção de um oficial-general de outro ramo. Esta estranheza é corroborada pelo facto de, actualmente, por força da separação física das três Academias, as respectivas carreiras serem totalmente autónomas, não havendo conhecimentos de facto que habilitem os chefes do Estado-Maior dos outros ramos a pronunciarem-se neste caso, em consciência - é este o meu modesto entender.
Em segundo lugar, também a suspensão do limite de idade de passagem à reserva para o cargo de chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, chefes do Estado-Maior dos ramos e Presidente do Supremo Tribunal Militar me suscita algumas reservas já que favorece instrumentos de governamentalização das funções e anula alguns elementos de motivação no interior da própria instituição militar - se acaso não estou a confundir. Não se trata obviamente de estabelecer uma qualquer cronologia de competências, mas tão-só de preservar o carácter militar destas funções e de as enquadrar nos patamares motivacionais da própria carreira das armas.
Não vejo, de facto, qualquer razão ponderosa para esta suspensão do limite de idade e penso, mesmo, que a rotatividade de sensibilidades dentro de uma periodicidade razoável na chefia operacional das Forças Armadas emprestaria a estas uma maior vivificação e um maior equilíbrio funcional, técnico e humano.
É isto que tenho a questionar, Sr. Ministro.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

0 Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Sérgio, procurando responder às

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questões que me coloca, começaria por dizer que a alteração proposta ao n.º 2 do artigo 28.º não bule em nada com aquilo que, para o efeito pretendido pelo pedido de esclarecimento de V. Ex.ª, consta da actual Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, pois já hoje é esta a fórmula consagrada legalmente para a promoção de oficiais a oficiais-generais - portanto, não há aqui qualquer alteração. E por que é que, interpretando eu o espírito da lei em vigor, deve ser o Conselho de Chefes de Estado-Maior a confirmar as promoções a oficiais-generais? Para que, dentro dos diferentes ramos, haja um mínimo de unidade de doutrina e de critérios na promoção de oficiais a oficiais-generais; ou seja, para que os critérios usados na Marinha, na Força Aérea e no Exército tenham um mínimo de uniformidade, de forma a não se verificarem disparidades de aplicação, selecção e escolha, de nomeação de oficiais a oficiais-generais.
E julgo haver ainda uma razão acrescida, que é a seguinte, o lugar de Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, que é o comandante operacional de todos os ramos, tanto pode ser preenchido por um oficial-general do Exército, como da Força Aérea ou da Marinha, pelo que tudo diz respeito a todos quando se trata de escolher oficiais-generais, que podem ser nomeados para cargos que tenham a ver com uma interoperação dos três ramos e não apenas de um, que vai desde os comandos operacionais aos comandantes-em-chefe. Há, portanto, muitas funções nas Forças Armadas em que um oficial-general, por exemplo, da Marinha, pode comandar oficiais do Exército ou da Força Aérea, pelo que me parece inteiramente procedente a bondade do espírito que, originariamente, foi inserido na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Quanto à segunda pergunta, tenho a dizer, também, ao Sr. Deputado Manuel Sérgio que a questão da suspensão da passagem à reserva já está hoje prevista no chamado Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR). A inovação que aqui se encontra é que, enquanto no EMFAR está previsto que, a partir do momento da nomeação, se suspende o prazo de passagem reserva, aqui o legislador antecipa a suspensão do pedido de passagem à reserva para um momento anterior à nomeação. Isto é: desde que esteja proposto para exercer aquelas funções, ainda que não tenha ocorrido o acto formal da sua nomeação, não há lugar ao decurso do prazo de passagem à reserva. E por que é que se estabelece esta medida e o EMFAR a consagrou? Repare que é para um número muito restrito de cargos, em que há a aceitação e o reconhecimento por parte de todos os militares do todos os ramos - são cargos que envolvem, em princípio, mais do que um ramo. São militares que, seguramente, pela sua vida no activo, são extremamente prestigiados e cujo saber não deve ser dispensado se se verificar a circunstância de o Governo e o Presidente da República estarem de acordo que aquele militar tem ainda um trabalho útil a fazer em prol da instituição militar e do País.
Foi essa, Sr. Deputado, a razão pela qual foi introduzido este pequeno ajustamento àquilo que a lei já dispõe sobre esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Deputados: As propostas de alteração da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas são presentes à Assembleia da República numa data em que o conceito de segurança e defesa está a ser confrontado com a negociação plural, em curso, de um conceito viável de segurança e defesa europeia.
É indiscutível que a redefinição do conceito estratégico da NATO, que a procurada definição de um pilar europeu de defesa, que a formulação de uma vertente política da Aliança Atlântica - a parceria para a paz - e de uma vertente militar- as forças de intervenção-, tudo está a ter um reflexo de grande importância na circunstância de um país como o nosso, equivocamente chamado periférico pelos critérios do mercado e colocado pela geografia numa fronteira de encontro entre a segurança do Atlântico Norte e do Atlântico Sul, numa fronteira de articulação entre o pilar europeu de defesa e a NATO, no ponto geográfico que define o primeiro elemento da segurança do Mediterrâneo e das relações com o Corredor do Norte de África.
Que as capacidades do Estado respondam à geografia das áreas da segurança, e à geografia das ameaças, das inquietações ou das agressões é uma questão de tem que ser equacionada em termos funcionais, isto é, não tanto pela medida dos recursos próprios, mas antes pela capacidade de se articular com um sistema coerente, de exercer uma soberania de serviço correspondente aos interesses e à dignidade do País. Algumas vezes nos tem parecido, e temos dito, que existe uma distância prejudicial entre a realidade internacional que nos rodeia e da qual fazemos parte, o esforço efectivo que o Estado desenvolveu nesta área e a informação da opinião pública - quer quanto às circunstâncias quer quanto ao esforço e capacidades próprias.
Nesta data, por exemplo, em que estamos a discutir na Assembleia alterações que dizem respeito à operacionalidade das Forças Armadas, e cadeia de comando, incluindo alguns aspectos da subordinação ao aparelho do Governo, não existe qualquer referência, ou referência suficiente, no processo em apreciação - corrigiria, passou a existir depois da intervenção do Sr. Ministro - às exigências internacionais a que todavia se está a dar resposta ou para as quais a resposta está a ser procurada. E estas exigências são, porém, a primeira das razões para que se reexamine a estrutura da Lei de Defesa Nacional. Porque o debate não é esse, mas tem de o pressupor, é bom lembrar que a UEO não é apenas uma fonte de prestígio diplomático pelo facto da escolha do Secretário-Geral; é um desafio à União Europeia para encontrar uma forma autónoma de intervir militarmente nas questões que sejam do interesse essencial, comum, e prioritário dos Estados membros.
Está em curso a definição de uma nova exigência aos grandes e aos pequenos países, numa área onde estes pequenos países deverão mostrar, se a tiverem, capacidade para impedir que se instale um esquema de duas velocidades num espaço europeu. As tarefas de índole pacificadora pela unificação das forças que eventualmente aumentem de exigência nos países africanos de língua oficial portuguesa; o facto, tão frequentemente citado e que é arredado das discussões e apreciações públicas, que é o Eurocorpo, onde, por exemplo, a Espanha é evidente que procura estar no directório como o mais fraco dos grandes e o mais forte dos pequenos; a pressentida necessidade de os parceiros europeus, e com eles Portugal, não poderem ser alheios ao que se passa na Bósnia, ou ao que se passará no Mediterrâneo, tudo são razões que se somam para tornar evidente e urgente que a opinião pública esteja melhor informada e mais participante do que está na problemática da segurança e defesa e dos esforços que, real e efectivamente, têm sido feito na área da segurança, e particularmente das Forças Armadas.

