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Sábado, 20 de Janeiro de 1996 I Série - Número 29

DIÁRIO da Assembleia da Republica

VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1096)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE JANEIRO DE 1996

Presidente: Ex.mo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 70 a 75/VII.
Em sessão de perguntas ao Governo, a Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira) respondeu à pergunta formulada pelo Sr. Deputado Nelson Baltazar (PS). sobre pagamento de indemnização aos hemofílicos, e ainda aos Srs. Deputados Jorge Roque Cunha (PSD), João Rui de Almeida (PS), Filomena Bordalo e Bernardino Vasconcelos (PSD) e Joel Hasse Ferreira (PS), que também respondeu a um protesto do Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD).
À pergunta sobre quais os critérios a estabelecer para compensar os prejuízos de pessoas e bens provocados pelo mau tempo e pelas inundações os montantes estimados a pagar e qual o prazo e forma previsíveis de atribuição das compensações materiais, feita pelo Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD), com pedidos de esclarecimento adicionais dos Srs. Deputados Maria da Luz Rosinha (PS), José Calçada (PCP), Helena Roseta Nelson Baltazar e José Niza (PS), respondeu o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Armando Vara).
O Sr Secretário de Estado dos Assamos Fiscais (António Carlos dos Santos) respondeu à pergunta formulada Pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS-PP), relativa à opinião do Governo sobre a opção de Portugal pela abdicação do período transitório do IVA, no que diz respeito à sujeição a taxa reduzida das operaçõe3 realizadas pelo sector da hotelaria, restauração e similares, e aos pedidos de esclarecimento adicionais dos Srs. Deputadas Octávio Teixeira (PCP), Joel Hasse Ferreira (PS), Rui Rio e Mendes Bota (PSD) e Jorge Ferreiro (CDS-PP).
Finalmente, à pergunta sobre a situação dos matadouros e da Rede Nacional de Abate, formulada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) e aos pedidos de esclarecimento adicionais dos Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Roleira Marinho (PSD), António Martinho (PS), Soares Gomes, José Costa Leite e António Germano Sá e Abreu (PSD), José Saraiva (PS) e Mendes Bota (PSD), respondeu o Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas (Gomes da Silva).
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão eram 12 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amado Sequeira.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.

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Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva. Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Darão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
José Maria Lopes Silvano.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Sousa Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Xavier.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Rui Manuel Pereira Marques.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os projectos de lei n.os 70/VII - Cheque de ensino (CDS-PP), 71/VII - Criação da freguesia de Mira Sul no concelho de Mira (PS), que baixa à 4.ª Comissão; 72/VII - Elevação da povoação da Lageosa do Dão, concelho de Tondela, à categoria de vila (PSD), que baixa à 4.ª Comissão; 73/VII - Elevação da povoação de Canas de Santa Maria à categoria de vila (PSD); 74/VII - Elevação da povoação de São João do Monte à categoria de vila (PSD), que baixa à 4.ª Comissão; e 75/VII - Alteração à Lei n.º 71/93, de 1 de Março (Estatuto dos Deputados) (CDS-PP), que baixa à 1.ª Comissão, tendo sido admitidos os cinco últimos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje é preenchida com sessão de perguntas ao Governo. Foram formuladas quatro: a primeira, pelo Sr. Deputado Nelson Baltazar, do Partido Socialista; a segunda, pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata; a terceira, pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier, do Grupo Parlamentar do CDS-PP; e a quarta, pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Para formular a primeira pergunta, sobre pagamento de indemnização aos hemofílicos, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar, dispondo para o efeito de três minutos.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde: Seja-me lícito fazer uma nota introdutória às perguntas que pretendo colocar.

