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Sexta-feira, 28 de Abril de 1995 I Série - Número 69

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE ABRIL DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João, Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão ta 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 541/VI e das ratificações n.ºs 142 a 144/VI, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr Deputado Silva Marques (PSD), na qualidade de presidente do grupo parlamentar, cumprimentou, os seus pares e apelou para um pacto parlamentar, tendo respondido, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Queiró (CDS-PP), Jaime Gama (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), André Martins (Os Verdes) e Octávio Teixeira (PCP).
O Sr Deputado Raul Castro (Indep) condenou a política económica e social do Governo.
Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, tendo sido aprovada, da proposta de lei n.º 122/VI - Alteração à Lei n.º 21/87, de 20 de Junho (Estatuto Social do Bombeiro). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Carlos Loureiro) e do Sr. Deputado António Filipe (PCP), que também fez a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, os Srs Deputados Carneiro dos Santos (PS), Miguel Macedo (PSD), Miranda Calha (PS), Ferreira Ramos (CDS-PP) e Júlio Henriques (PS).
A proposta de lei n.º 124/VI - Autoriza o Governo a aprovara novo Estatuto Notarial foi debatida na generalidade intervieram, a diverso título, além do Sr Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Raul Castro (Indep.), Luís Filipe Madeira (PS), Narana Coissoró (CDS-PP) e Correm Afonso (PSD).
Entretanto, foram aprovados pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando um Deputado a depor na Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate, um outro como testemunha em tribunal e denegando autorização a dois outros.
Na especialidade e em votação final global, foi aprovada a proposta de lei n.º 103/VI - Altera a Lei n.º 29/82, de II de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas), tendo ainda sido aprovado em votação final global, o texto faial sobre a proposta de lei n.º 89/VI - Estabelece o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e Forcas Armadas.
Os projectos de lei n.º 463/VI - Alarga a todos os cidadãos a legitimidade para recorrer contenciosamente de certas categorias de actos das administrações central, regional e local (PS), 502/VI - Direito de participação procedimental e de acção populares (PSD) e 531/VI - Confere a todos os cidadãos a legitimidade para recorrer contenciosamente de actos administrativos lesivos de interesses públicos (PCP) mereceram aprovação, na generalidade da Câmara.
Finalmente, a proposta de resolução 89/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa ao Estatuto das Missões e dos Representantes de Estados Terceiros junto da Organização do Tratado do Atlântico Norte foi aprovada em votação global.
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Mana Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa
José Manuel Nunes Liberato
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS).

Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Fernandes da Silva Braga.
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.

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Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Mana de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Mana da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Mana Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Mana Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, o projecto de lei n.º 541/VI - Conselhos locais de segurança (PS), que baixou às 1.ª e 5.ª Comissões, e as ratificações n.05 142/VI - Decreto-Lei n.º 74/95, de 19 de Abril, que aprova o Estatuto da Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (CIRDD), 143/VI - Decreto-Lei n.º 75/95, de 19 de Abril, que altera a Lei Orgânica do Instituto do Vinho do Porto, e 144/VI - Decreto-lei n.º 76/95, de 19 de Abril, que aprova os Estatutos e o Regulamento Eleitoral da Casa do Douro, todas da iniciativa do PCP.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: aos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; ao Governo e ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr Deputado Fialho Anastácio; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Mário Tomé e José Manuel Maia; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados José Reis e José Manuel Maia; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado João Carlos Duarte; e ao Governo, aos Ministérios do Emprego e da Segurança Social e da Administração Interna e à Secretaria de Estado da Juventude, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Arménio Carlos, na sessão de 9 de Junho; José Lamego, nas sessões de 6 de Junho e 20 de Outubro; José Magalhães, na sessão de 21 de Setembro; Paulo Rodrigues, no dia 11 de Outubro; Luís Peixoto, na sessão de 6 de Janeiro; Caio Roque, na sessão de 12 de Janeiro; Guilherme d'Oliveira Martins, António Murteira, Paulo Trindade e Lino de Carvalho, nas sessões de 19 e 20 de Janeiro e 16 de Fevereiro; Isabel Castro, nas sessões de 20 de Janeiro e 15 de Março; José Manuel Maia, nas sessões de 26 de Janeiro e no dia 20 de Fevereiro; Luís Sá, nas sessões de 1 e 15 de Fevereiro; Raul Castro, na sessão de 2 de Fevereiro; Fernando Costa, na sessão de 24 de Fevereiro; João Amaral, nas sessões de 3 e 10 de Março; Manuel da Silva Azevedo, na sessão de 23 de Março; António Martinho, na sessão de 29 de Março; e Heloísa Apolónia, na sessão de 7 de Abril.
Gostaria também de informar a Câmara de que hoje, durante a tarde, irão reunir as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de Petições e de Saúde; a Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate reunirá às 15 horas, a Subcomissão Permanente do Ambiente e a Comissão Eventual para Estudar as Matérias relativas às Questões de Ética e da Transparência das Instituições e dos Titulares de Cargos Políticos, às 16 horas.
A Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares realiza-se às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na minha primeira intervenção, depois que

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fui eleito presidente do meu grupo parlamentar, desejaria publicamente cumprimentar V. Ex.ª, Sr. Presidente, e todos os grupos parlamentares e seus presidentes, aqui agradecendo, uma vez mais, as felicitações que tiveram a gentileza de me endereçar.
Desejaria ainda, e muito especialmente, proferir uma palavra de grande apreço pelos líderes do meu grupo parlamentar que me antecederam.

Aplausos do PSD.

Trata-se de uma referência ditada por um sentimento muito sincero e por um juízo valorativo, que nenhuma circunstância tem de ofuscar. Vivemos uma época suficientemente fustigada pela inelutabilidade da concorrência e da competição para que possamos permitir-nos o desperdício ou a insensatez da avareza nas relações humanas e da omissão nos imperativos da solidariedade e da justiça, do reconhecimento do mérito e do valor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, está prestes a encerrar-se o primeiro capítulo de um novo ciclo da nossa história: um novo ciclo de progresso e modernidade. Esta década que vai findar em Outubro próximo, e que se iniciou com a ascensão do Professor Cavaco Silva à liderança do PSD, marcou o regresso de Portugal ao caminho do progresso e da modernidade.

Aplausos do PSD.

Estamos no início de uma gesta que não exigirá menos esforços, visão e patriotismo que outras tamanhas do passado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - 10 anos é muito, mas é pouquíssimo perante os atrasos acumulados e a grandeza dos objectivos que nos chamam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Em 10 anos, Portugal recuperou 10 pontos relativamente à média de nível de vida da União Europeia.
Se não quisermos perder este ritmo ou se tivermos mesmo a ambição de estugar o passo, não nos é permitido cometer erros graves como nação e como povo.
Meio século de trágico imobilismo conduziu-nos a um atraso profundíssimo, só recuperável mediante um esforço nacional gigantesco, perseverante e duradouro, de muita convicção e muita tenacidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A guerra colonial malbaratou as economias e as energias da nação durante longos e pesados anos. Quando os demais Estados europeus, incluindo a vizinha Espanha, não obstante também sob o regime de uma ditadura, já se tinham desembaraçado da questão colonial e iniciado a época moderna do seu desenvolvimento, Portugal estava esgotando os seus escassos recursos e as suas forças, adiando, de forma trágica, o seu próprio ciclo de desenvolvimento e modernização.
Depois, o período revolucionário fez desabar sobre o País não só a desorganização da economia e da administração mas, sobretudo, a vaga avassaladora de uma cultura arcaica, baseada no estatismo para a economia e no parlamentarismo estreme para a política.

Aplausos do PSD.

Lembremo-nos só, Srs. Deputados, do que foi a última revisão do Regimento deste Parlamento feita em Plenário, das coléricas resistências e dos anátemas, ao fim e ao cabo para a adopção de inovações que passaram a pertencer ao património consensual e pacífico do Parlamento.
Isto para dizer, Srs. Deputados, que a organização do poder é sempre o princípio de tudo. Sem um poder capaz de poder não teria sido possível o novo ciclo de desenvolvimento português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi a maioria absoluta que o permitiu, mas foi uma cultura política diferente, nova, uma cultura de poder, de poder democrático, mas de poder que o consubstanciou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma cultura de poder, mas também uma cultura de projecto, uma cultura de modernidade e de futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, Srs. Deputados, é aceite pacificamente a ideia de líder e de líder com poder próprio. Mas antes tomava-se isso como um sinal de horrendo e negro de anti-democratismo; hoje, todos almejam como melhor o governo de maioria absoluta, mas antes semelhante visão era identificada com uma espécie de regresso apocalíptico à ditadura; hoje, todos reconhecem as virtualidades do mercado, mas antes apenas o Estado era penhor de recta gestão e de desenvolvimento garantido; hoje, todos sabem que sem infra-estruturas de comunicação não era possível rentabilizar o investimento e reduzir os desequilíbrios regionais, mas antes teimava-se em fazer nascer empresas e revitalizar regiões, à custa de decretos administrativos e de subvenções estatais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma década passou, Srs. Deputados, e estamos hoje num país novo Mas não há razão para adormecimentos: a problemas resolvidos sucedem problemas por resolver. Ultrapassados os problemas do subdesenvolvimento, começamos a ter os problemas do desenvolvimento, e há que lhes dar resposta.
Desde logo, de novo e em primeiro lugar, a questão do poder, a questão da sua reconciliação com a sociedade, da sua recredibilização perante os cidadãos e da sua descoberta pelas novas gerações.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Muito bem!

O Orador: - 20 anos depois do 25 de Abril, não é a realização das infra-estruturas de base que a ditadura adiou e impossibilitou durante meio século, e que a desorientação política subsequente voltou a adiar, que torna suportável o inferno das aglomerações gigantescas.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - 20 anos depois do «25 de Abril», não é o acesso a uma escolaridade massificada que fará nascer na alma de cada um, mas, sobretudo, no coração das novas gerações a luz da esperança e da confiança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O líder do meu partido, Dr. Fernando Nogueira, ao colocar as questões da ética e da transparência, não fez mais do que começar pela questão primeira deste novo capítulo que agora se aproxima.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se queremos vencer os novos desafios, levantados pela sociedade e pela economia, temos de ser capazes de resolver a questão do poder, do novo poder, e, desde logo, na sua raiz primeira: a da credibilidade.
Se quisermos vencer os desafios deste novo capítulo do ciclo do desenvolvimento português, temos de partir para ele com um espírito refrescado, com uma fé redobrada, com um poder reacreditado, capaz de incutir confiança, suscitar colaborações, despertar iniciativas e reganhar a entusiástica adesão dos portugueses, sobretudo das novas gerações.

Aplausos do PSD.

E, hoje, felizmente, encontram-se a assistir, em grande número, à nossa sessão plenária e que eu daqui, com emoção, não posso deixar de saudar.

Aplausos do PSD.

A convergência agora verificada em tão importante e decisiva questão apenas nos deve a todos regozijar. Espero que a todos nos deva regozijar...
No entanto, é estranho o espanto e até, pelos vistos, a incomodidade que assaltaram alguns, sobretudo se atentarmos em certas reacções desabridas, quase de má consciência.
Uma curiosa vaga de protestos surgiu, com expressões e contornos evidentemente desproporcionados e geradores de uma desfocagem da questão.
Suscitou particular clamor o ponto da exclusividade.
Nem falarei do incidente levantado a pretexto das famigeradas remunerações dos Deputados, que releva - tenho de dizê-lo, Srs. Deputados -, sobretudo, da obstinada teimosia e insistência na política da intriga, como lamentável sucedâneo da política da verdade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, seria bom evitarmos precipitações, juízos distorcidos e, sobretudo, confiarmos na seriedade das pessoas, na sensatez e elevação dos seus propósitos.
Ninguém deseja, bem pelo contrário, que o Parlamento se transforme num hemiciclo de invertebrados servidores de máquinas partidárias trituradoras de personalidades e consciências. Bem pelo contrário!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto espera-se que, depois de tanto gritar por transparência, não venham alguns concluir que afinal nenhuma questão existe, porque existe:

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Do que se trata agora, Srs. Deputados, é de lhe dar uma resposta: lógica, sensata e clara (e ninguém mais quer outra coisa), compreensível para o País, benéfica para as instituições, mobilizadora para os portugueses.
A respectiva comissão parlamentar vai atacar de imediato a sua delicada missão. E isso dá-me azo a dirigir uma proposta a todos os grupos parlamentares, uma proposta que é também um desafio. Em nome do prestígio do Parlamento, em nome da credibilização das instituições, em nome do bem do País, o que vos proponho, Srs. Deputados, é um pacto parlamentar: eliminemos deste hemiciclo as disputas verbais inúteis e desnecessárias, concentremos os nosso debates e confrontos sobre as questões da governação e administração do País, tratemos consensualmente as questões de regime - como o são as questões da ética e transparência, assim como o são as questões do sistema eleitoral.

Aplausos do PSD.

Um pacto parlamentar que enalteça a convergência, dignifique o consenso e conduza à união entre portugueses, arredando a disputa gratuita e inconsequente que apenas leva à incompreensão, ao afastamento dos cidadãos e ao descrédito e desprestígio das instituições; um pacto parlamentar que, arredando o que há de negativista e desencorajador, decorrente da intriga política ou do verbalismo destrutivo, conduza, antes, a uma maior percepção e visibilidade das nossas diferenças, dos nossos projectos e propostas de governo e de sociedade, desse modo suscitando o interesse e a adesão dos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Só poderá desprezar a nossa proposta, Srs. Deputados, quem não tenha ideias próprias a afirmar e viva por detrás da cortina dissimuladora das falsas questões, das meias verdades e das acusações gratuitas, falsas e, por vezes, até injuriosas.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Neste tempo em que tantos, à esquerda e à direita, depois de terem adorado, até bem recentemente, os bezerros das ideologias, se apressam a proclamar a sua morte, a esbater as diferenças e a acentuar as semelhanças, nós, sociais democratas, nós, PSD, queremos retomar a força das ideias, a energia insubstituível das convicções, o valor mobilizador dos projectos.
Nós, PSD, nós, sociais-democratas, não queremos ser confundidos com ninguém e, muito menos, com o Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Não queremos ser confundidos, nem deixaremos que o Partido Socialista tente confundir-se connosco. Um PS à deriva, tomado pela psicose dos Estados Gerais - entrou em Estados Gerais permanente -, que, com a derrocada da mitologia socialista, ficou sem ideias próprias autênticas, sem bandeiras, vivendo de palavras e não de convicções.

Aplausos do PSD.

Qual é a política industrial alternativa do PS?

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O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E a portagem de Alverca, Sr. Deputado?

O Orador: - Qual é a política industrial alternativa do PS? Protestos do PS.
Qual é a política industrial alternativa do PS?
E no domínio da agricultura, Srs. Deputados? E qual foi a mais recente guinada na saúde (se, por acaso, não há uma guinada de hoje de manhã...) no campo do Partido Socialista? O que fariam os socialistas do próprio ambiente? Renunciariam, perante os protestos populares, ao tratamento dos lixos industriais, esse novo flagelo dos nossos dias? Quem seguiriam os socialistas: o Sr. Deputado Carlos Candal ou o socialista Presidente da Câmara de Estarreja?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que pensam os socialistas dos fenómenos da globalização da economia?
Serão os socialistas capazes de responder com precisão e rigor?

Vozes do PSD: - Não!

O Orador: - Não o têm feito!
Nós estamos aqui, Srs. Deputados, precisamente para travar o debate que marque as diferenças e as torne cada vez mais visíveis.
O que vos propomos, pois, Srs. Deputados, não é o enterro do confronto e da vivacidade dos debates. Bem pelo contrário, o que queremos é que os debates, despojados do que é inócuo, excedentário e inútil, surjam mais vincados na diferença das ideias, na diversidade das propostas, no contrate dos projectos e do rigor.
Se disso formos capazes, Srs. Deputados, sobretudo nas proximidades de um acto eleitoral, o prestígio do Parlamento sairá engrandecido aos olhos do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos de ser nós os primeiros a fazer do Parlamento um exemplo pedagógico de são pluralismo, de diálogo frutuoso e de debate clarificador e mobilizador das atenções e dos entusiasmos dos portugueses e, muito particularmente, das novas gerações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os que acham motivo de risota - e alguns acham - e razão de escândalo a nossa aproximação, a nossa convergência às preocupações e teses antes expressas pela oposição em matérias que consideramos de regime devem ter, antes, a nosso ver, se são sinceras e sãs as suas motivações, razões de regozijo e de satisfação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, Srs. Deputados, não seremos nós jamais que faremos das questões de regime um terreno de disputas suicidarias e destrutivas para as instituições da democracia e para a sua credibilidade. Queremos resolvê-las, consensual e seriamente, à vista dos portugueses, porque para nós, PSD, o que conta, acima de tudo, são os portugueses, a democracia e Portugal!

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel Queiró, Jaime Gama, Narana Coissoró, André Martins e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, é a primeira vez que usa da palavra da tribuna, depois da sua eleição para líder parlamentar do PSD, e por isso cumprimentou as diversas bancadas. Pela nossa parte, retribuímos esses cumprimentos e não vamos fazer o mínimo comentário, nem sequer, como é óbvio, a mínima crítica às circunstâncias em que o Sr. Deputado ocupa esse cargo. Por vezes, há circunstâncias em que não é útil, sendo mesmo prejudicial, perpassar para a opinião pública a ideia de que um partido pode ter uma voz fora e outra dentro do Parlamento. Tudo o que aconteça para desfazer essa impressão será sempre positivo!
O Sr. Deputado disse, a dada altura, que hoje todos os portugueses ou a grande maioria dos portugueses quer uma maioria absoluta para governar Portugal. É uma opinião sua, mas chamo-lhe a atenção para o facto de que há muitas pessoas, inclusivamente bastante qualificadas, que não comungam dessa opinião mas, sim, de opinião contrária.
Lembro que o primeiro dos portugueses, o Sr. Presidente da República, tem uma opinião contrária. O Sr. Deputado poderá considerar que a minha bancada ou o meu partido representam os últimos dos portugueses, mas nem por isso deixam de ter uma opinião contrária. Entendemos que a maioria absoluta teve o seu tempo, produziu os seus efeitos, alguns negativos, que, hoje, sobrelevam os efeitos positivos. E entre uns e outros é bem possível que, segundo as indicações que são conhecidas e que vêm a público, a maioria também seja da mesma opinião e que, nas próximas eleições, não conceda a maioria absoluta ao seu partido nem a nenhum outro para governar Portugal, procurando uma forma de governação mais dialogante, mais concertada e com menos perigos para o abuso do poder em democracia.
O Sr. Deputado dedicou grande atenção à questão da transparência, preocupação recente no vosso partido. Gostaria de fazer um pequeno historial dessa questão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, informo que já esgotou 3 minutos.

O Orador: - Em 1992, VV. Ex.ªs disseram ao meu partido que a questão das subvenções vitalícias era demagógica, que não poderia ser desligada dos outros problemas que têm a ver como o exercício do poder político. Em 1993, apresentámos um pacote globalizante de soluções para o exercício da função política e, nessa altura, VV. Ex.ªs disseram-nos que só o discutiriam se houvesse consenso de todos os partidos. Em 1995, reapresentamos o problema das subvenções vitalícias e, então, os senhores, perante o desafio feito pelo vosso líder nas declarações que fez para a candidatura à presidência do vosso partido, pressionados por estas circunstâncias, disseram: «Vamos constituir uma comissão para estabelecer um consenso.»
As notícias vindas, hoje, a público dão a entender que o vosso grupo parlamentar, que tem essa comissão entre mãos, já não estaria tão interessado nesse consenso. A este respeito, gostaria de obter um esclarecimento da sua par-

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te, porque, a ser verdade, isso pode ser interpretado como um sinal de que esta será a via para o PSD e o PS excluir a questão que inicialmente deu origem a esse problema e que tem a ver com as subvenções vitalícias e outras ligadas aos estatuto remuneratório.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Se assim for, Sr. Deputado, líder parlamentar da PSD, estaremos excluídos desse consenso. Só que estaremos nós e a opinião maioritária do povo português!
Chamo a atenção para isto e aguardo o seu esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, eu não disse que todas as pessoas consideravam a maioria absoluta como a melhor. O que disse foi que anteriormente considerava-se isso como uma espécie de retorno apocalíptico à ditadura, ideia essa que desapareceu. Hoje, uns acham que é a melhor solução, outros não, mas essa ideia apocalíptica desapareceu - e bem! -, o que é um progresso assinalável pelo ponto de vista das ideias, da cultura política...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi isso que pus em relevo, Sr. Deputado, porque tal ideia representa um passo gigantesco no sentido da libertação relativamente ao período em que estávamos completamente esmagados por ideologias arcaicas a que me referi e que causaram, talvez, maior prejuízo ao nosso país do que as próprias nacionalizações. Digo-lhe, com toda a franqueza, que isso foi algo que paralisou o nosso país e o fez até andar para trás.
Por outro lado, para além de ser razoável, e mesmo que, no domínio da pura teoria política, o Sr. Deputado tenha uma visão diferente em relação às virtualidades da maioria absoluta, permita-me, apesar de tudo, que considere a hipótese de o seu ponto de vista poder estar influenciado por uma posição sindical por parte dos sindicatos dos pequenos partidos. Como é evidente, um pequeno partido tem uma visão própria e o facto de o Sr. Deputado representar o sindicato dos pequenos partidos até lhe fica bem, porque as minorias devem ter sempre alguém que as defenda. Permita-me esta ironia, que é afectuosa!...
Quanto à questão de saber se abandonámos ou não a ideia do pacto, a resposta é negativa. Se alguém disse que a abandonámos mentiu, não falou verdade. Quando propomos uma coisa, propomo-la convicta e seriamente. O nosso desejo é o de que haja um consenso, sem qualquer exclusão neste hemiciclo, nem da parte do CDS-PP nem da parte do PCP. Por vezes, admite-se que OS nossos consensos se estabelecem mais facilmente com o PS, mas é falso! Em alguns casos, é muito difícil tratar com o PS, que é um partido inseguro. Isto é, queremos fazer consensos com o PS e não o podemos fazer devido à sua insegurança!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como já referi, o PS é um partido à deriva, que perdeu as amarras da antiga ideologia e a prova disso é a de que está em Estados Gerais permanentes. Ora, quem está em reunião permanente é quem não tem ideias, sendo essa a forma de estar permanentemente à procura delas!

Risos do PSD.

Por isso, Sr. Deputado Manuel Queiró, pode ter a certeza de que, pela nossa parte, não excluiremos ninguém, desde que ninguém se exclua!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, não queríamos transformar esta sua estreia como líder parlamentar em algo de polémico. Por isso, vamos circunscrever a intervenção do nosso grupo parlamentar a uma transmissão de cumprimentos sinceros e de felicitações pela sua eleição e também à expressão do desejo das maiores felicidades no cargo de que V. Ex.ª acabou de ser investido pelos seus pares.
Conhecemos o Deputado Silva Marques pela sua experiência parlamentar e política, pela sua grande vivacidade, pela sua acutilância e pelo seu perfil político, que não é de hoje mas, sim, de há longo tempo. Por isso, desejamos-lhe bom êxito no desempenho desta árdua mas curta missão. E digo «curta», porque o Parlamento cessará em breve a sua actividade normal, uma vez que a legislatura está em vésperas de conclusão.
V. Ex.ª, Sr. Deputado, é um dos parlamentares sem o qual um Parlamento vivo não existe e tem-nos habituado, com a sua intervenção, ao enriquecimento permanente do debate parlamentar. Esperamos que mantenha essa qualidade, que a frutifique e que a conserve no futuro.
Em relação às propostas que o Sr. Deputado aqui relançou, ficámos na dúvida se a acentuação do seu discurso vai mais para o traço identidade/diferença ou se para a componente pacto/consenso, mas esse é, porventura, um dilema em que V. Ex.ª sempre se move, como parlamentar e político. Mas, mesmo assim, V. Ex.ª terá de responder a essa matéria.
Sinceramente, esperava que hoje apelando à diferença e à identidade e também ao pacto e ao consenso, o Sr. Deputado aproveitasse esta oportunidade para clarificar um ponto fulcral e que é o de saber quais as propostas do Grupo Parlamentar do PSD sobre o dossier da transparência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Naturalmente, só pode haver debate, diálogo e consenso na pressuposição de que exista um conjunto de propostas concretas. Os outros partidos da oposição, inclusivamente o PS, formularam-nas em devido tempo. É, porventura, a hora de o PSD as concretizar, visto que todos nós - o Parlamento e, em especial, o Sr. Presidente - estamos conscientes da grande necessidade que há em concluir, em tempo útil, portanto antes do final da actual legislatura, a votação destas matérias.
Uma vez que V. Ex.ª, agora, aderiu a esta temática e que, sobre a questão da transparência, já não tem a posição que tinha quando partidos, como o nosso, reclamavam debater estes temas, a que V. Ex.ª dizia: «Ah, se essa propostas vierem a ser adoptadas e aplicadas sem mais,

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conduzem, a curto prazo, à generalidade de os políticos ficarem na deplorável situação de dependentes totais dos directórios partidários ou das pequenas tiranias e dos caciques locais», ou, mesmo, quando V. Ex.ª se referia à exclusividade como «implicando que ela devesse ponderar em simultâneo um quadro de compensações e de garantias correspondentes», quando vemos V. Ex.ª, partindo das posições de que partiu, chegar agora à convergência na conveniência de esta temática ser discutida e até parecer sustentar a necessidade de grande celeridade para que o Parlamento conclua, em tempo útil, todos estes trabalhos, a questão que lançamos a V. Ex.ª é esta: quais são as posições que, finalmente, traz o seu grupo parlamentar para este debate?
Esperava até que, na sua intervenção de hoje, sob a forma de declaração política, já viesse munido do pacote legislativo do PSD, fundamentador do diálogo político para a geração de um consenso.

