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Quinta-feira, 19 de Janeiro de 1905 I Série - Número 32

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE JANEIRO DE 1995

Presidente: Exmos. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da ratificação n.º 130/VI Foi aprovado o voto n.º 127/VI - De pesar pelo falecimento do poeta e escritor Miguel Torga (Presidente da AR, PSD, PS. PCP, CDS-PP e Os Verdes), tendo intervindo em sua homenagem, além do Sr., Presidente, os Srs Deputados Adriano Moreira (CDS-PP), Fernando Amaral (PSD), Manuel Sérgio (Indep.). Eurico Figueiredo (PS), Mário Tomé (Indep), André Martins (Os Verdes), Raul Castro (Indep.) e Octávio Teixeira (PCP). No final, a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio. Após o Sr. Deputado Braga de Macedo (PSD) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Europeus, procedeu-se ao debate sobre o tema "Portugal na União Europeia - Realidades e Perspectivas", nos termos do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento da Assembleia da República. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr Secretário de Estado para os Assuntos Europeus (Vítor Martins) e do relator, os Srs Deputados José Lamego (PS), Luís Sá (PCP), Mano Tomé (Indep.) António Maria Pereira (PSD), Raul Castro (Indep), Rui Carp (PSD), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Adriano Moreira (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
A Câmara aprovou ainda o voto n.º 128/VI - De pesar pelo terramoto que assolou o Japão (PSD, PS, PCP e Deputado independente Raul Castro}.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 15 horas e 40 minutos

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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva. Adérito Manuel Soares Campos. Adriano da Silva Pinto. Alberto Cerqueira de Oliveira. Alberto Monteiro de Araújo. Alípio Barrosa Pereira Dias. Álvaro José Martins Viegas. Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto. Américo de Sequeira. Anabela Honório Matias. António Augusto Fidalgo. António Costa de Albuquerque de Sousa Lera. António da Silva Bacelar. António de Carvalho Martins. António Germano Fernandes de Sã e Abreu. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António Joaquim Correia Vairinhos. António José Barradas Leitão. António José Caeiro da Motta Veiga. António Manuel Fernandes Alves. António Maria Pereira. António Moreira Barbosa de Meio. António Paulo Martins Pereira Coelho. Aristides Alves do Nascimento Teixeira. Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha. Arménio dos Santos. Belarmino Henriques Correia. Carlos Alberto Lopes Pereira. Carlos Alberto Pinto. Carlos de Almeida Figueiredo. Carlos Filipe Pereira de Oliveira. Carlos Lélis da Câmara Gonçalves. Carlos Manuel de Oliveira da Silva. Carlos Manuel Duarte de Oliveira. Carlos Manuel Marta Gonçalves. Cecília Pita Catarino. Cipriano Rodrigues Martins. Delmar Ramiro Palas. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco. Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva. Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista. Fernando Carlos Branco Marques de Andrade. Fernando dos Reis Condesso. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando José Russo Roque Correia Afonso. Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. Fernando Monteiro do Amaral. Fernando Santos Pereira. Filipe Manuel da Silva Abreu. Francisco Antunes da Silva. Francisco João Bernardino da Silva. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva. Hilário Torres Azevedo Marques. Jaime Carlos Marta Soares. Jaime Gomes Milhomens. João Alberto Granja dos Santos Silva. João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado. João Granja Rodrigues da Fonseca. João José da Silva Maçãs. João José Pedreira de Matos. Joaquim Cardoso Martins. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Vilela de Araújo. Jorge Avelino Braga de Macedo. Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha. José Alberto Puig dos Santos Costa. José Albino da Silva Peneda. José Álvaro Machado Pacheco Pereira. José Augusto Santos da Silva Marques. José de Almeida Cesário. José de Oliveira Costa. José Fortunato Freitas Costa Leite. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Guilherme Reis Leite. José Júlio Carvalho Ribeiro. José Leite Machado. José Luís Campos Vieira de Castro. José Macário Custódio Correia. José Manuel Álvares da Costa e Oliveira. José Manuel Borregana Meireles. José Manuel da Silva Costa. José Manuel Nunes Liberato. José Mário de Lemos Damião. José Mendes Bota. José Pereira Lopes. Júlio José Saraiva Sarmento. Luís António Martins. Luís Filipe Garrido Pais de Sousa. Luís Manuel Costa Geraldes. Manuel Acácio Martins Roque. Manuel Albino Casimiro de Almeida. Manuel da Costa Andrade. Manuel da Silva Azevedo. Manuel de Lima Amorim. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Joaquim Baptista Cardoso. Manuel Maria Moreira. Manuel Simões Rodrigues Marques. Maria da Conceição Figueira Rodrigues. Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira. Maria Luísa Lourenço Ferreira. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira. Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa. Mário Jorge Belo Maciel. Melchior Ribeiro Pereira Moreira. Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos. Olinto Henrique da Cruz Ravara. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Manuel Cruz Roseta. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Rui Alberto Limpo Salvada. Rui Carlos Alvarez Carp. Rui Fernando da Silva Rio. Rui Manuel Lobo Gomes da Silva. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete. Simão José Ricon Peres. Vasco Francisco Aguiar Miguel.

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Virgílio de Oliveira Carneiro. Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Bernardes Costa. Alberto da Silva Cardoso. Alberto de Sousa Martins. Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Aníbal Coelho da Costa. António Alves Marques Júnior. António Alves Martinho. António de Almeida Santos. António Fernandes da Silva Braga. António José Borrani Crisóstomo Teixeira. António José Martins Seguro. António Manuel de Oliveira Guterres. António Poppe Lopes Cardoso. Armando António Martins Vara. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos. Carlos Manuel Luís. Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrígues. Eduardo Ribeiro Pereira. Elisa Maria Ramos Damião. Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Alberto Pereira Marques. Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins. Gustavo Rodrigues Pimenta. Jaime José Matos da Gama. João António Gomes Proença. João Cardona Gomes Cravinho. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. João Ruí Gaspar de Almeida. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Joaquim Dias da Silva Pinto. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. Jorge Lacão Costa. Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. José Alberto Rebelo dos Reis Lamego. José António Martins Goulart. José Eduardo dos Reis. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Júlio Francisco Miranda Calha. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Marques Amado. Luís Filipe Nascimento Madeira. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes. Nuno Augusto Dias Filipe. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz. Rui António Ferreira da Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira. João António Gonçalves do Amaral. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Carlos Martins Peixoto. Luís Manuel da Silva Viana de Sá. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Jorge de Agostinho Trindade. Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrígues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Acilio Domingues Gala. Adriano José Alves Moreira. Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins. 15abel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé. Raúl Fernandes de Morais e Castro. Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do diploma que deu entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a ratificação n.º 130/VI (PCP) - Decreto-Lei n.º 321/94, de 29 de Dezembro, que aprova a Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública.
Devo ainda anunciar que irão reunir esta tarde as Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Trabalho, Segurança Social e Família e que a Subcomissão de Comércio e Turismo está já reunida.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um voto de pesar pelo falecimento do Dr. Adolfo Rocha, Miguel Torga, da nossa literatura. 0 poeta e escritor português, o cidadão, o homem do povo simples transmontano, o homem do povo simples de Coimbra, enfim essa figura que todos conhecemos e estimamos.
Está a decorrer neste momento o funeral, pelo que pedi ao Sr. Deputado Costa Andrade, também ele transmontano, também ele amigo pessoal de Adolfo Rocha, que acompanhasse Miguel Torga à sua última morada, representando-me nesse momento.
Antes de passar a ler o voto de pesar, gostava de dizer que vou propor - e já o anunciei, hoje, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares - que, no tempo adequado, a Assembleia da República preste, numa sessão solene própria, uma homenagem a Miguel Torga. Aliás, uma sugestão idêntica foi-me feita ontem, por carta, pelo Sr. Deputado Jaime Gama.
Srs. Deputados, o voto n.º 127/VI - De pesar pelo falecimento do Dr. Adolfo Rocha, Miguel Torga, subscrito por mim e por todos os grupos parlamentares, é do seguinte teor:

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"A morte de Miguel Torga constitui um infausto acontecimento nacional e europeu. Poeta e intérprete comovido do povo que somos e contista exímio de histórias exemplares da sua vida dura, buscador incansável da nossa maneira de ser e de estar no mundo e dos traços perenes da portugalidade, teimoso apaixonado da liberdade e da ousadia de ser e de agir, inimigo jurado das facilidades e elogios, fino e atento observador da nossa vida pública, Miguel Torga condensou e reelaborou, numa obra literária de rara beleza, a história lusíada dos últimos sessenta anos, ao mesmo tempo que soube ser, para muitas gerações de jovens e de estudantes, o pedagogo da liberdade, o conselheiro literário e o guia exigente para o serviço à arte com rigor e autenticidade.
No momento em que o vemos partir - como ele próprio diria, 'depois de dar o seu recado' -, a Assembleia da República curva-se emocionada perante o Homem e o Português de excepcional envergadura e faz votos de que a leitura dos textos que nos deixa continue a despertar nas gerações vindouras o amor à independência e à liberdade que anima a sua obra e atravessou a sua vida".
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me recordar, antes de qualquer outro comentário, que Adolfo Correia da Rocha era transmontano, nascido em S. Martinho de Anta. E tão ligado à terra que escolheu Torga para nome literário, uma palavra que designa a rústica urze que em muitos lugares povoa aquelas serras de torgais, e que talvez mais propriamente se refere à raiz da planta, que se queima e se faz carvão e cinzas, a consumir-se nos lares feitos de pedras, mas a dar luz e calor. Anunciou, deste modo, que assumia o destino dos torgais.
Quando, em 1934, usou pela primeira vez o nome em A terceira voz já estava identificado como um rebelde, talvez antes mais como solitário, que não iria pelos caminhos traçados pelos outros, antes preservando sempre a liberdade estética e a especificidade de todas as formas de arte que praticou, desde a poesia ao teatro. Faz parte da biografia corrente de Miguel Torga a notícia de que, menino, abandonou a casa familiar quase ao nascer, e pelo Brasil andou, ao lado do tio que o acolheu mas sofrendo a vida dura que o moldou, regressando a Portugal pelos 18 anos.
Lembremos o Abade de Baçal, tão profundamente analista de Um Reino Maravilhoso em que Torga nasceu, e recordemos as razões pelas quais autonomizou dois volumes da sua extensa obra dedicando um aos Fidalgos da província que sempre foi do Reino, e outro aos Notáveis em que se transformaram muitos dos emigrantes por necessidade e costume. Deste último registo de honras, constaria Torga, que sofreu a experiência comum a tantos meninos que podiam falar por igual da fidelidade à infância que não tiveram, que pelo Brasil andaram mal amparados, que muitos não voltaram nem mandaram notícias. Repito um pequeno trecho transmontano que escrevi a pensar nesses meninos, já faz anos: "Pelo alto dos montes da minha serra, o que mais impressiona são as fragas. Enormes e cinzentas. Pesadas e solenes. Postas ali desde o começo dos tempos. Ao menos desde o tempo dos homens. Todos as viram e deixaram lembrança. Não houve garoto na aldeia que não projectasse subir até às fragas. As fragas altas, como todos lhe chamam, para se perceber a grandeza. 0 dia da primeira visita era uma maioridade. Trepava-se lá acima. E via-se mais longe. Até às névoas. Para além disso era um mundo que também merecia ser visitado. Chamava-se aventura, e havia de ser corrida". Ele correu esta aventura, andou por outras terras, mas deixou-nos sobretudo a memória das almas por onde também passou. Médico, exercendo no mundo rural que aos transmontanos sempre pareceu pobre mas não subdesenvolvido, avigorou o conceito da "vida que não dá tréguas a nenhum amante", aprendeu a "curar as chagas com pensos de terra", moldando-se a si próprio como uma fonte de autenticidade.
Vitorino Nemésio, que também ficará entre os varões ilustres deste século, cedo anotando-lhe a rudeza, escreveria que ele era "no fundo um dos homens mais simples e sinceros que se podem encontrar". Livros como Pão Ázimo (1931), Bichos (1940), Contos da Montanha (1941), Novos Contos da Montanha (1944), Vindima (1945) atestam como a ligação à terra, a intimidade com a natureza, a batalha para enfrentar o drama que vai do berço à sepultura marcaram de maneira essencial a sua capacidade de compreender o sofrimento, de bradar aos céus e de também se assumir franciscano no comportamento.
Nos volumes do Diário, iniciado em 1941, entende-se a cada linha por que é que nos informou de que "é por dentro que eu gosto que aconteça a minha vida", e que a sua poesia explodia, "abra as portas da prisão". Experiente do poder das palavras, consciente da riqueza e da força da língua portuguesa que tinha ao seu dispor, e que aprendeu a usar com um vigor tal que nenhuma dessas palavras é supérflua nos seus textos, também exercitou a seu modo a cidadania, na época em que lhe aconteceu viver, e que viu nascer e morrer os totalitarismos de direita e de esquerda, duas guerras mundiais, a guerra civil de Espanha, o regime corporativo que detestou, a guerra de África e a amargura que confessou a respeito do processo que conduziu ao ponto final do império português, que teria imaginado multiplicado nos "Brasis" da sua experiência e recordação.
Depois de observar o Norte de Espanha no período da guerra civil, de passar pela Itália de Mussolini, sintetisa a época no conceito dramático das "angústias paradas", clama que "apetece gritar mas ninguém grita", confessa ter em si uma raiz anarquista que não o deixa suportar o poder. A pressão política e a injustiça feita à sua própria mulher, demitida de professora da Faculdade de Letras de Lisboa, tiveram a resposta do fortalecimento da inteireza. Pelas terras transmontanas de onde veio, diz-se que todos fazem bem em ser modestos, mas ninguém deve transigir em ser humilde. Era assim quando fazia justo alarde de intransigente.
Como disse em tempos Jorge Amado, foi o escritor da língua portuguesa, deste século, que mais mereceu o Prémio Nobel, num tempo em que não era costume que o desdenhassem os que são excluídos. Mas poucos terão merecido melhor atenção, enquanto vivos, dos mais autorizados dos seus contemporâneos: Eduardo Lourenço, Oscar Lopes, Pereira de Carvalho, Mourão-Ferreira, Jorge Amado, Vitorino Nemésio, são dos que vêm à lembrança nesta apressada necessidade de lhe prestar homenagem, quando entra na breve fila dos "sepultados insepultos". Aquele que civicamente ensinou que temos nas nossas mãos o temível poder de recusar.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

0 Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Ao ser-me dada, neste momento, a incum-

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bência de falar em nome do meu grupo parlamentar para lembrar a figura de Miguel Torga, ousei percorrer de imediato o seu Diário, para me fixar tão-só na seu primeiro verso: «Deixem passar quem vai na sua estradas». Este verso é como que um paradigma e um testemunho de uma vida inteira. Este homem, que veio de Trás-os-Montes, onde a urze cresce a custo, mordendo a rocha, comendo o pó, bebendo o sol, como diria Guerra Junqueira. Formou a sua têmpera, o seu carácter, a sua maneira dizer, os seus relacionamentos, através de uma escada na vida que fez dela estrada larga de um legado que nos deitou.
Passou por Lamego no seu semear, foi marçano pelo Porto e foi até às plagas brasileiras e daí voltou para o centro da intelectualidade portuguesa, para a Universidade de Coimbra. Fez-se escritor, autor, mas, sobretudo, poeta. E os poetas têm a facilidade de dizer Coisas que o comum dos homens não é capaz de exprimir, porque sabe lidar com as palavras, enredando-as num gosto diferente para traduzir estados de alma que o escritor vulgar é incapaz de atingir ou de conceber. Por isso, eles estão à frente, ao lado, mas sempre noutro sítio, para que a turba possa olhá-los e vigiar como caminham os poetas na descoberta dos novos mundos, na criação de um mundo novo.
Miguel Torga, que viveu por dentro a alma dos portugueses na simplicidade do que somos, que conheceu as terras e a sua gente, é bem o exemplo vivo de quanto um poeta é capaz, na beleza do seu dizer, de encontrar emoções, sensações, evidências que o comum dos homens é incapaz de traduzir, ainda que seja capaz de profundamente assentir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E Miguel Torga teve essa qualidade extraordinária que só os poetas têm na veleidade do pintar a cor do vento. E ele pintou a cor das almas. Ele soube viver por dentro a ansiedade, a angústia dos portugueses, para abrir caminhos novos de projecção de futuro. E quão admirável quando ele, na sua modéstia, refere que não quer deixar aos portugueses, como legado, os seus despojos poéticos, mas tão-só aquilo que de mais íntimo ele tem, sem a amargura, sem o testemunho da tortura do seu percurso, para nos deixar tão-só a «graça da chegada».
Que coisa admirável esta porque nos coloca em face da estatura enorme de um homem que é português e, pelo pensamento, é também universal. Não está na sua maneira de dizer, ainda que rica, bela, esplendorosa, mas, sobretudo, porque soube traduzir como ninguém o sentimento e a alma dos portugueses.
É este homem, que hoje passa a fasquia dos vivos, que estamos aqui a lembrar, com dor, com sofrimento, porque uma perda nacional, diria mesmo uma perda universal, porque é um homem que marcou um destino de solidariedade com a humanidade inteira.
A este homem, quero, neste momento, e em nome do meu grupo parlamentar, fazer votos para que os seus textos continuem a «estrada» que ele rasgou: «Deixem passar quem vai na sua estrada». A sua obra passou, passa é continuará a passar na memória, no coração dos portugueses para aquecer as ideias que ele nos deixou e, na inteligência dos portugueses, para tomar mais vivo o seu testemunho.
A este homem, quero, em nome do meu grupo parlamentar, fazer também votos para que o futuro, que é uma madrugada constante de esperança, glorifique o seu nome, faça honra à sua memória e conceda a paz à sua alma!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio

