O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 683

Sexta-feira, 12 de Janeiro de 1996 683

I Série - Número 25

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE JANEIRO DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horts Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes de ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Entretanto, a Câmara aprovou os votos n.º 13/VII - De saudação pela passagem do centenário da morte do poeta João de Deus (Presidente da AR, PS, PSD, CDS-PP e PCP), tendo feito intervenções os Srs. Deputados José Cesário (PSD), Fernando de Sousa (PS), José Calçada (PCP) e Jorge Ferreira (CDS-PP) e 12/VII - De solidariedade para com as vítimas das cheias (PCP), intervindo os Srs. Deputados Luísa Mesquita (PCP), Nelson Baltazar (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP) e Macário Correia (PSD).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, o Sr. Ministro da Administração Interna (Alberto Costa) deu conta à Assembleia do balanço feito pelo Governo e das medidas adaptadas para fazer face aos estragos causados pelos temporais que assolaram o País. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Macário Correia (PSD), Paulo Portas (CDS-PP), José Niza (PS) e Luísa Mesquita (PCP).
Em declaração política, o Sr. Deputado Paulo Portas (CDS-PP) teceu considerações acerca dos candidatos presidenciais, tendo assumido publicamente a sua escolha, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD) e Jorge Lacão (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP) criticou a candidatura à Presidência da República de Cavaco Silva e referiu-se à desistência do candidato Jerónimo de Sousa.
O Sr. Deputado Luís Filipe Menezes (PSD) condenou a acção do Governo desde a sua tomada de posse No fim. respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Junqueira (PS), Silva Carvalho (CDS-PP), João Amaral (PCP), Francisco de Assis (PS), Luís Filipe Menezes (PSD) e Jorge Lacão (PS).

Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 56/VII - Determina a adopção de medidas de recuperação de bens do património arquivístico nacional. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP); Carlos Encarnação (PSD). Nuno Baltazar Mendes (PS), Ruben de Carvalho e Odete Santos (PCP), José Junqueiro e Fernando Pereira Marques (PS)
Entretanto, o projecto de resolução n.º 5/VII - Constituição de uma comissão eventual destinada a promover o projecto de uma comunidade de países de língua portuguesa (CDS-PP) foi rejeitado, tendo as propostas de lei n.º 97/VI (AGRA) - Criação do fundo nacional de integração do intercâmbio cultural amador e 53/VI (ALRM) - Altera a Lei n.º 113/91, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Protecção Civil), sido aprovadas na generalidade.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas

Página 684

684 I SÉRIE - NÚMERO 25

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Albino Gonçalves da Costa.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amado Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Manuel Al vês Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.

Página 685

12 DE JANEIRO DE 1996 685

Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite
José Macário Custódio Correia.
José Maria Lopes Silvano.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Rui Manuel Pereira Marques.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos dois votos, que deram entrada na Mesa, a cuja apresentação é votação iremos proceder desde já.
O primeiro é o voto n.º 13/VII - De saudação pela passagem do centenário da morte do poeta João de Deus, da iniciativa da Mesa e com o voto concordante de todos os representantes dos grupos parlamentares, e o outro é apresentado pelo PCP, sobre os graves prejuízos materiais provocados pelas chuvas.
Passo a ler o primeiro destes votos.

Passa hoje o primeiro centenário da morte de João de Deus. glória da literatura portuguesa. Poeta de rara sensibilidade, a sua obra superou a marca da sua época, avesso como sempre que foi a paradigmas de escola. Simples e puro por dentro de si mesmo, impregnou os seus versos de uma simplicidade de processos, de uma sensualidade cândida e de uma imperturbável inocência que fazem da sua poesia uma perene fonte de encantamento. 'Místico e sensual' lhe chamou José Régio, sem receio de contradição.
Foi, decerto, essa mística da simplicidade e da pureza que o encheu de amor pelas crianças, às quais legou a sua luminosa Cartilha Maternal, cujo método de ensino foi consagrado como sistema nacional. Por ela, sem esforço, os mais de nós aprenderam a ler. Não foi, pois, senão um acto de justiça a homenagem nacional de reconhecimento e consagração que a juventude de todas as escolas lhe prestou um ano antes da sua morte. Com tal expressão e solenidade que só terá sido ultrapassada pela que ao próprio Camões foi prestada. Essa homenagem viria a ser continuada no tempo pelos numerosos jardins-escola que, sob o impulso inicial de seu filho João de Deus Ramos, viriam a ter o seu nome a aplicar o seu método.
A Assembleia da República rende grata homenagem à memória do Poeta, Pedagogo, Deputado e, grande Português que João de Deus foi e, como referência cultural e cívica, continua a ser para todos nós.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, evocamos hoje essa figura singular da nossa cultural que foi João de Deus.
João de Deus afirmou-se como um homem bom, um amante da vida, um amante da simplicidade das coisas. Foi um homem com uma profunda formação católica, que nunca rejeitou. Foi um fazedor de artigos: em Coimbra, onde estudou, afirmou-se sempre como uma figura simpática, uma figura que, com facilidade, cativava os amigos e os companheiros.
Percorreu a pulso, como os homens grandes, como os grandes vultos da nossa História, a estrada dura da vida: foi advogado, foi jornalista, chegou mesmo - para vivera ser costureiro.

Página 686

686 I SÉRIE - NÚMERO 25

Mas afirmou-se sempre, fundamentalmente e em primeiro lugar, como um grande poeta. As suas poesias reunidas em livro, que foi lançado, pela primeira vez, por iniciativa de Teófilo Braga - o Campo de Flores - falavam das crianças, da espontaneidade das coisas da vida, daquilo que, no fundo, mais caro é a todos nós; e foi também um poeta que satirizou profundamente as instituições.
Como político foi Deputado pelo círculo de Silves, tendo estado presente em apenas duas sessões do Parlamento. Chegou-lhe para apelidar o Parlamento de então como «o local onde se representavam as comédias, uma feira de vaidades, uma feira de hipocrisias».
Foi, em qualquer circunstância, como um grande pedagogo que João de Deus se afirmou: em 1876, escrevendo a Cartilha Maternal, que foi, essencialmente, um método de leitura destinado a combater a terrível «praga» que era o analfabetismo.
O analfabetismo, que já na altura servia a muita gente para fazer negócios, levou João de Deus a tentar pôr em prática um método de leitura que primasse pela simplicidade, que partisse das coisas da vida, baseado na essência da maternidade, um método maternal que, pondo em causa os tradicionais métodos silábicos, pudesse fazer com que as crianças, os jovens e mesmo os adultos aprendessem a ler de uma forma agradável.
João de Deus deixou-nos, já depois da sua morte, aquilo que hoje conhecemos pelos «Jardins-escola João de Deus». O jardim-escola, misto de jardim infantil e de escola primária, é, ainda hoje, uma instituição pujante no nosso país. E eu, que me orgulho de ter passado pelos bancos de um «Jardim-escola João de Deus», quero, em nome do PSD, saudar aqui essa figura insigne da nossa cultura.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: João de Deus, natural de S. Bartolomeu de Messines, no Algarve, licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra, tendo a sua formatura durado, como ele humoristicamente afirmava, «dez anos como a guerra de Tróia».
Concluída a licenciatura, exerceu a advocacia, juntamente com o jornalismo, levando vida modesta, mesmo precária, que o obrigava a escrever versos pagos de encomenda. Em 1868, devido à influência de amigos, foi Deputado por Silves, o que o levou a fixar residência em Lisboa.
Em 1876, publica a sua Cartilha Maternal, onde apresenta um novo método de leitura. Em 1895, poucos meses antes da sua morte, foi alvo de uma das mais entusiásticas consagrações públicas que algum dia se prestou a um escritor português. Morreu nos inícios de 1896, tendo o seu funeral revestido uma manifestação imponente de pesar.
Não vou falar da sua obra literária, das Flores do Campo ou do Campo de Flores, que fazem dele um dos maiores poetas líricos da língua portuguesa. Nem falarei dele como político, apesar de ter sido Deputado. A política não o atraía. Manteve-se no Parlamento apenas na legislatura para que tinha sido eleito, aliás, legislatura bem curta, raras vezes aparecendo na Câmara e demonstrando, de modo exemplar, a flagrante incompatibilidade que existia, e parece continuar a existir, entre o mundo intelectual e o mundo político. Chamarei a atenção, apenas, para o carácter inovador da sua Cartilha Maternal e para o combate que
João de Deus travou pela renovação e divulgação do ensino das primeiras letras e pela luta contra o analfabetismo, campanha a que se irá dedicar desde 1869 até ao fim da sua vida.
A partir da década de setenta do século passado, a questão da instrução primária começou a ser entendida pela opinião pública como uma questão cívica, sobretudo após 1878, quando o censo da população revela, nesse ano, que mais de 82% dos portugueses eram analfabetos, valor, sem dúvida, dramático, que a imprensa se encarregou de divulgar e comentar. João de Deus escreveu que «como condição de dignidade humana, diremos que o homem que não sabe ler é um bárbaro», «um animal de forma humana».
É à luz destas preocupações que devemos entender a sua Cartilha Maternal. Não era a primeira cartilha que procurava em Portugal dinamizar os métodos de ensino, particularmente os métodos de leitura. Basta lembrar o método de leitura repentina, de Feliciano de Castilho, ensaiado com êxito, duas décadas antes. Mas foi, sem dúvida, o método de maior sucesso, baseado, como João de Deus escreveu, na «língua viva», de forma a permitir que as crianças e os analfabetos em geral, se familiarizassem «com as letras e os seus valores na leitura animada das palavras inteligíveis».
Impressionado com os arcaicos e ilógicos processos de soletração, João de Deus procurou, com o seu método racional, libertar o espírito das crianças portuguesas da violência a que eram sujeitas na aprendizagem da língua materna, aproximar «o meio de aprender a ler» «do método encantador pelo qual as mães nos ensinam a falar, que é falando». O método de leitura de João de Deus, cujo mérito foi rapidamente reconhecido, propagou-se rapidamente pelo País, viu-se adoptado em grande número de escolas e, em 1882, fundou-se mesmo, em Lisboa, uma associação com o objectivo de ensinar a ler, escrever e contar pelo método de João de Deus - a Associação das Escolas Móveis - que desenvolveu, até à Primeira República, uma acção notável no combate ao analfabetismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente, não é possível, ainda, prestar a João de Deus a homenagem que ele merece, uma vez que, quanto à formação cultural, à educação de base, Portugal apresenta, ainda hoje, alguns dos indicadores mais negativos da União Europeia. Sob este aspecto, e em termos relativos, continuamos como há 100 anos.
Honrar João de Deus é cumprir afinal o desejo deste grande português, para quem «derramar a plenos jorros a luz do alfabeto é dever indeclinável de quem está à frente de um País». Oxalá que este Governo e os futuros governos sejam capazes de honrar João de Deus, cumprindo esse dever indeclinável.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: «Não é fácil amar as nossas crianças» - é o título, tão extenso quanto provocatoriamente lúcido de uma obra de um célebre pedagogo francês, George Snyders, publicada em Portugal há já mais de uma década. O tema central é uma reflexão, cheia de ternura mas também igualmente incómoda, sobre se afinal amamos as nossas crianças porque são nossas ou se as amamos, antes de tudo, porque são crianças. Destruindo pré-conceitos e não recuando perante quaisquer tabus, o que Snyders faz é uma

Página 687

12 DE JANEIRO DE 1996 687

análise e uma desmontagem do que, frequentemente, se encontra por detrás do cenário do amor pelas crianças na sociedade contemporânea de matriz capitalista. Não sendo sua pretensão desaguar em verdades acabadas, Snyders deixa-nos uma leitura política do problema e diz-nos, afinal, que só amando todas as crianças poderemos assumir tranquilamente o amor pelas nossas. De outro modo, o amor corre o risco real de se esgotar no reflexo de uma mera relação de propriedade. Daí o título do livro: realmente, "não é fácil amar as nossas crianças"...
João de Deus- cujo nome hoje aqui evocamos, a pretexto da passagem dos cem anos sobre a sua morte - tem a ver com tudo isto. Numa época como a dele, em que a taxa de analfabetismo se situava em valores superiores a 80%; numa época em que a revolução liberal, já triunfante, procura desenvolver, a partir de 1834, acções integradas no âmbito de um ensino primário que já então se pretendia laico, gratuito e obrigatório, a publicação por João de Deus, em 1876, da sua Cartilha Maternal, novo método global para a aprendizagem da leitura, insere-se, por um lado, numa certa lógica do seu tempo e, por outro, constitui, igualmente, uma ruptura progressista com a rotina pedagógica instalada.
Poeta embora, ou também por isso, João de Deus expressa na sua Cartilha a necessidade de concretizar o sonho, a necessidade de agir na área do concreto quotidiano. E a sua opção pelas crianças, se reflecte, sem dúvida, uma particular sensibilidade de poeta, é também o fruto de uma intuição pedagógica que o conduz a olhar para o ensino mais básico como a chave que abrirá as portas do sonho, ou seja, da instrução, da justiça, da felicidade uma das trilogias típicas do século XIX.
Ingénuo, João de Deus? Sem dúvida. Sabemos hoje - e á custa de grandes lutas temos vindo a sabê-lo, e é um saber construído com grandes vitórias e com amargas decepções - que os problemas do sistema educativo não se ficam apenas por aí. Mas quem poderá negar que, quando o meu grupo parlamentar apresenta, nesta Casa, uma iniciativa legislativa com vista a garantir a existência de uma rede pública de educação pré-escolar, se João de Deus cá estivesse, certamente ajudaria a melhorar o diploma e tal vez mesmo viesse a votá-lo connosco.
Por isso, daqui, desta Casa, lhe dizemos: continuamos a tua luta. De outra maneira, mas continuamo-la. Conta connosco, bom velho João, onde quer que estejas!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Apalavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Popular associa-se, com muita honra e gosto, à homenagem, mais do que justa, que a Assembleia da República hoje presta a João de Deus. Trata-se, de facto, de um português singular, com uma contribuição a todos os níveis inultrapassável para a vida pública portuguesa - da literatura à política, da poesia à pedagogia.
Pensamos que João de Deus é um dos raros exemplos de português que, apesar de ter nascido e vivido no século passado, mantém testemunho de actualidade que a diversos títulos já vários Srs. Deputados aqui enalteceram: da actualidade de um homem que considerava que quem não sabia ler era um bárbaro à penosa realidade de termos ainda hoje 12% de analfabetos no nosso país; do contributo do político que, apesar de pouco ter vindo à Assembleia, isso não o impediu de notar rapidamente, com a frieza da sua capacidade de análise, alguns dos maiores defeitos da instituição parlamentar, que, porventura, ainda hoje se mantêm.
Na globalidade, o contributo de João de Deus para a riqueza da vida cultural portuguesa carece, em nossa opinião, de ser devidamente sublinhado e é por isso que a bancada do Partido Popular se associa gostosamente a esta homenagem.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes mesmo de pôr à votação o voto apresentado pela Mesa, assim como pelo PS, PSD, CDS-PP e PCP, lembro que no dia do centenário da morte do poeta português que mais amou as crianças, lemos o prazer de ter connosco um grupo de 50 alunos da Escola Secundária de Vendas Novas, um grupo de 77 alunos do Externato da Luz, em Lisboa, e um grupo de 38 alunas da Escola Secundária do Alto de S. Sebastião, da Moita.
Transmitamos a estes jovens a nossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, vamos votar o voto de homenagem a João de Deus.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos passar à discussão do voto n.º 12/VII - De solidariedade para com as vítimas das cheias, apresentado pelo Partido Comunista Português, que é do seguinte teor:
"O País tem sido assolado nas últimas semanas por violentos temporais que inundaram povoações, encharcaram campos com graves prejuízos materiais e provocaram inclusivamente várias mortes.
A Assembleia da República, profundamente preocupada com estes acontecimentos manifesta a sua solidariedade às populações atingidas, sublinha a necessidade de serem disponibilizados todos os meios que permitam socorrer as populações e minimizar os prejuízos e solicita à Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente que encete as diligências adequadas a habilitar a Assembleia da República com uma informação mais detalhada".
Srs. Deputados, quanto ao voto relativo a João de Deus, tinha sido deliberado em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares que haveria intervenções de todos os grupos parlamentares, que não seriam descontadas no tempo de cada um. Nada foi deliberado quanto a este voto, porque não tinha ainda sido recebido pela Mesa.
Peço o vosso assentimento para lhe darmos o mesmo tratamento, de modo a não criarmos uma desigualdade chocante, sem prejuízo de no futuro só se não descontarem-nos tempos as intervenções sobre os votos quando assim tenha sido deliberado.
A palavra à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Independentemente do facto de esta matéria ir ser objecto de discussão nesta Casa um pouco mais tarde, não gostaríamos de deixar retardado este voto que ontem apresentámos.
É do conhecimento de todos a situação preocupante e de alerta que tem percorrido o País de norte a sul e que

Página 688

688 I SÉRIE - NÚMERO 25

ainda se mantém em algumas regiões, nomeadamente, a zona ribeirinha do Porto, as zonas de Gaia, Régua, Viana do Castelo, onde os pescadores não vão ao mar há mais de um mês, a região de Aveiro, o distrito de Santarém, onde se mantêm ainda isoladas um conjunto de povoações. Estes são alguns dos tristes e dramáticos exemplos a que assistimos nos últimos dias.
No entanto, apesar das imagens dramáticas, é de salientar o realismo, o pragmatismo, a solidariedade e o heroísmo com que as populações enfrentam estas situações- algumas delas habituadas a vivê-las desde que nasceram até hoje e dizendo que já viram pior e a vontade deste povo que diariamente sabe partir da tragicidade para agir, quase sempre indiferente aos perigos e apostado no heroísmo.
Como estamos convictos de que ninguém nesta Casa se alheará dos difíceis momentos vividos, nem deste agir de um povo anónimo e sempre e antes de tudo solidário, apresentámos este voto para que seja, simultaneamente, um voto de solidariedade para com todos aqueles que viveram estes momentos difíceis e ainda continuam numa situação de alerta a vivê-los nos próximos dias, e um voto de acção urgente para que novo processo, ainda este Inverno ou no seguinte, não possa trazer situações mais trágicas e mais dramáticas.

É tudo, Sr. Presidente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - A palavra à Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria de informar que, independentemente da nossa concordância com o teor do voto (outro camarada meu vai falar sobre ele), ontem, na Comissão da Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente foi deliberado, com o acordo de todos os partidos, constituir um grupo de trabalho no sentido de fazer estas mesmas diligências.
Portanto, essa parte do voto já está, digamos assim, cumprida, o que não se significa que não dêmos o nosso apoio ao conteúdo do voto.

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista subscreve este voto que manifesta a necessária solidariedade às populações atingidas pelas cheias, efectivada na intervenção de apoio, e salvaguarda das vidas e bens dos cidadãos feita pela protecção civil, naturalmente coordenada pelos governadores civis em funções e que representam o Governo.
Realçamos as visitas e apoios prestados pelos membros do Governo nos locais atingidos; realçamos o posicionamento dos autarcas e instituições que suportam a protecção civil; registamos com agrado a posição do Governo de reforçar as verbas disponibilizadas para protecção civil.
Assim, apoiamos o voto de solidariedade proposto e saudamos a continuidade dos apoios governamentais às populações atingidas ou que possam vir a ser atingidas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Popular associa-se à manifestação de solidariedade que a Assembleia da República deve manifestar para com as vítimas das cheias e não gostaríamos, sem prejuízo de eventuais diligências que a comissão parlamentar própria já tenha tomado, de deixar de enaltecer a este respeito, por um lado, o papel mais uma vez esforçado e insuperável que os autarcas têm desempenhado de uma maneira geral em todo o País no apoio às populações atingidas e, por outro, e mais uma vez (e desta vez no Inverno, ao contrário do que é habitual), o papel que os bombeiros voluntários, também de modo insuperável, têm prestado no apoio e no socorro às populações que se têm visto prejudicadas, nalguns casos tragicamente, por estas cheias.
Este é mais um exemplo do que falta fazer em termos de apoio público e de estruturas públicas no apoio às populações, mas é também um testemunho de que existem instituições fortes na sociedade civil portuguesa que, no momento em que é necessário, dizem presente e são uma reserva de confiança das populações.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma última intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Comia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Obviamente que, nas circunstâncias em que estamos, com o Pais em boa parte alagado, com perdas materiais, com perdas de vidas humanas, esta Câmara é solidária com as vítimas e com os seus familiares que naturalmente sofrem.
Somos um País com um clima cheio de riquezas e virtudes, mas que tem esta característica irregular e mediterrânica que permite quase de seguida falar de seca e de cheias. Ainda há poucos dias, o Diário da República «estampava» preocupações do actual Governo para o reforço das medidas de combate à seca e eis senão quando, dias depois, são as cheias e inundações que fazem com que a classe política aqui assinale essa preocupação e fale sobre as medidas que importa tomar.
Entendemos que esta matéria, à semelhança de muitas outras, deve ser sempre analisada na perspectiva da prevenção e assim é preciso cuidar de um conjunto de técnicas e de metodologias preventivas para que aquilo que há a remediar seja cada vez menos, melhorando a eficácia dessas políticas preventivas que nalguns casos, como agora se verifica, tiveram as suas falhas.
Durante vários anos funcionou um grupo de trabalho para o controlo das cheias na região de Lisboa, que investiu milhões de contos nas bacias hidrográficas da região (Torres Vedras, Lourinhã, na área metropolitana propriamente dita, na margem sul) e, em muitos casos, essas obras minimizaram ou evitaram prejuízos que agora teriam acontecido se não fosse esse investimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foram limpas muitas linhas de água, foram feitas as correcções de muitos leitos, fixaram-se margens e desobstruiram-se muitas linhas de água onde havia estrangulamentos que provocavam regolfos e claramente inundações. Esse trabalho talvez tenha conduzido a que, hoje e nestes dias, não haja nada de muito lamentável a assinalar em zonas como a Lourinhã, Cascais e Torres Vedras.

Página 689

12 DE JANEIRO DE 1996 689

Todavia, associando-me a este voto, não deixo também de ter uma preocupação subjacente que é o facto de, nalguns momentos, algumas câmaras municipais, que agora saudamos pelo cuidado e atenção que têm em acudir e em remediar, não tenham tido a necessária acutilância para evitar, pois consentiram e permitiram, na inexistência de planos directores municipais, a construção sobre linhas de água, a invasão do domínio público hídrico, fazendo com que agora, quando se verificam estas lamentáveis perdas materiais e humanas, estejamos a "chorar sobre o leite derramado".
Prezo muito a acção dos autarcas e acção dedicada que fazem, sem horas e sem olhar a qualquer espécie de receios, mas é lamentável que em muitas autarquias das áreas metropolitanas haja uma negligência clara, consentindo a ocupação humana através de barracas ou de construções de betão, nalguns casos com licenciamentos duvidosos e consentimentos óbvios que levaram ao agravamento destas situações.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Temos que ser solidários com as vítimas, mas também queremos chamar à responsabilidade quem a tem, quando a tem, para que estas situações não se voltem a repetir.

Aplausos da PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 12/VII - De solidariedade para com as vítimas das cheias (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, esperemos que o Governo estando presente, sobretudo o Sr. Ministro da Administração Interna, não deixe de retirar consequências do significado desta manifestação de solidariedade.
Srs. Deputados, o que não se faz num momento faz-se no momento seguinte. Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar, o que já devia ter sido feito antes, os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.º 5/VII - Alterações ao Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro (ALRM), que baixou à 8.ª Comissão, e 6/VII - Subsídio de desemprego para as bordadeiras de casa (ALRM), que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões; projectos de lei n.ºs 66/VII - Elevação da povoação de Sousel à categoria de vila (PS), que baixou à 4.ª Comissão, 67/VII - Elevação da povoação de Nespereira à categoria de vila (PS), que também baixou à 4.ª Comissão, e 68/VII - Criação dos concelhos municipais de segurança dos cidadãos (PCP).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados e deram entrada na Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Portas; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa; ao Governo e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira; aos Ministérios do Ambiente e do Equipamento Social, formulados pela Sr.ª Deputada Alda Vieira; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Correia da Silva; a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Roque da Cunha; aos Ministérios do Ambiente e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Santo; às Secretarias de Estado da Indústria, do Comércio e do Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Martinho; à Secretaria de Estado das Obras Públicas, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Marta; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados António Martinho e Mota Andrade; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado António Martinho; aos Ministérios do Equipamento Social e da Justiça, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Cordeiro; ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Cardoso Ferreira e Bernardino Soares; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho, ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pela Sr.ª. Deputada Helena Santo; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Isabel Castro e Heloísa Apolónia, na sessão de 31 de Outubro e no dia 14 de Novembro; Crisóstomo Teixeira, na sessão de 9 de Novembro; Paulo Portas, na sessão de 10 de Novembro; Fernando Pedro Moutinho e João Amaral, na sessão de 16 de Novembro; Lino de Carvalho, nas sessões de 16, 29 e 30 de Novembro e 7 de Dezembro; Luísa Mesquita, na sessão de 22 de Novembro; Luís Sá, na sessão de 29 de Novembro; Jorge Roque Cunha e Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 13 de Dezembro; e José Magalhães, na sessão de 22 de Dezembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Governo requereu, ao abrigo do n.º 2 do artigo 82.º do Regimento, a possibilidade de intervir no período de antes da ordem do dia, desde que fosse dado conhecimento, como aconteceu, da matéria sobre que pretende intervir aos grupos parlamentares.
Não é muito habitual o uso desta figura e há alguns problemas que precisam de ser esclarecidos em sede de conferência de, líderes. Desde logo, o de saber se a duração desta intervenção, de 10 minutos para o Governo e de 20 minutos para os grupos parlamentares, se desconta ou não na hora e meia do período de antes da ordem do dia, com prolongamento. Vou partir do princípio de que não, mas não tenho a certeza de que tenha de ser assim.
De qualquer modo, neste momento será esse o entendimento a seguir. Mais tarde, na conferência de líderes, discutiremos este problema para situações futuras.
Em segundo lugar, o Regimento também não estipula como se distribuem os 20 minutos pelos grupos parlamentares. Seria lamentável que essa distribuição se fizesse de acordo com o princípio do mais diligente, ou seja, o que levantasse o braço em primeiro lugar ficava servido pelo tempo necessário e os outros sem tempo.
Creio, portanto, que se deve aplicar a regra geral da proporcionalidade. Em todo o caso, a sua aplicação traria consequências um pouco difíceis de aceitar: 9.6 minutos para o PS, 7 para o PSD, 1.6 para o CDS-PP, 1.4 para o PCP e 0.2 minutos para Os Verdes. Não me parece que esta seja uma boa conclusão.