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - V. Ex.ª tem uma parte da sua intervenção notavelmente viva, sempre muito convergente para o PS. Aliás, V. Ex.ª é, neste Parlamento e fora dele, um grande especialista do PS!... Não quero ver na acentuação dessa problemática, nem sequer da escolha de V. Ex.ª, uma opção do PSD e do seu grupo parlamentar no sentido de já ter escolhido o líder ideal para a transição, isto é, para a oposição ao PS.
Mas, mesmo assim, no dia de hoje, não queria deixar de, em nome do meu grupo parlamentar, felicitar V. Ex.ª e desejar-lhe que traga ao debate as posições concretas que fundamentem, em matéria de transparência, a posição efectiva do PSD e também um grande êxito na liderança da sua bancada, sobretudo para que o Parlamento português conclua os trabalhos que tem em mãos, antes do final da presente legislatura.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, eu tive momentos de emoção ao ouvi-lo!

Risos do PSD.

De qualquer modo, não poderei deixar de lhe chamar a atenção para o facto de que aquilo que há de verdadeiramente novo na posição do meu partido, introduzido, sobretudo, pela posição do líder do meu partido, Dr. Fernando Nogueira, é ter-se aceite o vosso repto dos prazos. É isso! Porque nós estávamos tão preocupados, se calhar há tanto tempo como o PS, se calhar há mais, não sei, com as questões da transparência, da ética. Estávamos! Ao mesmo tempo, se mo permite, que o PS! A única coisa que fizemos - e foi essa a inovação - foi responder ao vosso repto, porque o PS estava a acusar-nos de termos posições dilatórias, pretextos, ou seja, estavam a acusar-nos de falta de seriedade. E nós respondemos! A verdade é que isso foi útil porque o PS andava «a cantar de galo» e, desde então, «perdeu o pio»!

Aplausos e risos do PSD.

A tal ponto que não me permito ir mais longe, sobretudo porque me sinto obrigado a corresponder à gentileza de V. Ex.ª. Mas, apesar de tudo, não posso deixar de reconhecer a dificuldade com que o PS ocupa agora a maior parte do seu tempo no cerimonial dos cumprimentos!

Risos do PSD.

Contudo, em tempo de árduos trabalhos, mesmo aí, devemos ser um pouco mais secos para que possamos ser mais eficazes.

Risos do PSD.

Mas compreendo os ziguezagues daquilo a que chamei um PS à deriva, que perdeu as suas verdadeiras bandeiras e que, agora, está no estado de Estados Gerais permanente!
De qualquer modo, a delicadeza do Sr. Deputado Jaime Gama foi, para mim, sem dúvida, tocante e eu também não podia deixar de lhe responder com a mesma gentileza e, evidentemente, a minha ingratidão não vai ao ponto de lhe desejar uma longa continuidade nas suas funções! Porque... nunca se sabe!

Aplausos e risos do PSD

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, já em tempo oportuno, tive o prazer de o felicitar, bem como aos seus colegas da nova direcção. Como já aqui foi reiterado esse cumprimento, vou passar à parte substantiva.
Não há dúvida de que a função faz o homem. Quando o ouvi hoje da tribuna, sem aquelas invectivas «Srs. Deputados socialistas, Srs Deputados centristas, Srs. Deputados comunistas», tratar toda a gente com brandura de «Srs. Deputados», pensei: «Lá está o Silva Marques, Presidente do grupo parlamentar' Vamos lá ver se continua assim!» Isto porque o primeiro discurso pode ser assim e depois «fugir-lhe o pé», ou a boca, para o Silva Marques Deputado truculento que sempre conhecemos, e sempre interveniente em grandes questões!
E as grandes questões que queria colocar-lhe são as seguintes: V. Ex.ª falou, e bem, sobre as tiranias, sobre os directórios partidários, sobre o jugo dos partidos; V. Ex.ª conhece os dois lados - as tiranias partidárias do partido de onde veio e as do partido onde está! Efectivamente, tem capacidade, competência e experiência para falar das tiranias partidárias!
Mas agora pergunto: V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar estão interessados em começar o debate do regime eleitoral, da transparência, partindo da própria lei dos partidos políticos? Nós sabemos que a lei dos partidos políticos de 1974 está completamente caduca, muitas das suas disposições já não têm qualquer sentido. V. Ex.ª sabe que aparecem partidos durante as campanhas eleitorais apenas para gastar tempo de antena, e mais nada. Se lhes fosse pedido que arranjassem 1000 assinaturas, não eram capazes disso! Por isso, temos de começar por rever a lei dos partidos políticos. V. Ex.ª está disposto, em nome da sua bancada, a começar esse trabalho pela revisão da lei dos partidos políticos? E também haverá lugar para debater o financiamento, naturalmente.
Em segundo lugar, hoje de manhã, alguém do PSD, segundo disse o noticiarista da TSF, lançou o boato de que o CDS iria opor-se ao pacote da transparência. Por-

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quê? Porque o CDS é radical e, como tal, vai opor-se àquilo que o Dr. Fernando Nogueira aqui veio propor. E, para isso, disse «Não é preciso nem o PCP nem o PP - basta a negociata a dois», que sempre foi o forte do PSD!
E disse mais: «Vamos fazer a negociata a dois, porque esta cobre mais de dois terços». Por isso, já não haverá pacto de regime mas, sim, um pacto do bloco central sobre o pacote da transparência.
Quero perguntar, para que a comunicação social saiba, se isso partiu do PSD ou se foi uma especulação da TSF, que transmitiu, de meia em meia hora, esta notícia, atribuída ao PSD.
Gostaria também de saber se, efectivamente, querem um pacto de regime, que nós aceitamos - e quem quer um pacto de regime está disposto a dialogar - ou se querem fazer uma negociata a dois, por baixo da mesa, com o PS, como sempre fizeram e estarão dispostos a fazer, para depois, publicamente, poderem recriminar-se um ao outro.
Finalmente, queria perguntar se, para todo este pacote da transparência, vai partir-se com um articulado que VV. Ex.ªs vão apresentar ou se vão aproveitar os articulados dos outros para apenas darem as vossas opiniões gerais e depois aparecerem com um articulado final, como fazem, por exemplo, quanto aos relatórios nas comissões de inquérito Gostaria de saber qual é a metodologia que o PSD quer seguir e se tem um articulado para apresentar relativo a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, já disse que, relativamente ao eventual abandono da nossa proposta de pacto de regime, se trata de um boato. Posso voltar a repetir, se quiser: trata-se de um boato! Aliás, durante a intervenção que fiz, apelei no sentido de eliminarmos do hemiciclo discussões sobre coisas que não existem e, pelo contrário, concentremos os nossos debates em ideias reconhecidas reciprocamente ou em factos, porque preenchermos o nosso tempo parlamentar com boatos é diminuidor para nós próprios. É esta a minha proposta. Já desmenti e volto a fazê-lo...
Inclusivamente, há pouco, eu disse que todos éramos necessários e que a história do bloco central, hoje, é muito difícil e expliquei porquê - aliás, os próprios socialistas reconhecem a dificuldade que têm! Digo-lhe, com toda a sinceridade, o seguinte: nós pensamos que hoje, em. 1995, no limiar da construção de um novo poder com que vamos preencher o segundo capítulo desta gesta a que me referi, que é o do retorno de Portugal ao ciclo do desenvolvimento e da modernidade, temos necessidade de um novo poder, que tem de ser um poder - não há razão para uma solução diferente - que possa, se possível, abranger os partidos do hemiciclo. O CDS é imprescindível, tal como é imprescindível o PCP. Aliás, o próprio PCP evoluiu! Todos nós evoluímos! Por que é que hoje, neste ponto, 20 anos depois do 25 de Abril, não havemos de fazer o reconhecimento recíproco disso para arrancarmos para uma nova caminhada? E isso que queremos. Nós não queremos excluir ninguém e desejamos que ninguém se exclua!

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas eu não desejava terminar, Sr. Deputado, sem fazer um pequeno comentário a uma sua observação.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sobre os partidos políticos? Os pequenos partidos políticos?

O Orador: - Sobre os partidos, sem dúvida. Nós não somos tão drásticos como V. Ex.ª. Nós sempre entendemos que a democracia não é só representatividade, nem diversidade, nem fragmentação, sempre dissemos que a democracia é também poder. Eu refere-me a isso. Uma das coisas que mais prejudicou o nosso país foi que, depois do 25 de Abril, estivemos submetidos a uma ideologia arcaica. Aliás, o nosso antigo Regimento era algo de horroroso, que paralisava os nossos trabalhos Mas as pessoas achavam isso imensamente democrático, quando não era, porque a democracia não é só representação mas também poder. É preciso que a democracia funcione Não basta a democracia falar, é preciso que faça, que actue! Esta cultura foi nossa, fomos nós que a introduzimos, e eu referi-me a isto, que é inegável. Os socialistas, esses, representavam a cultura arcaica. Houve aqui uma luta entre os dois e quem deu o passo da modernidade fomos nós, PSD, aliás, num debate contra os socialistas, que tinham uma ideologia antiga. Ora bem. Sr. Deputado, o que nós estamos a trazer é essa nova visão.
Mas também não queremos cair no extremo contrário Repare: nós achamos que os pequenos partidos não devem ser eliminados do leque parlamentar. Se fôssemos adoptar as soluções que V. Ex.ª preconiza, o CDS-PP desaparecia e o PCP quase Mas nós não queremos extinguir o PCP. Desejamos que o PCP se mantenha, porque ele também tem uma função útil no quadro político e social do nosso país E mesmo o CDS-PP! Portanto, não queremos adoptar medidas que conduzam à extinção dos pequenos partidos, como existe em certos sistemas eleitorais. Nunca preconizámos um patamar mínimo para que se chegue ao Parlamento, 5 %, por exemplo, como existe na Alemanha. Nunca fomos tão extremistas Aliás, sempre nos tem caracterizado uma grande vontade de modernização, através de um método reformista e gradual.
Sr. Deputado, apenas um contra-cumprimento, se me permite: V. Ex.ª ficou surpreendido pela postura presidencial do aguerrido Silva Marques, mas vai ter ainda muito mais surpresas ao longo da sua vida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Apesar de já ler vivido muito, pelos vistos, ainda vai ter muito mais surpresas E, sobretudo, quanto ao seu comentário acerca do meu conhecimento da tirania dos partidos, sem dúvida que conheço, porque a vivi Mas, Sr. Deputado, tenho de lhe dirigir o elogio de não conhecer menos do que eu, porque V. Ex.ª tem sido dirigido por um tiranete que nos causa arrepios! V. Ex.ª sabe! E sobretudo a si!

Aplausos e risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª veio hoje reintroduzir na bancada parlamentar e através do novel presidente a questão do desenvolvimento e da modernidade. E falou de qualquer coisa que, na realidade, não existe neste país. Era sobre isto, Sr. Deputado, que queria questioná-lo.
Dir-lhe-ei, desde já. que não comungamos da modernidade e do desenvolvimento que V Ex.ª, o actual líder do seu partido e, eventualmente, muitos dos Srs. Deputados

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do PSD apregoam. Não comungamos com o que, na prática, tem significado, ao longo destes 10 anos, aquilo a que o PSD chama desenvolvimento e modernidade, mas é o vosso desenvolvimento e a vossa modernidade! Na verdade, Sr. Deputado Silva Marques, ao longo destes 10 anos, no Programa do Governo do PSD apareceu sempre a educação como a primeira das prioridades. E, ao fim e ao cabo, constatamos que a instabilidade que se tem verificado no sistema de ensino, tanto no acesso como no funcionamento, é causadora de uma profunda falta de aproveitamento e, por isso, da impossibilidade de dar passos em frente, no sentido de acompanhar o que se passa ao nível europeu, no que respeita ao aproveitamento.
Sr. Deputado, refiro-lhe apenas um exemplo: que é feito dos objectivos de atingir níveis europeus quanto à educação pré-escolar? O que fez o PSD, nestes últimos 10 anos, para atingir esse objectivo?
Outro exemplo de desenvolvimento, de que o senhor certamente se esqueceu - pois uma das suas tarefas é a de fazer o trabalho de «camuflagem» das realidades que não querem ver apresentadas pela comunicação social ou na Assembleia da República e o seu distanciamento da realidade fá-lo acreditar, certamente, no que aqui nos vem dizer -, é o facto de, nos últimos 10 anos, os principais rios portugueses terem registado uma diminuição de caudal superior a 20 %, a qual, no caso do Guadiana, foi superior a 56 %. Sr. Deputado, o que fez, nestes 10 anos, o Governo do PSD, para alterar esta situação? Demonstrou apenas que estava preocupado e atento a ela. Sr. Deputado, sem aproveitamento dos recursos fundamentais, como os hídricos, não há desenvolvimento sustentável de um país! Como pode vir falar de desenvolvimento de um país, quando, se não fossem as ameaças do Plano Hidrológico Espanhol, o Governo português, o Governo apoiado pelo PSD, do qual o senhor veio dizer tão bem, nem sequer se teria preocupado com a caracterização da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos em Portugal?
Quanto aos resíduos, certamente, mais uma vez, desconhece os atropelos à justiça que os cidadãos deste país requerem que lhes seja feita. Por isso, em vez de lhes imporem aterros ou incineradoras, dialoguem com as populações, ouçam a comunidade científica, olhem para o que se passa neste mundo, em relação às formas de gestão e tratamento dos resíduos, e considerem os efeitos extremamente negativos que uma incineradora de resíduos toxicoperigosos pode vir a ter para Portugal. Os Estados Unidos e o Canadá já reconheceram esses efeitos e o mesmo se passou também, aqui ao lado, com o Governo espanhol, que decidiu, face aos estudos divulgados pela comunidade científica internacional, suspender todo o processo de instalação de incineradoras em território espanhol.
Por que razão o Sr. Deputado não toma atenção a estas realidades, que atravessam o País de Sul a Norte? O Sr. Deputado vem falar de desenvolvimento e modernidade e da diminuição das assimetrias regionais. A esse discurso, dizemos: olhe para as estatísticas e veja o que está a acontecer, e aconteceu ao longo destes últimos 10 anos, em relação ao despovoamento, à desertificação do interior e às grandes manchas no centro do País, e veja o que isto significa para o desenvolvimento e futuro deste país.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Sr. Deputado, olhe também para uma situação contrária a esta e veja o que tem acontecido numa faixa extremamente estreita do litoral português, que representa um terço do território, onde se situa, neste momento, 75 % da população portuguesa. O que fez o PSD e o seu Governo, ao longo destes 10 anos, para inverter esta situação de desequilíbrio profundo? E veio o senhor falar de desenvolvimento e modernidade! Sr. Deputado, como é possível estar a um nível, do sítio onde está, em que não se consegue ver a realidade deste país, da sociedade portuguesa e do futuro, que temos a obrigação de garantir para as gerações vindouras?!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado André Martins confunde instabilidade com estagnação e protestos, a maior parte deles bem orquestrados, que são reacções às reformas e às inovações.
Sr. Deputado, no que respeita à educação pré-escolar, no nosso país, ela mais do que dobrou.
O Sr. Deputado fez várias perguntas e vou passar a respondê-las.
O que fizemos? Fomos nós que pusemos cobro à ocupação desordenada do território. O senhor fez alguma manifestação? Antes disso, não fez!

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Onde é que os senhores se manifestaram? Onde é que cortaram as estradas, exigindo a disciplina na ocupação do território?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Diga, Sr. Deputado. Fomos nós que, finalmente, tivemos a iniciativa de pôr termo a uma das maiores tragédias que tocou a terra portuguesa: a ocupação desordenada, selvática, do território. Onde é que os senhores se manifestaram? Em sítio nenhum, Sr. Deputado.
O que fizemos? Fomos nós que desmantelámos um bom número das construções clandestinas que ocuparam o litoral português. Fomos nós! Onde é que os senhores se manifestaram para apoiar essas acções por nós empreendidas? Em sítio nenhum! Porque os senhores manifestam-se naquilo que é contra, no «não», no lado negativo das coisas! Os senhores não se manifestam no lado positivo e construtivo das coisas! Por isso, Sr. Deputado, não lhe respondo mais.
Para terminar, quero apenas perguntar-lhe o seguinte, porque os senhores nunca nos disseram, a nós ou ao País, onde querem tratar os resíduos tóxicos, que são, hoje, uma das maiores calamidades: prefere que esses resíduos estejam espalhados clandestinamente por todo País?
Faço-lhe esta pergunta porque o senhor, em vez de apoiar a iniciativa e o facto de abordarmos a questão, mesmo criticando as soluções, coloca-se numa posição negativa. O Sr. Deputado perguntou-nos onde estamos e se não vemos o País. No entanto, é o Sr. Deputado quem não nos vê, não vê o País nem, se calhar, qualquer dos grandes problemas do País. É por essa razão que tem chegado a este hemiciclo- permita-me que lho diga e peço-lhe, desde já, desculpa por lhe chamar a atenção para tal - «à boleia» do Partido Comunista Português. Mas se não quiser abrir os olhos, inclusive, para nos ver e para ver o que fazemos, possivelmente, nem «à boleia» cá chegará, Sr. Deputado.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, julgo ser preferível pagarmos, de imediato, às questões substanciais. Apesar disso, também serei breve uma vez que estamos a utilizar tempo concedido pelo Sr. Presidente.
Sr. Deputado, vou começar por fazer uma referência, porque achei alguma piada e interessante, ao facto ide o Sr. Deputado Silva Marques ter falado nos primeiros e nos segundos capítulos dos ciclos de desenvolvimento. Quando, a dada altura, disse que estava a acabar o primeiro capítulo do ciclo de desenvolvimento, comecei a interrogar-me sobre se se estaria a referir ao capítulo de desenvolvimento dos últimos quatro anos, desta legislatura, isto e, aquele capítulo em que houve decrescimento económico, recessão e aumento acelerado do desemprego.
Em minha opinião, a questão essencial que o Sr. Deputado referiu na sua intervenção é o problema da ética e da transparência política. A esse respeito, gostaria de fazer alguns comentários, por me parecer importante que fiquem claros alguns pontos de partida.
O primeiro, desde logo, tem a ver com a questão do «pacto de regime». Pela parte do PCP, já tivemos ocasião de dizer que «pacto de regime» só conhecemos um: a Constituição da República. Para nós, «pacto de regime» é esse, apenas esse e nenhum mais do que esse. Como é evidente, estamos sempre, como sempre temos estado, disponíveis para discutir, dialogar e melhorar tudo o que tenha a ver com o interesse do País e, no caso concreto, com a questão da transparência e ética na vida política. Mas não confundamos isto com «pactos de regime».
Por outro lado, o Sr. Deputado abordou também, a questão da exclusão. Sr. Deputado Silva Marques, devo dizer-lhe que não me preocuparam as notícias que ouvi hoje, e aqui referenciadas pelos Srs. Deputados, por um lado, desde logo, devido à questão do «pacto de regime» e a concepção que temos sobre esta matéria e, por outro, porque - e o Sr. Deputado sabe isso muito bem - nem o PSD nem quem quer que seja tem a possibilidade de excluir o PCP do que quer que seja. Sr. Deputado, não vale a pena preocupar-se com o problema que há pouco referiu, ao dizer «nós não queremos excluir o PCP», porque, mesmo que queira, não nos excluem. O Sr. Deputado sabe isso muito bem, e a experiência da 'vida da sociedade portuguesa mostra-o à evidência. Quando quisermos excluir-nos, seremos nós a tomar a iniciativa e a excluímo-nos do que quer que seja, mas nunca seremos excluídos, nunca alguém nos conseguirá excluir.
O outro aspecto que gostaria de focar sobreposta problemática, em termos de clarificação ainda, ter a ver com o Sr. Deputado Silva Marques ter falado na questão primeira, na óptica da vida do Estado, que foi introduzida - a expressão terá sido mais ou menos esta - pelo Sr, Deputado Fernando Nogueira há poucos dias. Sr. Deputado Silva Marques, não esqueçamos que a batalha parlamentar sobre a ética e transparência política é antiga, já vem de há muito, muito antes de o Sr. Deputado Fernando Nogueira assumir as funções de Deputado...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e o PSD tem tido um determinado comportamento, que já várias vezes aqui referimos, a este respeito. Podemos admitir que haja agora, uma evolução do PSD nessa matéria, mas, se houver, é apenas isso e não a introdução de uma temática, pois essa há muito é discutida e tem sido o PSD, fundamentalmente, que tem travado a possibilidade de se avançar, de modo declarado e significativo, no campo da transparência da vida política.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem'

O Orador: - Dentro deste aspecto da seriedade - julgo que devemos tratar estas matérias com seriedade, pelo que é, e será, esse o nosso posicionamento na própria comissão eventual que foi criada -, de facto, só vamos poder analisar se ela existe por parte de todas as bancadas no dia 15 de Junho, pois só nesse dia poderemos verificar se houve ou não seriedade nesta matéria. Pela nossa parte, podem estar certos de que temos a maior seriedade no tratamento dessas questões.
Ainda nesta perspectiva da seriedade de todos os grupos parlamentares, vou terminar abordando uma questão já aqui levantada, mas que me parece importante: estou a referir-me ao ponto n.º 5 da resolução que criou a comissão eventual, relativo à votação das iniciativas legislativas apresentadas ou a apresentar pelos vários grupos parlamentares. Não foi por acaso que mencionei o dia 15 de Junho, pois, em minha opinião, a questão da seriedade tem de começar a colocar-se desde hoje, na medida em que a comissão começa hoje a funcionar, com a apresentação, por parte dos vários grupos parlamentares, dos seus projectos de lei sobre as matérias que pretendem introduzir neste campo da transparência da vida política. A questão que vou colocar é esta: quando entende o PSD que vai apresentar os seus projectos de lei? Ou entende que nunca mais os irá apresentar?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, a propósito dos projectos, já clarificámos a nossa posição Sena um excesso de formalismo institucional estarmos a apresentar projectos de lei neste momento do processo. Existem diversos diplomas de outros partidos e também nós apresentaremos as nossas propostas, que serão ponderadas, como é evidente, com os projectos dos outros partidos, os quais, por certo, não se recusarão a apreciar o nosso contributo. Será a comissão a realizar esse trabalho e espero que o Sr. Deputado não rejeite as nossas propostas pelo facto de elas não terem a forma típica do projecto de lei.
Portanto, a comissão vai, com certeza, realizar o seu trabalho - disse-o há pouco no meu discurso - e espero que o faça de forma sensata, razoável, séria, elevada, para bem das instituições e do País. Se for possível fazê-lo por consenso, tanto melhor, é o nosso desejo. Não queremos excluir quem quer que seja....

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... não há qualquer interesse em excluir alguém. Já há pouco tranquilizei o CDS-PP a este propósito e volto a fazê-lo em relação ao Partido Comunista Português.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Estamos tranquilos!

O Orador: - Não queremos excluir quem quer que seja e espero que ninguém se exclua.
Por outro lado, Sr. Deputado, sei que, mesmo que quiséssemos, não era possível excluir o Partido Comunista Português. Acontece apenas que nós, PSD, temos reduzido o PCP graças aos votos, visto que temos ganho as eleições legislativas em terrenos onde, antes, havia «feudos» vossos, considerados «inexpugnáveis». Portanto, não direi que, se quisermos, vos excluímos. Mas que damos um jeito, damos...

Risos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Que procuram, procuram!

O Orador: - ... nos momentos eleitorais! Porém, de forma legítima, tudo legal, Sr. Deputado.

Risos do PSD.