O Sr. Manuel Sérgio (Indep.)- - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Miguel Torga era um transmontano. Por isso podia cantar: «Serra!/E qualquer coisa dentro de mim se acalma.../Qualquer coisa profunda e dolorida,/Traída,/Feita de terra e alma./Uma paz de falcão na sua altura/A medir as fronteiras:/Sob a garra dos pés a fraga dura/E o pico a picar estrelas verdadeiras».
Mas transmontano e poeta e, por isso, telúrico:
«Terra, minha canção/O de polo a polo erguida,/Pela beleza que não sabe a pão,/Mas ao gosto da vida».
E sabendo que a História Universal não é senão a da consciência da liberdade:
«Deixem passar quem vai na sua estrada/Deixem passar/Quem vai cheio de noite e de luar/Deixem passar e não lhe digam nada»./Deixem que vai apenas/Beber água de sonho a qualquer fonte/Ou colher açucenas/A um jardim que ele lá sabe, ali defronte./Vem da terra de todos onde mora/E onde volta depois de amanhecer./Deixem-no pois passar, agora,/Que vai cheio de noite e solidão,/Que vai ser/Um estrela no chão».
Poeta, transmontano, telúrico e livre, faleceu ontem Miguel Torga, um dos maiores poetas da História da Literatura Portuguesa; marco inapagável da História da Literatura Universal: erguendo, na solidez vernacular dos nossos melhores clássicos, a presença de um resistente insubornado e insubornável.
Ao cultuar a figura emblemática do poeta, do escritor, do resistente e do democrata, a Assembleia da República honra-se a si mesma, pois saúda em Miguel Torga (ontem morto e hoje vivo e para todo o sempre) os valores da cultura e da liberdade, que são a sua própria razão de ser.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A perda de Torga é, obviamente, a perda do maior poeta existencial português, o poeta da liberdade, o poeta da revolta, o poeta da responsabilidade e o poeta da angústia perante a consciência da nossa condição de mortais. Mas é também para mim uma grande perda pessoal e daí os meus agradecimentos à direcção do meu grupo parlamentar pela incumbência de lhe fazer esta homenagem.
Torga sempre existiu na minha memória. Companheiro de República de meu pai em Coimbra, ambos médicos, ambos transmontanos, nascidos a poucos quilómetros um do outro, conheço Torga desde sempre e gostava, como memória, trazer-vos a primeira recordação que tenho dele. Depois de uma caçada na famosa Serra das Cebolas, que fica entre a minha aldeia, Justes, e a aldeia de Torga, S. Martinho de Anta, e depois de um opíparo almoço em minha casa, o poeta Torga, depois de bem almoçado, virou-se para a minha mãe e disse: «O almoço estava óptimo, mas o arroz não era grande coisa...» Esta frontalidade do poeta nunca mais a esqueci; este homem desengonçado, este homem feio, este homem rude que, na minha casa, já era «o poeta» não era um poeta, era «o poeta». Já conhecia praticamente de cor todas as histórias dos Bicílos, já conhecia o gato, o pardal, o cão e já tinha pesadelos com o abafador.
De facto, a partir daqui, o Torga esteve sempre na minha experiência de vida e sempre como um oráculo. Torga não foi um amigo no sentido habitual do termo. Devo

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até confessar que o evitava até certo ponto (aliás, os oráculos evitam-se), pois as palavras do Torga tinham uma força e uma contundência que é só para ouvir de tempos a tempos. E ele acompanhou-me desde sempre, na minha adolescência, com Libertação, Orfeu Rebelde, Cântigo do Homem; no meu exílio, com Poemas Ibéricos; agora, com Odes; e quando, narcisica e tristemente, me sinto transmontano, tenho sempre que reler Um Reino Maravilhoso para ver se retomo a alegria e a confiança na minha região.
Mas ao Torga oráculo temos que dar uma resposta política porque, como sabem, Torga identificava-se com a Pátria, como todos outros poetas e em poema datado de S. Martinho, Setembro de 1987, diz: "Desta terra sou feito./Fragas são meus ossos,/Húmus a minha carne./Tenho rugas na alma/E correm-me nas veias/Rios impetuosos./Dou poemas agrestes,/E fico também longe/No mapa da nação./Longe e fora de mão".
Torga era a Pátria, era a terra, mas era poeta, estava longe e ele mesmo se dizia: "Eu nasci subversivo". Daí que as suas opiniões têm que ter uma resposta política porque é certo que nos últimos anos Torga estava marcado mais fortemente que no passado pela angústia da morte. E também, em poema de 15 de Outubro, ele diz: "Meu corpo, meu versátil senhorio,/Ora a estuar de vida, ora doente./Meu corpo, meu dilema permanente,/Minha baça incerteza./Meu corpo, pobre e única riqueza/Que levarei comigo/Quando partir./Meu corpo, meu supremo desengano,/E meu gosto carnal de me sentir/Humano".
É este Torga que sentia dramaticamente a morte, sabendo do seu prognóstico terrível, que nos faz duas terríveis profecias que são a da desagregação da Pátria e a da perda da Pátria. Torga, nos últimos anos, alerta-nos para um medo, um medo de uma regionalização que divida o País e que funcione como forças centrífugas. Torga tem medo que a Pátria se perca numa grande comunidade em que as Pátrias deixem de ter sentido e eu, como regionalista feroz e como patriota dos "quatro costados", tenho de sentir que temos de dar resposta a um Torga através de pequenas regionalizações e não de grandes regiões, que têm que ser feitas o mais depressa possível para que a regionalização não se faça no conflito de duas regiões metropolitanas. E com a certeza de que a construção europeia se faça sempre tendo como base as Pátrias, porque essa é a melhor resposta que podemos dar ao desafio que Torga nos fez.
Para terminar, gostava de dizer que tenho uma outra preocupação: a preocupação com o que o Torga representa na cultura portuguesa. Unamuno defendeu a existência de uma bipolaridade temperamental da Ibéria: uma rude, violenta, da meseta, castelhana; outra, lírica, marítima, catalã, galega ou portuguesa. A generalização de Unamuno é excessiva. Torga é bem português, como expressão cultural, sem por isso ser um Bernardim. É que a bipolaridade ibérica é também nacional. E Torga assumiu, cultural e caracteriologicamente, o Portugal rural, interior, duro e até violento, mas ascético e sentimental. Torga mostrou pela sua obra e exemplo de vida que se pode ser profundamente transmontano, bem português e universal entroncando a sua problemática poética na problemática existencial tomada filosofia sofisticada no nosso século. Este Portugal de Torga, culturalmente tão meseta como Castela, é espinha dorsal do País no sentido físico e figurado. Terá sido talvez esta nossa realidade "castelhana" que nos livrou dos castelhanos. Perder a realidade física e o húmus cultural que a sustenta será uma tragédia para o nosso país.
Este é, no meu entender, o maior desafio que se põe à nossa geração. Recriar um Portugal rural agora sofisticadamente pós-industrial que mantenha as raízes, os valores e os sentimentos que Torga exprimiu. Perdê-lo será perdermo-nos porque Torga não é Portugal do passado, Torga é o Portugal do futuro.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associo-me a esta homenagem não apenas como homem que deve a Torga também o sentimento da liberdade e a luta por ela mas também como alentejano porque Torga, sendo transmontano, tinha um apreço muito especial pelo Alentejo, esse imenso relógio de sol em que os homens marcam os ponteiros do tempo e que ele punha ao nível do seu querido Trás-os-Montes.
E num compromisso entre o respeito pelo espírito de Miguel Torga, que era avesso às homenagens e aos elogios, e a minha própria liberdade de o homenagear, aqui digo um pequeno poema que para mim é uma referência permanente: "Todo o semeador/Semeia contra o presente/Semeia como vidente a seara do futuro/Sem saber/Se o chão é duro/E aceita a semente".

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome pessoal e no do Grupo parlamentar de Os Verdes, associo-me às palavras aqui proferidas pelos oradores que me antecederam. Ao subscrever o voto de pesar pelo falecimento de Miguel Torga, queria, desde já, e sem prejuízo da homenagem mais alargada na qual a Assembleia da República (tal como referiu o Sr. Presidente) honrará Miguel Torga, homenagear esta grande figura do nosso tempo e realçar a sua figura de escritor, de poeta e, sobretudo, a faceta de humanista que Miguel Torga nos deixou através da escrita e também da sua própria vida e que faz dele, a nível nacional e internacional, uma das figuras mais destacadas da cultura portuguesa dos nossos tempos.
Finalmente, aproveito a oportunidade para dirigir aos seus familiares as nossas mais profundas e sentidas condolências.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

0 Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que suficiente razão para homenagear a memória de Miguel Torga seria o facto de se tratar de um escritor que se revê não só à escala nacional mas também à escala mundial. Porém, Miguel Torga deixa-nos um exemplo que não se limita à sua figura de escritor pois é também o cidadão, o grande defensor da liberdade, o homem para quem nunca houve mitos que fossem capazes de o deter nas suas apreciações frontais Nem o próprio mito da Europa, tão em voga no nosso tempo, o impediu de se pronunciar livremente acerca dela.
E em relação a um homem que é um exemplo de escritor e de cidadão, de defensor da liberdade, queria terminar estas breves palavras de homenagem citando alguns versos seus, alguns versos em que se reflecte esse amor

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da liberdade: "Ar livre, digo-vos eu/Ou estamos nalgum museu de manequins de cartão".

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por comunicar a V. Ex.ª e à Câmara o apoio do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português à realização de uma sessão especial, em que se preste a devida e adequada homenagem à figura e obra de Miguel Torga.
Neste momento, apenas gostaria de, em nome do meu grupo parlamentar, associar-me ao voto de pesar que iremos votar pelo falecimento de Miguel Torga, vulto grande da literatura e cultura nacionais, insigne antifascista e democrata, homem desde sempre profundamente empenhado na defesa e afirmação da identidade nacional.
Queria também aproveitar esta oportunidade para, publicamente, expressar à família de Miguel Torga as nossas mais sentidas condolências e a nossa solidariedade pela dor que sentem nesta hora.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 127/VI - De pesar pelo falecimento do Dr. Adolfo Rocha, Miguel Torga.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Peço a todos que guardem um minuto de silêncio em intenção de Miguel Torga.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia que respeita ao debate sobre o tema "Portugal na União Europeia Realidades e Perspectivas", à iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República, nos termos do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento da Assembleia da República, embora este tema já tivesse sido sugerido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Informo que, apesar de estarem pendentes na Assembleia da República projectos de resolução sobre esta matéria, nesta sessão não vamos fazer a discussão dos mesmos, que será agendada oportunamente.
Nos termos do n.º 4 do artigo 76.º do Regimento, vou dar a palavra ao Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, relator do parecer elaborado pela referida Comissão, que dispõe de cinco minutos para apresentar a síntese do relatório, podendo fazer a sua intervenção de seguida, descontando no tempo do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: 0 material distribuído pela Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus inclui não só o relatório exigido nos termos do artigo 76.º, n.º 4, do Regimento, mas também, em anexo, três relatórios e dois projectos de resolução.
Vou tentar partir em pequeninos o "pão" contido no cervo documental, sem esquecer que, em matéria europeia imo em todas as outras, "nem só de pão vive o homem".

0 Orador: - Ou seja, a ideia da Europa que interessa aos portugueses nunca se poderá reduzir a dinheiro fácil destinado a comprar a soberania popular ou as suas raízes culturais e linguísticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - A Europa permitiu a Portugal libertar-se da pesada herança de a sua economia ter decrescido em parlamentarismo e crescido em ditadura, libertação que não se seguiu à Revolução em 1974 mas, sim, à adesão em 1985.
Começaram por apresentar a integração europeia como um seguro contra a ditadura - quando não há seguros desses, e muito menos lá fora.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Pelo contrário, havia que insistir tratar-se de uma opção - arriscada, portanto - pelo mercado e pela democracia, pelo desenvolvimento não inflacionista e respeitador do património natural e histórico do nosso país. Opção como a feita há 140 anos com a moeda única de então - o ouro -, de que resultou o único período de convergência económica e política com a Europa antes da adesão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Ao entrar no 10.º ano desde a adesão, o cidadão português ainda julga que os assuntos europeus dizem mais respeito aos burocratas de Bruxelas do que ao Governo ou aos municípios. Mas já afirma que a Europa é unia oportunidade para Portugal não ser excluído do núcleo central dos países ricos. Já combina valores reformistas, a que chamaremos legitimidade política nacional e responsabilização democrática dos reguladores.
Este cidadão acredita na iniciativa privada, prefere os impostos claros, simples e baixos, vota contra o despesismo, rejeita a subsídio-dependência nas pessoas e nas empresas ....

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - ... quer aumentar a transparência dos procedimentos administrativos.

Aplausos do PSD.

Este cidadão sabe que o Primeiro-Ministro de Portugal é ouvido e respeitado pelos outros membros do Conselho Europeu, porque tem uma ideia da Europa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Uma ideia assente em valores portugueses, bissectriz criativa entre o liberalismo global britânico, com quem partilhamos uma sensibilidade ao Atlântico Norte, o centralismo nacional francês, cujas instituições republicanas adaptámos, e a vizinhança espanhola, permanente desafio à nossa identidade lusófona.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Este cidadão indigna-se que o chefe do governo seja acusado ao mesmo tempo - e, às vezes, pelas mesmas pessoas - de livre-cambismo, estatismo e federalismo. Mas nem por isso atribui à ignorância dos detractores internos a enxurrada de "ismos" contraditórios entre si.

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Prefere evocar o prestígio internacional do líder da maioria e apelar para que seja reconhecido na luta política interna como forma de reforçar a coesão nacional e uma perspectiva portuguesa sobre o equilíbrio europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Talvez o cidadão comum não tenha entendido logo a convergência como trave-mestra da política económica deste Governo, conforme programa que aqui defendi e que está a ser rigorosamente cumprido; talvez tenha esquecido que foram atingidos os objectivos de inflação para 1992, 1993 e 1994 e respeitados os tectos da despesa pública do Estado constantes dos respectivos orçamentos.
Mas o cidadão tem consciência de que, apesar de a recessão internacional ter feito aumentar o défice e a dívida, se manteve a linha de rumo da convergência pluri-anual. A média da diferença de crescimento dos últimos cinco anos mantém-se acima do observado na retoma anterior.
Também os mercados financeiros internacionais, que, ignorando uma divisa inconvertível, exigiam taxas de juro proibitivas, já perceberam que o escudo não segue as crises da peseta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Virado para o futuro, o cidadão quer que Portugal enfrente com sucesso o desafio da globalização.

Aplausos do PSD.

Por isso lamenta que a oposição tenha um líder que só é europeísta quando convém às jogadas de política doméstica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Um líder que foi compagnon de route dos comunistas e não teve a capacidade de antecipação dos que lutaram por uma solução reformista nacional.

Aplausos do PSD.

Uma solução que não causasse a sangria de quadros e de capitais que se seguiu ao 25 de Abril e ao 11 de Março e que ainda hoje afecta a qualidade de vida dos portugueses.
Talvez seja demais pedir ao cidadão comum que se interesse em comparar a diferença entre o crescimento português e comunitário durante as três últimas recessões internacionais: de -2 % em 1974/1975 e 1983/1984 passou-se a menos de metade em 1993/1994, ou seja, a menos 1 %.
Não é, com certeza, demais repetir que Portugal se aproxima da Europa como nunca aconteceu ao longo dos últimos 70 anos, sem ditadura e sem inflação. 15so os portugueses sabem-no e, sobretudo, antecipam-no!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tentei no que precede dar uma ideia da Europa que interesse aos portugueses. Tomei a perspectiva de um português militante e probo, a que chamei cidadão. Este cidadão é político, no sentido mais radical da palavra, e por isso compreenderá que eu descreva agora o trabalho parlamentar.
Tudo começou com a aprovação da nova lei de acompanhamento e apreciação parlamentar dos assuntos europeus, pela qual se estabelece "um processo regular de troca de informações e consulta" entre Governo e Parlamento.
A expressão usada no artigo 1.º da Lei n.º 20/94, de 15 de Junho, revela a preocupação em formar consensos tão amplos quanto possível acerca do interesse nacional, facilitando, assim, a negociação permanente que caracteriza a construção europeia.
Havia que dar cumprimento à nova redacção do artigo 166.º, alínea f), da Constituição, promovendo o acompanhamento e apreciação parlamentar da participação de Portugal nesta negociação permanente.
Tal como o Tratado da União Europeia aí invocado, a revisão constitucional quis transformar os assuntos europeus num desafio sempre renovado à coesão nacional e à sua expressão em votações tão maioritárias quanto possível.
Foi o que aconteceu em 21 de Abril passado: a Lei n.º 20/94 foi aprovada por unanimidade, depois de, em Comissão, ter sido aprovada sem votos contra.
Este consenso foi construído pela determinação das minhas predecessoras Helena Torres Marques e Leonor Beleza e pelo esforço dos dois animadores do grupo de trabalho nomeado em 5 de Fevereiro de 1993, Deputados Fernando Condesso e Menezes Ferreira, aqui presentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Sem prejuízo de remeter uma apreciação mais completa para as actas que se encontram publicadas do debate em Comissão, relevo aqui o contributo do Sr. Deputado Nogueira de Brito e apelo ao seu líder parlamentar, neste momento ausente, para que indique um sucessor.
A Lei n.º 20/94 dá às comissões parlamentares, nomeadamente à dos Assuntos Europeus, responsabilidades acrescidas no seu artigo 5.º, que, como diz a epígrafe, regula o "Processo de apreciação". Responsabilidades adicionais que, diz o n.º 1, implicam a colaboração "das outras comissões especializadas em razão da matéria". Aos respectivos presidentes vai um agradecimento tanto mais caloroso quanto é certo que a nova lei ainda não estava em vigor quando foram solicitadas as suas contribuições.
Exigido, e pontualmente entregue desde 1987, o relatório anual do Governo é, pela primeira vez, aqui apreciado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Em Comissão obteve os votos favoráveis do PSD e do PS e contra do PCP.
0 projecto de resolução n.º 124/VI, de 1 de Julho, que retira as consequências políticas do relatório de apreciação parlamentar - e que aguarda agendamento em Plenário obteve, em Comissão, os votos favoráveis do PSD e contra do PS e do PCP. 0 PS votou "sim" ao relatório e "não" à resolução. Esta pirueta revela como a ideia da Europa do PS oscila entre duas referências estáveis: a reformista do PSD e a saudosista do PCP.