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Designadamente, a passagem das Forças Armadas de tradição agrária para Forças Armadas de laboratório, num trânsito que desafia a capacidade de os pequenos países se manterem com peso e dignidade a intervir no sistema global de segurança, exige que se combata a ideia mais comum entre a população, e até sempre consagrada pelos textos constitucionais, de que a participação na segurança e na defesa se traduz e se esgota na obrigação do serviço militar. Conviria transformar num elemento da cultura cívica, sem a qual não há apoio suficiente para o esforço da defesa, que o dever geral é o de participar obrigatoriamente na segurança e defesa do país, obrigação da qual o dever do serviço militar é apenas uma das vertentes.
Já se afirma isto nos conceitos correntes acolhidos pela doutrina das escolas e das estruturas, mas não parece que tenha passado para o património cultural da população. De maneira geral as proposta de alteração merecem aprovação, sem omitir que a evolução da conjuntura e das eventuais obrigações internacionais podem exigir a curto prazo uma nova meditação. Neste momento a evolução das variáveis é dificilmente previsível e, desde a queda do Muro em 1989, a humildade parece uma virtude a cultivar pelos analistas mais responsáveis. Tomemos por isso a proposta como uma demonstração da política dos pequenos passos de acompanhamento responsável da mudança.
Enunciaremos apenas algumas dúvidas, mais jurídicas do que de conceito político sobre os textos. No artigo 28º, n.º 2, e no artigo 29.º, n.º 3, a intervenção do Conselho Superior de Defesa Nacional para a promoção dos oficiais-generais e para as nomeações de titulares dos cargos de comando é considerada condição de eficácia e não de validade, o que pode vir facilmente a traduzir-se, sem vantagem e certamente com prejuízo, num conflito.
Note-se finalmente, porque o sentido da lei fica assim claramente definido, que o facto de se terem retirado as referências legais respeitantes à discordância do Presidente da República quanto às propostas para a chefia do estado-maior não altera a sua competência e natureza constitutiva da intervenção que lhe cabe.
Na conjuntura actual tem importância esta reafirmação de conceito no relatório da proposta e na intervenção do Ministro da Defesa Nacional, porque a harmonia institucional é um direito do País que, em todos os aspectos, deve ser preservado.