Sr. Deputado, quero apenas reiterar-lhe a minha convicção de que a Comissão irá realizar um trabalho profícuo e consensual. De facto, como já o disse aqui, o nosso desejo é que seja um trabalho consensual. Mesmo de um ponto de vista estritamente político, nós, PSD, não temos qualquer interesse em resolver uma questão de regime apenas com o PS, pelas razões que há pouco referi. Repare, isso, da nossa parte, seria credibilizar o PS, dar-lhe algo de gratuito, ou seja, uma credibilidade que o PS está à procura e não tem. Portanto, não temos qualquer interesse em fazê-lo. O PS, sim, tem interesse em estabelecer um pacto só connosco, mas nós não o queremos - queremos fazê-lo com todos os partidos! E isto, pelas razões que acabei de explanar-lhe, porque não há qualquer mistério nisto. É absolutamente real e compreensível o que estou a dizer-lhe.
Resumindo, não queremos estabelecer este pacto só com o PS - a não ser em última instância -, mas com todos os partidos.
Por outro lado, o Sr. Deputado também deve reconhecer que tem havido alguma evolução da vossa parte! É que da nossa tem havido! As lideranças são feitas justamente para liderar. Repare, sobre este problema da transparência, eu próprio tenho opiniões várias e na minha bancada há também opiniões várias, o que é óptimo e enriquecedor. Mas nada disso é incompatível com a unidade, a disciplina ou a força partidárias, com a coesão. E, evidentemente, as lideranças também foram feitas para trazer evolução e foi exactamente isso o que aconteceu. Pela minha parte, saúdo essa evolução, porque foi positiva. Eventualmente, ela terá criado dificuldades à oposição. Por isso, há pouco, disse que o PS andava a «cantar de galo», mas, de repente, «perdeu o pio». Agora, está em período de crise e a tentar «recuperar o pio».
Da nossa parte, Sr. Deputado, desejamos ter o melhor entendimento com a bancada do PCP. Espero que o próprio PCP reconheça a sua evolução - aliás, aquando da última revisão do Regimento, os senhores votaram a favor, e, portanto, no mesmo sentido que nós, tendo-se obtido unanimidade, o que já foi um progresso assinalável. Tempos houve em que os senhores nos lançaram aqui os piores anátemas, dizendo inclusivamente que estávamos a dar cabo da democracia pondo uma mordaça ao Parlamento e isso não era verdade! Mas, depois, reconheceram que, afinal, não éramos tão maus como parecíamos e votaram a favor da última revisão, tendo-se conseguido unanimidade. Nós chamamos a isso, em termos latos, sem rigor científico, pactos de regime, questões de regime, e não apenas questões constitucionais. E estou absolutamente convencido de que os Srs. Deputados ainda vão votar no mesmo sentido que nós muitas matérias de regime, porque elas só farão bem à democracia, de modo a termos mais tempo para nos confrontarmos no debate dos nossos projectos de governo contraditórios. Os senhores representam a classe operária, nós representamos todo o povo, pelo que, evidentemente, há-de surgir alguma contradição entre nós e os senhores. E espero que ela não desapareça, porque isso também constituirá um factor de vivacidade na política do nosso país.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar as escolas que se encontram a assistir aos nossos trabalhos, para quem peço a habitual saudação.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos das Escolas Secundárias Garcia da Orta do Porto e de Paredes, da Associação de Estudantes Universitários do Porto e da Escola C+S de Tadim.
Temos ainda entre nós um grupo de bombeiros que representa várias corporações do País.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, tem a palavra, pelo período máximo de 10 minutos, o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente da Assembleia da República e Srs. Deputados: Desde o Primeiro-Ministro Cavaco Silva ao Ministro das Finanças e desde os Deputados a qualquer dirigente local do PSD, todos louvam a estabilidade de que o nosso país gozaria com o governo laranja.
Significa isto que a pretensa estabilidade só seria possível com a permanência no poder de um governo PSD.
O que, inevitavelmente, provoca um primeiro comentário: «Que falta de originalidade», diria no seu túmulo, o falecido ditador Salazar, que não se cansou de repetir que «o poder só podia ser ele, pois, de outro modo, cairia na rua(...)».
Mas que leva, também, a outros comentários: o PSD tem um extraordinário apego ao poder, agarra-se a ele como uma lapa a um rochedo, e é por isso que afirma e reafirma que o poder PSD significa a estabilidade.
Calcule-se o que seria o PSD não se manter no Governo: seria, pasme-se, o fim da estabilidade, que, segundo o Ministro das Finanças, é essencial inclusivamente à economia, de tal modo que até admitiu ter havido um período, durante os 50 anos de fascismo, entre 1961 e 1973, em que houve crescimento, sem se saber se se refere ao crescimento das prisões e torturas, ou ao crescimento da guerra colonial...
Mas o que é preciso desmontar nesta falácia da estabilidade laranja é, afinal, ao fim de tantos anos no poder, se houve, na realidade, estabilidade, isto é, onde está afinal a estabilidade do País.
O que impõe, necessariamente, apresentar um retrato do País real, que os governantes do PSD ignoram, quando incensam a estabilidade.

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É que, no fim de contas, não é verdade que o País disfrute de estabilidade económica e social.
Vejamos: embora só uma quarta parte dos crimes sejam participados, a criminalidade aumenta em flecha em todo o País, especialmente nos grandes centros urbanos.
Num inquérito, feito pela Câmara Municipal do Porto, a cerca de 1000 portuenses, 71 % referem a insegurança como a sua primeira preocupação.
Por outro lado, é sabido que Portugal, no que diz respeito à saúde, está na cauda da Europa, como o País em que os cidadãos mais gastam e o Estado menos dispende.
E podem citar-se alguns factos: no Alentejo, os doentes vão para a «bicha» às 3 horas da manhã para poderem ser atendidos nas consultas do posto médico, sendo que, por exemplo, Eivas não tem maternidade, p que obriga as parturientes a deslocarem-se a Espanha, que fica mais perto. Ou ainda que, no Hospital de Santa Marta, há consultas, como a de cardiologia, que demoram um ano a realizar-se; no Hospital de S. João, no Porto, o tempo de espera das consultas é de seis meses para oftalmologia e de nove meses para otorrinolaringologia, ou, no Hospital de Leiria, 19 meses para ginecologia. E, para terminar, para ser operado a uma hérnia discai, é necessário aguardar um ano, ou dispor de mais de 1000 contos para pagar a um médico privado - e, isto, na segunda cidade do País.
Refira-se ainda que, em fins de Março último, enfermeiras, ao estudarem os bairros anexos a 17 fábricas de Águeda, ficaram tão alarmadas com a pobreza, a marginalidade e a exclusão social que propuseram um SOS para ocorrer às situações de emergência.
O que, sublinhe-se, não é para admirar num País em que há 2 milhões de pobres, dos quais 200000 sem alimentação mínima, e em que 750 000 reformados subsistem com 26 200$ por mês e 500 000 apenas com 16 600$.
Só em Lisboa, vivem 3 000 pessoas sem abrigo, um número que não pára de crescer.
Em Benfica, em duas escolas, 90 crianças com fome são ajudadas pela Junta de Freguesia, e, no Porto, calcula-se que 5000 crianças chegam à escola com fome.
Acresce que, de 1986 para 1994, o rendimento familiar dos agricultores desceu, em valores reais, cerca de 35 %, enquanto a taxa de cobertura agro-alimentar baixou de 51 %, em 1986, para 35 %, em finais de 1994.
A população agrícola diminuiu 10 % na Região Centro, 16 % no Norte e cerca de 50 % no Algarve e Alentejo.
Por outro lado, a frota pesqueira, que tinha 52 navios em 1991, já só tem 16 em 1994, passando Portugal, de 1987 para 1992, de 37.º nos produtores de pescado, para 42.º.
E que dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, da pretensa estabilidade no ensino? Em 10 de Março último, associações de pais e alunos das escolas preparatórias e secundárias de Guimarães manifestaram-se contra a sobrelotação das escolas, exigindo justiça no ensino.
Num inquérito recente da revista Visão a 1032 estabelecimentos escolares do ensino básico e secundário, conclui-se que, sendo frequentados diariamente por quase um milhão de jovens, não dispõem de salas, de bibliotecas, de ginásios nem de laboratórios. Alguns reduzem-se a quatro paredes, onde não é raro chover.
Só 30 % das crianças, dos 3 aos 6 anos, frequenta escolas pré-primárias. Portugal tem a cobertura mais baixa da Europa no ensino pré-escolar. Desde 1988, não são criados pelo Ministério da Educação novos jardins de infância.
Portugal tem a mais baixa taxa de frequência do ensino superior, a nível europeu.
E, passando agora para a «jóia da coroa» do PSD, direi o seguinte: de acordo com a Associação Nacional de Empresas de Construção e Obras Públicas, Portugal tinha, em 1993, o pior índice de cobertura do território nacional pela rede viária dos países da Comunidade, tendo até a Grécia o triplo da cobertura, ainda que, em matéria de auto-estradas, Portugal esteja a par da Espanha e acima da Grécia.
Mas onde certamente não estamos na cauda da Europa é quanto a fraudes: em quatro meses, entre 1991 e 1994, as fraudes com dinheiros de Bruxelas foram de 3,6 milhões de contos, conforme o Relatório Anual da Comissão Europeia sobre a luta anti-fraude.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para completar o quadro, não idílico mas real, da ausência de estabilidade, provocada pela política do Governo do PSD, resta referir que, diariamente, a comunicação social dá conta de greves, cortes de estradas e vias férreas, manifestações, etc.
É a greve dos ferroviários, a greve dos médicos, dos notários, dos funcionários de Finanças, dos professores de Português no estrangeiro e de tantos outros.
É o corte da linha férrea, na Travagem, por centenas de metalúrgicos, em 17 de Março último.
É o corte da estrada, em Vila Pouca de Aguiar, por centenas de agricultores, em 24 de Março último.
É o corte da linha férrea por trabalhadores da Torralta e da Renault, em Setúbal, em 24 de Março último.
É a manifestação de estudantes e professores em Lisboa, no mesmo dia (Dia do Estudante).
Isto, para não falar no desemprego, em que, só no distrito de Lisboa, há 100 000 desempregados, com um aumento de 16% em relação a Fevereiro de 1994.
Se nos é lícito parafrasear o Se, de Kipling, terminaremos dizendo:
Se estabilidade é o aumento da criminalidade,

Se estabilidade é a crise em que se vive na saúde,
Se estabilidade é o aumento da pobreza e da exclusão social,
Se estabilidade é o aumento do desemprego,
Se estabilidade é a crise na educação,
Se estabilidade são as fraudes de milhões de contos nos fundos comunitários,
Se estabilidade são as greves, as manifestações e os cortes de estradas e de vias férreas,
Então, sim, o PSD pode gabar-se de ser o responsável por esta estabilidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 122/VI - Alteração à Lei n.º 21/87, de 20 de Junho (Estatuto Social do Bombeiro).
Na qualidade de relator do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e para apresentar a síntese do relatório, tem a palavra, por cinco minutos, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Srs. Deputados: Como observações prévias ao relatório, gostaria de dizer, em primeiro lugar, que é gratificante ter sido nomeado relator de uma proposta de lei sobre uma mate-

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ria tão relevante como é a do Estatuto Social do Bombeiro e, em segundo lugar, que todos nos podemos sentir honrados com a presença entre nós de tantos bombeiros para assistir a este debate, pelo que, decerto, o Sr. Presidente consentirá que dirija, através dos presentes, uma saudação fraterna a todos os bombeiros portugueses.
Relativamente a esta proposta de lei, segundo se afirma no respectivo preâmbulo, ela foi apresentada na sequência de propostas, que têm vindo a ser formuladas pelos bombeiros através da Liga dos Bombeiros Portugueses, e teve em conta a informação colhida do tempo já decorrido da vigência do Estatuto Social em vigor e os resultados do debate no seio das estruturas dos bombeiros.
Desta proposta de lei consta, em síntese, a extensão da aplicação do Estatuto Social do Bombeiro aos membros dos órgãos sociais da Liga dos Bombeiros Portugueses, passando estes dirigentes a ser considerados, para efeitos da aplicação do Estatuto, como bombeiros sem farda, que efectivamente são, aplicando-se-lhes um regime idêntico ao que vigorará para os titulares dos corpos gerentes das associações de bombeiros, sendo de notar, no entanto, que este regime não é em tudo idêntico ao aplicável aos bombeiros fardados, na medida em que a proposta de lei só atribui aos titulares dos corpos gerentes das associações de bombeiros e aos membros dos órgãos sociais da Liga alguns dos direitos e regalias consagrados no Estatuto.
Salientaria ainda: a adopção de um regime especial de utilização dos transportes públicos, a regulamentar; o direito dos bombeiros a beneficiar de esquemas de incentivo ao voluntariado; a atribuição de uma bonificação em tempo, para efeitos de aposentação ou reforma, relativamente aos anos de serviço prestado como sapador-bombeiro, bombeiro municipal ou bombeiro voluntário; a fixação de um novo regime aplicável ao cartão de identidade de bombeiro; a consideração, para efeitos de aplicação do Estatuto a bombeiros em situação de inactividade e de atribuição de indemnizações, subsídios e pensões, bem como para a concessão de direitos aos filhos de bombeiros falecidos, não apenas de doença contraída em serviço mas também de doença agravada em serviço; o alargamento das situações em que se adquire o direito a ingressar na Casa de Repouso do Bombeiro; a existência de um Fundo de Protecção Social do Bombeiro; a introdução de uma nova disposição sobre as faltas ao serviço, segundo a qual os bombeiros voluntários que sejam simultaneamente funcionários da Administração Pública, quando sujeitos a períodos de baixa superiores a 30 dias e resultantes de acidentes ao serviço do corpo de bombeiros, não podem ser penalizados com o desconto dos dias excedentes para efeitos de antiguidade, concurso ou mudança de categoria.
São estas algumas das melhorias, que o Governo propõe sejam introduzidas no Estatuto Social do Bombeiro, sendo de notar, porém, que existem outras propostas apresentadas pela Liga dos Bombeiros Portugueses, das quais foi dado conhecimento aos vários grupos parlamentares, e que creio poderem vir a ser consideradas aquando do debate na especialidade, no qual deverá participar o Governo e ser ouvida a Liga dos Bombeiros Portugueses.
Creio, pois, que esta proposta de lei, tal como consta do relatório que apresentei, representará um assinalável progresso no Estatuto Social dos Bombeiros Portugueses. Porém, estamos também convictos de que, para além da proposta que aqui nos é apresentada hoje, da discussão na especialidade e do debate que for possível fazer nessa sede e, porventura, da ponderação de propostas que, durante o debate na especialidade, sejam apresentadas pelos grupos parlamentares, será eventualmente possível acrescentar ainda mais alguns melhoramentos ao Estatuto Social do Bombeiro, de acordo, aliás, com aquilo que tem vindo a ser proposto pelos bombeiros através da Liga dos Bombeiros Portugueses.

O Sr. Presidente: - Na qualidade de autor da iniciativa, tem a palavra, por cinco minutos, o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, podendo depois prosseguir a sua intervenção usando o tempo atribuído ao Governo.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Carlos Loureiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política do Governo em relação aos bombeiros nesta legislatura teve um marco inicial relevante, no dia 4 de Janeiro de 1992, cerca de dois meses após a investidura deste Governo.
Nesse dia, na Figueira da Foz, o Sr. Ministro da Administração Interna encontrou-se com todos os presidentes de associações de bombeiros e com todos os comandantes de corpos de bombeiros do País. Durante esse dia e pelo trabalho realizado, foi identificada grande parte dos problemas com que os bombeiros se debatiam e, nesse mesmo dia, o Sr. Ministro da Administração Interna enunciou um programa de trabalho que envolvia, acima de tudo, duas vertentes: por um lado, a vertente da importância de que se revestia, no seio da política do Governo, a problemática dos bombeiros e, por outro, a vertente de que o caminho que ia ser trilhado sê-lo-ia sempre em diálogo permanente com as estruturas dos bombeiros e, nomeadamente, com a sua confederação, a Liga dos Bombeiros Portugueses.
Desde então para cá, tem sido feito um esforço que envolve vários domínios:
Ao nível do trabalho em termos de apoio aos corpos de bombeiros, que teve tradução, desde logo, no isolamento das rubricas orçamentais afectas aos fogos florestais, porque os bombeiros, nessa altura, estavam a ser vítimas do esforço acrescido que tinham de fazer nas campanhas de fogos florestais, que vinha a repercutir-se negativamente nas disponibilidades orçamentais que se destinavam a apoiá-los, por forma a que não houvesse essa ligação perversa dentro do orçamento do Serviço Nacional de Bombeiros.
Ao nível do apoio aos corpos de bombeiros, que, como sabem, no âmbito da administração central se situa, acima de tudo, em três grandes áreas: a área das instalações, em que, nesta legislatura, já temos mais de 50 quartéis de bombeiros inaugurados; a área do equipamento, em que, de ano para ano, tem progredido o apoio em espécie e em montantes pecuniários aos corpos de bombeiros, e exemplo disso é que, em 1992, foram entregues aos corpos de bombeiros 86 viaturas, tendo esse número, em 1993, passado para 141, em 1994, para 169 e, em 1995, vai atingir um número perto dos 260. É óbvio que o apoio aos corpos de bombeiros em materiais e equipamentos não se restringe ao número de viaturas, pois tem também a ver com os equipamentos individuais de protecção e com outro tipo de equipamento, mas trata-se apenas de um indicador para mostrar que, realmente, está a haver um progressivo apetrechamento dos nossos corpos de bombeiros, claramente aquém das necessidades, porque eles precisam de muito mais para responder ao número de solicitações crescente que vão tendo de enfrentar.

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É também de salientar o esforço feito ao nível da formação dos corpos de bombeiros. Aqui o número de Cursos está a crescer de ano para ano e estamos em vésperas do dia 4 de Maio, data em que será institucionalizada como entidade autónoma a Escola Nacional de Bombeiros, que deixa de ser um departamento do Serviço Nacional de Bombeiros, para passar a ser uma instituição associativa, que vai ter em regime de partenariado o Estado e a Liga dos Bombeiros Portugueses, e que virá permitir um acréscimo no esforço de formação que e necessário fazer nos corpos de bombeiros.
A outra vertente em que estamos a actuar é claramente a legislativa. Nesta legislatura, já foram publicados, na área dos bombeiros, perto de 50 diplomas, nem todos com a mesma importância, como é óbvio, mas cobrindo grande parte dos problemas que foram elencados na reunião da Figueira da Foz, a que já tive ocasião de me referir.
De entre esses diplomas, destacaria os seguintes;
O chamado Regime Jurídico dos Corpos de Bombeiros, que é a Lei que enquadra a maior parte dos diplomas relacionados com esta matéria e que sistematiza as grandes opções em termos de estrutura e de funcionamento dos corpos de bombeiros.
O novo sistema retributivo dos bombeiros profissionais. O Governo assumiu que, nesta área política, o associativismo e o voluntariado eram vectores fundamentais na estrutura dos bombeiros, mas também assumiu claramente que os bombeiros profissionais têm um papel indispensável neste domínio e, portanto, consagrou também leis relativas ao exercício profissional da profissão de bombeiro, aliás, procurando recuperar atrasos que estavam a ocorrer neste domínio.
O decreto regulamentar que aprovou o método de tipificação dos corpos de bombeiros, que passa a permitir, em consenso com a Liga dos Bombeiros Portugueses - um trabalho colectivo que envolveu o Serviço Nacional de Bombeiros -, a obtenção de indicadores que permitam basear os apoios aos corpos de bombeiros, quer ao nível de apoios financeiros, quer ao nível de apoios em termos de equipamentos, quer ainda ao nível do dimensionamento das instalações dos quartéis dos corpos de bombeiros.
A nova lei orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros. Todo este edifício legislativo tinha de envolveu também transformações orgânicas ao nível do serviço da administração central, que dialoga com os bombeiros.
O estatuto da Escola Nacional de Bombeiros, que, como vos digo, vai ser objecto de escritura pública no próximo dia 4 de Maio.
Mas todo este edifício legislativo não podia, de maneira alguma, deixar de ser completado com uma reabertura do dossier do Estatuto Social do Bombeiro. Se entendemos que os bombeiros exercem uma profissão de grande relevo no nosso país e que são portadores de valores de solidariedade, de tradição e de identidade nacional, que todos nós lhes reconhecemos, claramente que era necessário repensar o Estatuto Social do Bombeiro, uma Lei que está em vigor e que assume, ela própria, várias iniciativas que são meritórias e que já reconhecem aos bombeiros um estatuto próprio e individualizado, mas que procuramos alargar, em consonância com o trabalho que foi feito no seio dos próprios bombeiros, discutindo propostas que foram apresentadas ao Governo e, agora, nesta Câmara, procurando analisar essas propostas para reconhecer aos bombeiros o estatuto particular a que eles têm direito.
Temos a consciência de que, em tudo isto, ficámos aquém daquilo que é necessário. Os bombeiros merecem mais, os bombeiros precisam de mais, para cumprir a sua missão, mas pensamos que damos a resposta possível e damo-la em diálogo com eles próprios e numa filosofia de actuação que foi gizada, como vos disse, em 1992, na Figueira da Foz.
Em relação a este diploma, o Sr Deputado António Filipe, ao ler o relatório, já enunciou quais são as suas principais inovações, por isso não iria repetir aquilo que já aqui foi dito, mas apenas enunciarei a disponibilidade do Governo para participar no aprofundamento dos trabalhos que esta Câmara vai desenvolver ao nível da especialidade, quando para isso formos solicitados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Estatuto Social do Bombeiro tem oito anos. Foi aprovado por unanimidade, nesta Assembleia, em Abril de 1987, no tempo em que a inexistência de maiorias absolutas obrigava à procura de consensos e em que foi possível legar à posteridade um importante conjunto de diplomas legislativos de conteúdo inegavelmente positivo.
Alguns desses diplomas foram, entretanto, revogados ou esquecidos. O Estatuto Social do Bombeiro felizmente não.
O Estatuto Social que os bombeiros adquiriram há oito anos e em cuja elaboração e aprovação o PCP se empenhou, proporcionou aos bombeiros portugueses um conjunto assinalável de direitos e regalias, dos quais salientarei: o benefício de um regime de segurança social; o direito a indemnizações, subsídios e pensões legais, em caso de acidente ou doença contraída em serviço; a frequência de cursos, colóquios e seminários, tendo em vista o aperfeiçoamento da respectiva formação; a utilização de transportes públicos, quando em serviço, em condições especialmente favoráveis; o benefício de um seguro de acidentes pessoais uniformizado e actualizado para acidentes ocorridos em serviço ou por causa dele e que abranja os riscos de morte, invalidez permanente, incapacidade temporária e despesas de tratamento; a garantia de pagamento da assistência médica e medicamentosa; meios de diagnóstico, internamentos, tratamentos termais, prótese, recuperação em caso de acidente ou doença em serviço; a criação de uma casa de repouso do bombeiro; a atribuição de pensões de sangue às famílias de bombeiros falecidos no cumprimento da sua actividade humanitária; a atribuição de algumas regalias aos filhos dos bombeiros falecidos em serviço ou que contraiam doença no desempenho das suas funções; e isenção de propinas, prioridade no acesso a estabelecimentos de educação pré-escolar, entre outras.
Um conjunto importante de direitos foram atribuídos aos bombeiros; outros, porém, foram propostos sem que tenham sido consagrados. A experiência de oito anos de vigência do Estatuto revelou insuficiências e lacunas e suscitou uma reflexão entre os próprios bombeiros, que conduziu à apresentação de propostas, através da Liga dos Bombeiros Portugueses, que estão na base da revisão do Estatuto de que hoje nos ocupamos, que é, indiscutivelmente, necessária.
É hoje uma evidência que o Estatuto Social do Bombeiro se encontra desajustado e que tem de ser revisto, com a introdução de novos direitos, com o alargamento