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Em 1986, a Associação Portuguesa dos Hemofílicos alertou as entidades competentes de que alguns derivados de sangue importados poderiam estar contaminados com o vírus da SIDA, manifestando a sua preocupação com o facto de estes derivados poderem estar ou vir a ser utilizados em Portugal.
Em Dezembro desse ano, a mesma Associação determinou, por análises que mandou fazer, a existência de uma situação de facto: a administração de sangue contaminado em transfusões sanguíneas.
Em Fevereiro de 1987, o Ministério da Saúde mandou retirar os lotes contaminados das unidades de saúde, assumindo a dúvida sobre a sua integridade.
Em Janeiro de 1992, a Associação Portuguesa dos Hemofílicos apresentou à Procuradoria-Geral da República uma denúncia sobre a existência de hemofílicos contaminados com VIH, resultado de transfusões de sangue efectuadas em unidades de saúde do Estado.
Durante estes seis anos, estabelecera-se um monólogo da Associação Portuguesa de Hemofílicos para os responsáveis do Ministério da Saúde, bem patente nas intervenções feitas nesta Câmara pelo Deputado João Rui de Almeida, que recebeu como resposta do governo do PSD o não reconhecimento das responsabilidades do Governo sobre o assunto.
Estamos em 1992 e o Partido Socialista propõe um projecto de lei que visava conceder o direito à indemnização às vítimas do contágio pelo VIH. Pela voz do Deputado Correia de Campos afirmou-se a necessidade de o Estado se assumir, de uma vez por todas, como uma pessoa de bem. O projecto de lei foi rejeitado.
O governo do PSD manteve-se surdo à voz dos cidadãos, das instituições e mesmo às interpelações efectuadas pelo Provedor de Justiça. Contudo, a persistência da Associação Portuguesa dos Hemofílicos, suportada pelos poderes democráticos, levou à constituição, em 1993, de um tribunal arbitral para julgar os 126 casos de hemofílicos infectados.
Entretanto, as decisões do tribunal arbitral arrastavam-se no tempo. O Partido Socialista, em Fevereiro de 1995, apresentou um projecto de lei com o intuito de retirar as limitações inaceitáveis à experiência arbitral em curso, partindo do princípio de que há responsabilidades do Estado nestes casos.
Neste projecto de lei, o então Deputado Alberto Costa defendeu ser imprescindível fixar uma indemnização provisória, por conta da indemnização a fixar posteriormente, considerando ainda ser inadmissível assumir restrições deste tipo ao longo de tanto tempo.
Ainda em Fevereiro e, depois, em Agosto, o Governo do PSD assumiu, por livre e espontânea vontade, o pagamento extrajudicial de uma indemnização a 47 dos hemofílicos contaminados. Estavam, no entanto, por contemplar 73 casos. Pela primeira vez, é assumida a responsabilidade do Estado, e, mesmo assim, só para alguns dos casos.
Em Novembro do ano transacto, passados que foram sete anos de saga e luta pela justiça, já na vigência do Governo do Engenheiro António Guterres, o tribunal arbitral decide indemnizar os restantes 73 hemofílicos contaminados, repondo, neste caso, o conceito de pessoa de bem para o Estado português.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de formular a pergunta, pois terminou o tempo de que dispõe.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Sr.ª Ministra da Saúde, vieram a público algumas notícias de intenção de este Governo vir a pagar, a breve trecho, as indemnizações em falta.
Pergunto: quantos casos vão, efectivamente, ser resolvidos e quando? Ficarão ainda por resolver alguns dos casos apresentados pela Associação? O que é que, no entender de V. Ex.ª, estava a dificultar o juízo do tribunal arbitral e do governo anterior, que tanto tempo levaram a tomar decisões?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde, dispondo para o efeito de três minutos.
A Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira): Sr. Presidente, Sr. Deputado Nelson Baltazar, em relação ao pagamento das indemnizações aos hemofílicos e aos casos que estavam em sede de tribunal arbitral, devo dizer-lhe que o processo está completo.
Neste momento, já foram pagas todas as indemnizações relativas aos casos que estavam em apreciação, faltando ainda, e de acordo com a sua pergunta, resolver a situação dos quatro casos apresentados pela Associação Portuguesa dos Hemofílicos, que estão em estudo, no sentido de avaliar a forma mais correcta de proceder a esses pagamentos. Obviamente, esse estudo será feito, na medida em que se considerará a situação social gravíssima causada a estes doentes. Penso que as questões mais delicadas nesta matéria têm a ver com a infecção em cadeia, que não estava prevista em sede de intervenção do tribunal arbitral, o que, em meu entender, merecerá uma cuidadosa ponderação, pois parece que, do ponto de vista humano, seria justo atribuir indemnizações a esses casos ainda pendentes, tanto mais que são casos sociais gravíssimos, de acordo com os estudos levados a cabo.
Portanto, há abertura do Ministério no sentido de apreciar estas questões sem perdermos a objectividade, que é, penso, a maneira também adequada de analisar todos estes casos e outros semelhantes que possam vir a ocorrer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, dispondo de um minuto.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, em minha opinião, um instituto público como o Instituto Português de Sangue deve, naturalmente, continuar a merecer toda a credibilidade para tentar, no futuro e com as novas tecnologias, evitar que situações semelhantes ocorram.
Sabemos bem que a nomeação de gestores foi uma das principais armas de combate político do Partido Socialista e verificámos que em três ou quatro hospitais isso já aconteceu. A pergunta concreta que lhe faço é a de saber se o próximo director do Instituto Português de Sangue e de alguns hospitais já há ser nomeado através do instituto de concurso público.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde, dispondo para o efeito de dois minutos.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, não sei se entendi bem a sua

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pergunta, uma vez que referiu a questão do cuidado que é necessário ter quanto à intervenção do Instituto Português de Sangue e também se os directores dos hospitais seriam ou não nomeados precedendo concurso público.