Aplausos do PSD.

0 pretexto da pirueta - pasme-se! - foi o "apoio aos responsáveis políticos nacionais que se anteciparam à actuação da União Europeia", referido no n.º 2 do projecto de resolução.
0 PCP entendeu não haver responsáveis políticos nacionais da sua confiança em condições de antecipar a União Europeia e votou contra o relatório e contra a resolução.
Terá o PS embarcado na mesma concepção marxista da confiança política?

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Admito que o debate esclareça este ponto e que, na altura de votar, o PS revele maior confiança na capacidade de antecipação dos responsáveis políticos nacionais.
Se interessar à Internacional Socialista? Perguntaria, com curiosidade genuína, o cidadão comum.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados; O relatório de apreciação parlamentar Portugal na União Europeia em 1993, as declarações de voto e o projecto de resolução foram publicados em Julho passado graças ao empenhamento dos Serviços da Assembleia. Os Serviços também tornaram possível debater, com especialistas académicos, os questionários enviados pelas presidências grega alemã e francesa da Conferência de Comissões de Assuntos Europeus para melhor a eles responder.
Queria agradecer daqui aos funcionários competentes e dedicados que apoiam o trabalho das comissões, Eles demonstram como a Administração Pública portuguesa sabe reagir a estímulos e compete em qualidade com os seus homólogos dos parlamentos nacionais e europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi na preparação da Conferência de Comissões em Atenas, no início de Maio, que a Comissão portuguesa decidiu apostar no acompanhamento parlamentar da revisão do Tratado da União Europeia na Conferência Intergovernamental de 1996 (dita CIG/96).
As declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros à Comissão em 21 de Junho, nas vésperas do Conselho Europeu de Corfu, reforçaram essa aposta. Embora a lei de acompanhamento ainda não estivesse em vigor» S. Ex.ª fez questão em dar início à referida «troca de informações e consulta».
Na Conferência de Comissões de Assuntos Europeus, em Bona, debateu-se o acompanhamento parlamentar da CIG/96, além de outros temas conexos, como o princípio da subsidariedade.
Consta do projecto de resolução n.º 131/VI, de 8 de Novembro, que também aguarda agendamento em Plenário, a formalização desta iniciativa.
O n.º 1 evoca a participação do presidente do Conselho Europeu; consta do relatório que o Chanceler alemão esclareceu a estratégia europeia da CDU/CSU, respondendo às perguntas dos diversos parlamentares, mostrando conhecer a convergência portuguesa, rejeitando - como sempre rejeitou!- a exclusão de Espanha e Portugal do núcleo central da construção europeia. E a presença aqui, hoje, do Sr. Embaixador alemão confirma esse conhecimento.
O n.º 3 releva que «a delegação nacional exprimiu, em importantes matérias, uma posição consensual na defesa dos interesses portugueses».
Cumpre-me salientar que foi um Deputado comunista o porta-voz desse consenso, mas que, depois, o PCP hão votou o projecto de resolução, talvez com medo de uma ditadura da maioria em matéria europeia!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Estavam distraídos.

O Orador: - Saudades da ditadura do proletariado, que sempre foi uma minoria? Perguntará, com a mesma curiosidade de há pouco, o cidadão comum.

Aplausos do PSD.

Talvez o debate venha a esclarecer esta e outras piruetas da oposição a consensos duráveis, os únicos capazes de reforçar a identidade nacional

O Sr. Miranda Calha (PS): - Essa foi brilhante!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de sistematização do relatório do grupo de trabalho de preparação da próxima Conferencia de Comissões, a realizar no mês de Fevereiro, em Paris, foi apresentada em 17 de Outubro, na presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros, o qual se comprometeu a dar toda a colaboração ao Parlamento nacional.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Além de cumprir a lei. esperava, assim, contribuir para balizar consensos nesta matéria, reforçando o poder de negociação do Governo português - qualquer que ele seja - na CIG/96.
O relatório que os Serviços apresentaram ao grupo de trabalho, em 29 de Dezembro de 1994, limita-se, assim, a fornecer um enquadramento para a negociação, uma ideia da Europa que interessa a Portugal e aos portugueses. Designadamente, ainda não inclui as contribuições individuais dos Deputados membros do grupo de trabalho.
Como tentativa de enquadramento, tão consensual e rigoroso quanto possível, foi debatido, com especialistas universitários, em 4 de Janeiro de 1995 e, em Comissão, com euro-deputados portugueses dos Partidos Popular e Socialista Europeu, bem como do Grupo Confederai da Esquerda Unitária Europeia, em 13 de Janeiro. Estão previstas novas reuniões, com os mesmos convidados, para os dias 20 de Janeiro e 20 de Fevereiro, respectivamente.
Discutir-se-á, em especial, o conceito de geometria variável positiva e suas implicações, não só nacionais mas também regionais.
Tal como a União Europeia, cujo futuro visa compreender, o relatório parlamentar PSD/PS é um documento em aprofundamento e alargamento simultâneo. Assim o demonstram as declarações de voto entregues na Comissão pelo PS e pelo PCP, às quais se acrescenta, agora, a declaração de voto do PSD.
Em matéria de geometria variável, em especial, abundam os equívocos e as ambiguidades, até por deficiência de sedimentação terminológica.
Visível no Tratado da União Europeia no que toca à moeda única, a geometria variável é um conceito que urge definir. O relatório parlamentar PS/PSD prefere invocar um princípio da construção europeia que deriva directamente da igualdade dos Estados membros, que se chama princípio da não exclusão do núcleo central, e a que se pode chamar também geometria variável positiva, porque está literalmente nos antípodas de uma geometria variável negativa, a qual é tipificadora dos países do núcleo central, com exclusão de outros, mesmo que cumpram as condições acordadas entre todos.
A não exclusão do núcleo central é outra bissectriz criativa entre a chamada Europa à la carte, que despreza o bem comum, e o federalismo burocrático, que despreza a vontade política.
O relatório de 29 de Dezembro enquadra esta defesa do princípio da não exclusão no equilíbrio que a construção europeia tem de garantir entre a eficiência do mercado e a transparência da democracia, equilíbrio que reflecte os três valores já citados: a proximidade, a legitimidade nacional e a responsabilização.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - 0 primeiro corresponde à subsidariedade da doutrina social da Igreja e tem fundas tradições nas democracias nórdicas e no municipalismo português.
A legitimidade nacional e a responsabilização democrática são princípios de ética pessoal e política, tornados mais prementes pela globalização dos mercados.
As preocupações de cultura cívica local visam lutar contra a irresponsabilidade burocrática e os aumentos de impostos que lhe estão associados conferir maior legitimidade à representação democrática, tornando, assim, mais transparente a vida pública.

Vozes do PSD. - Muito bem!

0 Orador: - É que a competitividade global é indissociável da solidariedade entre ricos e pobres, novos e velhos, nacionais e estrangeiros, na Europa e no mundo.

Aplausos do PSD.

As empresas querem contribuir para a coesão nacional, porque ela também é um factor de competitividade global.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Nas sociedades divididas não se produz, às sociedades ingovernáveis não se empresta. Sem coesão nacional, não se ousa enriquecer.

Aplausos do PSD.

0 Orador: - 0 alargamento e o aprofundamento simultâneo da União implica uma negociação permanente entre Estados. Daí que um equilíbrio entre a proximidade do cidadão, a legitimidade nacional e a responsabilização democrática, facilitado pela pluralidade parlamentar, ajude a concretizar o princípio da não exclusão do núcleo central.
É um equilíbrio essencialmente dinâmico e reformista o que vem proposto no relatório de 29 de Dezembro, votado favoravelmente pelo PSD e pelo PS. Convém a Portugal e aos portugueses e reforça o poder de negociação do Governo na CIG/96.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumprido o grato dever de resumir a actividade da Comissão de Assuntos Europeus na preparação deste debate e no cumprimento da Lei n.º 20/94, permito-me retomar uma proposta dos coordenadores dos grupos parlamentares na Comissão aos respectivos líderes, que só o coordenador do PCP não subscreveu. E faço-o por intermédio de V. Ex.ª, Sr. Presidente, pioneiro na tarefa de tomar os parlamentos nacionais interlocutores válidos dos governos, e deles próprios, em matéria europeia.
Propunha-se que, depois da Conferência de Paris, continuasse o acompanhamento parlamentar da revisão do Tratado da União Europeia na CIG/96.
A proposta deve ser aceite, como foi a sugestão de se convocar uma conferência extraordinária em 1995, eventualmente já sob a presidência espanhola, tanto mais que as resoluções visam reforçar "o envolvimento parlamentar na legitimidade democrática do Executivo" (n.º 1 do projecto de resolução n.º 124/VI) e promover "um maior envolvimento dos parlamentos nacionais na construção da União Europeia" (n.º 1 do projecto de resolução n.º 131/VI).
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Vou concluir, dizendo que o acervo documental aqui apresentado confirma que 10 anos de integração europeia aproximaram Portugal da Europa, tanto nas famílias como nas empresas, nas escolas e nesta Câmara.

Aplausos do PSD.

0 Sr. José Lamego (PS): - Excepto nas finanças!

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Alguns ficaram para trás!...

0 Orador: - Tal como não tivemos medo da unanimidade na aprovação da Lei n.º 20/94, não temos medo da maioria qualificada que aprovou o material distribuído. Tão pouco receamos que a maioria absoluta tenha apoiado "os responsáveis políticos nacionais que se anteciparam à actuação da União Europeia", em 1993, na expressão feliz do projecto de resolução n.º 124/VI.
Quanto ao acompanhamento parlamentar da CIG/96, a seu tempo, ver-se-á o que a Internacional Socialista ditará.
Jacques Delors, personalista insigne - e, passe a couleur locale, doutor em Economia pela Universidade Nova -, recusou uma ementa social/comunista em França. Que diria ele da máquina socialo-saudosista para a presidência da República Portuguesa, em rodagem na Câmara Municipal de Lisboa?

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ó cidadão!...

0 Orador: - 0 cidadão comum sabe que ela amordaçaria as classes médias portuguesas e consolidaria o caminho do federalismo dependente,...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ó cidadão!...

0 Sr. João Amaral (PCP): - Veja lá se vai ter de engolir um sapo!

0 Orador: - ... um mau caminho, em que regiões clientelares disputam os dinheiros de Bruxelas e as Nações-Estado são consideradas tão antiquadas quanto o capitalismo durante o PREC.

Aplausos do PSD.

Veremos para que lado o PS vai oscilar, se para o saudosismo e para o PCP, se para o reformismo e para o PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Se oscilar para o reformismo, encontrará o PSD a lutar por uma ideia da Europa que interessa a Portugal, assente na proximidade do cidadão, na legitimidade nacional, na responsabilização democrática e na não exclusão do núcleo central.
Oxalá os interesses permanentes dos portugueses vençam as conveniências da política doméstica, tanto em matéria europeia como em todas as outras.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

0 Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, inscrevi-me na dúvida se iria interpelar a Mesa ou pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Braga de Macedo.

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Todo este debate foi organizado como um very light, para assinalar a presença política do Sr. Deputado Braga de Macedo, como uma tentativa de ingresso retroactivo nos Governos do Professor Cavaco Silva,...

Risos do PS.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Foi, antes, um holofote!

0 Orador: - ... mas acaba apenas por ser um very light que ilumina o estado de descompostura ideológico-intelectual em que se encontra a bancada do PSD e o Sr. Deputado Braga de Macedo.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Queria apenas perguntar se, de facto, o Sr. Deputado Braga de Macedo interveio como relator e presidente da Comissão de Assuntos Europeus ou como Deputado do PSD, retratando, como vejo, todas as posições do PSD em matéria de política europeia e toda a sua combatividade nesta Câmara. Faço esta pergunta face ao completo apoio que o PSD deu à sua intervenção.
Portanto, repito, gostava de saber se o Sr. Deputado agiu como presidente da Comissão de Assuntos Europeus - e eu começo a preocupar-me, porque não me sinto representado no tipo de descompostura que está a ser introduzida nesta Câmara e a degradar um debate de importância fundamental a um mero número circense - ou se, pelo contrário, agiu como porta-voz do PSD, já que, nessa qualidade, tem toda a autonomia, ao abrigo do direito de liberdade de consciência que lhe assiste, para dizer todos os dislates que bem lhe aprouver.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares ficou determinado que o Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus faria uma intervenção inicial para apresentar a síntese do relatório dessa Comissão...

Protestos do PS.

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Não é verdade, ele não fez uma síntese do relatório!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Desculpem, Srs. Deputados, mas eu ainda não acabei.
Repito, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares ficou determinado que o Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus faria uma intervenção inicial para apresentar a síntese do relatório dessa Comissão , que, imediatamente a seguir, se assim o desejasse, faria ima intervenção, que seria a primeira a efectuar-se. Foi isto que ficou acordado para hoje.
Logo, a Mesa considerou que os primeiros minutos da intervenção do Sr. Deputado Braga de Macedo foram-lhe concedidos para fazer a síntese do relatório...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Mas não fez!

0 Sr. Joaquim Silva Pinto (PS): - Baralhou-se!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - ... e o restante tempo para a intervenção.
0 Sr. Deputado é livre - e, nesta Câmara, somos todos livres - de fazer a sua interpretação desta matéria. Se ele quis fazer a síntese do relatório, o problema é dele e não da Mesa. Para nós, o Sr. Deputado Braga de Macedo esgotou o tempo que lhe era dado para fazer a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Europeus e, de seguida, fez uma intervenção, cujo tempo, como vêem no quadro electrónico, lhe foi contado.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD) - Sr. Presidente, quero pedir à Mesa que esclareça o Sr. Deputado José Lamego, eventualmente menos atento durante a minha exposição, que o ponto central do meu trabalho foi a importância, em matéria europeia, não só de consensos, que existiram, mas de consensos duráveis. Por isso mesmo, ainda ontem e esta manhã, se preparou este debate em Plenário, ouvindo as várias opiniões, e ficou perfeitamente claro que há, de facto, alguns consensos, mas que, depois, há piruetas.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS)- - Foi o que fez da tribuna!

0 Orador: - Por isso, peço ao Sr Presidente que averigue se a interpretação do Sr. Deputado José Lamego já revela que a Internacional Socialista está com dúvidas quanto ao relatório parlamentar PSD/PS, aprovado na Comissão no dia 11 de Janeiro.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr Deputado, como pode calcular, não cabe à Mesa averiguar o que é que há por trás da intervenção do Sr. Deputado José Lamego.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

0 Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Braga de Macedo, espero que, no âmbito do seu espírito, que eu gostaria de crer que é plural, para além do documento PS/PSD, solicite à Mesa que sejam distribuídas as declarações de voto dos outros partidos, que estão no direito de não terem exactamente a mesma opinião e de não se reconhecerem, em alguns aspectos, no relatório da Comissão de Assuntos Europeus.
Uma questão que queria colocar-lhe, independentemente de outras que o debate permitirá, é se o Sr. Deputado, quando referiu a aprovação, por unanimidade, da lei de acompanhamento, pretendia criticar - coisa em que eu o acompanharia - a sua bancada pelo facto de, desde 1987 e até 1994, estando aprovadas leis por esta Assembleia da República - e refiro a Lei n.º 111/88 aprovada imediatamente após a conquista da maioria absoluta pelo PSD -, não ter cumprido nem garantido os direitos da Assembleia da República.
Uma vez que estamos a falar em autocríticas - com certeza, o Sr. Deputado terá oportunidade de as fazer -, pergunto-lhe se, em sua opinião, o seu partido se deveria autocriticar pelo facto de não ter permitido que o povo português tivesse uma palavra sobre o Tratado da União Europeia e se tenciona, no futuro, a propósito da revisão do Tratado e da passagem à terceira fase da União Económica e Monetária, votar a favor de que seja dada a palavra, soberanamente, ao povo português, numa questão tão importante para o futuro de Portugal como esta.