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do âmbito de aplicação de direitos já existentes e com o reconhecimento do papel fundamental que é desempenhado, não apenas pelos 38 000 bombeiros fardados mas também pelos cerca de 7000 bombeiros sem farda, que asseguram, benevolamente, a direcção das associações de bombeiros.
O Estatuto Social do Bombeiro não é uma retribuição pelo serviço que estes homens e mulheres prestam aos seus semelhantes. Fraca retribuição seria se assim fosse, perante um serviço de valor inestimável! Não se trata sequer de um benefício, mas, tão só, de um pequeno sinal de reconhecimento, traduzido na atribuição de algumas regalias concretas. Trata-se apenas de reconhecer um pouco o muito que os bombeiros nos dão abnegadamente, na sua maioria voluntariamente, com o risco das próprias vidas.
E não se trata sequer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de criar estímulos para incentivar o voluntariado, porque este não está de maneira alguma em crise. São muitos os jovens que, actualmente, manifestam o seu interesse e disponibilidade para ingressar em corpos e associações de bombeiros, o que deveria, aliás, servir de reflexão a muitos dos que, defendendo a sociedade do egoísmo e do «salve-se quem puder», caluniam a juventude portuguesa, associando-a a valores e comportamentos negativos que este modelo de sociedade estimula e difunde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falar dos bombeiros portugueses é falar de 38 000 bombeiros fardados e de 7000 sem farda; é falar - usando números referentes a 1993 - de 2 440 467 operações, sendo 13 000 de combate a fogos urbanos e 30 467 de combate a fogos rurais; é falar de 385 000 operações de emergência de saúde; é falar de l 750 000 acções de transportes de doentes; e é falar também das dívidas do Ministério da Saúde, que criam uma situação insuportável para as associações de bombeiros.
Este facto tem de ser lembrado neste debate, porque não é sério reconhecer aos bombeiros, por palavras, os méritos da sua acção, que ninguém ousa negar, e, ao mesmo tempo, criar situações insustentáveis aos bombeiros, como as que resultam das dívidas do Ministério da Saúde, ou criar-lhes situações de autêntica perseguição, como está a acontecer em relação à actividade de transporte de doentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A revisão do Estatuto Social do Bombeiro, de que hoje nos ocupamos, irá representar um assinalável progresso. Não há dúvidas a esse respeito! Como se afirma, aliás, no preâmbulo da proposta de lei, esta resulta de uma proposta formulada pela Liga dos Bombeiros Portugueses e teve em conta a informação colhida do tempo já decorrido da vigência do Estatuto Social em vigor e os resultados do debate no seio das estruturas dos bombeiros.
Foram já referidos neste debate, e constam do Relatório que tive a honra de apresentar, os aspectos positivos em que se traduz esta proposta de lei. Porém, há aspectos em que se poderia ter ido mais longe- e ainda se poderá ir, na medida em que o debate na especialidade ainda irá ter lugar -, de acordo, aliás, com propostas apresentadas pela Liga dos Bombeiros Portugueses.
Refiro-me, em primeiro lugar, à questão dos bombeiros sem farda. A aplicação do Estatuto Social dos Bombeiros aos titulares dos corpos gerentes das associações de bombeiros e dos órgãos sociais da Liga dos Bombeiros Portugueses é inteiramente justa. Estes dirigentes voluntários são, de facto, verdadeiros sustentáculos do funcionamento das associações de bombeiros e, por isso, não é justo, como verdadeiros bombeiros que são, embora sem farda, que não lhes sejam aplicáveis todas as regalias constantes do Estatuto Social do Bombeiro.
A proposta de lei exclui a aplicação aos dirigentes do regime de bonificação em tempo, para efeitos de aposentação ou reforma, que se propõe para os demais bombeiros, do regime de justificação de faltas ao serviço e do regime especial de utilização de transportes públicos.
A ser assim, criar-se-ia uma situação de injustiça. Pensemos mesmo no caso de um bombeiro que passe a fazer parte dos órgãos sociais da sua associação. Ora, por determinação dos Regulamentos dos Corpos de Bombeiros, nenhum dirigente pode ser bombeiro à excepção do Comandante, pelo que, esse bombeiro passaria à inactividade no quadro, perdendo regalias. Não é justo!
O Grupo Parlamentar do PCP assume aqui o compromisso de apresentar, na especialidade, propostas que corrijam esta injustiça, equiparando, para todos os efeitos de aplicação do Estatuto, os bombeiros sem farda aos bombeiros fardados.
Iremos também propor, indo de encontro à proposta da Liga dos Bombeiros Portugueses, que seja consagrada a isenção de taxas moderadoras no acesso e utilização dos serviços hospitalares ou quaisquer outros no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, por parte de todos os bombeiros.
Estamos inteiramente disponíveis para, no debate na especialidade, no qual deverão ser ouvidos a Liga dos Bombeiros Portugueses e onde deverá participar, naturalmente, o Governo através do Secretário de Estado da Administração Interna, podermos considerar outras propostas que se destinem, designadamente, ao incentivo ao emprego de bombeiros, à extensão aos filhos dos bombeiros vivos de algumas regalias que são concedidas aos filhos dos bombeiros falecidos ou ao regime de cumprimento do serviço militar pelos jovens bombeiros, entre outras que possam vir a ser suscitadas.
Sr. Presidente, Srs Deputados: Neste debate sobre o Estatuto Social do Bombeiro não podemos deixar de levantar um problema que nos preocupa e que sabemos que preocupa justamente todas as associações de bombeiros, que é o da regulamentação da actividade de transporte de doentes.
Referi, há pouco, que, em 1993, os bombeiros realizaram l 750 000 acções de transporte de doentes ou sinistrados, utilizando para o efeito as suas cerca de 3000 ambulâncias. Esta é uma das fontes de receita mais significativas dos bombeiros, não obstante as crónicas dívidas do Ministério da Saúde, esta é uma das missões de que os bombeiros estão legalmente incumbidos e que sempre desempenharam.
Não faz por isso qualquer sentido que corpos de bombeiros, homologados pelo Serviço Nacional de Bombeiros e sujeitos, evidentemente, a toda a regulamentação atinente às ambulâncias e ao respectivo licenciamento, tenham de obter do Instituto Nacional de Emergência Médica alvará para exercer a actividade de transporte de doentes, em pé de igualdade com entidades privadas com fins lucrativos e que utilizam muitas vezes, de forma abusiva e impune, fardas e insígnias destinadas a confundir-se com os bombeiros e a beneficiar do seu prestígio junto das populações.
A actividade de transporte de doentes não pode servir para beneficiar negócios privados, em prejuízo dos bombeiros. Esta situação é uma vergonha e pensamos que é urgente pôr-lhe cobro.

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O PCP apresentou nesta Assembleia um projecto 'de lei que isenta as associações e corporações de bombeiros legalmente constituídas de requerer o alvará para o exercício da actividade de doentes Essa isenção é inteiramente justa. Pelo que termino a minha intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, fazendo um apelo a todos os grupos parlamentares e ao Governo, para que dêem consenso para o agendamento deste projecto de lei ainda 'nesta legislatura e para que o aprovem, fazendo cessar ameaça que pesa hoje sobre as associações de bombeiros, em, risco de se verem impedidas de cumprir as suas missões que tão abnegada e voluntariosamente têm cumprido ate à data,

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carneiro dos Santos.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os bombeiros portugueses têm estado, ao longo dos tempos, cumprir com grande dignidade e eficiência a nobre tarefa de defender os cidadãos nas acções de socorro e salvamento.
Para além do esforço abnegado dos bombeiros profissionais, não podemos ignorar o trabalho que os bombeiros voluntários, praticamente em todos os concelhos do País, têm desenvolvido de uma fornia desinteressada, sempre com o objectivo de defender fraternalmente o seu semelhante.
São mais de 30 000 homens e mulheres que, esquecendo, muitas vezes, a própria família, respondem presente, sempre que as acções de socorro e salvamento. As chamam a ajudar o próximo.
O seu trabalho voluntário traduz-se numa poupança para o Estado de largos milhões de contos por ano. É importante, por isso, que esta Assembleia venha a apoiar unanimemente a melhoria do Estatuto Social do Bombeiro, de forma a prestar justo reconhecimento pelos relevantes serviços prestados ao País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, daremos concordância genérica a esta proposta de lei, sem prejuízo de na discussão na especialidade, apresentarmos propostas de alteração que beneficiem tão importante Estatuto, no respeito pela vontade manifestada pelos bombeiros portugueses, através da sua legítima representante - a Liga dos Bombeiros Portugueses -, designadamente, alargando aos bombeiros voluntários não subscritores da Caixa Geral de Aposentações a bonificação de tempo de serviço para eleitos de aposentação.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no, seio dos bombeiros, em termos de estatuto social, não podem existir bombeiros de 1.ª e bombeiros de 2.ª. Não faz sentido que um bombeiro voluntário, só porque é funcionário público, tenha direito a bonificação de tempo de serviço para efeito de aposentação e que um outro bombeiro voluntário, que trabalhe por conta própria ou no sector privado, não tenha direito a tal bonificação.
Contudo, e fundamental que não se repita agora o atraso verificado na primeira regulamentação do Estatuto Social do Bombeiro que, como todos estamos lembrados, demorou mais de dois anos a ser regulamentado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o Estatuto Social do Bombeiro é essencial para a dinamização do voluntariado, não podemos esquecer o apoio que o Governo taro de prestar as próprias associações e corporações de bombeiros.
O Governo tem de ser coerente com a exaltação que, em cerimónias públicas, faz aos bombeiros, tratando as associações e cooperações com dignidade e justiça.
Não faz sentido que se asfixiem financeiramente as associações de bombeiros com o atraso sistemático no pagamento dos serviços prestados às administrações regionais de saúde e hospitais.
Não faz sentido que se dificulte sistematicamente o financiamento à construção de quartéis de bombeiros, impondo limites às comparticipações completamente desfasadas da realidade actual.
Não faz sentido que se reduzam os valores para financiamento à aquisição de viaturas e equipamentos para bombeiros.
Não faz sentido que, em matéria de transporte de doentes, se coloquem em pç de igualdade as associações de bombeiros com operadores privados.
Não faz sentido que os bombeiros portugueses não disponham ainda de meios aéreos próprios para a prevenção e combate aos fogos florestais e outros sinistros, mantendo-se a prática, incompreensível, de aluguer, por valores elevados, de aeronaves, nem sempre conformes com a nossa realidade e indisponíveis em muitos momentos graves.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O recente exemplo do incêndio de Albergaria-a-Velha é a prova evidente de que Portugal necessita de meios aéreos próprios para prevenção e socorro em incêndios e outros sinistros Aliás, na Comunidade Europeia somos o único País que não tem frota própria especializada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A abnegação e o grande espírito de sacrifício dos bombeiros portugueses e seus dirigentes merece o nosso reconhecimento.
Saibamos todos honrar a nobre e digna tarefa que desempenham.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados: Permitam-me que comece por saudar, desta tribuna e em nome do meu grupo parlamentar, os milhares de bombeiros portugueses que, todos os dias, dão ao conjunto da sociedade portuguesa inequívoco testemunho de solidariedade, que ninguém, nenhum português, pode desconhecer.

Aplausos do PSD.

Estamos hoje aqui para, num debate antecipado e justamente consensual, darmos um passo em frente em relação às normas e ao Estatuto Social do Bombeiro que aqui votámos por unanimidade, sintomaticamente por unanimidade, em 1987. É neste enquadramento de consenso, justamente a propósito do Estatuto Social do Bombeiro, que, convosco, queria partilhar algumas reflexões e destacar algumas das mais importantes medidas contidas nesta proposta de lei.
Em primeiro lugar, quero relevar o facto de esta proposta de lei acolher grande parte das sugestões da Liga dos Bombeiros Portugueses Com efeito, quando em muitos processos legislativos a maioria e o Governo são acusados de não ouvirem e de não auscultarem as entidades que sobre as respectivas matérias têm uma palavra a dizer, penso que não fica mal, sendo, a meu ver, até obri-

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gatóno, a um Deputado da maioria relevar aqui o facto de esta proposta de lei assentar justamente num esforço de diálogo, de auscultação e de permanente abertura para acolher aquilo que são as justas reivindicações dos bombeiros portugueses.
Em segundo lugar, esta proposta de lei amplia um conjunto de direitos aos bombeiros portugueses, e fá-lo no quadro de uma reflexão que permanentemente foi estimulada, quer dentro das próprias estruturas dos bombeiros, quer no diálogo que sempre se estabeleceu com a Administração Central, quer em diversas organizações nacionais, sobre questões que ficaram em aberto e lacunosas depois da aprovação da Lei n.º 21/87. Estas são questões muito importantes para os bombeiros portugueses, pelo que é justo assinalar-se que esta proposta de lei é um passo em frente em relação àquilo que temos sobre o Estatuto Social do Bombeiro. Os bombeiros são, na sociedade portuguesa, um conjunto e um exemplo de voluntarismo de solidariedade que não tem paralelo na nossa sociedade. São estruturas que, abnegadamente, e às vezes com o sacrifício da própria vida, buscam a protecção de pessoas e bens e fazem-no, na maioria dos casos, de forma desinteressada e perfeitamente voluntária. Penso, por isso, que é justo o reconhecimento de toda a sociedade E é também por isso que não estranhamos, e aplaudimos até, que, ao longo dos últimos anos, um conjunto significativo de medidas políticas e de acções concretas tenha revertido a favor das estruturas dos bombeiros em Portugal Quero aqui recordar a generalizada melhoria das instalações dos bombeiros do nosso país operada nos últimos anos por força dos grandes investimentos que neste domínio foram feitos Bem sei que nem todas as instalações dos bombeiros estão neste momento como gostaríamos que estivessem, isto é, com capacidade, em termos operacionais, e com o conforto que seria desejável para acolher aqueles que todos os dias trabalham desinteressadamente em prol da sociedade. Mas, Srs. Deputados, penso que todos temos a garantia de que a prossecução desta linha de rumo e desta linha política irá continuar a propiciar cada vez mais aos bombeiros portugueses melhores condições para a efectivação do seu trabalho.
Por outro lado, também não esquecemos o insistente, aliás, já aqui referido pelo Sr. Secretário de Estado, investimento em meios técnicos e na modernização do equipamento, objectivo que também nos últimos anos tem sido prosseguido, embora com a certeza de que não obviamos a Iodos os males e carências, mas com o não menor conforto de que estamos a fazer um enorme esforço, um esforço sem paralelo, nos últimos anos em Portugal, para que os bombeiros tenham melhor e mais moderno equipamento, para que possam, em melhores condições, desempenhar melhor as suas funções sociais.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, também não queria aqui esquecer a aposta que tem sido feita na formação dos bombeiros portugueses, de que vai ser, aliás, exemplo a próxima abertura da escola nacional de bombeiros, que é uma medida e uma acção de grande importância e relevância para quem como os bombeiros tem cada vez mais que sofisticar a sua capacidade de intervenção, sobretudo ao nível dos fogos. Penso que é uma acção de grande alcance para o futuro, com uma enorme e indiscutível importância.
Esta proposta de lei do Estatuto Social do Bombeiro significa uma melhoria em cinco aspectos, que, a meu ver, são os mais importantes, sem prejuízo de outros igualmente relevantes.
O primeiro aspecto é o facto de, com esta proposta de lei, ficar expressa a melhoria na extensão da aplicação deste Estatuto aos membros dos órgãos sociais da Liga dos Bombeiros Portugueses, o que não acontecia no âmbito da Lei n.º 21/87, como VV. Ex.ªs sabem.
O segundo aspecto que queria realçar como melhoria importante desta lei, tem a ver com o facto de neste diploma ficar consagrado o acesso a um regime especial de utilização dos transportes públicos, o que me parece perfeitamente justificado na realidade que temos hoje, sobretudo nas cidades, e a importância que esta medida vai ter no âmbito social para os bombeiros.
O terceiro aspecto é a bonificação dos tempos de serviço para efeitos de aposentação e reforma. Em meu entender esta é uma medida de grande alcance, perfeitamente justificada, que os bombeiros portugueses souberam, muito antes da consagração desta medida legal, merecê-lo inteiramente.
O quarto aspecto é a existência de um fundo de protecção social ao bombeiro, com encargos relevantes no âmbito desta protecção social.
E, finalmente, o quinto aspecto tem a ver com o alargamento do elenco das causas em que se fundam os direitos de atribuição de indemnização, de subsídios e de pensões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem sabemos que nesta proposta de lei não estão consagrados todos os desejos manifestados ao longo dos últimos tempos pelos diversos órgãos dos bombeiros portugueses. Mas gostaria de dizer aqui, nesta Câmara e neste momento, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, que estamos abertos a um debate, em sede de especialidade - um debate que queremos que seja com os outros grupos parlamentares, não deixando de fazer a audição dos órgãos representativos dos bombeiros, e com a óbvia e indispensável colaboração do Governo -, aprofundado sobre outras questões não contempladas nesta proposta de lei, para, na medida do possível e dentro da razoabilidade que temos de ter nestas matérias, podermos, eventualmente, consagrar outras medidas de importância para os bombeiros portugueses.
Sr. Presidente, Srs Deputados: Para terminar, gostaria de dizer que os bombeiros portugueses sabem que, com a política definida por este Governo para os bombeiros, vamos continuar a fazer o que temos feito agora, e demos provas ao longo dos últimos anos, ou seja, vamos continuar a melhorar sempre as suas condições de trabalho, os espaços físicos onde desenvolvem e onde estão para desenvolver a sua actividade, a garantir melhor os seus direitos sociais e a melhorar constantemente a sua aptidão, formação e capacidade técnica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: em nome do PSD, devo dizer que vamos, obviamente, votar a favor desta proposta de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Miranda Calha, Ferreira Ramos e Júlio Henriques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, estive a ouvir com o maior interesse a sua intervenção e há dois pontos que, no meu entender, merecem alguma reflexão.
O Sr. Deputado deu-nos a entender que tudo estaria bem no que toca ao relacionamento da Administração

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Pública com as associações de bombeiros e no seu trabalho em prol do apoio, da ajuda, ao trabalho dos nossos bombeiros. Mas a verdade é que há dois aspectos relevantes que não comentou na sua intervenção, se calhar, esses, que na sua óptica são menos importantes, também serão os que do Governo têm merecido menos atenção.
O primeiro aspecto tem a ver com os meios aéreos autónomos - V. Ex.ª não se pronunciou sobre isto -, que é efectivamente uma reivindicação antiga dos bombeiros. Este é um aspecto fundamental e estamos a aproximar-nos da altura específica, em que o problema dos meias aéreos autónomos para combate aos fogos vai ser novamente colocado em cima da mesa. Mas a verdade é quê sobre esta matéria o Governo vai arrastando decisões ou mesmo não tomando qualquer tipo de decisão. E, já no final, depois de as coisas se passarem, é que nos lembramos de gritar por socorro.
Ora, sendo esta uma matéria muito importante e tendo-se V. Ex.ª esquecido de falar sobre ela, gostaria que nos dissesse algo, caso tenha alguma para dizer.
O segundo aspecto também se relaciona com a Administração Pública em geral, talvez não relacionado directamente com a questão da administração interna mas com outros sectores da administração pública, que é o problema dos atrasos nos pagamentos das administrações regionais de saúde e dos hospitais aos bombeiros pelas missões e serviços que eles cumprem em termos da utilização de ambulâncias. É um problema constante, havendo já, neste momento, um débito extremamente elevado. Mas sabre isto V. Ex.ª também nada disse.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Não convém!

O Orador: - Ora, é bom que se lembrem as coisas que, de facto, estão erradas, embora haja consenso no que toca a questões como esta do Estatuto. É bom que se lembre aquilo que efectivamente está mal, e há coisas de que o Governo, que já está há bastante tempo em funções, em relação a todas as áreas da administração, também se deveria lembrar, porque são muito importantes para se poder continuar este trabalho, além de importante, significativo, de solidariedade, que é o trabalho dos bombeiros portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Se for possível, gostaria de responder de imediato, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miranda Calha, agradeço as questões que me colocou sobretudo porque me permitem explicitar alguns aspectos que não tratei na minha intervenção, o que, aliás, é normal, já que não tive sequer a pretensão de esgotar todas as matérias em causa, que até já foram objecto de intervenções anteriores.
Não quis dizer que tudo estava bem. Tenho, pelos bombeiros - aliás, suponho que não sou diferente dos Srs. Deputados -, um enorme respeito bem como a enorme responsabilidade de não pensar que tudo aquilo que gostaríamos de ver feito já poderia, eventualmente, ter sido realizado.
Lembrei que há carências diversas em relação aos bombeiros, que temos de atalhar, mas frisei igualmente que, com esta política do Governo, resolveremos mais rapidamente esse tipo de questões, razão pela qual entendo estarmos, neste domínio, no caminho certo.
Não vim acusar nenhuma das câmaras socialistas que têm sob a sua alçada - o que implica a assunção de responsabilidades - bombeiros sapadores, profissionais, que se queixam todos os dias de grandes carências,..

O Sr. Artur Penedos (PS): - Devido à lei das finanças locais!

O Orador: - ... de faltas de apoio e da necessidade de transferências de verbas.
Não o fiz deliberadamente, Sr Deputado Miranda Calha, e, se estiver interessado, posso fornecer-lhe alguns dados e expressar opiniões concretas a esse respeito Não o fiz porque entendo estarmos a discutir uma questão que é, por si só, suficientemente relevante para que façamos todos um esforço de consenso na procura das melhores soluções.
Aliás, o Partido Social-Democrata. de quem fui porta-voz, em sede de discussão na especialidade, está aberto para debater as questões que constam da proposta de lei e outras a ela exteriores num enquadramento de responsabilidade e de razoabilidade. Estou certo de que, juntamente com os Srs. Deputados, vai ser possível encontrar boas soluções nestas matérias

O Sr. Miranda Calha (PS): - Não respondeu às questões formuladas!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, não quero deixar de referir que esta bancada está e esteve sempre - empenhada nesse esforço de consenso. Aliás, relembro que, na altura, o CDS deu início ao processo que terminou com a elaboração do Estatuto Social do Bombeiro, não obstante este ter colhido depois todos os contributos dados pelas restantes bancadas.
Sr. Deputado Miguel Macedo, o que pensa sobre a questão específica do tratamento legal dado às faltas ao serviço por bombeiros que, simultaneamente, trabalham por conta de outrem? É que o regulamento do estatuto social respectivo prevê uma limitação de três dias por mês que, muitas vezes, não é compreendida por parte das entidades patronais. Por outro lado, entendo que seria necessário retirar este limite quando se trata de uma actividade de solidariedade, de abnegação, como a dos bombeiros voluntários, homens que tudo dão sem nada exigirem.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira Ramos, esta é uma das matérias em relação à qual julgo valer a pena fazer uma reflexão alargada na discussão na especialidade.

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Devo dizer que, ao preparar este debate, ouvi alguns responsáveis. Ora, uma das questões levantadas tinha justamente a ver não só com as faltas mas com um problema que não quero deixar de trazer para a discussão, porque julgo que, certamente, virá a colocar-se com mais acuidade num futuro próximo: tem a ver com o facto de avaliarmos se o desempenho da actividade de bombeiro hoje constitui ou não, em determinadas circunstâncias, um handicap em relação ao acesso ao posto de trabalho. Esta, que é uma questão que não se colocava com grande premência há uns anos atrás, foi-me manifestada como merecedora de alguma ponderação.
Julgo, por essa razão, que é no quadro desta reflexão, que todos vamos ter de fazer inevitavelmente no âmbito da especialidade, que devemos equacionar estas matérias. Devo dizer que numa das questões em que tenho mais interesse é precisamente na das faltas, embora realce que a presente proposta de lei, no que diz respeito aos trabalhadores que sejam simultaneamente funcionários da Administração Pública, dá uma resposta - trata-se de um passo em frente - no tratamento dessas matérias.
É claro que, naquilo que diz respeito aos trabalhadores por conta de outrem e cujo empregador é uma entidade privada designadamente, a resposta não pode ser tão simples nem tão simplista, como todos havemos de convir.
Assim, julgo que a boa ponderação dos interesses em jogo e a sua importância no bom desempenho do trabalho da generalidade dos bombeiros, nessa situação, orientará o que, em relação a esta matéria, decidiremos, a final, em sede de especialidade. Contudo, não queria, neste momento, dar uma resposta muito mais concreta sobre este assunto, porque ainda não tenho uma opinião formada e definitiva sobre o recorte final de uma solução - admitindo que é possível encontrá-la neste momento - para este problema.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, como se depreende das palavras do Deputado Carneiro dos Santos, que é um homem dos bombeiros portugueses, a minha bancada saúda esta iniciativa.
Registámos com satisfação as palavras do Sr. Deputado que, intervindo em último lugar, manifestou abertura à discussão de propostas que venham a ser apresentadas em sede de especialidade. Pela nossa parte, apresentaremos propostas para valorizar mais, se possível, o estatuto social dos nossos bombeiros.
Gostaria de colocar duas questões em relação às quais sou particularmente sensível. Em primeiro lugar, está disponível o PSD para, em sede de especialidade, corrigir o que consideramos a grave lacuna de não estar contemplada a bonificação de tempo para efeito de reforma e de pensão aos bombeiros voluntários - por certo, a maioria - que trabalham por conta própria ou no sector privado?

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Boa pergunta!