Vozes do PS: - O Sr. Deputado está muito confuso!

A Oradora: - Não percebi bem a pergunta, porque me pareceu que se misturam duas coisas diferentes. O Instituto Português de Sangue é um organismo central, cuja actividade tem sido desenvolvida no sentido...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Ministra?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, a Sr.ª Ministra permitiu-me que a interrompesse.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr.ª Ministra, se me permite a interrupção, a minha pergunta de há pouco visava saber se o próximo director do Instituto Português de Sangue irá ser nomeado tendo em conta a nova proposta, que provavelmente na altura já estará aprovada, de a ocupação desse tipo de lugares ser feita precedendo concurso público, como o Partido Socialista prometeu na sua campanha eleitoral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - O Sr. Deputado fala-me no próximo director do Instituto Português de Sangue. Não tenho um próximo director do Instituto Português de Sangue mas, sim, o actual;...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - ... que não está em causa, pois é uma pessoa que, em meu entender, tem exercido as suas funções o mais cuidadosa e criteriosamente possível. É só o que tenho para lhe responder.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra da Saúde, informo-a de que terá dez minutos para responder a todas as perguntas que lhe forem formuladas. Neste caso, tratou-se apenas de uma precisão, razão por que dei a palavra quer ao Sr. Deputado quer à Sr.ª Ministra.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida, para pedir esclarecimentos adicionais, dispondo para o efeito de um minuto.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, antes de dar início ao meu pedido de esclarecimento, gostaria de interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Então, com certeza.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, a questão colocada pelo Sr. Deputado Paulo Roque Cunha não tinha rigorosamente nada a ver com a pergunta que estava a ser feita.
A interpelação à Mesa tem o sentido de, de ora avante ou quando o Sr. Presidente assim o entender, quando as perguntas são colocadas, haver um esclarecimento de que serão apenas sobre aquele assunto, porque qualquer pergunta pode abranger um conjunto vastíssimo de áreas e, então, ninguém se entenderá.

O Sr. Presidente: - A Mesa pressupõe que os Srs. Deputados conhecem o Regimento. De qualquer modo, parece que esse esclarecimento competirá talvez à Sr.ª Ministra, uma vez que ela é que está dentro da matéria e é especialista sobre ela. Mas fica registado.
Faça favor de formular o seu pedido de esclarecimento, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, o assunto que hoje é abordado através de uma pergunta ao Governo, infelizmente, prolongou-se durante muitos anos no Parlamento, e fora dele. O governo e o PSD/PPD deixaram prolongar demasiado esta questão de uma forma que raiou mesmo a insensibilidade, quando ela tem muito a ver com a humanidade e o humanismo.
Queria, por isso - até porque fui um interveniente a respeito desta matéria, várias vezes neste Parlamento, e fui o primeiro a regozijar-me pela atitude e decisão que o Governo tomou -, perguntar quais foram os critérios de atribuição dos montantes das indemnizações às famílias, porque entretanto alguns destes doentes faleceram, como é que foi feito e qual o montante atribuído.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo, dispondo de um minuto.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, estamos a falar de pessoas numa situação vulnerável, difícil, de pessoas que, muitas vezes, não têm o reconhecimento e apoio da sociedade, de pessoas rejeitadas e cujas famílias, muitas vezes, não têm condições para lhes prestar o apoio necessário.
A pergunta que faço é a seguinte: à semelhança do que acontece com os doentes portadores de paramiloidose, qual a política prevista pelo Governo para o apoio contratual às organizações não governamentais, no que diz respeito à construção de residências e ao apoio para a sua manutenção e também para o estabelecimento de redes de apoio ao domicílio?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, antes de mais, quero desejar-lhe o maior sucesso no desempenho das suas funções..
Como há pouco não entendi bem a resposta à pergunta formulada pelo Sr. Deputado Nelson Baltazar, porque, de facto, não se ouvia bem nas últimas bancadas, pergunto a V. Ex.ª se já está estabelecido o universo dos beneficiários das indemnizações e se um milhão de contos disponibilizado em 1995 foi ou não suficiente para pagar essas mesmas indemnizações, ou se prevê contemplar no próximo orçamento, num orçamento que, segundo o Sindicato Independente dos Médicos, será de cerca de 800 milhões de contos, mais alguma verba para satisfazer as indemnizações.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

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O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, vou ser muito breve, pois está a ficar claro pelas perguntas feitas por alguns Deputados da antiga maioria que até têm vergonha da posição que o anterior governo tomou nesta questão dos hemofílicos.

