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Sábado, 13 de Maio de 1995 I Série - Número 76

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE MAIO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. Fernando José Russo Roque Correia Afonso

Secretários: Exmos. Srs.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião José de Almeida
Cesário José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35, minutos Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n º 130/VI - Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março -Aprova o Código Penal [ratificação n.º 138/VI (PS)], tenda usado da palavra, a diverso título, além do Sr Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio), os Srs. Deputados Alberto Costa (PS), Costa Andrade (PSD), Odete Santos (PCP) e Narana Coissoró (CDS-PP)
Entretanto, a Mesa esclareceu os Srs Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Lino de Carvalho (PCP), Mário Tomé (Indep), Eurico Figueiredo (PS) e Manuel Queiró (CDS-PP) que a haviam interpelado a propósito de uma intervenção da PSP frente aos Jerónimos, para dispersar manifestantes em defesa das figuras rupestres de Foz Côa.
A Câmara apreciou também o Decreto-Lei n º 55/95, de 29 de Março - Transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas n.º 92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho de 1992, e 93/36/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993, e estabelece o regime de realização de despesas públicas com empreitadas de obras públicas e aquisição de serviços e bens, bem como o da contratação pública relativa à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis [ratificações n.ºs 137/VI (PCP) e 140/VI (PS)]. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Norberto Rosa) os Srs Deputados Luís Sá (PCP), Duarte Pacheco (PSD), Júlio Henriques (PS), Mário Tomé (Indep), Isabel Castro (Os Verdes), Manuel Queiró (CDS-PP) e Carneiro dos Santos (PS)
Após o Sr Deputado Rui Gomes da Silva (PSD) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação sobre a proposta de resolução 90/VI -Aprova, para ratificação, a Convenção para o estabelecimento do Gabinete Europeu de Radiocomunicações (ERO), produziu uma intervenção o Sr Secretário de Estado da Habitação (Carlos Costa), tendo ainda respondido a um pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Leonor Coutinho (PS).
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 20 minutos

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O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Fernandes Alves.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Mana Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Fernando da Silva Rio.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

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Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Mana de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um diploma que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas para anunciar que deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 130/VI - Concede ao Governo autorização legislativa para que estabeleça medidas sobre o branqueamento de capitais e de, outros bens provenientes da prática de crimes.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, vamos iniciar a apreciação do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março - Aprova o Código Penal [ratificação n.º 138/VI {PS)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Ao assumir a iniciativa de sujeitar a ratificação o diploma do Governo que aprovou a revisão do Código Penal, o Grupo Parlamentar do PS não exerce apenas um direito, cumpre também um dever político. Está em causa decidir quando, quanto e como se passará a punir, e a punir em nome do povo, como diz a Constituição Por isso, para nós, deve ser a Assembleia da República a ter a última palavra.
Porventura, outros gostariam que a revisão do Código Penal dos portugueses ficasse definitivamente encerrada com a última versão governamental. Temos - e queremos também aqui expressá-lo - uma visão política diferente dos requisitos democráticos da lei penal. Por isso mesmo, com uma nova maioria e com um governo socialista não haverá pedidos de autorização legislativa em matéria penal, será sempre a Assembleia da República a legislar.
A autorização legislativa, ao abrigo da qual o Governo publicou o decreto-lei sob ratificação, foi aprovada há praticamente um ano apenas com os votos favoráveis do PSD e do, então, Deputado do PSN. Continuamos a pensar, como então dissemos, que «seria desejável que a lei penal se baseasse num consenso alargado e não repousasse apenas na vontade da maioria que governa».
Com esta iniciativa, está agora de novo nas mãos da ainda maioria parlamentar dar um passo responsável e construtivo nesse sentido.
Na discussão e votação da autorização legislativa, em gesto e ritmo que provavelmente nem se recordarão, chumbaram, sumária e sequencialmente, dezenas de propostas nossas. Só não puderam deixar de acolher a nossa iniciativa visando a criminalização dessa prática, que na sociedade portuguesa se tem desenvolvido sem obstáculos sérios - o tráfico de influências.
Como explicitámos em declaração de voto, é necessário ir mais longe, mudar, corrigir e aperfeiçoar mais, e agora também mais em função do próprio texto ultimado à sombra da autorização legislativa.
Nesse sentido, na linha das preocupações que fomos defendendo ao longo deste processo de revisão e cujo grau de coerência, pelo menos, os leitores do Diário da Assembleia da República poderão verificar, apresentamos hoje um conjunto vasto de propostas de alteração em torno de quatro direcções fundamentais.
Primeiro, o modo tradicional de punir, que conforme estudos (alguns bem recentes) comprovam, não sofreu entre nós qualquer alteração estrutural, deve ser efectivamente, e não apenas retoricamente, renovado e diversificado.
A única tendência consolidada que se detecta é a expansão de multa com que hoje são efectivamente punidos cerca de metade dos condenados, mais precisamente, já 59 % em 1993. Condenados, cujo número - e recordamo-lo aqui mais uma vez - corresponde a menos de 12 % do número de processos de inquérito instaurados.
De 1986 para cá, enquanto a multa se ia estendendo, a aplicação das penas alternativas à prisão clássica - na falta de pressupostos legais, regulamentares e práticos adequados e estimulantes, estagnou em valores irrisórios ou diminuiu mesmo, representando menos de 2 % do total das penas (apenas 517 casos de aplicação em 1992) A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, na falta de todos esses requisitos, estabilizou nos últimos cinco anos na casa dos 0,0 %.
Se, na revisão que temos pela frente, não forem introduzidas modificações, apenas acentuará o alastramento da multa, com os riscos e inconvenientes que desde o primeiro momento sublinhámos, sem que outras penas conheçam um efectivo e paralelo desenvolvimento.
Hoje, na Inglaterra - e ainda há pouco todos acompanhámos o caso do jogador Ene Cantona -, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, 20 anos depois da sua aplicação e, à partida com carácter limitado e experimental, é aplicada anualmente em mais de 40 000 sentenças. Se não houver, ou melhor, se não houvesse alterações, a começar por alterações normativas, com estas soluções em Portugal, quando perfizermos um tempo de aplicação idêntico, não atingiremos os 2 %!
Chegou-me ao conhecimento, há poucos dias, que o número de sentenças, aplicando a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade a emigrantes portugueses em França, é superior ao número de todas essas sentenças já aplicadas até ao momento em Portugal.
Apresentamos, pois, um conjunto de propostas que visam um alargamento do âmbito e potencialidades de aplicação de alternativas à pena de prisão clássica, nos casos em que esta não seja indispensável, por forma a que, em particular a prestação de trabalho a favor da comunidade, a prisão por dias livres, o regime de semi-detenção e a admoestação possam vir a desempenhar um lugar relevante e não um lugar meramente simbólico ou marginal no sistema punitivo português.
Em segundo lugar, queremos um Código Penal que, quando está em causa o sério agravamento que é exigido pela especial censurabilidade, se lembre e proteja, de forma expressa e determinada, não apenas os que dispõem de poder mas também, e especialmente, as vítimas mais indefesas e vulneráveis, nomeadamente as crianças, os idosos, os deficientes e as grávidas.

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O texto que temos pela frente é meticuloso e não se esquece de assegurar uma protecção especial em casos em que a vítima é «membro dos órgãos de soberania, do Conselho de Estado, Ministro da República, magistrado, membro de órgão do Governo próprio das Regiões Autónomas ou do território de Macau, provedor de justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado do serviço público, docente, examinador público ou ministro de culto religioso».
Sustentamos formalmente que o Código Penal não deve oferecer protecção menor nem menos peremptória quando as vítimas sejam, como aquelas que indicámos, pessoas particularmente indefesas.
Daí que apresentemos um conjunto de propostas de alteração, visando em especial os crimes de homicídio, ofensas à integridade física, coacção, sequestro e rapto, no sentido de determinar o agravamento da reacção penal, nos casos em que sejam aquelas as vítimas.
Queremos que seja corrigido esse motivo de vergonha, que é o Código Penal lembrar-se, com precisão meticulosa, dos que têm poder, e nalguns casos guarda-costas e escolta policial, e esquecer-se dos mais indefesos e vulneráveis, dos que estão mais expostos à agressão e que mais sofrem com o crime.
Terceiro, sustentando, como aqui argumentámos há um ano, um direito penal que leve a sério e se atribua por missão limitar os abusos de poder, propomos idêntica linha de agravamento expresso quando aqueles crimes sejam cometidos por funcionários com grave abuso de autoridade, e ainda que, no caso das ofensas corporais praticadas por agente de autoridade, o procedimento criminal não fique dependente de queixa - solução que, aliás, nos parece também ser justificado estender a outros casos.
Quarto, entendemos que há um conjunto de bens jurídicos, de relevo incontestável na sociedade actual, que não se encontram devidamente acautelados na revisão que temos pela frente. Dizem eles respeito, entre outros, ao ambiente, à transparência pública, à liberdade de informação, à saúde e integridade física dos trabalhadores, à realização da justiça, à liberdade sexual e de procriação e a outros bens jurídicos pessoais.
Tal requer a reconstrução, reformulação e aperfeiçoamento de vários tipos criminais (por exemplo, a poluição, o tráfico de influências, o atestado falso) e a consagração de outros já presentes em tantos ordenamentos jurídicos (como a discriminação e próprio assédio sexual, que só a ignorância deprecia e desvaloriza e que acaba, aliás, de ser consagrado, por unanimidade, em mais um direito penal, o de Espanha).
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Na falta de tempo decorrente de uma grelha restritiva que o Governo não aceitou alterar, apenas uma última alusão à protecção dos bens jurídicos ligados à transparência e integridade das decisões públicas. É que não foi só em relação ao crime de difamação - como alguns Deputados da maioria publicamente notaram, reclamando explicações que agora parecem dispensar - que esta versão governamental trouxe surpresas em relação ao teor da autorização legislativa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar dentro em breve.
É preciso dizer que na redacção deste decreto-lei o Governo infringiu, desfigurou e afectou o alcance da autorização legislativa concedida pela Assembleia no tocante ao crime de tráfico de influência.

Ao aprovarem esta versão bem mais restritiva, o Primeiro-Ministro, V. Ex.ª, Sr. Ministro da Justiça, e o então Ministro da Defesa, hoje Deputado Fernando Nogueira, quiseram tornar mais difícil, bastante mais difícil do que noutros países - por exemplo, em França - que alguém pudesse ser condenado entre nós por tráfico de influência.

O Sr. Leis Amado (PS): - Muito bem!

O Orador: - Convenhamos que não é surpreendente da parte de quem se «esquecera» de incriminar essa prática e de quem só agora parece ter despertado para o discurso da transparência. Mas surpreende da parte de quem aparece agora a aderir ao propósito louvável de separar a política dos negócios. Parafraseando Nietzsche, é bem verdade que quem prega em 10 dias o contrário do que praticou em 10 anos arrisca-se a estar a mentir duas vezes acerca de si. Repito, Sr. Ministro e Srs. Deputados: quem prega em 10 dias o contrário do que praticou em 10 anos arrisca-se a estar a mentir duas vezes acerca de si.
Por isso, a questão fica directamente posta também ao anterior Ministro de Justiça e agora líder do PSD, Sr. Deputado Fernando Nogueira, que infelizmente não pôde estar hoje aqui connosco.
Esta solução restritiva em matéria de tráfico de influência e o atropelo à lei de autorização legislativa e à Constituição que a permitiu só consentem hoje uma alternativa: ou há abertura séria da parte da maioria para corrigir, nesta Assembleia, a visão do Governo, que é ainda de Cavaco Silva, ou ficará a claro a real consistência da recente guinada discursiva do novo líder do PSD a favor da transparência e da separação da política e dos negócios.
Neste e nos demais pontos, desejamos e esperamos abertura para o aperfeiçoamento de um Código fundamental para a sociedade portuguesa. Se esta expectativa for defraudada, é nosso dever estarmos preparados para extrair as consequências.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, acabámos de ter conhecimento de que a PSP está junto ao Mosteiro dos Jerónimos a tentar que os cidadãos que há 18 dias se vêm manifestando contra a situação de Foz Côa sejam impedidos de o fazer, isto é, sejam violados no seu livre direito de expressão e manifestação. Julgo que é uma situação suficientemente grave, porque viola direitos constitucionais fundamentais.
Esta interpelação é, pois, no sentido de a Mesa diligenciar junto do Governo para saber de quem é a responsabilidade deste procedimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, antes de lhe dar a palavra, quero anunciar que está inscrito, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Alberto Costa, o Sr. Deputado Costa Andrade.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o PCP, associando-se à interpelação da Sr.ª Deputada Isabel Castro, solicita também que a Assembleia da Republica, através da Mesa, possa intervir e tomar conhecimento do que se está a passar neste momento frente ao Mosteiro dos Jerónimos.
Já não nos bastava o espectáculo mediático que certa comunicação social, com particular relevo para a RTP, nos oferece diariamente, ao querer transformar um acto privado em assunto de Estado, neste País laico e republicano, como temos agora, a pretexto da limpeza do terreno, lembrando quais tempos de João Franco ou de outros mais recentes, a PSP, violando a legalidade, a procurar retirar à força cidadãos, que estão no seu direito constitucional de protesto, estabelecido pela nossa democracia após o 25 de Abril, a fim de deixar o terreno livre para a cerimónia que se vai realizar.
Trata-se de algo inaceitável num Estado democrático! Pela nossa parte, PCP, solicitamos à Mesa que diligencie no sentido de saber o que se passa, para se travar essa atitude da PSP, dado que a situação está dentro da legalidade.
A nossa pergunta é esta: quem é que se responsabiliza - e temos aqui o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Secretário de Estado - pela intervenção ilegal da PSP, em violação de direitos fundamentais dos cidadãos?