Página 690

690 I SÉRIE - NÚMERO 25

Assim sendo, poderíamos seguir uma de duas propostas: ou fixaríamos 6 minutos para o PS, 5 para o PSD, 4 para o CDS-PP, 3.30 para o PCP e 1.30 para Os Verdes ou, então, adoptaríamos um critério diferente, para este efeito, em que cada grupo parlamentar - os quatro maiores teria 5 minutos e Os Verdes, que nem sequer estão presentes, apenas 2 minutos. No total teríamos não 20 mas 22 minutos. Contudo, contando com a ausência de Os Verdes, estaríamos dentro dos 20 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, presumo que nenhum de nós quererá eternizar esta questão metodológica, além de que sou sensível à proposta que V. Ex.ª fez, no sentido de apreciarmos esta questão, para futuro, na próxima conferência de líderes. De qualquer forma, gostaria de fazer dois breves comentários.
Em primeiro lugar, relativamente à questão de saber se o tempo é ou não descontado, o Regimento é claro: o n.º 3 do artigo 83.º torna evidente que estes tempos não relevam nem para a duração do período de antes da ordem do dia artigo 75.º nem para a distribuição de tempos pelos grupos parlamentares - artigo 72.º. Portanto, essa questão está dirimida em sede regimental.
Já quanto à formatação do debate, V. Ex.ª tem razão. De facto, o Regimento é omisso, mas creio que podemos agir de acordo com a prática do passado. Não há ninguém na conferência de líderes mais insistente do que eu relativamente à divisão proporcional dos tempos pelos grupos parlamentares, mas penso que neste debate isso não se justifica. Também resulta claro do Regimento que a fase de debate, de perguntas e respostas, não pode ultrapassar os 20 minutos e não me parece que haja outra forma de ultrapassar essa condição, que não a seguida na legislatura anterior, isto é, cada grupo parlamentar tem direito a um pedido de esclarecimento, respondendo o Governo, por tempo global, à totalidade dos pedidos de esclarecimento.
Em conclusão, cada grupo parlamentar poderia usar da palavra por 3 minutos, dispondo o Governo de 5 minutos para responder, de acordo com a regra regimental. Creio que assim não rompemos com a tradição do passado e respeitamos integralmente o disposto no Regimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, as tradições são respeitáveis e, por vezes até bonitas, mas a verdade é que não vejo cobertura no Regimento para essa solução. Em todo o caso, vamos proceder como no passado. Apenas não posso estar de acordo com o Sr. Deputado quanto à invocação do artigo 75.º do Regimento, que estabelece, precisamente, que o "período da ordem do dia é improrrogável, salvo se houver declarações políticas, caso em que pode ser prolongado até trinta minutos". Ora, já o prolongámos por esse motivo e não vejo que o Regimento contemple uma segunda prorrogação quando o Governo invoque o direito previsto no artigo 83.º do mesmo.
De qualquer modo, essa será uma discussão a ter lugar em sede de conferência de líderes.
Para já, cada grupo parlamentar dispõe de 3 minutos para formular uma pergunta e o Governo de 5 minutos para o conjunto das respostas.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Alberto Costa): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo entendeu ser seu dever trazer já à Assembleia República um primeiro quadro da situação anormal que o País tem vivido nos últimos dias, em resultado dos temporais, e que, com maior ou menor gravidade, afectou a vida de centenas de milhares de cidadãos.
As dificuldades, riscos e desastres que atingem a vida colectiva e a forma de os enfrentar e minorar, mobilizando os recursos de socorro, assistência e solidariedade presentes quer nas instituições do Estado, quer na sociedade civil, devem, em democracia, ser abordados com a transparência indispensável ao exercício da responsabilidade.
Não tendo passado ainda três décadas sobre o grande desastre de 1967, o País está felizmente e definitivamente longe do tempo em que as instituições então vigentes se permitiam esconder a existência de mais de 800 mortos numas cheias dramáticas e reduzi-los a menos de metade. Mas é importante que, em particular nos momentos de dificuldade da vida colectiva, exercitemos, a par e passo, a transparência que permite não só a prestação de contas como a avaliação e a própria afirmação sustentada e consistente da solidariedade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É possível afirmar que, até ao momento, em acidentes relacionados com as cheias e inundações, nos distritos de Setúbal, Lisboa, Aveiro, Santarém e Porto, há já dez perdas de vidas humanas a lamentar.
Foi necessário, no espaço de curtos dias, assegurar o realojamento de cerca de 1050 pessoas, nomeadamente nos distritos de Setúbal, Lisboa, Santarém, Porto e Vila Real, havendo necessidade, a curto prazo, de elevar consideravelmente este número, mesmo sem incluir nesta menção o daqueles que o fizeram por meios próprios ou para casa de familiares e amigos, número que se sabe significativo, designadamente na zona do vale do Tejo.
Situações de risco grave impuseram, em vários distritos, intervenções para a evacuação de 155 pessoas, nalguns casos com intervenção de meios aéreos em acções de socorro. Mais de uma dezena de localidades, por períodos de tempo maiores ou menores, enfrentaram situações de isolamento por motivos de cortes de estrada e inundações.
No distrito de Santarém, várias povoações permanecem isoladas, carecendo de ser diariamente abastecidas. Também no concelho de Penafiel a destruição de quatro pontes criou algumas situações de isolamento, que determinaram, já hoje, decisões de emergência, envolvendo o recurso à engenharia militar.
Infra-estruturas públicas de construção antiga, recente e muito recente - pontes, estradas, vias férreas, edifícios e outros equipamentos -, foram objecto de destruição ou danificação. Só na área da responsabilidade da Junta Autónoma das Estradas os danos são estimados já em dois milhões de contos.
Bens patrimoniais e actividades privadas no domínio agrícola, comercial e industrial foram afectados com efeitos que, nalguns casos, se podem prever duradouros.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo tem consciência de que a situação, em termos de perdas humanas, dificuldades e prejuízos pessoais e patrimoniais, resultante do que pode já ser considerado, em certas regiões, o terceiro Inverno mais chuvoso do século, poderia ter atingido dimensões de bem maior gravidade se não fora a coragem, o civismo e o realismo das populações, a acção pronta e meritória desencadeada a partir dos serviços de protecção civil, nos seus escalões nacional, distrital e municipal, e a colaboração de uma vasta rede de instituições e de homens e mulheres que agiram concertadamente, no sentido de alertar, prevenir, socorrer, assistir e apoiar.
Bombeiros, Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública, Polícias Municipais, Capitanias, Forças

Página 691

12 DE JANEIRO DE 1996 691

Armadas, Cruz Vermelha Portuguesa, Instituto de Meteorologia, Companhia Portuguesa de Produção de Electricidade, Instituto da Água, Centro de Telecomando das Barragens, Junta Autónoma das Estradas, Associações de Regantes, Misericórdias, CP, Portugal Telecom, para além das autarquias locais e instituições de solidariedade social, fizeram convergir abnegação, esforços, meios, qualificações, informações e ainda diversos outros contributos, no sentido de minorar os problemas e reduzir os riscos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Todos - o País e as pessoas mais directamente atingidas - compreenderão bem que mencione à frente os bombeiros e os homens e mulheres das forças de segurança, que são, desde já, credores de reconhecimento e apreço, que o Governo entende dever formalmente manifestar também neste lugar central da representação colectiva.

Aplausos do PS.

Não é, obviamente, este o momento indicado para desenvolver uma análise dos factores que continuam a explicar a dimensão tão gravosa dos efeitos atingidos por fenómenos desta natureza, que entre nós ciclicamente se repetem. Aliás, é revelador que, já em 1986, uma resolução do Conselho de Ministros mandava proceder a um estudo aprofundado sobre o fenómeno das cheias.
Mas é ostensivo que mantemos vulnerabilidades e insuficiências, tantas delas decorrentes das soluções de ordenamento e de ocupação urbanística e de défices das políticas sociais que explicam que as primeiras vítimas, e a maior parte das vítimas, sejam sempre as mais desfavorecidas, as pior alojadas, as mais pobres, em suma.
A insegurança e a vulnerabilidade perante os riscos colectivos continuam a ter uma expressão socialmente desequilibrada e injusta, a que a consciência pública, e a dos responsáveis em primeiro lugar, não pode ser insensível.
Por isso, esta é também uma altura em que numa sociedade e num Estado democrático vinculados aos valores de solidariedade não pode deixar de questionar-se o rigor e o grau de concretização das suas prioridades neste domínio.
Se há aspectos e circunstâncias da vida e da política públicas que ganham tudo em ser tratados politicamente, segundo uma lógica adversarial ou mesmo de imputação de faltas e de responsabilidades, este não é seguramente o caso.
Há que olhar antes para o que deve ser feito de imediato, no sentido de manter e aperfeiçoar a capacidade de resposta a uma situação que não pode considerar-se ultrapassada.
Em primeiro lugar, cumpria reforçar os meios financeiros e materiais para fins de socorro e assistência às populações carecidas e, em particular, às que se apresentam em situação de maior vulnerabilidade.
Foi nesse sentida quero Conselho de Ministro tomou já ontem decisões, contemplando uma conta especial de emergência, que existe com essa finalidade. Posso anunciar que essa conta vai beneficiar de um reforço no montante de um milhão de contos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, urge fazer um levantamento global da situação emergente das inundações e dos prejuízos verificados nas diversas áreas, para, num País com recursos escassos e contribuintes castigados, poder escolher instrumentos ajustados e critérios equitativos.
Também neste sentido foi ontem criada por resolução do Conselho de Ministros, e reúne já hoje pela primeira vez, uma comissão interministerial para procedera essa tarefa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que existem experiências anteriores de recursos a diversos instrumentos e apoios em situações semelhantes, com aspectos positivos e negativos. Ser solidário e rigoroso, em simultâneo, como a hora reclama, exige que se tenham presentes tanto as entidades e pessoas atingidas e carenciadas como também as que através dos seus impostos suportarão os apoios.
É de referir ainda que nesta circunstância foram já tomadas disposições, como cumpria, no sentido de assegurar a normalidade do acto eleitoral nas freguesias com maiores dificuldades e também de forma a garantir o exercício do direito de voto por todos os eleitores que o desejarem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo está aberto a todas as formas de diálogo e de cooperação que esta Assembleia entenda desejáveis neste domínio, nomeadamente e desde já através do grupo de trabalho ontem constituído. O Governo, como oportunamente lembrou o Sr. Presidente da Assembleia da República, tomará boa nota e retirará estímulo da votação unânime a que há pouco assistimos nesta Assembleia.
Está em causa a protecção dos cidadãos em situação de emergência que acima de todas exige solidariedade. É bom que os órgãos de soberania dêem o exemplo da cooperação nesta matéria, para que isso, nesta hora, resulte também num estímulo para a sociedade civil.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Administração Interna, inscreveram-se os Srs. Deputados Macário Correia, Paulo Portas, José Niza e Luísa Mesquita. Inscreveu-se também a Sr.ª Deputada Helena Roseta, mas o que ficou acordado é que pediria esclarecimentos apenas um Deputado por cada grupo parlamentar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração interna, vive-se um tempo de solidariedade, em que, nestas matérias, não deve haver querela política nem sequer qualquer aproveitamento para fins de carácter eleitoral. É com esse sentimento que, certamente, estamos todos aqui e é com base nesses pressupostos que uso da palavra acerca desta questão.
As perguntas que quero formular são simples e objectivas e relacionam-se com a nossa cooperação institucional, no sentido de melhor se definir e delimitar o problema, os prejuízos e as medidas que possam prevenir situações similares no futuro. A este respeito, gostaria que o Sr. Ministro da Administração Interna nos elucidasse sobre alguns aspectos concretos.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se o Governo terá, desde já, solicitado a colaboração das câmaras municipais para lhe fornecerem dados sobre ocupações ilegais do domínio público hídrico e marítimo, uma vez que a faixa litoral também foi fustigada por estes temporais, de zonas de declive da reserva ecológica onde houve derrocadas de habitações manifestamente ilegais e de ocupações de so-

Página 692

692 I SÉRIE - NÚMERO 25

los da reserva agrícola em zonas de várzea e em margens ribeirinhas.
Como é óbvio, houve outros prejuízos e outras situações relacionadas com construções legais, com outra localização, que também são susceptíveis de serem objecto de levantamento, mas, em relação a estes casos em que há apuramento de responsabilidades por negligência de alguma instituição, importa conhecer isso em detalhe e, certamente, o Governo deve pedir a colaboração das câmaras municipais para esse levantamento, na qual tem uma quota-parte de responsabilidade evidente.
Por outro lado, importa também que o Sr. Ministro nos ajude a compreender quem paga e quando paga estes prejuízos.
É necessário saber também que equipamentos existem e em que circunstâncias foi feito o reforço dos mecanismos da protecção civil, quantos realojamentos foram feitos, quantos ainda o serão, onde e como.
Pergunto também quanto é o montante do reforço de verbas que o Governo poderá dotar as câmaras municipais para melhor acudirem ao programa RECRIA e a outros na área da habitação social, bem como à rede de estradas municipais, também ela manifestamente afectada para além dos dois milhões de contos que foram referidos e que são do orçamento directo da Junta Autónoma das Estradas, porque se trata da rede rodoviária nacional.
Por último, quero fazer uma pergunta metodológica, relacionada com uma dúvida. Disse o Sr. Ministro que o Governo tinha criado um grupo de trabalho. Alguma comunicação social, certamente usando de boas fontes, referiu que esse grupo de trabalho inclui oito ministérios, ou seja, envolve metade do Governo. Sabendo que o Governo tem vários conselhos de ministros parcelares para várias matérias, e porque não se devem sobrecarregar os ministros com reuniões diárias e permanentes de conselhos - porque nos preocupa essa eficácia e operacionalidade do Governo -, torna-se legítima a pergunta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente, com uma última frase: de tudo o que foi dito, ressalta das palavras do Sr. Ministro que funcionou o povo, com o seu sentido solidário e as suas instituições privadas, e funcionaram as instituições oficiais - bombeiros, protecção civil e outros - que deram a resposta necessária, sinal de que os mecanismos estavam oleados e a resposta concretizou-se.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, como é evidente, as tragédias não têm cor partidária e não devem ser feitos quaisquer aproveitamentos políticos dos dramas que acontecem à sociedade portuguesa. A este drama persistente das cheias e inundações devem os políticos, tirando a camisola dos partidos, saber responder com eficiência, rapidez e humanismo.
As perguntas que lhe vou fazer são de um Deputado eleito pelo círculo de Aveiro e peco-lhe respostas concretas, porque, desejando eu que V. Ex.ª tenha o melhor sucesso na resposta a estas tragédias, pareceram-me, tirando a questão do reforço de verba, respostas bastantes genéricas. Por isso, Sr. Ministro, vou fazer-lhe quatro perguntas concretas.
A primeira é esta: considera V. Ex.ª que o reforço de verbas de um milhão de contos é suficiente? Tenho dúvidas, pela simples circunstância de saber que apenas no distrito de Aveiro, de acordo com informações oficiosas de que disponho, as indemnizações necessárias e justas ascenderiam a cerca de 700 000 contos, pelo menos.
A segunda pergunta relaciona-se com o facto de se ter verificado que em alguns concelhos do distrito de Aveiro há companhias seguradoras - não sabemos se estatais ou particulares - que não fazem seguros em zonas baixas dos centros populacionais por considerarem que o risco é demasiado alto. Ora, percebo bem que uma pessoa possa perder os seus bens se decidiu livremente não fazer seguro, mas percebo mal que uma pessoa perca os seus bens e não tenha uma indemnização ou um seguro se vive, nasceu e trabalha numa terra que tem o azar de ser baixa, do ponto de vista das inundações. Por isso, quero saber o que é que o Estado, através dos institutos públicos ligados ao sector, pode e tenciona fazer e se tem conhecimento de haver seguradoras estatais nessas condições.
Em terceiro lugar, a Administração Pública, a administração patrimonial do Estado tem enorme dificuldade em reconhecer os seus erros. Não estamos a culpar quem quer que seja, mas há uma obra concreta, num concelho concreto, que é o de Águeda - talvez o que mais sofreu, neste país -, que é uma obra mal feita e a olho nu se percebe que favorece as cheias e as inundações: é a chamada barragem dos Abadinhos. Quero perguntar-lhe se o senhor está disposto a pressionar a JAE, como é seu dever, para que emende o que está mal feito, porque a ninguém fica mal emendar o que está mal feito, pois aquela obra favoreceu objectivamente as inundações.
Em quarto lugar, quero perguntar-lhe pelas medidas de fundo, para que daqui a um ano não estejamos a lastimar exactamente a repetição de acontecimentos deste género. No caso do distrito de Aveiro, em particular, o que falta fazer são obras estruturais de regularização do caudal do Vouga e de aproveitamento da bacia do Vouga. Quero saber, porque ninguém sabe, como estão os pedidos, os processos e os desenvolvimentos relativos à barragem de Pinhosão ou Ribeiradio e à do Afosqueiro, para que se possa regularizar o caudal dos rios e transformá-los num bem para as populações e não para serem, de quando em vez, um perigo e uma fonte de tragédia.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, antes de mais, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, quero registar, saudar e congratular-me com a presença do Governo aqui, hoje, em virtude das informações que trouxe e das que prestará aos Srs. Deputados. Portanto, fica registada a presença e o momento em que ela surgiu.
Em segundo lugar, quero também testemunhar, porque tive o prazer e o gosto de acompanhar o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro da Administração Interna e o Sr. Secretário de Estado Armando Vara na visita que fizeram anteontem ao Ribatejo, não só a oportunidade dessa visita mas sobretudo um aspecto que me parece de sublinhar aqui, que é o aspecto e a componente humanística e de solidariedade, isto é, a relação das pessoas, não apenas em temos de números, de milhões de contos, mas a cara das pessoas, o seu olhar e a forma como reagem a isto.
Penso que o aspecto simbólico da visita teve o seu momento mais importante na visita, inesperada para as populações, a uma pequena aldeia do Ribatejo que se

Página 693

12 DE JANEIRO DE 1996 693

chama Reguengo do Alviela, à qual chamam a "aldeia mártir", na medida em que quando chove é a primeira aldeia a ser atingida e quando as águas se vão embora é a última a deixar de ficar cercada.
Ligam-me a essa aldeia laços familiares, pois a minha mulher é de lá, e ao longo de mais de 30 anos testemunhei as sucessivas cheias, designadamente as grandes cheias de 1979 e de 1989. Digamos que aquelas populações são "profissionais das cheias" e têm uma ligação afectiva com a água.
O que quero registar, sobretudo, é o grande momento desse dia - porque penso que isso também é governar. pois governar não é apenas aprovar diplomas no Conselho de Ministros -, que correspondeu i1 chegada àquela aldeia de 80 pessoas do Primeiro-Ministro, um Ministro, um Secretário de Estado, o Governador Civil, o Presidente da Câmara e dois Deputados - aliás, a Deputada Luísa Mesquita acompanhou também esta visita -, e ao espanto e à comoção naqueles rostos de pessoas rudes, que não percebiam como é que o Primeiro-Ministro percorreu mais de três quilómetros num barco de borracha para lá chegar e ser solidário com eles.
Em minha opinião, este foi o momento mais alto da visita, que tem uma tradução e um impacto nacional, porque o Primeiro-Ministro, quando estava a visitar Reguengo do Alviela, estava, logicamente, a visitar as populações de Águeda, da Régua, de Coruche, de todo o País. Foi um acto simbólico, um momento simbólico.
Sr. Ministro, quero fazer-lhe uma pergunta, mais como autarca do que como Deputado. Sou Presidente da Assembleia Municipal de Santarém e, aquando da discussão do orçamento para 1996, aprovado há dias, eu próprio coloquei uma questão, que, penso, se coloca em relação a todos os municípios do País. Estes orçamentos foram preparados numa época de seca, quando não passava pela cabeça de quem quer que fosse que ocorreriam estas cheias, mas o que, neste momento, se passa nas estradas municipais, como já foi aqui referido há pouco, é realmente uma catástrofe.
Só para dar um exemplo, o concelho de Santarém tem 600 km de estradas municipais, o que corresponde à auto-estrada Lisboa/Porto, ida e volta.
Neste momento, há estradas que têm algum alcatrão entre os buracos que foram criados. Não sei calcular o montante necessário para a conservação destas estradas, mas sei que o País, além das auto-estradas e dos itinerários principais, deve ter complementarmente estradas com um mínimo de condições. Ora, penso que todo o País ficou esburacado - não são os grandes buracos, de que se falava aqui há algum tempo, mas pequenos e trilhares de buracos e vai ser preciso muito dinheiro para tapar esses buracos. Pergunto, pois, ao Governo se, neste momento, está em condições de fazer uma avaliação desse montante.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Finalmente, gostaria de dizer que a questão colocada pelo Sr. Deputado Paulo Portas já tinha sido abordada pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, há bastante tempo e, nessa altura- talvez há um ano, não sei ao certo, a Junta Autónoma das Estradas deu-lhe a informação de que a máxima subida possível do nível das águas seria de 40 cm Ora, em Águeda, a água subiu muito acima dos 40 cm.
Portanto, na altura, a questão foi colocada, a resposta foi mal dada e, assim, voltou tudo à primitiva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, começo por referir algo que, há pouco, me espantou. Há pouco, nesta Câmara, foi feito um voto de penalização relativamente aos autarcas deste país e um voto de absolvição em relação ao Governo de Cavaco Silva, quanto à sua responsabilidade no processo das cheias ocorridas de norte a sul do País.
Se, por acaso, os autarcas aqui estivessem presentes e ouvissem dizer que as margens dos rios estão regularizadas, as ribeiras e as valas limpas, que os guarda-rios continuam lá, que, em suma, está tudo bem, seria de pensar por que é que há cheias, por que é que determinadas aldeias ribatejanas continuam isoladas, se efectivamente estas cheias nem sequer atingiram o nível das de 1989 e estão ainda muito longe das de 1979- felizmente, porque se, acaso, estivessem perto das de 1979 e ao nível das de 1989, não estaríamos aqui a falar de prejuízo, mas de uma tragédia, de um luto nacional, provavelmente sem medida e sem quantificação.
Relativamente à intervenção do Sr. Ministro, colocaria uma questão que, em minha opinião, parece não ter sido aí devidamente explicitada. Penso que podemos falar em medidas de dois tipos.
Em primeiro lugar, as que têm de ser tomadas imediatamente. Para isso há que contabilizar os prejuízos fundamentalmente na rede viária, designadamente nas estradas nacionais, nas estradas municipais. nas pontes e nos viadutos - aliás, o nível das águas ainda não desceu o suficiente para podermos conhecer estes prejuízos, mas são, com certeza, muitos, de norte a sul do País. E há também que contabilizar os prejuízos em lermos agrícolas. Como podemos imaginar e estou concretamente a lembrar-me de toda a zona do Ribatejo -, existem, com certeza, dois tipos de prejuízos: aqueles que, de algum modo, já atingiram algumas culturas de Inverno, como, por exemplo, o trigo, e aquilo que, dentro de alguns dias, será provavelmente o inesperado, ou não, isto é, o assoreamento e a erosão dos próprios terrenos, depois da descida das águas - que terrenos vamos ter, quando. por exemplo, o rio Tejo e as suas margens estão exactamente ao nível dos terrenos de cultivo.
Para além destas medidas a curto prazo, assim que a água deixe de registar os seus níveis mais perigosos, há que tomar medidas de fundo, medidas preventivas, as tais medidas que permitam de algum modo prevenir, apesar dos temporais e das cheias, realidades naturais com as quais temos de viver continuamente em determinadas zonas do nosso país, o Inverno de 1997, sobejamente diferente do de 1995/1996. Refiro-me à defesa e protecção das margens, à limpeza das valas que, há muitos anos, não é feita, à reparação e à conservação dos diques - e estou a lembrar-me do caso dos diques de Valada, no distrito do Ribatejo -, ao desaparecimento dos guarda-rios, à gestão das linhas de água. Estes são só alguns dos exemplos das tais medidas preventivas, que, há muitos anos, o povo anónimo não vê concretizadas de norte a sul do País.
E a regularização dos rios Tejo, Vouga e Douro? E as promessas destas regularizações, feitas ao longo de 10 anos, fundamentalmente em momentos de campanha eleitoral? Onde estão as promessas cumpridas? Efectivamente, as tragédias não podem servir cores partidárias, mas

Página 694

694 I SÉRIE - NÚMERO 25

alguns, mais distraidamente, sempre se servem delas para, no momento preciso, «desenfiarem a camisola».

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, foi aqui referido pelo Sr. Deputado Paulo Portas o caso do chamado dique dos Abadinhos e dito pelo Sr. Deputado José Niza que, sobre essa matéria, tinha sido feito um requerimento, há mais de um ano, portanto, antes das cheias, e que esse requerimento tinha tido uma resposta segundo a qual as águas não subiriam mais de 40 cm. Ora, elas subiram, naquele preciso sítio, 1,90 m.
A minha pergunta é esta: poderá o Sr. Presidente pedir aos serviços que enviem ao grupo de trabalho das cheias, constituído no âmbito da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, o requerimento e respectiva resposta? É que, em minha opinião, se há uma resposta técnica dando uma informação que a realidade vem a desmentir, também é caso para pedir responsabilidades.
Assim, como membro da Comissão e do grupo de trabalho das cheias, peço ao Sr. Presidente que nos faça chegar esses documentos.