Protestos do PSD.

Queremos saudar as orientações que têm sido expressas pela Sr.ª Ministra, assim como o clima de perturbação que começa a existir nesta área.
Sr.ª Ministra, quero perguntar-lhe se pode concretizar mais alguma coisa quanto ao apoio aos hemofílicos, no sentido que lhe foi perguntado, e volto a saudar a posição que tem vindo a ser expressa por este Governo, contrariamente às posições completamente erradas e incorrectas que o anterior governo tomou neste domínio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr. Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, gostaria de referir, em primeiro lugar, que o montante atribuído em sede de tribunal arbitral foi de 12 000 contos a cada um dos hemofílicos ou suas famílias, no caso de estes já terem desaparecido.
Apesar de a pergunta da Sr.ª Deputada Filomena Bordalo não ter sido especificamente em relação a esta questão, gostava de dizer que é evidente que defendo um apoio global integrado a este tipo de situações sociais. Sabe, porventura melhor do que eu, que, normalmente, estes casos se verificam em famílias bastante débeis, do ponto de vista económico, com uma série de insuficiências extremamente graves e, em muitos casos, chocantes. Portanto, penso que uma política de apoio social integrada adequadamente com a saúde é fundamental para dar algum alívio à situação de sofrimento enorme que estas famílias vivem, ao fim e ao cabo, com mortes, a prazo, anunciadas. Nada nos desculpará por não fazermos aquilo que efectivamente esteja ao nosso alcance para minorar a terrível situação em que se encontram.
Dirigindo-me agora ao Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, que perguntou qual o montante gasto em termos de indemnizações, dir-lhe-ei que estava previsto no Orçamento do Estado para 1995 um montante de um milhão de contos, que foi insuficiente. Por forma a suprir a sua insuficiência - porque, no total, foi cerca de 1,45 milhões de contos -, houve um reforço, através do Ministério das Finanças, precisamente para cobrir esse diferencial. Este ano, não está nada previsto especificamente, até porque, como lhe disse, as situações que restam - os quatro casos apresentados pela Associação Portuguesa dos Hemofílicos que estão em apreciação porque não se enquadram dentro destes critérios que presidiram à constituição do tribunal arbitral e à sua competência de julgamento - serão objecto de apreciação e, caso seja resolvido atribuir indemnização a essas situações, elas sairão, em princípio, da rubrica «Subsídios» do Ministério da Saúde.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Guilherme Silva pediu há pouco a palavra para defesa da honra da sua bancada. O Regimento diz que tal terá lugar no fim do debate, mas, neste caso, interpreto esta regra como sendo no fim de cada pergunta, porque, embora não seja o caso, pode ocorrer que o ofensor seja o próprio Ministro e temos de o libertar para as suas funções governativas no fim da sua última intervenção.
Assim sendo, dou a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, na sua intervenção, referiu que a minha bancada tinha vergonha das posições do anterior governo, designadamente sobre esta questão. Quero dizer-lhe que o governo que cessou funções em Outubro último era tão legítimo quanto o governo que, neste momento, está mandatado pelos portugueses para governar Portugal. A minha bancada, que foi sustentáculo desse governo enquanto maioria parlamentar, não tem de se envergonhar, nem se envergonha, das posições que o governo tomou na defesa dos interesses do País, designadamente nesta questão. Podemos discordar politicamente, aqui ou ali, deste ou daquele critério, desta ou daquela medida, mas não temos, em relação a nenhum acto do governo, razões para nos envergonharmos.
Sr. Deputada, não sei se V.Ex.ª, ao acusar o PSD dessa situação, não estará, eventualmente, a preparar autojustificações que venha a ter que tomar relativamente ao seu governo!?