Aplausos do CDS-PP.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional: Em Junho de 1991, tive oportunidade de, na Assembleia da República, me pronunciar sobre a matéria que constitui a substância do diploma que agora analisamos. Discutia-se, então, a Lei de Bases da Organização das Forças Armadas e, neste contexto, referi que no respectivo articulado os poderes respeitantes ao Ministro da Defesa Nacional ficavam diluídos, especialmente, na clarificação da situação das chefias militares em relação ao Governo e, muito embora, o diploma indiciasse alguma transferência de competências para o Ministério.
Estamos em 1995, numa situação muito idêntica à anteriormente apontada e só agora a Assembleia se debruça sobre uma legislação de relevante importância e que tem a ver com a prática prosseguida nos países democráticos, mormente naqueles que integram as organizações internacionais relacionadas com a defesa e às quais pertencemos. Só 13 anos depois da aprovação da Lei de Defesa Nacional é que se equaciona uma questão essencial na orgânica do Estado e que é a do posicionamento da hierarquia militar em relação ao poder político.
Em 1982, o meu colega de bancada, Deputado Jaime Gama, em intervenção proferida sobre a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas referia "estar-se então a formalizar a passagem de um regime de separação plena entre as Forças Armadas e o sistema representativo para um regime contraditório de direcção concordatária (...) muito embora se compreendesse o melindre da situação que era patente no civilismo teórico que o Governo de então defendia e a essência dos dispositivos enunciados na Lei (...) Em termos de poder real o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas é equiparado a ministro das Forças Armadas e os chefes dos Estados-Maiores dos ramos a secretários de Estado do exército, da marinha e da força aérea com precedência sobre os restantes."
É, de algum modo, esta situação que se pretende alterar, dando-se assim razão aos que, coerentemente, defenderam a aproximação aos modelos organizacionais que funcionam na generalidade dos países democráticos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei em apreço sugere-nos ainda mais algumas reflexões. Adquirida a ideia sobre um processo de nomeação das chefias militares que normaliza o processo de consolidação de princípios fundamentais que têm a ver, em essência, com a normal dependência das Forças Armadas em relação ao poder político e aos órgãos de soberania, a sua integração no Estado democrático, o apartidarismo e isenção dos seus elementos, a sua noção de dever e patriotismo e a sua assumpção como Forças Armadas nacionais aptas ao desempenho das missões que o povo português, por intermédio do Estado e dos órgãos de soberania, lhes confia, a proposta de lei leva-nos a reflectir também sobre a política de defesa nacional, e neste contexto a abordagem que se vem fazendo em relação à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Até aqui o Governo tem vindo a optar por intervenções cirúrgicas na lei, mas não tem manifestado uma ideia geral sobre a necessidade de revisão de uma lei da maior relevância para o nosso regime democrático. A aprovação, em 1982, desta lei, correspondeu a um ponto alto da actividade desta Câmara consubstanciada a nível dos trabalhos que se desenvolveram para, de forma ponderada e equilibrada, se iniciar uma nova fase das nossas Forças Armadas.
Tratou-se de um trabalho profundo e meticuloso e, por isso, entendemos que estas, quase periódicas, abordagens que consistem em alterações pontuais não são a melhor forma de adequação da legislação de defesa e, mais do que tudo, são reveladoras de constantes e diferentes percepções na política de defesa. Aliás, a título de curiosidade, mencione-se que até a mais recentemente aprovada Lei de Bases de Organização das Forças Armadas é alterada através do diploma em discussão. Mas, e ainda, se há alguma circunstancialidade reconhecível na forma como as leis vêm sendo apresentadas à Assembleia da República não deixa também de haver algumas contradições. Contradições entre esta lei, por exemplo, cujos princípios consideramos ajustados, e outras que entretanto nos chegam, como sejam as propostas de lei sobre mobilização e requisição no interesse da defesa nacional, bases da justiça militar e acesso dos militares ao Provedor de Justiça. Digamos que se distinguem, certamente, por prosseguirem objectivos diferentes, mas também se distinguem pela forma fechada, redutora e mesmo inconstitucional como se apresentam.