Aplausos do PCP.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, gostaria de saber ao serviço de quem é que se encontra a PSP deste País. Não havendo qualquer razão legítima para aquilo que pretende fazer, pergunto se está ao serviço do Sr Duarte Pio ou se está ao serviço da RTP. Penso que não pode estar ao serviço nem de uma nem de outra!
De facto, o que está a ocorrer é uma afronta inaceitável à legitimidade democrática, pelo que se devia ouvir, nesta Assembleia, mais vozes nesse sentido, dado que é uma situação intolerável!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Alberto Costa, tem. a palavra o Sr Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, terei oportunidade, em sede de intervenção, de responder a algumas das suas objecções, mas já agora, dado que o tempo é restrito, faço-lhe apenas uma pequena pergunta.
Tendo em conta o grau de preparação que o PS reivindica a apresentar os diplomas, pergunto-lhe se é já possível dispormos das propostas que o PS vai fazer em sede de Comissão para podermos entretanto estudá-las. Ou seja, tendo já o PS as questões suficientemente preparadas e as propostas redigidas, era já possível dispormos delas para as estudarmos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, creio que me é permitido responder ao Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - É, aliás, um direito que lhe assiste. No entanto, Sr. Deputado, creio que é difícil responder tendo já tempo negativo, pelo que faço um apelo à sua capacidade de síntese.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Usá-la-ei, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Costa Andrade, as propostas estão prontas, vão ser imediatamente entregues, ficando assim à disposição da bancada do PSD

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Há que reconhecer que a capacidade de síntese existiu.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: As condições em que se realiza hoje o debate sobre as alterações ao Código Penal são bem piores do que as que se verificavam aquando de anteriores debates.
No ano passado, o Sr. Ministro da Justiça, tendo como ponto de referência as taxas de criminalidade conhecidas (as relativas a 1993), pôde ainda afirmar que havia estabilidade na taxa de criminalidade, que era diminuta a criminalidade violenta, que a criminalidade urbana violenta aumentara ligeiramente Isso reza o Diário da Assembleia da República.
A insegurança e o medo colectivos estariam ainda em gestação. Por isso, as alterações propostas para o Código Penal surgiriam num clima de apaziguamento propício a um consenso em torno da política penal, consenso que logo no início se não verificou no próprio Governo. No entanto, eram já visíveis os sinais de que tal apaziguamento era só aparente e que no meio de uma galopante crise económica e social se avolumavam os índices de criminalidade, adivinhando-se já então o surgimento de sentimentos colectivos de insegurança.
Hoje, tais sentimentos são evidentes: evidentes e naturais porque perante o aumento do narcotráfico, perante o aumento de 10% no crime violento revelado nas estatísticas da PSP, face ao aumento de roubos à mão armada em estabelecimentos (mais 23 % também segundo a PSP), face à intensificação do furto por esticão, perante o aumento de crimes praticados com violência, entre os quais raptos, violações, homossexualidade com menores, compreende-se (embora tal não se considere justificável nem justificado) o aparecimento de movimentos populares clamando por justiça.
Estas não são, portanto, as melhores condições para um debate desapaixonado sobre uma lei penal. Lei que surgindo sem a necessária precedência de um consenso social prévio, surge fragilizada logo à nascença, propician-

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do exigências indiscriminadas de acentuação do pendor rigorista. Até mesmo na área do PSD as clivagens vieram ao de cima! E entre as reclamadas exigências de agravamento do rigor das penas foi mesmo possível ouvir - pasme-se! - a reivindicação da instituição da pena de morte.
O Grupo Parlamentar do PCP, desde o primeiro momento, alertou para os perigos de uma reforma feita à pressa, que mais parecia (e afinal era) uma tentativa de esboçar uma resposta a convulsões umas já existentes, outras latentes.
Convulsões que são nomeadamente as seguintes: a convulsão do sistema prisional; a descrença, definitivamente instalada, na reinserção social do delinquente, as alterações no que toca à possibilidade de substituição da pena de prisão por multa têm, ao fim e ao cabo, mais do que um sentido humanista que penso que não têm, ínsita essa descrença na reinserção social do sistema prisional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E isto não porque o PCP discorde - impõe-se que se diga - de soluções de substituição da pena de prisão por multa pois importa é saber se o que o Governo pretende é pôr de um lado prisões de alta segurança desistindo definitivamente da reinserção social Em nosso entender é isso e é por isso que vêm, sem outro sentido qualquer, instituir esta pena de multa.
Para além das que citei quero referir ainda as seguintes convulsões, a convulsão na política criminal do Governo decididamente inepta; a convulsão no sistema processual penal; as graves convulsões económicas e sociais que martirizam a sociedade portuguesa e que contribuem para o definhar dos valores éticos da vida em sociedade e a ineficácia, por isso mesmo, das leis penais.
Tudo isto propiciando a criação de convicções de ineficácia da lei penal, que surge assim desmuniciada da sua finalidade de prevenção geral positiva. Da lei penal já alterada não há assim que esperar muito. E mesmo que se tratasse de uma lei escorreita, que não o é, não se lhe podiam pedir impossíveis, desacompanhada que está das reformas necessárias no sistema processual penal, no sistema prisional, na área da protecção das vítimas de crimes e, sobretudo, desacompanhada que está da política social necessária ausente completamente dos objectivos deste Governo que são os de uma política anti-social.
Apesar da opinião desfavorável sobre muitas das alterações propostas, que determinou o nosso voto contra, apresentámos na discussão na especialidade variadas propostas de alteração. É que não compreendemos como, no que toca a crimes graves contra as pessoas, se possa ter aprovado o abrandamento de algumas penas, como acontece nos crimes de rapto e de sequestro, que, como vimos, aparecem com valores inquietantes na sociedade portuguesa Não compreendemos como se pode ter descriminalizado, em grande parte, o tráfico de maiores, sendo certo que se trata de um fenómeno que atinge proporções graves, vitimando sobretudo as mulheres. Espantoso é que se puna o uso de menores em publicações, vídeos e filmes pornográficos apenas com uma pena de prisão até três anos (e inicialmente era até um ano). Serão estes os crimes de consenso de que tanto se fala?
E não obstante as alterações introduzidas, depois da aprovação da autorização legislativa, ao artigo 180.º do Código Penal, consideramos ainda inadmissível que se mantenha o n.º 5 desse mesmo artigo que a Comissão Revisora tinha eliminado. A comunicação social responsável continua a ser atingida com proibições inadmissíveis relativamente à prova de verdade dos factos, e com a extensão, acrescida, da incriminação relativamente a determinados crimes (gravações e fotografias ilícitas, divulgação de factos referentes à intimidade da vida privada) através da eliminação de causas de justificação.
Sr. Presidente, Srs Deputados- Todas as propostas que apresentámos nas áreas atrás referidas, bem como as que apresentámos relativamente ao último artigo do Código, e sem a qual a prática de alguns crimes por titulares de cargos políticos têm uma punição menos severa, ou não têm mesmo punição relativamente aos cometidos por funcionários, foram rejeitadas. Foram rejeitadas apenas porque sim e por mais nenhuma razão, a não ser uma delas, a relativa à interrupção voluntária da gravidez, que sofreu a rejeição em nome da moralidade dos que preferem a «moralidade» do flagelo do aborto clandestino. Foram aceites apenas duas propostas, uma relativa à classificação do uso das seringas como arma e outra sobre a eliminação de um decreto-lei que surgiu motivado por razões meramente conjunturais.
Apresentamos hoje, durante este debate, as mesmas propostas. No debate de uma lei que se quer o mais consensual possível, quisemos contribuir para a sua consensualização, para a sua eficácia. Assim como está hoje, sem as alterações que se impõem, o Decreto-Lei n º 48/95 entrará pelas traseiras da justiça penal, olhada de soslaio por ser meramente simbólica, ao fim e ao cabo por ser incapaz de reforçar e salvaguardar o consenso social necessário à sua eficácia

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - O Sr. Deputado Eurico Figueiredo pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Eurico Figueiredo (PS) - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente

O Sr. Presidente (Eurico Figueiredo): - Tem a palavra, Sr. Deputado

O Sr. Enrico Figueiredo (PS): - Sr Presidente, ausentei-me durante alguns minutos mas tive entretanto conhecimento de que Deputados de outras bancadas manifestaram o seu protesto em relação aos desacatos que a polícia tem feito esta manhã em relação a alguns cidadãos que estão a jejuar em Belém protestando contra o crime cultural que está a ser feito neste momento no vale do Côa.

Protestos do PSD.

Aproveito para me solidarizar com esses Srs. Deputados, para manifestar também o meu protesto, para pedir ao Sr. Presidente que faça alguma coisa para nos esclarecer do que nos parece ser uma completa ilegitimidade da polícia e, aproveitando a presença do Sr Ministro da Justiça, gostava que ele nos dissesse da legitimidade da polícia de, ao fim e ao cabo, impedir um direito fundamental que têm os cidadãos portugueses de protestarem, sobretudo quando se trata de um crime cultural monstruoso que está a ser praticado no rio Côa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso). - Sr. Deputado, a interpelação é, como sabe, para ser dirigida à Mesa e não

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ao Sr. Ministro da Justiça mas, de qualquer forma, a sua interpelação vai no mesmo sentido das anteriores. A Mesa já tomou providências e assim que tiver uma resposta transmiti-la-á a VV. Ex.ªs.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista para introdução de alterações ao Código Penal, publicado no Diário da República a 15 de Março do ano corrente, que uma proposta que considero demagógica nos fundamentos e incompetente nas soluções técnicas.
Ela é demagógica nos fundamentos quando em vários aspectos pretende acrescentar como proposta inovadora aquilo que o novo código já contempla. Darei apenas um exemplo, o que se prende com o desenvolvimento activo do trabalho a favor da comunidade como medida alternativa à pena de prisão.
Não pode o Partido Socialista deixar de saber que esse foi um objectivo assumido desde logo pela Comissão de Revisão do Código que tinha uma linha directiva por parte da própria intervenção política do Governo ao determinar à comissão que seguisse por essa via que frui consagrada no Código que aqui passou e aqui foi aprovado.
Dizer por isso que se pretende alterar o Código recentemente publicado para que ele vá mais longe na previsão do trabalho a favor da comunidade é falsear, o conteúdo do Código para pretender incluir nele, e, o novo, aquilo que ele já contempla. Do mesmo modo que. o recurso, agora tardio, à crítica à alternativa de multa não visa outro efeito que não seja o de, também aí, tomar á carruagem daqueles que desde a primeira hora, embora sempre sem razão, teceram críticas .à pena de multa como alternativa saudável no sistema penal.
É sabido, é mais do que sabido, que a alternativa de multa criminal é hoje, como vem sendo no nosso sistema, mas particularmente em sistemas modernos estrangeiros, uma solução cuja quantidade e cuja densidade ultrapassa em muito aquela que a lei penal portuguesa actual prevê e que o Código recentemente aprovado vem prever também. Aliás, é sabido - e o Partido Socialista sabe-o bem - que em nenhuma circunstância a pena de multa surge como alternativa impositiva à pena de prisão visto que esta, na esmagadora maioria dos casos, está também contemplada como pena possível.
Por outro lado, não perdeu o Partido Socialista, ao contrário daquilo que pensei ser possível, a tentação de fundamentar demagogicamente aquilo que é a sua proposta de agravação das penas dos crimes contra as pessoas quando as vítimas forem idosos, crianças, mulheres grávidas ou deficientes. E devo dizer que, neste ponto, não posso deixar de me espantar, de ficar perplexo com a fundamentação apresentada pelo Partido Socialista e particularmente com a solução técnica que julgo ser aquela que vem apresentar.
É mais do que sabido, e cientificamente aceita hoje por toda a comunidade jurídica criminal que a agravação pela qualidade da vítima ou ocorre em circunstâncias em que à qualidade da vítima se acrescenta um dado objectivo que ele próprio comporta sempre, e em todas as circunstâncias, uma desvalorização ética, ou, quando não é assim, hoje, aquilo que do ponto de vista da sociologia moderna e da criminalogia moderna se impõe é a existência de normas que remetem para domínios globais de apreciação da culpa concreta em cada caso e não para configurações objectivas prévias.
Dizendo de outro modo. quando o Partido Socialista, mantendo a demagogia da sua fundamentação, vem referir os casos em que o crime é agravado pela qualidade da vítima, naqueles em que o Partido Socialista entende que a qualidade da vítima resulta dos que têm poder e pela via do poder encontram logo nessa qualidade a justificação para a agravação, esquece-se de dizer, e é fundamental que o diga, que esse conjunto de pessoas, que venham a ver agravada a pena do crime contra elas cometido, não vêem essa pena agravada pela sua qualidade mas pelo facto de essa qualidade determinar que o crime foi praticado no exercício das respectivas funções ou por causa dessas funções.
Portanto, não faz sentido, e é demagógico afirmá-lo, que há aqui uma distinção entre as vítimas que ocupam lugar de poder e aquelas outras que, menos favorecidas, como o Partido Socialista diz, não vêem agravada a pena quando elas próprias são vítimas. Isto é, se a solução proposta pelo Partido Socialista vingasse e relegasse o Código Penal novo para a filosofia positivista do século XIX, que impregnou toda a nossa legislação penal até ao Código de 1992, íamos voltar a ter que as penas dos crimes contra as pessoas são automaticamente agravadas se, por exemplo, a vítima for um idoso, o que significa apenas isto, como imaginação provável: se num lar de terceira idade uma idosa de 80 anos agredir com uma bengala outra idosa de 80 anos, vê agravada a pena de ofensas corporais, mas, se ali ao lado, um homem de 40 anos, com a mesma bengala, agredir uma senhora de 68 anos já não vê a pena agravada.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que a lei penal diz nas alterações ao Código que acabam de ser publicadas é que estes crimes verão a sua pena agravada se eles forem cometidos revelando, da parte do agente, uma especial censurabilidade ou uma especial perversidade. Indica-se um conjunto de índices que pode relevar para a afirmação dessa especial censurabilidade ou dessa especial perversidade e diz-se que funcionam entre outros, nos quais, obviamente, se encontram a situação da criança, do idoso, da mulher grávida ou do deficiente se, nas circunstâncias do caso, essa realidade for suficiente para determinar a especial censurabilidade ou essa especial perversidade.
Mais uma vez, por isso, creio que a proposta do PS é tecnicamente errada do ponto de vista do avanço da ciência criminal e demagógica nos seus fundamentos, não sendo, por isso, de aceitar.
Mais do que isso: não tendo nós o texto concreto das propostas do PS, seria interessante saber o que é que teria acontecido, nesta Casa, se viéssemos aqui discutir o Código Penal sem ter apresentado previamente a proposta para a respectiva discussão... Mas, enfim, passemos adiante.
Não tendo nós o texto, temos obviamente de nos regular por aquilo que lemos na imprensa. Se li bem - e aqui deixo, como é evidente, a hipótese de não ter sido suficientemente bem informado -, a proposta do PS para estes casos seria a do agravamento mínimo e máximo de um quarto da pena de prisão. Se fosse assim, então o PS teria conseguido a quadratura do círculo. Se o agravamento fosse de um quarto então ele seria menor do que aquele que existe actualmente, que, quando essas circunstâncias se verificam, e de um terço.
Por outro lado, o PS pretende intervir em defesa do ambiente quando este Código, aprovado e publicado em 15 de Março, é o primeiro que avança claramente na defesa do ambiente através da previsão dos crimes de