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0 Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, de facto, na minha intervenção, referi as declarações de voto do PS, entregue, pontualmente, ontem, do PCP, entregue esta manhã na Comissão, e de Os Verdes, entregue logo a seguir. Portanto, é evidente que reconheço essa probabilidade e também referi a presença do eurodeputado indicado pelo Partido Comunista Português na reunião de 13 de Janeiro.
Sr. Deputado Luís Sá, na verdade, entre 1987 e 1994, verificou-se uma evolução muito significativa na Europa Comunitária e há quem não a tenha entendido. 0 Tratado da União Europeia, como construção aberta, que teve implicações decisivas e levou a uma alteração da Constituição da República Portuguesa, implicava também, em Portugal, como em todos os outros países, a aprovação de uma lei pragmática, que permitisse um processo de consulta e informação mútua entre o Governo e o Parlamento. Essa é exactamente a expressão da Lei n.º 20/94.
Por isso, eu disse que foi uma unanimidade construída com muita dificuldade, mas que, de facto, permitiu que o PCP se associasse aos restantes partidos em Plenário, embora não tenha votado favoravelmente em Comissão. Congratulo-me com isto, que mostra haver aqui um grande consenso, do qual, como também disse, não temos medo.
Sr. Deputado, isto não surge por acaso. É por isso que intervim e fiz aquele apelo ao Programa do Governo. Aí, ao se salientar a convergência, é evidente que o Governo português tinha toda a consciência de que, depois de ter sido sufragado, em 1991, maioritariamente, para uma construção que envolvia uma aproximação da Europa aos cidadãos, tinha de a concretizar no Governo e também no Parlamento. É isso que todos estamos a fazer aqui, Sr. Deputado Luís Sá. Se o interesse que o Sr. Deputado tem por estas matérias no Plenário corresponder a um igual interesse em Comissão, eventualmente numa base de um trabalho mais rotineiro e, às vezes, porque não dizê-lo, monótono e ingrato, a Comissão - e penso estar a falar em nome de toda a Comissão - agradece-lhe.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Braga de Macedo, gostaria de lhe colocar algumas questões, porque, no fundo, está a preparar-se a revisão do Tratado em 1996.
Antes de mais, qual é o crédito deste processo de revisão do Tratado? Pergunto se os partidos, nomeadamente o PSD, estão dispostos a que se realize um debate nacional e um referendo aquando dessa revisão. Sem isso, considero que este processo e todas as resoluções que possam surgir não têm suficiente crédito político.
Qual é o crédito político dos mecanismos de cooperação nas áreas da justiça e das polícias, se ainda não sabemos os resultados do processo GAL/DINFO, o qual, por poder configurar uma situação de terrorismo de Estado, está a gerar uma crise enorme no Estado espanhol? Não esqueçamos que, nesta questão, o Governo português não é imune, porque está envolvida a DINFO.
Se nem sequer se fiscaliza o SIS, em Portugal, que controlo pode existir sobre o sistema de informações de segurança de Schengen, portanto, europeu?
Qual é o crédito do chamado processo de aprofundamento da União, se a actual presidência francesa defende apenas cinco línguas oficiais, excluindo o português?
Qual é o crédito do aprofundamento do caminho para a moeda única, se, à partida, nem o Governo português nem os outros, parece, discutem os critérios de convergência, quando ainda há várias moedas fora do mecanismo de convergência?
0 processo de revisão, segundo a forma como está a ser acompanhado pela Assembleia, não tem dado garantias de crédito político, vigorando, em minha opinião, a "lei do mais forte" e não a "lei da democracia". Ao PS e ao PSD, que sustentam este processo, qual bloco central, pergunto: qual é de facto o crédito político de todo este processo?
Para terminar, deixo à Câmara as relativamente recentes palavras de Miguel Torga, que hoje foi a enterrar. "rejeito Maastricht com todas as veras da minha alma".

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, no acervo documental que foi distribuído verá que a língua portuguesa é precisamente um dos temas que pretendemos acrescentar ao relatório PSD/PS, de 29 de Dezembro de 1994. Está lá, com todas as letras, a importância que damos à língua portuguesa. Nessa matéria, não aceitamos lições de quem quer que seja...

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Não estou a dar lições, estou a perguntar!

0 Orador: - ... e aqui, mais uma vez, falo em nome da Comissão.
Quanto à moeda única, Sr. Deputado, peço-lhe encarecidamente que se lembre do padrão-ouro. Referi-o aqui. Foi no século XIX, durante o período do padrão-ouro, entre 1854 e 1891, que crescemos mais. Era a moeda única, Sr. Deputado, havia democracia, não havia inflação!

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Vamos voltar para lá?!

0 Orador: - Não use espantalhos, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - 15so é ridículo! Vamos voltar ao século XIX?!

0 Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra.

0 Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, tenho visto o Sr. Deputado Braga de Macedo referir - isto é uma pura construção política, não significa que tenhamos qualquer preconceito nessa matéria - este relatório como sendo o relatório PSD/PS. Ora, este mesmo relatório foi intitulado pelo Sr. Deputado como documento da presidência, que votámos a favor, naturalmente.

Vozes do PSD: - Ah!

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0 Orador: - E votámos a favor porque é um relatório dos serviços de apoio à Comissão e, como é óbvio, aprovámo-lo como sendo um trabalho desses serviços, que o Presidente, para evitar qualquer polémica, intitula, egocentricamente, como documento da presidência. 0 PS juntou a esse documento a sua declaração de voto, onde estão consubstanciadas as suas posições.
Portanto, para nós, não é uma questão de doutrina mas sim, uma pura construção política o modo como o Sr. Deputado Braga de Macedo se refere a este documento.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito?

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, solicito à Mesa para que leia a página de rosto do relatório, que diz "Acompanhamento parlamentar da revisão do Tratado da União Europeia na Conferência Inter-Governamental de 1996 (CIG 96). Relatório do Grupo de Trabalho de preparação da Conferência de Comissões de Assuntos Europeus (COSAC) - 29 de Dezembro de 1994". Depois, surge uma box, onde se diz: "Votado em Comissão, na reunião de 11 de Janeiro de 1995. com os votos favoráveis do PSD e do PS, contra do PCP e a abstenção do PEV". Haverá alguma gralha, Sr. Deputado José Lamego? Peço à Mesa que esclareça esta situação.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, julgo que a situação está esclarecida. Além disso, a pedido do Sr. Deputado Luís Sá, mandámos pedir cópias da acta da Comissão, onde constam as votações, e quando chegarem serão distribuídas.
Sr. Deputado António Maria Pereira, tem a palavra para pedir esclarecimentos.

0 Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Braga de Macedo, meu amigo, a pergunta, que lhe vou fazer respeita à segurança.
Como sabe, a grande preocupação dos países do centro e do leste europeu e dos países bálticos é, antes de mais, a segurança. Como conseguir a sua segurança? Esses países desejariam entrar na NATO, mas deparam com oposição frontal da Rússia, o que poderia criar problemas muito graves à Comunidade Europeia e à própria NATO.
Portanto, como atingir essa segurança? Uma vez que esses países não podem entrar na NATO, parece-me que caminho indicado seria a sua entrada na UEO. Mas, para ,isso, têm de pertencer à União Europeia. Ora, à União europeia tem, neste momento, 15 países, no ano 2000 terá 21 e, ainda ontem, o Presidente da França, François Miterrand, disse que desejaria que todos os países democráticos europeus pertencessem à União Europeia. Chegando a este ponto, e dado que as estruturas económicas e financeiras desses países não são, de modo algum, compatíveis com a sua entrada a curto prazo na União Europeia, a pergunta que faço é esta: em seu entender, esses países poderiam entrar na União Europeia aceitando apenas o segundo e o terceiro pilares e talvez uma parte do primeiro, excluindo a PAC e a moeda única?
Quer dizer, desse modo, estaríamos diante de uma Europa de geometria variável, ou a várias velocidades, mas esta seria talvez a única forma de conseguir dar a esses países a segurança de que eles têm absoluta necessidade.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Maria Pereira, na página 27 do relatório prevê-se precisamente essa hipótese, que foi discutida ontem, quando preparávamos a resposta ao questionário da Conferência de Paris, que depois será debatida, aliás, numa iniciativa conjunta da Comissão de Assuntos Europeus e de outras, entre as quais a de que V. Ex.ª é presidente. Na referida página 27 diz-se que o Primeiro-Ministro polaco sugeriu já a entrada do seu país para a CJAI, o que traria vantagens evidentes para ambas as partes.
No relatório da Comissão - permita-me que lhe continue a chamar relatório PSD/PS, apesar deste incidente e de não terem ainda sido distribuídas as cópias da acta onde constam as votações, e espero que isto não seja considerado abus de langage, por parte do PS - está, sem dúvida, um princípio de resposta à interessante questão que pôs.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus

0 Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus (Vítor Martins): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É tempo de preparar a resposta aos imensos desafios que os europeus têm pela frente à entrada do último quinquénio do século XX. Razão de sobra para saudar vivamente esta iniciativa da Assembleia da República e para me associar ao contributo do Governo para este debate sobre o devir da ideia europeia e sobre o nosso lugar e desempenho no movimento da construção da Europa.
"Portugal na União Europeia - Realidades e Perspectivas", é este o tema que decidiram agendar. Atentemos, pois, nas realidades do tempo europeu que é o nosso e levantemos os olhos, de seguida, para perspectivar os horizontes que se antevêem para a Europa do ano 2000. Faço-o com um espírito de serena reflexão, de resto, recomendado pela exigência do tema, pelas incertezas que persistem em tantos parâmetros da vida internacional e pela prudência que se deve ter quando enfrentamos questões dinâmicas, por natureza, projectadas em períodos de largo horizonte.
Apesar de complexa, não é difícil equacionar a realidade actual do processo de construção europeia: obra incompleta e com défices de realização, mas com resultados, como agora se diz, concretos, que ninguém pode apagar ou minimizar.
A realidade caleidoscópica do processo de integração europeia poderá resumir-se, com óbvia simplificação, como segue.
De um lado, temos:
um período de paz entre as nações europeias que é ímpar na História da Europa e que o doloroso drama jugoslavo mancha mas não apaga;
uma integração económica bem sucedida, que fez renascer a projecção da Europa como potência e fez sarar

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as feridas de duas conflagrações mundiais e do esboroamento dos impérios;
o progresso continuado do bem-estar e da qualidade de vida dos europeus, em cerca de cinco décadas de experiência comunitária;
a constituição de um grande mercado interno que, sendo objectivo de dimensão essencialmente económica, tem uma relevância política inquestionável e foi motor do progresso, sobretudo na segunda metade dos anos 80;
uma capacidade de relações externas, que se revela na maior rede de acordos de cooperação e de comércio com todas as regiões do mundo, dando expressão a uma influência internacional de grande projecção;
um progressivo alargamento do número de Estados-membros, que começou com seis, em 1957, e atinge, hoje, 15, colocando a União Europeia com 370 milhões de habitantes e com fronteiras que vão do Atlântico até à Rússia e da região Ártica até ao Mar Egeu;
uma solidariedade reforçada entre os Estados, designadamente por via da concepção e aplicação do princípio da coesão económica e social;
a consagração da cidadania europeia, com importantes novos direitos;
uma União Económica e Monetária, definida em termos realistas em plena segunda fase de transição;
uma cooperação reforçada, a nível da justiça e dos assuntos internos, que visa garantir o espaço sem fronteiras, sem quebra na segurança e liberdade dos cidadãos.
Mas, do outro lado da realidade europeia, não podemos deixar também de dar relevo aos seguintes aspectos:
a relativa saturação do modelo económico dominante até agora, em particular no que se refere à criação de empregos (17 milhões de desempregados na União Europeia);
a manutenção de segmentos populacionais significativos ainda marginalizados pelo progresso ou, pior ainda, verdadeiramente excluídos (recorde-se que 53 milhões de cidadãos da União Europeia se encontram no limiar da pobreza e provavelmente cerca de 5 milhões estão alojados de forma precária e sem condições),
a instabilidade política vivida nos Balcãs e no Cáucaso, situação ainda mais amarga quando se assiste a alguma debilidade da União Europeia para promover soluções que garantam a paz efectiva e duradoura, nomeadamente na Bósnia Herzegovina;
a pressão migratória sobre a União Europeia, proveniente do Leste, mas também do Sul, suscitando graves problemas de integração social e de segurança;
a aleatoriedade da situação na federação russa, onde se sabe com segurança que o comunismo faliu, mas onde todas as dúvidas se legitimam e se reforçam cada dia que passa sobre a futura fisionomia política e o perfil sócio-económico desse imenso país europeu que integra tantas contradições,
a vulnerabilidade da fronteira Sul, submetida a grande pressão migratória e às ameaças do fundamentalismo islâmico;
a difícil consolidação das democracias e das economias de mercado nos países do Centro e Leste europeu, vítimas de décadas de opressão totalitária, que deixaram estigmas profundos nas administrações, nas mentalidades e nos hábitos;
a perplexidade dos europeus perante a questão da sua segurança, pois, sem inimigo identificado, a Europa tem revelado dificuldades em organizar-se, com estabilidade e eficácia, para assumir nas suas mãos a sua própria defesa e segurança.
É nesta realidade que Portugal se move, naturalmente tirando partido das vantagens e benefícios do processo de integração europeia, mas partilhando também as suas dificuldades e desafios.
É com estas realidades que podemos e devemos perspectivar o futuro do continente europeu. E, já em 1996, os Quinze enfrentarão um grande momento negocial, quando derem início à Conferência Intergovernamental que vai rever o Tratado da União Europeia. Não nos podemos iludir quanto à dimensão e significado dessa tarefa. Será essa, provavelmente, a mais complexa e difícil negociação alguma vez enfrentada nestas cinco décadas de integração europeia.
É também a esta luz que os trabalhos desenvolvidos e a desenvolver pela Assembleia da República serão certamente contributos preciosos para apoiar o esforço negocial que caberá ao Governo conduzir, em sede dessa Conferência. E serão também factor importante para mobilizar os cidadãos para as questões que, cada vez mais, tocam os seus interesses fundamentais. Jogando-se o futuro da Europa, está inquestionavelmente a jogar-se também o futuro de Portugal.
0 trabalho de reflexão e de debate não deve, contudo, antecipar as negociações que têm o seu calendário e o seu quadro bem identificados. E devemos, por isso mesmo, resguardar-nos dos excessos de zelo, das armadilhas dogmáticas que alguns doutrinadores menos escrupulosos vão lançando. 15to é, há que reflectir, há que debater e há que encontrar novas respostas para questões cruciais da sociedade europeia, mas há que evitar querelas artificiais, que diminuam a nossa capacidade negocial e nos fragilizem no plano externo. E há, sobretudo, que evitar "correr atrás de foguetes", que, produzindo embora vistosa luminosidade, são efémeros e nos desviam da essência das grandes questões.
É neste espírito que tentarei identificar algumas ideias que me parecem básicas como orientação para as próximas etapas do processo de integração europeia.
Em primeiro lugar, permitam-me que enfatize o aspecto que considero mais importante para garantir qualquer perspectiva futura à União Europeia: a confiança entre os Estados.
Não há processo de integração que resista a um clima de desconfiança entre os parceiros. Mas a confiança não é um dogma indiscutível, nem resulta apenas da letra dos tratados. A confiança entre Estados, como bem sabemos, conquista-se pela prática efectiva de uma colaboração que cimenta nos povos a convicção de que partilham, sem ambiguidades, o mesmo projecto e prosseguem, sem desvios, um interesse que é comum.
0 sucesso da integração europeia tem muito a ver com este clima de confiança que os seus pioneiros souberam consolidar, até pela via, que não deve subestimar-se, da amizade pessoal entre os seus líderes.
A confiança assenta em algumas premissas e princípios, que são a base de qualquer sistema de integração: em primeiro lugar, a capacidade política e institucional de definir o interesse comum, nunca passível de redução ao somatório dos interesses das partes; em segundo lugar, a igualdade dos Estados enquanto parceiros soberanos, partilhando livremente um projecto comum e participando por inteiro na arquitectura das decisões; em terceiro lugar, o respeito pelas identidades nacionais, entendidas num quadro de saudável diversidade cultural, preservando sempre os valores fundamentais associados à história, à língua, à cultura e à tradição de um determinado espaço nacional, e, em quarto lugar, o direito de "cidadania", traduzido por incapacidade de controlo democrático do processo de decisão e, também, por uma visão mais abrangente do lugar que cabe ao cidadão no movimento de integração, às vezes infelizmente relegado para o simples papel de consumidor.