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Aliás, cabe talvez aqui um parênteses, Sr. Ministro da Defesa Nacional, para me reportar à notícia publicada! há poucos dias sobre a não aceitação, por não ser constitucional, do nosso modelo de justiça militar num país africano de língua oficial portuguesa. No mínimo, convenha-se, tal facto não deixa de ser curioso, significativo e a requerer reflexão urgente.
Deste modo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tendo esta lei uma relação directa com a política de defesa nacional - o próprio diploma refere que a modificação do processo de nomeação de algumas chefias militares confere ao Governo uma posição mais consentânea com a sua qualidade de entidade responsável pela definição e condução da política de defesa nacional -, não se mostra despicienda a abordagem da mesma pelo menos em termos da legislação que acabei de referir para já não acrescentar outros aspectos que tom a ver com a política externa de defesa, o atraso constante em relação ao debate sobre o acordo com os EUA e outras componentes importantes do reequipamento das Forças Armadas como é a atrasada revisão da Lei da Programação Militar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há ainda mais um ponto que desde já abordamos neste conjunto de reflexões sobre a lei proposta. Esse ponto está relacionado com a retirada da referência da lei à discordância do Presidente da República quanto a um nome proposto no quadro de nomeações a efectuar. O legislador considera, e em certa medida partilha-se esse entendimento, de que tal situação «não prejudica a possibilidade de manifestação das discordâncias com a decorrente necessidade de o Governo fazer nova proposta.» Diz-se, aliás, no preâmbulo da proposta que se trata de «evidência que fica mal à lei descrever». Mas se nada se altera sobre as competências do Primeiro-Ministro e do Conselho de Ministros nesta matéria previstas na lei, o mesmo se dizendo do Presidente da República, não deixa de ter mais significado o retirar dessas referências do que as manter.
É por isso que, sem qualquer dramatismo sobre a matéria, consideramos importante a manutenção do actualmente existente com as alterações decorrentes da própria substância da lei ora em análise.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei contém quatro artigos que visam a alteração do processo de promoções a oficial-general bem como as promoções de oficiais-generais de qualquer dos ramos das Forças Armadas (artigo 28.º). Segundo o artigo o chefe de Estado-Maior de cada ramo passa a fazer as respectivas propostas de promoção continuando a ouvir o Conselho Superior do ramo, mediante deliberação do Conselho de Chefes de Estado-Maior e posterior confirmação do Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN). E um princípio adequado que, aliais, se continua nos artigos referentes ao processo de nomeações (artigos 29.º, 52.º e 56.º).
Assim, há determinado número de nomeações que decorrem através da decisão do chefe do Estado-Maior respectivo (artigo 29.º, n.º 1) e (n.ºs 2 e 3) do mesmo artigo especifica-se um conjunto de nomeações que competem ao Presidente da República e ao ministro da Defesa Nacional sendo aquelas por proposta do Governo (após iniciativa do CEMGFA e aprovada pelo CSDN) e as segundas por proposta do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas ou chefe do Estado-Maior respectivo Neste a confirmação do CSDN é requerida só para as nomeações de vice-chefes do Estado-Maior do ramo, comandante naval, comandante do Comando Operacional das Forças Terrestres e comandante do Comando Operacional da Força Aérea e deixa de ser necessário a confirmação por aquele órgão nas nomeações dos directores dos institutos, comandantes de Academias, comandantes dos comandos operacionais dependendo directamente do CEMGFA e dos comandantes do Governo Militar de Lisboa, das Regiões Militares e das Zonas Militares. Desaparece, em nossa opinião, neste articulado alguma da confusão e quase que auto-organização que enformavam as decisões sobre nomeações.
Os artigos 52.º e 56.º tratam, respectivamente, das nomeações do chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos chefes do Estado-Maior dos ramos alterando-se quer num quer noutro o processo de nomeação sendo certo que a nomeação de todos é da responsabilidade do Presidente da República sob proposta do Governo. São evidentemente, as grandes inovações do disposto na lei, a grande substância da mesma e merecem a nossa concordância.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outros aspectos deste último articulado da {Proposta têm relevância e consideram-se adequados, como sejam o de as nomeações feitas pelo Presidente da República para os cargos que a lei prescreve só poderem incidir sobre almirantes, vice-almirantes ou generais, o de o limite de idade de passagem à reserva ser suspenso enquanto durar o mandato (muito embora deva ser melhor analisado em virtude de uns terem período de mandato determinado e outros não) e o de a substituição de responsáveis ser em devido tempo efectuada. Pergunto-me, no entanto, e neste ponto se não deveria existir aqui alguma espécie de prazo.
Finalmente, os artigos 3.º e 4.º da proposta visam, o primeiro, ser o Governo a ter a competência de propor a nomeação e exoneração de comandantes-chefes por iniciativa do CEMGFA e não o Conselho Superior de Defesa Nacional como a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas previa durante o estado de guerra; e o segundo ser o ministro da Defesa Nacional a nomear os comandantes dos comandos operacionais colocados na dependência do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, alterando-se ainda o processo na nomeação dos militares referidos, artigos 29.º, n.º 2, da Lei n.º 29/82 Decorrem tais situações não só do princípio geral do tipo de nomeações que se pretende pôr em vigor mas também da própria orgânica sequente à aprovação da Lei de Bases da Organização das Forças Armadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aprovação da presente proposta de lei corresponderá a mais uma fase de adequação do normativo que está directamente ligado à clarificação da inserção das Forças Armadas no Estado democrático, e ao relacionamento destas com o órgão condutor da política de defesa nacional. Não deixando de considerar necessário que, em sede de Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, continue a análise da proposta de lei, o Partido Socialista mostra-se favorável a princípios essenciais que sustentam um processo adequado de inserção das Forças Armadas na orgânica constitucional do nosso Estado democrático. É uma concordância para nós tanto mais grata quanto constatamos que o PSD demorou 13 anos para, finalmente, vir a estar de acordo connosco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr. Secretário de Estado: Peço desculpa, mas vou discordar - alguém tinha que o fazer. Se a proposta anterior sobre o direito de queixa era marcada pelo vezo do Governo contra o exercício pelos militares dos seus direitos fundamentais, a proposta