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poluição e de dano contra a natureza. O PS retoma-o agora pelo efeito mediático que, obviamente, esta matéria não deixa de consagrar.
Mais do que isso: se corresponde à verdade aquilo que a comunicação social nos fez chegar por informações directas manifestadas pelo próprio partido, o PS propõe que, para garantir que os delinquentes não faltem enquanto arguidos a um julgamento, a pena do crime de atestado falso passe para três anos (isto no caso de o atestado ser passado para garantir a falta ao julgamento). E o PS faz esta coisa notável: o Código Penal publicado em 15 de Março prevê, ele próprio, o crime de atestado falso, que é punido com pena até dois anos de prisão, e o PS quer convencer-nos, a nós e aos cidadãos, de que o médico, se estiver na disposição de passar um atestado falso, passa-o se for preso até dois anos de prisão; deixa-o de passar se a pena passar para três anos de prisão Mais: o PS considera, então, que é mais grave, do ponto de vista do desvaler ético, um atestado falso para justificar a falta a um julgamento do que - isto se está certa a proposta que eu julgo conhecer - um atestado, que, sendo falso, é para evitar o cumprimento do serviço militar, para enganar a segurança social ou a previdência relativamente à fixação de pensões e à situação de invalidez. Qual é o critério de hierarquia de valores do PS? Também não se conhece!
O PS brande com o tráfico de influências, sabendo perfeitamente que eu próprio, enquanto Ministro da Justiça, aqui, nesta Sala, deixei manifesta a abertura do Governo quanto à possibilidade de incluir no diploma o tráfico de influências. O PS sabe bem que o texto da autorização legislativa, que foi preparado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, é um texto que conduz a um espaço de previsão normativa, não sendo ele próprio um tipo legal de crime. Nunca poderia ser nos termos em que está formulado. Os termos em que está formulado são, na minha perspectiva, correctos enquanto termos indicadores para uma opção de tipificação criminal, mas nunca para a reprodução pura e simples. Se ele fosse, pura e simplesmente, reproduzido - e a Assembleia não pode ter querido que assim acontecesse - teríamos, hoje, por exemplo, que um Deputado quando, estando em campanha eleitoral, prometesse que, se nele se votasse, iria conseguir para o círculo por onde se candidata um determinado tipo de resultado estaria a cometer o crime de tráfico de influências. Com certeza que ninguém pretende que assim seja; com certeza que se pretende distinguir o tráfico de influências ilícito do lobby, que é legítimo; que a actividade política no diálogo com os cidadãos não seja ela própria vedada pelo cutelo permanente sobre as pessoas sérias de um tipo de crime de tráfico de influências que servirá apenas para enganar e para épater le bourgeois e não obviamente para combater, por esta via também, aquilo que nós achamos ser a afirmação da transparência na própria sociedade.
Por outro lado, é curioso ver como é que neste momento o PS segue a via da repressão criminal para resolver este tipo de questões.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Quando estivemos aqui a bater-nos pela lei contra a corrupção o PS disse que essa matéria se combate mais pela via administrativa e pela via da interacção política do que através da intervenção criminal.
Significa isto, Sr. Presidente e Srs Deputados, que Portugal dispõe de um Código Penal que passou por esta Assembleia da República com um texto de autorização legislativa ao pormenor, que foi conhecido por todos os Srs. Deputados, que esteve em debate na sociedade portuguesa durante vários meses, que teve por trás de si o trabalho profundo e tecnicamente superior de uma comissão na qual estiveram presentes pessoas com qualidade científica reconhecida- desde o Professor Figueiredo Dias ao Procurador-Geral da República, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a um elevado juiz do Tribunal Constitucional e a vários outros técnicos de reconhecido mérito.
Este é um Código que atravessou todo o espaço do debate democrático na sociedade portuguesa. Foi um Código suficientemente debatido, publicado para entrar em vigor no dia l de Outubro deste ano, sendo, justamente por isso, um Código que tem de encontrar à sua volta, pelo processo democrático que conheceu e que o legitimou, a garantia da sua validade enquanto diploma que aí está publicado e para entrar em vigor.
A posição do Governo é muito clara! face a este Código não altera, sequer, uma palavra!

Aplausos do PSD.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso):- Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, o carácter inteiramente demagógico e infundamentado da intervenção do Sr. Ministro da Justiça.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - leva-me a pedir à Mesa que proceda de imediato (se o não fez já) à distribuição das propostas que apresentámos.
Gostaria também de informar V. Ex.ª de que me inscrevi para exercer o direito de defesa da honra e da consideração da minha bancada, dado o carácter demagógico ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... da intervenção do Sr. Ministro da Justiça.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, a Mesa vai providenciar essa distribuição logo que possível.
Será dada a palavra ao Sr. Deputado no final do debate para exercer o direito de defesa da honra e da consideração da sua bancada.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Muito sinceramente, Sr Ministro, não esperava que terminasse a sua intervenção dessa forma.
Parece-me que, nos últimos tempos, V. Ex.ª anda um bocado nervoso e arrogante - o que não corresponde à sua maneira de ser usual -, e, desculpe que lhe diga, não é democrático numa discussão clara, frente-a-frente entre os Deputados da Assembleia da República e o Ministro da Justiça.

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V. Ex.ª, sem ouvir todas as bancadas (c digo isto porque ouviu apenas duas) e ao dizer liminarmente que não altera nem uma vírgula, reduz a pó o chamado instituto da ratificação dos decretos-leis.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Isso não lhe fica bem!

O Orador: - Como já suspeitávamos de que V. Ex.ª, nesta fuga para a frente com o seu Código Penal e apoiado nos técnicos e cientistas «alemães», não vai fazer mais nada do que manter até ao fim do exercício do seu mandato, até ao fim da Legislatura o seu Código, o que resta aos partidos da oposição que não concordam com o mesmo, como V. Ex.ª acabou de dizer, é fazer um novo.
Foi esta razão, Sr. Ministro, que nos levou a não perder tempo e a apresentar os pedidos de emendas, na medida em que Ex.ª já tinha dito, e confirmou-o aqui, que não altera uma única vírgula.
O Sr. Ministro vem ouvindo as bancadas da esquerda e as outras bancadas; sente a população na rua; V. Ex.ª vê televisão e é uma das pessoas que anda no terreno, não estando encerrado numa torre de marfim; sabe o que o País diz não das alterações a este Código Penal que foram publicadas há poucos dias no Diário da República, que ainda não entraram em vigor, mas, sim, das soluções nelas preconizadas; sabe que há hoje um sentimento generalizado, denunciado aqui pelo PS e PCP sobre a Insegurança causada por aquilo a que eles chamam o «alastramento das multas; sabe que está a falhar o mecanismo de prevenção geral; sabe que, hoje, em algumas aldeias as escolas primárias são guardadas pelos próprios pais; sabe que, infelizmente, estão a despontar as chamadas «milícias», que a própria polícia tem estado a perseguir - e bem! - mas que este fenómeno é causado pela falta de confiança nas soluções penais; sabe que neste momento há um clamor geral para que os juizes apliquem severamente as leis; sabe que há um sentimento generalizado de que as penas são muito brandas; sabe perfeitamente que hoje já ninguém se sente seguro com o Código Penal que temos.
O Sr. Ministro pode vir aqui dizer que o Partido Popular está a fazer demagogia, que não está a pensar em termos técnicos, que não tem cientistas na sua direcção, que não tem o contributo dos autores alemães para explicar-lhes o que significa o humanismo da substituição pela pena da multa, qual a densidade do crime, etc. Mas o que verificamos, através das intervenções dos Srs. Deputados não pertencentes ao Partido Popular mas, sim, às grandes bancadas deste Parlamento, com excepção da do PSD, cujos Deputados e eleitores por eles representados também dizem isso (e, mediaticamente, aqui não lhes convém afirmar uma coisa dessas, mas afirmam isso em privado, porque não são diferentes dos socialistas, dos populares ou dos comunistas, porque perante a ameaça do crime são todos iguais!) - é que V. Ex.ª não pode dizer que o Partido Popular faz demagogia, que não conhece as soluções técnicas, que não tem juristas - penalistas e criminologistas alemães.
O Sr. Ministro tem de dar ouvidos à vida; tem da dar ouvidos à sociedade portuguesa; tem de saber que aquilo que nós dizemos é o sentimento genuíno do terreno, da sociedade, do País. Não pode fechar os olhos e tornar-se mouco perante aquilo que está a passar-se, olhando, para o seu espelho, «espelho meu, espelho meu, diz-me se o meu código não é o mais bonito de todos?»

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não pode perguntar isso ao seu espelho!
Tem de ter a humildade democrática de dizer que, efectivamente, o Código está desfasado dos reais sentimentos do País; tem de aceitar que, como Ministro da Justiça, o seu Código Penal está tão longe que há um fosso entre o que o País pensa e aquilo que V. Ex.ª quer que ele pense sobre as leis penais.
E não deite as culpas em cima dos juizes, Sr. Ministro! Diz que a lei prevê a aplicação da pena de prisão em vez da pena de multa, que são os juizes que alastram as penas de multas. Não! Há directrizes (não digo escritas ou verbais), há dentro do código mecanismos que levam os juizes a preferir as multas; há todo um ambiente resultante das próprios discursos do Sr. Ministro (como hoje sucedeu), da sua intervenção na sociedade - V. Ex.ª faz sessões de dinamização cultural, comícios sobre a justiça e, amanhã, por exemplo, vai às Caldas da Rainha falar com estudantes da universidade -, a fazer o proselitismo deste Código Penal.
Por isso, tem particular importância aquilo que V. Ex.ª diz sobre os juizes e a sociedade. Sabe que...

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. ...distorce daquilo que corresponde ao verdadeiro sentido popular.
No fundo, o que o Sr. Ministro está a dizer ao Partido Popular e aos outros partidos é isto: «Comigo não contem para modificar os aleijões deste Código Penal. Façam outro quando eu me for embora.»
É pena, Sr. Ministro da Justiça, que num instituto e numa Casa tão nobres, V. Ex.ª tenha acabado por dizer, de uma forma nervosa, agreste e arrogante: «não mudo uma vírgula.»
Parece que estamos numa época que não o ano de 1995.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - O Sr. Ministro pede a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro da Justiça: - Para responder ao Sr. Deputado que acaba de intervir, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Ministro, peço-lhe que seja sintético de forma que consiga fazê-lo em um minuto.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, ao dizer «o Governo não altera uma palavra» evidentemente que não impus que não fosse alterada qualquer palavra. O Governo, em sede de ratificação, não tem de alterar nem de deixar de alterar. Apenas trouxe o seu apport à Assembleia no sentido de dizer que entende que não tem de alterar palavra nenhuma.

O Sr. Luís Sá (PCP): - É um acto de respeito.

O Orador: - E como entende que não tem de alterar uma palavra vem aqui convictamente afirmá-lo.
Sr. Deputado, é verdade que tenho andado muito no terreno, é verdade que tenho falado muito com as pesso-

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as e é verdade que, sempre que tenho espaço para informar claramente as pessoas, cias sabem que este Código Penal não é aquilo que no espaço político se diz que cie é, mas é aquilo que cie efectivamente é. E posso dizer-lhe. Sr. Deputado, que não tive um único caso, de uma única pessoa, que, depois de ter conversado comigo, não concordasse com as soluções previstas neste Código Penal - estou a falar do trabalho feito no terreno. Porventura, até V. Ex.ª concordaria mais do que aquilo que diz...
Gostaria ainda de dizer-lhe, Sr. Deputado, que não é a acusação de arrogância que me faz mudar as convicções, porque há uma diferença muito grande entre convicção e firmeza de defesa de convicções e arrogância. Tenho cinco anos como Ministro da Justiça e ninguém pode, legitimamente, acusar-me de qualquer sintoma de arrogância. Mas também toda a gente pode reconhecer que tenho uma convicção firme e que quando a tenho defendo-a ate ao fim.
Sr. Deputado, não estamos a discutir o Código Penal, estamos a discutir a ratificação de um diploma que passou por esta Casa várias vezes, de um diploma que conheceu várias formulações, relativamente ao qual eu manifestei toda a abertura e onde várias alterações foram introduzidas. Mas houve um momento final em que o Parlamento se pronunciou, o diploma está publicado, vai entrar em vigor e, do ponto de vista da segurança, é fundamental garantir a própria segurança da lei.
Neste momento, a posição do Governo, repito, é clara: a de não alterar uma palavra, porque entende que se esgotou claramente todo o esforço para dar a este Código Penal a força que ele deve ter, no sentido de se impor aos cidadãos e de ser também um mecanismo de segurança.
Mais do que isso, se este Código Penal tem de ser publicado e de entrar em vigor, justamente porque questões de segurança nos obrigam a aumentar algumas penas como o Código prevê, não entendo por que razão, entrando este Código em vigor no dia 1 de Outubro - ele vem responder, realmente, a essa exigência da população -, estamos sistematicamente a pô-lo em causa e a bloquear a sua intervenção, quando todos esperam que ele entre em vigor justamente porque as novas medidas que contempla vêm responder de forma mais efectiva às questões que aqui são suscitadas.
Devo dizer-lhe por isso, Sr. Deputado, que o meu trabalho de campo e o meu contacto com as populações serviu muito, numa fase vestibular, para ouvi-las, serve muito, nesta fase, para lhes explicar. As explicações têm sido suficientes e não tenho nenhuma dúvida de que o conjunto das pessoas, que querem ter, realmente, uma informação sobre esta matéria, estão abertas a percebê-la, a compreendê-la e a concordar com este diploma.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, respondendo às interpelações que, há pouco, foram feitas à Mesa, posso informar que a actuação foi da Polícia de Segurança Pública e o seu fundamento teve por base razões de segurança relativamente à cerimónia que amanhã tem lugar naquele local. Todos os manifestantes saíram ordeiramente, não houve violência e, neste momento, o assunto, em termos de autoridade, está considerado encerrado.
É esta a resposta da Mesa às interpelações que, há pouco, os Srs Deputados fizeram o favor de dirigir-lhe.
O Sr. Deputado Manuel Queiró pede a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Para interpelar a Mesa sobre este assunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, tomei conhecimento, há relativamente pouco tempo, de que a manifestação, que dura há vários dias, em defesa da suspensão das obras da barragem e da protecção das gravuras de Foz Côa, foi removida pela Polícia de Segurança Pública.
O Sr. Presidente anunciou agora que tal tinha ocorrido por razões de segurança e eu queria dizer que, da minha parte, não é possível que tal tenha ocorrido a pedido do Sr. D. Duarte, que é uma pessoa que todos conhecem como defensor dos valores culturais e patrimoniais.
Aliás, é ao Governo, através dos seus instrumentos policiais, que deve caber a função de, amanhã, se porventura a segurança das pessoas estiver minimamente em causa, defendê-las, em vez de tomar medidas deste tipo, que põem em causa o direito de protesto e de manifestação que se encontra consagrado na Constituição.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, a Mesa registou a sua declaração de incredibilidade, mas considera-a perfeitamente injustificada, porque na resposta que há pouco dei não invoquei que a iniciativa da actuação da polícia foi do Sr. Duque de Bragança. Disse apenas que a actuação foi da Polícia de Segurança Pública.

