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686 I SÉRIE - NÚMERO 25

Mas afirmou-se sempre, fundamentalmente e em primeiro lugar, como um grande poeta. As suas poesias reunidas em livro, que foi lançado, pela primeira vez, por iniciativa de Teófilo Braga - o Campo de Flores - falavam das crianças, da espontaneidade das coisas da vida, daquilo que, no fundo, mais caro é a todos nós; e foi também um poeta que satirizou profundamente as instituições.
Como político foi Deputado pelo círculo de Silves, tendo estado presente em apenas duas sessões do Parlamento. Chegou-lhe para apelidar o Parlamento de então como «o local onde se representavam as comédias, uma feira de vaidades, uma feira de hipocrisias».
Foi, em qualquer circunstância, como um grande pedagogo que João de Deus se afirmou: em 1876, escrevendo a Cartilha Maternal, que foi, essencialmente, um método de leitura destinado a combater a terrível «praga» que era o analfabetismo.
O analfabetismo, que já na altura servia a muita gente para fazer negócios, levou João de Deus a tentar pôr em prática um método de leitura que primasse pela simplicidade, que partisse das coisas da vida, baseado na essência da maternidade, um método maternal que, pondo em causa os tradicionais métodos silábicos, pudesse fazer com que as crianças, os jovens e mesmo os adultos aprendessem a ler de uma forma agradável.
João de Deus deixou-nos, já depois da sua morte, aquilo que hoje conhecemos pelos «Jardins-escola João de Deus». O jardim-escola, misto de jardim infantil e de escola primária, é, ainda hoje, uma instituição pujante no nosso país. E eu, que me orgulho de ter passado pelos bancos de um «Jardim-escola João de Deus», quero, em nome do PSD, saudar aqui essa figura insigne da nossa cultura.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: João de Deus, natural de S. Bartolomeu de Messines, no Algarve, licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra, tendo a sua formatura durado, como ele humoristicamente afirmava, «dez anos como a guerra de Tróia».
Concluída a licenciatura, exerceu a advocacia, juntamente com o jornalismo, levando vida modesta, mesmo precária, que o obrigava a escrever versos pagos de encomenda. Em 1868, devido à influência de amigos, foi Deputado por Silves, o que o levou a fixar residência em Lisboa.
Em 1876, publica a sua Cartilha Maternal, onde apresenta um novo método de leitura. Em 1895, poucos meses antes da sua morte, foi alvo de uma das mais entusiásticas consagrações públicas que algum dia se prestou a um escritor português. Morreu nos inícios de 1896, tendo o seu funeral revestido uma manifestação imponente de pesar.
Não vou falar da sua obra literária, das Flores do Campo ou do Campo de Flores, que fazem dele um dos maiores poetas líricos da língua portuguesa. Nem falarei dele como político, apesar de ter sido Deputado. A política não o atraía. Manteve-se no Parlamento apenas na legislatura para que tinha sido eleito, aliás, legislatura bem curta, raras vezes aparecendo na Câmara e demonstrando, de modo exemplar, a flagrante incompatibilidade que existia, e parece continuar a existir, entre o mundo intelectual e o mundo político. Chamarei a atenção, apenas, para o carácter inovador da sua Cartilha Maternal e para o combate que
João de Deus travou pela renovação e divulgação do ensino das primeiras letras e pela luta contra o analfabetismo, campanha a que se irá dedicar desde 1869 até ao fim da sua vida.
A partir da década de setenta do século passado, a questão da instrução primária começou a ser entendida pela opinião pública como uma questão cívica, sobretudo após 1878, quando o censo da população revela, nesse ano, que mais de 82% dos portugueses eram analfabetos, valor, sem dúvida, dramático, que a imprensa se encarregou de divulgar e comentar. João de Deus escreveu que «como condição de dignidade humana, diremos que o homem que não sabe ler é um bárbaro», «um animal de forma humana».
É à luz destas preocupações que devemos entender a sua Cartilha Maternal. Não era a primeira cartilha que procurava em Portugal dinamizar os métodos de ensino, particularmente os métodos de leitura. Basta lembrar o método de leitura repentina, de Feliciano de Castilho, ensaiado com êxito, duas décadas antes. Mas foi, sem dúvida, o método de maior sucesso, baseado, como João de Deus escreveu, na «língua viva», de forma a permitir que as crianças e os analfabetos em geral, se familiarizassem «com as letras e os seus valores na leitura animada das palavras inteligíveis».
Impressionado com os arcaicos e ilógicos processos de soletração, João de Deus procurou, com o seu método racional, libertar o espírito das crianças portuguesas da violência a que eram sujeitas na aprendizagem da língua materna, aproximar «o meio de aprender a ler» «do método encantador pelo qual as mães nos ensinam a falar, que é falando». O método de leitura de João de Deus, cujo mérito foi rapidamente reconhecido, propagou-se rapidamente pelo País, viu-se adoptado em grande número de escolas e, em 1882, fundou-se mesmo, em Lisboa, uma associação com o objectivo de ensinar a ler, escrever e contar pelo método de João de Deus - a Associação das Escolas Móveis - que desenvolveu, até à Primeira República, uma acção notável no combate ao analfabetismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente, não é possível, ainda, prestar a João de Deus a homenagem que ele merece, uma vez que, quanto à formação cultural, à educação de base, Portugal apresenta, ainda hoje, alguns dos indicadores mais negativos da União Europeia. Sob este aspecto, e em termos relativos, continuamos como há 100 anos.
Honrar João de Deus é cumprir afinal o desejo deste grande português, para quem «derramar a plenos jorros a luz do alfabeto é dever indeclinável de quem está à frente de um País». Oxalá que este Governo e os futuros governos sejam capazes de honrar João de Deus, cumprindo esse dever indeclinável.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: «Não é fácil amar as nossas crianças» - é o título, tão extenso quanto provocatoriamente lúcido de uma obra de um célebre pedagogo francês, George Snyders, publicada em Portugal há já mais de uma década. O tema central é uma reflexão, cheia de ternura mas também igualmente incómoda, sobre se afinal amamos as nossas crianças porque são nossas ou se as amamos, antes de tudo, porque são crianças. Destruindo pré-conceitos e não recuando perante quaisquer tabus, o que Snyders faz é uma

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