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de lei n.º 103/VI, ao propor a alteração da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, particularmente na matéria de nomeação de chefias, revela uma outra componente da política de defesa do Governo que é a tendência para concentrar no Governo e no ministro da Defesa Nacional cada vez mais poderes e cada vez mais formas de interferência e ingerência na vida interna das Forças Armadas.
Foi o que já sucedeu no plano legislativo com a aprovação da Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas. Efectivamente, já a Lei n.º 111/91 governamentalizou áreas de competência própria das Forças Armadas, como sucedeu, por exemplo, quando conferiu ao Ministro da Defesa Nacional poderes para aprovar planos militares, que, por sua própria natureza, pertencem especificamente à área técnico-funcional militar e deveriam pertencer, portanto, à própria estrutura militar. Foi também o que sucedeu com a criação de uma série de serviços e direcções-gerais no Ministério da Defesa e com o consequente esvaziamento da grande parte das funções que cabiam aos serviços, aos ramos e aos respectivos chefes do estado-maior.
Paulatinamente, o Ministro da Defesa Nacional autotransforma-se em chefe das Forças Armadas e estas vão perdendo as características de autonomia funcional e técnica que garantiam o seu rigoroso apartidarismo e a sua colocação exclusiva ao serviço do povo português. A presente proposta vai mais longe e atinge a questão essencial da escolha da direcção militar superior das Forças Armadas para concretizar - e aqui discordo completamente do Sr. Ministro - um verdadeiro processo de ruptura com a legislação actual.
Na verdade, hoje, é o órgão superior das Forças Armadas (o Conselho de Chefes) a propor a lista dos nomes dos mais altos chefes militares, no caso dos chefes do Estados-Maiores dos ramos a partir da lista que lhes é proposta pelo respectivo Conselho Superior. 15so significa que, do ponto de vista qualitativo, as Forças Armadas ao mais alto nível condicionam, intervêm e participam na escolha das suas chefias. Essa é uma marca específica da organização das Forças Armadas, que resulta directamente do seu estatuto constitucional, tal como resulta do artigo 275.º da Constituição, particularmente no seu n.º 4.
Evidentemente que quem define as opções da política de defesa nacional são os órgãos de soberania, nos termos constitucionalmente definidos.
Evidentemente que as Forças Armadas, a quem incumbe a defesa militar da República, devem obediência aos órgãos de soberania competentes, mas estas não são uma qualquer direcção-geral, nem muito menos o braço armado do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - As Forças Armadas "estão, ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto, quer da sua função para qualquer intervenção política", conforme o n.º 4 do artigo 275.º da Constituição.
Assim, como referem Vital Moreira e Gomes Canotilho, as Forças Armadas não são, pois, "instrumento do Governo" e estão obrigadas no exercício de funções não só a um rigoroso apartidarismo como a uma neutralidade política, que as coíbe de qualquer intervenção política.
Para garantia destes princípios, para além de outras regras, também contribuía, de forma decisiva, a fórmula em vigor de escolha de chefias, em que se partia das propostas da instituição militar, isto é, de uma lista escolhida com critérios técnico-funcionais próprios da instituição militar e não dos critérios político-partidários que, forçosamente, presidem a uma escolha feita por um Governo.
Porém, é isto que o Governo pretende com esta proposta de lei. Acabando com a intervenção da instituição militar no processo de escolha - e digo que a intervenção cessa, porque uma mera audição não condiciona nada nem ninguém - e auto-reservando-se o papel da escolha, o Governo quer privilegiar os seus critérios político-partidários, limitar a autonomia das Forças Armadas e desvirtuar a seu favor a aplicação dos princípios de imparcialidade e neutralidade a que elas estão constitucionalmente sujeitas.
Na exposição de motivos, o Governo diz que não bole com as competências atribuídas nesta matéria ao Presidente da República: não é verdade! A proposta mexe nas competências do Presidente, pois até agora o Presidente faz a nomeação num processo de diálogo com o Governo e com a instituição militar, de que ele é Comandante Supremo.
De facto, esse diálogo é efectivo, já que a rejeição dos nomes propostos pode implicar - e, no limite, obriga - novas propostas por parte da instituição militar.
No entanto, no sistema proposto, o Governo corta a ligação do Presidente da República à instituição militar no processo e reserva para si o papel de única fonte das propostas.
Mais: enquanto a lei actual explicita o que sucede quando o Presidente da República recusava o nome proposto (e um dos efeitos explicitado é que esse nome não podia ser reproposto), essa referência é apagada da proposta, abrindo-se campo para a conflitualidade e provocação institucional e para os bloqueamentos que na exposição de motivos o Governo diz querer evitar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto às competências específicas do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos chefes militares, a proposta consuma novos cortes, em geral, em benefício directo do ministro da Defesa Nacional.
É assim que o ministro passa a ser ele a nomear os comandantes operacionais colocados na dependência do CEMGFA, ou seja, o Ministro passa a controlar o CEMGFA por cima e por baixo!
É assim que quanto ao Presidente do Supremo Tribunal Militar, comandantes chefes e comandantes ou representantes militares de Portugal nas organizações internacionais, a competência, que era do Presidente da República, por proposta do Conselho Superior de Defesa Nacional, tomada por iniciativa do CEMGFA (que, obviamente, propunha ao Conselho Superior de Defesa Nacional o nome respectivo), passa agora a ser de proposta do Governo, cabendo ao CEMGFA "solicitar ao Governo, através do Ministro, a proposta respectiva"! Sem mais nem menos: solicitar!!!
É assim que uma série de nomeações que competiam aos chefes do Estado-Maior dos ramos na Lei de Defesa Nacional passa para a competência do Ministro, incluindo comandante naval e comandantes operacionais das Forças Armadas Terrestres e da Força Aérea, directores dos institutos superiores e comandantes das Academias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta tem mais algumas questões, de menor alcance, e que são típicas questões de especialidade. Por exemplo, o que é que se pretende com a revogação da competência do Conselho Superior de Defesa Nacional em tempo de guerra, prevista na alínea b) do artigo 64.º da Lei de Defesa Nacional?
Outro exemplo: será correcto fazer desaparecer a possibilidade da existência de um vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas?
Mas, repito, estas são questões de pouco alcance quando colocadas ao lado das outras questões que a proposta levan-