O Sr. Mário Tomé (Indep): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.). - Sr. Presidente, em função das informações que V. Ex.ª comunicou à Câmara, quero dizer - senão não percebemos nada disto - que, mesmo que a manifestação tenha sido demovida pacificamente, isso não dá qualquer legitimidade à actuação da Polícia de Segurança Pública! Trata-se, de facto, de uma intrusão, de uma intromissão e de uma prepotência perante o direito democrático de manifestação.
Portanto, a possibilidade de a manifestação se ter demovido pacificamente não dá qualquer justificação à intervenção da polícia e não é aceitável, de maneira nenhuma- e lamento que isto não tenha mais eco nas outras bancadas, nomeadamente na do PS -, que sejam postos em causa os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos por causa do casamento de um outro cidadão! Não pode ser!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - De um cidadão normal!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, a Mesa agradece-lhe que tenha entendido que tem competência para se pronunciar sobre legitimidade! A Mesa não pode pronunciar-se sobre a legitimidade da actuação da polícia. Isso compete ao Plenário ou à Comissão competente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Mi-

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nistro da Justiça, Sr. Ministro da Justiça: Quero dizer duas palavras extremamente breves, dado o tempo disponível e, mais a mais, justificadas por um longo processo legislativo. Penso que, na história da instituição parlamentar portuguesa democrática, poucos processos legislativos terão tido o grau de aprofundamento e debate que teve este Código Penal, que não foi preparado à pressa, como acaba de ver-se. Trata-se de um diploma em que se trabalha há cerca de quatro anos e que é do conhecimento do público, já que foi sujeito a debate público e a intensos debates parlamentares
E a minha primeira palavra é para dar conta de alguma estranheza. De certeza que alguém da comunicação social, alguém da assistência que nos ouve ou lá fora e que siga minimamente estes debates, há-de ficar de certeza perturbado com os papéis que todos nós aqui representamos.
Se as ideologias partidárias significam alguma coisa, se as expectativas que as ideologias partidárias despertam na comunidade em geral, em relação a certos papeis e a certos comportamentos, têm alguma consistência, de certeza que o público não há-de deixar de ficar perplexo. Quem representa o quê, aqui, neste Hemiciclo?!
Se bem virmos as coisas, tirando, seguramente, o CDS-PP, que representa o papel que assumiu - para nosso gosto exagerado - de forma radical, aqui e além baseado em muita falta de conhecimento das coisas, para além disto, sobram-nos dúvidas sobre os papéis. Quando vemos partidos de esquerda fazer, normalmente, uma abordagem crítica ao Código Penal pela via do agravamento das penas, alguma coisa não corre bem! Esta deve ser, seguramente, a primeira vez, no plano do direito comparado e no plano histórico, que a esquerda faz este tipo de. abordagem a um Código Penal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - A esquerda são vocês, os nogueiristas!

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - À vossa direita é que não há ninguém.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, façam o favor de criar condições para que seja produzida a intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade.
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Quando vemos, por exemplo, o Partido Comunista Português criticar a oportunidade em nome da falta de consenso, Marx, de certeza, deve revolver-se no túmulo! Então, é possível, na sociedade capitalista, um crime de consenso como suporte de um Código Penal? ...Então,, é possível isto, em termos de ideologia marxista?!... Que estamos todos nós aqui e fazer e o que é que representamos!?
O CDS-PP, que teve neste processo o seu momento de glória, na medida em que arrastou atrás de si toda a oposição,...

Vozes do CDS-PP:- Ah!...

O Orador: - ... traz-nos aqui este raciocínio: nós representamos as preocupações do povo, que está perturbado com a insegurança induzida pela criminalidade.
Ora, isto não é verdade. Todas as forças políticas estão preocupadas com a segurança, todas as forças: políticas estão perturbadas com o problema do crime O que há são respostas diferentes, há a resposta autoritária, trauliteira, aqui e ali ignorante em relação ao que está em causa, e a resposta de quem, na linha da tradição portuguesa - e não se reivindicando de nacionalismos exacerbados -, apoia e sustenta um programa de política criminal de cariz ressocializador, assumindo-o em todas as suas consequências.
De resto, é um dado conhecido, é uma evidência da História dos povos, que não é, só por si, o agravamento das penas que resolve o problema da prevenção geral. De contrário, os Estados Unidos, que são o país que tem o sistema punitivo mais drástico, tanto no plano substantivo como no plano processual, teriam, seguramente, a maior segurança no que toca ao crime. No entanto, o que se verifica é, precisamente, o inverso.
Quanto às propostas do Partido Socialista, importa, sobretudo, focarmo-nos numa, que e aquela que o PS vem privilegiando. Referimo-nos à célebre solicitude com as viúvas, os órfãos e os abandonados, do ponto de vista da tutela da sua vida e da sua integridade física.
Convém dizer que, mais uma vez, o Partido Socialista chega atrasado à História, que o Partido Socialista tenta arrombar uma porta escancarada Na verdade, essas soluções estão já consagradas no Código Penal.
Qualquer estudante de Direito que leia o artigo relativo ao homicídio qualificado, às ofensas corporais qualificada, etc., sabe que a técnica utilizada, a tão decantada técnica dos exemplos padrão, significa duas coisas: primeiro, que a enumeração constante das diferentes alíneas não é taxativa nem peremptória, uma vez que pode verificar-se a circunstância constante nessas alíneas e, todavia, o juiz entender que não há especial perversidade ou censurabilidade. Para além disso, podem verificar-se circunstâncias que caem fora desse espectro de alíneas e o juiz entender que se verifica especial censurabilidade. Será essa a situação, seguramente, de alguns dos casos postos aqui pelo Partido Socialista. O que importa e deixar ao julgador uma margem suficiente de decisão e de valoração, para aplicar criteriosamente este preceito.
De resto, o Partido Socialista não pode apenas jogar com o travesti de partido da direita ou de extrema-direita. O Partido Socialista tem de ser fiel à sua própria história e se alguma história ele tem, no que toca a esta problemática, é a da preocupação excessiva da tutela dos bens jurídicos pessoais, quando estes são encabeçados por titulares de órgãos de soberania.
Não é verdade que a primeira reforma do Código Penal de 1982 foi feita para estabelecer o regime especial de injúrias à pessoa do Primeiro-Ministro, Mano Soares?! Não é verdade que algumas das agravações no que toca ao crime de homicídio cometido contra pessoas no exercício de certas funções advêm também dessa área «geográfica», que não ideológica, porque agora parece haver um certo desfazamento entre a topografia e a ideologia?
Portanto, o Partido Socialista, com a sua grande proposta, procura «rasgar as vestes nos altares» que, sendo do PP, são mal ocupados por este, porque o PP diz-se nacionalista mas abandona toda a tradição portuguesa, já que esta é o contrário do que o PP quer. O PP está nesta história não como um Deus ex machina mas como um Diabolus ex machina.

Risos do PSD.

Foi o Diabo que o colocou aqui, na história da tradição portuguesa, nada tendo a ver com a história do Direito Penal português nem com a história das instituições portuguesas. O CDS tinha, o PP não tem!

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Quanto ao agravamento dos crimes em relação a menores, proposto pelo PS, repito, esse agravamento já está previsto no Código Penal, nomeadamente para rapto, de um modo tão especifico ou em circunstâncias tais, através de cláusulas gerais, que serão, de certeza, aplicadas por um juiz.
O mesmo poderíamos dizer quanto ao problema, também levantado pelo Partido Socialista, da protecção penal da liberdade para a paternidade e para a maternidade, isto é, a punição criminal da procriação heteronimamente imposta. Trata-se, portanto, da tutela de um valor relacionado com a liberdade de e para a maternidade ou paternidade. Ora, esse valor jurídico está protegido no artigo 168.º do Código Penal, onde se pune a procriação imposta.
Por último, penso que há uma nota importante para aqueles de vós mais sensíveis ao «canto das Erínias». É que há tempos na História em que as vozes das Erínias e da Vingança sobrelevam as vozes das Euménides, para tomar em conta a célebre trilogia de Esquilo. As vozes da Erínias e da Vingança levantaram-se e sobrepuseram-se às vozes da justiça, da serenidade, dos que acreditam que a violência institucionalizada, do poder punitivo, quando é exagerada e injusta, é multiplicadora e potenciadora da violência e da criminalidade, como o demonstra toda a História e toda a Sociologia.
Ora, esses que acirraram as vozes das Erínias e da Vingança deveriam tomar em linha de conta as alterações significativas a nível de liberdade condicional. Na verdade, por força das alterações operadas a nível da liberdade condicional, dá-se uma resposta substancial, a resposta bastante, do nosso ponto de vista, às exigências da prevenção geral.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. Diz o CDS, ou melhor, o PP, que não há solução para a prevenção geral.

Vozes do CDS-PP: - Não há solução?!

O Orador: - Estamos convencidos de que, a haver solução, não é pelos caminhos que o PP aponta. Esses poderiam ser os caminhos do autoritarismo e da multiplicação exponencial da violência. Ora, violência por violência, já basta a que é espontânea da sociedade. O Estado deve ser agente de justiça, de segurança, e não indutor exagerado, desmesurado, de violência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, durante a intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, o quadro electrónico de registo dos tempos parou, mas já foi resolvida a situação, pelo que os tempos estão contados devidamente.
A Sr.ª Deputada Odete Santos pediu a palavra para que efeitos?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, não pedi a palavra, foi apenas uma linguagem gestual em resposta a uma blague e, por isso, não vale a pena responder com outra blague.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado Alberto Costa, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra, por duas vezes, para defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - O seu primeiro pedido de palavra para exercer essa figura regimental já está registado.

O Sr. Alberto Costa (PS) - Sr. Presidente, agora pretendo usar da palavra em virtude da intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, chegámos ao termo do debate. Porém, antes de o encerrar, informo a Câmara que entraram na Mesa várias propostas de alteração, que baixarão à comissão competente, e dou a palavra ao Sr. Deputado Alberto Costa, para exercer o direito de defesa da honra e consideração relativamente a afirmações proferidas pelo Sr. Ministro da Justiça.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, V. Ex.ª fez aqui uma intervenção demagógica, em que falou de demagogia e incompetência. A sua intervenção revela que o seu Governo e o partido que o apoia estão piores, mais autistas e mais arrogantes do que há um ano, quando apareceram aqui a defender a proposta de autorização legislativa para alteração do Código Penal.
Nessa altura, tendo-se esquecido do crime de tráfico de influência, disseram: «Pensamos que não será necessário, que isso já estará contemplado, mas se, em sede de discussão na especialidade, se vier a demonstrar que não está, então, admitimo-lo». Agora, em relação a todo um conjunto de propostas, VV. Ex.ªs já estão incapazes do mesmo grau de abertura, já não estão capazes de dialogar e de aperfeiçoar e já não reconhecem, como nessa altura tiveram de reconhecer, que se esqueceram - e mal! - do tráfico de influências.
Mas V. Ex.ª também revelou que não está preparado para discutir esta matéria, porque revelou desconhecer as propostas que apresentámos na discussão da autorização legislativa.
Sr. Ministro, não estamos a inventar nada, agora, e o partido que o Sr. Ministro apoia esteve representado nessa discussão e nessa votação Aliás, V. Ex.ª veio dizer que, agora, nos «atrelávamos» a uma «carruagem em andamento». Verá, se quiser consultar essas propostas, que isso não é verdade. V. Ex.ª assistiu, no Plenário, às críticas, aos cinco argumentos que apresentámos contra a generalização da multa e, portanto, não poderia dizer que, em matéria de críticas à multa, descobrimos agora o que não tínhamos descoberto no passado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Aí, V. Ex.ª está enganado e não pode basear as suas críticas em recortes de jornais! Um Ministro da Justiça não se dignifica quando, em vez de examinar e usar documentos existentes na Assembleia da República, propostas formalmente elaboradas e apresentadas na Assembleia e algumas iniciativas legislativas publicadas nos Diário da Assembleia da República, utiliza recortes de jornais!
Sr. Ministro da Justiça, estou aqui como eleito, como representante dos portugueses e não como representante de alguns autores alemães ou de qualquer outra nacionalidade.

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O Sr. Luís Amado (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não quero, em nome dos meus eleitores, um Código Penal que se lembre dos que (em poder mas não se lembre dos vulneráveis, dos indefesos, dos que estão mais expostos à agressão criminal. Sr. Ministro, não quero isso! Para o efeito, não represento a esquerda, na concepção que tem o Sr. Deputado Costa Andrade!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Represento, isso sim, os meus eleitores e sei que. eles estão de acordo com este ponto de vista e o aprovam.
Sr. Ministro, em relação ao tráfico de influências, houve uma restrição abusiva e inaceitável. Faça uma comparação com o Código Penal francês, aprovado por uma lei da Assembleia Nacional francesa. Não quero, para o meu País, uma tipificação do crime de tráfico de influência que fique atrás, na previsão - e já não digo em relação à pena-, em relação ao Código Penal francês!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Desafio o Sr. Ministro da Justiça para discutir, sem limite de tempo, na Assembleia ou onde quiser, este aspecto do tráfico de influência. V. Ex.ª não tem razão e a restrição que propõe é inaceitável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Concluo, dizendo que o Sr. Ministro sai daqui, tal como a versão do Código Penal que V. Ex.ª sustenta: mais sozinho, mais isolado, diante desta Câmara e dos portugueses. E esse é um mau serviço que V. Ex.ª presta, porque o seu interesse, o seu empenho, deveria ser no interesse de sair daqui um Código Penal renovado, que tivesse um amplo apoio nesta Câmara e em Portugal. Esta versão, Sr. Ministro, não tem esse amplo apoio em Portugal nem nesta Câmara!

O Sr Presidente (Correia Afonso): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, não sei, exactamente, qual é o objectivo que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista atribui a um Código Penal, mas sei que não atribui à figura da defesa da honra o seu verdadeiro objectivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado invocou essa figura regimental para defender a honra, mas a sua intervenção é demonstrativa de que a honra do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e de V. Ex.ª não foi minimamente atingida,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, não?!