O Orador: - Em segundo lugar, está disponível o PSD para apreciar no momento próprio o projecto de lei que visa dar às associações de bombeiros um tratamento não igualitário no que respeita ao transporte de doentes e sinistrados? Pensamos que esta matéria merece, da parte da Assembleia, uma atitude positiva e breve porque não faz sentido que os bombeiros portugueses, tão saudados pela sua abnegação, tenham um tratamento igual ao dos operadores privados, apesar de ser justo que, existindo, se organizem. Repito, os bombeiros haverão de ter um estatuto privilegiado nesta matéria!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Júlio Henriques, agradeço as questões formuladas e começo por abordar a última para dizer-lhe que não tem exactamente a ver com o Estatuto Social dos Bombeiros.

O Sr. António Filipe (PCP). - Mas o PSD dá consenso ao agendamento?

O Orador: - Não tem a ver com a matéria que estamos a tratar.
Assim sendo, nem no âmbito da discussão na especialidade ser-lhe-á dada, no imediato, uma resposta, embora julgue que todos partilhamos as suas ideias.
A primeira questão insere-se no âmbito da discussão que haveremos de travar em sede de especialidade. Aliás, não estou a tentar esconder o que quer que seja: recebemos no Grupo Parlamentar do PSD, à semelhança do que sucedeu noutros grupos parlamentares, uma carta da Liga dos Bombeiros Portugueses na qual manifestavam o desejo de ver plasmadas, nesta iniciativa legislativa, duas propostas, em seu entender, pertinentes, uma das quais tem a ver com a bonificação para efeitos de contagem de tempo de serviço para aposentação e reforma e outra com a isenção das taxas moderadoras. Convém dizer que essa proposta foi apresentada pela Liga dos Bombeiros Portugueses e que não consta da proposta da lei.
Até este momento, ainda não fizemos uma avaliação definitiva desta matéria mas é para esse fim que serve a discussão na especialidade, e veremos o que dela resultará.
Já agora, se o Sr. Presidente me permite, não queria deixar de responder, até porque me merece todo o respeito, ao Sr. Deputado Miranda Calha, que há pouco me colocou algumas questões relacionadas, designadamente, com os meios aéreos autónomos utilizados pelos bombeiros no combate aos incêndios.
Sr. Deputado Miranda Calha, começo por pedir-lhe desculpa por não ter dado esta resposta às suas questões na altura própria mas tal ficou a dever-se a um lapso.
São conhecidas as medidas do Governo neste âmbito, temos prosseguido uma política no sentido de disponibilizar crescentes meios aéreos no combate aos incêndios, cujos resultados positivos V. Ex.ª pode avaliar. Como sabe, numa estatística relativamente recente, dá-se, em termos da área média ardida, de 1991 até à data, um abaixamento significativo. Claro que estes meios aéreos estão, naturalmente, em ligação com outras medidas tomadas que potenciaram a capacidade de intervenção em relação aos sinistros e refiro-me, designadamente, a um melhor aperfeiçoamento dos centros de comunicações, que permitem uma mais adequada intervenção dos bombeiros.
Portanto, a situação que, neste momento, existe, resulta deste esforço do Governo, que já anunciou que, durante este ano, vai ser antecipado o período em que os meios aéreos estão disponíveis para o combate aos sinistros.

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Não sei se esta é a situação ideal. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, nesta matéria, não tenho conhecimentos técnicos nem financeiros para saber se é mais barato, sendo igualmente eficaz,...

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Não se trata de saber se é mais barato!

O Orador: - ... para a missão dos bombeiros, o aluguer ou a disponibilidade de meios aéreos próprios. Confesso a minha ignorância sobre esta matéria; porém, sei que, do esforço feito pelo Governo para disponibilizar mais meios aéreos, resultou, o que é positivo, uma diminuição sensível, em termos médios, do número de hectares ardidos, o que é muito importante e relevante para todos nós.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate da proposta de lei n.º 122/VI, a qual será votada ainda hoje, durante o período regimental de votações, pelas 18 horas e 30 minutos.
Vamos dar início à discussão da proposta de lei n.º 124/VI - Autoriza o Governo a aprovar o novo Estatuto do Notariado.
Assim, na qualidade de autor da proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, para a intervenção inicial, dispondo de mais 5 minutos para fazer a sua apresentação.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa do XII Governo identificou o notariado como um sector de intervenção prioritária, referindo nesse contexto a respectiva liberalização como um objectivo a atingir.
Fê-lo com a consciência assumida de que o programa de modernização e de reformas estruturais desenvolvido em Portugal desde a adesão à Comunidade Europeia, tendo provocado importantes transformações na sociedade e na economia nacionais, requeria- e requer- uma fisionomia e uma vitalidade novas para os serviços do notariado, por onde passa praticamente toda a vida económica do País.
De facto, o notariado constitui um dos elementos integrantes do sistema legal que configura e dá suporte ao funcionamento de uma economia de mercado, constituindo um instrumento ao serviço da segurança e certeza das relações jurídicas, da transparência e publicidade legal das actividades e, consequentemente, do desenvolvimento económico.
Ora, hoje, reconhece-se que, não obstante os esforços desenvolvidos - e foram muitos -, o notariado português carece ainda de reformas que lhe permitam acompanhar as exigências impostas pela aceleração da vida económica.
Nascido no século XIII, já com o cunho liberal que lhe é próprio atendendo às suas raízes romanistas, o notariado português afirmou-se plenamente ao longo dos séculos como notariado liberal e o notário como oficial público e profissional liberal, à luz dos princípios do notariado latino. Todavia, na década de 40, procedeu-se à «funcionarização» do notariado português, aproximando-o do notariado administrativo e divorciando-o dos seus congéneres que o excluíram, enquanto membro, dos diversos fora internacionais.
Assim, o notariado português, mesmo sujeito a 'sucessivas intervenções desburocratizantes, continua a obedecer à matriz imposta nos anos 40.
Nestas condições, o notariado tem constituído praticamente um «monopólio natural», com a oferta pública dos serviços a comportar-se de forma rígida, nem sempre acompanhando ao longo do tempo a procura expressa dos cidadãos e das empresas. Este desfasamento quase ancestral teve repercussões sérias no funcionamento e na operacionalidade dos serviços. Estes passaram a conviver com atrasos, deficientes métodos de trabalho e más condições de prestação do serviço, gerando alguns bloqueios administrativos e, por via deles, arrastando o mundo da dinâmica económica.
No momento actual, tem-se vindo a assistir à afirmação generalizada do notariado liberal, na sequência das transformações operadas na paisagem económica e política internacional: globalização da economia, desenvolvimento dos processos de integração e internacionalização das economias e intensificação da concorrência; evolução irreversível dos países da Europa Central e Oriental para uma economia de mercado, com a queda dos regimes autocráticos e a emergência, em seu lugar, de regimes democráticos; estreitamento dos laços de cooperação e solidariedade, nos mais diversos domínios, entre os indivíduos e entre as nações.
A natureza e organização do notariado liberal permitem-lhe responder cabalmente às exigências de celeridade e economia na negociação particular e na administração da justiça, decorrentes das mutações em curso. À escala europeia, Portugal é hoje, entre os seus pares com ordenamento jurídico romanista, a única excepção, pela inexistência de um notariado liberal.
No plano nacional, a fisionomia do nosso notariado e a realidade do funcionamento dos cartórios notariais apontam, também, para a necessidade de se adoptar um modelo mais consentâneo com as exigências do progresso económico e social.
Neste sentido foi, entretanto, adoptado um programa de intervenção consubstanciado em medidas de adequação legislativa, de simplificação administrativa, de racionalização de procedimentos e de inovação organizativa, como a abordagem do «interlocutor único» (notário-pivot), que visaram reduzir a carga administrativa sobre os operadores económicos e melhorar o desempenho dos serviços.
No entanto, apesar do conjunto das medidas adoptadas ter-se já traduzido em melhorias sensíveis e, na generalidade, reconhecidas a nível do funcionamento do sistema, a verdade é que a imagem pública do notariado português está ainda associada, mesmo que, por vezes, injustamente, ao estigma da burocracia, por um lado, e, por outro, aos factores institucionais que inibem ou entravam o natural desenvolvimento das iniciativas dos empreendedores.
Sendo certo que o notariado é um pilar da infra-estrutura legal que configura e corporiza o funcionamento de uma economia de mercado, não é menos certo que, para cumprir plenamente a sua «razão de ser» como garante da certeza e segurança das relações sócio-económicas, tem de se tornar um instrumento moderno e ágil, ao serviço da sociedade e da economia. Por isso, torna-se necessário operar mudanças que dificilmente poderão ser concretizadas com plena eficácia mantendo a actual fisionomia assente na provisão pública do serviço notarial.
Inserido na União Europeia, Portugal encontra-se apostado em desenvolver-se económica e socialmente, num espaço económico baseado na concorrência para estimular as iniciativas, na cooperação para as reforçar e na solidariedade para garantir mais oportunidades aos cidadãos. Nesta perspectiva, a actividade notarial não só ganha ainda maior relevância, pelo apelo constante ao delegatário da fé pública, consultor imparcial e independente

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das partes, exercendo uma função preventiva de litígios, mas também vê abrirem-se perante si novos horizontes, designadamente com a eventual possibilidade do direito de estabelecimento dos notários no quadro da União.
O processo de modernização do notariado português passa, assim, pelo seu aprofundamento, ou seja, pela reforma estrutural do notariado, tal como se encontra preconizado no Programa do Governo, através da sua liberalização.
Em Portugal, impõe-se a criação de um notariado liberal, inspirado nos princípios do notariado latino, assente que cada sistema notarial há-de traduzir o modelo de sociedade estabelecido e o sistema de direito vigente.
Assim, o projecto de estatuto do notariado liberalizado concluído consagra primeiro, a figura do notário como oficial público - enquanto delegatário da autoridade do Estado - e profissional liberal - excluída a condição de funcionário público; segundo, o exercício, em exclusivo, da actividade notarial, sob nomeação e fiscalização do Estado, através do Ministro da Justiça; terceiro, a exigência de elevada qualificação técnica para o exercício da actividade notarial, comprovada através de provas, concursos e estágios; quarto, a exigência de independência e imparcialidade em relação às partes, acompanhada da elencagem das incompatibilidades legais para o exercício da função; quinto, a implantação geográfica, à luz de critérios que garantam o recurso aos serviços notariais em todo o território nacional; sexto, a adopção de um regime remuneratório aprovado pelo Governo, baseado na natureza e no valor dos actos notariais; sétimo, a existência de uma estrutura profissional, cujos órgãos, no exercício das suas competências, actuarão em articulação com o Ministério da Justiça; oitavo, a previsão de um período transitório de três anos, para permitir uma estratégia de implementação controlada e sustentada que assegure a eficácia global do processo, no fim do qual o notariado liberal estará plenamente instituído em todo o território nacional; nono, a previsão de um direito de opção, a exercer durante o período transitório pelos actuais notários públicos que pretendam instalar-se como notários liberais.
A consagração do notariado liberal, como futuro figurino para o nosso notariado, constituirá, nos termos expostos, uma reforma inovadora e sem paralelo na história recente da nossa Administração, que contribuirá decisivamente para a consecução do seguinte núcleo de objectivos: primeiro, ampliar a actual oferta do serviço que, em determinadas áreas, se revela escassa face ao dinamismo das actividades económicas e da sociedade; segundo, introduzir elementos de concorrência, susceptíveis de contribuírem para a melhor gestão e prestação dos serviços notariais; terceiro, gerar uma aproximação do serviço ao cidadão, criando condições para a prestação de um serviço de melhor qualidade, personalizado e profissionalizado; quarto, alcançar os objectivos mencionados com um menor envolvimento da Administração e, em consequência, com um reduzido esforço orçamental.
Naturalmente, o processo de mudança conducente à materialização do modelo do notário liberal é complexo e reclama, por isso, uma estratégia de concretização gradual, sustentada e controlada.
Em primeiro lugar, torna-se necessário posicionar e evidenciar o modelo do notário liberal como uma resposta adequada às necessidades actuais e futuras da evolução da economia e da sociedade.
Em segundo lugar, há que adoptar uma estratégia de implementação que, sem perder de vista o objectivo final de resposta ou enquadre as preocupações, expectativas e interesses dos principais grupos de actores envolvidos.
Como beneficiários da reforma, os agentes económicos e os cidadãos, em geral, tenderão a encarar o novo modelo numa perspectiva favorável, não desejando, paralelamente, qualquer actuação precipitada que cause a ruptura do actual sistema antes de o novo estar cabalmente implementado.
Como «agentes da mudança», os actuais notários necessitam de compreender o alcance da mudança e de algum tempo para absorverem as suas implicações e exercerem as suas opções profissionais.
Também como «agentes da mudança», todos os licenciados em direito que preencham os requisitos para o exercício da actividade notarial carecem de algum tempo para compreenderem o significado da oportunidade que se lhes depara e tomarem uma iniciativa profissionalizante.
Finalmente, os «gestores da mudança» necessitam atingir os seus objectivos com o máximo de eficácia e o mínimo de perturbações no funcionamento do sistema em transição, o que exige um período de tempo razoável para a adopção de medidas adequadas, na sequência e no momento certos.
É neste sentido que se preconiza um período transitório de três anos, em que coexistirão ainda alguns dos actuais notários públicos e os futuros notários liberais (em número progressivamente maior), no final do qual apenas estes últimos estarão a exercer a actividade notarial.
Adicionalmente, haverá um período preparatório após a publicação oficial do estatuto, período intercalar que visa o estabelecimento da moldura legal e regulamentar que assegure um quadro de estabilidade, dentro do qual os potenciais candidatos ao exercício da função notarial em regime liberal possam tomar uma decisão profissional consequente e operar com confiança no futuro.
Durante o período preparatório será elaborado, sob proposta da comissão instaladora, um conjunto de diplomas complementares do estatuto do notário liberal, do qual se destacarão: o diploma relativo à distribuição geográfica dos cartórios notariais pelo País; o diploma de regulamentação das condições de acesso e de exercício da actividade notarial; o diploma de definição das tabelas de honorários, o diploma referente ao regulamento de inspecção.
Após a sua aprovação, dar-se-á início ao período transitório com a realização do primeiro concurso nacional, a que terão acesso quer os actuais notários públicos, que assim optam pelo exercício liberal da função, quer outros licenciados em direito que preencham os requisitos estabelecidos para o desempenho da actividade notarial.
No decorrer do período transitório, e logo que estejam criadas as condições necessárias, serão realizadas as primeiras eleições para os órgãos da estrutura de classe dos notários (obrigatória e, naturalmente, apenas integrados por profissionais do sector) que, a partir daí, passará a reger os respectivos destinos em estreita articulação com o Governo por imperativo da delegação de autoridade pública de que gozam estes profissionais.
No final do período transitório, o País estará exclusivamente coberto por notários liberais, tendo os actuais notários públicos, que não hajam opinado pelo exercício da profissão em regime liberal, e os demais funcionários notariais sido reafectados, designadamente ao sector dos registos, de acordo com as necessidades dos serviços.
Assim, a estratégia de implementação preconizada comporta elementos de flexibilidade e adaptabilidade que, em cada momento importante, permitam efectuar uma avalia-

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cão do seu andamento, dos passos consolidados e dos ajustamentos e das medidas necessárias para prosseguir, sem perder de vista, o objectivo final.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é mais uma reforma de fundo, essencial num quadro de modernidade que tem pautado a política do Governo, e concretizadora do princípio, para nós fundamental, de que o cidadão constitui a razão de ser de todo o sistema o qual, por isso, há-de ser concebido em função dele e em nome de uma exigência de eficácia e de qualidade que tenham o cidadão como último referencial importante da vida social e administrativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por decisão nossa, entendemos que seria importante que esta proposta de lei de autorização legislativa pudesse baixar, ainda que informalmente, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para que, nessa sede, possa ter lugar um esclarecimento mais aprofundado sobre o conteúdo dos diplomas de desenvolvimento que se seguirão à publicação do decreto-lei que vier a ser publicado na sequência da presente autorização legislativa.
Nesse sentido e por isso mesmo, solicitei ao Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que convocasse uma reunião da Comissão, na qual estará presente a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça para esclarecer pormenorizadamente os Srs. Deputados e, assim, permitir que uma votação final global desta proposta de lei de autorização legislativa seja feita pelo Parlamento em plena consciência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo-os que já deu entrada na Mesa um requerimento, subscrito por vários grupos parlamentares, se não todos, solicitando a baixa à Comissão desta proposta de lei, após a sua votação na generalidade, portanto, no seguimento do anúncio que acaba de ser feito pelo Sr. Ministro da Justiça.
Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se a Sr.ª Deputada Odete Santos e o Sr. Deputado Raul Castro.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, .Sr. Ministro da Justiça, embora V. Ex.ª tenha anunciado que esta proposta de lei baixaria à Comissão para aí serem apreciadas as propostas de diplomas do respectivo desenvolvimento, penso que estará em condições de prestar já alguns esclarecimentos.
Passo, então, à primeira pergunta.
No País, há cartórios notariais deficitários, como é óbvio, e há outros que dão lucros. Aliás, creio que estará correcto o número segundo o qual, em termos globais, os rendimentos do notariado atingem algo como 30 milhões de contos. Mas há, seguramente, cartórios deficitários.
Assim e tendo presente o mapa onde constam os concelhos previstos para instalação dos cartórios notariais privados, de que o Ministério já deverá ter conhecimento, gostaria de saber se serão ou não extintos os cartórios deficitários existentes. Naturalmente, parece-me que a resposta será afirmativa no sentido da respectiva extinção, pois ninguém vai desenvolver uma actividade privada num local onde não aufira rendimento. A ser assim, pergunto como é possível afirmar-se que os cidadãos em geral serão beneficiados com a entrada em vigor desta proposta de lei.
Faço esta pergunta porque creio que os concelhos onde se situam os cartones deficitários são os do interior do País, pelo que gostaria de saber o que vai pagar um cidadão aí residente para ter acesso a um instrumento notarial - um contrato, um testamento, etc. -, já que certamente vai ter de deslocar-se.
Portanto, o meu primeiro pedido de esclarecimentos é no sentido de saber o que vai passar-se em termos do reflexo desta proposta de lei nos direitos do cidadão.
Passo agora à segunda pergunta, porque também não estou convenientemente elucidada acerca da matéria.
O Sr. Ministro da Justiça diz que há opções para os funcionários dos cartórios notariais atingidos por este novo estatuto, que podem escolher entre ir para os cartórios privados ou para as conservatórias. Pergunto: se escolhem ir para os cartórios privados, o que acontece aos direitos - a antiguidade, o direito à aposentação - que adquiriram durante a carreira de funcionários do notariado? Pergunto ainda: vai ser imposto aos notários privados que recebam estes funcionários? Será que vão ficar privados do direito de escolher os seus próprios funcionários?
Por outro lado, se os funcionários dos cartórios escolherem ir para as conservatórias, penso que, obviamente, não poderão acumular-se nas que se situam nos tais concelhos do País onde a actividade é deficitária pois estas não necessitam de mais pessoal Então, gostaria de saber se já se reflectiu sobre o que vai suceder a estes funcionários, cuja família está radicada num determinado local e que vão ver-se obrigados a deslocarem-se para trabalhar. Já se pensou nas consequências da entrada em vigor desta proposta de lei relativamente a esses funcionários?
Tenho muitas mais questões para colocar ao Sr. Ministro mas limito-me a colocar-lhe uma última.
Tanto quanto se sabe e podemos apreender, não foi feita a desburocratização dos serviços de notariado e só agora, com o estabelecimento do notariado privado, se anuncia que vai ser feita. Ora, o que impediu o Ministério da Justiça de o fazer até agora? Por que razão o Ministério da Justiça não deu formação profissional aos funcionários dos cartórios notariais? Há computadores nalguns cartórios mas, ao que sei, os funcionários que quiseram aprender a operá-los fizeram-no por sua conta e risco, não lhes tendo sido dada formação profissional - é esta a informação que tenho -, a não ser por parte do sindicato, que organizou cursos de formação.
Estas são algumas das grandes questões suscitadas por esta proposta de lei de autorização legislativa. Portanto, até para facilitar a sua apreciação na generalidade, solicito ao Sr. Ministro os esclarecimentos respectivos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, efectivamente, a matéria relativa a esta proposta de lei de privatização dos cartórios notariais faz parte do Programa do Governo do PSD, mas é uma verdade que não é nada popular. V. Ex.ª certamente lê os jornais e, pelo menos através deles, pode verificar a grande contestação que tem atingido a privatização dos cartórios.
A este propósito, tenho uma questão para colocar a V Ex.ª. No preâmbulo da proposta de lei em apreciação pode ler-se que «o novo modelo de notariado, através de significativo aumento do número de cartórios e da redução do custo dos actos notariais, contribuirá para uma maior acessibilidade e celeridade». Ora, o que pergunto a V. Ex.ª é se, afinal de contas, não era possível, mantendo os actuais cartórios públicos, haver um significativo

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aumento de cartórios e a redução do custo dos actos notariais, ou seja, não é só através de cartórios privados que se podem pôr em prática estas medidas!
Com efeito, elas podem ser postas em prática com os actuais cartórios públicos e, por isso, não me parece que haja justificação, tendo presente estas afirmações do preâmbulo, para a falada privatização.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, não pretendo usar da palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, já que terei oportunidade de manifestar a minha posição na intervenção seguinte, mas, sim, colocar uma questão prévia - e tê-lo-ia feito antes da intervenção do Sr. Ministro da Justiça mas, infelizmente, quando cheguei, já o debate se tinha iniciado -, pois entendo que, regimentalmente, esta proposta de lei não está em condições de ter seguimento. Era, pois, nesse sentido, que queria interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
Na verdade, o n.º 2 do artigo 200.º do Regimento da Assembleia da República refere o seguinte: «O Governo, quando tenha procedido a consultas públicas sobre um anteprojecto de decreto-lei. deve, a título informativo, juntá-lo à proposta de lei de autorização legislativa, (...)» Ora, é sabido que o Governo efectuou consultas públicas, que, desde há vários meses, esta matéria está em discussão pública, tal como é sabido que o Governo não juntou - pelo menos eu não tenho conhecimento disso! - os documentos respectivos para apreciação. Julgo que este «deve», referido no n.º 2 do artigo 200.º que acabei de citar, não é um dever social nem de simpatia mas, sim, um dever jurídico que o Ministro da Justiça deve respeitar escrupulosamente.
Ora, o Sr. Ministro da Justiça, que eu saiba, não mandou esses resultados das consultas públicas e, a ser assim, esta proposta de lei não está em condições de ser debatida em Plenário.

O Sr. Presidente: - Como tenho mais um orador inscrito para fazer uma interpelação à Mesa, responderei às duas interpelações no fim.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação, pretendia fazer um comentário à interpelação do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira. E não vou começar por dizer aquilo que bastaria, ou seja, que esta matéria foi agendada, por unanimidade, em conferência de líderes, sabendo todos os partidos quais as condições regimentais em que esta proposta de lei subia a Plenário.
Contudo, dado que esta matéria já foi discutida outras vezes em Plenário, certamente em momento que o Sr Deputado Luís Filipe Madeira não estava presente, já se fez doutrina sobre ela. E o entendimento da conferência de líderes, como V. Ex.ª sabe, Sr. Presidente, tem sido o de que a obrigatoriedade de virem pareceres a acompanharem as propostas de lei só é seguida para aquelas matérias em que a própria lei obriga a consultas públicas.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - É o caso!