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A confiança sai reforçada, se existe uma prática efectiva de solidariedade. A coesão económica, social e política dos Estados que partilham o processo de integração é também uma condição primacial. Trata-se de um factor que subjaz à partilha de soberania, sendo como que a outra face da medalha, e que é particularmente importante no quadro económico e social, mas também no plano político. E decisivo que os Estados assumam uma atitude solidária face aos problemas económicos, sociais e políticos de cada um dos seus parceiros.
Os processos de integração, mais do que quaisquer outros, estão sujeitos a um exame permanente de eficácia sempre avaliada de uma forma muito tangível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que existe hoje uma consciência generalizada na Europa de que o processo de União está claramente e dependente dos resultados concretos a alcançar, quanto ao crescimento económico, ao desemprego e à segurança dos cidadãos.
A eficácia impõe mecanismos institucionais transparentes s céleres. Exige uma estrutura supranacional, que faça a gestão do interesse comum, e uma instância de resolução de conflitos.
Confiança/solidariedade/eficácia formam o triângulo decisivo para assegurar a continuidade do processo de integração europeia. Teremos esta concepção como pano de Fundo, aquando da nossa participação nas negociações para a revisão do Tratado da União Europeia, em 1996.
Não podendo, nem devendo, ser exaustivo, abordarei, agora, algumas das questões que me parecem ser cruciais no próximo futuro e que, de um modo ou de outro, estarão presentes no debate europeu.
Em primeiro lugar, a União Económica e Monetária. Ela vai ser o filtro decisivo da União Europeia. Na sua realização, jogar-se-á o êxito ou o fracasso da ideia europeia.
Aí, confrontar-nos-emos com a opção eloquentemente expressa pelo pensamento agudo e pragmático de Jean Monnet, sempre tão actual: «se a Europa não organiza ela própria a sua unidade, as decisões que respeitam ao seu futuro serão tomadas por outros e fora dela».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tenhamos presente aquilo que vai emergido, cada vez com maior clareza. A nova ordem internacional aprofunda-se em torno de dois vectores, a globalização e a polarização, ambos irreversíveis, ambos compatíveis e interagindo nas opções dos parceiros e das organizações internacionais.
globalização é uma exigência decorrente do estado global da sociedade mundial. Por seu turno, a multipolarização proporciona a garantia de uma globalização ordenada e racional, favorecendo as condições de uma cooperação fundada em valores e princípios inalienáveis. Os pólos, desde que não resvalem para blocos hegemónicos, nem vivem da confrontação ideológica ou civilizacional, podem ser traves fundamentais para uma nova arquitectura das relações internacionais. União económica e monetária é a condição sine qua non para que a Europa possa ambicionar ser um dos grandes pólos do próximo milénio, de par, pelo menos» com o americano e com o pólo do Pacífico.
O próprio mercado interno, na sua versão actual, é incontável sem a integração monetária. Sem a União Económica e Monetária, os riscos de reversibilidade do processo de integração europeia são reais e podem ser indutores de consequências negativas, não apenas no plano da economia mas também no plano da organização estável e pacífica das relações entre os povos europeus.
Tudo indicia que está reunida a vontade política para levar por diante a União Económica e Monetária, tal como previsto no Tratado de Maastricht. Afigura-se-me mesmo que esse grande capítulo do Tratado não deverá ser revisto em 1996. A questão que se coloca é, sobretudo, a de saber quais os Estados que vão estar em condições de participar na terceira fase, desde o princípio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Julgo ser claro que se trata de um objectivo que não pode ser reduzido a uma mera dimensão tecnocrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quem não participar na União Económica e Monetária, verá reduzida consideravelmente a sua influência no continente europeu Pela nossa parte, a opção está feita: Portugal quer participar plenamente, e desde o início, na terceira fase da União Económica e Monetária, sendo que essa opção se funda na defesa dos interesses fundamentais do nosso país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um outro aspecto marcante da realidade europeia e que impõe a nossa reflexão é o desemprego.
Embora Portugal seja dos países menos penalizados por esse flagelo, ninguém pode ignorar que reside aí uma das questões sensíveis do modelo económico vigente na Europa.
Com efeito, há que reconhecer que o modelo em que assenta a economia europeia apresenta, hoje, insuficiências para enfrentar a questão do desemprego, mormente quando se constata, em todos os países europeus, que a expressiva recuperação económica não encontra correspondência simétrica na redução dos níveis de desemprego.
É nesta perspectiva que deve pensar-se o seguimento do Livro Branco, o qual exige algum voluntarismo político e não pode resultar apenas do livre jogo das forças de mercado.
O desenvolvimento local, sugestão que Portugal apresentou na Cimeira de Corfu, é seguramente uma das pistas mais promissoras para redinamizar a economia europeia e criar novos empregos.
Com esta nova dimensão, introduz-se, de par com a organização empresarial clássica, uma linha de iniciativas individuais fundada na «actividade» Há, nesse domínio, uma formidável reserva de iniciativas, que podem não só criar ocupações rentáveis mas também valorizar a sociedade europeia (o ambiente, a cultura, a tradição, o turismo, o lazer, a história, etc. ). Através do desenvolvimento local pode voltar a centrar-se o tecido económico no homem, dando-lhe uma base sustentável à luz dos valores ocidentais tradicionais.
Privilegiar a iniciativa e as potencialidades criadoras significa integrar em novas formas de trabalho todos os que têm capacidade de transformar ideias em bens e serviços que sejam competitivos no mercado.
Uma outra preocupação a exigir a nossa atenção prioritária é o fenómeno da exclusão, que se apresenta, hoje,

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como inaceitável e insuportável para a nossa sociedade. Releve-se a recente iniciativa do presidente Delors sobre esta matéria, que merece indiscutivelmente o nosso aplauso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - A sociedade europeia não pode permitir que milhões dos seus cidadãos vivam em situação de exclusão. 0 seu combate não pode ser apenas feito pelos Governos e pelas administrações. Exige uma resposta que terá de envolver a organização empresarial e a sociedade civil em geral. É um problema estrutural e, como tal, tem de ser tratado.
0 alargamento futuro da União Europeia é outro desafio que enfrentamos. Os sucessivos alargamentos realizados desde o Tratado de Roma têm sido feitos com sucesso, de par com o aprofundamento do processo de integração europeia, e, muitas vezes, constituíram mesmo fonte dinamização da vida europeia.
Poderá o alargamento à Europa Central e Oriental e ao Sul fazer-se do mesmo modo, com o mesmo quadro institucional e com as mesmas políticas? Não há riscos de implosão do edifício comunitário, num alargamento precipitado, que transforme a União Europeia de uma locomotiva, como tem sido no passado, numa organização pan-europeia? Será possível antever um processo de alargamento que isole a Rússia, marginalizando esse país na nossa fronteira Leste? Seria aceitável baixar o actual patamar de integração para acomodar novos parceiros? Não estará o alargamento a ser o alibi de alguns, que mais não querem do que protagonizar a fuga para a frente do processo de construção europeia? Geometria variável? Velocidades diferenciadas? Círculos concêntricos? Círculos interactivos? Tantas as expressões e ideias que vão circulando e que exigem prudente e séria reflexão.
No grande debate europeu, que tem lugar quando encaramos o desafio que vem do Leste, mais do que nunca se me afigura que devamos evitar dogmas e arquetipos e pautar a nossa orientação por uma concepção estratégica, assente no reforço da União Europeia e na valorização do papel e influência do nosso país.
0 alargamento da União Europeia ao Leste e ao Sul vai fazer-se. Há que interiorizar essa perspectiva. Trata-se, aliás, de um objectivo que merece ser apoiado, por razões de mera coerência com os princípios e valores que sempre defendemos e por razões que relevam da estabilidade e segurança do continente europeu.
Mas o que não poderemos aceitar é que a adesão dos novos Estados possa realizar-se a expensas do enfraquecimento ou desmantelamento do processo de integração europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - A União Europeia não pode aceitar alargar-se, fragilizando-se.
15so exige, desde logo, um grande esforço por parte dos Quinze, mas também um grande trabalho de preparação e adaptação de estruturas e de ordens legislativas por parte dos países candidatos.
É claro que é o alargamento ao Centro e Leste da Europa e a Chipre a Malta (para não falar, agora, da Turquia) que pressiona a questão institucional, designadamente quanto ao seu modo de organização e respectivo processo de decisão. É que falamos de um alargamento que levará a União Europeia para um número de parceiros entre 23 e 30, o que sempre envolverá consequências políticas e práticas substanciais na arquitectura institucional da União.
Sem pretender antecipar o debate, gostaria de aflorar a questão da arquitectura institucional da União Europeia, em particular, na perspectiva do grande debate, que já se vislumbra, em vésperas da Conferência de 1996.
Convirá afastar a ideia de que a Europa, dividida em patamares ou em círculos, para usar a expressão mais consagrada, pode atingir a estabilidade desejada. Um dos riscos que permanece latente no continente europeu é a recriação de zonas de influência às mãos de grandes potências. Seria repetir erros da História; seria alimentar as tensões; seria a desagregação da União Europeia.
Podem admitir-se derrogações temporárias e considerar se andamentos diferenciados para atingir os mesmos objectivos, mas o princípio da igualdade dos Estados tem de prevalecer no processo de integração, nomeadamente no que respeita às instituições e aos grandes princípios da construção europeia. As ideias de que o peso político de um Estado está relacionado com a sua dimensão geográfica e demográfica, ainda que atraente para algumas tecnocracias mercantilistas, têm, em si, o gérmen da destruição da solidariedade europeia. Há, pois, que recusá-las.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Não significa isto que o modelo institucional não tenha de ser melhorado, nomeadamente para garantir a sua eficácia e a sua legitimidade democrática. Mas os princípios básicos não podem ser negociáveis: participação em todas as instituições em pé de igualdade, binómio subsidiariedade-solidariedade, crescente controlo democrático por parte dos parlamentos nacionais e defesa da identidades nacionais, em particular, no que toca à cultura e, em especial, à língua.
Assim, para Portugal, e face aos seus objectivos estratégicos, a evolução europeia deve pautar-se pelas seguintes linhas de orientação:
primeira, a realização da União Económica e Monetária, até ao final da década, incluindo os Estados que queiram integrá-la e tenham atingidos os níveis de convergência real e nominal, mas sempre sem criação de um qualquer núcleo fechado;
segunda, o aprofundamento das relações externas, pautado por uma Europa aberta, atribuindo prioridade ao Leste europeu e ao flanco Sul do Mediterrâneo, para o que importa dispor de uma frente atlântica forte, estável e coesa;
terceira, o reforço da vertente cooperação, no plano d segurança europeia - é pelo desenvolvimento económico e social das regiões contíguas que a Europa melhor promove a sua segurança interna;
quarta, a revisão do Tratado de Maastricht, reforçando a dimensão política da União, mas evitando a criação clivagens, que, embora aliciantes a curto prazo, redundariam em fracasso a longo prazo;
quinta, a participação no novo mapa comercial saído do Uruguay Round, abrindo mercados, mas exigindo cada maior rigor nas regras e disciplinas da nova Organização Mundial do Comércio;
sexta, a defesa das identidades nacionais, da diversidade cultural, da preservação da língua portuguesa e da dimensão local da iniciativa económica;
sétima, a redefinição da arquitectura europeia de defesa, com a NATO como pilar central indispensável, mas com o reforço do pilar europeu e de uma maior coerência de acção entre a UEO e a UE;

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oitava, a valorização da dimensão humana do projecto de construção europeia, nomeadamente através da cidadania europeia, em termos de direitos e deveres que se acrescentam à cidadania nacional, que se pretende naturalmente perene;
nona, a realização de redes transeuropeias, até ao final da década, assegurando transportes, telecomunicações o energia, em condições harmoniosas para todas as regiões da Europa, atenuando-se os custos da periferia e criando, se uma nova racionalidade no ordenamento do território;
décima, o alargamento a Leste e a Sul, com a coragem inerente ao reconhecimento da imperiosidade política desse objectivo, mas com a prudência decorrente da necessidade de evitar a implosão da União Europeia - trata-se de gerir os meios e o tempo, sem prejuízo dos objectivos principais da Europa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É esta apenas uma resenha de algumas ideias e orientações que o Governo defende em matéria de política de integração.
Contribuímos com a nossa participação activa no processo de construção europeia, para que possa dizer-se, amanhã, o que Eça de Queirós dizia, há 100 anos atrás, sobre a Europa: "De todas as cinco partes do mundo, a Europa, apesar de tão gasta, permanece indiscutivelmente a mais interessante".

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu).- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

0 Sr Raúl Castro (Indep ): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus, a pergunta que quero formular-lhe tem a ver com o facto de o tema deste debate, sobre Portugal na União Europeia, ser uma Moeda de duas faces. A face de que V. Ex.ª aqui falou a sua intervenção é a que diz respeito ao relacionamento internacional de Portugal com a União Europeia. Mas há também a face da situação criada no nosso próprio pois em função dos ditames da União Europeia e da cega submissão à convergência nominal, em especial, dessa.
Quer dizer, V. Ex.ª não ignora que, no nosso país, há unia crise profunda na agricultura e nas pescas, aumentam as falências e os encerramentos de empresas, o nível de vida é travado pelo Governo em função do seu desejo de manter a inflação a números baixos, e, por outro lado, o que é ainda mais importante, cresce o desemprego que, hoje, atinge mais de 400 000 portugueses.
Agora que o Tratado da União Europeia vai ser revisto, a pergunta que lhe faço é se o Governo está disposto a tomar uma posição de independência e de defesa das realidades nacionais ou se, pelo contrário, persiste em ser uma voz que não consegue ser independente e que se submete passivamente aos ditames da União Europeia, o que faz agravar, cada vez mais, a crise no nosso país. 15to é, se Governo vai persistir na sua política de dependência ou se vai tomar uma nova atitude, de independência, e seguir uma nova política, capaz de ir ao encontro ela grave situação que se criou no nosso país e cada vez mais se agrava.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus

0 Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Raúl Castro, V. Ex.ª falou na existência de duas faces, quando se debate a participação de Portugal na União Europeia, o que é bem verdade.
Porém, também há duas faces na realidade que o Sr. Deputado invocou. De facto, falou das dificuldades a nível empresarial, económico e social, dificuldades a que, aliás, eu próprio fiz alusão, mas ignorou os resultados inquestionavelmente positivos que, no plano da economia e da sociedade portuguesas, resultaram do processo da integração europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - É preciso, então, olhar a realidade nessa dupla perspectiva.
Gostaria também de dizer-lhe, Sr. Deputado, que, sendo certo que é necessário trabalhar novos mecanismos e instrumentos para enfrentar problemas que, como referi há pouco, têm a ver com o desemprego estrutural, com a marginalização de certos segmentos da população activa e com questões extremamente sensíveis no plano da cultura e da identidade dos Estados, a verdade é que, até hoje, ninguém demonstrou que Portugal estaria melhor armado, para enfrentar esses problemas fora do contexto da União Europeia. Pelo contrário, é dentro da União Europeia, com uma participação activa no processo da integração europeia, que podemos fazer vingar soluções e medidas relacionadas com os nossos problemas.
Como julgo que é bem evidente, desde o primeiro dia da nossa participação no processo de integração europeia, isto é, desde Janeiro de 1986, Portugal tem sido reconhecido como um país que participa de uma forma independente, construtiva, segura e consistente em todas as decisões comunitárias.
Ninguém, Sr. Deputado, por essa Europa fora, a nível dos nossos parceiros e das instituições europeias, nos classifica como um parceiro passivo, a reboque do processo de integração europeia. Muitas das decisões tomadas no quadro do Acto Único Europeu, do Tratado da União Europeia, do Pacote Delors I, do Pacote Delors II, das negociações comerciais e das relações externas da União Europeia foram-no com base em iniciativas portuguesas e em propostas que nós próprios apresentámos. E se se recordar, apenas para lhe dar um exemplo mais concreto, da presidência exercida por Portugal em 1992 do Conselho de Ministros da União Europeia, compreenderá que, no mínimo, é irrealista e injusto autoclassificar o nosso país como um parceiro dependente e a reboque das instituições europeias.
Posso, pois, assegurar-lhe, Sr. Deputado, que a nossa posição continuará a ser aquela que tem sido até agora: a de um país responsável, que assume a defesa dos seus interesses, sem ambiguidades nem complexos, e que participa em todas as instituições europeias com a sua capacidade de proposta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu) - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

0 Sr. José Lamego (PS): - Sr Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este poderia - e deveria ser - um dos debates de importância substantiva até ao final desta sessão legislativa e desta Legislatura.
No entanto, a bancada do PSD conseguiu mostrar hoje, até à exaustão, como o debate de questões cruciais pode ser degradado num espectáculo de exercício gratuito de agressão.

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A intervenção inicial do Sr. Deputado Braga de Macedo teve como único efeito útil a desqualificação deste debate sobre política europeia. Admira-se, pois, com a deterioração do prestígio institucional do Parlamento.
Não iremos por esse caminho, passemos adiante em direcção à substância do debate de hoje!
Ao discutirmos as perspectivas da integração europeia de Portugal, não podemos deixar de sublinhar a importância crucial da Conferência Intergovernamental de 1996 para a estruturação do nosso futuro colectivo, como portugueses e como europeus.
0 clima de revisão é diferente do clima constituinte do Tratado. Por nós, preferimos uma evolução gradualista a um inovacionismo brusco. Uma tal evolução será, a nosso ver, mais propícia à valorização dos interesses específicos de Portugal e a uma evolução harmoniosa da União Europeia.
Se bem que entendamos que a posição negocial de Portugal poderá ser reforçada se não nos apresentarmos na Conferência Intergovernamental de 1996 com posições negociais completamente fechadas, existem, todavia, alguns princípios orientadores dos quais não deveremos abrir mão. A gestação de um consenso sobre tais princípios orientadores e a acção do Parlamento na gestação desse consenso reforçará a posição negocial do Governo e acrescerá a legitimidade democrática das suas posições. Eram esses objectivos que tínhamos em vista quando propusemos que a Assembleia da República se associasse à preparação da Conferência Intergovernamental de 1996.
Pensamos que deveriam ser incorporadas já e neste estado de discussão, como base mínima de consenso, algumas ideias e princípios que o PS incorporou numa resolução que apresentou, hoje, na Mesa da Assembleia.
Os princípios são os que passo a enumerar e que penso que são susceptíveis de um consenso generalizado.
Em primeiro lugar, qualquer projecto de reforma institucional deverá respeitar o princípio da unidade institucional da União Europeia. A proposta de constituição de "núcleos-duros" nos órgãos de decisão, através de qualquer sistema de cooptação, deve ter-se por absolutamente inaceitável. A proposta da CDU alemã - que foi interpretada por alguns, nomeadamente pelo PSD, com alguma benevolência,...