O Orador: - ... visto que não imputou a qualquer intervenção minha um facto que atingisse ou a honra de V. Ex.ª ou do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Assentemos, portanto, que o Sr Deputado utilizou esta figura regimental para outro objectivo, que eu em nenhuma circunstância impugnaria, porque a minha formação democrática, como a de V. Ex.ª, releva mais do plano do conteúdo do que do plano da forma e não e por o Sr. Deputado estar a utilizar uma figura regimental para fins diferentes que eu o iria impedir de ter o discurso que teve. Mas ficamos a saber que o Partido Socialista utiliza para fins diferentes figuras regimentais c. portanto, também, porventura, para fins diferentes o próprio Código.
Sr. Deputado, recebi as propostas de alteração subscritas pelo Partido Socialista aos 10 minutos para as 12 horas V. Ex.ª diz que é sobre as propostas do Partido Socialista que devo pronunciar-me e não sobre os jornais.
Sr. Deputado, como V. Ex.ª calculará, quando o PS dá uma conferência de imprensa para apresentar as suas propostas, tenho de partir do princípio que elas podem ser diferentes daquelas que o PS apresentou em sede de comissão. Até porque não creio que o PS, ao ter apresentado propostas na Comissão e ao ter verificado que, por efeito do jogo democrático, cias não foram aceites, tenha pedido a ratificação do decreto apenas para recolocar sobre a Mesa exactamente as mesmas propostas que, do ponto de vista do jogo democrático, tinham sido rejeitadas, na altura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isso demonstra, uma vez mais, que, então, o próprio pedido de ratificação é outra figura jurídica, porventura, utilizada para fins diversos daquele para que está prevista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agora, o Sr. Deputado disse algo, que, apesar de tudo, reputo de mais grave, do ponto de vista da compreensão da nossa relação democrática. É que V. Ex.ª diz que, não tendo os textos das vossas propostas, não posso orientar-me pela comunicação social. Mas. Sr. Deputado, a comunicação social mais não fez do que transmitir aos portugueses a vossa conferência de imprensa! Quer V. Ex.ª com isso dizer que o que diz nas conferências de imprensa serve para os portugueses mas não para o Ministro da Justiça, porque o Ministro da Justiça deve ter um acesso diferente aos textos das propostas do PS?!
Mas não fui eu que coloquei a questão, nem estou a acusar o PS do que quer que seja! O que estou a dizer é que, como português que também sou, me orientei justamente por aquilo que o PS, em conferência de imprensa, disse aos portugueses.
V. Ex.ª, ao terminar a sua intervenção no exercício do direito de defesa da honra, voltou a fazer a distinção entre os que têm poder e os indefesos. E fê-lo de uma forma que, apesar de não pretender qualificar, diria impressiva, voltando a chamar a atenção para a distinção entre aqueles casos que a lei penal prevê como sendo típicos e taxativos de agravamento e aqueloutros que V. Ex.ª entende passar a prever nesses termos

O Sr. Presidente (Correia Afonso) - Faça o favor de terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - Termino, de imediato, Sr. Presidente Tive a ocasião de explicar que tudo isso está consagrado no Código e qual o fundamento técnico para o (er

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consagrado nestes termos. Por outro lado, o Sr. Deputado Costa Andrade voltou a dizê-lo em termos inequívocos, do ponto de vista da ciência e da técnica criminais. Porém, V. Ex.ª repetiu a mesma posição, com o mesmo ênfase, voltando a chamar a atenção para a distinção entre os que detêm o poder e aqueloutros que são os indefesos. E, inclusivamente, voltou a falar num aspecto, ^que também vai começando a circular até à bancada do Grupo Parlamentar do CDS-PP, acerca daqueles que circulam com segurança
Gostaria, Sr. Deputado, se V. Ex.ª, Sr. Presidente, me desse autorização, de tocar nesse ponto. E isto por uma questão muito simples! é que aí estamos novamente num plano que, por mais que queira, não posso deixar de considerar demagógico.
Sr Deputado, perguntar-lhe-ia o seguinte: se, amanhã, alguém do vosso partido for primeiro-ministro, deixa de andar com segurança? Pelo facto de haver desemprego, passa a ser pago apenas pelo vencimento correspondente ao do Fundo do Desemprego? Pelo facto de haver barracas, passa a viver num bairro da lata ou vai viver para a residência oficial? É que estas questões têm de ser colocadas com seriedade e sem demagogia.
O problema da segurança, como V. Ex.ª bem sabe, tem mais a ver com razões de Estado do que com a segurança pessoal em concreto de quem está envolvido nesse mecanismo. Aflorar essa matéria aqui, colocando, de um lado, os que têm segurança e, do outro, os indefesos, como pessoas cuja tutela dos direitos principais não está consagrada no Código, não é correcto, para não o adjectivar de forma diferente.
Sr. Deputado, não saio daqui mais sozinho. Francamente, devo dizer-lhe que saio daqui com a minha convicção bem mais consolidada É que a questão do debate democrático não serve apenas para mudarmos de opinião mas também para consolidarmos a força das nossas convicções perante falta de razão daqueles que nos contestam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Vou, agora, dar a palavra ao Sr. Deputado Alberto Costa, para exercer o direito de defesa da honra e consideração relativamente à intervenção do Sr Deputado Costa Andrade.
Faça o favor, Sr Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª fez um conjunto de críticas de carácter técnico às propostas por nós apresentadas, as quais reproduzem, no essencial, aquelas que apresentámos durante a discussão e votação da proposta de lei de autorização legislativa.
Quero lamentar que o Sr Deputado Costa Andrade não lenha introduzido essas críticas e esses argumentos durante esse debate e fazer votos de que, na próxima discussão de uma revisão do Código Penal, o Sr. Deputado encontre oportunidade para participar na discussão e votação, na especialidade, das propostas que forem apresentadas pelos Deputados e pelo Governo.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, também não tenho muitas explicações a dar. O Sr Deputado citou o facto de eu não ter estado presente numa reunião da Comissão, mas, enfim, há outros mecanismos para certificar e apreciar estas violações de carácter disciplinar.
De qualquer modo, penso que a minha intervenção, no que toca ao PS, aflorou dois tópicos fundamentais: primeiro, o de dizer que o PS, normalmente, chega atrasado à História e relativamente ao Código Penal também chegou; segundo, o de constatar esta coisa estranha, que é o facto de, à medida que o tempo corre, o PS se ir afastando do Código Penal. O PS, que começou por dizer que estava de acordo com o Código Penal, com a sua «filosofia» e com as suas grandes linhas, à medida que foi subindo de tom a voz do CDS-PP, que ao problema do Código Penal e às vítimas dos crimes, como o tentei demonstrar, «promete pão, mas dá pedras», foi-se também distanciando do Código e, com o passar do tempo, já não verá no Código «pedra sobre pedra» com que possa concordar. Isto são factos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também assinalei o facto estranho, do ponto de vista dos estereótipos e das representações tradicionais, em matéria de ideologias e de concepções partidárias, de não ter sentido aquilo que o PS faz, vindo de um partido socialista; fá-lo-ia, sim, vindo do CDS-PP.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, dou por encerrado o debate relativo à apreciação do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março - Aprova o Código Penal [ratificação n.º 138/VI (PS)].
Vamos, agora, dar início à apreciação do Decreto-Lei n º 55/95, de 29 de Março -Transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho de 1992, e 93/36/CEE. do Conselho, de 14 de Junho de 1993, e estabelece o regime de realização de despesas públicas com empreitadas de obras públicas e aquisição de serviços e bens, bem como o da contratação pública relativa à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis» [ratificações n.ºs 137/VI (PCP) e 140/VI (PS)]
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 55/95, cuja ratificação hoje aqui debatemos, é o exemplo típico de um diploma politicamente inepto, lesivo da autonomia local, criador de privilégios para o Governo e a administração central e tecnicamente desastrado.
A questão mais relevante é, sem dúvida, o artigo 105.º, n.º 4, e os termos em que se refere às obras por administração directa a realizar pelos municípios.
O facto de não ter sido revogado o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 390/82, ao contrário de outras normas deste diploma, torna possível uma interpretação segundo a qual podem ser realizadas obras por administração directa, desde que de valor inferior a 20 000 contos, mas também as de valor superior a este montante, quando tal haja sido autorizado pela assembleia deliberativa sob proposta do executivo.
Mas a verdade é que foram muitos os que entenderam que o decreto-lei visava a proibição genérica de obras

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de valor superior a 20 000 contos. As próprias declarações de alguns membros do Governo apontaram no sentido de uma tal arbitrariedade A nosso ver, importa clarificar a situação restituindo a autonomia local aos municípios. Se assim não for e se vier a ser adoptada a interpretação mais lesiva das autarquias e das populações, fica um problema por resolver
Com efeito, o diploma entrará em vigor em 29 de Maio e, se cie não for alterado e prevalecer a última interpretação referida, cabe ao Governo, ao PSD e à sua maioria parlamentar explicar o que vão os municípios fazer com milhares de trabalhadores afectos à realização de obras por administração directa, o que vão fazer com os seus parques de máquinas e o que vai ser da programação física e financeira, aprovada no início do mandato ou no início do ano.
Por outro lado, será menor, em muitos casos, o ritmo de obras públicas e diminuirá muito a capacidade de captação de fundos comunitários.
Onde a Constituição manda desburocratizar o Governo burocratiza, onde manda descentralizar centraliza, onde seria aconselhável fortalecer as assembleias municipais prefere torná-las mais fracas e carecidas de poderes que actualmente detêm.

O Sr Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O desenvolvimento de regiões e dias áreas mais deprimidas do País, em que as obras municipais têm maior peso económico e maior peso no volume de emprego, ficaria ainda mais afectado, haveria mais desemprego e maior repulsão demográfica.
Não importa tanto discutir aqui se é, ou não, adequada a realização de obras por administração directa. Essa escolha deve caber a cada município e é para o município ter o direito de escolher que há eleições municipais e autonomia local

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O PSD e as suas clientelas podem gostar mais ou menos deste tipo de obras, mas o que não podem é, à pressa e em fim de legislatura, impor medidas que restringem gravemente a autonomia local.
O PSD não pode negar que existem municípios de diferentes maiorias políticas, incluindo do próprio PSD, que recorrem a este tipo de obras; que este diploma levantou protestos generalizados e que a ANMP se pronunciou contra, havendo centenas de moções aprovadas por órgãos autárquicas que chegaram a todos os grupos parlamentares pedindo a sua alteração; que, ainda ontem, foi aprovada uma moção na maior assembleia municipal do País e que o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) mostrou a sua inquietação e. lutou um pouco por toda a parte contra este diploma. A todos manifestamos o nosso apoio e solidariedade.

Aplausos do PCP

Em todas as acções, vimos eleitos e trabalhadores dos diferentes partidos, incluindo do PSD. Se a moribunda maioria parlamentar preferir ser cega, surda e muda e apendicular em relação ao Governo, se o Governo preferir ser surdo em relação ao País, dando mais um golpe no papel da instituição parlamentar, vai assumir as suas responsabilidades. Pela nossa parte, assumimos as nossas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O diploma em causa altera lambem os limites a partir dos quais e obrigatório realizar concurso público, tratando de uma forma discriminatória a administração central e o Governo.
O diploma de 1982, agora revogado nesta parte, estabeleceu um regime muito maleável de fixação de limites pelas assembleias municipais, tendo em conta a enorme diversidade de situações. Não tem sentido passar actualmente para um regime de uniformidade administrativa de limites particularmente baixos ao mesmo tempo que, para Conselho de Ministros, com delegação automática no Primeiro-Ministro, não há qualquer limite.
Para o Primeiro-Ministro, o limite seria de meio milhão de contos, se não tivesse a delegação de poderes; para um ministro, o limite é de 250 000 contos e, para os secretários e subsecretários de Estado, havendo a delegação, a possibilidade de autorizar despesas pode atingir também centenas de milhares de contos. Com este diploma e, de acordo com o artigo 8.º, a nova ponte sobre o Tejo ou o Centro Cultural de Belém poderiam ser executados sem concurso e com dispensa de contrato escrito Não custa ver o regabofe e a possibilidade de aumento da corrupção que daqui podem resultar. É caso para dizer que «a ocasião faz o ladrão» e que o PSD parece estar interessado em criar mais ocasiões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Tem também um valor emblemático o facto de as autarquias, incluindo as maiores, como Lisboa, Loures ou Porto, apareçam tratadas como serviços e fundos autónomos, mostrando bem a visão aberrante que o Governo tem acerca da natureza e estatuto do poder local democrático e a dificuldade que tem em reconhecer a sua dignidade e especificidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Decreto-Lei n.º 390/82, agora em grande medida revogado, resultou da compreensão de que deve haver um domínio próprio de autonomia local, aliás garantido pela Constituição e pela Carta Europeia de Autonomia Local, a que Portugal se vinculou em 1990. O diploma que hoje apreciamos recuou no tempo, em termos que significam uma amputação do princípio da autonomia local.
Não temos dúvidas em qualificar como grave e manifesta a regressão que se verifica nesta matéria. A situação configura-se como inconstitucional, por violação do princípio da autonomia local e da descentralização democrática do Estado e do princípio da proporcionalidade Mesmo que se entenda que as normas constitucionais relativas à autonomia local são essencialmente programáticas, cabendo aos órgãos de soberania densificar os princípios, e inegável que o legislador não pode retroceder na autonomia concedida de uma forma manifesta e profunda sem inconstitucionalidade material.
Estão também afectadas por este diploma as competências das autarquias locais, matéria que integra inequivocamente o seu estatuto. Ora, o estatuto é da competência exclusiva da Assembleia da República e o Governo legislou sem autorização desta instituição parlamentar, o que significa que, nesta parte, há inconstitucionalidade orgânica de todas as normas que versam sobre competências das autarquias locais.

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A uniformização do regime de contratação pública, tratando do mesmo modo realidades diferenciadas surge à revelia da tradição administrativa portuguesa, de muitas décadas, e vai contra a experiência da generalidade dos países europeus. São também introduzidas alterações manifestamente desajustadas no procedimento administrativo conducente aos contratos, além de que a revogação do regime especial dos contratos de empreitadas deixa muitos pontos pouco claros e pode introduzir muitas confusões.
Importa ainda salientar que a transposição da Directiva n.º 93/37/CEE, que o Governo invoca como pretexto para estas atrocidades nada tem a ver com os assuntos em causa. A directiva fixa os limites a partir dos quais é obrigatório o concurso em casos de contratação pública e não tem nada a ver com os limites para realização de actividades directamente pela administração. A directiva abrange a contratação com entidades privadas e não contém, nem poderia conter, qualquer limite à realização de obras por administração directa.
De resto, a transposição é inepta, como se vê pela diferença de âmbito de aplicação resultante da falta de coincidência entre a definição comunitária de empreitadas obras públicas e a definição que consta do Decreto-Lei n.º 55/95. Se analisarmos o anexo II da directiva, por exemplo, veremos que algumas das actividades referidas não integram o conceito de obra pública, que consta do diploma agora em debate.
Estamos, por isso, perante um decreto-lei que reclama alterações urgentes. Pela nossa parte, apresentamos propostas concretas e estaremos disponíveis para examinar todas as outras, na base de princípios de que não abdicamos, em particular da defesa descentralização e autonomia local, dos interesses dos trabalhadores das autarquias, da transparência e da moralidade administrativa, do interesse público em geral.
Se a nossa iniciativa não permitir alterar este diploma, se o Governo e a maioria não mostrarem a abertura que desejamos, a nova política a que o País tem direito deverá encarregar-se de finalmente o fazer.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa no sentido de saber se, estando essencialmente em causa na apreciação deste decreto-lei a autonomia do poder local, o Ministro do Planeamento e da Administração do Território, ou, vendo-se ele impossibilitado, o Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, vai estar aqui presente, porque importava que todos conhecêssemos a posição tomada pelo Sr. Ministro no Conselho de Ministros, relativamente a matéria que é uma autêntica afronta ao poder local democrático.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, à sua interpelação posso responder, em parte, com o que consta do Regimento, segundo o qual o Governo não é obrigado mas pode participar neste tipo de debate, como V. Ex.ª sabe. Relativamente ao aspecto concreto da sua interpelação, desconheço qual o membro do Governo que vai participar neste debate.
Vou, porém, pedir ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que talvez esteja mais habilitado a responder-lhe, que o esclareça sobre o assunto.
Tem a palavra o Sr Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Sr Presidente, respondo à chicana do Sr. Deputado do PS, Gameiro dos Santos,...