O Orador: - Este é o entendimento que a Assembleia da República tem seguido e já noutras circunstâncias esta questão foi levantada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa tem algo a dizer sobre as interpelações.
Não compete à Mesa, excepto nos casos em que há deveres estritos fixados na lei, controlar este lado das coisas. O Regimento, como norma de aplicação genérica que é, refere que, a título informativo, o Governo deve enviar esses documentos. Trata-se, pois, de um dever sem sanção ou, se quisermos, de um dever natural, pelo que, repito, não compete à Mesa controlar o seu cumprimento.
Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, por um período máximo de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Justamente na tentativa de não ultrapassar esses 5 minutos, permitia-me começar por responder às questões levantadas pelo Sr. Deputado Raul Castro, porque poderei analisá-las em conjunto.
Diz V. Ex.ª, Sr. Deputado, que esta é uma reforma de privatização do notariado. Ora, no sentido rigoroso do termo, não poderemos dizer que se trata de privatização do notariado mas, antes, de liberalização do notariado, o que é diferente. Aliás, é justamente isso que consta do Programa do Governo, conduzir o processo no sentido da liberalização do notariado e não, obviamente, a sua privatização no sentido puro e simples do termo.
Acrescenta V. Ex.ª que esta não é uma reforma popular e, para consubstanciar a sua afirmação, o Sr. Deputado remete para a leitura dos jornais das últimas semanas, que deram conta, efectivamente, de uma greve dos oficiais do notariado.
Obviamente, temos uma visão um pouco diferente sobre esta matéria, porque, com o respeito que tenho, como é evidente, pelos oficiais do notariado - como terá ocasião de comprovar, pela aplicação do estatuto que para eles previmos -, ainda não identifico o povo português com os oficiais do notariado, que são muito poucos para poderem responder em nome de toda a população. Esta é, de facto, uma reforma extraordinariamente popular, porque feita em nome dos interesses dos cidadãos e de uma melhor aceleração, bem como de uma menor burocratização e de uma diminuição de custos. É. por isso, óbvio que é uma reforma popular.
Também devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que não pauto a minha acção política nem o seu sucesso pela inexistência ou existência de greves. Tenho o maior respeito pela greve como um direito que, felizmente, em democracia está à disposição dos trabalhadores, mas nem sempre é o membro do Governo que não tem greves aquele que melhor governa. Muitas vezes, é necessário governar com algum conflito para que dele possa resultar uma melhoria global para a satisfação dos legítimos interesses dos nossos cidadãos. Este é, obviamente, um dos casos em que isso acontece.
Por outro lado, V. Ex.ª pergunta se não poderíamos manter o notariado público e garantir, por essa via, uma diminuição dos custos e uma possibilidade de aumentar os cartórios. Acontece, Sr. Deputado - e esta questão é também colocada, embora de forma diferente, pela Sr.ª Deputada Odete Santos - que o que está aqui em jogo é uma questão completamente diferente.
Compreendo que este argumento dirá, porventura, pouco a V. Ex.ª, mas, nesta altura, nem sequer a Albânia tem o

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sistema de notariado público! Todos os países da Europa Central e do Leste passaram para o sistema de notariado liberal ou estão a fazê-lo, pelo que, neste momento, no contexto europeu, Portugal é o único que não o fez.
Não faz, portanto, qualquer sentido que na União Europeia, numa Europa que caminha, toda ela, para o notariado liberal, Portugal se mantenha como única estrutura política que defende o notariado público.
Como é evidente, esta é uma razão que começa por ser cultural, de aproximação a uma leitura democrática do funcionamento das instituições e do Estado e é com base nessa estrutura e nessa posição que avançamos mais afoitamente para este tipo de soluções. Fazemo-lo também, porque daí resultam, claramente, melhores condições de resposta para os interesses dos cidadãos.
Relativamente às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Odete Santos, quero dizer-lhe que, efectivamente, vamos ter ocasião de trocar impressões, no seio da Comissão, para esclarecer ao pormenor várias questões e não só estas que colocou como, certamente, outras. Mas tenho imenso gosto em poder responder já àquelas abordou.
V. Ex.ª referiu-se aos cartórios deficitários e a questão que colocou é, justamente, uma das que enfrentamos e para a qual encontrámos solução. Gostaria de lhe dizer, Sr.ª Deputada, que nenhum dos sistemas, nomeadamente europeus, que optaram - e vários deles fizeram-no há muito tempo- pelo notariado liberal adaptaram ou adoptaram o princípio da supletividade, que consiste em deixar uma faixa de intervenção do Estado para responder no tipo de situações que V. Ex.ª referiu.
Não vamos também, como é evidente, optar pela solução de não responder com serviços de notariado nos concelhos onde essa realidade possa ocorrer. Então, qual é a solução? A solução é encontrada, exactamente, mediante a aplicação e a análise do resultado dos respectivos concursos. Pode alargar-se a possibilidade de haver concurso não unitário, concelho a concelho, em alguns casos poderá havê-lo para uma área abrangente de concelhos, em que o mesmo notário, ou mais do que um, trabalha, sistemática e geograficamente, na globalidade dos concelhos.
Tenho um exemplo, que vale apenas como tal, vamos admitir que no distrito da Guarda, que é, porventura, um dos maiores do País, com 12 concelhos, o concurso não era preenchido ou não havia interesse manifesto em 3 ou 4 dos seus concelhos. Então, nessa altura, poderemos abrir lugares a mais na fixação dos numerus clausus para aquelas outras áreas onde o concurso é garantido, atribuindo aqueles que concorrem e aí são colocados a competência para intervir, especificamente, no concelho onde o notário seria deficitário.
Quanto aos funcionários, tivemos total preocupação quanto a todas as questões que colocou e posso garantir-lhe que, em primeiro lugar, não haverá violação de qualquer dos direitos adquiridos pelos respectivos funcionários, quer no plano da segurança social quer no plano de outro tipo de regalias de que tenham beneficiado até aqui.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em segundo lugar, é-lhes garantido o direito de preferência para a área onde exercem funções ou para as áreas vizinhas daquelas onde as exercem actualmente sendo certo que a sua integração é totalmente garantida. Isto é, não haverá disponíveis neste sector, porque de duas uma: ou o funcionário opta pela iniciativa privada e tem 1 ano para poder fazer essa experiência, garantindo, ao fim desse ano, definitivamente, que fica no notariado liberal, saindo, obviamente, da função pública nessa altura ...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E perde os direitos!

O Orador: - Não, Sr.ª Deputada, esses direitos são mantidos, tendo em conta, como é evidente, o tempo de serviço prestado, bem como todos aqueles que tinham sido garantidos até então. O que o funcionário não tem. evidentemente, é a garantia do regresso, passado l ano, visto que tem esse período de transição para fazer a opção definitiva.
Mas, dentro desse ano ou logo à partida, se não quiser optar pela experiência, tem garantida a integração ou no sector dos registos, onde, pela expansão do sistema, na esmagadora maioria dos casos, um lugar estará garantido, ou na Administração Pública, onde terá um lugar adequado à característica e ao grau da função e da categoria profissional que agora desempenha.
A Sr.ª Deputada também falou nas acções não tomadas, a nível de desburocratização, neste sector. Como V. Ex.ª compreenderá, estou em desacordo nessa matéria, pois entendo que existe um conjunto significativo de acções de desburocratização tomadas ao longo destes tempos.
A título de exemplo, posso referir-lhe a constituição do notariado pivot, bem como todo o trabalho que foi desenvolvido- e que foi fundamental para podermos chegar a esta medida - relativamente à desburocratização na emissão do bilhete de identidade. Como V. Ex.ª sabe, hoje, em grande parte do País...

A Sr.ª Odete Santos (PCP) - Mas isso não é notariado!

O Orador: - Não é notariado mas e óbvio que temos uma política global de desburocratização para o sector dos registos e notariado. Assim, é com a introdução destas medidas de desburocratização que podemos adoptar agora esta medida de fundo de reforma do notariado.
Mas podemos falar, ainda a título de exemplo, na supressão de escrituras públicas para vários actos que até aqui exigiam a sua realização, nomeadamente nos de aquisição de habitação tributária do crédito bancário e de hipoteca correspondente; a quebra da necessidade e da obrigação de reconhecimento de assinaturas em vários actos; a determinação de isenções emolumentares importantes, designadamente na última Lei do Orçamento do Estado, que vieram determinar a isenção total para certos actos e a redução a metade ou a 3/4 em vários outros.
Foi, portanto, desenvolvido um conjunto de acções que permite responder positivamente à questão que V. Ex.ª colocou, nomeadamente em matéria de formação de funcionários, em que não é verdade que não tenha havido um conjunto importante de acções dirigidas aos oficiais do notariado, já para não falar nos cursos específicos estruturados para os próprios notários.
Em matéria de instalações, para demonstrar que não deixámos degradar o sistema em função da evolução para a liberalização, posso dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que apenas no sector dos registos e notariado, nos últimos 4 anos, foram abertas ao público mais de 300 novas instalações. Este é um número extraordinariamente significativo, que tem o peso da sua própria quantidade.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Só Setúbal continua a ter um cartório onde passeiam os ratos!

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O Orador: - Sr.ª Deputada, com certeza há cartórios que ainda estão em más condições! Não estou a dizer a V. Ex.ª que foram inaugurados todos os cartórios notariais do País, o que digo é que, tendo sido inaugurados 300 novos serviços de registos e notariado, há, apesar de tudo, alguma legitimidade moral para justificar que ainda não estão todos como gostaríamos que estivessem.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, inicio a minha intervenção no ponto em que deixei, há pouco, a interpelação, pois mantenho que compete à Mesa, com o devido respeito, dar seguimento às reclamações processuais que sejam procedentes. E, no caso concreto, a minha reclamação é procedente.
A Mesa deveria, no meu entender, suspender este debate, para que o Governo dê cumprimento à obrigação legal que tem. Resulta do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição que «constituem direitos das associações sindicais: a) Participar na elaboração da legislação do trabalho». O Governo deu cumprimento a esta alínea e ouviu as associações e os sindicatos, no seguimento do que deveria ter trazido à Assembleia da República os resultados dessa consulta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas não trouxe e, ao não o fazer, infringiu um regra que é obrigatória. Como o Sr. Presidente reconheceu, trata-se de um dever jurídico e político e não de um dever social ou de mera cortesia. O Governo não cumpriu, pelo que compete à Assembleia fazê-lo cumprir.
Assim sendo, mantenho a minha reclamação.

O Sr Presidente: - O Sr. Deputado recorre da decisão de continuar o debate?

O Orador: - Não, Sr. Presidente, não recorro da decisão da Mesa. Mantenho que esta deveria, de forma mais solene - e está em tempo de o fazer -, declarar, ao contrário do que me pareceu fazer, que este é um caso de relativa importância.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deixe-me clarificar o que porventura não ficou claro: a Mesa disse que há aqui uma obrigação natural.

O Sr. José Magalhães (PS): - Uma obrigação natural?!

O Sr. Presidente: - A Mesa não tem meios de controlar esta questão. No entanto, se, da decisão de agendar-mos este diploma, tomada em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, alguém recorre da falta de pressupostos para tal, o Plenário arbitra. Agora, não posso voltar atrás no que foi agendado em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.

O Orador: - Sr. Presidente, com o devido respeito e em debito do tempo do meu partido, que não será muito longo, gostaria de dizer o seguinte: que eu saiba, esta questão não foi suscitada em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares; ora, não o tendo sido, trata-se de uma questão nova, um dado novo, competindo à Mesa, no quadro das suas competências, declarar se a reclamação é procedente ou improcedente. Se é procedente, a Mesa cancela este debate, com direito de recurso da decisão no caso de alguém o querer fazer; se é improcedente, a Mesa indefere a minha reclamação e eu não recorrerei. Quero é saber se a Mesa entende que a reclamação é procedente ou improcedente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa entende que está aqui em causa um dever jurídico e que o Governo, se os tem, deveria ter junto ao processo esses elementos. No entanto, a Mesa não está informada se o Governo os tem ou não - o Sr. Deputado está a dar-nos agora essa informação.
Assim, a Mesa mantém que há aqui uma obrigação, mas, porque não tem a informação correspondente, não tem meios para fazer observar esta informação. Se o Sr. Deputado quer uma conclusão, direi que, por estas razões, a Mesa considera improcedente a sua reclamação.

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente, fica, então, a saber-se que a Mesa, por falta de informação ao seu dispor, considera improcedente a minha reclamação. Isto é, a Mesa não quer pronunciar-se.
Entremos, pois, na questão. O Sr. Ministro da Justiça - o Governo, melhor dizendo - envia-nos um diploma, com um curto mas suficientemente soporífero preâmbulo, em que procura, de facto, pôr os Deputados a dormir. Isto não é nada! Não digo que é toque de violino, porque o seu timbre é muito alto e por vezes dá umas notas também muito altas, mas um toque de violoncelo, que dá umas notas mais graves. Porém, não diz nada e aquilo que diz é contraditório!
Diz o Governo - e nós estamos de acordo - que, em matéria de notariado, interessa, em primeira linha, reforçar a garantia da certeza e segurança das relações sociais e económicas e assegurar também a observância de elevados padrões técnicos e deontológicos. Estamos inteiramente de acordo. Mas perguntaria ao Governo: então, o notariado português não é exactamente conhecido pela credibilidade das suas certidões, pela fiabilidade dos seus serviços, pela certeza, segurança e respeito público de que gozam os actos notariais?!
O Sr. Ministro vai mexer nisto porquê? Vai mexer- diz-se mais à frente - para baixar os emolumentos. Então, o Governo não tem ao seu alcance essa medida simplicíssima de reduzir os emolumentos? Na prática, o Governo não vai baixar emolumentos nenhuns! Vai é abrir mão de duas coisas, a primeira das quais é dar um salto no desconhecido, e, em vez de corrigir o que está mal, vai mexer naquilo que está bem.
Pensava eu que, hoje, seria aqui apresentado um diploma sobre os malfadados registos centrais, mas não! Pensei que iríamos ter algo sobre os atrasos dos registos prediais e comerciais, mas também não! Pensei ainda que o Sr. Ministro traria aqui uma proposta para pôr fim aos atrasos judiciais - os tais que existem, de uma forma insustentável e inadmissível -, mas nada!
O Governo vem mexer nos notários e, curiosamente, os notários são dos poucos serviços públicos que têm credibilidade, em que os cidadãos - os tais que o Sr. Ministro há pouco invocou - confiam, pois uma certidão do notário é uma coisa que vale como lei, sendo um documento autêntico que os tribunais também respeitam. Mas o Sr. Ministro vais mexer nisto! Porquê?!

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Nesta proposta de lei é elencada, no n.º 1 do artigo 2.º, da alínea a) à alínea l), uma série de coisas da que não se vê qualquer razão para que não possam ser feitas no actual estatuto. Pelo contrário, é mais simples fazê-lo agora do que será no novo estatuto. E, depois, no n.º 2 deste artigo, diz-se que os que são liberais,... afinei, não são nada liberais, porque vão ficar sujeitos a muitas, penas disciplinares, suspensões e transferências e à poria de suspensão de exercício. Enfim, são uns liberais a modos que - este é que é o exemplo - dos despachantes oficiais, dos revisores oficiais de contas e dos corretores!
Só que, infelizmente, Sr. Ministro, tem havido problemas nessas áreas que eu esperaria não existirem nos notários. Para quê mexer no que está bem? Apenas para abrir mão dos tais 30 milhões de contos? É aí que bate o ponto! Há 30 milhões de contos apetecíveis e isso é muito dinheiro. Só que o Governo pode baixar os emolumentos. É uma coisa muito simples! O famigerado imposto de sê-lo pode descer.
Os notários ganham de mais? Pois ganham! Mas o Governo baixa-lhes os emolumentos e já ganham menos. Há notários com reformas que escandalizam a opinião pública? É muito simples: basta dizer-se que eles podem ganhar, mas que a reforma é sobre o vencimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só que o Sr. Ministro não quer mexer nisto e vai dar um salto no desconhecido, que não é carne, nem peixe, nem é liberal, é funcional, só que não tem honorários do Estado, é pago, e vai criar um mundo de problemas onde eles não existem.
Já me pus aqui a pensar no que estará por detrás desta medida. Talvez seja o seguinte: o Sr. Ministro da Justiça tem problemas antigos e novos nos palácio da justiça - alguns inaugurados já por si -, sendo os meios insuficientes para o trabalho judicial, e vai desalojar os notários de lá, passando a ter mais 50 m2 de espaço para pôr (á mais uma secretaria, um escrivão e os seus escriturários. Para isso, esta é uma medida demasiado forte! Se é isso, é de facto excessivo Não vejo razão para isto, Sr. Ministro.
Quanto ao problema do notariado latino, o Sr. Ministro falou muito na União Europeia. Não percebi bem se o Tratado de Maastricht obriga a que os notários tenham este estatuto e gostava que me dissesse, porque, ainda recentemente, na Assembleia da República Francesa, se falou no caso português como um exemplo a seguir, da credibilidade, de fiabilidade e do facto de não haver queixas dos notários Há queixas, mas não relativamente 00 cerne daquilo que são os notários, não quanto à sua fé pública, mas das demoras, das pessoas que passam horas para reconhecer uma assinatura e daquelas que têm dificuldade em marcar uma escritura.
Se o Governo não resolve esses problemas e porque não quer abrir mais notários em Lisboa, no Porto, nas grandes cidades. E simplicíssimo e se o Governo o não faz é porque não quer acabar com esses problemas.
O Sr. Ministro diz ainda que a concorrência é estimulante. Mas não há concorrência em Lisboa, onde segundo creio, existem 31 notários?! Há concorrência, sim! Onde não há concorrência, ela não surgirá em consequência destas medidas. O Sr Ministro pensa que os notários vão «a correr» para Moimenta da Beira, para Alcoutim ou para Aljezur? Aí não haverá concorrência - não há hoje, nem haverá no futuro. A concorrência existe hoje onde ela é possível e, com este sistema que o Sr Ministro quer impor, é também aí que existirá no futuro.
Depois, há outras questões que se levantam, que obrigarão o Sr. Ministro a alterar muitas leis. Poderei dar um exemplo: vem agora aí uma campanha eleitoral e as leis eleitorais prevêem que a aceitação de candidaturas deve ser feita com o reconhecimento notarial da assinatura e que as procurações dos partidos aos seus mandatários podem e devem ser certificadas. Só que esses serviços são gratuitos. O Sr. Ministro vai impor essa gratuitidade aos futuros notários liberais? Quem é que paga isso! Passam a pagá-lo os partidos e os cidadãos ou será o Estado que depois lhes paga?
Enfim, o Sr. Ministro e o Governo vêm com uma medida, que, em si, não é boa nem má porque o que ela propõe já hoje existe e poderá ser melhorado Vai ser dado um enorme salto no desconhecido, mexendo-se no que está bem. V. Ex.ª que, tanto quanto sei, é um fã do futebol, devia ter ouvido o director da sua equipa dizer que na equipa que ganha não se mexe.
Não sou notário, mas seu utilizador, e digo com todo o à-vontade que os problemas que os notários têm, designadamente, da grande aglomeração de serviço nas respectivas instalações, que são deficientes, e de uma série de falhas infra-estruturais, por vezes com carência de funcionários, são problemas que podem resolver-se sem ter de ser tomada uma medida tão tremendista.
E é tão tremendista que a Sr.ª Secretária de Estado disse, numa entrevista, que os notários portugueses são um produto típico dos regimes de ditadura! Sr.ª Secretária de Estado, eu, que combati a ditadura e disso me orgulho muito, nunca me senti ofendido nos meus direitos democráticos por ir a um notário. De modo nenhum! Tenho muito gosto nisso e confio nos notários portugueses. Se há valor que a República pode reconhecer que é credível, é o trabalho dos nossos notários, onde penso não haver um caso de corrupção, suborno ou compadrio e fico a tremer quando eles forem pagos pelas partes interessadas, não a título emolumentar, mas profissional.
É um salto no eseuro que eu pensava que o Sr. Ministro da Justiça, que me habituou ao discurso da segurança, não fana. Pensei que iria talvez dar esse salto noutros lados, onde mais vale mexer do que ficar assim; só que aí não vai mexer e mexe aqui, o que lamento e não votarei favoravelmente esta proposta de lei.

Aplausos do PS

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, devo dizer que fiquei extremamente surpreendido com a intervenção que acabou de fazer. Julgo que não está em causa nem a honorabilidade nem a credibilidade do notariado português. Devo dizer sinceramente que não vejo qualquer laivo ou receio que diminua, apouque ou ponha em causa a credibilidade do notariado que temos no diploma que o Sr. Ministro apresenta.
Por outro lado, V Ex.ª e o primeiro a dizer que os notários que temos são poucos para as exigências actuais e que o desenvolvimento do país vai fomentando cada vez mais. Por isso, precisamos de mais notários, não apenas em Lisboa, no Porto e em Lagos ou em Lagoa e Loulé, mas em todos os sítios E o que precisamos é de notários tão honrados e credíveis como os que agora temos.
O que é que V. Ex.ª vê de mal no sistema que nos é aqui apresentado para uma ampliação do número de no-

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tários e do modo como isso é feito? É isso que não compreendo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas onde é que são criados mais notários? Em Lisboa e no Porto?! Não é, com certeza, em Freixo de Espada a Cinta!

O Orador: - Mas quer que se comece em Freixo de Espada a Cinta e se deixe Lisboa vazia?! Naturalmente que terá de começar-se por algum lado! Quer que se comece em Freixo de Espada a Cinta e se desça até chegar a Loulé? Ou quer que se comece em Lisboa, Porto, Coimbra e Aveiro?!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Deputado ainda não percebeu que vão acabar com cartórios?!

O Orador: - Queria perguntar ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira o seguinte: o que é que propõe, claramente, para aumentar o número dos notários, dotando-os da credibilidade e honorabilidade de que agora gozam? Dê-me uma solução que não passe por os actuais concursos e pelo atafulhamento existente, que todos sabemos não ser a melhor forma de o fazer.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, muito obrigado pelas perguntas que fez para me dar ocasião de esclarecer melhor algumas coisas.
O Sr. Deputado disse-me que o Governo não punha em causa a honorabilidade dos Srs. Notários e efectivamente não põe, não põe de uma forma clara, só que, «espremendo» este preâmbulo, o que está aqui «de sumo» é o seguinte parágrafo: «É precisamente nesta linha de inovação que se enquadra a presente reforma, que deverá, em primeira linha, reforçar a garantia de certeza e segurança».
Bem, não vejo necessidade de reforçar garantias porque não acho que sejam insuficientes. Os serviços notariais dão-me suficientes garantias de certeza e segurança, portanto, não carecem de reforço. Quanto a mim, há carência de reforço onde há fragilidade, onde alguma coisa falhou, onde não funcionou a certeza e a segurança, onde houve falhas.
Ora, como não é o caso, o Sr. Ministro da Justiça não se atreverá, porque não é verdade, a apontar falhas que tenham como base falta de certeza, segurança ou confiança nos notários. Não creio que as haja, pois seriam do conhecimento público e não o são, que eu saiba, e eu estou atento. Aliás, a fé pública é o grande fundamento, esse é o núcleo do notário, e até foi dito pelo Sr. Ministro que eles serão delegados da fé pública.
Depois pergunta-me V. Ex.ª, se são poucos, o que é que faria para os aumentar. Abria mais notários e fazia com o actual regime o mesmo que o Sr. Ministro quer fazer com o próximo. Então, no próximo não há concursos?! Então, no próximo não há estágios?! Então, no próximo não há isso tudo?! Seria isso que se fazia agora!
Já leu esta proposta de lei? Nela não se diz que, daqui para a frente, vai ser notário quem levante o dedo, nem se pode dizer, porque vai ser um regime apertado em que se exigem provas profissionais, deontológicas e técnicas elevadíssimas. Aliás, são as mesmas que estão hoje em vigor, só com uma pequena diferença: o Estado deixa de lhes pagar o salário, passam a ganhar só os emolumentos, o que é um alívio para o Estado. Mas se calhar não é, há economias que saem caras!
E porquê esta pressa numa questão que até está bem quando o que está mal, segundo o preâmbulo, será corrigido daqui a três anos, no fim do período transitório?
Num «fim de festa» parlamentar, em que a maioria está moribunda,...

Vozes do PSD: - Querias!

O Orador: - ... virem, com esta pressa toda, tentar dizer aos portugueses que esta é uma norma popular!... Popular porquê? Talvez populista, mas não PP, espero eu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, julgo que a sua intervenção, no mínimo, é surpreendente, mas vou apenas referir dois aspectos pois na minha intervenção focarei outros.
Primeiro, V. Ex.ª diz que isto é um salto no desconhecido mas acabou de ouvir, e até presumo que já o sabia, que Portugal está isolado na Europa, é o único país que tem este sistema, pois toda a Europa livre tem outro. Mas, mais: Portugal só tem esse sistema depois da década de 40, instituído pela ditadura de Salazar. Portanto, o salto não é no desconhecido; quando muito, e eu compreendo-o, pode dizer que é um salto no passado - mas o passado só é desconhecido para quem não conhece história. Se o Sr. Deputado conhecer a história do notariado perceberá que, no maior período da nossa história, durante séculos, o notariado português teve o figurino que é aqui proposto.
O segundo ponto surpreendente da sua intervenção é o seguinte: se este regime é tão mau, porque é que na anterior legislatura o Partido Socialista apresentou um projecto para privatização do notariado, de que foi primeira subscritora a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques?! Será que o regime mudou? Foi o Partido Socialista ou foi o notariado que sofreu a mudança?
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia Afonso, creio que V. Ex.ª é o único Deputado nesta Assembleia que se chama Correia Afonso e não penso que se sinta mal por isso. O facto de sermos o único país na Europa que tem este regime não é motivo para mudarmos. Temos que mudar se estiver mal; temos que mudar se isso for uma coisa que dê mau resultado, que não funcione. Agora, mudar porque somos o único?! O Sr. Deputado não vai mudar de nome porque é Correia Afonso, está muito bem com esse nome, fica-lhe muito bem, é o seu, que viva com ele muitos anos. Tem que mudar de nome porque é o único?!
Aliás, se me disserem que há uma norma europeia que impõe que Portugal mude, pois põe em causa os direitos dos cidadãos, ofende as liberdades individuais, ofende os direitos do homem, põe em perigo a justiça, põe em peri-

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go o direito empresarial, então, direi que está bem. Mas não! É porque somos o único? Com muito orgulho' levantamos essa bandeira!