0 Sr. Ru Carp (PSD): - É falso!

0 Orador: - ... como significando uma manutenção ofensiva no sentido do aprofundamento - é, a nosso ver, o exemplo de uma fragmentação institucional, que deveremos, a todo o custo, evitar.
Em segundo lugar, a estrutura essencial da União assenta sobre um quadro institucional único, com instâncias decisórias constituídas para todo o elenco de competências comunitárias, e assim deverá continuar a ser.
Em terceiro lugar, a posição portuguesa não deverá, no entanto, ser fechada a hipóteses de "geometria variável", contanto que assentem na vontade e nas possibilidades de cada Estado, sem exclusões à partida.
Em quarto lugar, é também imprescindível que se continue a defender o princípio da igualdade dos Estados perante os Tratados, bem como a requerer a unanimidade para as chamadas questões constitucionais.
Em quinto lugar, a coesão económica e social deverá ser tida como um vector estruturante do aprofundamento da construção europeia.
Em sexto lugar, deveremos defender a aceitação do reforço dos poderes do Parlamento Europeu, mas sem desvirtuar a especificidade institucional da União.
Em sétimo lugar, devemos defender o reforço do papel dos parlamentos nacionais e a intensificação da sua cooperação com o Parlamento Europeu, como linha fundamental da democratização das instituições europeias e do acréscimo da sua transparência.
0 Partido Socialista apresenta estas propostas com o espírito construtivo de quem sempre considerou que a modernização económica e social e a estabilização democrática de Portugal tinham como requisito fundamental a nossa associação à Europa e ao processo de construção europeia.
A identidade nacional no período posterior ao 25 de Abril estruturou-se com base em duas ideias-força: democracia e Europa. Para acudir ao estado psicológico do PSD, devo dizer que nenhuma figura individual está, hoje, no imaginário colectivo português, tão associada a essas duas ideias-força como o nosso concidadão Mário Soares, actual Presidente da República.
Não pretendemos acantonar o Governo, ao apresentarmos estas propostas e princípios directivos de reforma institucional, em posições de inflexibilidade negocial. Apresentamos estas propostas com o sentido de responsabilidade que sempre demonstramos nestas matérias e também com o elementar bom senso de quem sabe que não será este Governo e esta maioria aqueles que vão conduzir a bom termo as negociações de 1996. Podem, pois, aceitar estas nossas propostas pelo seu valor facial!
Portugal empenhou-se no processo de construção europeia com base em duas motivações fundamentais, como disse. 0 primeiro objectivo foi plenamente conseguido: a existência de instituições democráticas e a nossa condição europeia não são hoje postas em causa por nenhum sector do espectro político; o segundo objectivo está a ser realizado de uma forma gritantemente deficiente. Quer dizer, a institucionalização da democracia pluralista e a pacificação da sociedade portuguesa foi um sucesso; a"democracia de sucesso" que o actual Primeiro-Ministro queria fazer crer que o seu consulado traria, está a ser um absoluto fracasso!
Cavaco Silva baseou a sua fortuna política na promessa de que cada português iria individualmente prosperar; os portugueses, porém, estão colectivamente a empobrecer. Todas as críticas que se fizeram sobre o falhanço gritante em matéria de convergência real ficarão sempre aquém da realidade.
Vamos chegar ao fim desta Legislatura sem que, em nenhum ano, tenha havido convergência real. Estivemos ao longo destes quatro anos a afastar-nos da Europa e dos seus níveis de bem-estar. Da euforia voluntarística à depressão imobilizadora foi um passo. Cada uma das fases teve a sua embalagem própria: da autoconfiança ridícula do "nunca me engano e raramente tenho dúvidas", o Primeiro Ministro e o seu Governo passaram ao recolhimento místico do estado de "tabu" ...
Se, em matéria de convergência real, o Governo merece um rotundo "zero" como avaliação, em matéria de convergência nominal a sua prestação é medíocre: tendo alcançado alguns ganhos em matéria de combate à inflação, deixou a situação regredir em matéria de défices públicos. 0 descalabro que as suas políticas económicas provocaram no tecido empresarial e a situação de crise na máquina Fiscal conduziram à diminuição de receitas e à evasão fiscal. 0 primeiro responsável deste descalabro é o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva. Sr. Deputado Braga de Macedo, abstenho-me de dizer quem é o segundo responsável.
Este é o balanço objectivo dos resultados das políticas governativas em matéria de convergência real e convergência nominal. 0 que dizem, hoje, os agentes económicos sobre este Governo é bem mais contundente do que

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qualquer crítica de qualquer partido da oposição. A confiança volatilizou-se. É hoje tão etérea como o "tabu"...
Aliás, um dos principais sintomas da crise governativa e que, surpreendentemente, tem escapado, em larga medida, à opinião pública, é precisamente a incapacidade do Governo em matéria europeia e, sobretudo, a incapacidade que o Governo está a demonstrar na utilização dos fundos comunitários. 0 desastre da aplicação dos fundos em 1994, com a generalizada paralisia dos vários programas comunitários, atingiu proporções tais que o atraso já não é recuperável em 1995. O facto de o Governo não ter feito chegar aos seus destinatários finais cerca de 50 % dos fundos que recebeu ao abrigo do II QCA (e que eram 50 % do valor total orçamentado para 1994) levou a que a Comissão se recusasse a entregar a segunda tranche, no valor de 30 %, isto no caso do Fundo Social Europeu e, provavelmente, noutros casos.
Eu próprio fiz, nos últimos seis meses, vários requerimentos ao Sr. Ministro das Finanças sobre o paradeiro dos fundos já disponibilizados por Bruxelas e que tardam em chegar aos destinatários. 0 Sr. Ministro das Finanças tem-se recusado a responder: afinal, é mais um outro assunto "tabu">...
Ao longo de meses, foi a opinião pública nacional bombardeada pelo anúncio da chegada de milhões de ECU, ao abrigo dos diversos programas comunitários, as mesmas verbas foram anunciadas por diversas vezes. Era um exercício de ilusão da opinião pública, em que a propaganda do Governo procedia à "multiplicação dos pães". Ou melhor, à multiplicação dos "pacotes"! Mas das promessas à realidade vai uma distância intransponível!
Este Governo tem procedido ao bloqueio no acesso aos fundos comunitários. Desde Abril que o dinheiro vindo de Bruxelas ao abrigo do II QCA tem estado a render juros nos cofres públicos, o que contraria as normas comunitárias e as regras de transparência do Orçamento do Estado.
0 Partido Socialista apresentou uma proposta do alteração da lei de enquadramento do Orçamento para pôr termo a expedientes na utilização dos fundos, a que, aliás, este Governo tinha já recorrido durante a vigência do I QCA.
0 Governo está a envolver este processo de disponibilização e aplicações de fundos num manto de segredo, desviando fundos comunitários para cobertura de défices nas contas. É um caso grave que afecta o prestígio internacional do Estado português junto das instâncias comunitárias.
Vamos ainda, Srs. Deputados, ser confrontados com novas peripécias relativas aos expedientes de retenção do fundos.
Aquilo que inicialmente parecia ser motivado apenas pelas necessidades de calendário eleitoral, de concentrar em ano de eleições os fluxos financeiros relativos a 1994 e 1995, está a transformar-se numa imensa trapalhada em matéria de gestão financeira do Estado português. As autoridades comunitárias não desconhecem a situação: a imagem e a credibilidade do Estado português estão a ser fortemente degradadas.
Estes são os factos na sua singela crueza; este é o balanço de uma Legislatura em que perdemos constantemente terreno face à média europeia.
A euforia propagandística do Governo está a transformar-se em descrença e depressão paralisadora. Este Governo e este Primeiro-Ministro deixam uma pesada herança, cujo passivo não é ainda conhecido em toda a sua extensão.
Os portugueses saberão julgá-los em eleições!

Aplausos do PS

0 Sr. (Ferraz de Abreu) - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, poderia quase utilizar a figura da interpelação, dado que o Sr. Deputado José Lamego acabou de referir que o PS apresentou um projecto de resolução sobre esta matéria e, depois, citou um conjunto de propostas, ditas do Partido Socialista, que coincidem com a sua declaração de voto ao texto que, hoje, nos serviu aqui para o debate.
Portanto, quase perguntaria à Mesa se sabe onde é que está esse projecto de resolução do PS, dado que se sabia, há muitos dias, que havia este debate, pelo que esse projecto já deveria estar distribuído.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - 0 projecto de resolução entrou agora na Mesa, Sr. Deputado, e está a seguir os seus trâmites! Será distribuído na altura própria!

0 Orador: - 15to revela a intempestividade do PS, dado que, se quisesse ser transparente, claro e honesto,...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Foi uma honestidade igual à do Presidente da Comissão!

0 Orador: - ... tinha apresentado esse projecto antes do debate e não vinha dizer, depois dele, que vai apresentar.

0 Sr. José Lamego (PS): - Muitas propostas e pouco trabalho!

0 Orador: - Deve ter sido das faltas consecutivas que o Partido Socialista dá nos debates da Comissão de Assuntos Europeus!
Mas, voltando à declaração de voto, posso perguntar-vos: onde é que o PS é inovador, defendendo a coesão económica e social? 15to não é mais do que concordar com aquilo que o Governo tem feito e até tem sido bastante sublinhado e apoiado em termos da própria Comissão Europeia. Onde é que, nas suas propostas, está alguma coisa que não sejam as propostas que o Governo tem vindo a seguir desde a celebração do Tratado de Maastricht? Os senhores é que são, de facto, impensáveis em termos da desonestidade política! Chegam ao ponto de pegar em propostas do Governo, apresentá-las e, depois, dizer que são propostas do Partido Socialista!

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Então, vão votar a favor do projecto de resolução!

0 Orador: - Quanto ao acompanhamento, o Sr. Deputado devia saber - e sabe, porque os seus camaradas de grupo parlamentar já lhe deviam ter dito - que, desde a cimeira de Corfu, desde a presidência grega, o Partido Social Democrata tem vindo a defender um reforço e uma alteração qualitativa do acompanhamento dos trabalhos que vão levar à revisão do Tratado.
Depois diz que tudo está pior. Sr. Deputado, mas há estatísticas que são actuais! 0 Sr. Deputado é capaz de dizer que o País vive pior do que vivia no tempo em que o Partido Socialista tinha a presidência do Governo!?

Protestos do PS.

Até em matéria de desemprego, o Sr. Deputado tem a pesporrência - perdõe-se-me a expressão - de dizer que a situação está pior do que no tempo dos 9 e dos 10% de desemprego, no tempo dos governos socialistas!?
Sr. Deputado, vamos a ser sérios!

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0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É melhor, é melhor!

0 Orador: - Vamos a ser construtivos, vamos a ser convergentes com os interesses nacionais!
Mais: só para ver o que é que o PS defende em termos nacionais, recordo que o Sr. Deputado José Lamego acabou por acusar o Governo de utilizar em seu favor os depósitos que a Comissão Europeia faz em favor do Tesouro português.
A alternativa, para quem não saiba, e mesmo que isso seja verdade - e parece-me que é um exagero claro,...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Parece!

0 Orador: -... como o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território aqui disse, em sede de debate do Orçamento do Estado -, era o Governo português aumentar os recursos financeiros nacionais em detrimento dos recursos financeiros da Comissão. 15so não sucedeu, mas, mesmo que sucedesse, onde é que está o patriotismo?! Está em defender os depósitos da Comissão ou os depósitos nacionais? Com franqueza, não exageremos em internacionalismo! Sejamos europeus, mas sejamos também defensores dos interesses nacionais, como faz o PSD!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa é boa! É o golpe do baú! Que falta de nível!...

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

0 Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, a sua intervenção, perdoe-me que lhe diga, é um absurdo a vários títulos. É de extrema gravidade que haja disponibilização de fundos comunitários para a modernização estrutural da indústria portuguesa e da capacitação educacional dos portugueses e que esses fundos comunitários sejam postos a render...

0 Sr. Rui Carp (PSD)- - A favor de quem?!

0 Orador: -... para cobrir défices, nomeadamente da segurança social. Até porque isso viola não só os regulamentos comunitários, como também o princípio da transparência orçamental...

0 Sr. Rui Carp (PSD): - É falso!

0 Orador: - ... e torna inútil a percepção de recursos Financeiros não orçamentados, torna inútil um acto fundamental desta Assembleia, que é a discussão e votação do Orçamento.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - 15so é um total disparate!

0 Orador: - 0 que o Governo está a fazer é de toda a gravidade e, além disso, há rumores - e eu manifesto aqui o meu protesto e a minha estranheza, como é que, tendo feito ao Sr. Ministro das Finanças um requerimento, em 6 de Julho, sobre estas questões, e tendo reiterado este requerimento, ele nunca me tenha respondido - ...

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Já foi respondido pelo Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território!

0 Orador: - ... que têm sido aflorados pela imprensa portuguesa, não na dimensão que o caso merece, de que há um grande mal-estar nas instâncias comunitárias sobre esta questão.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Já foram esclarecidos'

0 Orador: - Mas, como lhe disse, Sr. Deputado Rui Carp, estas peripécias não acabaram aqui. Há factos sobre esta matéria que vão ainda ser revelados. Não devo fazer imputações antes de ter prova plena, mas há novos factos que vão ser revelados.

0 Sr. Rui Carp (PSD): Ameaças contra o Estado português!

0 Orador: - Não é contra o Estado português, é contra regras de secretismo em matéria e gestão orçamental e de violação de regras em matéria de violação orçamental que não são feitas pelo Estado português, mas por este Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Para isso há auditorias!

0 Orador: - Para isso há auditorias e por isso o PS apresentou um projecto para criação de entidades independentes para a auditoria da aplicação dos fundos comunitários.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Foi retirado esta manhã!

0 Orador: - E, quanto a esse projecto, os senhores vão ter muita dificuldade em votar contra.
Em terceiro lugar, quero dizer-lhe que o nosso projecto de resolução, obviamente, contém a maior base de consenso possível, tendo sido redigido de boa-fé, para que possa merecer o consenso desta Assembleia, não sendo um
projecto que contém o programa máximo do Partido Socialista em matéria de União Europeia.
Portanto, penso que este projecto de resolução está em condições - e estamos abertos até para encarar a sua alteração - de ser votado unanimemente por este Plenário.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Incluindo o Sr. Deputado Rui Carp!

0 Orador: - Além disso, foi apresentado hoje nos termos regimentais, havendo também na Mesa um outro projecto, apresentado pelo Sr. Deputado Braga de Macedo, que causou grande incomodidade e cuja votação foi adiada para outra altura.
Estávamos dispostos a discutir e votar esses projectos de resolução; porém, como assim não entenderam e como, eventualmente, esse projecto causa embaraço e não se adequa completamente à matéria que hoje foi discutida, estamos abertos para, quando quiserem, nos termos regimentais, os discutir e votar.

Aplausos do PS.

0 Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu) - Faça favor.

0 Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS) - Sr. Presidente, interpelo a Mesa apenas por o Sr. Deputado Rui

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Carp ter dito, em aparte, que o meu grupo parlamentar tinha retirado, esta manhã, o projecto relativo às auditorias. Ora, isso não corresponde manifestamente à verdade.
0 que manifestámos, hoje, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, foi disponibilidade para, na especialidade, acolher alterações que aperfeiçoem essa iniciativa.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito?

0 Sr Braga de Macedo (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, há aqui uma questão, quanto aos projectos de resolução, levantada pelo Sr. Deputado José Lamego, numa manifesta ignorância da lei em vigor, e como foi por aí que tudo começou, convém realmente ler a lei.
A Lei n.º 20/94, de 15 de Junho, no n.º 5 do sou artigo 5.º (cuja epígrafe é "Processo de apreciação"), diz: "A Comissão de Assuntos Europeus pode fazer acompanhar os relatórios com projectos de resolução, a submeter a Plenário". Ora, a Comissão não é o Deputado X ou Y, no entanto, foi referido um Deputado. Por isso mesmo interpelo a Mesa, apenas para ler a lei.
Há o projecto de resolução n.º 124/VI, de 1 de Julho de 1994, que aguarda agendamento para Plenário, mas que foi votado na Comissão, como eu disse, com os votos a favor do PSD e votos contra do PS e do PCP - a tal oscilação.
Depois, há o projecto de resolução n.º 131/VI, de 8 de Novembro de 1994, que foi votado pelo PS e pela PSD.
Ora, em nenhum deles fiz mais do que apor a assinatura a um consenso da Comissão de Assuntos Europeus.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa porque fui eu que elaborei o relatório da Comissão relativo ao projecto de resolução, apresentado pelo PS, a que o Sr. Deputado José Lamego se referiu, sobre a criação de auditorias independentes.
0 PS apresentou um projecto de resolução, que retirou, quando apresentou um outro sobre a mesma matéria, que foi hoje apreciado - isto são factos concretos e objectivos.
Quanto a esse terceiro projecto de resolução, sobre a criação de auditorias independentes, que havia sido rejeitado, com base num relatório que eu, hoje, como relator, apresentei, foi acordado com os Srs. Deputados proponentes do PS que estes iriam reflectir sobre o seu conteúdo, dadas as observações que fiz, de que este projecto de resolução continha erros que iriam prejudicar o objecto que todos defendemos: é preciso ser transparente; é preciso defender mais do que nunca os interesses nacionais; é preciso que as verbas dos fundos comunitários não sejam utilizadas indiscriminada e atribiliariamente!
No fundo, era a isso que o Sr. Deputado José Lamego ,aqui se referia, quando disse que o Governo não transfere imediatamente as verbas, assim que as recebe da Comissão! Sr. Deputado, se o Governo as não transfere de imediato é para defender o rigor, a objectividade, os regulamentos comunitários e nacionais, e é isso que o PS confunde e, se me permite, o Sr. Deputado António Guterres, que constantemente anda a dizer que recebemos tantos milhões de contos por minuto...