Vozes do PS: - Chicana?!

O Orador: - ... da seguinte maneira, o Governo escolhe quem o representa na Assembleia da República e não tem de dar satisfações ao Sr. Deputado do PS Porém, pelo respeito que me merece a Assembleia da República, desde já, digo a V. Ex.ª que, como existem propostas de alteração na especialidade, virão à comissão os membros do Governo que ela entender, todos eles, pois o Governo é solidário em todas as suas decisões
Aliás, o PS, até há bem pouco tempo, também não tinha neste debate a «cara» que, habitualmente, o detende nas questões autárquicas e nem por isso o grupo parlamentar da maioria ou o Governo fez alguma observação em relação a este assunto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS

O Sr. Gameiro dos Santos (PS) - Sr Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra para o efeito, Sr Deputado.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, é evidente que já estamos habituados à truculência do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Já estamos habituados a essas manobras folclóricas das manifestações junto do Douro e a tudo isso

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - O que é que o Sr. Deputado tem a ver com isso?!

O Orador: - Já vou explicar, se os senhores tiverem calma!
Apesar de já estarmos habituados a isso, Sr. Presidente, quero dizer que vou solicitai a defesa da consideração da minha bancada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso) - Sr Deputado, vai solicitar ou acabou de o fazer agora?

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Acabei de a solicitar agora, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Ser-lhe-á dada a palavra no momento próprio.
Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Sá, o Sr. Deputado Duarte Pacheco. Tem a palavra para o efeito, Sr Deputado.

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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, penso que o seu discurso está completamente desactualizado face às propostas de alteração que o Partido Social Democrata apresentou Não teve oportunidade de o reescrever, de modo a centralizar as suas críticas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E difícil reescrever um discurso!

O Orador: - Face às nossas propostas de alteração e ao seu discurso, penso que o PCP não terá qualquer problema em aprovar a ratificação deste diploma
Respondendo, desde já, a algumas das questões que colocou e, por via paralela, ao Sr. Deputado Carneiro dos Santos, devo dizer que a intervenção do Sr Deputado prova que não se aperceberam da verdadeira filosofia do diploma em causa,...

Risos do PSD.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Nós já explicamos!

O Orador: - ... porque ele refere-se a toda a Administração Pública, refere-se às obras públicas, à contratação de bens e serviços para toda a Administração Pública e a única ponta de crítica que VV. Ex.ªs colocam tem a ver com as autarquias locais. Porque será? Se calhar, querem retirar outros dividendos...
Mas isso também significa que, em relação ao resto do diploma, aos outros 104 artigos- o diploma tem mais de 100 artigos -,...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Isto não é um concurso para deitar artigos abaixo!

O Orador: - ... os senhores estão de acordo.. Assim seja, porque votarão favoravelmente a sua ratificação, tenho a certeza.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, V. Ex.ª tem razão numa questão: quando fiz a minha intervenção, não conhecia a proposta de alteração que o Grupo Parlamentar do PSD entregou e que vem, efectivamente, remeter a autorização de obras por administração directa superiores a 20 000 contos, que era. aliás, uma interpretação que admitia como possível na minha intervenção, para as assembleias municipais. Quanto a isso, apenas lhe tenho a dizer que o Sr. Deputado e o Grupo Parlamentar do PSD esperaram pela agitação dos trabalhadores das autarquias de norte a sul do País,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não! Contávamos com a mobilização de massas!

O Orador: - ... da Associação Nacional de Municípios Portugueses, pela inquietação dos municípios, pela entrada de dezenas e dezenas de moções nesta Casa, para tomarem esta posição. Aí só tenho a dizer, designadamente aos dirigentes dos sindicatos e aos presidentes de câmara eleitos que aqui estão: «ganhámos»!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Vire-se para as galenas!

O Orador: - Só tenho a dizer que vencemos, Sr. Deputado! Vencemos!
Agora, também quero acrescentar que levantei outros problemas e, desde logo, a questão de que o poder local é suficientemente específico para merecer, nesta matéria, um tratamento específico. Não foi opção do PSD, mas, do ponto de vista da Administração Central, houve outro problema que coloquei, e que não é um problema menor. Disse, por exemplo, que o Conselho de Ministros, nos termos do artigo 8.º, passou a ter competência para autorizar despesas, sem concurso, com despensa de celebração de contrato escrito, sem qualquer limite

O Sr. Presidente (Correia Afonso) - Sr. Deputado, peço-lhe que termine porque terminou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Portanto, levantei problemas de fundo e disse que o poder local era tratado como um sei viço autónomo, como uma coisa menor, enquanto que. para o Governo, designadamente para o Conselho de Ministros, tudo é possível, sem qualquer controlo Isto e uma questão de fundo que também propomos que seja alterada
Já agora que o PSD, felizmente, recuou nesta matéria e manifestou abertura, apelava para que ela fosse um pouco mais estendida, porque o que aqui está é absurdo, Sr Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso) - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS)- - Sr Presidente, Srs. Deputados. O poder local democrático, tantas vezes louvado a justo título e outras tantas menorizado pelo Governo de cada vez que legisla em matéria da competência dos seus órgãos, deveria merecer o reconhecimento do seu insubstituível papel, que se quer actuante e capacitado para a resolução dos problemas mais directamente sentidos pelas populações. Não tem sido assim, infelizmente. O Governo e o PSD não perdem um só pretexto para, insinuando pretender o contrário, promoverem medidas de constrangimento que, na prática, vêm determinando a asfixia, por razões financeiras e burocráticas, dos órgãos das autarquias locais.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Isso já foi ultrapassado!

O Orador: - Para parecer que tudo vai bem, sempre se faz inscrever nos textos legais a fórmula mágica, «...foi ouvida a Associação Nacional dos Municípios Portugueses».

O Sr. Rui Carp (PSD): - E foi!

O Orador: - Só que, sistematicamente, o Governo cumpre o ritual - ouve mas não acolhe! -, mesmo quando as razões, como no caso em apreço, são de tal monta que deveriam suscitar o diálogo e a negociação, no interesse que não é apenas das autarquias mas é, claramente, do interesse do País
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados. A pretexto da transposição para a ordem jurídica

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interna das Directivas n.ºs 92/50 e 93/36/CEE, a primeira sobre a coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços e a segunda sobre contratos públicos de fornecimento, aprova o Governo o Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, cujo articulado, em parte, determina uma inaceitável redução das competências dos órgãos das autarquias, criando, se não for alterado ou recusada a sua ratificação, graves problemas de gestão em matéria de investimentos, por parte dos municípios. Com efeito, revogados os artigos 2.º a 5.º e 7.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 390/82, de 17 de Setembro, e aplicados que sejam os artigos 12.º e 105.º do diploma em processo de apreciação pela Assembleia, teremos que as obras por administração directa bem como a dispensa de concurso público não poderão exceder, quando fundamentadamente propostas pela câmara municipal e aprovadas pela assembleia municipal, a quantia de 20 000 contos Ora, no momento em que o limiar mínimo do valor de obra candidatável aos fundos comunitários é de 50 000 contos e o recurso à administração directa é prática aceite, e tantas vezes sem alternativa, mormente nos municípios do interior do País, a manter-se esta situação, seriam graves as consequências
Aliás, nada nas referidas Directivas, que tratam - sublinhe-se - da aquisição de serviços e da aquisição de bens, aponta para as restrições que a lei interna vem impor. E mais: o Governo não faz qualquer referência à directiva n.º 93/37/CEE, do Conselho, de 14 de Junho, que, essa sim, estabelece a «coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas», onde se fixa a obrigatoriedade da publicidade e do concurso público, mas somente para obras cujo orçamento seja igual ou superior a 5 000 000 de ECUS, ou seja, aproximadamente um milhão de contos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Contrastando com as medidas restritivas da autonomia do poder local e a sua consequente memorização, registe-se que o Governo, para si e seus agentes, reserva uma grande liberalidade (artigo 7.º), o que torna a nossa crítica tanto mais justa quanto pertinente. De facto, e a título de exemplo, um ministro poderá decidir do procedimento quanto ao concurso em matéria de obras públicas e autorizar o pagamento de despesas até 0,5 milhões de contos!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Está a ver, Sr. Deputado Duarte Pacheco!

O Orador: - Nestes termos, Sr. Presidente e Srs Deputados, o Partido Socialista, afirmando a sua vontade de contribuir para uma solução ajustada aos interesses em presença, tendo em vista a salvaguarda do bom funcionamento dos órgãos das autarquias e a prossecução dos interesses próprios das populações, apresenta propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, que considera realistas e indispensáveis aos objectivos que se visa alcançar.
A nossa expectativa é a de que, ao menos por uma vez, triunfe o bom senso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

Vozes do PS: - Então, não pedem esclarecimentos!?

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Já está esclarecido!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por iniciativa do Partido Comunista Português e do Partido Socialista, estamos hoje a apreciar as ratificações n m 137/VI e 140/VI, do Decreto-Lei n º 55/95, de 29 de Março, que transpõe para ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 92/50/CEE e 93/36/CEE, do Conselho, e que estabelece o regime de realização de despesas públicas com empreitadas de obras e aquisição de serviços e bens, bem como o da contratação pública relativa à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis.
O Partido Social Democrata congratula-se com os propósitos do Decreto-Lei em referência, os quais temos a convicção de serem largamente consensuais nesta Câmara.
Sendo necessário transpor duas directivas para a ordem jurídica interna, o Governo optou não pela sua transposição directa e imediata, mas antes pela adaptação ao direito nacional das soluções, metas e objectivos apontados nas directivas já referenciadas
Simultaneamente, foi objectivo do Governo reunir num só diploma normas contidas em legislação diversa, tendo sempre presente a necessidade de uma absoluta transparência em todo o processo de realização dos concursos e contratos relativos às empreitadas de obras públicas e aquisição de serviços e bens.
Estas alterações legislativas permitem a todos os organismos da Administração Pública uma gestão mais flexível, menos burocrática, mais adaptada ao mundo em que vivemos, sem prejuízo do necessário controle jurídico e financeiro, salvaguardando-se o princípio da concorrência. Estes fins, não são motivo de qualquer divisão entre todos os que no seu dia a dia se apresentam como defensores de uma economia de mercado e que defendem uma maior flexibilidade na gestão e uma maior autonomia de decisão para os diversos organismos da Administração Pública.
E, Srs. Deputados, são estes os objectivos principais deste diploma. É sobre esta matéria que assenta o essencial do seu articulado.
Os pedidos de ratificação não se centram, pois, no cerne do diploma mas, sim, em elementos parcelares, nomeadamente nos referentes às autarquias locais.
O artigo 105.º dedica-se especialmente às autarquias locais, e sobre o seu conteúdo, assim como sobre o resto do diploma, recebeu a direcção do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata a Associação Nacional de Municípios Portugueses, ficando sensibilizada para as suas preocupações, nomeadamente no que se refere ao n.º 4 do artigo 105.º, que traduz novos valores para a alínea a) e b) do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 390/82.
Neste sentido, o Partido Social Democrata apresentou, esta manhã, uma proposta de alteração, a qual dá uma nova redacção a este número do artigo 105.º, mantendo-se a possibilidade das autarquias locais realizarem obras por administração directa superiores a 20 000 contos, desde que autorizadas pelas assembleias municipais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E aqui é bem evidente quer o desajuste do discurso do Sr. Deputado do Partido Socialista quer o facto de exigir menos do aquilo que o Partido Social Democrata ofereceu às autarquias locais, ou seja, nós tivemos uma abertura superior àquela que o Partido Socialista exigia!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Apresentámos igualmente a proposta de introdução de um novo número ao mesmo artigo, a qual visa concretamente que só obras com valores superiores a cerca de 20 000 contos necessitem de visto prévio d.º Tribunal de Contas, em perfeita consonância com o apresentado no n.º 3 do mesmo artigo.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Também aqui fomos além das exigências dos partidos da oposição.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O presente diploma tem objectivos claros e meritórios: reúne legislação dispersa; transpõe normas comunitárias, adaptando-as à realidade portuguesa; e flexibiliza e dá maior eficácia à gestão da Administração Pública, mantendo os mecanismos de controle.
A sua bondade é inquestionável! No entanto, neste diploma, subsiste um artigo que o Grupo Parlamentar do PSD pensa poder ser melhorado. Temos a convicção de que o Governo, não abdicando dos seus princípios: acolhe o sentido das nossas propostas, as quais mais não visam do que aperfeiçoar um bom diploma e, assim, melhor servir Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, em primeiro lugar, quero dizer que vou dedicar o pouco tempo disponível que tenho ao PSD e não ao Governo, porque me parece que está mais de acordo com a resposta necessária a dar à estratégia hoje seguida pelo PSD e pelo Governo. E o PSD que está na operação não da transparência mas da «detergência», como dizia um grande jornalista do nosso país, e não podemos deixar a «detergência» com o PSD. O PSD tem de assumir as suas responsabilidades no apoio que tem dado ao Governo e à actuação atribiliária deste, muitas vezes concentracionária - tem de assumir essas responsabilidades!
Por isso, começo por perguntar ao Sr. Deputado, tendo em conta a atitude que o PSD está a tomar hoje, com estas propostas de alteração, no sentido de responder a este debate pedido pelo PS e pelo PCP, por que é que não viram isto antes? O PSD não têm autarquias? O PSD não tinha a consciência de que isto seria um acto contra as autarquias, contra a capacidade de estas intervirem? O PSD não tinha a consciência de que era um acto ao serviço da concentração, nomeadamente dos grandes empreiteiros? Não via que isto iria tirar às autarquias, nomeadamente às pequenas autarquias, a possibilidade de darem emprego e de desenvolverem a sua própria região, onde têm jurisdição? E mesmo para as grandes autarquias como Lisboa, será uma situação penosa e de grande dificuldade.