O Sr. Presidente: - Trataremos de procurar o requerimento e a respectiva resposta e ser-lhes-ão enviados, como requereu.
Para responder, tem a palavra, por cinco minutos, o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados Macário Correia, Paulo Portas e José Niza, agradeço-vos as questões que me colocaram e, em particular, a forma como o fizeram.
Em consideração à natureza dos problemas, procurarei ser extremamente concreto em relação a todas as questões que me colocaram.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Macário Correia, é evidente que o Governo solicitará a colaboração das câmaras municipais na identificação de todas as ocupações e situações que colocou. E, na sua visão do problema, a separação entre aspectos legais e ilegais tem relevância na definição de qualquer processo indemnizatório.
É justamente para solucionar essas questões, que nem sempre no passado foram devidamente contempladas, que está constituída uma comissão, incumbida também de estudar os aspectos, as distinções e os critérios de natureza legal, no sentido de o resultado a atingir ser equitativo.
V. Ex.ª pergunta quem paga os prejuízos e que prejuízos. É preciso distinguir dois tipos de situações: primeiro, aquelas que têm a ver com o imediato, com o socorro e com a assistência, com a intervenção da protecção civil, em sentido lato. Essas despesas, num Estado de direito, têm de ser suportadas pelos contribuintes. Os contribuintes, o Sr. Deputado Macário Correia, os outros Srs. Deputados e eu próprio estamos já a pagar essas despesas e estamos a pagá-las bem, porque é nosso dever fazê-lo.
Há, no entanto, outros prejuízos, em patrimónios e em actividades, que não podem ser objecto de uma solução dessa natureza. E aí é preciso encontrar critérios apropriados à dimensão das situações, das situações objectivas e subjectivas, como, aliás, algumas vezes já se fez correctamente no passado, para verificar aquilo que é lícito a colectividade cobrir e aquilo que é exigível os particulares recuperarem e financiarem. A nossa preocupação é justamente a de, nesta matéria, distinguir o que deve ser o orçamento da solidariedade e o que deve ser o orçamento da responsabilidade individual. Pensamos que esta é uma responsabilidade de quem governa, em relação aos cidadãos e, em particular, aos contribuintes.
V. Ex.ª pergunta quantos realojamentos já foram feitos. Segundo os dados que me deram hoje, já foram feitos 1050 realojamentos e é previsível que tenhamos de fazer, em prazo muito curto, um número superior a 200 realojamentos. Isto é o que posso dizer-lhe e com a precisão possível neste momento.
V. Ex.ª diz que esta comissão abrange metade do Governo. É verdade que estão muitos ministérios representados - não o estarão, obviamente, a nível de Ministro nem necessariamente de membro do Governo -, mas há muitos e justos interesses a contemplar no exame desta situação. Seria gratuito, leviano e irresponsável diante dos contribuintes que esses interesses não fossem todos sopesados e calibrados e as soluções finais pudessem resultar em prejuízo de alguns interesses que devem ser correctamente contemplados.
Sr. Deputado Paulo Portas, V. Ex.ª diz, e com razão, que a verba de um milhão de contos é insuficiente. O que se passa é que aqui, como já tive ocasião de dizer, há dois tipos de despesas. Há uma no valor de um milhão de contos que se destina à conta especial de emergência, já legalmente criada, que apenas necessitava de ser reforçada - e que devia sê-lo no cumprimento desse dever de solidariedade já referido - e que o foi nesse montante. O que está aí em causa são despesas de socorro, de assistência e prestações de serviços ligadas a essas funções de socorro e de assistência, de que o Estado não pode demitir-se. Agora, existe todo um outro conjunto de situações, que, esse sim, tem de ser sopesado na sua totalidade - não apenas a pensar no distrito que o Sr. Deputado representa, e muito bem, o de Aveiro, mas num conjunto de distritos, que foram atingidos por estes problemas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Ministro, o Orçamento do Estado dá entrada daqui a 15 dias!

O Orador. - É verdade, Sr. Deputado, essa é uma outra dificuldade que todos temos, o Governo também, para contemplar devidamente esta situação. Estamos conscientes desse problema e desse desafio e vamos tentar enfrentá-lo.
Desde já quero dizer-lhe que V. Ex.ª demonstra, desta forma, plena consciência acerca dos problemas que enfrentamos para corrigir aquelas situações, apontadas na sua intervenção, em que há coisas mal feitas que devem ser corrigidas. E posso dizer-lhe que aquilo que está mal feito, no seu como em qualquer outro distrito, e que o tenha sido pelo Estado, deve ser corrigido.

Vozes do PS e do Sr. Deputado do CDS-PP Paulo Portas: - Muito bem!

O Orador: - E onde os cidadãos têm direitos a fazer valer, em relação a erros públicos que preencham os requisitos da responsabilidade, num Estado de direito eles estão habilitados legalmente a exercer os seus direitos contra o Estado.

Página 695

12 DE JANEIRO DE 1996 695

Aplausos do PS.

O Estado só será um verdadeiro Estado de direito se reconhecer que os seus tribunais também podem e devem decidir, cumprindo em tempo útil as sentenças destes tribunais, nos casos em que os cidadãos tenham motivos de queixa, também a propósito destas matérias, diante das acções do Estado.
É óbvio que nas questões relacionadas com a matéria dos seguros, matéria delicada porque o Estado não pode ser um grande segurador da propriedade privada, esses encargos devem ser suportados, sempre que seja legítimo exigi-lo, pelos proprietários. Evidentemente, o Estado deve, nesta altura, equacionar também estes problemas e contemplá-los adequadamente na solução a trazer aqui a esta Assembleia, para o que existe um mandato e um prazo já determinado.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que abrevie a sua resposta, Sr. Ministro.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente, pela sua recomendação.
Sr. Deputado José Niza, quero agradecer-lhe em especial a suas palavras e dizer que foi também com emoção que me desloquei a Reguengos do Alviela, uma povoação isolada, num distrito que já tive a honra de representar neste Parlamento.
A situação aqui trazida por V. Ex.ª, que se encontra ligada a equipamentos e a infra-estruturas municipais, terá, como é evidente, de ser contemplada nesta actividade que vai desenvolver-se nos próximos 15 dias, e, embora tenha algumas dificuldades legais, que têm a ver com as regras aplicáveis ao financiamento das autarquias, é intenção do Governo equacioná-la com correcção e com equidade, para que não haja entidades que fiquem de fora do sistema de compensações a instituir.
Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, V. Ex.ª colocou correctamente o problema de um conjunto de heranças que, evidentemente, ajudam a explicar as dimensões de problemas como este que, ciclicamente, vivemos e que agora conhecemos.
É evidente que não seria próprio- e o Governo fez questão de vir aqui com um estado de espírito construtivo- fazer, neste momento, um processo de inculpação ou de responsabilização. Mas é intenção do Governo apresentar a esta Câmara, quando este processo estiver encaminhado, naquilo que são as solicitações imediatas da situação, um conjunto de análises e, sobretudo, com um conjunto de soluções, que esta Assembleia possa examinar e que contribuam, no futuro, para que situações destas não tenham, infelizmente, como continuam a ter em Portugal, a dimensão danosa que hoje constatamos e nos leva a ter de socorrer, apoiar e a solidarizarmo-nos, como aqui, hoje, fizemos, com os nossos concidadãos atingidos pelos efeitos destes temporais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período de intervenção do Governo no período de antes da ordem do dia, pelo que vamos agora entrar no período de antes da ordem do dia propriamente dito.
Estão inscritos, para declarações políticas, os Srs. Deputados Paulo Portas e João Amaral.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi autorização ao presidente do meu partido e ao presidente do meu grupo parlamentar para fazer a declaração política que se segue sobre as eleições presidenciais. Esperava, em particular, do Dr. Manuel Monteiro o consentimento que me deu. Ele tem sido guardião da unidade do Partido Popular nesta matéria, não tendo impedido qualquer militante de expressar a sua opinião nem a sua opção e só nessa medida e nestas condições a verdadeira liberdade de voto se pode exercer. Se não tivesse obtido o seu consentimento, não faria esta declaração. Sou contra o vedetismo individualista na política. muito mais ainda num partido que custou a fazer a partir do quase nada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A minha lealdade é ao Partido Popular e ao seu presidente.
Esta campanha eleitoral para a Presidência da República foi, a meu ver, pobre e degradante. Falou-se demais no passado e muito pouco no futuro.
O Dr. Jorge Sampaio considera que basta ter sido antifascista para ser um bom Chefe do Estado e não posso deixar de considerar que a sua campanha é, em termos de cultura política, uma espécie de triunfo de um antifascismo como condição exclusiva para fazer política. E, na medida em que ele próprio colocou a questão do passado como essencial, não posso também deixar de dizer que o Dr. Jorge Sampaio não conseguiu explicar como é que, em 1975, falhou no momento de escolher entre quem estava do lado da liberdade e quem não estava.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador:- Mas também quero dizer, a propósito da cultura política sobre o passado, que o Prof. Cavaco Silva, a meu ver e infelizmente, teve de fazer uma correcção política na sua biografia, invocando um antifascismo activo que não lhe conhecíamos, abrindo, assim, o flanco para que, com toda a legitimidade, lhe possamos perguntar porque é que passou 10 anos a nomear para postos de responsabilidade, ministérios do Estado e postos de responsabilidade na condução ideológica do PSD pessoas cujo passado era o da extrema esquerda, do maoísmo, do marxismo-leninismo, ou seja, da defesa da ocupação das fábricas e do roubo das terras.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por uma vez, à direita que seja dito, nesta Câmara, o seguinte: eu, se tivesse idade legal para votar em 1969, não teria votado nem na CDE nem na CEUD mas nas listas em que estava Francisco de Sá Carneiro...

Vozes do PCP: - Teria votado na União Nacional!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - E votava muito bem!

O Orador: - ... pela simples razão de que acreditava que era possível poupar o meu país a uma revolução, fazendo a transição para a democracia e para a liberdade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao presente, também se discutiu mal e, sobretudo, tivemos de assistir a arquivamentos po-

Página 696

696 I SÉRIE - NÚMERO 25

liticos interessantes. O Dr. Jorge Sampaio, quanto à definição do que deve ser o equilíbrio do sistema político, arquivou a tese do Dr. Mário Soares, expressa, aliás, num dito popular, segundo o qual «o povo não deve pôr os ovos todos no mesmo cesto». O Dr. Jorge Sampaio passou esta campanha a dizer que «o povo deve pôr os ovos todos no mesmo cesto».
Mas também o Prof. Cavaco Silva é preciso dizê-lo-, nesta campanha eleitoral, meteu na gaveta a doutrina de Francisco de Sá Carneiro, segundo a qual só há estabilidade política em Portugal quando um presidente, um governo e uma maioria são coincidentes. O Prof. Cavaco Silva passou esta campanha eleitoral a pedir que a maioria presidencial não fosse coincidente com a maioria parlamentar.
Por uma vez, é preciso que à direita seja dito nesta Câmara que, quando não há maioria absoluta, não há concentração absoluta de poderes. O equilíbrio faz-se nesta Câmara e, nesse sentido, o Partido Popular será certamente um travão ao situacionismo, se o Dr. Jorge Sampaio vencer, e um travão à vingança ou à tentação da vingança, se o Prof. Cavaco Silva vencer.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Em suma, será sempre um travão!

O Orador: - Quero também dizer que, em relação ao futuro, se discutiu quase nada, embora os dois candidatos, na questão essencial, tivessem mostrado ser o espelho da semelhança. Quanto à questão da Europa, que é, com certeza, o eixo de toda a vida política portuguesa nos próximos cinco anos e que determina grande parte do nosso futuro, ambos os candidatos nos disseram que aceitam Maastricht e a sua revisão, que aceitam a abertura indiscriminada de fronteiras e a sua consequência, que é a fractura social, embora tivessem o cuidado de fazer discursos hipócritas e retóricos contra os deserdados dessa mesma abertura.
A verdade é que não temos ilusões à direita. Nesta matéria, qualquer que seja o candidato eleito, daqui a cinco anos, entregará Portugal menos soberano ao seu sucessor.
Mas é preciso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazer duas perguntas fundamentais. Fez o Prof. Cavaco Silva qualquer esforço para unir o centro e a direita? Do meu ponto de vista não. Não se arrependeu, não se emendou, não se aproximou. Não se arrependeu de, por exemplo, tantas e tantas vezes, ter chamado, injustamente, radical ao meu partido; não se emendou em questões essenciais, não pôs a mão na consciência sobre o grave que foi, por exemplo, ter sujeitado uma geração de portugueses à desgraçada reforma do ensino que promoveu e assinou; e não se aproximou de nós numa questão básica e essencial - que é até uma questão de método, e, se quiserem, depois, podemos divergir sobre o fundo -, porque ele não foi capaz de aceitar que usaria o seu magistério de influência para que Portugal, pelo menos uma vez na vida, tivesse um referendo sobre questões de soberania. Não o fez!
Mais grave, ainda, é que assistimos, com algum espanto, à direcção política do PSD fazer o possível e o impossível para que não ocorresse a união do centro e da direita nestas eleições. Não preciso de recordar mais do que dois factos: foi o Dr. Fernando Nogueira quem disse nesta campanha eleitoral que, se o PSD tivesse maioria absoluta, Cavaco Silva ainda fazia mais sentido como Presidente, pondo totalmente em causa a lógica essencial da campanha do Prof. Cavaco Silva, que é a lógica do equilíbrio e não a da concentração ideológica nos vários poderes; foi o Dr. Fernando Nogueira que, certamente não por acaso, no dia em que o presidente do meu partido ia à televisão e no comunicado da comissão política estava escrito que a direita, em Portugal, nestas eleições, não escolhe, elimina, fez um ataque pessoal violentíssimo ao Dr. Manuel Monteiro, certamente com a intenção de inviabilizar qualquer espécie de aproximação entre o centro e a direita.
Não me admira nada ver o Dr. Fernando Nogueira fazer isto, pois a razão é muito simples: os senhores do PSD já estão a preparar o apoio à recandidatura presidencial de Jorge Sampaio em 2001, como sempre fizeram.

Aplausos do CDS-PP.

Primeiro, apelam ao caos e, a seguir, apoiam sempre os candidatos à recandidatura que vêm da esquerda. Fizeram-no com Mário Soares e fá-lo-ão com Jorge Sampaio.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Não foi assim com o General Eanes!

O Orador: - Mas, meus amigos, entendo que, apesar de o candidato ter sido indiferente aos eleitores da direita e de a direcção nacional do PSD ter sido arrogante com o partido da direita, é preciso responder à pergunta mais simples e mais difícil, e eu não tenho qualquer problema em confessar-vos a dificuldade. Que fazer no domingo?
Os dados objectivos, do meu ponto de vista, são estes.
Em primeiro lugar, o candidato que eu gostaria de ter chama-se Adriano Moreira, mas não é candidato. Tenho, aliás, a certeza de que a diferença intelectual, a visão que tem e a sua independência profunda em relação aos dois maiores partidos fariam dele um grande candidato presidencial. Não o temos, infelizmente, nesta corrida. Em segundo lugar, para a direita, Cavaco Silva é um estranho, mas Jorge Sampaio é um adversário; Cavaco Silva quer os nossos votos mas não quer as nossas ideias, Jorge Sampaio não precisa dos nossos votos e tem ideias contrárias às nossa.
O dilema que se me coloca pessoalmente é ainda mais complexo, e peco-vos respeito por ele. Trata-se de um dilema de consciência. Conheço o Dr. Jorge Sampaio há muitos anos e considero-o uma pessoa estimável e honrada, mas não devo confundir questões de estilo com questões de fundo. Combati o Prof. Cavaco Silva em Portugal como poucas pessoas, mas não faço da minha vida política um ressentimento permanente ou um ajuste de contas. O cavaquismo foi julgado no dia 1 de Outubro, foi condenado e não tem recurso.
As razões da minha escolha são duas: pelo País, não estou com Jorge Sampaio, porque não estou onde está o Partido Comunista Português;...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... pelo centro e pela direita, quero evitar que esse povo bom seja vexado no próximo domingo. O centro e a direita não têm culpa que a direita não tenha um candidato e que o candidato do centro seja aquele que mais combateu a direita.
Temos de estar à altura dos eleitores mais do que dos candidatos e é por isso que eu, no próximo domingo, escolherei o mal menor do meu ponto de vista. Jorge Sampaio está à esquerda da esquerda, Cavaco Silva está à esquerda da direita. Há uma diferença que me permite dizer, como já o disse há mais tempo, que a direita nestas eleições não escolhe, elimina.

O Sr. José Magalhães (PS): - E então?!

Página 697

12 DE JANEIRO DE 1996 697

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E depois?! A conclusão!

O Orador: - A conclusão é óbvia. Srs. Deputados: eliminarei, nas eleições do próximo domingo, como cidadão eleitor, a candidatura do Dr. Jorge Sampaio e escolherei o mal menor, que, nestas eleições, é a candidatura do Prof. Cavaco Silva.
Quero deixar aqui três notas finais. No domingo, como em qualquer eleição presidencial, a maioria presidencial esgota-se e a minoria presidencial também. Na segunda-feira cá estaremos todos, no Partido Popular, a lutar pelos. valores e pelo líder político em que acreditamos: os valores de uma direita nacional e popular, os valores que têm sido protagonizados, e muito bem, pelo meu amigo e presidente Manuel Monteiro. Faço o que a minha consciência determina, é essa a medida da liberdade e o seu risco.
Aplausos de alguns Deputados do CDS-PP e do Deputado do PSD Silva Marques.

O Sr. Presidente: - Informo á Câmara que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Jorge Lacão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, em três palavras direi o que penso acerca da sua intervenção.
A sua intervenção foi um acto de contrição dos mais dolorosos que já vi. A sua intervenção denota que a sua consciência de português sangrava. V. Ex.ª escolheu bem.

Vozes do PS: - Mal!

O Orador: - Aliás, se escolhesse de outra maneira, os votantes do Partido Popular jamais o desculpariam.

Vozes do PSD: - Muito bem! Assim é que é!
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Portas, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas não percebi a pergunta do Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, quer repetir? Tem tempo para isso.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Se não, faço um comentário ao comentário por ele produzido.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, não preciso de repetir o que eu disse porque o Sr. Deputado Paulo Portas percebeu bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Encarnação fez um comentário aos meus comentários, não fez qualquer pergunta.
Em todo o caso, permita-se-me a seguinte resposta à pergunta que não fez mas que quis insinuar. Disse ele que me arrependi de alguma coisa; não me arrependo de nada, Sr. Deputado. De nada!
Tenho muita pena que a direita política, em Portugal, não tenha um candidato nestas eleições presidenciais e faço um gesto que, efectivamente, me custa mais do que muita coisa neste mundo, porque penso que há um mal menor e um mal maior e tenho para o fazer, Sr. Deputado Carlos Encarnação, sobretudo a legitimidade de quem nunca esteve ao lado da esquerda em momento algum essencial da vida política portuguesa.
Eu não fiz, como os senhores, que estiveram ao lado do Dr. Mário Soares - e o que diziam dele nessa altura! -, qualquer patrocínio a figuras políticas da extrema esquerda erigidas em ideólogos do vosso partido.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nunca estive ao lado do Partido Socialista em questões essenciais, que não fossem a democracia e a liberdade em que estamos, creio eu, juntos, em questões de fundamentais de política, como a Europa, como os senhores estiveram. Não me arrependo de nada, Sr. Deputado Carlos Encarnação, e tenho a certeza, se me permite, pelo que vi da sua direcção partidária, que a minha autenticidade naquilo que disse da tribuna é bem maior que algumas autenticidades no vosso partido.
Quem faz o que o vosso presidente fez nos últimos sete dias, negando a tese fundamental da campanha do Prof. Cavaco Silva e dificultando ao máximo a aproximação entre o centro e a direita, não me parece que queira a vitória do Prof. Cavaco Silva.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, confesso-lhe que hesitei bastante em pedir a palavra para lhe dirigir um pedido de esclarecimento e suponho que esta minha hesitação terá sido em grande medida partilhada pela perplexidade da Câmara, talvez no respeito que era devido pela dilaceração de consciência que resolveu assumir perante todos nós.
Mas, em todo o caso, porque de matéria política se trata, não quero deixar de contribuir para a reflexão que aqui nos trouxe e, sem qualquer intuito provocatório, sinceramente lho digo, Sr. Deputado Paulo Portas, que fiquei com a impressão de que tem muita dificuldade em aprender com o bom exemplo da História. Porque ao ter a coragem - reconheço - de vir aqui sublinhar que, se tivesse tido idade para votar em 1969, teria votado nas listas da União Nacional...

O Sr. Paulo Porias (CDS-PP):- Acção Nacional Popular!

O Orador: - ... e não nas da CEUD ou da CDE, nem sequer, a meu ver, interpretou adequadamente aquilo que foi o fracasso da experiência de Francisco Sã Carneiro, porque se ele e outros foram, nessa ocasião, candidatos pelas listas que referiu, ele e outros tiveram de retirar o exemplo da sua própria má experiência ao terem necessidade de abrir cisão política com os companheiros destas listas nessa altura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, se o Sr. Deputado Paulo Portas tivesse querido aprender com a História, teria tido ocasião

Página 698

698 I SÉRIE - NÚMERO 25

de reparar que o fracasso político de Francisco Sá Carneiro não mereceria hoje, da sua parte, a vontade de voltar a repetir o mesmo erro.
Portanto, o que suponho que o Sr. Deputado Paulo Portas aqui veio fazer foi confessar a intenção de praticar hoje, que já tem idade, o erro que teria praticado nessa altura,...

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - ... porque diz esta coisa singular: «o cavaquismo foi julgado no dia l de Outubro e já não tem politicamente remissão. Apesar disso, vou votar no Professor Cavaco Silva». Há aqui qualquer coisa que, do meu ponto de vista, é profundamente contraditório no plano intelectual, a não ser que o Sr. Deputado Paulo Portas, com o seu testemunho e a sua angústia, não tenha querido fazer aqui outra coisa que não sublinhar a profunda orfandade da direita portuguesa e dizer que ela precisa de uma outra liderança que não está na bancada do PSD.
Pergunto: era afinal essa a mensagem fundamental do seu testemunho? Outra, sinceramente, não vi, porque a haver outra é de tal forma contraditória que, realmente, me parece não estar à altura do brilho de raciocínio a que nos tem habituado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, agradeço-lhe o interesse, do ponto de vista intelectual, das suas questões, mas, Sr. Deputado, quando eu disse que em 1969, com os dados que eventualmente conhecesse nessa altura, não teria escolhido nem a CEUD nem a CDE mas as listas em que estavam Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, João Bosco Mota Amaral e outros,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Casal Ribeiro!

O Orador: - ... significa que teria escolhido a ala liberal, poupando o meu país a uma revolução e fazendo-o transitar, como em Espanha, para a democracia sem custos e com vantagens.
Obviamente, sei o que foi o fracasso, como qualquer pessoa que conheça a História, dessa tentativa, mas o que referi não foi o que faria em 1973 ou em 1971, porque se eu visse uma lei de imprensa, com liberdade para esta, a ser rejeitada, uma revisão constitucional moderadora e liberal a ser rejeitada, teria feito o mesmo que eles. O que estou a dizer é que em 1969, e apenas em 1969, teria acreditado na esperança liberalizadora do regime e em figuras como a de Sá Carneiro, para lhe referir, sobretudo, Sr. Deputado Jorge Lacão, que é inaceitável, 20 anos depois, continuarmos a separar os portugueses entre os que foram antifascistas e os que o não foram. Por isso mesmo é que fiz na minha intervenção uma crítica ao outro candidato, que decidiu revelar-nos, ao fim de 10 anos de vida política, que também tinha sido antifascista, para curiosidade de alguns e riso de outros.
Queria dizer-lhe, quando à orfandade da direita política, que não vale a pena negar os problemas, Sr. Deputado Jorge Lacão. Tenho muita pena que não haja um candidato da direita nestas eleições. Tenho muita pena! Estou limitado à escolha que se me apresenta, não tenho outra.
Considero haver, nesta Assembleia, condições para que o exercício da Presidência da República pelo Dr. Jorge Sampaio não seja um situacionismo insuportável - vocês não têm a maioria -, havendo também condições para que, se o Professor Cavaco Silva ganhar, não haja uma restauração do cavaquismo, porque esse perdeu, e perdeu sem remissão nem pecado, no dia 1 de Outubro, porque nós temos aqui 15 Deputados e a direita já não está no «bolso» do PSD, já não vota por empréstimo do PSD, tem um partido próprio que faz um caminho difícil mas seguro, um caminho de valores, onde nós não transigiremos. E se Deus Nosso Senhor permitir, Sr. Deputado Jorge Lacão, teremos, com certeza, na próxima eleição presidencial, um candidato presidencial do centro e da direita, aproximando-se e reconhecendo os nossos valores, quando o PSD apoiar a reeleição do Dr. Jorge Sampaio, caso ele vença estas eleições.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As eleições para a Presidência da República, já daqui a três dias, dominam, como se vê, o debate político no País, na comunicação social e também aqui na Assembleia da República, que é também ela sede própria para esta disputa política fundamental para o País e que interessa não só aos candidatos mas a todos os cidadãos e aos partidos políticos.
Os contornos da disputa eleitoral estão suficientemente clarificados e todos os agentes da cena política, com uma excepção, assumiram o seu dever de opção fundamentada nos seus próprios critérios. Eu disse, «com uma excepção», onde há cada vez mais brechas, como é sabido, porque ainda agora vimos aqui um Deputado da excepção assumir o voto em Cavaco Silva, reclamando-se ao mesmo tempo do voto na União Nacional,... más companhias que mostram exactamente o que é a candidatura de Cavaco Silva.

Aplausos do PCP.

À medida que decorreu o tempo da campanha eleitoral, a candidatura de Cavaco Silva confirmou, cada vez com mais clareza, características essenciais. É uma candidatura de revanche política, com o propósito deliberado de tentar a inversão do sentido de mudança que o eleitorado deu em 1 de Outubro passado.
A candidatura de Cavaco Silva, tendo como objectivo central recuperar para a direita e particularmente para o PSD uma importantíssima parcela do poder político, para o usar como trincheira da mesma política que o PSD praticou no governo ao longo de 10 anos, é a candidatura do passado político que o povo português condenou com clareza em l de Outubro. Por mais falinhas mansas e disfarces que use ou por mais vezes que bata com a mão no peito, Cavaco Silva é o rosto inteiro da política do PSD e do seu rastro, de dolorosas consequências para o povo português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Cavaco Silva, é sabido para quem vê os tempos de antena, encena umas entrevistas de rua, em Madrid e noutras capitais europeias, em que alguns figurantes usam a língua estrangeira para dizerem que são capazes de identificar Cavaco Silva. Tenho de dizer ao Sr.

Página 699

13 DE JANEIRO DE 1996 699

Professor Cavaco Silva que não precisava de fazer esse teatrinho no estrangeiro, pode fazê-lo à vontade em Portugal, porque os portugueses conhecem-no e não esquecem as consequências desastrosas da sua política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Conhecem-no os mais de 400 000 desempregados, como todos os trabalhadores de centenas e centenas de empresas levadas para a falência e para a inactividade por uma política de desindustrialização que deixou o país mais pobre e vulnerável.
Conhecem-no os agricultores, os pescadores e os mineiros, sectores impiedosamente desmantelados ao longo destes anos; como o conhecem os milhares e milhares de pequenos empresários sacrificados pela política económica do PSD.
Conhecem-no os jovens, vítimas de grosseiros erros da política educativa, atirados depois para o mercado do desemprego.
Conhecem-no muito bem os milhares de sem-abrigo, os que esperam habitação, os que, como os idosos, precisam de especial protecção do Estado. Certamente que nunca o esquecerão os moradores do Asilo 28 de Maio e todo O País que assistiu ao que se passou e que tem o direito de perguntar a Cavaco Silva por que é que houve dinheiro para tanto desperdício e não houve um gesto de solidariedade para quem tanto necessitava, apesar dos 1000 avisos endereçados a Cavaco Silva, enquanto Primeiro-Ministro, e que nunca quis atender numa revoltante demonstração de arrogância e de insensibilidade.