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Rui Carp, lembro-o de que está a interpelar a Mesa.

0 Orador: - Sr. Presidente, antes de terminar gostaria ainda de dizer que mantenho tudo o que disse relativamente a esse projecto de resolução e volto a chamar a atenção do Sr. Deputado José Lamego para ser objectivo e convergente na defesa dos interesses nacionais, prescindindo das suas posições que, às vezes, defendem interesses muito partidários e internacionalistas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP) - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra.

0 Sr Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa, na verdadeira acepção, da palavra sobre a questão que há pouco estava a ser discutida por alguns Srs. Deputados: o apensar ao relatório da Comissão para o debate de hoje diversos projectos de resolução.
Sr. Presidente, gostaria de dizer que, como é do conhecimento de todos - e é nesse sentido que interpelo a Mesa, apenas para poder ser confirmado -, o debate que hoje estamos aqui a fazer é realizado nos termos do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento da Assembleia da República.
Por conseguinte, só a ignorância sobre as matérias e a legislação que rege estes debates e a correspondente matéria atribuída, noutra legislação diferente, à Comissão de Assuntos Europeus é que pode suscitar a possibilidade da afirmação aqui feita, de que, no cumprimento da lei, se anexaram esses projectos de resolução. Ora, o n.º 2 do artigo 76.º, ao abrigo do qual se faz este debate, nada tem a ver corri o que aqui foi referido por uni Sr. Deputado do PSD.

0 Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa. Sr Presidente.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, chamo a atenção da Câmara para o facto de, em meu entender, se estar a registar um número excessivo de interpelações à Mesa. No entanto, não quero com isto dizer que não devem interpelar a Mesa, peço é que o não façam em excesso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

0 Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para, face à interpelação do Sr. Deputado Rui Carp, esclarecer que, em determinado momento, o Sr. Deputado fez uma confusão relativamente à nossa proposta de resolução, porque entendeu que ela obriga à contratação de entidades privadas para as auditorias, quando ela é apenas facultativa. Face a essa interpretação, que não é inteiramente rigorosa, disponibilizámo-nos a clarificar as coisas.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra.

O Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa para, desde logo, dizer que a referência à ignorância de um Deputado do PSD, aqui referida por um Deputado de outra bancada, se aplicaria também ao Deputado do PS.
A questão que eu quis esclarecer foi a de que a junção dos projectos de resolução ao relatório não era da autoria de um grupo parlamentar mas, sim, nos termos da lei - e até citei o artigo respectivo -, da Comissão. Se calhar, aquelas pessoas mais habituadas ao ramerrame são capazes de ter dificuldades em inovar, mas é evidente que o acervo documental tinha de incluir os relatórios e os projectos de resolução. E eu tive o cuidado de dizer, na minha intervenção inicial, que eles seriam agendados noutra altura.
Eu sabia bem que tinha havido um partido que, em reunião da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, se opôs a que a discussão tivesse lugar hoje. Não vou comentar este ponto, embora seja realmente unia matéria do âmbito da Mesa, razão por que uso a Figura da interpelação.
Agora, apelar à ignorância de um Deputado do PSD?!.. "Chame os bois pelos nomes", Sr. Deputado Octávio Teixeira!

Risos do PS e do PCP

O Sr. Rui Carp (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, muito rapidamente, para evitar mais questões sobre os tais projectos de resolução, interpelo a Mesa para dizer que a forma mais clara de ver quem tem razão é a de convidar - e eu faço-o - todos os Srs. Deputados e todas as pessoas que estão a acompanhar este debate, designadamente a comunicação social, a lerem o que eu escrevi nesse tal relatório sobre os projectos de resolução do PS. Desta forma, vêem que quem tinha razão de facto era eu e que os outros estão a tentar "deitar poeira para os olhos".

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, apenas para dizer, na sequência da interpelação do Sr. Deputado Braga de Macedo, que, se o problema é o de "chamar os bois pelos nomes", quando falei da ignorância da legislação estava a referir-me ao Sr. Deputado Braga de Macedo.

O Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr Presidente, peço a palavra,

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Braga de Macedo (PSD): - Sr. Presidente, para defesa da honra e consideração, porque acabei de ver que um ditado português, bem tradicional e entendido por toda a gente, foi transformado, pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, em arma de arremesso.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Braga de Macedo, de acordo com o Regimento, dar-lhe-ei a palavra no fim do debate.
Para uma intervenção, tem e. palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate acerca do futuro da Comunidade Europeia e da União Europeia, que hoje aqui é travado, tem um mérito. Com efeito, vem comprovar que não mais será possível, em Portugal, como foi tentado com o Tratado de Maastricht - e aconteceu, efectivamente, no nosso caso -, decidir questões fundamentais para a vida dos povos à revelia da sua intervenção e participação.
Devemos a debates e referendos realizados em países como a Dinamarca o a França o fracasso das tentativas de manter as questões europeias apenas no seio e no segredo das chamadas elites políticas Devemos ao PSD e ao PS, que recusaram o referendo sobre as questões fundamentais do Tratado, em Portugal, a tentativa de calar a voz das populações, dificultar o debate e impedir a sua participação.
Agora, consideramos este debate parlamentar como um passo para um debate, que terá que ser, ulteriormente, prosseguido e aprofundado, em Plenário e noutras comissões da Assembleia da República, mas, sobretudo, com a opinião pública, envolvendo o povo português.
No imediato, a revisão do Tratado de União Europeia e as Conferências Intergovernamentais de 1996 colocam, para o Grupo Parlamentar do PCP, cinco questões essenciais.
Como primeira questão, todo este processo deve ser aberto e participado pelos parlamentos nacionais. Mas a questão central é a de que o povo português seja chamado a pronunciar-se soberanamente sobre as questões essenciais da revisão do Tratado. Esta questão abrange igualmente objectivos que constam do Tratado de União Europeia, como a passagem à terceira fase da União Económica e Monetária. Não podemos deixar de considerar incoerente a postura dos que afirmam querer mais democracia na Comunidade Europeia e mais direitos dos cidadãos, mas que não permitiram, no passado, a intervenção decisiva das populações e o seu cabal esclarecimento. Por nós, a posição é clara: as questões colocadas são demasiado importantes para que seja pensável não dar a palavra ao povo.
Segunda questão, o objectivo essencial da revisão do Tratado de União Europeia deverá ser "mudar de rumo" e não persistir numa política que já mostrou os seus frutos negativos.
As características de uma economia como a portuguesa fazem com que Portugal esteja interessado na revisão de critérios e prioridades de raíz monetarista e neoliberal. Está demonstrado que a aplicação da política e dos critérios de convergência nominal prejudica o crescimento e o emprego. Nesta matéria, o PSD afirma que quer estar no "pelotão da frente" na aplicação dos critérios de convergência nominal, mas a vida já mostrou que essa política significa estar no pelotão de trás, em matéria de desenvolvimento e de bem-estar.

Vozes do PCP - Muito bem!

O Orador - O Sr. Secretário de Estado referiu, aqui, 17 milhões de desempregados e 52 milhões de excluídos.
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Perguntamos- a política que tem vindo a ser executada é alheia a esta situação ou, pelo contrário, os números aqui citados mostram que a política tem de ser rectificada?
Ao PS queremos dizer que e incoerente formar com o PSD um «bloco central» em torno dos critérios e políticas de Maastricht e, depois, criticar as consequências dias orientações que apoiou na altura própria
Terceira questão, Portugal está interessado, como país da semiperiferia, como país que está no Norte do Sul e no Sul do Norte, em colocar a questão da coesão económica e social como um problema fundamental A questão dos fundos comunitários, do futuro da Política Agrícola Comum e da projecção orçamental, no âmbito da coesão económica e social, é um problema que tem de ser decisivo no futuro da União Europeia. O mercado interno e a liberalização do comércio internacional que se verificará com o GAT tornam ainda mais urgente este objectivo. C Grupo Parlamentar do PCP rejeita a preterição deste objectivo, o seu afastamento ou a sua secundarização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em matéria de coesão económica e social não pode haver «Europa a duas velocidades», apesar de, em outras questões, ser admissível a flexibilidade. É preciso dizer que o objectivo da coesão não vai ficar realizado com o termo do actual Quadro Comunitário de Apolo, que é contrariado por outras políticas e que os futuros alargamentos da Comunidade Europeia não devem prejudicar a solidariedade com os actuais membros mais atrasados e carenciados.
Quarta questão, rejeitamos com firmeza a Europa do directório de grandes potências, para que apontou expressamente o documento da CDU alemã. É preciso dizer que rejeitamos qualquer solução de secundarização de médios países, como Portugal, e que defendemos uma Europa da igualdade isto implica a firmeza em lutas difíceis, como a defesa da língua portuguesa como língua oficial e de trabalho da União Europeia, por uma questão de princípio e por se tratar de uma língua de projecção e de dignidade universal. Esta questão coloca-se igualmente ao nível institucional, em que o alargamento da Comunidade Europeia fez com que aumente a pressão para uma maior secundarização dos pequenos e médios países É preciso, Com firmeza, dizer «não» a tais tendências
Quinta questão, o PCP declara, desde já, que as tendências e tentativas para transferir o segundo e o terceiro pilares na Comunidade Europeia, a Política Externa e de Segurança Comum e a cooperação na área policial e judicial, do campo da política intergovernamental, em que Portugal tem uma voz em Doze para políticas comunitárias, em que a sua intervenção seria necessariamente secundarizada através do funcionamento do princípio da maioria. Esta é uma questão em que não pode haver ambiguidades. De resto, este problema está ligado com a aplicação e controlo do «princípio da subsidariedade» e com a defesa do que tem sido entendido como o «núcleo fundamental», que é tradicional da soberania de qualquer Estado. É sabido que este princípio da subsidariedade pode ter uma aplicação descentralizadora e têm sido invocados os pergaminhos aristotélicos, íomistas, etc., mas também pode ter um carácter centralizador como, aliás, aconteceu com Estados liderais vistos numa perspectiva histórica e é sabido que a subsidariedade é um princípio fundamental da estruturação cos Estados federais.
A questão do controlo da aplicação do princípio para impedir que seja desvirtuado numa óptica centralizadora é, portanto, fundamental. Neste campo, a orientação adoptada na CIG 96 deve ser no sentido de que as instituições estaduais não prescindam dos poderes de decisão e controlo nesta matéria que, aliás, constam da Constituição Portuguesa que, na última revisão, consagrou o princípio da subsidariedade em complemento do princípio da descentralização.
Impõe-se, pois, conduzir uma luta nela Europa social do ambiente, do bem-estar, da qualidade de vida, da justiça e da igualdade. A Comunidade Europeia deve avançar nestes campos subsidiariamente à intervenção dos listados e recuar nas matérias em que a sua intervenção é burocratizada e de mero pormenor
O Grupo Parlamentar do PCP faz votos para que este debate seja o início de uma intervenção constante, activa e, plural da Assembleia da República no processo das Conferências Intergovernamentais de 1996 e no acompanhamento das questões comunitárias, e um passo no debate e acompanhamento parlamentar permanente destas matérias, e que esse debate culmine com o acto de dar a palavra ao povo português.
Neste quadro, é importante que a integração europeia mude de rumo. A obra de um autor como Miguel Torga mostra que a ligação profunda à nossa terra e a melhor forma de estar ligado à Europa e ao mundo e de ter uma perspectiva universal. Miguel Torga disse. «Lutei, luto e lutarei ate ao derradeiro alento peia preservação dessa identidade, última razão de ser de qualquer indivíduo ou colectivo e repudio com todas as varas da alma a irresponsabilidade da Europa que, em Maastricht, se ornamente, a tente negar, trair-se e trair-nos».
Por nós, a ideia para a Europa e a política para Portugal implica mudar de rumo. A Europa burocrática e sôfrega de poder, sem povos e diluidora de identidades não é a Europa que defendemos!

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - (Ferraz de Abreu) - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira(CDS PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Em primeiro lugar, gostaria de sublinhar que se o interesse do cidadão comum - que aqui foi frequentemente referido - pela Europa tiver expressão no número de Deputados que se interessam pelo debate, são muito poucos os portugueses comuns que estão envolvidos na discussão do problema da Europa.
Tal é, naturalmente, consequência de um método que tem sido adoptado na condução destas matérias, uma espécie de confidencialidade da condução do processo, por vezes, com algumas lições de que não precisávamos. Ainda ontem, nesta Casa, nos deram uma advertência bem-vinda para elevar o nível do debate a que nos vamos dedicar.
Ontem, teve lugar aqui uma iniciativa, apoiada pela Assembleia da República, da Associação dos Auditores da Defesa Nacional na nobre Sala do Senado, em que viemos pressurosos receber notícias da Europa que nos seriam dadas pelo nosso antigo Comissário Cardoso e Cunha.
Ficámos a saber que os termos em que a questão do federalismo tem sido discutida em Portugal são idiotas. Pedida a explicação, a qualificação foi mantida Foi suficientemente democrática a observação para não inquietar ninguém porque ele não excluiu nenhum dos participantes na discussão e por consequência, não ficam excluídos nem Governo nem partidos da maioria nem das minorias. O qualificativo fica com a advertência de que devemos meditar sobre isso para melhorar o nível

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Também fomos informados nesse debate de que a discussão ligada à identidade nacional e, para muitos, ao patriotismo, tem sido conduzida em Portugal em termos estúpidos. Também foi suficientemente democrático para não excluir ninguém pelo que todos ficaram abrangidos nesta moldura. Vamos tentar melhorar a moldura, e tenho esperança de que debates como o de hoje possam trazer maior sossego à linguagem diplomática que está a implantar-se na União Europeia!
Depois, o anúncio deste debate importantíssimo tem dois termos de referência fundamentais: um, diz respeito às realidades, outro, às perspectivas. Vou dar por suposto que as realidades foram suficientemente discutidas e que, nesta altura do debate e a esta hora da tarde, talvez pudéssemos falar um pouco sobre as perspectivas.
É, pois, sobre as perspectivas que vou permitir-me fazer algumas considerações, em primeiro lugar, chamando a atenção para o facto de que, a um ano de distância, está a preparar-se a revisão do Tratado de Maastricht. E quando o Tratado foi aprovado sem intervenção popular alguns tiveram ocasião de dizer - e eu participei nessa anotação que o Tratado exigia atenção não tanto pelo que dizia mas pelo muito que omitia, e suponho que é o muito que omitia que está a acelerar a necessidade da revisão próxima, provavelmente dentro de um ano.
Essa revisão precisa de atender a alguns aspectos que tenho visto completamente omitidos nas discussões e reuniões de trabalho em que temos tornado parte. E, para dar alguma consistência aos pontos para os quais quero chamar a atenção e que procurarei reduzir na medida do possível, queria lembrar um pressuposto desta análise que, com frequência, é omitido o Tratado de Maastricht correspondeu a uma mudança estrutural da Europa e dificilmente pode dizer-se que é uma continuidade lógica do Tratado que instituiu as Comunidades e, até, do Tratado de Roma, porque o Tratado de Maastricht correspondeu a uma alteração fundamental da situação estratégica e de segurança europeia que, até aí, estava indiscutivelmente a cargo da Aliança do Atlântico.
Penso que todas as organizações gostam de ter pergaminhos, e é natural que a União Europeia goste de afirmar que preservou a paz da Europa durante meio século. Gostaria de, humildemente, como europeu beneficiado, chamar a atenção para o facto de que, provavelmente, quem garantiu a paz foi a Aliança Atlântica e que, com essa garantia, a Europa pôde, com tranquilidade, desenvolver-se política, económica, socialmente e recuperar da destruição a que tinha sido conduzida pela guerra de 1939/45.
Se tivermos em conta esta observação - e se ela tiver algum fundamento -, julgo que não podemos olhar com ligeireza para as questões de coordenação da defesa e segurança, designadamente, com a União da Europa Ocidental, porque a incidência da resposta nos recursos europeus, na definição orçamental e nos encargos que os povos vão ter de assumir, vai ter reflexos necessariamente graves e importantes em tudo quanto diz respeito, designadamente, à coesão económica e social, que eu me inclino também para entender que é um objectivo fundamental da organização europeia já que não podemos ter na Europa uma geografia da fome que se desenhe dentro da própria União.
15to obriga-me a chamar a atenção para um elemento importantíssimo que nos foi fornecido pela Comissão. Trata-se de um instrumento de trabalho de grande mérito e do qual recolhemos elementos, ensinamentos e apoio para muitos raciocínios, propostas certamente contraditórias, muitas vezes não coincidentes com responsáveis pelo documento. Refiro-me, sobretudo, ao relato da intervenção do chanceler alemão na reunião das Comissões.
Julgo que é um documento que exige a maior das atenções, porque os responsáveis europeus, desde o fim da guerra, andam a fornecer - e têm esse dever - documentos em que exprimem o seu pensamento sobre o que vai ser a Europa. Churchill fê-lo, o que está citado no relatório do grupo de trabalho da Comissão de Assuntos Europeus farei de seguida um comentário sobre isso - e todos os intervenientes no debate europeu o têm feito. Pedi ao Sr. Primeiro-Ministro, na última vez que aqui esteve, que fizesse o favor de fornecer-nos o dele para sabermos qual era a concepção da Europa que. pessoalmente, sustentava e ele remeteu-nos, pura e simplesmente, para o Tratado de Maastricht. Claro que o Tratado - volto ao ponto por onde comecei - exige atenção não tanto pelo que diz como por aquilo que não diz e, por essa razão, os espaços em branco do projecto continuam a ser inquietantes sobretudo para os pequenos países. Essa intervenção do chanceler obriga, a meu ver, a aprofundar esta reflexão com serenidade, sem parti pris, sem decisões antecipadas.. sem convencionalismos ideológicos. E porquê?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu). - Sr. Deputado, queira terminar, pois esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, vou pedir-lhe um favor: quando eu esgotar o tempo de que disponho, faça de conta que estou a interpelar a Mesa. atendendo ao método habitual.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, hoje já foram dirigidas tantas interpelações à Mesa que talvez seja melhor poupá-la.