O Sr Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. Portanto, além destas questões, queria deixar assinalado que este recuo do PSD, como já aqui foi dito, no qual teve
um papel importantíssimo a mobilização dos autarcas e dos trabalhadores das autarquias locais, indicia que o PSD está com dificuldades, pelo que tudo Cará, ou muita coisa fará, para conseguir obter votos. Logo, é sinal de que a luta deve continuar, acentuar-se e, se necessário, radicalizar-se

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado Gameiro dos Santos.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, em primeiro lugar, gostava que clarificasse a proposta que hoje apresentou, que, apesar de tudo, é curiosíssima, porque revela que neste momento o PSD está em nítida oposição ao Governo.

O Sr. Rui Carp (PSD) - Essa tirada é magnífica!

O Orador: - Aliás, era importante aproveitarmos a presença do Sr. Secretário de Estado do Orçamento para sabermos qual foi a posição do Governo nesta matéria, já que aprovou, em Conselho de Ministros, o Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, quando as directivas comunitárias não obrigam à transposição para a ordem jurídica interna implicações deste tipo para as autarquias. Então, por que é que elas aparecem aqui? O argumento de que as directivas comunitárias a isso obriga e falso
Logo, é importante ouvirmos o Governo sobre isto É importante clarificarmos aqui esta situação, porque se, por um lado, se indicia que as obras por administração directa de valor inferior a 20000 contos podem ser feitas em completa liberdade, por outro, o Sr. Deputado deu a entender que as obras de valor superior a 20 000 contos vão depender sempre de uma aprovação prévia da assembleia municipal, o que quer dizer que vamos abandonar, chamemos assim, uma autorização genérica da assembleia municipal para estas obras, obrigando-a a tomar deliberações caso a caso.

O Sr. Carlos Pinto (PSD) - Hoje não é assim?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Como é que e hoje?

O Orador: - Tenham calma, Srs Deputados, não estejam nervosos.
Portanto, o que gostaria de saber é o porque desta inflexão? Quer dizer, os senhores fazem oposição por oposição?! Estou avesso a esta proposta, porque o senhor foi um pouco dúbio no seu discurso

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD) - Sr Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer as questões que me colocaram.
Sr. Deputado Mário Tomé, é a primeira vez que o vejo, num debate, a criticar não o diploma apresentado pelo Governo, mas a propositura pelo PSD de propostas de alteração, no sentido de melhorar um diploma oriundo desta maioria

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Não critiquei isso!

O Orador: - Foi a única coisa que o senhor fez!
O Sr. Deputado Mário Tomé não questionou artigo algum

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dos 109 do diploma, nomeadamente o artigo 105.º, que é o que está aqui em debate, o que questiona é o termos apresentado propostas de alteração.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Vocês têm responsabilidades no Governo!

O Orador: - Sei que o Sr. Deputado não está a falar para mim mas, sim, para as galenas! Pode continuar a fazê-lo, se quiser, porque tem como hábito, não discutir seriamente as questões, mas fazer folclore político, nada mais

O Sr. Mário Tomé (Indep.): -O que critiquei é terem andado quatro anos a enganar o povo!

O Orador: - Sr. Deputado, não há maneira de responder às suas questões, porque a direcção do Grupo Parlamentar do PSD recebeu a Associação Nacional de Municípios, ficou ciente das questões que lhe colocaram, foi sensível a essas questões, esteve em conversações com o Governo e foi possível, através de um acordo entre o Governo e o Grupo Parlamentar do PSD - devo dizer que não há qualquer tipo de dissonância entre as duas posições -, apresentar uma solução para esta questão. Qual é o problema disto?! Normalmente, os senhores questionam a inflexibilidade, dizendo que o Grupo Parlamentar do PSD e o Governo não ouvem as pessoas, e quando o fazem os senhores dizem: «Que mal isto vai! Já estão a ouvir as pessoas». A nossa postura não é esta. A nossa postura ao longo destes quatro anos foi sempre a mesma: discute-se o que se tem a discutir, tomam-se as decisões quando têm de ser tomadas,...

O Sr Mário Tomé (Indep.): - Isso é mentira!

O Orador: - ... mas sempre com a reflexão para avançar, para alterar o que tem de ser alterado.
Sr. Deputado Carneiro dos Santos, não vou responder-lhe, porque, pura e simplesmente, não compreendi a sua questão. Face à leitura que fez das propostas, o que penso e que não deverá ter compreendido o que apresentámos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs Deputados: Penso que nesta fase do debate as posições são, por demais, claras. O PSD foi obrigado a recuar, os anos eleitorais têm estas vantagens e tanto a participação como a contestação dos cidadãos têm virtualidades. Aliás, o PSD também teve, nesta fase última dos trabalhos parlamentares, de compreender a necessidade de fazer separação de funções, não funcionando tanto e só como caixa de ressonância do Governo, que é aquilo que efectivamente é, mas tem de dar um certo ar de distanciamento, que fica bem, que cai bem, o que coloca cada um dos Deputados, individualmente considerados, numa posição mais cómoda relativamente aos eleitores, cujo voto irão, a curto prazo, pedir outra vez.
Portanto, sobre esta questão, penso que estamos conversados, se bem que uma posição mais clara e antecipada teria permitido não colocar em situação embaraçosa alguns dos vossos eleitos a nível local, que foram obrigados a abster-se em algumas situações ou a votar contra moções de censura maioritariamente aprovadas, pelo decreto-lei que hoje estamos a discutir
É um decreto-lei que não tem inovação de maior, na medida em que corporiza aquilo que e a forma como o PSD e o Governo entendem o poder local: os funcionários de segunda, os tarefeiros para os quais se atira tudo o que de odioso se quer, porque tem reflexos em relação às populações, às comunidades locais. São os autarcas que, muitas vezes, se vêem obrigados a visualizar aquilo que são as consequências ambientais, sociais ou outras das decisões ou da ausência de decisões do Governo.
Em suma, a visão centralista e burocrática que o Governo tem do poder local é a de que não são parceiros privilegiados do desenvolvimento do País, não são aqueles que se reconhece terem tido um papel extremamente importante na melhoria das condições de vida das comunidades locais. O que o Governo fez foi, aproveitando a boleia desta directiva, tomá-la de assalto e tentar desvirtuá-la completamente É que. num tempo de grande descrédito por parte dos cidadãos devido à opacidade e à corrupção instalada ao nível do Governo, este necessita de criar todas as facilidades para si e, ao nível do poder local, dos municípios, criar entraves que iriam significar, entre outras coisas, o «engarrafamento» de obras, a paralisia e a asfixia nos grandes municípios
Em conclusão, esta medida iria significar pior qualidade de oferta e piores condições de vida para as populações e, para os municípios que, por incapacidade do Governo, são, muitas vexes, a primeira e única fonte empregadora, iria significar mais desemprego na sua região, desperdício de meios humanos e financeiros, obrigando, deste modo, as pessoas a abandonarem cada vez mais as zonas do interior e a lerem de procurar formas de sobrevivência noutros sítios
Era isto o que se queria, pelo que a contestação, em tempo de eleições, serviu! Ainda bem que assim foi!

Vozes do PCP: - Muno bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através do estatuído n.º 4 do artigo 105 º do Decreto-Lei 55/95, o Governo retirou às assembleias municipais uma importante competência, qual seja, a de fixar, por deliberação interna, o valor a partir do qual as empreitadas de obras públicas contratadas pelas autarquias locais deverão ser precedidas de concurso público.
Na lógica de repartição de competências que presidiu à elaboração da lei das autarquias locais, à assembleia municipal coube o papel de órgão de fiscalização e controlo da actividade da câmara municipal no desempenho das atribuições que a mesma lei delineou para as autarquias locais. É por esta razão que a lei prevê que a câmara municipal elabore e submeta à apreciação da assembleia municipal um plano anual de actividades, no intuito de evitar surpresas ao órgão fiscalizador quando se tiver que debruçar sobre a actividade desenvolvida pelo órgão executivo, de avaliá-la e de a sancionar.
Para que tudo corra pelo melhor, a assembleia municipal só se pronunciará sobre planos de actividades que tenha previamente aprovado, sob proposta da câmara, órgão ao qual compete, além deste, submeter à apreciação da assembleia municipal as grandes opções de gestão do município, consubstanciadas no plano director municipal e

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noutros planos de pormenor, embora não menos importantes, como os planos de urbanização para o concelho.
Voltando um pouco atrás, lembramos que o plano anual de actividades e o orçamento são realidades que não andam dissociadas, na medida em que para todas as actividades propostas deve existir a verba que as permita concretizar. Estes dois instrumentos de gestão são, de facto, complementares, o primeiro é o documento de orientação da gestão das autarquias que visa definir os objectivos da sua acção, estabelecer as prioridades de actuação, discriminar os empreendimentos a realizar e explicar as rubricas de despesa do respectivo orçamento que respondem pelo financiamento dos investimentos; ao segundo cabe estabelecer as receitas e as despesas para o respectivo ano económico nas mais diversas áreas.
É aqui que cabe equacionar a questão das obras realizadas por administração directa da câmara municipal!
É, hoje em dia, impensável que a câmara municipal se encarregue, por si própria, de todas as obras que entende necessárias para o concelho. Mas a inversa também é verdadeira: confiar a terceiros todas as obras que planeou equivaleria ao descalabro financeiro do município.
Pense-se no dispêndio de tempo e de recursos humanos e materiais com a elaboração dos cadernos de encargos, com as publicações legais, com a submissão dos processos a visto prévio do Tribunal de Contas, com as adjudicações, com as impugnações dos concursos, com as revisões de preços; em suma, com todas as situações de facto que constituem a realidade de um concurso público para a adjudicação de uma empreitada. A realização de obras por administração directa das autarquias é, por tudo isto, necessária.
Assente este ponto, perguntamos: que razão existe para se coarctar às assembleias municipais a competência para estabelecer o montante até ao qual as câmaras municipais podem realizar obras por administração directa? Por que razão se vem desvirtuar um sistema de competências, que se distribuem entre dois órgãos, que, melhor do .que ninguém, conhecem a realidade do espaço físico da parcela do território nacional em que as exercem?
O estabelecimento de um valor para a realização das obras por administração directa das autarquias não pode ser deixada à lei por duas razões: primeiro, porque os municípios não têm todos a mesma dimensão, não são todos do interior nem todos do litoral, não têm todos o mesmo orçamento nem os mesmos meios, são, cada um deles, uma realidade diferente da do município vizinho; segundo, porque a lei não tem em conta, nem pode ter, tais especificidades
«Quem sabe do convénio é quem lá está dentro», diz a sabedoria popular. E se é a própria lei que, noutros diplomas, reconhece que os municípios não têm todos a mesma dimensão e que a complexidade da Sua gestão aumenta na mesma razão da grandeza respectiva, não vemos motivo válido para que se venha a retratar.
Em termos estritamente políticos, o Decreto-Lei n.º 55/95 traduz-se numa menorização e desconsideração do poder local e constitui, sem dúvida, um golpe na sua autonomia.
Os recursos humanos e materiais com que as câmaras se apetrecharam ao longo de vários anos para fazerem face às suas atribuições em matéria de obras públicas vão ficar subaproveitados, e, em certos casos, esta situação vai conduzir muitos assalariados municipais ao desemprego, agudizando assim problemas sociais, já de si bastantes graves.
Refira-se, em particular, o caso da região do Alentejo, já por si em precária situação económica e social, na qual as câmaras municipais se verão impedidas de fazer qualquer obra por administração directa, já que, no âmbito do Programa Operacional da Região Alentejo, o Governo decidiu que aquelas só poderão candidatar-se à realização de obras de valor superior a 50 000 contos, mais do que o dobro do valor que o diploma autoriza para a administração directa da obra. Refira-se, ainda, a ausência de empresas e, designadamente, de empreiteiros, com meios e avio para responderem a todas as solicitações de empreitadas de obras públicas, e rapidamente concluiremos que as obras passarão para o dobro do preço.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entende o Partido Popular que tudo se deve fazer para modificar esta legislação. Saudamos, por isso, a abertura do PSD e do Governo para que se inicie rapidamente um processo nesse sentido, em sede de comissão e instamos o Governo a que suspenda a aplicação do decreto-lei até à conclusão da decisão parlamentar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, este diploma - e concordamos todos que, se aplicado, será altamente gravoso para os municípios, como revelam as propostas do PSD- entrará em vigor em 29 de Maio. Isto significa que, sem falar da sua eventual suspensão, visto que o diploma não foi aprovado com alterações dos Deputados, o que tive a oportunidade de questionar, impor-se-á, então, uma extrema celeridade na introdução das alterações.
Neste sentido, pedia que a Mesa fosse diligente no sentido de o Sr. Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente marcar com muita urgência uma reunião para esse efeito, de forma a não se criar um hiato nesta matéria, o qual representaria um grave problema jurídico e administrativo para o poder local português com prejuízos, creio eu, para todos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso)- - Sr. Deputado, a Mesa tomou nota da parte substantiva da sua interpelação, no sentido de ser convocada com urgência a Comissão competente em razão da matéria.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr Presidente, em nome do Partido Social-Democrata, gostava de dizer que estamos perfeitamente de acordo com o que o Sr. Deputado Luís Sá acabou de mencionar, no que se refere a uma rápida convocação da Comissão competente, o que também permitirá dar um maior protagonismo ao Sr. Deputado Jorge Lacão, que, nesta área, bem precisa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr Deputado, a Mesa regista o sentido da vontade do Grupo Parlamentar do PSD.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Norberto Rosa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, dá-me oportunidade de apresentar à Assembleia da República um diploma fundamental para a gestão da Administração Pública e para o seu relacionamento com os agentes económicos
De facto, a regulamentação legal das despesas com a aquisição de bens e serviços é uma das pedras de toque da política administrativa, económica e financeira do Governo.
Com este diploma, o Governo prosseguiu um conjunto de reformas que têm incidido sobre a administração financeira do Estado. Já tinham sido introduzidas mudanças significativas com os textos legais que estabeleceram o enquadramento do Orçamento e as bases da contabilidade pública, consagrando um novo regime de elaboração da gestão orçamental, da autonomia administrativa e financeira e da realização e pagamento das despesas públicas; foi igualmente publicado um novo estatuto do pessoal dirigente da função pública.
A regulamentação legal das aquisições públicas ficou, assim, desajustada perante um sistema de administração financeira inovador em matéria de desconcentração das decisões e da responsabilização dos órgãos dirigentes.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tendo em conta estes dados, o Governo não se limitou - ao contrário do que diz o PS - a transpor para o direito nacional as directivas comunitárias que, entretanto, foram publicadas em matéria de aquisição de serviços e bens mas, respeitando integralmente o quadro legal por elas estabelecido, procedeu a uma reforma do sistema de aquisições do Estado.
Ela tem em vista dois objectivos fundamentais: assegurar a máxima transparência sem pôr em causa a necessária flexibilidade, e permitir que as aquisições sejam efectuadas nas condições mais vantajosas para o Estado.
A primeira condição de transparência é a definição rigorosa do âmbito de aplicação pessoal e do âmbito de aplicação material. Ficam abrangidos todos os organismos com autonomia financeira, incluindo os que se regem por critérios de gestão empresarial, bem como as pessoas colectivas de direito privado sem natureza empresarial que sejam financiadas maioritariamente por entidades públicas.
O novo regime é estendido às regiões autónomas e às autarquias locais, de modo a criar um sistema coerente de aquisições públicas em todo o território nacional. O PCP e o PS, evidenciando que leram o diploma de uma forma apressada ou que não o leram integralmente - só devem ter lido até ao artigo 7.º e, depois, o artigo 105.º -,...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Olhe que não!