Aplausos do PCP.

A forma como a campanha tem sido conduzida por Cavaco Silva põe em evidência as piores características do seu projecto político. Cavaco Silva permite afirmações de menosprezo pela luta democrática contra o regime fascista, como a que fez Eurico de Melo, ao qualificar essa luta como "manifestações folclóricas" a que, na sua opinião, Cavaco Silva fez muito bem em se furtar.
Cavaco Silva tenta fazer reviver em Portugal a questão religiosa, tenta introduzir como linha de fractura a opção religiosa e, assim, sem qualquer pudor, quer instrumentalizar uma das zonas mais íntimas e reservadas da pessoa humana, que é a sua relação com a fé e com os valores humanísticos e religiosos.
Cavaco Silva quer ser, a todo o custo, na campanha, a "vítima" que suscita sentimentos de comiseração e não, escolhe meios para transformar essa vitimização na questão central. Péssimo papel, porque os portugueses não esquecem que o agora autopromovido a coitadinho foi o carrasco das esperanças de progresso e bem-estar que os portugueses alimentaram e que Cavaco defraudou e comprometeu.

Aplausos do PCP.

Os portugueses não esquecem, em segundo lugar, que, em directo conflito com as convicções que agora apregoa, Cavaco Silva foi responsável por uma política que causou a degradação dos valores humanos mais nobres, como a solidariedade, e incentivou uma sociedade pautada pelo "salve-se quem puder", pela luta desenfreada, tendo como critério único o êxito pessoal, o arrivismo, o negocismo.
Os portugueses não esquecem, em terceiro lugar, a lula que muitos e muitos democratas travaram contra a ditadura e pela liberdade num país marcado pela opressão e pela injustiça de que Cavaco Silva conseguiu o mais difícil, que foi não se aperceber e passar à margem, indiferente, se não pior do que isso.
Cavaco Silva, sem nenhum argumento nem nenhuma ideia que possa promover como programa de candidatura (porque os argumentos e ideias que pode esgrimir são os que o povo português condenou em 1 de Outubro), lixou-se no que chama "concentração de poderes". É um caso extremo de hipocrisia. Não é este o mesmo Cavaco Silva que, com a AD, em 1980, fez parte da equipa que apostou na candidatura de Soares Carneiro numa espécie de tudo ou nada, precisamente no momento em que a AD detinha a maioria absoluta e o governo, isto é, promoveu a tal "concentração de poderes"?
Não é este o mesmo Cavaco Silva que assinou, no início do ano passado, a moção de estratégia do PSD, toda ela apostada na conquista da maioria absoluta no Parlamento, do governo e de um Presidente da República oriundo do PSD, isto é, a tal "concentração de poderes"?
Não é este o mesmo Cavaco Silva que, nos anos em que foi Primeiro-Ministro, governamentalizou a Assembleia da República e acusou os tribunais superiores, a Procuradoria-Geral da República e o Tribunal de Contas, de serem forças de bloqueio, só porque, pelo exercício das suas competências constitucionais e legais, tinham de fiscalizar a actividade do governo e, assim, de contrariar a vontade de poder absoluto de Cavaco Silva e do seu "quero, posso e mando"?
Aliás, nem Cavaco Silva nem o PSD conseguem esconder no limite que só usam este argumento da concentração de poderes nesta conjuntura. O Sr. Deputado Fernando Nogueira, líder do PSD, em jantar de apoio a Cavaco Silva realizado em Bicesse, em discurso directo transmitido no Diário de Campanha da TVI, em 5 de Janeiro, afirmou: "A eleição de um Presidente da República que integre ou pertença à mesma fartu1ia ideológica de quem domina praticamente todos os órgãos do Estado (...) não pode servir, nem serviria, como elemento moderador e estabilizador da vida em sociedade e do sistema político em Portugal". Logo de seguida, a reportagem transmite, também em discurso directo, esta outra afirmação do Deputado Fernando Nogueira: "Toda a gente sabe que o PSD, ainda que tivesse ganho as eleições legislativas, estaria do mesmo modo e com a mesma (orça a apoiar o Prof. Cavaco Silva a Presidente da República", isto é, a promover a tal concentração de poderes.

O Sr. Liso de Carvalho (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Se era preciso demonstrar a demagogia e a mentira que enformam a candidatura de Cavaco Silva nesta fase final da sua campanha, então, temos de agradecer esta preciosa ajuda do líder do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, os contornos da candidatura de Cavaco Silva e a forma como desenvolveu a sua campanha eleitoral mostram que, para os portugueses no seu conjunto, particularmente para os que manifestaram em 1 de Outubro passado uma clara vontade de mudança, o objectivo central é, neste momento, a derrota de Cavaco Silva, que será a derrota do desforrismo e dos projectos da direita de alcançar uma posição importante de poder para contrabalançar o que perdeu em 1 de Outubro. Por isso, o PCP apela ao voto em Jorge Sampaio.

Página 700

700 I SÉRIE - NÚMERO 25

Exercemos, na devida altura, o direito democrático de promover a apresentação de uma candidatura. É o exercício de um direito e o exercício dos direitos não se condiciona nem se limita ao sabor das conveniências de outros.
Apresentámos a candidatura por considerarmos que fazia falta a voz do PCP na disputa política, uma voz diferente que exprimisse os interesses e as aspirações de largas camadas da população, que apontasse as chagas que afectam profundamente o tecido social português, que mostrasse a importância decisiva de derrotar a direita e confirmar a vontade de mudança. A candidatura de Jerónimo de Sousa cumpriu esses objectivos com dignidade e sentido cívico num quadro em que o PCP deixou claro não se rever inteiramente em nenhum dos candidatos.
Cavaco Silva tem passado boa parte do seu tempo a falar do PCP, o que só ajuda à demonstração de que a candidatura de Jerónimo de Sousa tem plena legitimidade porque, no quadro da disputa presidencial, ninguém se não o próprio PCP responde pelo PCP. Ou queria Cavaco Silva afastar da disputa e do debate um segmento tão significativo do eleitorado como o do PCP? A sociedade portuguesa é plural e não é o debate presidencial que amputa ou anula as diferenças! Só assim não pensa quem não convive facilmente com a democracia e com as suas regras.
Com a mesma legitimidade com que promovemos a apresentação da candidatura, usámos todos os direitos inerentes a essa apresentação. Falámos sempre verdade, dissemos sempre que seriam usadas, se assim entendêssemos, todas as prerrogativas de uma candidatura, incluindo a da desistência. É um direito de qualquer candidatura, exercido segundo os seus próprios critérios, como é com os nossos próprios critérios que exercemos o direito de apelar ao voto em Jorge Sampaio.
Reconhecemos em Jorge Sampaio uma grande diferença em relação a Cavaco Silva: vemos nele um cidadão de convicções democráticas e provas dadas; valorizamos o seu compromisso de exercer as funções presidenciais com independência, isenção e respeito pela Constituição.
Mas não esquecemos as diferenças que nos separam de Jorge Sampaio, incluindo questões tão essenciais como a concepção sobre a União Europeia. Não pertencemos à candidatura de Jorge Sampaio e, assim como o candidato Jorge Sampaio não assumiu (como publicamente disse) qualquer compromisso com o PCP, também o PCP não assume nem assumiu qualquer compromisso com o candidato Jorge Sampaio, designadamente quanto ao exercício futuro da função presidencial.
O nosso compromisso é com o povo português e com a defesa dos seus interesses. Por exigência desse compromisso e para concretização das aspirações de mudança que o povo português manifestou em l de Outubro, com toda a independência e usando dos direitos que lhe assistem, o PCP entendeu fazer o apelo ao voto em Jorge Sampaio logo na primeira volta para a derrota de Cavaco Silva e do desforrismo que corporiza.
Essa é a contribuição essencial do PCP, para que aquela vontade de mudança expressa em l de Outubro não seja defraudada.

Aplausos do PCP, de pé.

O Sr. Presidente: - Para usarem da palavra no segundo ponto do período de antes da ordem do dia, estão inscritos os Srs. Deputados Luís Filipe Menezes e José Leitão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os primeiros 70 dias do Governo socialista podem ser caracterizados pela sigla PP/PP, o que nada tem a ver com o Partido Popular.
A uma primeira fase, onde imperaram a propaganda e a precariedade de decisões, só conjunturalmente populares, seguiu-se uma lógica de protelamento de medidas que pediam celeridade bem como uma postura de prepotência em relação aos cidadãos, às instituições e ao próprio Parlamento.
Propaganda, precaridade, protelamento e prepotência, fazem um caldo de cultura onde se desbarataram os 100 dias de estado de graça que em todas as democracias funcionam como indutores de optimismo e confiança e decisivos catalisadores de dinâmicas sociais positivas.
Setenta dias volvidos, intuímos, ao contrário, uma recessão dos factores objectivos e subjectivos que indiciavam, antes das eleições de l de Outubro, um relançamento da economia e uma retoma de um clima de crença no futuro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, concebendo uma estrutura orgânica com essa finalidade e escolhendo especialistas na sua prossecução, o Governo cedo privilegiou a propaganda condicionadora de opinião em detrimento de uma atitude pedagógica de esclarecimento das suas opções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Avizinhando-se a comunicação do pacote suspensivo do Ministério da Educação, cujos objectivos poderiam suscitar polémica junto dos líderes de opinião mais esclarecidos, apressou-se a propaganda governamental a publicitar, de véspera, um relatório pretensamente objectivo e independente sobre a situação da educação em Portugal.
Aproximando-se o momento de apresentar no Parlamento um Orçamento rectificativo que, reduzindo o défice orçamental, legitimava a bondade das políticas económicas dos anteriores governos, adiantou-se o porta-voz do Governo com a inovadora teoria dos «buracos» que pululavam em todos os Ministérios e ressaltavam de cada dossier analisado.
Ultimando-se a atitude de reconfirmar a decisão política de concretizar o grande projecto do Alqueva, o Governo cria artificialmente a ideia de que o empreendimento podia estar comprometido por falta de apoios comunitários para, de seguida, aparecer como salvador, assegurando a sua construção independentemente dos apoios da União Europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estes são só alguns dos exemplos que ilustram uma opção por um estilo de exercício de poder a que certamente não é estranho o take over que, ao longo dos últimos anos, a extrema esquerda, os ex-comunistas de alguns dias e os radicais socialistas dos anos 70, como o candidato presidencial Jorge Sampaio, perpetraram sobre o Partido Socialista moderado e aberto do Dr. Mário Soares.
Mas o erro de tais estrategas decorre de não terem entendido que a propaganda só funciona em regimes fechados e autoritários, onde não é possível exercer em plenitude o princípio do contraditório.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em regimes abertos como o nosso, esta postura só favorece o esclarecimento e, nos casos citados, permitiu mostrar ao País que o Alqueva era uma realidade

Página 701

12 DE JANEIRO DE 1996 701

irreversível, que o pacote suspensivo do Ministério da Educação poderá ter um efeito boomerang e indutor de futuras crises políticas e sociais mas, principalmente, que o País herdado pelos socialistas era caracterizado por uma situação económica e social muito positiva e por uma evolução muito razoável das suas infra-estruturas básicas e da modernização da sua arquitectura produtiva.

Aplausos do PSD.

Aqui fica o nosso aviso ao Sr. Primeiro-Ministro, ao Sr. Ministro das Finanças, ao Governo: ao afirmarem solenemente, como o fizeram nesta Câmara, que o objectivo estratégico do Governo é atingir as exigentes metas determinadas pelo Tratado de Maastricht, declararam inequivocamente aos portugueses que o País que encontraram estava de boa saúde e, por isso, em condições de enfrentar esses desafios.
Assim sendo, também nós cumprimos a nossa quota-parte de responsabilidade no desenvolvimento de Portugal e responsabilizamos desde já o Primeiro-Ministro e o Governo por um eventual insucesso nessa caminhada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Se Portugal não estiver no pelotão da frente da Europa em 1999 ou se, até 13, não houver o empenho e a criatividade para impedir que tal desiderato tenha custos económicos e sociais 'insustentáveis para os portugueses, os únicos e exclusivos responsáveis serão os actuais governantes.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a precaridade e o protelamento de decisões andaram, neste período, "de braço dado" e visaram um único objectivo: sacrificar a inevitável quebra de popularidade e esbatimento do estado de graça, resultantes de quem governa, à pouco responsável comparticipação empenhada e quotidiana na campanha presidencial de Jorge Sampaio.
A suspensão do regime de propinas no ensino superior público, a revogação da legislação contestada por várias corporações profissionais, a promessa de- satisfazer múltiplas reivindicações, por vezes, contraditórias, o anúncio intempestivo de decisões não sustentadas em estudos técnicos aprofundados (como aconteceu com a suspensão da construção da barragem de Foz Côa e com a abolição de portagens) foram o dia-a-dia da actividade governativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que acontecerá quando os estudantes forem confrontados com o efectivo pagamento de uma nova propina, como reagirão quando perceberem que a anulação de provas específicas para o acesso ao ensino superior não significa o aumento da importância relativa da avaliação contínua e que, por outro lado, serão agravadas as injustiças resultantes de avaliações muito diferenciadas entre estabelecimentos de ensino?
O que irá passar-se quando os professores do ensino superior não puderem ver sustentadas as suas teses sobre aumentos salariais ou como se comportarão outros técnicos diferenciados da Administração Pública se os docentes universitários forem solitariamente privilegiados?
Como reagirão as populações do Vale do Côa quando entenderem que não se fez tudo para avaliar da possibilidade de fazer co-existir a execução da barragem com a legítima defesa do património arqueológico? Como se pronunciarão se o parque arqueológico não propiciar um imediato e real desenvolvimento integrado da região?
O que se passará quando o desaparecimento do ruído de fundo provocado pelas eleições presidenciais permitir que os cidadãos das áreas metropolitanas constatem da situação de injustiça relativa resultante da parcial abolição de portagens?
O Governo socialista, por acção, mas principalmente por omissão, está a semear ventos e tememos bem que venha a colher tempestades...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... que, vindo lá para a Primavera, ou seja, fora de tempo, só serão ainda mais penalizadoras e violentas.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, finalmente e, se calhar, o mais importante nesta conjuntura, a prepotência, uma prepotência travestida de diálogo e humanismo e, por isso, mais perigosa e condicionadora.
Aos saneamentos políticos em todos os sectores e patamares da Administração Pública seguiu-se o controlo absoluto e descarado dos órgãos de comunicação social estatizados; à substituição de chefias em sectores sensíveis da política de segurança e investigação criminal sucedeu-se o indecoro de atropelar regras básicas do funcionamento da instituição parlamentar.
Os saneamentos políticos, que se desenrolam um pouco por todo o lado, têm tido como exemplo emblemático os que se têm desenvolvido no Ministério do Emprego. Aí, substituem-se dezenas de altos dirigentes por metro quadrado e unidade de tempo a um ritmo proporcional ao do número de amigos e ex-colaboradores das actividades privadas da Ministra do Emprego.

Aplausos do PSD.

O no jobs for the boys não foi manifestamente entendido nem traduzido aos Srs. Membros do Governo, mas não invalida o incumprimento grosseiro de uma promessa eleitoral enfática do actual Primeiro-Ministro: instituir de imediato, após as eleições, a regra do concurso público para todas as nomeações de altos cargos da administração. Será que os concursos virão depois de toda a administração ter sido tomada de assalto ou que a sua tramitação se fará em exclusivo via federações do Partido Socialista?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na RDP e na RTP substituem-se administrações e direcções por conhecidos rostos de militância de esquerda, negoceiam-se despedimentos ditos amigáveis e leva-se este rigor inquisitório ao nível de contínuo e de recepcionista. Também nesta área, longe vão os tempos em que o Sr. Primeiro-Ministro defendia para estas instituições modelos de gestão independentes e desgovernamentalizados...

O Sr. José Magalhães (PS): - Provas!

O Orador:- ... e em que o PS reconhecia a esta matéria a dignidade suficiente para a sujeitar a referendo nacional. Tememos que, também neste sector, a legislação prometida chegue somente após os aparelhos da RDP e RTP estarem controlados para muitos e bons anos.

Página 702

702 I SÉRIE - NÚMERO 25

Aplausos do PSD.

Na Polícia Judiciária mudou-se, pela primeira vez, a sua direcção como corolário de um resultado eleitoral e, de sopetão, foram levadas a cabo alargadíssimas alterações ao nível dos quadros superiores. Porquê, para quê, visando corrigir quais orientações e atingir quais objectivos?

O Sr. José Magalhães (PS): - Eficácia!

O Orador: - Para fazermos estas e outras perguntas e obtermos os necessários esclarecimentos, o Grupo Parlamentar do PSD vai solicitar, de imediato, a presença urgente do Sr. Ministro da Justiça na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ele vem cá amanhã! Está mal informado!

O Orador: - Finalmente, o Parlamento, o qual foi sacralizado pelo Partido Socialista durante tantos anos. No início desta legislatura, apresentou mesmo o PS um diploma que visava, segundo o seu autor, alargar os poderes da oposição. Hoje vemos que era uma tentativa de branquear a anteriori aquilo que vinha a seguir.
À tentativa de destruir a eficácia dos inquéritos parlamentares, exigindo 2/3 de Deputados para aprovar as suas conclusões, seguiu-se o que está a acontecer a tentativa de impor modelos de monólogo parlamentar à medida do interesse mensal do Primeiro-Ministro...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e, agora, até se chegou ao cúmulo de obstaculizar debates urgentes da actualidade susceptíveis de incomodar o Governo minoritário do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para que o País saiba, pela primeira vez, desde que foi instituída, há largos anos, esta figura regimental, o partido circunstancialmente maioritário vetou na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares a realização de um debate de urgência que, no caso vertente, abordaria a problemática da abolição de portagens nas auto-estradas portuguesas.
Será que este tema não tem actualidade nem interessa ao País? Será ilegítimo trazê-lo para debate no Parlamento ou podemos antes concluir que, se o Partido Socialista obstaculiza neste momento um debate com inequívoco interesse e actualidade, se prepara para, depois das presidenciais, não permitir que, no futuro, a Assembleia da República aborde temas que lhe sejam antipáticos ou incómodos?

Aplausos do PSD.

Curiosamente, esta decisão contou com a colaboração abstencionista do Partido Comunista e acontece no momento em que os perigos de uma concentração de poderes à esquerda aumentam conforme se vai desenrolando a campanha eleitoral para as eleições presidenciais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Frentismo!

O Orador: - Olhando para estas atitudes e exemplos, os portugueses, que votam diferenciadamente consoante as circunstâncias e as eleições, devem optar pelo pluralismo e pela liberdade, votando contra a entrada indirecta do Partido Comunista na esfera do poder ...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Quase directamente!

O Orador: - ... e contra a hiperconcentração de poderes; votando, em suma, bem, votando em nome de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Junqueira, Silva Carvalho, João Amaral, Francisco de Assis e Jorge Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueira.

O Sr. José Junqueira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, a intervenção que acabou de produzir é a síntese de um conjunto de artigos escritos pelo Sr. Deputado ao longo destas últimas semanas e, portanto, não traz qualquer novidade.
Mas interessa-me fazer alguns comentários e outras tantas perguntas. O primeiro, lembrando ao PSD que, desde que esta Câmara está a funcionar, com tantas preocupações que este partido tem tido em atacar o Governo, não consegue discutir verdadeiramente os problemas dos portugueses nem produzir trabalho legislativo. Tem-se verificado o apagamento total e completo, a grande inoperância, a ineficácia e a inutilidade da vossa bancada parlamentar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, e até para que V. Ex.ª não se esqueça de algumas acusações feitas ao Governo, lembro-lhe as relativas ao despesismo, à falta de medidas, às substituições, à instabilidade, à prepotência, etc..

O Governo operou algumas substituições...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Duas ou três...

O Orador: - ... e penso que este Executivo deve ser julgado por inteiro: pelos seus membros e pelos órgãos da Administração Pública, onde deve ter pessoas da sua confiança e que espelhem os problemas do Governo.

Protestos do PSD.

Como demonstra este papel que tenho comigo, não deve ter à frente de organismos públicos pessoas como as que, ontem, distribuíram ao jornal Público os novos aumentos e as novas percentagens que se pagam aos trabalhadores independentes, com o título do Centro Regional de Segurança Social de Viseu. É onde os senhores têm os vossos comissários políticos e o que os senhores queriam era que ninguém lhes tocasse para poderem fazer esta vergonha, que, ainda por cima, é um decreto-lei de 1993, produzido por VV. Ex.ªs.

Aplausos do PS.

Em terceiro lugar, VV. Ex.ª querem ignorar as medidas do Governo:

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é o que se chama desconversar!

O Orador: -... os aumentos das reformas, a possibilidade da concertação social, os aumentos de preços que foram

Página 703

12 DE JANEIRO DE 1996 703

decididos e que não foram propriamente populares, as decisões na educação... Enfim, continuam a "bater na mesma tecla"... VV. Ex.as continuam a atacar, um dia, o Primeiro-Ministro, outro dia o Presidente da República; no dia seguinte, elogiam o Primeiro-Ministro e elogiam o Presidente da República. É que, umas vezes, convém fazer oposição, como hoje, outras vezes, convém aproximarem-se de António Guterres e de Mário Soares, com elogios relativamente aos quais o avisado conselho queirosiano diz: "Tenham cuidado com os que bajulam alto e invejam baixo", como VV. Ex.as.
Em quarto lugar, referem-se ao eleitorado comunista como sendo um "papão". Ora, quando a inteligência foi distribuída, estávamos cá todos.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não se nota!

O Orador: - Já não vivemos nos 10 anos de poder do PSD nem vivemos nos anos do fascismo!

Aplausos do PS.

As pessoas têm capacidade para votar e para decidir! Pergunto-lhe: é ou não hipocrisia da vossa parte fazerem essas insinuações e usarem esses "papões", enquanto, por outro lado, o Professor Cavaco Silva verti dizer. "Tenho muita estima e consideração pelos eleitores comunistas; coitadinhos, agora, até desistiu o candidato deles! Votem todos em mim!"? Chegou a dizer que votassem todos nele, "aos magotes"!... Então, o Professor Cavaco Silva quer ou não quer, o PSD quer ou não quer os votos dos comunistas? Ou rejeitados?
Por último, Sr. Deputado, o nosso passado está à vista e o nosso presente também. Assim, pergunto-lhe: porque é que o PSD e o governo anterior fizeram o apagamento electrónico de ficheiros?

Protestos do PSD.

O que é que tinham para destruir relativamente ao vosso passado? Que compromissos, ao nível da hierarquia, tinham para esconder de todos nós?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, pretende responder já ou só no fim de todos os pedidos de esclarecimento? Recordo-lhe que apenas dispõe de um total de 3,3 minutos.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, em primeiro lugar, os senhores ganharam as eleições porque o povo português considerou que um conjunto de propostas que os senhores fizeram deveriam ser experimentadas. Não somos nós que estamos a ser julgados mas, sim, os senhores!
Sr. Deputado José Junqueiro, no tempo do PSD, nunca vi um presidente de uma federação, de um secretariado distrital do PSD, vir dizer que os membros do Governo eram todos da sua confiança, ...

Protestos do PS

... nunca vi reunir presidentes de distritais para distribuir lugares, nunca vi um ministro dizer a membros do meu partido que contactassem a assessora "tal" do Ministério da Saúde porque é ela que está encarregada de fazer a distribuição de lugares.
Os senhores têm de ser julgados pelo que prometeram, pela conduta que disseram que iriam ter e as medidas que iriam tomar.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - E eu disponibilizo desde já um direito potestativo do meu partido para, na próxima semana, aprovarmos, nesta sede, as regras do concurso público para a função pública. Até lá, tenham a coragem de suspender as nomeações.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Só faltou a resposta!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Carvalho.

O Sr. Silva Carvalho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, permita-me que comece por saudá-lo, como seu amigo que sou há muitos anos e como meu homólogo, na sua qualidade de presidente da distrital do Porto do seu partido.
Quanto a mim, a sua intervenção releva um aspecto curioso: o PSD e o PS continuam a discutir "pecados", continuam a discutir quem nomeia mais e quem nomeia menos, mas nem vou tecer comentários sobre isso. Aliás, nesta sua intervenção, quando apelava ao fim das nomeações, não sei de quais falava, ...

Risos do PS.

... se daquelas que o PS tem feito - e é um facto que é altamente criticável que o presidente de uma federação distrital faça as afirmações que fez e, nesse aspecto, estamos a seu lado - se, eventualmente. das que o PSD fez à pressa antes de perder as eleições.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, estamos contra umas e contra outras.
Passo a abordar dois aspectos da sua intervenção que me levam a colocar-lhe duas perguntas.
O Sr. Deputado falou nas suas preocupações com o plano hidrológico. Assim, pergunto-lhe: o que faltou fazer, durante os 10 anos de governo do PSD, para que as necessidades hidrológicas de Portugal fossem salvaguardadas?

Uma voz do PS: - Faltava a manifestação!