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado, permite que o interrompa?

O Orador: - Faça favor. Levante lá a bandeira.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado, não acho que seja mau ser único, o que não percebo é, se nós estamos «cercados» por esse regime por todos os lados, como é que diz que é um salto no desconhecido. Essa é a minha preocupação.
O Orador: - O Sr. Deputado está «cercado» por Deputados de outras qualidades por todos os lados e também se sente muito bem aí. Deixe-se estar, não se incomode com isso! O que digo que é um salto no desconhecido é o facto de termos uma profunda tradição neste sentido, que está arreigada. Não me venha falar de história, do século XIII, que eu de história fico farto! Estamos a comparar o homem do Cromagnon cora o Ministro da Justiça, o que não é justo! Falarmos dos notários do século XIII comparando-os como os notários actuais é falar no homem do Cromagnon e do nosso Ministro da Justiça, o que não é justo para este. Isso não é verdade!
Sr. Deputado, quando digo que é um salto no desconhecido quero dizer que vamos mudar. Aliás, até acho muito bem que se arrisque para mudar quando é radicalmente diferente; agora, isto é radicalmente igual, com a diferença de que deixam de ser funcionários pela. comezinha questão de que o Estado deixa de lhes pagar mensalmente o vencimento, a eles e aos funcionários. É nisso que se radica a mudança, é aí que está, não há mais nada, por aqui não detecto mais nada! Até ficam sujeitos, ao Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos! Até isso está é mencionado!
Agora, quanto à questão de fundo que colocou, e que é pertinente, devo dizer que houve uma proposta de uma Deputada do Partido Socialista, que mereceu a minha viva oposição mas que tinha um mérito: tratava-se, de facto, de privatizar os notariados. Porém, não estou, nem, nunca estive, de acordo com isso.
Na verdade, a proposta não foi do PS, pois o PS não a assumiu como sua. A proposta é de um Deputado e na minha bancada, como suponho também na vossa, os Deputados têm o direito de manifestar as suas posições. Não se trata de uma questão ideológica, não entra pelo núcleo ideológico do partido, não contradiz programaticamente em nada o Partido Socialista, é uma opção que o Deputado pode ter, se bem que neste caso não tenha a minha concordância, pois prefiro o actual regime, e o regime que agora nos vêm propor é semelhante em tudo ao que vigora e mal de nós se não for, porque, então, vai-se embora a tão desejada segurança, certeza e fiabilidade dos serviços notariais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Srs. Deputados, vamos suspender este debate porque vamos passar às votações previstas para hoje.
Em primeiro lugar, vamos apreciar e votar diversos relatórios da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relacionados com o Estatuto dos Deputados. Para a sua leitura, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - A solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira a ser ouvido, no dia 19 de Junho próximo, como testemunha de defesa em processo que corre seus termos naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa

Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - A solicitação do Juízos Criminais da Comarca de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emitiu parecer no sentido de não autorizar os Srs. Deputados Adriano Moreira e Jaime Gama a serem inquiridos, como testemunhas, em processo que corre seus termos naqueles juízos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - A solicitação da Comissão de Inquérito Parlamentar ao Acidente de Camarate (V), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emitiu parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Conceição Castro Pereira a prestar declarações no âmbito do referido inquérito parlamentar, conforme disponibilidade manifestada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora às votações previstas para hoje. A primeira abrange matéria de defesa nacional e das forças armadas e, por conseguinte, é uma votação sujeita a um regime especial, desde logo, as votações na especialidade têm de realizar-se no Plenário. Trata-se da proposta de lei n.º 103/VI, que visa introduzir alterações à Lei de Defesa Nacional, a qual tem quatro artigos, propondo o primeiro a alteração de várias disposições da Lei de Defesa Nacional.
Ora, peço a vossa atenção para o seguinte: só o artigo 1.º é que tem propostas de alteração à proposta de lei do Governo, referentes aos artigos 52.º e 56.º da lei. Será

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que posso pôr à votação, na especialidade, no seu conjunto, o artigo l º, excepção feita ao concernente aos artigo 52.º e 56.º da lei, e depois os artigos 2.º, 3.º e 4.º?

Pausa.

Como ninguém se opôs, assim farei.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para intervir no debate, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - De acordo com a regra que temos seguido, cada grupo parlamentar dispõe de 5 minutos para a uma intervenção neste domínio. Portanto, estão em discussão, na especialidade, todos estes artigos a que acabei de fazer referência.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queria deixar de chamar a atenção para a importância do debate que vamos aqui travar.
A proposta de lei que vamos votar, na especialidade, configura uma rotura significativa com o processo, ainda hoje em vigor, de nomeação das chefias militares. Ao contrário do que hoje sucede, em que as Forças Armadas, através dos seus órgãos próprios, intervêm activamente no processo de escolha das chefias, nomeadamente por meio da apresentação de propostas, a proposta de lei que agora votamos substitui esse regime por um outro, em que a iniciativa de proposta é exclusivamente entregue ao Governo, que se limita a obter um parecer das entidades militares por audição.
Esta alteração significativa de regime significa uma governamentalização e uma possibilidade de partidarização das chefias militares, o que é, de todo, inaceitável.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Creio que a forma como o debate na generalidade desta proposta de lei foi realizado e a forma como agora se processa o debate na especialidade não podem fazer esquecer que o que está aqui a ser votado é o elemento estruturante essencial da política de defesa nacional e Forças Armadas prosseguida pelo Ministério da Defesa Nacional, ainda sob a responsabilidade do Dr. Fernando Nogueira. É uma das propostas mais significativas deste Ministério e que mostra, de uma forma clara, qual é o real conteúdo e alcance dessa política.
No que toca ao processo de nomeação das chefias, proeurou-se estabelecer uma confusão lamentável entre a definição dos objectivos da política de defesa nacional e o processo de nomeação das chefias para se dizer o seguinte: quem define a política de defesa nacional são os órgãos de soberania, logo as Forças Armadas não têm de intervir no processo de nomeação das chefias. Mas isso é uma falácia, porque são duas autonomias totalmente diferentes. A autonomia das Forças Armadas em matéria política não existe, não tem espaço algum, pois a definição dos objectivos da política de defesa nacional, a definição das opções é totalmente da responsabilidade dos órgãos de soberania.
A autonomia que aqui está em questão é a autonomia técnica e funcional e aquilo que esta proposta de lei concretiza através desta alteração é limitá-las drasticamente, permitindo uma interferência e uma ingerência por parte do Governo no modelo de funcionamento interno das Forças Armadas e, dessa forma, dar azo a uma maior possibilidade de manipulação, de partidarização e de instrumentalização das Forças Armadas pelo Governo.
Sei que isto não são assuntos que interessem muito ao PSD ou ao PS, mas não posso deixar de registar aqui com clareza o que é que significa a proposta de lei que vamos votar na especialidade. Cumpri essa função através desta intervenção e através da exigência que fiz, em sede de comissão, no sentido de que a votação na especialidade se realizasse aqui, em Plenário, através da prerrogativa que existe de votar na especialidade em Plenário as leis orgânicas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, gostaria de fazer um ligeiro comentário à sua intervenção e que é este: este diploma tinha mesmo de ser votado, na especialidade, em Plenário, porque a Constituição determina que são obrigatoriamente votadas, na especialidade, pelo Plenário as leis sobre as matérias previstas nas alíneas a) a f), onde se inclui a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, talvez não me tenha feito entender. Fui eu que levantei essa questão em sede de Comissão.

O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado, se assim fosse, a Comissão preparava-se para não observar a Constituição...

O Orador: - Sr. Presidente, na Comissão, o PSD e o PS preparavam-se para votar aí a proposta de lei na especialidade, como, aliás, normalmente pretendem fazer. Não estavam minimamente interessados em que, em sede de Plenário, se pusesse a nu o significado desta lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar, seguindo o esquema que propus e que foi aceite unanimemente pela Câmara.
Vamos, então, proceder à votação na especialidade dos artigos 1.º (com exclusão das referencias aos artigos 52.º e 56.º, que têm propostas de alteração), 2.º, 3.º e 4.º.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro.

São os seguintes:

Artigo 1.º Os artigos 28.º, 29.º, 52.º e 56.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 28.º
Promoções

1 - As promoções até ao posto de coronel ou capitão-de-mar-e-guerra efectuam-se exclusivamente no âmbito da instituição militar, ouvidos os conselhos das armas, serviços, classes ou especialidades, de que fazem parte necessariamente elementos eleitos.

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2 - As promoções a oficial general, bem como as promoções de oficiais generais, de qualquer dos ramos das Forças Armadas, efectuam-se, por proposta do respectivo chefe de estado-maior, ouvido o conselho superior do ramo, mediante deliberação do Conselho de Chefes de Estado-Maior.
3 - As promoções referidas no número anterior devem ser confirmadas pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, sem o que não produzem quaisquer efeitos.
4 - Nenhum militar pode ser prejudicado ou beneficiado na sua carreira em razão da ascendência, sexo, raça, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, situação económica ou condição social.
5 - Dos actos definitivos e executórios que decidam da não promoção de um militar a qualquer posto cabe sempre recurso para o tribunal competente, tendo o recorrente direito à consulta do respectivo processo individual.

Artigo 29.º
Nomeações

1 - As nomeações de oficiais para cargos de cornando nas Forças Armadas, bem como as correspondentes exonerações, efectuam-se por decisão do chefe de estado-maior respectivo, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Compete ao Presidente da República, sob proposta do Governo, formulada após iniciativa do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e aprovada pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, nomear e exonerar:

a) O Presidente do Supremo Tribunal Militar;
b) Os comandantes-chefes;
c) Os comandantes ou representantes militares, junto da organização de qualquer aliança de que Portugal seja membro, bem como os comandantes de força naval, brigada ou divisão destinada ao cumprimento de missões naquele quadro.
3 - Compete ao Ministro da Defesa Nacional, sob proposta do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas ou do chefe de estado-maior respectivo, conforme os casos, nomear e exonerar os titulares dos cargos seguintes:

a) Vice-chefes de estado-maior dos ramos;
b) Comandante naval;
c) Comandante do Comando Operacional das Forças terrestres;
d) Comandante do Comando Operacional da Força Aérea;
e) Comandantes dos comandos operacionais dependentes directamente do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas;
f) Comandantes do Governo Militar de Lisboa, das Regiões Militares do Norte e do Sul e das Zonas Militares dos Açores e da Madeira;
g) Directores do Instituto Superior Naval de Guerra, do Instituto de Altos Estudos Militares e do Instituto de Altos Estudos da Força Aérea;
h) Comandantes da Academia Militar da Escota Naval e da Academia da Força Aérea
4 - As nomeações referidas nas alíneas a) a d) do número anterior devem ser confirmadas pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, sem o que não produzem quaisquer efeitos.
5 - As nomeações pelo Presidente da República para os cargos referidos na alínea é) do n.º 4 do artigo 38.º, bem como as nomeações para os cargos referidos, nos n.ºs 5 2 e 3, só podem incidir sobre almirantes, vice-almirantes ou generais, quando outro posto não resultar da lei, na situação de activo.
6 - Aos militares propostos para os cargos de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, chefes de estado-maior dos ramos. Presidente do Supremo Tribunal Militar, bem como para os cargos militares em organizações internacionais de que Portugal faça parte e a que corresponda o posto de almirante ou general de quatro estrelas, é, desde a data da proposta do Governo, suspenso o limite de idade de passagem à reserva, prolongando-se a suspensão, relativamente ao nomeado, até ao termo do respectivo mandato.

Artigo 2.º É extinto o cargo de Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Artigo 3.º É revogada a alínea b) do n.º 2 do art.º 64.º da Lei n.º 29/82.
Artigo 4.º O artigo 6.º da Lei n.º 111/91, de 29 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção.

Artigo 6.º
(...)

1 -....................................
2 - ...................................
4 - .................................
5 - .................................
6 - .................................
a)...................................
b)...................................

c) Propor ao Ministro da Defesa Nacional a nomeação e a exoneração dos comandantes dos comandos operacionais colocados na sua dependência directa;
d) Solicitar ao Governo, através do Ministro da Defesa Nacional, a proposta de nomeação e exoneração dos militares para os cargos referidos no artigo 29.º, n.º 2, da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro;

e)...
f)...
g)...
h)....

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar às propostas de alteração ao artigo 1.º, que ainda não foram objecto de votação.
A primeira, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS, respeita à alteração à referencia feita no artigo 1.º ao artigo 52.º. É uma proposta que já foi distribuída, suponho que não necessita de ser lida.
Tem a palavra o Sr Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que esta proposta remenda uma grave inconstitucio-

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nalidade que a proposta do Governo trazia, mas não resolve a questão de fundo Isto é, continua a ser o Governo a nomear e não o sistema anterior.
Por isso, não inviabilizaremos a proposta, vamos abster-nos, mas continuamos a considerar que ela se insere num quadro negativo

O Sr. Presidente: - Não há mais pedidos de palavra. Vamos, então, votar a proposta de alteração ao artigo 52.º, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD. do PS e do CDS-PP e abstenções do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro.

É a seguinte:

3 - Sempre que possível, deve o Governo iniciar o processo de nomeação do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas pelo menos um mês antes da vacatura do cargo, por forma a permitir neste momento a substituição imediata do respectivo titular.
4 - Se o Presidente da República discordar do nome proposto, o Governo apresentar-lhe-á nova proposta.
5 - O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas é substituído, em caso de ausência ou impedimento, pelo chefe de estado-maior do ramo em funções há mais tempo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a segunda proposta de alteração, apresentada também pelo PS, refere-se ao n.º 4 do artigo 56.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, quero dizer que o sentido de voto do Grupo Parlamentar do PCP será igual ao da proposta anterior, pelas mesmas razões.

O Sr. Presidente: - Não há mais pedidos de palavra. Vamos votar a proposta de alteração em referência ao n.º 4 do artigo 56.º, apresentada pelo PS.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD. do PS e do CDS-PP e abstenções do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro.

É a seguinte.

4. Ao processo de nomeação dos chefes de estado-maior dos ramos aplica-se o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 52.º.

O Sr Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação final global.

O Sr. João Amaral pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, creio que os artigos 52 º e 56.º não foram votados. Votámos as propostas de alteração a alguns dos seus números e, agora, temos de votar os restantes números.

O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr Deputado, porque nem todos os números foram objecto de alteração.

O Sr. João Amaral (PCP): - Permitia-me até dizer que os números essenciais ainda não foram votados.

O Sr. Presidente: - Vamos, pois, passar à votação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da proposta de lei.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro.

São os seguintes:

1. O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas é o principal conselheiro militar do Ministro da Defesa Nacional e o chefe militar de mais elevada autoridade na hierarquia das Forças Armadas, exercendo as competências previstas na lei.
2. O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas é nomeado e exonerado pelo Presidente da República, nos termos da alínea e) do n.º 4 do artigo 38.º, devendo a proposta do Governo ser precedida da audição, através do Ministro da Defesa Nacional, do Conselho de Chefes de Estado-Maior.

O Sr. Presidente: - Passamos à votação dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 56.º da proposta de lei.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro.

São os seguintes:

1. Os Chefes de Estado-Maior da Armada, do Exercito e da Força Aérea comandam os respectivos ramos e são os chefes militares de mais elevada autoridade na sua hierarquia, sendo, nos termos da lei. os principais colaboradores do Ministro da Defesa Nacional e do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas em todos os assuntos específicos do respectivo ramo.
2. Os Chefes de Estado-Maior dos ramos são nomeados e exonerados pelo Presidente da República, nos termos da alínea e) do n.º 4 do artigo 38.º, devendo a proposta do Governo ser precedida da audição, através do Ministro da Defesa Nacional, do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
3. O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas pronuncia-se, nos lermos do número anterior, após audição do conselho superior do respectivo ramo.

O Sr. Presidente: - Estão assim aprovados, na especialidade, todos os números relativos aos artigos 1.º, 2.º 3.º e 4.º.
Passamos agora à votação final global da proposta de lei n º 103/VI. É uma votação que, como sabem, tem de ter uma maioria específica, porque é uma lei orgânica

Vamos votar.

Submetida à votação, foi aprovada, com 144 votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e IO votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro.
Srs. Deputados, passamos à votação final global do texto final relativo à proposta de lei n º 89/VI - Estabelece o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matérias de defesa nacional e Forças Armadas, cuja votação na especialidade teve lugar em sede da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional.
Tem a palavra o Sr Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP) - Sr Presidente, queria requerer à Mesa que, dada a aplicação a esta lei, segun-

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do o meu ponto de vista, do disposto no artigo 171.º, n.º 6, da Constituição, fosse feita a contagem dos votos dos Deputados para efeitos de registo em Diário da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, Srs. Deputados, vamos proceder da mesma forma que anteriormente.
Está em votação o texto final relativo à proposta de lei n.º 89/VI.
Submetido à votação, foi aprovado com 117 votos a favor, do PSD e do CDS-PP, e 42 votos contra, do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, havendo dúvidas quanto à aplicação da norma que foi referida, verifica-se, no entanto, pela votação realizada, que existe uma maioria absoluta no resultado obtido, pelo que não deverá subsistir qualquer questão a este respeito.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 460/VI - Alarga a todos os cidadãos a legitimidade para recorrer contenciosamente de certas categorias de actos da administração central, regional e local (PS).

Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro e as abstenções do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos agora votar, também na generalidade, o projecto de lei n.º 502/VI - Sobre o direito de participação procedimental e acção popular (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 531/VI - Confere a todos os cidadãos a legitimidade para recorrer contenciosamente de actos administrativos lesivos de interesses públicos (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro e as abstenções do PSD e do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos agora passar à votação global da proposta de resolução n.º 89/VT - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa ao Estatuto das Missões e dos Representantes de Estados Terceiros junto da Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Submetida ò votação, foi aprovada com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP, e votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, passamos agora à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 122/VI - Altera a Lei n.º 21/87, de 20 de Junho, referente ao Estatuto Social do Bombeiro, que foi objecto de discussão esta tarde.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

Aplausos gerais, de pé.

Neste momento, elementos de corporações de bombeiros presentes nas galerias saúdam também a Assembleia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o processo de votações.

Vamos retomar o debate da proposta de lei n.º 124/VI. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados. O Governo veio pedir à Assembleia da República autorização para aprovar o estatuto do notariado Esta proposta não pode ser uma surpresa para qualquer um de nós, porque é apenas o cumprimento do Programa do XII Governo Constitucional, o qual, sobre notariado, diz o seguinte: «Como sector de intervenção prioritária, o Governo assegurará a reformulação global dos serviços e a sua desburocratização e simplificação, revendo a legislação própria dos registos e do notariado, incluindo o estatuto dos conservadores, notários e oficiais, por forma a conciliar o princípio da fé pública com a liberalização dos serviços de notariado».
O Governo continua, portanto, a cumprir os seus compromissos assumidos nesta Câmara, perante os portugueses.
Quase no fim da Legislatura - e julgo ser de acentuar este ponto -, o Governo insiste, e bem, no cumprimento, ao longo do mandato, das suas promessas eleitorais e do seu Programa, aqui aprovado.
Por outro lado, esta proposta pretende retomar a tradição notarial, assumida ao longo dos séculos e apenas interrompida pela ditadura na década de 40. Então, transformou-se o notário num funcionário público, do tipo administrativo, só existente nos regimes totalitários, sejam de esquerda, sejam de direita.
O Governo entendeu que chegou agora a altura de cumprir, nesta parte, o seu Programa e liberalizar o notariado.
Na verdade, tirando os países anglo-saxónicos e nórdicos, que têm sistemas próprios, todos os países livres da Europa possuem hoje um notariado liberal, cujas raízes mergulham no Direito Romano Daí chamar-se-lhe também notariado latino.
Diga-se, a título de curiosidade, que os verdadeiros antepassados dos notários foram os célebres escribas da antiguidade, do Egipto, da Grécia e também da índia e da Babilónia. Mas esses não tinham a autoridade do Estado, limitavam-se a escrever, o que era muito importante num tempo em que poucos sabiam faze-lo. Mais tarde, e em Roma que aparece o tabelião - um título que todos conhecemos ainda de há pouco tempo -, e nos princípios da nossa monarquia já encontramos esse tabelião, mas. agora, como oficial público.
A tradição do notariado latino, ou liberal, na Europa do Sul, e também em Portugal, vai no sentido de que o notário é um oficial público, mas, simultaneamente, um profissional liberal. Não é um funcionário público, repito-o. Ë um oficial público, o que é muito diferente. A história do notariado mostra que regressar a este regime não é nem pode ser considerado um «salto no desconhecido».
O notário exerce um ofício público e não uma função pública.
Como oficial público, o notário está investido da autoridade do Estado para receber, interpretar e dar forma legal e certeza à vontade das partes: confere fé pública aos instrumentos ou documentos em que intervém, para além de garantir a sua guarda ou conservação.
Como profissional liberal, ao receber, interpretar e formalizar a vontade das partes, o notário é um agente de

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interesses particulares; é um conselheiro humano, jurídico ou económico, daqueles que o procuram; representa, da melhor forma e de acordo com a lei, a vontade das partes; é um defensor da lei e do direito, mas os serviços que presta são-no à justa medida dos interesses dos utentes.
Por isso se diz que é uma profissão liberal, embora o ofício seja público. Por isso, o notário deve adequar-se ao desenvolvimento da sociedade em que se insere, é uma peça essencial ao bom funcionamento de uma economia moderna, de mercado, que carece de celeridade, mas também de segurança e de certeza nas relações jurídicas.
As transformações dos últimos 20 anos na sociedade e economia portuguesas, principalmente na última década, depois da adesão à Comunidade, impõem um novo estilo, um novo esquema, um novo modelo de notariado. É preciso criar condições para vencer a burocracia paralisante, para conseguir serviços rápidos e de qualidade, sem diminuir a certeza e a segurança dos actos notariais.
Apesar do grande valor - que aqui quero reconhecer e registar - que, na generalidade, têm os notários portugueses, e também os oficiais de notariado, importa reconhecer que lhes é difícil romper com as barreiras resultantes dos atrasos estruturais instituídos.
O novo estatuto do notariado, latino ou liberal, aparece, assim, como uma reforma estrutural, indispensável à melhoria do serviço e ao desenvolvimento económico. Há que conseguir a simplificação administrativa, que todos aqui sempre temos exigido e por que lutamos; há que obter a racionalização dos procedimentos e alcançar a inovação da organização.
Com o estatuto do notariado português, agora proposto e cujo sentido e extensão o Governo indica, pretende-se principalmente, insisto, atingir os seguintes objectivos: o notário passará a ser um oficial público, enquanto investido da autoridade do Estado, e, ao mesmo tempo, um profissional liberal; ao notário deverá ser exigida elevada qualificação técnica, independência e imparcialidade; o notário exercerá a sua actividade em exclusividade, definindo-se as incompatibilidades legais e os impedimentos; os serviços de notariado deverão cobrir todo o território nacional.
No entanto, alguns aspectos não estão esclarecidos - direi, agora, não estavam - na proposta do Governo, pelo que gostaria de os mencionar, pois penso que eles devem ser objecto de reflexão.
O novo estatuto do notariado prevê um período transitório de três anos para ser implementada a sua aplicação, durante o qual os actuais notários poderão optar entre continuar como notários, agora liberais, ou ingressar na carreira dos registos.
E quanto aos oficiais do notariado? Quais os efeitos do novo estatuto? Sabemos agora, porque há pouco foi explicado pelo Sr. Ministro da Justiça, que eles não têm, neste momento, qualquer razão para pensar que deixou de existir segurança no emprego e também não se justifica qualquer angústia quanto ao seu futuro.
Sabemos, agora, que o Governo teve em consideração esses problemas humanos que as grandes reformas acarretam sempre. As pessoas nunca podem ser esquecidas Sabemos, pela intervenção do Sr. Ministro da Justiça, que elas não foram, nem serão, esquecidas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Outro aspecto que também há pouco foi esclarecido, mas que quero mencionar, é o que respeita à localização dos cartórios notariais.
A proposta diz - e muito bem - que o novo estatuto do notariado conduzirá ao aumento significativo do número de cartórios, com vista a uma implantação geográfica de serviços em todo o território nacional. Este objectivo é, evidentemente, de aplaudir Mas todos sabemos que muitos cartórios notariais hoje implantados pelo País não têm receitas que cubram os respectivos encargos. Sabemos, porque nos foi explicado há pouco, como o Governo pretende resolver estas situações, à primeira vista de difícil ultrapassagem.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O estatuto do notariado português pretende conseguir uma maior adequação dos serviços ao modelo de sociedade de hoje e de amanhã, em termos de celeridade, desenvolvimento económico e enquadramento jurídico. É uma reforma estrutural e, como todas as reformas estruturais, desperta suspeitas e suscita dúvidas. O seu objectivo é a modernidade, que se consegue com a retoma de uma tradição: o chamado notariado latino, liberal, que veio do passado. Paradoxalmente, é uma espécie de regresso ao antigamente, mas, agora, com os olhos postos no futuro, para resolver os graves problemas da actualidade, não é um «salto no desconhecido». É, antes, a adopção de um regime que funcionou, durante séculos, em Portugal, e que funciona, ainda hoje, no resto do mundo livre.
Trata-se de uma iniciativa legislativa positiva, que faz parte do catálogo dos compromissos constantes do Programa deste Governo.
É evidente que o diploma a publicar, ao abrigo desta autorização legislativa, deverá responder às preocupações expressas nesta Assembleia. Estou certo de que o Governo aceitará as benfeitorias que, em sede de Comissão, lhe forem introduzidas e estará disposto a aprofundar os esclarecimentos para melhor reflexão.
Assim, e termino, o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata vai votar favoravelmente esta proposta de lei, na generalidade, para continuar, em Comissão, na especialidade, o aprofundamento do debate.