O Orador: - ... confundem competências para autorizar despesas, que vão desde o director-geral até ao Conselho de Ministros, com o limite máximo para a realização de despesas por concurso público, que, para toda a Administração Pública, é de 20 000 contos. Aliás, o artigo 32.º é perfeitamente claro nesse ponto: «Em função do valor do contrato, são os seguintes procedimentos aplicáveis: a) Concurso público ou limitado por prévia qualificação, quando tal valor seja superior a 20 000 contos». Esta é a situação para toda a Administração Pública, incluindo a administração central, a administração local e a administração regional. Temos aqui um sistema coerente e único para toda a Administração que não cria qualquer situação de menoridade relativamente à administração local.
No âmbito material, o diploma aplica-se a todas as despesas com aquisições, incluindo as novas figuras jurídicas resultantes da evolução da actividade económica, tais como a locação financeira.
Além disso, é também condição de transparência a definição completa e exaustiva dos procedimentos que precedem a realização das despesas, no uso de competências mais alargadas a que correspondem maiores responsabilidades dos dirigentes.
São previstas novas modalidades para a selecção dos fornecedores, serviços e bens. entre as quais se destacam o concurso de prévia qualificação e o procedimento por negociação com publicação de anúncios, pelas virtualidades que apresentam com vista à transparência e à economia e simplificação dos procedimentos.
O diploma pressupõe ainda a exigência de uma sã concorrência entre os agentes económicos Aos fornecedores do Estado, no sentido amplo do termo, é exigido que comprovem que têm a situação fiscal regularizada, prevendo-se também medidas penalizadoras quando se detectem situações de utilização de mão-de-obra infantil ou clandestina ou práticas ilícitas restritivas da concorrência
Assim, a Administração Pública contribuirá decisivamente para uma correcta política de concorrência a qual, como se sabe, é uma condição vital para o desenvolvimento da economia portuguesa no quadro europeu internacional, e favorecerá o prosseguimento de uma política de combate à evasão fiscal e de uma política social e laborai de erradicação do trabalho infantil e do trabalho clandestino.
Por outro lado, o diploma sob ratificação vai permitir que o Estado possa fazer as suas aquisições em condições económicas e financeiras mais vantajosas incentiva-se a aquisição através de centrais de compras constituídas num âmbito global ou para sectores específicos, tornando possível a aquisição por ajuste directo desde que as condições sejam mais favoráveis do que as previstas naquelas centrais.
Pretende-se ainda controlar mais eficazmente a realização de despesas com repercussão em anos futuros. Desta maneira, impõe-se que a Administração Pública dê exemplo prático de boa gestão dos seus recursos, reforçando-se, com os bons resultados económicos que será lícito esperar, a política de contenção das despesas públicas em que o Governo se tem empenhado no âmbito da consolidação orçamental.
Todos estes objectivos são conseguidos sem prejuízo de uma maior flexibilidade na realização das despesas com aquisições e na adopção dos adequados procedimentos.
Sr. Presidente e Srs Deputados, o decreto-lei em ratificação proeurou, como disse, estender o regime de aquisições da administração central à administração local e regional, estabelecendo um adequado paralelismo.
O regime aplicável às autarquias locais é substancialmente melhorado e são racionalizados e simplificados os procedimentos aplicáveis à generalidade das despesas com aquisições, sendo de destacar a menor exigência na celebração de contrato escrito que passe de 2500 e 5000 contos para 20 000 contos. Contudo, verificou-se que a realização de empreendimentos feitos por administração directa não ficou suficientemente esclarecida Há, efectivamente, algumas interpretações jurídicas que defendem que a assembleia deliberativa continuaria com competência para

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autorizar obras da administração directa sem limite. Por isso, e porque a administração directa não faz sequer parte dos grandes objectivos do diploma, tendo, no entanto, grande importância para algumas autarquias, é aceitável que a matéria em causa fique definitivamente esclarecida através da proposta, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD, elaborada de acordo com o Governo, ao contrário do que alguns Srs. Deputados tentaram insinuar.
Também a proposta para a definição do montante máximo a que os contratos realizados pelas autarquias estão sujeitos a visto do Tribunal de Contas, no âmbito deste diploma, em consonância com o limite da exigência do contrato escrito, parece-me perfeitamente aceitável.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o diploma sob ratificação é, como salientei, um passo fundamental para uma melhor gestão da Administração Pública e para um melhor relacionamento com os agentes económicos. Ele permite realizar o necessário equilíbrio entre os objectivos de transparência e de rigoroso controlo das despesas públicas e da eficácia e simplicidade dos procedimentos. Reforça a garantia dos direitos dos administrados, promove a sã concorrência entre as empresas, correspondendo plenamente, nesta medida, à política de redução do papel do Estado e de incentivo à actividade económica privada.
Assim, o diploma que, nos aspectos essenciais, não sofrerá alteração, mostra, mais uma vez, que o Governo continua a apresentar nos momentos certos a solução mais adequada à resolução dos desafios que se lhe colocam. Posição esta num espírito de diálogo e de abertura com esta Assembleia em que, naturalmente, as sugestões apresentadas, numa perspectiva construtiva, pelo Grupo 'Parlamentar do PSD, se enquadram perfeitamente, razão pela qual as subscrevemos.
Assim, com as alterações de pormenor que referi, no sentido de clarificar as dúvidas existentes, julgo que o diploma merece ser ratificado, por unanimidade, por esta Assembleia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carneiro dos Santos.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Orçamento, para o PS não estão em causa as medidas propostas neste diploma que visam simplificar o processo administrativo e até a burocracia a que as autarquias, infelizmente, estão sujeitas no dia-a-dia e que, de há muito tempo, já deveriam ter sido ultrapassadas.
Agora, nesta questão da administração directa é Importante que sejamos claros, razão pela qual gostaria de ouvir, da parte do Sr. Secretário de Estado, a confirmação - porque estas coisas devem ficar registadas para qu0 não haja dúvidas - de que o Grupo Parlamentar do PSD, em consonância com o Governo, segundo disse, pretende flexibilizar as obras por administração directa, no sentido de que as de valor inferior a 20 000 contos possam ser alvo de decisão do executivo camarário sem qualquer intervenção da assembleia municipal e as restantes poderem! continuar a realizar-se dependendo, contudo, da aprovarão genérica ou caso a caso, porque essa situação também não resulta clara das atribuições da própria assembleia municipal.
E importante que estas questões se esclareçam te que o PSD tenha mudado de posição ao longo deste debate, seguramente, porque também não pôde ficar insensível aos ecos dos protestos que os autarcas e os trabalhadores da administração local, de norte a sul do país, foram fazendo nos últimos tempos
O Sr. Secretário de Estado deve esclarecer-nos sobre se a posição do Governo e do PSD ó a que acabei de referir ou se não se pretenderá como, infelizmente, sucedeu na discussão de outras matérias, indiciar, nesta sede, soluções que, depois, viemos a verificar não serem correctas.

O Sr Presidente (Correia Afonso): - O Sr Secretário de Estado já não tem tempo disponível mus a Mesa vai conceder-lhe um minuto para responder e apela ao seu sentido de síntese.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr Presidente, serei muito breve.
Sr. Deputado Gameiro dos Santos, efectivamente, a interpretação que o Governo dá ao diploma - e com a clarificação que, se for aprovada, elimina a alínea b) que estava incluída no n.º 4 do artigo 105 º - e precisamente a que decorre do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 390/82, que passo a ler para que não haja dúvidas «As obras de valor superior ao previsto na alínea a), (. )» - actualmente, este valor é de 20 000 contos - «( ..) cuja realização por administração directa haja sido expressamente autorizada pela assembleia deliberativa, na sequência de proposta do órgão executivo.» Portanto, estas obras podem ser feitas por administração directa.
Efectivamente, é esta a interpretação que damos, agora perfeitamente clarificada, decorrente da proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso) - Srs. Deputados, a Mesa apercebeu-se - e coloco a questão para confirmação da Câmara - de que há unanimidade quanto à urgência deste processo de ratificação. Assim sendo - e julgo que é, porque verifico que os Srs. Deputados não discordam -, uma vez que a Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente tem uma reunião marcada para a próxima terça-feira, a Mesa diligenciará no sentido de que as propostas de alteração que forem apresentadas sejam presentes à Comissão.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos

O Sr. Gameiro dos Santos (PS) - Sr. Presidente, a Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente já tem uma reunião convocada para a próxima terça-feira, com uma ordem de trabalhos genérica, pelo que poderíamos estabelecer desde já um consenso, no sentido de que os trabalhos abrangessem a apreciação desta ratificação.

Vozes do PSD: - O Sr Presidente acabou de dizer isso mesmo!

O Sr. Presidente (Correia Afonso) - Sr. Deputado, isso já está assente!
Sr. Deputado Gameiro dos Santos, durante este debate, inscreveu-se para defesa da consideração Gostaria de saber se ainda pretende usar da palavra para esse efeito.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.

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2484 I SÉRIE-NÚMERO 76

O Sr Presidente (Correia Afonso): - Então, está encerrado o debate conjunto das ratificações n.ºs 137/VI (PCP)e 140/VI (PS).
Vamos dar início à apreciação da proposta de resolução n º 90/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção para o estabelecimento do Gabinete Europeu de Radiocomunicações (ERO)
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, na qualidade de relator.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Face aos circunstancialismos que envolvem a discussão desta proposta de resolução, serei muito breve.
A presente Convenção, reconhecendo a procura crescente das frequências radioeléctricas e a necessidade de se vir a conseguir uma mais eficiente utilização das mesmas, visa criar uma constituição permanente de fim não lucrativo para assistir ao Comité Europeu de Radiocomunicações.
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação avaliou o conteúdo do diploma e entendeu que era susceptível de subir a Plenário para aqui ser discutido.
Possivelmente, o Sr. Secretário de Estado da Habitação prestará à Câmara informações adicionais que muito habilitarão este Parlamento a votar favoravelmente a proposta apresentada. O PSD, por seu lado, votará a favor.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Habitação.

O Sr Secretário de Estado da Habitação (Carlos Costa) - Sr. Presidente, Srs Deputados: A ERO (Gabinete Europeu de Radiocomunicações) é um centro especializado que, conforme foi referido, visa assistir um comité existente no seio da CEPT (Conferência Europeia de Administrações de Correios e Telecomunicações), a fim de conferir maior operacionalidade ao sector das radiocomunicações.
Como e sabido, hoje, o espectro radioeléctrico, a sua administração e coordenação internacional são fundamentais para o desenvolvimento das comunicações e radiocomunicações e a Conferência Internacional sentiu necessidade de instituir e formalizar um órgão permanente com carácter institucional, para assistir, nesta matéria, a referida CEPT.
Portugal tem participado activamente nesta matéria, até porque, no seio das suas próprias telecomunicações, tem vindo a desenvolver fortemente o sector das comunicações móveis e daí a necessidade de coordenação do espectro, quer para radiodifusão quer para as telecomunicações endereçadas.
Por isso mesmo, temos participado activamente, quer ao nível da organização e do Comité, quer ao deste organismo agora criado, para cuja Convenção se solicita a ratificação desta Assembleia.
Assim, pelo seu conteúdo, pela sua importância e pela necessidade de, também nesta matéria, participarmos activamente na definição internacional de uma política coerente e coordenada entre os diversos países europeus, penso que certamente não oferecerá dúvidas a esta Câmara a necessidade urgente da ratificação que vos é proposta.

O Sr. Presidente (Correia Afonso). - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS) - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, este é, obviamente, um assunto extremamente consensual, na medida em que visa apenas a criação de um órgão de informação e de apoio a nível europeu. Portanto, limitar-me-ei a colocar-lhe uma breve questão.
Esta Convenção foi assinada em Junho de 1993 e, como referiu, já está em vigor. Apenas pergunto ao Sr. Secretário de Estado qual o valor orçamentado para o presente ano, no que respeita ao funcionamento deste organismo.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Habitação.

O Sr. Secretário de Estado da Habitação: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, Portugal tem vindo a participar nestes trabalhos que, como sabe e consta também dos documentos fornecidos a esta Câmara, funcionava com base num protocolo de acordo com despesas a cargo do ICP (Instituto de Comunicações de Portugal). As despesas orçamentadas estão, portanto, inseridas no orçamento deste instituto e visam cobrir não só a participação portuguesa nesta Convenção, como também os trabalhos que já vinham decorrendo em anos anteriores, de maneira menos formal, que esta Convenção inter-governamental visa reforçar a fim de reforçar igualmente a sua autoridade e o seu prestígio a nível internacional. Estas despesas orçam entre 7000 e 10 000 contos anuais.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate desta proposta de resolução que será votada na próxima quinta-feira, no horário regimental de votações.
Srs Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar na quarta-feira, dia 17, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: discussão conjunta do projecto de lei n.º 451/VI (PS) - Aprova medidas tendentes à efectivação da Administração aberta e à modernização da Administração Pública, e do projecto de lei n.º 465/VI (PS) - Cria o sistema de informação para a transparência dos actos da Administração Pública (SITAAP).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 20 minutos

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Guilherme Gomes Milhomens.

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13 DE MAIO DE 1995 2485

João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Macário Custódio Correia
José Manuel Borregana Meireles
Luís António Carrilho da Cunha
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Costa Geraldes
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Estácio Marques Florido
Mana Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino
Ana Maria Dias Bettencourt.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos

Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

driano José Alves Moreira.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto
António Maria Pereira
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima.
Ema Mana Pereira Leite Lóia Paulista
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos
Joaquim Vilela de Araújo.
José Guilherme Reis Leite
José Manuel Nunes Liberato
José Pereira Lopes
Manuel Acácio Martins Roque
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Mário Jorge Belo Maciel
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Simão José Ricon Peres
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS)

António Domingues de Azevedo.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.

Deputado independente

Raul Fernandes de Morais e Castro

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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DIÁRIO da Assembleia da República

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