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ta, nomeadamente o processo de crescente governamentalização das Forças Armadas, que esta proposta reflecte com total falta de pudor.
Governamentalização esta que transpareceu também, por exemplo, quando o Ministro da Defesa Nacional deu a conhecer ao País a sua intenção de reduzir o Serviço Militar Obrigatório para quatro meses - intenção essa, aliás, ainda não concretizada! -, mesmo antes de a Assembleia da República e da própria instituição militar se terem pronunciado sobre essa questão.
Esta mesma governamentalização levou o Ministro a tomar decisões fundamentais na área da defesa nacional, a alterar conceitos e sistemas de forças e a assumir compromissos na área do reequipamento e do dispositivo, bem como compromissos externos, tudo antes de a Assembleia repensar e debater as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional, tal como a lei impõe e tal como devia ser feito.
A mesma governamentalização que leva hoje o 'Governo a assumir, na prática, compromissos tendentes a um envolvimento de Portugal no conflito da Bósnia num quadro cuja legalidade deixa as maiores dúvidas e cuja oportunidade e bondade políticas são totalmente de arredar, já que prenunciam nova escalada no conflito, agora com a presença de um significado contingente de forças portuguesas, e não os passos diplomáticos e políticos necessários à construção da paz.
Repetimos aqui a exigência já feita publicamente pelo PCP de que o Governo esclareça de imediato o País acerca do conteúdo total e exacto dos compromissos assumidos e qual o sentido nacional da política em que se está a envolver o País!
Sr Presidente, Srs. Deputados: Há uma observação a fazer em termos formais. Por força da Constituição, esta proposta configura matéria de lei orgânica. Alterando â Lei de Defesa Nacional na matéria respeitante à escolha da direcção superior das Forças Armadas, ela inclui-se claramente na previsão do artigo 167 º, alínea d), da Constituição. Isso tem as consequências referidas no artigo 171 º, n.ºs 4 e 5, que o Governo não acautelou.
Sr Presidente, Srs. Deputados. A governamentalização que a presente proposta envolve (com reflexos nos próprios poderes presidenciais) implica uma situação perigosa para a independência e neutralidade das Forças Armadas e, portanto, contrária ao que se encontra fixado na Constituição quanto ao papel, natureza e características das Forças Armadas e quanto ao equilíbrio de poderes na sua direcção superior.
Por isso, a proposta, apresentada já quando se abeira o termo da legislatura, merece, da parte do PCP, clara e frontal rejeição.

Aplausos do PCP.

O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Correia de Jesus.

O Sr Correia de Jesus (PSD) - Sr. Presidente, Srs Membros do Governo, Sr.ªs e Srs Deputados: O 25 de Abril de 1974 apresentou-se aos portugueses como a revolução dos três «D»: descolonizar, democratizar, desenvolver.
Cabe à História ajuizar o papel de cada um dos partidos e das instituições políticas, em geral, na concretização do desígnio revolucionário dos capitães de Abril.
Ninguém estranhará, porém, que desde já avance a ideia de que ao Partido Social-Democrata será reconhecido um importante e decisivo papel na democratização e desenvolvimento do País. Quer só no Governo, quer em coligação com outras forças políticas, quer maioritário no Parlamento, quer em minoria- situação rara e meramente histórica-, o Partido Social-Democrata tem pautado a sua acção pela preocupação permanente de aprofundar o Estado democrático de direito e de melhorar as condições de vida do povo português. Na realização desse desiderato, tem dado um contributo valioso e determinante, que ninguém ousará negar.
Assim tem sido também no domínio da defesa nacional e das Forças Armadas.
Sem pôr em causa as soluções legislativas encontradas para o período de transição que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 - a que, aliás, está associado-, o PSD, através do Governo que apoia e da maioria parlamentar que os portugueses lhe outorgaram, tem sido o principal protagonista das grandes reformas operadas no edifício legislativo da defesa nacional e das Forças Armadas, quer na normativização de princípios e valores, na defesa dos direitos, liberdades e garantias, no plano organizacional ou na definição e implementação das políticas de modernização e racionalização das nossas Forças Armadas. Em todos esses aspectos, o Governo, por si ou através da apresentação de propostas de lei a esta Assembleia, tem vindo a cumprir meticulosamente as promessas que o PSD fez aos portugueses, vertidas no seu programa de acção.
Sr. Presidente, Srs Deputados- Quero, porém, salientar, do conjunto das iniciativas do Governo, as que mais directamente contribuem para o aprofundamento e consolidação do Estado de direito democrático
Assim, colocaria em primeiro lugar o diploma que visa regular o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e Forças Armadas - que acabámos de discutir- e o conjunto dos diplomas que reformulam todo o sistema da justiça militar em Portugal. Trata-se de uma reforma cujo alcance, em termos de defesa dos direitos, liberdades e garantias dos membros da instituição militar e dos valores que a enformam, é simplesmente notável.
De capital importância se reveste também a proposta de alteração do Sistema de Informações da República, que o Governo aqui apresentou. Como é do conhecimento de VV. Ex.ªs, tal proposta foi aprovada por esta Assembleia, vetada pelo Sr. Presidente da República e confirmada pelo Parlamento, com os aperfeiçoamentos propostos pela minha bancada. O Sr. Presidente da República vetou o novo decreto, devolvendo-o a esta Assembleia para uma segunda leitura.
Quer no relatório da respectiva comissão especializada quer nas intervenções que aqui proferi aquando da discussão na generalidade e da confirmação do decreto vetado pelo Sr. Presidente da República, e sublinhado e demonstrado que o diploma tem o mento de, pela primeira vez depois do 25 de Abril de 1974, colocar todos os serviços de informações na dependência do Governo, operando uma completa e definitiva subordinação dos Serviços de Informações Militares ao poder político civil.
Estranhamente, nem o Sr Presidente da República, nem os partidos da oposição parlamentar, nem a generalidade dos comentadores políticos se referiram a este aspecto da lei. que é sem dúvida o mais relevante de todos quantos a integram e é, aliás, essencial para a caracterização do Estado português como um Estado de direito democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados- É neste contexto de aprofundamento e consolidação da democracia que surge a proposta de lei n º 103/VI, que visa alterar a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas na importante matéria da nomeação das chefias militares.
Esta lei, a ser aprovada, conforme esperamos e desejamos, porá termo à fase de transição em que temos vivido, colocando-nos, nesta matéria, ao nível dos nossos parceiros comunitários da UEO e da NATO.
Trata-se de uma solução que é imposta pela lógica democrática da nossa Constituição, já que reconduz aos órgãos democraticamente eleitos a totalidade do poder decisório em matéria de defesa nacional e das Forças Armadas.