O Orador: - Terá faltado a "sua" manifestação, Sr. Deputado, a tal famosa manifestação que ficou por fazer? É que não se entende!
Por outro lado, o Sr. Deputado falou no problema das portagens, matéria sobre a qual vou colocar-lhe duas perguntas.
A primeira é a de saber se a resposta do PSD á irresponsabilidade do PS é exigir, de forma totalmente irresponsável, como fez a distrital do Porto do seu partido, a abolição de todas as portagens.
A segunda pergunta é no sentido de saber com que direito vem o PSD reclamar o debate de urgência sobre as

Página 704

704 I SÉRIE - NÚMERO 25

portagens, cuja realização apoiámos em sede de conferência de líderes, quando, durante a mais grave crise política com que se debateu o governo do PSD, que foi a da Ponte 25 de Abril, chumbou uma solicitação do Partido Popular no sentido da convocação de uma sessão extraordinária da Assembleia da República a fim de debater a questão.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Carvalho, agradeço as suas observações iniciais e retribuo-lhe os cumprimentos.
Em relação as questões que colocou, responder-lhe-ei muito sinteticamente porque não tenho muito tempo.
Assim, quanto à sua última pergunta, digo-lhe que há uma diferença substancial: neste momento, há o cumprimento de um preceito em tempo de Parlamento aberto, isto é, o Parlamento está a funcionar, o que não acontecia na altura que referiu. Ora, existem mecanismos utilizáveis em termos regimentais e foi o que fizemos, pelo que o debate que refere foi realizado em sede de Comissão Permanente e também de comissão especializada.
Quanto às portagens, não é verdade que o PSD do Porto tenha uma posição diferente da do PSD a nível nacional. A posição é a mesma: somos a favor das portagens, de todas as portagens, mas uma vez que este Governo decidiu abolir duas ou três, então, defendemos a equidade de tratamento para todos os cidadãos. É, pois, muito clara a nossa posição.
Finalmente, quanto à contestação ao Plano Hidrológico Nacional Espanhol, digo-lhe, Sr. Deputado, que a minha proposta teve uma vantagem: o Partido Socialista deixou de utilizar esse argumento como um argumento de batalha política nas eleições legislativas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, fez uma referência ao facto de, em conferência de líderes, não ter sido viabilizada a realização imediata de um debate de urgência sobre a questão das portagens. Ora, como o Sr. Deputado sabe perfeitamente, tal resultou do facto de o meu camarada Lino de Carvalho não ter estado presente na anterior reunião e de ter a informação, que foi confirmada nessa mesma reunião, de que, primeiro, iria ser feita uma audição e, só depois, um debate de urgência.
Mas, para que não fique qualquer dúvida no espírito de ninguém, quero declarar aqui, com muita clareza, que o Grupo Parlamentar do PCP apoiará a realização muito urgente desse debate sobre a questão das portagens. A este propósito, permito-me fazer-lhe uma pergunta. Tendo nós tido oportunidade, em sede da conferência de líderes que se realizou na semana passada, de agendar esse debate já para esta semana, porque não aceitaram essa marcação? Será que era inconveniente do ponto de vista da estratégia eleitoral do Prof. Cavaco Silva? Será que estavam manietados porque, afinal, o Prof. Cavaco Silva foi sempre a favor das portagens e isso continua com os seus interesses eleitorais neste momento? Esta será uma boa explicação que, fornecida através da resposta que o Sr. Deputado vai dar-me, pode beneficiar o conhecimento de toda a Assembleia e do País quanto as suas razões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, respondo-lhe telegraficamente.
Percebo que VV. Ex.ªs viabilizem agora o debate sobre as portagens, porque a respectiva decisão ocorrerá já após as eleições presidenciais, ...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não é verdade! Seria feito para a semana!

O Orador: - ... enquanto nós, ao contrário do que o senhor afirma, queríamos fazê-lo antes das presidenciais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, iniciou hoje, aqui, ao que parece, oficialmente, o período das exéquias políticas do cavaquismo em Portugal,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... porque mais não fez do que uma oração fúnebre e mais não deu do que um contributo para a teoria da derrota do Professor Cavaco Silva no próximo domingo.
Procurando acusar o Governo, quis responsabilizá-lo pela natureza da sua governação, interpretada à luz do seu posicionamento político, pelo insucesso eleitoral que, inevitavelmente, vai afectar, no próximo domingo, a candidatura do Professor Cavaco Silva, que parece que também já tomou conta da consciência do Dr. Luís Filipe Menezes.
A única coisa que verdadeiramente não percebi foi se estava muito ou pouco comovido no momento em que fazia a sua oração fúnebre do cavaquismo.

Aplausos do PS.

Mas, por outro lado, a natureza da argumentação a que recorreu, o tipo de ataque que utilizou e os argumentos que invocou demonstram claramente que se, porventura, o Professor Cavaco Silva fosse eleito Presidente da República, o que é inimaginável neste momento, regressaríamos inevitavelmente a cenários de conflito e de guerrilha institucional, com o que se desperdiçariam energias e capacidades, o Presidente da República seria, tal como já tive oportunidade de dizer há dias, uma espécie de «anti-Primeiro-Ministro» instalado em Belém e a sede da oposição, atentas as dificuldades actuais do PSD, passaria para o Palácio de Belém, com o que perderia o País, perderia a democracia, perderia o Parlamento e perderia também o PSD. Foi por isso que não consegui aferir o verdadeiro estado de comoção do Dr. Luís Filipe Menezes.

Aplausos do PS.

Antes de terminar e em nome da seriedade política, quero ainda dizer uma coisa que me parece fundamental. Ganhe quem ganhar estas eleições presidenciais, o pluralismo e a liberdade jamais ficarão postos em causa.

Página 705

12 DE JANEIRO DE 1996 705

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - E, em nome do respeito que devemos ter pelos valores democráticos, pelos valores da liberdade e pelos valores da tolerância, já é tempo de encerrarmos esse debate na vida política portuguesa.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ninguém pode credibilizar-se pelo seu passado em especial, embora o passado e a memória façam parte da nossa identidade. É essencial que percebamos que Portugal vive hoje num quadro de democracia absolutamente consolidada e que não há nenhuma razão para temer o regresso a qualquer situação de intolerância. Mas se, durante esta campanha eleitoral, alguma candidatura deu provas de recurso a arcaísmos intolerantes foi a do Sr. Prof. Cavaco Silva, quando, de forma despudorada, quis ressuscitar uma querela religiosa que, felizmente, está hoje encenada e arquivada no País, a começar pelo próprio contributo que a Igreja Católica, de forma exemplar, deu nesse mesmo sentido.

Aplausos do PS.

Se alguém atacou as regras fundamentais foi a candidatura do Professor Cavaco Silva, não foi a candidatura do Dr. Jorge Sampaio. Como também devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que sou tão liberal como socialista e que cheguei ao socialismo pelo caminho do liberalismo. Tenho orgulho em o dizer. Li os autores liberais aos 15 anos, quando a geração precedente, nessa mesma idade, lia os autores marxistas. Não estou aqui a menosprezar intelectualmente os marxistas, mas quero dizer-lhe que me baterei sempre, com absoluta convicção, para impedir a "ghetização" de alguns portugueses, sejam eles comunistas, tenham votado na União Nacional ou manifestem agora a vontade retroactiva de nela ter votado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Se me permite, Sr. Presidente, queria apenas, como Deputado do Porto, esclarecer um assunto: foi aqui feita uma referência ao Presidente da distrital do Porto, do PS, dizendo que ele terá afirmado, numa entrevista, que os membros do Governo suscitavam todos a sua confiança. Ora, a interpretação legítima e correcta das suas palavras é que suscitavam a sua confiança, no sentido em que suscitavam a sua admiração. Tão só!

Aplausos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, na resposta que deu ao meu camarada João Amaral, insistiu na ideia falsa de que o PCP não estava de acordo com o debate de urgência sobre as portagens e que não o tinha querido antes das eleições presidenciais. Só para repor a verdade, como toda a gente sabe, quero dizer que foi o PSD, na penúltima Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que aceitou fazer primeiro a audição e depois o debate de urgência e foi no quadro desse acordo que, na última Conferência, nós próprios afirmámos que estávamos de acordo em manter essa ideia, fazendo o debate de urgência logo que fosse possível, podendo qualquer partido assumi-lo, logo após a audição que se vai realizar.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, nos termos em que o fez o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, para dizer a V. Ex.ª e à Câmara que eu já tinha ouvido este argumento uma vez Vi-o, aliás, escrito num órgão de comunicação social -, ...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já se sabe de onde é que veio!

O Orador: - ... o que me deixou bastante incomodado, porque creio que há traços de relacionamento entre as bancadas, não exclusivamente na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, sobretudo aí, mas também noutros espaços desta Assembleia, que entendo deverem merecer alguma atenção da nossa parte, sob pena de não nos podermos relacionar devidamente e com seriedade.
Não faz nenhum sentido sustentar que o PSD tenha dado acordo na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares anterior a qualquer tipo de audição parlamentar na Comissão, porque, se assim fosse, Sr. Deputado Lino de Carvalho, estaríamos perante uma decisão da Conferência com consagração na súmula e esse tema não estaria novamente agendado. A circunstância de termos estado presentes, perante a necessidade de tomar uma decisão na última Conferência, e de essa matéria constar da respectiva ordem de trabalhos é a prova mais acabada de que não saímos da Conferência anterior com qualquer decisão, sob pena de já nada fazer sentido na organização dos trabalhos desta Assembleia.
O que aconteceu foi que, nessa Conferência, o PSD foi confrontado com uma proposta, disse que ia reflectir sobre ela e trouxe para a última Conferência a sua posição. Confrontou os outros líderes parlamentares com a necessidade de decidir e o PCP ficou com essa posição ingrata de, abstendo-se, ter viabilizado um debate que, manifestamente, incomoda bastante a bancada socialista governamental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, a interpelação à Mesa é no seguinte sentido: relativamente a esta matéria, não posso deixar de dizer, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Popular, que, no pico mais grave da crise da Ponte, no ano passado, nós requeremos a convocação extraordinária do Parlamento - que constitucionalmente estava de férias, porque a cidade de Lisboa estava em estado de sítio, e o PSD impediu isso.

Protestos do PSD.

Página 706

706 I SÉRIE - NÚMERO 25

Os senhores também têm de ouvir o que não lhes convém.
Ora, é com essa legitimidade moral que entendemos não dever haver obstáculos formais à realização de debates políticos importantes nesta Assembleia. Estamos literalmente fartos da invocação de formalismos como pretexto para evitar a discussão dos problemas de fundo do País e foi exactamente com estes dois parâmetros de critério que o grupo parlamentar do meu partido votou favoravelmente a realização do debate de urgência sobre as portagens.
Não queremos saber a que candidato presidencial e em que momento esse debate é prejudicial; entendemos que é um problema grave do País, que carece de debate político e a sede para o fazer é esta. E lamentamos profundamente que os outros três grupos parlamentares, a pretextos vários e com argumentos cruzados, nem sempre convirjam na necessidade destes debates.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, confesso-lhe que não era meu propósito interpelar a Mesa, não fora ter ouvido o Sr. Deputado Carlos Coelho falar da incomodidade da posição do PS. Como o Sr. Presidente bem sabe, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares aquilo que se discutiu foi saber se haveria primeiro um debate de urgência centrado na questão das portagens ou uma audição parlamentar, em sede de Comissão, centrada em toda a política do Ministério do Equipamento Social. Aquilo que a Conferência decidiu foi que deveria haver primeiro uma audição parlamentar sobre toda a política, logo, incluindo a política das portagens.
Nós não estamos nada incomodados, Sr. Presidente. Estamos apenas perplexos com as contradições do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Já na Conferência tivemos esta divergência; não pôde ser aí liquidada e dificilmente poderia sê-lo aqui.
Para responder ao Sr. Deputado Francisco de Assis, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, V. Ex.ª disse que eu teria feito aqui um exercício que se assemelhava às exéquias políticas do Professor Cavaco Silva e assumiu a vitória do candidato que é apoiado por si e pelo seu partido. Sr. Deputado, «quem calça sapatos de defunto, arrisca-se a ficar descalço». Espere pela decisão dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quer o Sr. Deputado Francisco de Assis, quer o Sr. Deputado José Junqueira, do PS, verberaram contra a minha intervenção, mas quanto a contraditar aquilo que foram acusações concretas que ali fiz, os senhores não disseram nada. Onde é que estão os concursos públicos para a função pública?! Onde está o novo estatuto da RTP desgovernamentalizada que os senhores defendiam?! Onde é que está a indiciação das medidas que vão tomar para substituir tudo aquilo que têm suspendido?!

Vozes do PS: - Calma!

O Orador: - Ou têm medo de dizer aquilo que vão fazer, com medo de perder votos?! Aliás, até já há quem diga que este Governo legisla com a borracha, em vez de legislar com a esferográfica ou com a caneta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os Srs. Deputados não disseram nada sobre as alterações na Polícia Judiciária! VV. Ex.ªs, que apoiam o Governo, que estão mais bem informados, podem dizer-nos alguma coisa?! O que é que se persegue com essas alterações? VV. Ex.ªs não disseram rigorosamente nada, o que me leva a suspeitar que intervenções semelhantes nossas, no futuro próximo, ainda alargadas a mais críticas, vos vão continuar a deixar sistematicamente embaraçados.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto aos papões do comunismo e quanto à evolução natural das pessoas ao longo da vida, aceito-a perfeitamente. É legítimo. Um jovem os anos 60, 70 tinha uma grande tendência a estar à esquerda, porque se pensava e se defendia que os grandes valores estavam aí localizados.

O Sr. João Amaral (PCP): - Estavam e estão!

O Orador: - Mais tarde, verificou-se que não era assim. Só que as pessoas que hoje influenciam o PS não são esquerdistas dos anos 70, mas dos anos 80 e 90. São aqueles que ainda votaram, no Comité Central do PCP, o saneamento de Zita Seabra! São esses que estão a influenciar muitas das decisões do PS.

Protestos do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Você está a defender a Zita?! Até que enfim! Vai receber da bancada do PS um exemplar de O Nome das Coisas, autografado pelo autor!

O Orador: - Não é um entusiasmo de juventude, é uma mudança de rota oportuna e eu sou daqueles que acreditam que a cabeça das pessoas se faz até aos 25 anos.

Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PS e do PCP.

Sr. Deputado Francisco de Assis, para terminar, pergunto-lhe: V. Ex.ª leu a mensagem do Sr. Primeiro-Ministro para o comício do Dr. Jorge Sampaio, em Castelo Branco? Dizia o seguinte: «É preciso que o Sr. Dr. Jorge Sampaio ganhe, porque um governo minoritário do PS precisa de tê-lo como Presidente da República». Quem é que tem a interpretação de um Presidente da República interventor, por acção ou por omissão? W. Ex." têm a interpretação e o desejo de quererem um Presidente da República por omissão, que seja complacente com os falhanços da vossa governação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Junqueira pediu a palavra para a defesa da sua consideração. Fa-la-á no fim do debate, Sr. Deputado.

Página 707

12 DE JANEIRO DE 1996 707

Entretanto, foi solicitado o adiamento da hora das votações para as 18 horas e 30 minutos e pergunto se, quanto a isso, há assentimento por parte de todas as bancadas, uma vez que isso implica uma alteração da ordem de trabalhos.

Pausa.

Não havendo nenhum pronunciamento contra,far-se-á, portanto, a votação às 18 horas e 30 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Leitão.

O Sr. José Leitão (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs è Srs. Deputados: Um grande poeta português, Carlos de Oliveira, num conjunto de poemas intitulados significativamente Terra de Harmonia, escreveu: "Cantar é empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras fique embora mais breve a nossa vida". Não pude deixar de me recordar deste belo poema ao pretender trazer, uma vez mais, até nós a recordação de um "homem bom"- Aristides de Sousa Mendes -, cujo exemplo há que ter permanentemente presente na memória do povo português.
A figura do cônsul português, um beirão de Cabanas de Viriato, concelho de Carregal do Sal, que desobedeceu às ordens de Salazar, não é ainda suficientemente conhecida do povo e da juventude portuguesa. Ora, é um dever de pedagogia cívica e política contribuir para que esta situação se modifique.
Sou testemunha do interesse e da profunda sensibilidade de muitos jovens a figuras como Oskar Schindler, mas dói-me verificar o desconhecimento ainda bastante grande da acção de Aristides de Sousa Mendes.
A Assembleia da República, é justo recordá-lo, deu já no passado um contributo decisivo para o reconhecimento público pela sua acção ao aprovar a reintegração na carreira diplomática, através da Lei n.º 58/88, a título póstumo, do ex-Cônsul-Geral de Portugal em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, com base num projecto de lei, de que foi primeiro subscritor o então Deputado Jaime Gama e de que foram subscritores igualmente, entre outros, os actuais Srs. Deputados Almeida Santos, Alberto Martins e Rui Vieira, que cumprimento por essa sua iniciativa.
Como então foi recordado, Aristides de Sousa Mendes foi afastado em 1940 das funções de Cônsul-Geral de Portugal em Bordéus e condenado à pena ilegal de ser colocado "na disponibilidade aguardando aposentação", situação em que permaneceu por 14 anos, até à sua morte. Na origem desta perseguição esteve o facto de ter salvo cerca de 30 000 pessoas, a quem concedeu vistos de entrada em Portugal, impedindo que estes milhares de judeus e outras pessoas perseguidas caíssem nas mãos do nazismo.
A homenagem nacional a Aristides de Sousa Mendes, realizada em 1995, foi um grande contributo para recordar o seu exemplo. É de realçar o empenhamento do próprio Presidente da República e de sua esposa, Dr.ª Maria Barroso, para que a homenagem se revestisse da maior dignidade. Como referiu a Dr.ª Maria Barroso, "Queremos que todo o País e sobretudo as escolas saibam quem foi este herói do nosso tempo, para que ela seja para os jovens uma referência moral e cívica".
Joshua Ruah, da Comunidade Judaica de Lisboa, recordou que "estavam a cumprir um princípio: transmitir a nossa memória aos nossos vindouros e perpetuar o seu nome e a sua obra por todas as gerações, porque quem salva uma vida age como se salvasse toda a humanidade".
Nunca podemos dizer que estamos suficientemente vigilantes para enfrentar e saber ultrapassar manifestações de intolerância para com o diferente do ponto de vista da origem étnica ou religiosa, esquecendo que somos todos diferentes, mas somos também todos iguais em dignidade e em direitos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A experiência histórica tem-nos amargamente ensinado como do próprio solo da Europa tem brotado, muitas vezes, a barbárie.
Somos, contudo, serenamente optimistas, acreditamos na importância da pedagogia cívica e da acção política e na eficácia dos Estados de direito democrático para prevenir e enfrentar as manifestações de intolerância, de racismo e de xenofobia.
Acreditamos também que, como escrevia recentemente Bernard Henry Levy, se existe na história o que foi designado como uma "banalidade do Mal" (essa pura mecânica do crime, executada por agentes que se comportavam como funcionários ou "robots"), existe também uma espécie de "banalidade do bem", essa "outra" tentação que a contraria através das épocas e nunca acaba também ela de se exercer, que permite por vezes que se resista e faz, com que, no fundo, a partida nunca esteja totalmente perdida", (Público, 19.11.95).
Se alguma coisa tem sido feita para divulgar a acção de Aristides de Sousa Mendes muito mais pode e deve ser feito. Recordamos, por exemplo, que o filme realizado para a RTP por Diana Andringa e Teresa Olga esteve muito tempo sem passara foi pouco divulgado. Não existe disponível no mercado do vídeo, o que torna difícil a sua utilização por escolas ou associações e o impede de ser um instrumento eficaz de conhecimento da sua acção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- Mais lamentável tem sido a indefinição e o abandono que têm rodeado a casa que pertenceu a Aristides de Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato, apesar desta constar na listagem de espaços culturais anexos ao Regulamento do Plano Director Municipal do Concelho de Carregal do Sal.
Nesta casa, a chamada Casa do Passal, encontraram abrigo numerosos judeus e outros perseguidos pelo nazismo.
Fazemos votos para que, através do diálogo e da acção de todos os interessados, seja ainda possível encontrar uma solução digna para que esta casa perpetue a memória de Aristides de Sousa Mendes na sua terra natal - Cabanas de Viriato.
Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A memória do único português distinguido como "Gentio honrado" pelo Museu de Yad Vashem deverá ser dignamente honrada.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quando a nível da União Europeia se verifica uma vontade de acção comum contra o racismo e a xenofobia, nomeadamente no domínio da cooperação judiciária, é fundamental não esquecer a importância da pedagogia da tolerância que lhe deve estar associada.
Não podia por isso deixar de trazer até nós a memória de Aristides de Sousa Mendes, um "homem bom" que não teve dúvidas sobre a resposta a dar, nos dias difíceis da II Guerra Mundial e do Holocausto, à ques-

Página 708

708 I SÉRIE -NÚMERO 25

tão «E quem é o meu próximo?». E é, por isso mesmo, um herói de consciência da II Guerra Mundial, como refere, num excelente ensaio, o historiador norte-americano, Douglas L. Wheeler.
Há um tempo para tudo na terra e, se me permitem, também nesta Assembleia.
Hoje quis apenas, modestamente, dar um contributo para uma pedagogia da tolerância e da recusa de qualquer forma de racismo e de xenofobia, evocando Aristides de Sousa Mendes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Usando as palavras de um poema de Jorge de Sena, diria que a figura de Aristides de Sousa Mendes se ergue como «uma pequenina luz bruxuleante e muda como a exactidão, como a firmeza, como a justiça/Apenas como elas/Mas brilha/Não na distância/Aqui no meio de nós/Brilha»

(O Orador reviu.) 

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Não há pedidos de esclarecimento, pelo que dou por terminado o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão do projecto de lei n.º 56/VII - Determina a adopção de medidas de recuperação de bens do património arquivístico nacional (PS).
Em primeiro lugar, deveria usar da palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, para fazer a apresentação do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, mas, como neste momento não se encontra na Sala, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É conhecido o duplo escândalo que originou esta iniciativa do Grupo Parlamentar do PS.
O projecto de lei n.º S67VTI determina a adopção de um conjunto de medidas, medidas essas basicamente centradas na necessidade de recuperação de bens do património arquivístico nacional desaparecidos, extraviados ou cujo paradeiro não é exactamente conhecido, na sequência da acção de elementos do XII Governo Constitucional, designadamente de alguns elementos publicamente confessados pelo anterior Primeiro-Ministro.
Trata-se, pois, basicamente, de dois fenómenos: por um lado, da retenção, em arquivos privados, particulares, de documentos públicos remetidos a órgãos da Administração Pública portuguesa na vigência do anterior governo e, por outro lado, de actos comprovados, certificados documentalmente, de destruição de registos informáticos constantes de arquivos públicos, designadamente de arquivos da chamada rede governamental de informática.
Trata-se de uma questão importante, porque estão em causa documentos públicos num caso e no outro, isto é, tanto os que estavam em suporte de papel - e supõe-se que continuam a estar - como os que constavam de registos informáticos apagados por instruções concretas, escritas e certificadas, de elementos do anterior governo.
Culturalmente, esta política de destruição de arquivos é, provável e ironicamente, um emblema do «cavaquismo». Acabou como começara: destruindo arquivos históricos, sem respeito pelo património arquivístico nacional, depois de uma década de secretismo, de impedimento do acesso dos cidadãos aos arquivos da Administração Pública, de recusa de informação sobre dados de carácter básico e de utilização, quiçá, em muitos casos, abusiva, dos ficheiros informáticos, não para aumentar as liberdades, mas para desnaturar o seu exercício e policiar indevidamente os cidadãos.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ainda recentemente, destacados elementos da maioria vieram dizer que há, da nossa parte, aqueles que nos sentamos nesta bancada, uma atitude de arrogância cultural na invocação de determinados valores. É falso, é puramente calunioso, resulta do desespero de alguns apoiantes do actual candidato presidencial Cavaco Silva, responsável por algumas das operações que referi, mas traduz a atitude de complexo cultural em que o PSD se encontra neste momento. E, digamos, Srs. Deputados, esse complexo cultural é compreensível e justificável, aliás, entendemo-lo perfeitamente, porque quem apaga arquivos destrói parte da memória histórica de um povo e se o faz é porque tem temor daquilo que os arquivos contêm, tem temor da verdade histórica, receia enfrentar o dia do julgamento da História, o dia do julgamento popular, embora tenhamos no próximo domingo um dos momentos desse julgamento, que é inescapável e iniludível.
Do que se trata hoje, aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é de ponderar o que fazer. A reacção dos gizados, logo que houve pública notícia deste projecto, desta iniciativa do Partido Socialista, foi de grave e típica subestimação da sua importância. O candidato presidencial actual, que circulava sozinho e infeliz por um conjunto de territórios, declarou, de imediato, que nada tinha a dizer, mas, pelo caminho, foi atalhando que se era dito por quem era dito, não prestava atenção ao que era dito e estava contra... É uma atitude típica, que não avalia objectivamente factos, julga preconceituosamente em função de pessoas.
Por seu lado, o ex-Secretário de Estado Teixeira Pinto disse publicamente que não havia nada, era tudo falso, não tinha havido absolutamente nenhum apagamento, tudo estava bem, era tudo imaginação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E é verdade!

O Orador: - Por isso, juntamente com outros Deputados do meu grupo parlamentar, apresentei, imediatamente, um requerimento ao Governo e a resposta foi-nos oportunamente remetida. Essa resposta, Srs. Deputados - e depositarei na Mesa uma cópia dos documentos fornecidos pelo Governo -, comprova, de forma inequívoca e irrefutável, que houve uma tentativa de destruição geral de arquivos, com ordem escrita dada por um elemento do Governo, transmitida ao centro de gestão da rede governamental. Houve um intuito deliberado de destruir o mais possível e se esse intuito não foi consumado, em toda a sua dimensão, foi porque elementos do CEGER, com bom sentido de responsabilidade, se recusaram a cumprir esse comando dislatado e irresponsável - esse sim - emitido por elementos do XII Governo Constitucional...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E há vários processos de desobediência!

Página 709

12 DE JANEIRO DE 1996 709

O Orador: - ... e temos, backups, cópias de segurança, que podem restaurar parte do conteúdo.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ainda bem!

O Orador: - Infelizmente, Srs. Deputados, tal não foi possível em relação a outras partes do património informático que estava na dependência do Governo e foi assim que, mediante auto de destruição, de que também temos cópia, foram completamente eliminados dados contidos em tapes e cassetes com toda a informação da residência oficial do Primeiro-Ministro, através da geração de um campo magnético com intensidade suficiente para os danificar definitivamente. Repito, toda a informação constante dos arquivos da residência oficial do Primeiro-Ministro foi destruída. Esse auto, que tenho entre mãos e que transmitirei à Mesa, comprova que a destruição foi efectiva e que, de facto, a informação existente ficou destruída.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PS): - E as receitas de cozinha?!

O Orador:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: O antigo membro do Governo responsável por este pelouro, depois de ter começado por negar que houvesse qualquer destruição, posto perante a documentação comprovativa de que ela existiu, veio alegar publicamente, com embaraço, reconheça-se, que apenas teria sido destruída informação pessoal.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E foi essa!

O Orador: - É uma má desculpa, por um lado, porque no caso da residência oficial do Primeiro-Ministro foi destruída informação total, de toda a natureza, e o auto comprova-o e, por outro lado, porque este ex-membro do governo parece ter um conhecimento e um conceito bastante sui generis do que seja documentação pessoal. É um conceito sem fronteiras, que parece confundir tudo o que é dirigido a um membro do governo com a sua pessoa e lhe dá o poder de dispor, inclusive no sentido da destruição, do conteúdo do que lhe seja dirigido. Este conceito é inaceitável! Esta postura é inaceitável e a atitude cultural que lhe está subjacente é firmemente contrária a princípios elementares de defesa da nossa memória histórica.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se todos os governantes do passado se tivessem comportado assim, não teríamos hoje documentação útil e necessária para aclarar como decorreram passos cruciais da nossa História; se assim tivesse ocorrido anteriormente, não haveria memória histórica documentada de faixas significativas do nosso passado. Nesse sentido, a vossa concepção é anticultural.

Aplausos do PS.