0 Orador: - Sr. Presidente, termino de seguida.
Quando interveio nesta reunião, o chanceler, depois de interpelado, leve o cuidado de dizer que tinha um modelo para a Europa. Foi-lhe fornecido por Churchill num famoso discurso na Universidade de Zurique onde ele, já simples Deputado, tendo perdido o poder vítima da ingratidão dos povos que não reconheciam que tinha sido o salvador da liberdade e das instituições na Europa, apontou para a necessidade de recuperar a Alemanha e de fazer os estados unidos da Europa.
0 que é curioso é que o chanceler, quando afirma que aceita este modelo, apressa-se a acrescentar que é evidente que não terá estrutura idêntica à dos Estados Unidos da América, o que Churchill nunca tinha dito Este é um acrescentamento do pensamento íntimo do chanceler, preocupado com o modelo final e bailando-lhe o modelo segundo o qual os próprios Estados Unidos da América organizaram a república que ele havia de governar, porque desta forma é que o Estado alemão foi organizado.
Aconteceu ainda que a Sr.ª Deputada Cornette, do Luxemburgo, do país que fornece, neste momento, a presidência da Comissão, deu uma contribuição interessantíssima para avaliar do clima. 0 que disse? Solicitou - note bem a Câmara - ao chanceler a sua intervenção para assegurar que a opinião dos parlamentos nacionais fosse levada em consideração no Comité de Representantes Pessoais dos Ministros dos Negócios Estrangeiros já que o Parlamento Europeu participa nesse Comité mas os parlamentos nacionais não.
Mandatária da Europa! 15to é que me leva a achar que temos de dedicar alguma atenção ao projecto que, eventualmente, venha a plasmar-se com surpresa nossa e sem a nossa intervenção.

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E por essa razão que queria manifestar o meu grande apreço pela intervenção do Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus, porque fez uma enumeração» daquilo que posso entender, de pontos de um programa de governo para a Europa e de outros que dizem respeito à reformulação institucional futura. Não vou referir-me aqueles que dizem respeito ao governo da Europa mas aos que dizem respeito à reformulação institucional.
Quanto aos pontos que dizem respeito à reformulação institucional, posso, em primeiro lugar, indicar alguns puramente instrumentais mas que são fundamentais para â arquitectura final - o tal pequeno seixo que se tira debaixo da fraga e a fraga rola Aqui trata-se, provavelmente, dos seixos para segurar a fraga, mas temos de tratar deles.
Em primeiro lugar, qual é o estatuto dos partidos europeus nesta construção que estamos a fazer? Há um partido que se definiu como europeu desde o princípio: o Partido Popular Europeu. Como intervém na vida interna dos países? Como apoia as propagandas? Como financia? Quem controla? Que Tribunal de Contas vai tratar disso? E, quando não for um partido, mas 10, a funcionar em todos os países? Como vamos controlar essa intervenção decisiva e básica na formação dos órgãos que vão exprimir a vontade política democrática? Julgo que, no momento, em que tantas inquietações e transparências temos todos na Europa, este ponto merece alguma consideração a respeito das prospectivas e arquitectura do futuro.
Em segundo lugar, temos uma Comissão Consultiva das Regiões Logo que foi instituída, chamei a atenção nesta Câmara para o facto de que comissões consultivas constituídas por representantes políticos são decisórias na primeira reunião, porque imediatamente começam a reclamar que as suas deliberações sejam respeitadas Não é em nome da vontade que pedem o respeito mas em nome da sua dignidade que o fazem.
Essa Comissão Consultiva deve ou não ser acompanhada de alguma modificação constitucional interna do tipo segunda câmara?
Quanto ao controlo da subsidariedade, esta precisa, em primeiro lugar, de ser controlada quanto ao significado. A subsidiariedade tem bons tratadistas. Lembro Suarei, que seria uma boa autoridade para nos orientar neste sentido e evitar que se confunda isto com a centralização que condescende em descentralizar Não é essa a subsidiariedade que pretendemos mas exactamente a contrária.
Finalmente, temos o problema da dupla velocidade europeia Julgo que temos de assumir o desafio de que a dupla velocidade está em dois planos- por um lado, está no plano político e, aí, nós não queremos nem um directório, nem um «Estado-director», nem uma hierarquia de potências, por outro lado, está no plano social porque queremos que o aprofundamento impeça essa desigualdade entre os povos europeus.
Naturalmente, isto e apenas um começo da nossa meditação. Por mim, penso que a oportunidade e excelente, penso que o debate deve ter continuação. Aliás, agora que estamos fora das discussões em sede da Comissão, devo dizer que o documento me foi muito útil.

Aplausos do CDS-PP

O Sr Presidente (Ferraz de Abreu.)- - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr Presidente, Sr.ªs e Srs Deputados Há pouco mais de dois anos, esteve na agenda do dia. Apaixonou, como porventura poucas outras questões o terão conseguido, as opiniões públicas na Europa Multiplicou debates. Movimentou protestos. Abalou Governos. Arrasou famílias políticas. Dividiu povos. Foi o tempo de Maastricht Da ratificação do Tratado, de União paradoxalmente chamado, com ironia de quem, talvez deste modo, terá desejado assinalar com o equívoco todos os muitos de que este processo de construção tem sido feito.
Por cá tudo foi mais silenciado.
A questão foi tabu e, na lógica dos velhos partidos tradicionais que entendem a política como privilégio de alguns, o debate foi impedido. Concediam-nos a cidadania, disseram, mas tiraram-nos voz. Atribuíam-nos novos direitos, disseram, mas retiraram-nos o da livre escolha.
Processo curioso, pois, este, o nosso, tanto mais que protagonizado por aqueles para quem como dogma este Tratado foi assumido, não como uma via mas como a única possível. Uma via que nós, Os Verdes, dissemos então ser incapaz de interpretar a história recente da Europa e equacionar os grandes desafios que à humanidade se colocavam Uma via que afirmámos estar condenada ao fracasso por recuperar valores caducos de regimes feitos da marginalização dos povos, da anulação da identidade cultural, de asfixiante autoritarismo Uma via que negava enfrentar a profunda crise ecológica e o desafio civilizacional implícito que a Conferência do Rio tinha lançado e que teimava em impor um modelo obsoleto de crescimento ilimitado, gerador não de bem-estar mas de exclusão social e de degradação ecológica. Uma opção cujos efeitos não se fizeram esperar bem como o prudente distanciamento dos seus acérrimos defensores, hoje moderadamente críticos como convém, perante a pressão das opiniões públicas.
Os efeitos são visíveis na ausência de resposta aos problemas essenciais, nas profundas frustrações criadas, na instabilidade, bem como no agravamento da crise económica, nos fenómenos de exclusão, na degradação ecológica, no acentuar dos desequilíbrios entre povos e regiões, na violação de direitos humanos, no desenvolvimento de guerras, nos fenómenos migratórios, nos sinais de intolerância e racismo, numa Europa cada vez, mais enorme corpo em simultâneo crescimento e desagregação, que se mostra incapaz de reagir e que urge pensar diferentemente
Sr. Presidente, Srs. Deputados. É, pois, perante isto que dizemos que é preciso mudar, alterar os pressupostos.
A próxima revisão do Tratado pode ser parte integrante dessa mudança que implica debate vivo, participação, informação, envolvimento dos cidadãos na tomada de decisões.
É uma mudança que implica a recusa da padronização destruidora da identidade cultural, ambiental e social, impostas por instâncias que escapam ao poder fiscalizador dos povos, numa arquitectura de desigualdade de todo inaceitável Uma mudança que implica a recusa da perpetuação de mecanismos de competição mundial, destruidores do que é pequeno e diverso, que recusa a desigualdade na troca entre o Norte e o Sul e o condenar à miséria, à desertificação e à fome povos cujos recursos se exploram em pseudo-programas ditos de cooperação Uma mudança que implica a recusa da manutenção do desperdício de recursos humanos e financeiros para suporte de grandes aparelhos militares, tão delapidadores quanto inúteis quando se trata de encontrar os caminhos da paz Uma mudança que implica a recusa da lógica desumanizadora do consumismo e do produtivismo, do lucro a qualquer preço, que têm pautado a construção europeia e, ainda, que determina atender ao primado das pessoas que não o dos mercados, a uma nova solidariedade entre gerações e à preser-

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vação do equilíbrio ecológico como garante do nosso próprio futuro comum.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São, pois, mudanças globais no modo de entender, hoje, a segurança, a cooperação, a arquitectura institucional, o próprio desenvolvimento.
Mas são alterações que, a nível nacional, exigem clareza na mudança que reclamamos. Uma clareza que não se compadece com o alimentar de ficções, o escamotear de factos, o pretensiosismo de divagações académicas ou hermetismo de palavras feitas para iludir a realidade, antes determina, com antecipação, e na perspectiva da revisão do Tratado, formular perguntas e exigir respostas que não podem ficar escondidas, interrogações que sejam baseadas num olhar crítico sobre a União e a forma como o seu processo de construção se tem desenvolvido e as suas consequências para nós. Que determina não escamotear dados que, camuflados, sobre o futuro próximo se indiciam. Que tem por obrigação equacionar o espaço europeu naquilo que é, já hoje, a sua realidade alargada e naquilo que, previsivelmente, será no futuro, com o alargamento a Sul e a Leste
Destas e de muitas outras questões terá de, sem ambiguidades, fazer-se ponto de partida para reflexão. Uma reflexão que não se furte a equacionar, designadamente: a garantia da rotatividade no exercício das presidências; as línguas de trabalho e a preservação do português como língua oficial; critérios de convergência e não de divergência entre regiões e Estados; as questão das várias velocidades na situação actual e face ao alargamento do universo dos Países membros; a preservação do equilíbrio ecológico dos países do Sul da Europa; os apoios específicos às economias mediterrânicas e a sua compatibilização com a PAC; a acentuação do estatuto periférico de Portugal no quadro de novos alargamentos previsíveis; a compatibilização do próprio princípio da subsidiariedade com a ausência de regiões administrativas em Portugal; os reflexos do GATT no equilíbrio ambiental em Portugal; as consequências da Política Externa de Segurança Comum (PESC) na relação de cooperação com os PALOP e a política de emigração, e, naturalmente, o modo de garantir o debate plural, a participação dos cidadãos, a sua possibilidade de expressão e livre escolha para o próximo processo de revisão.
Até porque, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o chamado cidadão comum, hoje tão glosado, também ele está farto de esperar pelo sonho, também ele está cansado do pesadelo, também ele está cansado de ser observador. E a paciência - é bom lembrar - tem sempre limites.

Aplausos do PCP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr Presidente Barbosa de Melo

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, Srs. Deputados Serei muito breve.
Passarei de largo algumas referências que foram feitas e que não correspondem à realidade mas que me parecem relativamente marginais face à importância do debate que aqui teve lugar e que, certamente, continuará noutras sedes, numa boa colaboração institucional.
No entanto, não posso deixar de referir que, em matéria de convergência real e nominal, estamos perante uma situação de facto - contra factos não há argumentos - e os números falam por si. Portugal está, hoje, mais próximo da União Europeia do que eslava quando aderimos, e de uma maneira que é reconhecida por todos os nossos parceiros.
Também não vou falar da coesão económica e social, relativamente à qual, como é bem subido, o Governo português esteve muitas vezes na primeira linha das propostas e das iniciativas que vieram a vingar nas decisões comunitárias. Nos debates sobre o fundo de coesão, das redes transeuropeias, das iniciativas de desenvolvimento local, Portugal esteve na primeira linha.
Como disse, passarei de largo sobre estas questões para me concentrar em duas afirmações que me parecem politicamente relevantes, após o debate a que tive o privilégio de assistir e em que participei.
A primeira afirmação é a de que o Governo não hesitará em estabelecer com a Assembleia da República a melhor das colaborações com vista à preparação das grandes negociações que vão ter lugar no próximo futuro em matéria de União Europeia. Vai fazê-lo nas instâncias e nos níveis que a Assembleia da República entender como mais adequados. Fizemo-lo aqui, já foi referido que foi feito em sede da Comissão de Assuntos Europeus, estaremos disponíveis para o fazer no futuro
Mas, sobretudo, quero fazer uma segunda afirmação para dizer que, tendo ouvido com a maior das atenções as múltiplas intervenções aqui feitas, penso que não é arriscado nem é ousadia da minha parte dizer que pode concluir-se que existe um largo consenso relativamente a questões fundamentais no que diz respeito ao interesse do nosso país em matéria de integração europeia Tive a clara percepção de que, em muitos momentos do debate, aquilo que aparecia como divergência profunda tinha a ver mais com questões acessórias ou marginais do que com os interesses fundamentais que estão em jogo.
Nesta matéria, Sr Presidente, Srs. Deputados, as questões são tão sérias, os interesses são tão decisivos que penso que seria imperdoável desperdiçar qualquer ocasião, fosse qual fosse, para estabelecer consensos e poder com isso fortalecer a posição negociai do nosso país Por isso, esta última afirmação que vos deixo tem a forma de apelo a que esse trabalho de solidariedade institucional entre o Governo e a Assembleia da República possa estabelecer-se em plena transparência para que as posições portuguesas, em sede da revisão do Tratado, em 1996, estejam escudadas por um largo consenso nacional.

Aplausos do PSD

O Sr. Presidente: - Srs Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por terminado o debate.
Antes de encerrarmos a sessão, se os Srs. Deputados estiverem de acordo e embora não seja muito regimental, proponho que passemos à apreciação do voto n.º 128/VI - De pesar pelo terramoto que assolou o Japão, apresentado pelo PSD, pelo PS, pelo PCP e pelo Deputado independente Raul Castro Subscrito por um grupo de Deputados que julgo pertencerem ao Grupo de Amizade Portugal-Japão, este voto é, no fundo, de solidariedade para com o povo japonês e de pesar pelos mortos e pelas destruições que o terramoto trouxe a esse povo, com o qual, aliás, temos uma ião longa e bela História em comum.
Assim, como não há oposição, ponho à votação este voto de pesar n.º 128/VI

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Torne.

É o seguinte:

VOTO Nº 128/VI De pesar pelo terramoto que assolou o Japão

O País tomou conhecimento do terramoto que assolou o Japão e assistiu profundamente angustiado às imagens representativas da grande catástrofe

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O povo japonês, secularmente amigo de Portugal, ocupa na nossa História um papel significativo.
Neste momento de desgosto pela tragédia que atingiu milhares de japoneses, a Assembleia da República emite um voto de pesar e exprime a sua solidariedade para com o povo do Japão.
Srs. Deputados, este voto será enviado à Dieta japonesa através dos meios diplomáticos.
A sessão de amanhã terá início às 15 horas, com período de antes da ordem do dia, e do período da ordem do dia constará a apreciação da proposta de lei n º 117/VI - Autoriza o Governo a aprovar o novo Código Cooperativo, e da proposta de resolução n º 85/VI - Aprova o Acordo por Troca de Notas sobre Supressão de Vistos entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Croácia. À hora regimental, realizar-se-ão votações
Srs Deputados, nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD).

Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira
José Ângelo Ferreira Correia.
Luís Carlos David Nobre.

Partido Socialista (PS):

José Manuel Santos de Magalhães

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.

Faltaram à sessão os seguintes Srs Deputados

Partido Social-Democrata (PSD)

Domingos Duarte Lima
Joaquim Maria Fernandes Marques
Luís António Carrilho da Cunha.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho

Partido Socialista (PS).

Ana Maria Dias Bettencourt.
António Domingues de Azevedo.
António Luís Santos da Costa.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP)

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Odete dos Santos
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tomas Cortez.
Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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