Aplausos do PSD

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr Luís Filipe Madeira (PS)- - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia Afonso, gostei de o ouvir, como é habitual, e segui-o com a atenção que V. Ex.ª merece, mas, devo dizer, que houve algumas coisas que não mereceram a minha concordância.
V. Ex.ª disse que os notários são funcionários públicos desde a reforma de 1949 ou de 1935, penso, no entanto, que, se as minhas fontes são boas. já o Decreto de 14 de Setembro de 1900, designava expressamente o notário por funcionário público.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É isso mesmo!

O Orador: - V. Ex.ª deverá consultar mais fontes do que o Código do Recesvindo ou Lex Gothorum, que é o tal que citaram para o século XIII. Isto é apenas uma nuance, que, de facto, não é assim tão grave. Penso que, basicamente, será semântica a distinção subtil entre oficial e funcionário públicos, quando ambos estão sujeitos à disciplina, ao controlo e à tutela. Isto é um bocado semântico, é um bocado subtil e é para um espírito brilhante como o do Sr. Ministro Laborinho Brilhante Lúcio.
Mas, eu queria que o Sr. Deputado Correia Afonso me confirmasse, se possível, uma coisa que deduzi e que, de

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certo modo, me confortaria na minha preocupação, que é se, no debate na Comissão, o Governo - ele não ,me disse e eu também não lhe perguntei, mas está a ouvir - vai levar-nos o texto que pôs à discussão públicas as respostas que obteve, o que muito facilitaria o nosso trabalho nessa sede. Se o Sr. Deputado estiver em condições de me confirmar isso - e espero que esteja -, agradecia.
Quanto ao facto de ser sem surpresa que esto proposta apareceu, porque esse assunto vem no Programa do Governo, devo dizer-lhe que o Sr. Deputado deve estar surpreendidíssimo, porque há muitas coisas que constam do seu Programa e do programa do partido que o apoia e que o Governo não cumpriu. Muita coisa, e também nesta área! Por exemplo, há uma brochura do programa oficial do Partido Social-Democrata que aponta os objectivos para cada distrito. Recordo o caso do distrito de Faro, quanto ao tribunal da relação do Algarve, que está nessa brochura, já aqui trouxe essa questão por duas vezes à discussão e por duas vezes foi reprovada. Isto apesar de hoje o presidente do partido já não Ser membro do Governo, não faço a distinção entre o Governo e o PSD, pois penso que o Governo tem a confiança e actua em nome da política traçada pelo PSD. Se assim não é, também estão a tempo de nos esclarecer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, muito obrigado pela atenção que dedicou às minhas palavras.
Creio que há uma pequena confusão. Concordo consigo, mas é um pormenor, que o código a que se refere do final do século, e princípio deste, é célebre, «nas não por essa razão. É célebre porque é o primeiro código de notariado que existe na história do ordenamento jurídico português. Creio que seria a isso que se referia.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Não é esse!

O Orador: - A diferença entre um oficial público e um funcionário público é fácil: o funcionário público está no aparelho do Estado, faz parte da máquina, é ema peça dessa organização, ao passo que o oficial público, está de fora, é delegatário, há uma delegação desse poder do Estado. O Sr. Deputado que exerce a advocacia sabe, por analogia, a diferença que há - apesar de mal comparado - entre o constituinte e o mandatário: um é o que difere os poderes e o outro o que os representa.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - O advogado não é um oficial público!

O Orador: - Não. Fiz apenas uma comparação, para V. Ex.ª perceber a diferença que há entre receber, ter e dar poderes.
A outra questão que o Sr. Deputado me coloca é se o Governo apresentará na Comissão todos os documentos de que dispõe. É claro que a pergunta não deverá ser-me dirigida mas, sim, ao Governo, que está presente. Mas, como conheço a forma como o Governo tem trabalhado, posso dizer-lhe - e ele corrigir-me-á, se não for assim - que está disposto, com certeza, a facultar todos os documentos. Creio que o que lhe posso dizer, na generalidade, é que o Governo quererá prestar os esclarecimentos necessários para que possamos votar em consciência na especialidade.
Julgo ler respondido a todas as perguntas que fez o favor de me colocar.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que convirá começar por afirmações que o Sr. Ministro da Justiça aqui produziu, nomeadamente que este diploma tinha uma leitura democrática, tendo centrado, aliás, com a habilidade que lhe é habitual, a questão sobre a satisfação dos direitos e dos interesses dos cidadãos.
Ora, entendo que este diploma tem de facto uma leitura não democrática e que a partir da implementação desta reforma estão em causa a satisfação dos direitos e interesses dos cidadãos mais carenciados. Aliás, penso que o preâmbulo da proposta de lei é bastante elucidativo e deve ser lido com cuidado, porque nele se acentuam os interesses da classe empresarial nesta reforma, de resto, sempre privilegiada por este Governo, mesmo na consulta pública sobre medidas anunciadas para o registo e notariado.
Convirá lembrar que a Agenda 90 para os registos e notariado foi entregue em Outubro de 1993 às associações empresariais e confederações patronais com o pedido de apresentação de contributo. Tal Agenda não foi enviada ao Sindicato dos Trabalhadores do Registo e Notariado,...

A Sr.ª Secretária de Estado da Justiça (Eduarda Azevedo): - Não, senhor! Foi enviada.

A Oradora: - ... entidade relativamente à qual o Ministério da Justiça tem revelado uma estranha e inusitada surdez, não por parte do Sr. Ministro da Justiça, que fez promessas, mas, concretamente, por parte da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, que nem sequer concedeu uma prorrogação de prazo ao Sindicato para se pronunciar sobre determinado diploma.
Os serviços do notariado dirigem-se aos cidadãos deste país e não apenas aos empresários, e com tais serviços o Estado prossegue o objectivo da segurança e da certeza jurídica, garantindo, através da te pública dos instrumentos notariais, a redução da conflitualidade, pela independência e isenção de quem dirige um cartório notarial. A propósito da conflitualidade e como o Sr. Ministro falou na questão das escrituras feitas nos bancos, queria lembrar que os próprios bancos, a partir de certa altura, começaram a fazer inserir uma cláusula em que o particular que assinava assumia e responsabilizava-se por quaisquer deficiências que houvesse na elaboração desses instrumentos.
Como o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira há pouco disse, 14 de Setembro de 1900, é a data em que o notário aparece de facto definido como funcionário público, situação que o sistema introduzido depois manteve, apenas com uma alteração para não deixar os notários dependentes dos emolumentos: fixa uma parte da retribuição, deixando a outra variável. Aliás, a partir do argumento que tem sido para aí brandido, até parece que qualquer dia os senhores dizem: «como foi no tempo de Marcello Caetano instituído, pela primeira vez, o subsídio de férias, isso é mau, vamos acabar com ele!»
O sistema que temos, cujo cerne data de 1900 foi já cobiçado na Europa, mais concretamente na França, onde

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se chegou a ensejar e a propor - e foi o Primeiro-Ministro Michel Rocard que fez essa proposta - uma cópia do modelo português. E não fora o total laxismo do Ministério da Justiça, que de facto não apetrechou ao nível da informatização nem ao nível dos meios humanos, como deve ser, os cartórios notariais, pois, além de não haver funcionários suficientes em muitos cartórios, não lhes deu a formação profissional adequada, não desburocratizou os serviços, não modernizou as instalações, havendo muitas instalações decadentes, mantendo ainda nos notários funções como a de fiscal do fisco, não fosse tudo isto imputável ao Ministério da Justiça, o notariado português teria respondido plenamente às solicitações dos cidadãos.
Vem agora o Ministério da Justiça pretender convencer que, com esta reforma - a que chamo «privatização», embora saiba que os senhores fazem a distinção entre privatização e liberalização, mas, para mim, é privatização, porque a partir dela estará em causa que estes notários representem os interesses do Estado -, o cidadão terá mais cartórios ao seu dispor, verá diminuídos os custos dos actos notariais e terá uma qualidade acrescida dos serviços. Ora, gostaria de realçar a existência de cartórios deficitários. A resposta do Sr. Ministro da Justiça, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Correia Afonso, que deu o exemplo da Guarda, não responde às críticas que formulei, porque pode até ser criado mais um cartório. Mas onde se vai sediar ele? Seguramente, não quererá sediar-se em Almeida onde não passa ninguém. Quererá ficar na Guarda, porque aí tem possibilidades de ter mais rendimentos E o cidadão que vive nas zonas muito periféricas da Guarda terá de se deslocar ou, então, terá de fazer deslocar o notário até lá, o que é a mesma coisa em termos de deslocações, apesar de neste caso ser até bastante caro.
Assim, importa ainda perguntar: por que é que esta medida e tomada, sendo certo que o notariado tem, depois de pagos aos funcionários, rendimentos da ordem dos 30 milhões de contos/ano? É daí, desse rendimento, que sai o dinheiro para os Serviços Sociais do Ministério da Justiça, para a alimentação dos presos, para pagar as despesas correntes do Ministério da Justiça, como o combustível. Tudo isto sai do notariado. Então, por que é que isto é feito Por que razão vai este dinheiro ser depositado nas mãos de notários privados?
Acreditamos que possam surgir mais notários em Lisboa, no Porto e noutras grandes cidades, locais onde a iniciativa privada notarial pretenderá instalar-se por a actividade privada compensar mas, nos outros concelhos, tal não acontecerá e, consequentemente, deixará de vigorar o sistema de haver um notário em cada concelho ao dispor dos cidadãos que na zona vivem.
Importa ainda falar - o que averiguaremos em sede de discussão na especialidade - das tabelas. É que, numa entrevista dada à Vida Económica, e não no Programa «Justiça e Cidadão», a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça dizia ainda não estar definido se seriam fixados apenas preços mínimos ou valores compreendidos entre um mínimo e um máximo e, sobre essa matéria, teremos com certeza muito que conversar em Comissão.
Como fica o cidadão verdadeiramente salvaguardado em relação ao conteúdo do acto notarial e à correspondência dos interesses que quis ver tutelar? Dependendo exclusivamente o notário do pagamento dos seus serviços, o novo notário aparece tendencialmente como dependente de quem lhos paga, e bem, perdendo a postura de isenção e imparcialidade. É o cidadão de mais fracos recursos o mais prejudicado e aquele que, numa celebração de contrato, corre riscos de ver pender o prato da balança para quem tem o poder de pagar.
Como pode o Ministério da Justiça garantir, sobre estes notários, uma tutela igual àquela que hoje detém sobre o notariado? O modelo gizado aparece-nos, como o preâmbulo da proposta de lei confessa, feito à medida de grandes interesses económicos que passarão a dispor do seu notariado privado, enquanto outros, que são milhares de cidadãos carenciados, recebem do Estado uma total indiferença. Estado - e este é outro dos vértices do problema - que, demitindo-se das suas funções, prescinde de rendimentos vultuosos.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputada, queira concluir.

A Oradora: - Vou terminar de seguida, Sr. Presidente.
Teremos ocasião de discutir, em sede de Comissão, as questões relativas à carreira dos notários e dos funcionários, mas não creio que tal seja possível para os que querem seguir a carreira da conservatória numa terra de província onde têm a sua família instalada; não creio que VV. Ex.ªs consigam encaixar numa pequena conservatória mais um funcionário ou dois. Assim, ao resolverem esse problema, será certamente necessário deslocar alguém do local onde está instalado com a sua família, o que provocará graves problemas.
Actualmente, e desde a data que já referimos, o notariado português tem as características de funcionário público. Mas, em relação às críticas feitas pelo Sr. Deputado Correia Afonso, é necessário responder que não é um funcionário privado de autonomia. Não se limita a ser aquele que certifica assinaturas, pois cria a sua própria obra numa escritura ou em qualquer instrumento e, quanto melhor a criar, mais preferido passa a ser.
O notariado português tem um estatuto que lhe garante a liberdade na criação da certeza e segurança jurídicas. O sistema que o Governo pretende introduzir, repudiado por mais de 90 % das pessoas afectadas, lesa gravemente o cidadão, o Estado, os notários e os funcionários dos registos e notariado Não é difícil adivinhar, com este sistema, um aumento de conflitualidade nos tribunais e gostava de recordar o aforismo espanhol: notário fechado, tribunal com mais clientela. Porém, nessa como noutras conflitualidades, assistiremos à morte deste Governo e de qualquer política que prossiga os mesmos interesses!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, com uma sessão de perguntas ao Governo.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação das propostas de lei n.ºs - 103/VI e 89/VI.
O objectivo central desta proposta de lei é modificar o sistema de nomeação das chefias militares, concentrando no Governo e no Ministro da Defesa Nacional mais po-

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deres e mais formas de interferência e ingerência nas Forças Armadas e na organização interna.
A proposta insere-se assim num objectivo de governamentalização e partidarização das Forças Armadas, assumido pelo Ministério da Defesa Nacional, sendo 'Ministro o Dr. Fernando Nogueira.
Paulatinamente, o Ministro da Defesa Nacional auto-transforma-se em chefe das Forças Armadas e estas vão perdendo as características de autonomia funcional e técnica que garantiam o seu rigoroso apartidarismo e a sua colocação ao serviço do povo português.
A proposta implica, pois, uma situação perigosa para a neutralidade das Forças Armadas e, portanto, contrária ao que se encontra fixado na Constituição quanto ao papel, natureza e características das Forças Armadas e quanto ao equilíbrio de poderes na sua direcção superior.
Esta alteração legislativa, de largo alcance, é uma alteração que configura um traço essencial da política de defesa nacional do Governo PSD, que tem a nossa clara e frontal oposição.
Paia que não se invoquem falsos argumentos, importa que fique claro que a autonomia das Forças Armadas que e atingida é a autonomia funcionai e técnica e não qualquer forma de autonomia política que as Forças Armadas não tem nem devem ter. Quem define a política de defesa são os órgãos de soberania, a que as Forças Armadas devem obediência.
Mas as Forças Armadas não são o braço armado do Governo, nem uma qualquer direcção-geral.
O artigo 275 º, n.º 4 estabelece que «As Forças Armadas estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política». Como referem Vital Moreira e Gomes Canotilho (Constituição anotada, 3.ª edição, págs. 963), as Forças Armadas não são «instrumento do Governo» e estão obrigadas, no exercício das suas funções, não só a um rigoroso apartidarismo, como a uma neutralidade política, que as coíbe de qualquer intervenção política.
Para garantia destes princípios, para além de outras regras, também contribuía, de forma decisiva, a fórmula em vigor de escolha de chefias, em que se partia das propostas da instituição militar, isto é, de uma lista escolhida com critérios técnico-funcionais próprios da instituição militar e não dos critérios político-partidários que forçosamente presidem a uma escolha feita por um Governo.
É isto que o Governo pretende com esta proposta de lei Acabando com a intervenção da instituição militar no processo de escolha (digo que a intervenção cessa, porque uma mera audição não condiciona nada nem ninguém), e auto-reservando-se o papel da escolha, o Governo quer privilegiar os seus critérios político partidários, limitar a autonomia das Forças Armadas e desvirtuar a seu favor a aplicação dos princípios de imparcialidade e neutralidade a que elas estão constitucionalmente sujeitas.
Na exposição de motivos, o Governo diz que não bole com as competências atribuídas nesta matéria ao Presidente da República. Não é verdade, já que a proposta mexe nas competências do Presidente Até agora, o Presidente fazia a nomeação num processo de diálogo com o Governo e com a instituição militar, de que ele é Comandante Supremo. Esse diálogo é efectivo, já que a rejeição dos nomes propostos pode implicar e, no limite, obriga a novas propostas por parte da instituição militar. No sistema proposto, o Governo corta a ligação do Presidente da República à instituição militar no processo, reservando para si o papel de única fonte das propostas Mais: enquanto a lei actual explicita o que sucedia quando o Presidente da República recusava o nome proposto (e um dos efeitos explicitado é que esse nome não podia ser de novo proposto), essa referência é «apagada» da proposta, abrindo-se campo para a conflitualidade e provocação institucional, assim como para os bloqueamentos que, na exposição de motivos, farisaicamente, o Governo diz querer evitar.
Também quanto às competências específicas do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e dos chefes militares, a proposta consuma novos cortes, em geral em benefício directo do Ministro da Defesa Nacional.
É assim que o Ministro da Defesa Nacional passa a ser, ele próprio, a nomear os comandantes operacionais colocados na dependência do CEMGFA, ou seja, passa a controlar o CEMGFA por cima e por baixo.
É assim que, quanto ao Presidente do Supremo Tribunal Militar, comandantes chefes e comandantes ou representantes militares de Portugal nas organizações internacionais, a competência, que era do Presidente da República por proposta do Conselho Superior de Defesa Nacional tomada por iniciativa do CEMGFA (que obviamente propunha ao CSDN o nome respectivo), passa agora a ser de proposta do Governo, cabendo ao CEMGFA «(...) solicitar ao Governo, através do Ministro da Defesa Nacional, a proposta (..)». Solicitar?!
É assim que uma série de nomeações que, com base na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, competiam aos chefes de estado-maior dos ramos passaram para a competência do Ministro da Defesa Nacional, incluindo o comandante naval e comandantes operacionais das Forças Armadas terrestres e da Força Aérea, directores dos institutos superiores e comandantes das academias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Da nossa parte, rejeitamos esta governamentalização das Forças Armadas e, por isso, votámos contra na generalidade, assim como votámos contra na especialidade e em votação final global.
O Deputado do PCP, João Amaral.
O PCP manteve, em votação final global, a mesma posição de voto contra que teve em sede de generalidade, porque as alterações introduzidas na votação na especialidade não modificaram a natureza restritiva da proposta de lei n.º 89/VI.
De facto, do ponto de vista dos militares, não se alteraram as duas graves restrições que o Governo pretendia.
A primeira é que só pode haver queixa depois de esgotada a via hierárquica (artigo 2.º, n.º 1) ou, não havendo lugar a recurso hierárquico, é «inventada» uma nova obrigação, a de comunicar ao Chefe de Estado Maior respectivo, comunicação que na prática configura uma nova instância de recurso (artigo 2.º, n.º 3). Em qualquer dos casos, trata-se de uma clara e frontal restrição ao regime do direito de queixa previsto no artigo 23.º da Constituição.
A segunda é que as queixas não podem versar sobre matéria classificada (e sabe-se com que facilidade pode ser aplicada a classificação de segurança) nem sobre matéria operacional (entendida como um critério tão vago e tão amplo que inclui expressamente toda a matéria que tenha por objecto o sistema de forças ou o dispositivo das forças de segurança (cfr. artigo 3.º). Trata-se aqui de uma brutal restrição do conteúdo do direito de queixa, claramente desproporcionada e, por isso, inaceitável

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2268 I SÉRIE - NÚMERO 69

Se quanto aos direitos dos militares a proposta continua a ser fortemente restritiva, quanto às limitações aos direitos do Provedor de Justiça verificaram-se significativas alterações: deixa de existir a proibição de contacto directo do Provedor com a administração militar (embora a redacção do artigo 6.º permaneça equívoca e possa ser fonte de conflitos na sua aplicação).
Por outro lado, fica clarificado que o Provedor conserva a plenitude dos seus poderes de iniciativa própria (artigo 2.º, n.º 4). São alterações e clarificações importantes, como o foram as alterações verificadas nos artigos 2.º, n.º 3, e 3.º, n.º 2 (eliminação da referência às forças de segurança).
Mas estas alterações não modificam o conteúdo negativo essencial da proposta. Ela continua a conter a mesma atitude reaccionária e conservadora perante os direitos dos militares que PS e PSD revelaram ao aprovar em 1982 o artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. São restrições que ultrapassam claramente os limites de necessidade e proporcionalidade prescritos no artigo 18.º da Constituição. Trata-se de verdadeiras e próprias restrições de direitos, aplicáveis a militares só pelo facto de o serem, que deveriam conformar-se às regras e limites do artigo 270.º, bem como as regras de forma contidas no artigo 171.º, n.º 6 da Constituição (isto é, as respectivas disposições deveriam ter sido votadas na especialidade em Plenário, carecendo dos votos de 2/3 dos Deputados presentes).
Por isso, o PCP apresentou, em sede de especialidade, um requerimento para que as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da proposta de lei fossem remetidas para Plenário, por estarem incluídas na previsão do artigo 167.º, alínea f) da Constituição (restrições ao exercício de direitos por militares), aplicando-se-lhe por isso o citado artigo 171.º, n.º 6. O requerimento foi rejeitado pelo PSD, mas o PS e Os Verdes votaram-no favoravelmente, com o óbvio significado de concordância com a tese de que se tratava de restrições de direitos.
Com a aprovação destas leis concretiza-se uma regressão da legislação vigente e da prática que vem sendo seguida pela Provedoria.
Ao contrário do que sustentaram o Governo e o PSD na Comissão de Defesa Nacional, não se trata de um mero condicionamento ou regulamentação. Depois do processo de revisão constitucional de 1989 e depois do processo legislativo desta Assembleia que levou à aprovação do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91), ficou definitivamente clarificado que condicionar o recurso ao Provedor ao esgotamento de quaisquer meios é uma restrição do direito de queixa que a Constituição não prevê. É isto precisamente o que fez registar na Comissão de Revisão Constitucional o Deputado do PSD Rui Macheie (DAR, II série, n.º 8-RC, págs. 178).
É também isto que diz o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, elaborado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva (DAR, I Série, de 5 de Julho de 1990, págs. 3275). Aí se sublinha, para mostrar o carácter de restrição do direito de queixa, que a natureza do Provedor é a de um órgão não jurisdicional de garantia de direitos, em face do qual é reconhecido a todos os cidadãos o direito de apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos, e ainda o facto de a Constituição estabelecer expressamente que a actividade do Provedor é «independente dos meios graciosos e contenciosos previsto na Constituição e nas leis».
Como demonstra o actual Provedor, depois da revisão constitucional de 1989 e da fórmula adoptada para o artigo 268.º, n.º 4, não é hoje possível sustentar com argumentos tirados do paralelo regime do recurso contencioso que nada impediria esta imposição de esgotamento da via hierárquica.
Pelo contrário, esta imposição frustra e pode mesmo inviabilizar e torna inútil a intervenção do Provedor, que se veria coagido a assistir passivamente à violação de interesses ou direitos sem poder exercer os seus poderes atempadamente.
O diploma que aqui é agora aprovado é materialmente inconstitucional, por configurar restrições de direitos dos militares que não respeitam os limites materiais definidos nos artigos 270.º e 18.º da Constituição. E, carecendo quanto às disposições restritivas de direitos da votação de 2/3 dos Deputados, é também inconstitucional do ponto de vista formal.

O Deputado do PCP, João Amaral

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João José Pedreira de Matos.
José Pereira Lopes.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto da Silva Cardoso.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Filipe Manuel da Silva Abreu
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Vilela de Araújo
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Guilherme Reis Leite
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel da Costa Andrade.

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28 DE ABRIL DE 1995 2269

Manuel Estácio Marques Florido.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Simão José Ricon Peres.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Elisa Mana Ramos Damião.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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