Entretanto, Srs. Deputados, foi-nos chamada a atenção, pelo próprio Professor Cavaco Silva, para uma segunda dimensão crucial deste problema. Tratei até agora do património arquivístico electrónico, mas existe também o património arquivístico em suportes clássicos, isto é, a documentação em papel. E, singularmente, a atenção para este facto foi-nos suscitada pelo próprio Professor Cavaco Silva, porque, há dias, num programa de rádio, na TSF, interrogado por ouvintes de um dos fóruns que são transmitidos todas as manhãs, o dito personagem declarou literalmente o que vou citar - não tenham medo, porque não vou exibir a gravação, embora esteja aqui para utilização livre e qualquer Sr. Deputado a possa consultar, no que terei todo o prazer, aliás, se o Sr. Presidente o autorizar posso exibi-la aqui.
Mas aquilo que disse o Professor Cavaco Silva, em tom que não sou capaz de imitar, e não tenho pena, foi sucintamente o seguinte: "Ora bem, há pessoas que apoiam o Dr. Jorge Sampaio porque nesta ou naquela coisa, no passado dos meus governos, não lhes foi satisfeito algum desejo pessoal." - reparem na insinuação!...
"Isto é claro! " - acrescentou o mesmo personagem
"Eu não quero contar casos, mas podia contar casos". E a seguir acrescentou algo que é crucial e que trago aqui à colação: "Tenho, na minha posse, (..,)" - ele tem. na posse dele - "(...) cartas que pessoas que hoje estão a apoiar o Dr. Jorge Sampaio, cartas que fizeram com pedidos e que eu (...)"-ele- "(...) não atendi, porque eu (...)"-ele- "(,..) não atendo pedidos".

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Canas pessoais! Só se fazem pedidos pessoais!

O Orador: - Assim disse, e com isto suscitou questões da maior gravidade que não podemos silenciar. A primeira questão e a primeira hipótese é a de que se trata de um puro bluff. Eis um elemento irresponsável, que consegue ir a uma rádio e dizer coisas do tipo calunioso...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - São cartas pessoais!

O Orador:- O Sr. Deputado Guilherme Silva, hoje, está particularmente impaciente, mas, como, do alto desta tribuna, não consigo ouvir o que V. Ex.ª bradeja, o nosso diálogo não pode fazer-se em condições óptimas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - V. Ex.ª está a proclamar a proibição de os políticos terem cartas pessoais!

O Orador: - Decomponhamos, então, para facilitar a vida aos Srs.. Deputados do PSD, o conteúdo das declarações que acabei de citar.
Segundo o autor, há pessoas que apoiam o Dr. Jorge Sampaio porque. nesta ou naquela coisa, "(".) no passado dos meus (...)"- dele- "(,..) governos (...)", não lhes foi satisfeito algum desejo pessoal.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É verdade!

O Orador: - Mas o autor destas frases não conta qualquer caso e acrescenta até que não quer contar casos, mas podia conta-tos. Prefere o terreno da calúnia, da insinuação, da suspeição, da mão escondida, da ameaça e, digamos mesmo, da chantagem ao mais velho estilo, reprovável a qualquer luz.
Depois, acrescenta: "Tenho, na minha posse, cartas". Vejamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a que propósito é que estes documentos, que são, basicamente, documentos da Administração Pública portuguesa, dirigidos por portugueses - aliás, tenho aqui uma carta de um cidadão que protesta, são utilizados ou guardados por um ex-Primeiro-Ministro, na sua casa, putativamente, presumo eu, para depois serem invocados publicamente, como elemento de pressão e chantagem política, no quadro de uma

Página 710

710 I SÉRIE - NÚMERO 25

campanha política eleitoral, contra cidadãos em relação aos quais se ergue o fantasma da suspeição política, do favorismo, da procura de obtenção de facilidades junto do anterior Primeiro-Ministro e, agora, de mudança suspeita de campo, para apoiarem o Dr. Jorge Sampaio. A que título é que estas cartas não estão onde deviam estar, ou seja, nos arquivos públicos da Administração Pública, do governo, da Presidência do Conselho de Ministros, para onde foram dirigidas?! Ou, então, que conceito de «carta» tem o personagem que entende que tudo o que é dirigido ao Primeiro-Ministro é pessoal?!
Não aceitamos esta concepção, Srs. Deputados, mas ela chama a atenção para a importância de assegurar que o que é património público não seja furtado aos cidadãos e que os documentos públicos transitem de governo para governo, aceitando e acatando a vontade democrática e legítima do povo português e permitindo aos governantes prosseguirem a acção governativa com continuidade, sem terem de andar a reconstituir dossiers. Isto, Srs. Deputados, alerta para a balbúrdia que foi a transição governativa, a forma como o PSD retirou dossiers, não permitindo a transmissão adequada de poderes em muitos departamentos, contando-se pelos dedos de meia mão as excepções a esta atitude.
As soluções legais que propomos, Srs. Deputados, são soluções abertas. A lei dos arquivos prevê algumas mas não as prevê todas e, por isso, propomos que se complementem e aclarem alguns aspectos desse regime jurídico.
O Sr. Presidente da Assembleia da República, ao admitir o projecto de lei, o que significa que não viu objecções que impedissem a sua admissão, reparou pertinentemente que poderia ter uma normatividade superior -e, obviamente, também poderia ter uma normatividade inferior - e somos sensíveis a essa observação. Chamo, no entanto, a vossa atenção, Srs. Deputados, para o facto de ser totalmente ridícula a acusação lançada pelo PSD na 1.ª Comissão, num projecto que foi rejeitado pela maioria dos seus membros, no sentido de que o projecto seria uma ordem, uma instrução concreta e não teria conteúdo normativo.
Infelizmente, Srs. Deputados, a lei dos arquivos é muito lacunar. O PS, na legislatura passada, lutou para a alterar e conseguiu algumas alterações ao diploma que, mediante autorização legislativa, foi aprovado por decreto-lei pelo governo. Mas não conseguimos várias coisas: primeira, não conseguimos a qualificação legal, como arquivos para todos os efeitos jurídicos, dos arquivos electrónicos; segunda, também não conseguimos que, no Código Penal, fosse punida com pena de prisão a destruição de arquivos electrónicos nos mesmos termos em que é punido o furto de documentos de papel - é um atraso da nossa legislação, basicamente devido à atitude conservadora do PSD exibida em vários momentos da legislatura passada, mas constitui uma lacuna séria que, por exemplo, impede a punição dos responsáveis pela destruição física e magnética dos arquivos de que falei; em terceiro lugar, não está estabelecida claramente (e este é um ponto para o qual fui especialmente sensibilizado pelo despacho do Presidente da Assembleia da República) a modalidade através da qual se faz a destrinça entre um documento privado e um documento público. O Sr. Deputado Guilherme Silva, há pouco, dizia que, se o ex-Primeiro-Ministro tem cartas, são cartas pessoais, se lhe foram dirigidas é porque são pessoais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não. Não foi isso o que eu disse!

O Orador: - Nada mais errado! A carta que um industrial dirige ao Primeiro-Ministro de Portugal, expondo uma determinada situação e pedindo uma determinada solução é um documento que passa a integrar os arquivos correntes, num primeiro momento, intermédios, num segundo momento, e históricos, num terceiro momento. Há regras definidas para a sua conservação, há regras definidas para a sua destruição e eles não podem ser apropriados pela entidade que é titular, num determinado momento, do lugar como se fossem uma carta de amor mandada por uma admiradora desvairada num êxtase orgásmico numa tarde de Setembro, de Outubro ou de Novembro. Não é possível, Srs. Deputados!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Então, e essas? Essas também têm de ficar!

O Orador: - Não é possível e nós não aceitaremos essa solução. Mas não deve ser a Assembleia da República a fazer a destrinça em concreto dessa situação. Por isso, propomos - e isso consta do nosso projecto - que seja a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos a fazer essas destrinças. Noutros países, designadamente nos Estados Unidos da América, a luta de ex-membros do governo para reaverem documentos fez correr rios de tinta e levou a decisões judiciais famosas, a mais famosa das quais é, porventura, aquela que opôs Kissinger ao State Department americano no sentido da obtenção de peças de correspondência que ele próprio tinha recebido e enviado enquanto responsável governamental norte-americano. No caso português, é natural que precisemos e, em nossa opinião, era recomendável que houvesse uma solução legislativa como aquela que propomos.
Gostaria de dizer que estamos inteiramente abertos a sugestões no sentido de melhorar esse articulado e de incorporar outras soluções.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas não tem conserto!

O Orador: - Nós próprios temos já aditamentos e outras qualificações, tendo em conta observações como as feitas pela Sr.ª Relatora Odete Santos no seu parecer e outras produzidas durante o debate na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Recusamos duas coisas, liminarmente: primeiro, a atitude irresponsável que diz que nada aconteceu, nada do que aconteceu é importante, tudo o que aconteceu é normal.
Srs. Deputados do PSD tudo o que aconteceu é anormal e traduz uma atitude de desprezo pelo património arquivístico nacional que esta bancada não subscreve.
Foi com orgulho que lutámos por uma lei dos arquivos nacionais, foi com orgulho e esforço, embora sem o sucesso que desejaríamos, que lutámos pela correcção de aleijões decorrentes de atitudes prepotentes como as do Director da Torre do Tombo, que nos levou a apresentar aqui iniciativas de emergência, de que nos orgulhamos também, contra a tentativa de recusa de acesso, contra a tentativa de secretismo, contra a desnaturação da memória histórica da luta contra a ditadura.
Continuaremos esse esforço agora e apelamos, Srs. Deputados, ao consenso mais alargado que seja possível para corrigir o que foi desnaturado e para conseguir uma solução que defenda o património arquivístico nacional. Confiamos no vosso voto, confiamos num bom resultado!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

Página 711

12 DE JANEIRO DE 1996 711

O St. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o meu pedido de esclarecimento é breve. Dou crédito de responsabilidade ao Sr. Deputado José Magalhães, ao Sr. Deputado Junqueira, que vi, na televisão, exibindo documentos relacionados com esta matéria num comício de um candidato presidencial, a verias referências de outras pessoas a quem dou créditos de responsabilidade. A primeira pergunta que quero fazer ao Sr. Deputado José Magalhães é esta: porque é que não foi à polícia? Isto é, se os factos graves- e, do nosso ponto de vista, é grave- relacionados com a destruição de ficheiros de titulares de órgãos de soberania na transição de governo sucederam...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se existiram!

O Orador:- .., mais, se, desses factos, há confirmação oficial...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não há!

O Orador: -... por via de despacho, primeiro, porque é que não foram à polícia?
Segundo, admitindo que não quisessem ir à polícia, porque é que não enviaram esses documentos ao Sr. Procurador-Geral da República para que o Ministério Público abrisse a competente investigação?
E terceiro, permitam-me que solicite, já não ao Sr. Deputado José Magalhães, mas ao Governo, que respondeu ao requerimento do Sr. Deputado José Magalhães enviando-lhe esses documentos, o seguinte esclarecimento: o que fez o Governo sobre esta matéria?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Nada!

O Orador: - Porque, entendamo-nos: se os factos ocorreram, o Governo deve ter sido o primeiro a tomar boa nota de que os factos ocorreram e é indesculpável, do nosso ponto de vista, que nada tenha feito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O que demonstra que é um governo irresponsável!

O Orador: - Portanto, estas são as três perguntas que eu gostaria de fazer aqui, porque, de facto, não se pode substituir uma investigação policial por um projecto de lei. Em nossa opinião, são coisas absolutamente diferentes. Mais, o actual Código Penal - aliás, ontem toquei impressões informais com o Sr. Deputado José Magalhães sobre esta matéria - prevê a criminalização de uma conduta como a que nos é descrita pelo Sr. Deputado José Magalhães. E prevê não só a criminalização dessa conduta como dá uma noção do conceito de documento que permite incluir no tipo de crime em causa esta conduta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Refere-se a que artigo? Ao 355.º?

O Orador: - Aquele que lhe mostrei ontem, Sr. Deputado. Já lho vou ler... Confesso que não tenho agora aqui. Donde, não há vazio legal, do ponto de vista da protecção de dados, como a exposição de motivos do projecto de lei do PS afirma; não há vazio legal, do ponto de vista da criminalização da conduta descrita, como se deduz das disposições do novo Código Penal. Por isso, do ponto de vista estritamente legislativo, a nossa opinião é a de que este projecto de lei não faz sentido por não ter utilidade prática sob nenhum aspecto. Quanto à questão de fundo, gostaria de deixar os pedidos de esclarecimento que fiz, em primeira instância, ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr: Guilherme Silva (PSD): - Depois disto, tem de retirar o projecto de lei!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Ferreira, agradeço as suas questões porque elas permitem ilustrar aspectos cruciais nesta matéria.
Primeiro aspecto: há lugar para tudo no regime democrático, ou seja, o Parlamento legisla, pode apresentar queixas, o Governo intervém autonomamente, os Deputados, singularmente, podem manifestar-se, podem usar a tribuna parlamentar, podem usar a tribuna da comunicação social, podem escrever artigos, podem fazer protestos públicos, nenhuma destas coisas se exclui. Isto é elementar, é razoavelmente democrático, creio que deve ser património comum de todas as bancadas, incluindo a de V. Ex.ª.
Portanto, não se pode perguntar porque é que não foi ao sítio tal e foi ao sítio tal... Caro Sr. Deputado, iremos a todos os sítios necessários mas, neste momento, estamos neste e este tem uma função a cumprir. Gostava de explicar porquê: é que, ao contrário do que sugeriu, o quadro legal é tudo menos completo, acabado e perfeito em matéria de projecção e de protecção de arquivos electrónicos. A disposição que o Sr. Deputado citou, por exemplo, o artigo 355.º do Código Penal, que refere "descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público". diz respeito a uma matéria completamente diferente desta. Só pode ser equívoco do Sr. Deputado, porque aquilo que essa norma refere é: "Quem destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa - e agora repare - que tiver sido arrestada, apreendida ou objecto de providência cautelar, é punido com pena de prisão até (...)"

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não...

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme Silva, V. Ex.ª é um ilustre causídico, ouça as normas até ao fim já que não as sabe de cor.
A norma diz: "(...) coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objecto de providência cautelar (...)". Por isso, não regula em geral os documentos da Administração Pública, infelizmente, isto é, há falhas na moldura punitiva. E nós não vamos à Procuradoria-Geral da República invocar uma norma que não se aplica a um caso para dar ao Sr. Procurador-Geral da República o trabalho de nos explicar o óbvio, ou seja, que nós somos o legislador e devíamos saber que há uma lacuna incriminadora neste domínio e que a devemos colmatar. É isso que estamos aqui a procurar fazer.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Retroactivamente!

O Orador: - Não retroactivamente, mas retirando as lições do passado para evitar que quem quer seja sonhe em repetir isto no futuro.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Deputado, permite que o interrompa?

Página 712

712 I SÉRIE - NÚMERO 25

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Se o seu problema é a falta de criminalização, diga-me, no seu projecto de lei, onde é que ela está prevista.

O Orador: - Sr. Deputado, não avançámos com a resolução da questão do regime jurídico dos arquivos electrónicos de imediato por uma razão muito simples: é uma questão que envolve uma reflexão alargada, com a participação do Governo, sobre o regime da rede governamental que não consta de diploma legal algum. Estes senhores levaram a incúria a um ponto tal que não há nenhum decreto-lei que regule e organize mais do que o centro de gestão da rede governamental, porque quanto à configuração, às estruturas, às características, às garantias de defesa, ao regime, etc., etc., nenhum diploma publicado no Diário da República regula essa matéria. Ou seja, há uma lacuna gigantesca.
Devemos tocar - e concluo com isto, Sr. Presidente - nas questões urgentes. E o que era urgente nesta circunstância? Sublinhar duas coisas: por um lado, que o regime não é claro e carece de precisões e, por outro, que a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e a Comissão de Protecção dos Dados Pessoais devem intervir neste processo e devem ser elas a fazer as destrinças necessárias.
No entanto, se V. Ex.ª tem um conteúdo útil adicional alegra-nos imenso vir a estudá-lo, discuti-lo e consagrá-lo, só que a posição do PSD é de obstrução e essa nós rejeitamos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder às votações previstas na ordem de trabalhos. A primeira é sobre o projecto de resolução n.º 5/VII -Constituição de uma comissão eventual destinada a promover o projecto de uma comunidade de países de língua portuguesa (CDS-PP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de baixa à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, nos termos do artigo 156.º do Regimento, da proposta de lei n.º 97/VI - Criação do fundo nacional de integração do intercâmbio cultural amador (ALRA).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 53/VI - Altera a Lei n.º 113/91, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Protecção Civil) (ALRM).

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Vamos votar um requerimento no sentido de que se proceda de imediato à votação na especialidade e votação final global da proposta de n.º 53/VI - Altera a Lei n.º 113/91, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Protecção Civil) (ALRM).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP.
Sendo assim, a proposta baixa à comissão competente.
Passamos a votar um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que, de acordo com o solicitado pelo S.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, autoriza o Sr. Deputado Raimundo Pedro Narciso a depor, na qualidade de testemunha, por escrito, no âmbito de um processo que se encontra a decorrer naquele tribunal.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos ainda votar um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que autoriza o Sr. Deputado Nuno Manuel. Pereira Baltazar Mendes a depor, na qualidade de testemunha, por escrito, no âmbito de um processo pendente nos Juízos Cíveis da Comarca de Lisboa e em que o autor é o empresário Sr. Sousa Cintra, que é o presidente da direcção do Sporting Clube de Portugal, cargo para o qual foi eleito em 23.06.89.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos continuar a discussão do tema da ordem do dia.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero crer que se trata de um fenómeno passageiro. Quero acreditar que é apenas o reflexo de um modismo que nos invade. Mas verdade seja que esta Assembleia da República parece assaltada pelo síndroma da realidade virtual.
Já tínhamos assistido à apresentação de um projecto de resolução, visando dar passos para a realização de um concurso público e para a criação de um grupo de Deputados encarregado da elaboração de um caderno de encargos, àquele destinado, para avaliar os efeitos da moeda única. E, nesse momento, tivemos receio que nova iniciativa se seguisse no sentido de transformar as competências do Parlamento em competências de natureza executiva Ou em toma-lo uma espécie de sociedade de auditoria, ou mesmo em transformá-lo em conselho de administração supletivo.
Imaginámos que, na linha daquela proposta, o PP viesse a propor que, a começar no Orçamento do Estado e a terminar numa qualquer outra iniciativa que tivesse repercussões na vida económica e no emprego, sempre se realizasse, a par do normativo proposto, um concurso público sobre os efeitos do seu impacto.
Mal refeitos daquela surpresa, outro texto inusitado nos surge agora. E não se estranhará que, em função da matéria e não querendo ofender a sua proverbial modéstia, seleccionemos o Sr. Deputado José Magalhães como principal autor, além de subscritor deste projecto. 
-  Assistimos a um seu novo acto de delírio que envolve o Partido Socialista.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de um projecto sui generis. Nunca tínhamos visto nada de semelhante e é verdadeiramente inacreditável o que aconteceu.
Do ponto de vista jurídico, este texto é um aborto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Aborto é destruir arquivos!

O Orador: - Não se descobre nele, como bem observou e até com marcada boa vontade S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia, conteúdo normativo.

Página 713

12 DE JANEIRO DE 1996 713

Nem são claras as normas, nem têm a suficiente densidade- Gomes Canotilho coraria, por certo, de vergonha se porventura este acto legislativo se materializasse.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está inocente!

O Orador: - Nem é possível compreender do que se treta: se é uma autorização legislativa imprópria, parece mais uma ordem ao Governo; se é uma ordem ao Governo, então, a pó se reduziria o princípio da divisão e separação de poderes.
Mais, significa uma genérica indicação de medidas futuras sem qualquer correspondência com os termos em que o Regimento molda o conceito e o conteúdo dos projectos legislativos. Aliás, todos sabem, e os próprios autores do projecto estranhamente também - expressamente o declaram! - que não há vazio legislativo. E navegam em círculo quanto ao que pretendem.
Certamente, pela intenção de confundir e perturbar, construindo uma cortina de fumo, disparam os autores em quatro direcções. A primeira acusação pretensamente grave é a de que, em certos casos, verifica-se que houve uma normal passagem dos dossiers, noutros ruptura e vazio; a segunda é a de que é difícil apurar até que ponto foram desrespeitadas as normas que qualificam os documentos. quanto aos arquivos intermédios e históricos; a terceira é a de que há documentos recebidos, que se não sabe se são íntimos ou pessoais, pretensamente detidos de forma ilícita; a quarta e última acusação pretensamente grave é a da utilização provável - provável, Srs. Deputados! - de factos traduzidos no conteúdo dos documentos contra pessoas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já ouvimos na TSF!

O Orador: - É impressionante como os autores do projecto se baseiam em argumentos em que a dúvida, a presunção ou a suspeita são as únicas certezas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: = É lamentável como ò desejo de prejudicar alguém ou a sua imagem se substitui ao rigor legislativo.
O Sr. Deputado José Magalhães confunde as crónicas sobre a Internet e a sua participação no Flash-Back com a atitude responsável de um Deputado no acto de legislar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E assim é fácil converter uma enormidade em notícia!
Com o ar mais sério do mundo, fala do que não sabe, insinua, falta à verdade, constrói a sua própria realidade. E o que é mais lamentável é que consegue que a Assembleia perca o seu tempo a apreciar projectos que, do ponto de vista constitucional, do ponto de vista regimental, ou do mero ponto de vista da formulação jurídica, são absolutamente inadmissíveis.
Mas o que o Sr. Deputado José Magalhães quer é, justamente, utilizar este tempo de antena; é, mais do que isso, acusar, mesmo que de forma absurda, o anterior governo de qualquer coisa; é produzir mais urna insinuação que poderia ser tida como grave quanto ao comportamento do candidato Cavaco Silva. Daí o primor do agendamento para hoje desta iniciativa.
É mais uma festa de generalidades persecutórias, de processos de intenção.
O Sr. Deputado José Magalhães acha que esta forma de fazer política rende e paga. Alimenta a dúvida. Duvida do seu próprio Governo.
Afinal, se há indícios de qualquer coisa, porque é que o actual Governo não reagiu, não participou das pretensas violações da lei, não tomou qualquer iniciativa?
O Sr. Deputado José Magalhães dá instruções ao seu Governo. É treinador no banco. Podia tê-lo feito, talvez, através da Internet. E, na dúvida que o Ministro Jorge Coelho estivesse fora do sistema, usou a Assembleia.
A história registará este receio. A troca foi vantajosa em termos publicitários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, cá para nós, mais valia o Sr. Deputado José Magalhães ter ido direito ao assunto, dizer ao que vinha e descobrir as suas verdadeiras intenções.
O Sr. Deputado José Magalhães devia em homenagem à honestidade de propósitos e à verdade dos procedimentos, dizer: quero praticar um acto lesivo da candidatura do Prof. Cavaco Silva; quero que isso aconteça na última semana de campanha; quero montar mais uma cabala; quero colocar os meios de comunicação social a falar em mim e contra ele; quero, em suma, praticar um acto de baixa política.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado José Magalhães tem um gravíssimo problema de consciência. Passa a vida a tentar branquear o seu passado, refugiando-se agora na defesa dos valores que não fez durante todo o longo período em que permaneceu no Partido Comunista Português. Tempo, para ele, de distracção e abstinência.
Esse tempo em que, como oportunamente referiu neste Parlamento- e eu não diria melhor- o Sr. Deputado do PS Fernando Pereira Marques,...

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Não ataque pessoas!

O Orador: - ... "forças houve que, reivindicando uma legitimidade que não possuíam, um sentido da História que não existe, uma representatividade que não tinha sido sancionada democraticamente, abusaram de posições adquiridas, praticaram excessos e tentaram lançar o País por caminhos que os portugueses recusavam".
Mas nós é que não temos culpa disso nem dos entusiasmos do Sr. Deputado. Adulto e esclarecido, com capacidade interventiva e protagonismo quanto baste, o Sr. Deputado José Magalhães fez parte destas forças.

O Sr. José Magalhães (PS): - E os arquivos?

O Orador: - E os comentários que acabo de citar foram proferidos aqui, nesta Câmara, ao tempo em que se discutia um tema que devia ser caro ao Sr. Deputado José Magalhães. Nesse dia, o Sr. Deputado manteve de Conrado o prudente silêncio; nesse dia, imagine-se, discutia-se a aprovação da Comissão de Inquérito à transferência dos arquivos da PIDE para o KGB.
Perante esta matéria, não encontrou o Sr. Deputado José Magalhães inspiração para uma iniciativa legislativa como a que agora dá à estampa. E, pensará o Sr. Deputado: eu que dei cobertura a tantos actos lamentáveis, a tantas perseguições, a tantos aproveitamentos ilegítimos do poder; eu que fui um comunista militante e convicto, ao tem-

Página 714

714 I SÉRIE - NÚMERO 25

po em que tantos outros já tinham percebido o logro, quero sacudir a poeira radioactiva que me contamina a consciência. Sou hoje um homem novo, socialista e cibernético, que tem de encontrar formas de se afirmar como campeão das liberdades e guardião da história.
É este Deputado que, num curto espaço de tempo, muda tanto, sem querer que disso ninguém dê conta.
Se quer um conselho Sr. Deputado, não se preocupe, não se infernize, não se consuma. Os bons espíritos encontram-se sempre! Hoje, os seus antigos camaradas e os novos vão-se encontrar, de braço dado, a votar.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - As diferenças que dantes os afastavam profundamente são agora figuras de estilo, flores de retórica. Não se envergonhe porque nada nem ninguém impedirá a aliança entre o PCP e o PS. V. Ex.ª está transformado num glorioso traço de união.
Mas, porventura inebriado com o seu destino histórico, o Sr. Deputado não toma sequer consciência do carácter policiesco das suas intervenções. E só por manifesto acanhamento não o teremos visto a revolver os cestos dos papéis, a esquadrinhar os apontamentos, a exigir a publicação das agendas privadas dos membros do governo. É um autêntico detective privado a trabalhar e a investigar.
Os portugueses habituar-se-ão a reconhecer, em si, o ajudante do Perry Mason do Rato.

Risos do PSD.

Tem mesmo a suprema ventura de meter o nariz em tudo o que não lhe diz respeito. A rede informática do governo é apenas acessível aos membros do governo e dos gabinetes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que me conste, o Sr. Deputado José Magalhães não é ainda nem uma coisa nem outra. Mas, apesar disso, fala como se de competência sua se tratasse!
Nem o facto de o Sr. Secretário de Estado Pina Moura ter sido esclarecido, em pormenor, do que existia e existe e ter acompanhado a transferência parece sensibilizá-lo. Não tem receio de o colocar mal e desmentir. Também não parece dar relevância ao facto de o responsável pela rede informática do governo, apesar de não ter sido reconduzido no fim do governo anterior, ter continuado em funções.
Definitivamente, ninguém o quer ouvir, Sr. Deputado, nem o seu Governo!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito mal!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito mal o seu Governo!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, muito mal o Carlos Encarnação!