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Trata-se da solução que é imposta pela nossa cultura e tradição civilistas.
Trata-se, ainda, da solução que é imposta pelo facto de pertencermos ao mundo civilizado da União Europeia e da Aliança Atlântica.
Com esta proposta, o Governo dá, pois, um passo decisivo na modernização, na «civilização» e democratização do nosso sistema jurídico-político
E fá-lo sem pôr em causa o equilíbrio constitucional da separação e cooperação dos poderes de Estado; sem pôr em causa a dignidade das Forças Armadas; sem pôr em causa - antes reforçando- a prática de diálogo que deve existir entre o Governo e a instituição militar.
O parecer favorável do Conselho Superior de Defesa Nacional, desencadeado e obtido na fase preliminar deste processo legislativo, é garante dos mentos e virtualidades da presente proposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados- É devida uma palavra de apreço ao Governo pela oportunidade, coragem e equilíbrio da proposta que apresentou a esta Assembleia.
Actuou jurídica, política e eticamente de modo irrepreensível e, por isso, merece o aplauso da Câmara de que emana e de cujo apoio carece para levar a cabo as reformas fundamentais da nossa ordem democrática.
Àqueles que se preocupam com a governamentalização das Forças Armadas, respondemos com a legitimidade democrática do Parlamento para fazer as leis e do Governo para governar, nomeadamente no domínio da defesa nacional e das Forças Armadas.
Àqueles que conjunturalizam as iniciativas deste Governo e desta maioria, apenas recordamos as vantagens da alternância democrática e admitimos, por eles, a longínqua possibilidade de, um dia, virem a ser governo - mesmo sem maioria.
Àqueles que falam de falta de confiança do Governo nas Forças Armadas, lembramos que essa confiança tem existido sempre, e existe, mas lembramos também que, em democracia, são as Forças Armadas que têm de confiar nos titulares do poder político democraticamente eleitos e de executar as políticas definidas pelo governo legítimo do País. É, assim, em todos os países democráticos, livres e civilizados.
Aos que consideram prematura esta medida legislativa por motivos de ordem sociológica, dizemos que a instituição militar faz parte integrante da sociedade portuguesa e que esta se encontra, cultural e politicamente, preparada para tal mudança, que, estamos convencidos, todos os seus destinatários, civis e militares, aceitarão naturalmente e sem sobressaltos.
Srs. Deputados. Congratulamo-nos com os sinais de concordância aqui deixados pelos Srs Deputados Adriano Moreira e Miranda Calha, manifestando a nossa satisfação por estarem criadas as condições de consenso para a aprovação, por uma ampla maioria, de mais esta reforma fundamental para a completa e definitiva implantação do regime democrático em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas não dispõe de tempo para uma boa explanação Por isso, tem de ser muito sintético e capaz de cumprir o ideal latino multa paneis.
Neste contexto, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr Deputado Narana Coissoró.

O Sr Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, não preciso de quatro minutos, aliás, bastar-me-iam quatro segundos.
Quero somente lembrar ao Sr Deputado Correia de Jesus, no longo historial que fez, desde o 25 de Abril até hoje, sobre a Lei de Defesa Nacional, sublinhando o enorme contributo dado pela social democracia para esta lei, hoje um pouco alterada, que ele se esqueceu, talvez porque a História não é constante e tanto os interesse como as pessoas mudam, que esta lei. hoje alterada em alguns artigos, se deve não à social democracia mas ao Sr. Prof. Diogo Freitas do Amaral, que, na altura, era ministro da Defesa e militante do CDS

Vozes do PSD: - Era?!