O Orador: - E, ao mesmo tempo, revela uma profunda ignorância do que trata.
O sistema de gestão de documentos que alegadamente se terá apagado do gabinete de um Subsecretário de Estado apenas se destina a acompanhar o circuito dos documentos naquela unidade. Não tem a ver com o próprio documento, que tem um registo de entrada e não é afectado enquanto tal.
Os backups, também alegadamente objecto de apagamento, são, do ponto de vista informático, salvaguardas, como V. Ex.ª referiu, seguranças que têm um tempo de vigência e não devem existir eternamente. Não contêm os originais, que existem igualmente em arquivo independentemente destes, são cópias. O acto de apagamento é um acto normal, que deve, aliás, ser periodicamente feito para se disponibilizar espaço em disco.

Risos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Alguém o enganou!

O Orador: - É, neste sentido, um bem e não um mal.
Veja bem, Sr. Deputado, que estamos a explicar-lhe o que o senhor devia ter tido o cuidado de perguntar a quem soubesse do assunto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está a explicar a sua própria ignorância! Fica em acta!

O Orador: - E aqui está como, a gosto do seu autor, quase somos conduzidos a discutir a essência das coisas.
O problema é nosso, estamos Habituados a trabalhar assim. Mas esta desajeitada tentativa não o merece.
As intentonas do Sr. Deputado Magalhães são tão escandalosas e tonitruantes que a memória nos foge para Umberto Eco. E ficamos mesmo sem saber se aquela deliciosa Uma História Verdadeira, que consta do seu Segundo Diário Mínimo, foi inspirada no Sr. Deputado, se foi o Sr. Deputado que daquela história tirou o modelo da sua intervenção política.
Com duas importantes ressalvas, note-se: a imaginação daquele escritor é mais rica e fértil e a mentira transformada em verdade histórica converte-se em humor inteligente. Com V. Ex.ª, o campo da invenção é mais limitado e só consegue despertar indignação; Eco expressamente confessa o carácter lúdico do seu divertimento. Para tragédia nossa, o Sr. Deputado quer ser levado a sério.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Nuno Baltazar Mendes, José Junqueira e Ruben de Carvalho. Pediram a palavra para defesa da honra os Srs. Deputados José Magalhães e Fernando Pereira Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, gostava de lhe colocar a seguinte questão: não percebi ou, eventualmente, terei percebido mal, mas o Sr. Deputado terá dito que o projecto de lei em discussão não teria um carácter geral e abstracto ou, pelo menos, não resultaria claro esse carácter geral e abstracto do diploma em causa. Ora, tendo presente quer a exposição de motivos que consta do próprio projecto de lei, quer o articulado em causa, não vejo como é possível dizer que esse carácter geral e abstracto não está bem vincado!
Por outro lado, parece-me que existirá alguma má consciência do PSD relativamente a esta situação e aos pretensos «apagamentos» que terão ocorrido, porque se, eventualmente, eles tiveram, lugar nada melhor do que o chefe do anterior governo, o Professor Cavaco Silva, e o próprio PSD tomarem, eles próprios, as medidas que se impo-

Página 715

12 DE JANEIRO DE 1996 715

riam nesta situação concreta para a tentarem esclarecer! Não me esqueço que o Dr. Jorge Sampaio, na Câmara Municipal de Lisboa, quando surgiu um problema muito, mas muito mais simples do que este, tomou imediatamente a decisão de convocar o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, na altura líder da oposição na Câmara, para que todas as situações fossem explicadas e esclarecidas.
Neste caso concreto, muito sinceramente, não sei como é que se pode vir acusar o Partido Socialista de querer, de alguma forma, intervir na campanha eleitoral, prejudicando o Professor Cavaco Silva com este diploma. E, inclusivamente, decorre da intervenção do Sr. Deputado Carlos Encarnação que este projecto de lei só aparece em discussão porque estamos antes das eleições presidenciais. Sinceramente, não vejo como, uma vez que este projecto de lei é, claramente, complementar do quadro legal já existente.
Para além do que já foi dito pelo Sr. Deputado José Magalhães, não sei se os senhores me conseguem dizer, em relação ao articulado que está no artigo 1.º ou no 2.º, o que é que está aqui que se dirija directamente contra o Professor Cavaco Silva!
Pergunto antes: o que está aqui que se não dirigirá, inclusive, ao actual Governo, porque se vai aplicar a ele quando cessar as suas funções? Sinceramente, não percebo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Carias Encarnação (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que me louve nas suas palavras e que leia o despacho que colocou no projecto de lei n.º 56/VII, que diz o seguinte: "Admito o presente projecto de lei, convicto embora de que o disposto no artigo 1.º e iro n.º 1 do artigo 2.º carecem, de todo em todo, de conteúdo normativo".
Se o Sr. Deputado tivesse lido isto, perceberia o que acabei de referir.

O Sr. Nuno B. Mendes (PS): - Li, sim. Tenho-o aqui!

O Orador: - Então, se leu, deveria ter tirado as devidas consequências. E não é a minha opinião apenas, não estou munido de qualquer vezo antiprojecto. Este projecto de lei é que é, em si mesmo, uma confusão. Em primeiro lugar, porque não tem densidade normativa, não tem conteúdo normativo; em segundo lugar, porque, no fundo, e de acordo com as palavras do Sr. Deputado José Magalhães, é desnecessário, uma vez que já existe tudo aquilo que ele diz.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é desnecessário!

O Orador: - Já existe punição, não há vazio legal, ele próprio o diz. Apesar disso, apresenta um projecto...

O Sr. José Magalhães (PS): - Há uma lacuna legal!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia que não entrassem em diálogo directo. Uma coisa é o direito de interromper, outra é o de obstar a que o Deputado exerça o direito de falar.

O Orador: - O Sr. Deputado certamente não fez isso por mal, é o seu entusiasmo em querer defender algo que é indefensável. Eu compreendo-o; se estivesse na sua posição, estaria exactamente na mesma, tão nervoso como o senhor, ou ainda mais. Por isso, não esteja assim, porque não vale a pena!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Meteu-se nela e agora aguente!

O Orador: - O problema deste projecto de lei é apenas este: na verdade, ele não deveria ter subido a Plenário. Se o Sr. Deputado tivesse assistido ao que se passou na Comissão,...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é pôr em causa a Comissão!

O Orador: - ... teria visto que há um parecer feito pelo Sr. Deputado Calvão da Silva, que, na verdade, é um parecer completo,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Rejeitado!

O Orador: - ... perfeito e absolutamente bem fundamentado.
O Partido Socialista reagiu contra este parecer, como era natural, pois era uma dor sua. A Sr.ª Deputada Odete Santos- que aqui não está presente, e tenho muita pena-, depois, viu-se e desejou-se para fazer um parecer que permitisse que este projecto de lei subisse a Plenário.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Por isso teve o cuidado de não estar aqui!

O Orador: - No fim do seu parecer, ela nada diz nada, preferiu nada dizer e, mais, preferiu não estar aqui para o ler, porque seria ainda pior. Coitada da Sr.ª Deputada Odete Santos: passou uma noite em claro para tentar fazer alguma coisa que salvasse este parecer! Mas isso não é possível, pois trata-se de um nado morto, um aborto jurídico, não tem sentido.
Portanto, se o Governo, munido do quadro legal, porque não há vazio legal, nada fez, em termos de punição, de participação, quando era possível fazê-lo, com que direito o Sr. Deputado José Magalhães, agora, se substitui ao Governo, "puxa-lhe as orelhas" e diz: "Atenção, Governo, é preciso fazer um projecto de lei, porque os senhores não foram capazes de actuar quando a Pátria estava em perigo e sou eu, José Magalhães, que vou defendê-la!"?
A atitude do Sr. Deputado José Magalhães e do Partido Socialista, porque também subscreveu este diploma, é, no mínimo, perfeitamente caricata.

O Sr. José Magalhães (PS): - Caricato é destruir o património arquivístico!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, acerca do assunto em epígrafe, interviremos a seguir. Quero

Página 716

716 I SÉRIE - NÚMERO 25

apenas dizer uma coisa ao Sr. Deputado Carlos Encarnação acerca dessa miserável atoarda sobre o desvio de arquivos para o KGB, tendo, da tribuna, responsabilizado e ligado o meu partido a esse desvio.
Sr. Deputado, a única ligação que o meu partido tem com os arquivos da PIDE é o facto de estarmos lá fichados por causa da nossa luta, das nossas prisões, das nossas torturas, dos nossos mortos. É esta a única ligação que temos com os arquivos da PIDE.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, eu próprio fiz parte da Comissão de Extinção da PIDE/DGS e sei perfeitamente bem aquilo que o Partido Comunista Português tem a ver ou não com processos da PIDE/DGS. Tudo o que referi, fi-lo na perfeita consciência do que estava a dizer.
Portanto, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, pode dizer o que quiser a quem quer que seja, mas a num é mais difícil dizê-lo.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tê-la-á no fim do debate.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, fui aqui citada e disse-se que eu não estaria presente na altura própria porque não queria apresentar o relatório. Gostaria de dar uma explicação muito breve a esse respeito, porque, de facto, isso não é bem verdade.
Sr. Presidente, estava a preparar um debate para amanhã quando notei que V. Ex.ª me chamava para vir apresentar um relatório, o que não era obrigatório.
O parecer elaborado resulta de um estudo necessariamente sumário e muito breve, porque foi feito de ontem para hoje e, nesse parecer, faltam algumas considerações que tive ocasião de produzir na Comissão e que se relacionam com o facto de não ter tido tempo de me debruçar sobre questões de alguma complexidade. É isso que falta no parecer. Penso que são essas que estão em causa com este projecto de lei e não as que o Sr. Deputado José Magalhães aqui indicou, porque, com efeito, no Código Penal, prevê-se um crime de subtracção de documentos, não no artigo que foi aqui referido mas, sim, no artigo 259.º, o qual remete para o artigo 255.º, que contém a definição de documento e onde se vê que os próprios suportes informáticos são documento.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Também os arquivos?!

A Oradora: - Portanto, creio que falta fazer uma reflexão em torno de uma resolução do Conselho de Ministros que crie uma alta autoridade para a segurança dos suportes informáticos, a fim de saber se estes estão devidamente protegidos, se há aí lacunas, porque eu não admiti, ao contrário do que diz a exposição de motivos do projecto de lei, que não existe vazio legal. Acho arrojado afirmar isso e creio que, em matéria de suportes informáticos, seguramente, podemos encontrar algumas lacunas.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peco-lhe que abrevie as suas considerações.

A Oradora: - Dentro do que me pareceu - e isto é o tema do relatório - ser o projecto de lei, em minha opinião, estaremos perante uma tentativa de fazer uma lei-medida.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - Segundo me pareceu, o Sr. Deputado Calvão da Silva dizia, no seu relatório, que considera que essas leis-medidas invadem a autonomia do poder executivo, são leis que infringem a separação de poderes.
A grande questão técnico-jurídica acerca deste projecto de lei é essa mesmo e foi isso que situei no âmbito do relatório.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - Portanto, creio que se justificava que a conclusão votada pela Comissão não fosse a que foi proposta pelo Sr. Deputado Calvão da Silva que, na minha opinião, é extremamente drástica e faz juízos de inconstitucionalidade quando o diploma não foi impugnado como inconstitucional, e deveria ser outra. De facto, tudo o que está para trás serviu até para o meu estudo e para, num breve espaço de tempo, tentar fazer um enquadramento técnico-jurídico das questões solicitadas.
Sr. Presidente, não foi propriamente uma interpelação à Mesa, mas agradeço a oportunidade concedida.

O Sr. Presidente: - Um pouco fora do momento, fez o resumo do relatório.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueira.

O Sr. José Junqueira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, os comentários que fez sobre o rigor do projecto de lei são compreensíveis: o que se pretendia, ao fim e ao cabo, era levar a discussão para este campo e não, objectivamente, concentrar o debate nos factos que lhe deram origem.
Quanto à questão técnico-jurídica, V. Ex.ª fala em pareceres, tendo arranjado aí um tal parecer e substituído aquilo que são decisões finais por aquilo que lhe parece.
No fundo, relativamente à sua capacidade, que tentou auto-elogiar, digo-lhe que «presunção e água benta, cada um toma a que quer».

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - E fiquemos por aqui.
Gostaria agora de perguntar-lhe se os factos apontados com documentos originais são verdadeiros ou falsos. É verdade ou é mentira? Existem os factos, ou não?
O senhor pode dizer que o documento era da «Sr.ª Maria», que fez um pedido pessoal ao Dr. Cavaco para arranjar erva para os coelhos, etc., e que isso não tinha interesse algum. Mas também podemos supor que se tratava de obstrução a um conjunto de informações, que, por si só, iriam entravar a actividade normal deste Governo, agora legitimamente empossado. Ou, eventualmente, que se

Página 717

12 DE JANEIRO DE 1996 717

tratava da compilação de um conjunto de outras coisas, que desconhecemos e sobre as quais podemos reflectir, mas que, em si, podem ter igual gravidade.
Gostaria ainda de elogiar essa "poupança" do disco, esse apegamento do disco para o poupar!... De facto, o Governo de VV. Ex.as foi extraordinariamente poupado...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, quero referir a questão dos factos políticos. Veio, mais uma vez, à baila a questão do Dr. Jorge Sampaio, na qual gostaria de pôr um ponto final - e já faltam poucos dias para as eleições presidenciais - para não termos de lembrar aquela vergonha, que foi a tentativa de explorar aquele arranhão no nariz de não sei quem, em Tarouca, e que motivou aquele discurso entusiasmado do Deputado Pacheco Pereira e do Dr. Graça Moura.
Em quarto lugar, gostaria de pedir-lhe que não voltasse a referir as origens políticas ou o percurso político de quem quer que seja, sob pena de termos igualmente de reflectir sobre a sua bancada. A não ser que seja essa a sua intenção relativamente ao futuro congresso, a realizar, por antecipação, após o dia 14 de Janeiro, para expor alguns dos seus eventuais opositores! Porém, não vou entrar nesse jogo, pelo que não reflectirei sobre as origens e o percurso político de alguns membros da sua bancada.
Por último, coloco-lhe a seguinte questão: se V. Ex.ª considera que esta argumentação tinha, de facto, como finalidade branquear o tal passado político das pessoas, este apegamento de ficheiros não será o branqueamento oportuno de um conjunto de atitudes, medidas, compromissos, hierarquias de interesses, etc., assumido pelo governo do PSD, cujo principal responsável foi o Professor Cavaco Silva?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, é evidente que o Sr. Deputado tinha de lá chegar. A sua última frase é, de facto, denunciadora daquilo que os senhores queriam.
Na realidade, o vosso objectivo, desde o início, não é a questão do património, nem a de saber se os arquivos estão, ou não, apagados. O que os senhores querem é, sim, fazer esse ataque frontal. Mas também foi exactamente isso que acabei de denunciar aqui.
Protestos do PS.

V. Ex.ª acusa-me de aludir a um parecer da Comissão. ou melhor, a dois pareceres da Comissão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Um deles não é um parecer!

O Orador: - Um, elaborado pelo Professor Calvão da Silva, e outro, feito pela Sr.ª Deputada Odete Santos. Ora, ainda bem que a Sr.ª Deputada Odete Santos veio ao Plenário, porque eu tinha louvado, elogiado e enaltecido o seu trabalho e ela acabou por vir dar razão às afirmações que acabei de fazer. Portanto, ainda bem que a Sr.ª Deputada Odete Santos aqui veio- aliás, ficaria penalizadíssimo se estivesse a dizer isto sem ela o ouvir, porque, na verdade, era uma falta de educação, mas, como ela não estava, fui obrigado a fazê-lo - corroborar tudo o que eu disse.
Como dizia, aquilo que o Sr. Deputado fez foi outra coisa. O Sr. Deputado José Junqueiro, na sequência do entusiasmo do Sr. Deputado José Magalhães, pegou em dois documentos, exibiu-os num comício da candidatura do Sr. Dr. Jorge Sampaio e, depois, foi tentada e concretizada a sua publicação no semanário Expresso, assim como no Jornal de Notícias. E as duas fotocópias, publicadas num e noutro jornais, contém duas afirmações que me encarreguei aqui de desmentir...

O Sr. José Magalhães (PS): - Desmentir?! Não desmentiu nada! São provas!

O Orador: - Sr. Deputado, tenho o conhecimento profissional necessário para tentar dar-lhes a ideia daquilo que realmente aconteceu. Quando estou a fazer esta interpretação, estou a actuar com o meu conhecimento profissional e não com o político. Ora, aquilo que aqueles dois documentos dizem é que foi apagado, ou deram instruções para ser apagado, um sistema de gestão de documentos. E aquilo que tentei dizer - se, agora, quiser falar a sério sobre esta matéria, contrariamente ao que tem feito o Sr. Deputado José Magalhães...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é insultuoso!

O Orador: - Não se comova, Sr. Deputado José Magalhães. Já lá vamos!
Como dizia, o que foi apagado foi um sistema de gestão, que permite, em cada momento e num gabinete determinado, que a pessoa saiba qual é o percurso do documento, mas não afecta o próprio documento. O próprio documento não é apagado, não é inutilizado, nem sai do sistema. É apenas aquele sistema de gestão, cuja existência V. Ex.ª pode comprovar, se for ver o que se passa na rede informática do Governo.
A segunda questão é a dos backup. VV. Ex.as podem assumir o que quiserem em relação aos espaços em disco, mas, do ponto de vista profissional, devo dizer-vos que é uma norma habitualmente seguida quando o espaço em disco é sobreocupado, fazendo-se seguranças diárias, semanais e mensais, que periodicamente são ventiladas e que, ao fim de um determinado período, são apagadas, sob pena de o próprio sistema não funcionar. Se o sistema estivesse de tal maneira sobrecarregado e nada disso tivesse sido feito, então, o Sr. Deputado José Magalhães viria aqui dizer-nos que estávamos a obstar a que o novo Governo utilizasse a rede informática, porque pura e simplesmente atínhamos bloqueado com dados que já não eram necessários.
Mas isso também não afecta, Srs. Deputados, os originais dos documentos, porque esses têm entradas, estão arquivados, e isto são cópias dos originais, são seguranças. Aquilo que os senhores dizem nos dois documentos publicados em nada afecta aquilo que acabei de referir. Assim, como VV. Ex.as compreendem, isto não passa de uma deturpação grosseira da realidade, facto que várias vezes assinalei.
E é evidente. Sr. Deputado, que, quando o Governo não actua, por alguma razão é.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Claro!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas quem diz que não actua?!

Página 718

718 I SÉRIE - NÚMERO 25

O Orador: - A menos que se tratasse de irresponsabilidade completa, o Governo não podia ter actuado, porque não tinha base para isso. E muito menos precisava de uma alteração legislativa, porque não tinha sido o próprio Governo que tinha solicitado à Assembleia uma autorização legislativa e não é esta coisa canhestra que aparece aqui.
Relativamente à questão do passado político, Sr. Deputado, aquilo que fiz em relação ao Sr. Deputado José Magalhães não foi propriamente um exame minucioso do seu passado político. Limitei-me a apontar - e isso é algo relevante para mim! - o facto de uma pessoa se comportar de maneira diferente, seja o que for que pensa, em dois momentos políticos diferentes. E chamei a atenção do Sr. Deputado José Magalhães para a circunstância de, depois de ter tido uma intervenção importante dentro do Partido Comunista Português num determinado sentido, estar agora a ter uma intervenção noutro sentido. Isto é, de duas uma: ou havia coerência de atitudes e, então, os mesmos princípios se aplicavam ou temos de reconhecer que houve uma reviravolta muito grande na atitude do Sr. Deputado José Magalhães, que, aliás, até considero boa, positiva e saudável, o que já várias vezes lhe disse...

O Sr. José Magalhães (PS): - Obrigadíssimo! Diga isso ao Sr. Deputado Pacheco Pereira!

O Orador:- Só que não pude deixar de salientá-lo e, evidentemente, o Sr. Deputado não pode condenar-me por isso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado já ultrapassou o tempo de que dispunha. Faça favor de terminar.

O Orador: - Já abusei, Sr. Presidente, pelo que termino por aqui.

O Sr. José Magalhães (PS): - É pena não ter respondido a nenhuma pergunta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Dado que é de informática e de política que estamos a falar, permitam-me que diga que, a meu ver, e com o aconselhamento técnico do Sr. Deputado José Magalhães, o Partido Socialista acabou de deixar cair um gigabyte em cima de um pé.
Por outro lado, parece ser uma sina que o meu grupo parlamentar me atribui desde ontem esta de ter de pedir a VV. Ex.ªs paciência para expor a mesma e penosa contradição: o fundo da causa que estamos a discutir é bom e legítimo, mas a forma é verdadeiramente lamentável, ao ponto de poder prejudicar seriamente a bondade dos objectivos em vista.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Portugal dispõe de legislação sobre a protecção de dados informáticos e foi mesmo em alguns aspectos pioneiro na preocupação da defesa dos direitos individuais, da privacidade e do sigilo, face aos problemas criados pelo desenvolvimento dos suportes informáticos.
Dispõe, igualmente, o nosso país de um conjunto articulado de diplomas sobre o património arquivístico e documental nacional, a sua gestão, preservação, consulta, etc. Naturalmente que a existência destes diplomas não garante, só por si, o bom andamento dos processos sobre os quais se debruça, mas, como o próprio projecto de lei que o Partido Socialista apresentou reconhece, não nos encontramos numa situação de vazio legal.
Mas urge reconhecer que, mesmo não havendo vazio legal, pode existir - e, a nosso ver, existe! - uma insuficiência legal, que decorre da própria aceleração em que esta área de questões se tem desenvolvido.
Haverá que verificar, por um lado, se as disposições visando a defesa do cidadão estão de acordo com os progressos verificados e se, afinal, estes não trazem consigo possibilidades de cruzamentos e utilizações que constituem ilegítimos contornos das restrições legais. Recordaríamos apenas as possibilidades de cruzamento de dados entre terminais multibanco, terminais rodoviários de Linha Verde e outros sistemas de uso corrente, a permitirem uma quase radiografia do quotidiano de um cidadão ou o já reconhecido ilícito praticado com o uso de ficheiros informáticos para fins promocionais alheios aos motivos que determinaram a sua constituição.
Aliás, ainda ninguém esqueceu, penso, que o Professor Cavaco Silva brindou os reformados e pensionistas portugueses com uma carta propagandística das benesses do seu governo, recorrendo ao suporte de endereços da segurança social, constituído, seguramente, com objectivos que não os da propaganda do político que ora se encontra em dramático estado de carência de dois meses.
Mas há, igualmente, que reflectir sobre se a regulamentação feita quanto aos bens arquivísticos e documentais nacionais tem em conta a abissal modificação dos seus suportes, da sua existência material, da sua conservação e do seu controlo.
Como todos sabemos, deixámos de falar de caixas, de dossiers e de pastas para passarmos a falar em files, em ficheiros, bases de dados, etc. Mais grave: deixou de se dar descaminho a um dossier, podendo fazer-se simplesmente um digital delete.
Poderá, sem dúvida, fazer-se a gestão por analogia e viver-se num mutatis mutandis de estantes para computadores, mas a própria experiência internacional - e sublinharia a norte-americana - revela que é uma solução insuficiente.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Segundo o preâmbulo do projecto de lei em debate, o anterior governo terá procedido a limpezas de ficheiros e à destruição de dados e - o que seria ainda mais grave - à apropriação, para fora da Administração Pública, de dados constantes daqueles suportes informáticos. Quero sublinhar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, segundo o referido diploma, é exactamente nestes termos que as coisas têm de ser postas: terá procedido.
Assim, a primeira coisa a fazer é, em nosso entender, averiguar o que efectivamente se passou, o que desde já se apresenta como tarefa que, precisamente por ser complexa, é urgente.
O problema é que, por de todos compreensíveis motivos de ordem cronológica, foi durante o consulado da maioria absoluta do PSD que se verificaram passos determinantes na informatização da Administração Pública e no recurso, no aparelho de Estado - política e administrativamente -, aos suportes informáticos. O que se fez, como se fez e para que se fez foi, antes de tudo o mais, decidido por esse núcleo político-partidário, onde pontificava quem desconhecia as dúvidas e ainda mais o erro.
Nestas circunstâncias, e do ponto de vista desta Assembleia, parece-nos evidente que as duas primeiras coisas a fazer eram: primeiro, se havia indícios de ilícitos ou crimes de destruição ou desvio, averiguar o que efectiva-

Página 719

17 DE JANEIRO DE 1996 719

mente ocorreu; segundo, em função dessa investigação, concluir se se impõe ou não colmatar insuficiências da legislação e proceder conforme.
Em concreto. Sr. Presidente e Srs. Deputados, se o Partido Socialista possuía elementos como os que cita no preâmbulo do seu projecto de lei, então de todo nos parece mais adequado fazer uma audição parlamentar e ouvir, em sede de Assembleia da República, todos os directamente envolvidos nesta situação, ligados ao anterior Executivo e ao actual, para, responsavelmente, se extraírem conclusões e legislar de acordo com os factos e as necessidades.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A solução encontrada surge, assim, como se alguém tivesse furtado o automóvel do Sr. Deputado Jorge Lacão - longe vá o agoiro! - e o Sr. Deputado José Magalhães elaborasse um projecto de lei cominando o Governo a deter o ladrão e a devolver a viatura ao seu dono,...

Risos.

... coisa que, de todo em todo, e no puro respeito pelas normas legais em vigor, o Governo, através da PSP e de outras entidades apropriadas, não deixaria de fazer!
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP considera que esta Assembleia é uma tribuna para que, através dos seus eleitos, o povo português faça ouvir as suas opiniões, os seus protestos, as suas propostas políticas. É justo, legítimo e necessário usar esta tribuna para denunciar o atropelo, para acusar quem tergiversa, para, em suma, fazer política. Mas a esta Assembleia exige-se igualmente que actue no seu múnus de aparelho legislativo e o próprio vigor da batalha política exige o maior rigor na produção legislativa com a qual se pretende dar forma àquela.
Entendemos justa e necessária a batalha política de que este projecto de lei é uma peça e julgamos necessário estudar e legislar sobre esta matéria, e com carácter de urgência, mas a ligação entre estas duas realidades, consubstanciada no projecto de lei n.º 56/VII, parece-nos insatisfatória, superficial, perigosa e em nada adequada à gravidade do problema de que se trata. É por causa da gravidade do problema que, apesar de tudo, viabilizaremos o projecto de lei, na esperança de que o seu curso posterior corrija as lamentáveis deficiências de que enferma.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, mas, como dispõe apenas de um minuto, a Mesa concede-lhe mais dois.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, ainda bem que trouxe a discussão para fora do âmbito meramente jurídico, se assim se pode dizer, em relação ao debate que precedeu a sua intervenção, na medida em que permitiu que este problema, que motivou este projecto de lei e que é essencialmente conjuntural e com intencionalidade política, seja inserido numa questão mais vasta e muito mais séria, que é a da ausência de sensibilidade, de visão e de uma política coerente em matéria de arquivos, que caracterizou os anteriores governos do PSD.
Neste sentido, quero valorizar sobretudo a sua conclusão, visto que, admitindo eu, que não sou jurista, que este projecto de lei tem fragilidades nesse domínio, constitui algo de positivo, na medida em que vem acentuar um problema que era totalmente omisso no Decreto-Lei n.º 16/93 e motivou, em consequência disso, um pedido de uma alteração por ratificação, que, aliás, foi subscrita por Deputados do seu partido.
Na verdade, V. Ex.ª conhece seguramente, e tão bem como eu, todo o processo desastroso que caracterizou a actuação dos anteriores governos, em particular do anterior, em relação a matéria de arquivos. Ao fim de três anos, após o Professor José Matoso ter apresentado um anteprojecto, o Governo, através de autorização legislativa. retirando a esta Câmara a possibilidade de discutir um diploma tão fundamental para a memória histórica do País, finalmente, em 1993, aprovou o decreto-lei que já referi atrás, que está cheio de omissões. A título de exemplo, vou apresentar-lhe apenas duas totalmente absurdas. A primeira não é propriamente uma omissão, é qualquer coisa que recusa explicitamente que os arquivos audiovisuais fossem considerados arquivos no âmbito da lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Conseguimos eliminar esse absurdo, através de uma alteração por ratificação ao decreto-lei, e ainda- louve-se a lucidez mínima mostrada pela maioria! inserir o artigo 46.º-A, onde se fazia referência, finalmente, a uma coisa tão evidente como os arquivos de suporte especial e outros e a necessidade de legislar especificamente sobre eles em novos suportes.
É esta legislação regulamentadora que, entretanto, o Governo não fez- e mais de dois anos passaram! - que motivou este projecto de lei, na medida em que continua, de facto, um vazio total em matéria de regulamentação de arquivos informáticos.
O drama, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, sabe tão bem como eu, é que, numa época de disquetes, como V. Ex.ª referiu, ainda não resolvemos problemas elementares que põem em causa a salvaguarda dos documentos em dossiers e em caixas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para defesa da honra em relação à intervenção do Sr. Deputado Ruben de Carvalho e, no momento próprio, dar-lha-ei para a defender.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, conforme disse, considero legítima a preocupação subjacente ao projecto de lei do Partido Socialista relativamente a este problema; considero legítima a discussão política deste problema, se lugar houver para ele; considero legítima e necessária a averiguação dos problemas que, eventualmente, se verifiquem relativamente ao problema que subjaz, mas. em nosso entender, a sua formulação final não foi a mais adequada. O perigo que se corre, Sr. Deputado, é que, quando se tem razão no objectivo e se falha na forma, às vezes, põe-se em causa o próprio objectivo. É esse o principal problema que levantamos.
De facto, só com boa vontade, só pela responsabilidade e pela noção da gravidade do problema e da sua dimensão em termos nacionais - e penso que isto deve

Página 720

720 I SÉRIE - NÚMERO 25

calar junto dos outros grupos parlamentares, que, se calhar, perfilham da preocupação relativamente ao problema - é que entendemos que se deve aproveitar a oportunidade para, no curso da discussão deste projecto de lei, se ir ao encontro das reais necessidades. Esperamos, Srs. Deputados José Magalhães e Fernando Pereira Marques, que este diploma não vá ficar «sentado» numa cadeira da respectiva comissão até à consumação dos séculos, porque, então, aí teríamos de chegar à conclusão de que o seu objectivo não era o de, legitimamente, responder a um problema real mas, sim, o de travar uma batalha política,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente! Essa é que é a verdade!

O Orador: -... que é legítima, mas deveria ter sido travada de outra forma. O problema é apenas este.
Vamos, na comissão, debruçar-nos atentamente, como o País e a nossa sociedade exigem, sobre o problema da defesa dos arquivos do património histórico, documental e arquivístico da sociedade portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que estamos, como é óbvio, disponíveis para rever toda a legislação necessária, de modo a assegurar uma adequada protecção e salvaguarda dos arquivos nacionais, incluindo, como suspeitamos que é o caso, as penalizações aplicáveis às condutas que infringem o previsto e o que deveria estar previsto na lei.
Em segundo lugar, quero reafirmar que, do nosso ponto de vista, o conteúdo do projecto de lei que estamos a analisar é insusceptível de outra atitude da nossa parte que não seja o voto contra, pela simples razão de que entendemos que se trata de uma ordem ao Governo para agir por meios judiciais ou policiais relativamente a uma matéria concreta que, no nosso entender, não tem dignidade de projecto de lei, nem cabimento ao abrigo dessa figura.
Em terceiro lugar, porque estamos genuinamente preocupados com a eventualidade de terem ocorrido os factos que o Sr. Deputado José Magalhães e outros do Partido Socialista aqui têm trazido e manifestado em público relativamente à matéria que temos estado a discutir, gostaríamos de dizer que, a nosso ver, este problema tem uma resolução extremamente fácil e que, desde já, nos disponibilizamos para viabilizar um inquérito parlamentar - penso que o PSD também o fará, uma vez que nada tem a temer, pelo que seguramente também não se importará -, se o Grupo Parlamentar do Partido Socialista assim o entender, a esta matéria. A Assembleia da República, em sede de fiscalização do poder político, no cumprimento da lei em vigor, que serve exactamente para isto, independentemente de carecer de ser alterada, o que estamos a fazer em sede própria, proporá a abertura de um inquérito parlamentar, relativamente ao qual o PSD nada tem a temer, e decerto viabilizará, até porque estará interessado em demonstrar que o Sr. Deputado José Magalhães está a agitar fantasmas que não passam pela cabeça de ninguém, o Partido Socialista verá desta forma satisfeita a sua pretensão de poder provar que os factos ocorreram e nós ficaremos todos descansados,...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: -... porque, pela utilização desta figura, será possível chegar a uma conclusão sobre o que importa. E o que importa, neste caso, é dar a garantia ao País - e, em minha opinião, se a Assembleia da República o pudesse fazer, reforçaria o prestígio e a credibilidade da própria instituição - de que o anterior governo não levou para casa arquivos que deveria ter deixado ficar no sítio ou, a ter levado para casa, por que razão o fez.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra para intervenção, vamos entrar na fase das defesas da honra, que são quatro.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para defesa da honra sobre alegadas ofensas que terão sido cometidas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, posto perante uma iniciativa legislativa, o que V. Ex.ª fez não foi debater o mérito da iniciativa, a verdade ou a falsidade dos factos evocados, até porque eles estavam substanciados em documentos oficiais, mas, isso sim, exibir uma técnica de fazer política, que é perfeitamente odiosa e que qualifica quem a utiliza. Portanto, não responderei à parte em que V. Ex.ª se arvora numa espécie de Torquemada, com plenipotenciário para julgar o passado, o presente e o futuro de cada um. Sugiro que V. Ex.ª olhe à sua volta e ponha a mão no fundo da sua consciência, se a tem, ou na algibeira, como alternativa!... Quanto a esses factos, tudo é público, tudo é notório, tudo foi explicado e eu não respondo perante V. Ex.ª, nem a esta hora da tarde, nem a qualquer hora! V. Ex.ª não é juiz de nada! Tudo está explicado perante os cidadãos e estes julgam no quotidiano, e fizeram-no aquando das eleições: elegeram-me para este cargo e eu exerço-o. V. Ex.ª não me intimida minimamente, desse ponto de vista.
Mais: quanto às questões que invocou, o que acho típico é que nem uma palavra disse, exibindo uma dualidade chocante, em relação aos factos e ao seu significado ético.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para V. Ex.ª, ir o Dr. Cavaco Silva à TSF dizer que tem cartas, cartas de portugueses, que putativamente lhe terão pedido favores e que agora apoiam outro candidato, não o impressiona nada. Esses métodos, desde que sejam do seu grupo político, do seu partido, daqueles em que V. Ex.ª se reconhece, uma vez que é «cavacófilo» e gosta, tudo está bem. V. Ex.ª assina de cruz! Tudo o que é «cavacofilia», V. Ex.ª «come» e pede mais! Aquilo que outros, partilhando ideias diferentes, digam é forçosamente horrível! V. Ex.ª está disposto a aceitar tudo o que venha dos «cavacófilos», não aceita nada que venha de mim, que não sou «cavacófilo», porque, se fosse, beijava-me, abraçava-me, praticava actos com sinais exteriores de adoração!...

Risos do PS.

É assim na sua família! Não é em função de ideias, é em função de fidelidades: és cliente, és divino; não és cliente, destruo-te, ataco-te, enxovalho-te publicamente! A lama - sabe V. Ex.ª - não toca quem a ejecta, toca quem não a sabe assumir!...

Página 721

12 DE JANEIRO DE 1996 721

Culmino, Sr. Presidente, com uma outra observação. V. Ex.ª, Sr. Deputado Carlos Encarnação, é completamente insensível à questão da destruição de material informático, e revelou aqui aquilo que é uma estupenda aula de ignorância, o que explica por que é que V. Ex.ª, no Ministério da Administração Interna, foi inteiramente incapaz de usar a informática para coisas boas e foi inteiramente capaz de deixar usar a informática sabe-se lá para o que o SIS fazia nos tempos de V. Ex.ª!... Quem assim ignora tão barbaramente coisas elementares de informática é ou uma vitima de maus informáticos ou um comandante ignorante de más tropas! Foi isso que V. Ex.ª foi no passado! Paciência!... Porém, foi julgado e condenado em 1 de Outubro. V. Ex.ª podia ter humildemente aprendido, mas não só não aprendeu como se apresenta com a "cavacofilia" arrogante, que é preciso derrotar a 14 de Janeiro, e será derrotado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação. Lembro que ainda tem mais dois pedidos de defesa da honra...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O que eu não terei feito, Sr. Presidente?!

O Sr. Presidente: - Não sei se terá tempo para responder, mas, em todo o caso, a Mesa dar-lho-á.
Faça favor.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, vou responder de uma forma breve. Talvez o Sr. Deputado não possa responder tão brevemente como isso...
Sr. Deputado José Magalhães, em primeiro lugar, esta sua posição é curiosa, porque V. Ex.ª vê que toda a gente está contra o seu projecto de lei e diz que eu...

O Sr. José Magalhães (PS):- Vai ser aprovado!

O Orador: - ... estou contra ele por ser "cavacófilo".

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida!

O Orador: - As outras pessoas não!? Então, as críticas que o PCP ou o PP lhe fizeram em relação ao seu projecto de lei são irrelevantes!

O Sr. José Magalhães (PS): - São totalmente diferentes!

O Orador: - Se calhar, também são "cavacófilos"! Agora, V. Ex.ª é que é manifestamente "sampaiófilo". V. Ex.ª até usa emblema, eu nem isso trago, veja bem! V. Ex.ª vem para aqui, usa emblema, e diz assim: "E pá agora é que é atacar o homem! Agora é que é atacar o Professor Cavaco Silva. É esta a hora! Avante portugueses!" E agora, na última semana de campanha, no penúltimo dia da própria campanha, V. Ex.ª diz: "Vamos bater no Cavaco até doer!"

O Sr. José Magalhães (PS): - E dói!

O Orador:- E utiliza estes argumentos, que não são nada não são coisíssima nenhuma, não têm qualquer valor. V. Ex.ª inventa um problema, inventa a interpretação de documentos. Mais: diz coisas mais graves do que isto. V. Ex.ª diz: "Eu não me pronunciei sobre o mérito da iniciativa". O que é que eu fiz se não pronunciar-me sobre o demérito da iniciativa?! V. Ex.ª diz: "Mas o senhor não contestou, não falou nos documentos...". Eu contestei o conteúdo dos documentos, Sr. Deputado. Só se V. Ex.ª não ouviu.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não contestou. Disse "não"!

O Orador: - V. Ex.ª não respondeu, nem podia responder, àquilo que eu disse, porque eu disse a verdade e o que V. Ex.ª fez foi a efabulação acerca das coisas.
Em relação ao seu passado, ao seu futuro e ao seu presente, Sr. Deputado, eu sei que não sou o seu juiz, mas a única coisa que descrevi foram factos e comportamentos. Com certeza que não sou juiz, mas alguém há-de ser. O povo português, em geral, é juiz dos seus comportamentos...

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - ... e foi isso o que quis salientar, nada mais, Sr. Deputado! Eu não julgo V. Ex.ª, Deus me livre de o fazer! V. Ex.ª é um homem livre e, agora, um "sampaiófilo" de alma e coração! Não o foi no passado, mas agora é! De maneira que terá, certamente, da parte do povo português, toda a consideração e oportunidade de ser julgado competente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ainda bem que o diz!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, na sua intervenção, com essa voz profunda de soft killer, V. Ex.ª quis honrar-me com uma referência explícita, razão pela qual pedi a palavra.
Citou uma intervenção minha, com o que até devia, possivelmente, congratular-me, pois ainda não perdia pretensão de tornar-me num clássico mas, neste contexto, era dispensável. Em relação, inclusive, a qualquer insinuação que ela pudesse conter de anticomunismo, estou absolutamente à vontade. As minhas posições são firmes em relação ao Partido Comunista, tanto mais que estive preso com membros desse partido. A esse propósito, as coisas são muito claras e nítidas e não tenho qualquer problema nem complexo. Digo o que penso, assumo as minhas divergências em relação a eles, e vice-versa.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eles gostam!

O Orador: - A propósito do meu pedido de esclarecimentos ao Sr. Deputado Ruben de Carvalho, já referi o que penso sobre esta matéria, mas gostava de prestar-lhe alguns esclarecimentos.
Afirmou o Sr. Deputado Carlos Encarnação que o projecto de lei é uma confusão. Porém, confusão dramática, pelas suas incidências nacionais, é a legislação que, nesta matéria, os senhores nos legaram, pelas razões que há pouco aduzi. Confusão é o estado em que se encontram os arquivos nacionais em geral e os Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Confusão aconteceu com a extinção, absolutamente irracional, leviana, irresponsável e antinacional, do Instituto Português de Arquivos. Confusão existe, e com graves consequências, no que diz respeito à salvaguarda da nossa memória histórica, quando encaramos o estado dos arquivos públicos nacionais, de que é exemplo

Página 722

722 I SÉRIE - NÚMERO 25

o arquivo histórico do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, transferido para local provisório, o arquivo do Ministério do Trabalho, situado num barracão à beira-rio...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e, mesmo, a documentação do Governo Civil de Lisboa, dispersa algures pela cidade. O mesmo se diga quanto aos arquivos do SPN e do SNI que, entretanto, se amontoam num barracão em Queluz, aos arquivos do Ministério da Educação e outros extremamente importantes, fundamentais mesmo, para a salvaguarda da nossa memória histórica e do nosso passado.
Sobre isto, VV. Ex.ªs não se preocuparam quando foram governo e continuam a não se preocupar, fazendo, inclusive, deste nosso projecto de lei um mero pretexto de chicana política, o que até desprestigia o nosso trabalho, que devia ser sério e de aprofundamento das questões.
Mais do que exercer o direito regimental de defesa da consideração, era o que tinha para dizer-lhe.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Já percebi!

O Orador: - Ainda bem que não são totalmente opacos, apesar do seu cavaquismo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, de facto, fiquei confuso por não ter exercido o direito regimental de defesa da honra, mas, quanto mais não seja, defendeu a honra dos arquivos, no que o acompanho.
Sobre o que eu disse a seu respeito, penso não ser necessário recusar o que quer que seja. O Sr. Deputado fez uma excelentíssima intervenção sobre o Partido Comunista, como referi na altura e repeti agora. V. Ex.ª já é um clássico, pode estar descansado ou, se o não era, passará a sê-lo a partir de agora, depois de eu o ter citado.

Risos do PSD.

V. Ex.ª disse - e muito bem - do Partido Comunista coisas extraordinárias e eu não só as repeti como comentei que não diria melhor. Veja bem: V. Ex.ª, que tem tanta consideração e esteve preso com eles, apesar disso tudo, consegue dizer o que disse! O que não diria eu, que não estive preso com eles, nem tenho essas relações de solidariedade...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Dá-me uma autoridade moral que o senhor não tem!

O Orador: - Com certeza! Por isso mesmo é que o citei. Então, eu ia fazer uma afirmação quando V. Ex.ª se tinha expressado mais correctamente? Não valia a pena, Sr. Deputado!
Mas também referi na minha intervenção que tudo ia acabar em bem e que VV. Ex.ªs, no próximo domingo, andarão de braço dado.

O Sr. José Magalhães (PS): - De voto dado?!

O Orador: - Esteve preso na altura com eles e, agora, hão-de ir de braço dado para a uma! Não há qualquer problema, Sr. Deputado! As coisas esquecem!... Apesar de V. Ex.ª ter dito das forças que identificou com o Partido Comunista o que «Mafoma não disse do toucinho», o Partido Comunista vai votar no Dr. Jorge Sampaio. Esteja descansado, não há qualquer problema! Vai ver que até vão contentes, Sr. Deputado!...
Em relação a uma questão séria que colocou referente à legislação, afinal, esta não é tão má como isso, com mil diabos, porque os senhores, através do instituto da ratificação, sugeriram alterações, que acolhemos. Se calhar, o Sr. Deputado não teve imaginação suficiente para propor outras modificações, emendas ou inovações que, na altura, não lhe vieram à cabeça mas, agora, felizmente, tem-nas presentes! Também lhe digo que eu e a minha bancada estamos disponíveis para trabalhar e fazer uma lei como deve ser, porventura. Confesso que a lei de protecção dos arquivos tem variadíssimos buracos e soluções menos correctas, mas disponibilizamo-nos para, convosco, fazer uma lei melhor. Que mais quer o Sr. Deputado?!

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Registamos!

O Sr. Presidente: - Ao abrigo do direito regimental de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, retomo o que disse no pedido de esclarecimentos que lhe formulei. É que, quando se fazem acusações, como aquela que o Sr. Deputado Carlos Encarnação fez, e não se provam, a conclusão inteiramente legítima a retirar é a de que não correspondem à verdade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, não fiz qualquer acusação; limitei-me a lembrar-lhe um debate que tinha tido lugar nesta Câmara.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Limitou-se a citar um clássico!

O Orador: - Limitei-me a citar um clássico, justamente. E, afinal, um clássico que até é seu amigo do peito, como ele acabou de dizer. E, mesmo assim, disse, de si, aquilo que ouvimos! Imagine agora se tivesse sido eu a dizê-lo... É evidente que o senhor virar-se-ia contra mim com toda a virulência. Mas, em lugar de defender a sua consideração ou honra face às afirmações do Sr. Deputado do Partido Socialista, que disse o que repeti, V. Ex.ª vem tirar desforço daquilo que ele disse.
Como referi, ocorreu um debate - foi exactamente o que aconteceu de acordo com a comissão de inquérito constituída para o efeito sobre a transição dos ficheiros do PCP para o KGB e foi nesse contexto que o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques fez a afirmação que fez. Eu nem sequer estava presente na Câmara!

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Que afirmação é que fiz? Leia outra vez, faz favor!

Página 723

12 DE JANEIRO DE 1996 723

O Orador: - Eu leio, de novo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Apesar da hora, não estamos doidos!

O Orador: - O Sr. Presidente perdoar-me-á, mas estou desafiado a ler aquilo que o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques disse, o que rapidamente farei mal encontre essa passagem da minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Não há tempo específico para desafios, Sr. Deputado.

O Orador: - Pois não, Sr. Presidente, mas compreenderá que fique numa posição difícil, e V. Ex.ª será o primeiro a salvar-me dela, se eu não repetir o que disse o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.
Nessa altura, esse Sr. Deputado disse o seguinte, um primor de redacção: "forças houve que, reivindicando urna legitimidade que não possuíam, um sentido da História que não existe, uma representatividade que não tinha sido sancionada democraticamente, abusaram de posições adquiridas, praticaram excessos e tentaram lançar o País por caminhos que os portugueses recusaram".

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - E o que é que isso tem a ver com os arquivos?!

O Orador:- Ó Sr. Deputado, sobre os arquivos da PIDE e do KGB, apenas disse saber tudo o que se tinha passado, mas não lhe fiz qualquer acusação. Repito: disse saber o que se tinha passado em relação à actividade do PCP nos arquivos quando foi da extinção da PIDE e V. Ex.ª sabe perfeitamente que tenho conhecimento desses factos. Portanto, não estou a fazer acusação nenhuma, apenas estou a dar-lhe nota de que, na verdade, estive por dentro de um problema que o senhor conhece tão bem como eu.
Assim, a única coisa que referi, relativamente à qual o senhor poderia de facto ter-me acusado, inclusive de ter ofendido a vossa força política, foram as palavras do Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para uma nova defesa da honra, desta vez contra uma afirmação do Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Ruben de Carvalho, esta é uma defesa da honra de natureza bastante distinta e visa só repor dois aspectos em relação à questão, no fundo, do brio legislativo porque muitos de nós somos autores de leis, que têm o seu mérito ou demérito próprio mas estão redigidas de forma capaz.
Portanto, não gostaria de deixar passar sem reparo uma observação que foi feita pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho, quanto a mim, em claro excesso. "Frágil", "Frágil", "Frágil" - aliás, o Sr. Deputado assinalou-o, em parte, na sua intervenção - é a herança do PSD nesta matéria porque a lei dos arquivos foi redigida sem ter em conta novidades tecnológicas, como sublinhou, e, portanto. é uma má base. A lei não é omissa em relação a todas as soluções mas é altamente lacunosa.
Compreendo que o Sr. Deputado Calvão da Silva tivesse necessidade de se "lançar" ao nosso projecto de lei como "gato a bofe", vendo nele uma lei individual, vendo nele terríveis coisas...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E não só!

O Orador: - ... mas, se V. Ex.ª, que não é jurista mas sabe ler, analisar o articulado, verificará que, na verdade, este limita-se a fazer dois aditamentos à lei dos arquivos. Um aditamento diz esta coisa, que vou exprimir de forma simples e em linguagem não particularmente polida: quando houver um artigo extraviado, ele deve ser recuperado pelo Governo ou por quem de direito e a CADA deve ser chamada a destrinçar entre documentos particulares e não particulares. É uma solução razoável. Não é uma solução total, mas é uma solução razoável. Não conheço da parte de V. Ex.ª nenhuma melhor, nada melhor, mas estou "danado" de curiosidade. A partir de agora, terá em num "ouvidos de tísico" para tudo aquilo que disser de virtuoso nesta matéria.
Passemos à segunda questão.
V. Ex.ª- digo-o mais uma vez- não é jurista, mas está obrigado a algum rigor. Ora, a metáfora que aqui trouxe relativamente ao carro do Sr. Deputado Jorge Lacão é extremamente interessante porque é extremamente "irrigorosa". Se eu Fizesse um projecto de leia dizer "se foi roubado o carro do Deputado Lacão, deve o Governo tomar as providências adequadas para o reintegrar na sua propriedade usurpada e, assim, restabelecer a ordem jurídica", este seria um verdadeiro produto asinino legislativo. Mas não é assim que está redigido este projecto de lei. É que, nesta matéria, Sr. Deputado, ao contrário do que lhe disseram, o artigo 259.º do Código Penal não estabelece aquilo que V. Ex.ª está convencido que estabelece. Não há uma cominação de pena rigorosa e de tipo criminal, como V. Ex.ª julga, no que diz respeito ao extravio e à destruição de arquivos electrónicos e este é um problema sério, infelizmente para todos nós.
Portanto, Sr. Deputado, primeiro, não trate a bancada como se ela ignorasse o alfabeto legislativo, pois não é assim. Em segundo lugar, modéstia devemos ter todos. Em terceiro lugar, há que ter abertura para o encontrar de soluções numa matéria extremamente complexa, em que a zona de fronteira é extremamente difícil de estabelecer, em que o apagamento ilegítimo e o apagamento de rotina, como convenceram o Deputado Encarnação, que foi praticado no caso concreto, é extremamente difícil de determinar nalguns casos, em que h5 tratados e tratados, legislação e legislação, em vários congressos de outros países. para estabelecer a destrinça. Não se [rale esta matéria como se fosse unta questão de "ovo é, galinha o põe" pois não é assim. Sr. Deputado.
Estamos abertos a considerar as vossas propostas e as de todos e este projecto de lei tem viabilidade à partida porque só tem os votos contra do PSD ....

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente!

O Orador: - ... como pai de um aborto que foi a prática destruição de arquivos. Isso nós percebemos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ruben de Carvalho, tem a palavra para dar explicações.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, como a sua intervenção teve, acima de tudo, um perfil de autocrítica, considero-me escusado de responder.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrado o debate.

Página 724

724 I SÉRIE - NÚMERO 25

A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, a partir das 10 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: apreciação dos Decretos-Leis n.ºs 215/95, de 22 de Agosto, que altera o Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro (Estabelece o novo regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para a Administração Pública) [ratificação n.º 9/VII (PS)] e 317/95, de 28 de Novembro, que altera o Código de Processo Penal [ratificação n.º 11/VII (CDS-PP)].

Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Henrique José de Sousa Neto.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.

Partido Social Democrata (PSD):

António Jorge de Figueiredo Lopes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Cláudio Ramos Monteiro.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
Joaquim Fernando Nogueira.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Vasco Pulido Valente.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Octávio Augusto Teixeira.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

DIÁRIO da Assembleia da República

Deposito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA, E. P.

1 - Preço de página para venda avulso, 9$00 (IVA incluído).

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 378$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Páginas Relacionadas
Página 0708:
708 I SÉRIE -NÚMERO 25 tão «E quem é o meu próximo?». E é, por isso mesmo, um herói de cons
Página 0709:
12 DE JANEIRO DE 1996 709 O Orador: - ... e temos, backups, cópias de segurança, que podem
Página 0710:
710 I SÉRIE - NÚMERO 25 campanha política eleitoral, contra cidadãos em relação aos quais s
Página 0711:
12 DE JANEIRO DE 1996 711 O St. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Página 0712:
712 I SÉRIE - NÚMERO 25 O Orador: - Faça favor. O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Se o

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×