O Orador: - Era, como foram muitos, quase todos, antes do bloco central.
Efectivamente, esta lei é uma obra do CDS e do seu ministro. Sena bom que isto ficasse registado no Diário, para não pensarmos que a lei, que hoje alterámos- e bem - em alguns pontos, se esqueceu do seu verdadeiro progenitor.
Em segundo lugar, gostaria de dizer que não constituiu uma lacuna o facto de não termos falado da terceira leitura do SIS. Esse debate sobre o veto presidencial ao Decreto da Assembleia da República n º 184/VI, de 22 de Outubro de 1994, que altera a Lei n.º 30/84. de 5 de Setembro (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa), está agendado para amanhã, ou seja, para daqui a algumas horas Aí teremos o ensejo de dizer de nossa justiça. Por isso, não queríamos adiantar já hoje a discussão deste problema, que tem o seu lugar, sede e valor próprios Não foi, pois, por esquecimento que não tratámos dele hoje.
V. Ex.ª já disse o que vai dizer amanhã, nós guardamos para amanhã o que não quisemos dizer hoje.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD)-- Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, começo por agradecer as questões que me colocou e por. muito rapidamente, dizer que, se reparou na minha intervenção, referi as diversas circunstâncias em que o PSD tem actuado e em que tem tido. quer actuando sozinho quer em coligação com outros partidos, um papel relevante na consolidação de um Estado democrático, em Portugal E quando disse esta frase estava precisamente a pensar nos tempos da Aliança Democrática, em que estivemos coligados com o CDS. embora não PP

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP.) - E nós com o PPD e não PSD!

O Orador: - A propósito da segunda observação feita por V. Ex.ª, refiro-me à discussão na generalidade aqui feita sobre as propostas de alteração à Lei-Quadro do Sistema de Informações da República, altura em que o assunto foi amplamente debatido e em que, não havendo qualquer comentário fundamental a este aspecto da proposta do Governo, que era a completa subordinação dos serviços de informações do Estado ao poder político civil, ao contrário do que acontece actualmente, já que, por vicissitudes várias, a lei ainda não se encontra em vigor E o que referi nada tem a ver com o debate que, aqui, irá realizar-se amanhã, que será, aliás, como V. Ex.ª sabe, uma segunda leitura do decreto e uma terceira discussão dessa temática, nesta Legislatura.
Portanto, parece-me que, nessa parte, também não colhe a observação que me fez De qualquer maneira, são observações benignas, que aceito de muito bom grado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tome (Indep ): - Sr. Presidente. Srs Membros do Governo. Srs Deputados. Não resisto à

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tentação de sublinhar a oportunidade ou de questionar a razão por que estas duas propostas aparecem no mesmo dia e na mesma hora aqui, na Assembleia.
No meu entender, esse facto tem a ver com o seguinte, por um lado, o Governo governamentaliza de facto, toma conta do próprio funcionamento interno das Forças Armadas, naquilo que mais legitimamente lhes diz respeito, e, por outro, garante às Forças Armadas, pela proposta de lei há pouco discutida, que não é tocado o seu carácter corporativo, que lá dentro poderão cometer-se eventuais excessos que não serão perturbados pelas leis civis e pelo funcionamento da sociedade civil, apesar de a instituição militar fazer parte integrante da sociedade portuguesa, como diz o Sr Deputado Correia de Jesus, e que, quanto muito, haverá uns tribunais militares para apreciarem, a contento, as questões que possam surgir.
Portanto, é esta a questão por um lado, dá-se a possibilidade de as Forças Armadas continuarem a funcionar, do ponto de vista corporativo, de poderem cometer excessos, por nada lhes ir parar à mão, e, por outro, o Governo toma conta daquilo que as próprias Forças Armadas deviam reivindicar e garantir como pertença sua. Trata-se, de facto, da governamentalização das Forças Armadas e não da democratização, no sentido em que devia ser entendida.
Por outro lado. o Comandante Supremo das Forças Armadas, como já aqui foi apontado, fica um pouco da lado, por uma razão muito simples: é que, na apresentação da proposta de lei. diz-se que a capacidade de o Presidente da República discordar e fazer voltar atrás todo esse processo é uma evidencia que fica mal à lei descrever. Enfim, e aqui que é justificado o facto de se retirar da lei o processo de intervenção do Presidente da República na nomeação do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Portanto, o comando supremo das Forças Armadas, que e suposto ser do Presidente da República, fica com um intermediário permanente neste seu relacionamento Daí que não possa estar de acordo com esta proposta de lei e que vá votar contra

O Sr Presidente: - Srs Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate A votação desta proposta de lei n.º 103/VI terá lugar na sessão de amanhã, não à hora regimental, como linha dito há pouco, mas no final do debate agenciado.
A sessão de amanhã, às 15 horas, constará de vir, período de antes da ordem do dia, seguido do período da ordem do dia em que se procederá a nova apreciação e votação do Decreto da Assembleia da República n.º 1847 VI que altera a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa), o qual foi vetado pelo Sr. Presidente da República.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos Alberto Lopes Pereira
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Francisco João Bernardino da Silva
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Maria Moreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Poppe Lopes Cardoso.
Elisa Maria Ramos Damião.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

Faltaram à sessão os seguintes Srs Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Angelo Ferreira Correia.
Manuel da Costa Andrade.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS)

António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António Luís Santos da Costa.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Maria da Conceição Seixas de Almeida.

Deputado independente:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

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