O Sr. Presidente: - Para dar explicações querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, saúdo a primeira parte do que disse, de forma elegante, o Sr. Deputado Guilherme Silva. Porém, o problema não é a declaração de intenções no sentido de dizerem que não têm vergonha; o problema é que só faltou falarem aqui da extracção da cortiça!... Falaram das coisas mais variadas e não falaram da questão concreta. E a questão concreta tem a ver com uma alteração de orientação por parte do actual Governo face ao anterior, alteração essa que está de acordo com o conjunto de posições aqui defendidas por Deputados do PS na legislatura anterior. Agora, os Deputados do PSD que intervieram sobre este assunto, porque tem consciência dos problemas, olharam para o lado e assobiaram! O Sr. Deputado Guilherme Silva, e bem, veio aqui fazer uma justificação que acabou com alguma graça. Sei, que suportaram o governo anterior, aliás, todos nós tivemos de o aturar, mas VV. Ex.as, desta vez, estão a demarcar-se - e essa demarcação não é de hoje. Estive, em representação da anterior Comissão Parlamentar de Saúde...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isto não tem nada a ver com o governo anterior! isso já passou!

O Orador: - Eu sei que não tem nada a ver com o governo anterior, que já passou, nem com o Primeiro-Ministro anterior, que se reformou, e não sei mais com que é que o Sr. Deputado Silva Marques já não tem a ver!... O que eu queria dizer é que estamos perante um bom sinal: nesta área da saúde, já não aparece ninguém a defender o governo anterior. Mas isto foi um prenúncio...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, já nem me recordo de qual foi o governo anterior!

O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, se quiser interromper-me, peça! Essas técnicas não resultam comigo, nem quando apoiava o governo, nem agora na oposição!

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Risos do PS.

Se o Sr. Deputado Silva Marques não se recorda de qual foi o governo anterior, faz muito bem - os portugueses, se calhar, também vão sepultar no esquecimento muitas das acções do governo anterior! Mas os erros que persistirem vão sendo alterados pelo actual Governo porque, se por acaso não o fossem, o que não acreditamos, cá estaríamos, para ajudar o Governo a corrigir isso, coisa que o PSD não fez durante a legislatura anterior!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas como ia dizendo, durante a legislatura anterior, fui, em representação da Comissão Parlamentar de Saúde, às comemorações do Dia Mundial do Hemofílico e confrontei-me com a dificuldade de estar a representar a Assembleia e ter uma posição e a maioria outra. Isso ficou bem claro! Mas, ao fim da tarde, qual não foi o meu espanto quando, vindo de Estrasburgo, de Bruxelas ou da Bielorrússia, «aterrou» o Sr. Eurodeputado Carlos Pimenta a defender, no Dia Mundial do Hemofílico, para todas as televisões, posições completamente opostas às dos governantes do PSD! Já estava aí a estratégia de
serem ao mesmo tempo governo e oposição! Queremos que, neste momento, fiquem o maior tempo que for necessário e possível na oposição!...
Para concluir, Sr. Deputado Guilherme Silva, uma explicação final: V. Ex.ª faça os processos de intenções que quiser no fim! Foi habilidosa a maneira como rematou a sua defesa, que não era uma defesa mas, sim, um ataque, dentro do salutar princípio que acha que a melhor defesa é o ataque. Sr. Deputado, cá estaremos, se formos vivos e tivermos saúde, para vermos o que se passará quanto a isso! E mais não digo, neste momento.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O que é preciso é ter saúde!

O Orador: - Exactamente. Muito obrigado, Sr. Deputado Carlos Encarnação, e igualmente para si, que bem precisa dela e de esclarecimento para tomar uma decisão quanto à grave questão que se avizinha para o seu partido!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos a agradável companhia de 60 alunos da Escola Secundária Sebastião da Gama, de Setúbal, e de nove alunos da Escola Secundária Sebastião da Gama, de Lisboa.
Saudêmo-los.

Aplausos gerais, de pé.

Para formular a segunda pergunta, sobre quais os critérios a estabelecer para compensar os prejuízos de pessoas e bens provocados pelo mau tempo e pelas inundações, quais os montantes estimados a pagar e qual o prazo e forma previsíveis de atribuição das compensações materiais, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Todos acompanhámos, com preocupação e apreensão, as cheias que assolaram o País há semanas atrás e as cenas chocantes que tivemos de ver pela televisão e as dificuldades que muitas das nossas populações sentiram nessa ocasião.

Foram extensos os prejuízos pessoais e materiais que, em vários pontos do País, as populações suportaram, mais acentuadas numas zonas do que noutras. O Sr. Ministro da Administração Interna veio à Assembleia da República dar uma informação sobre o evoluir da situação decorrente dessa calamidade, mas deixou-nos preocupados, por quanto, na sua intervenção, não adiantou, nada acerca dos critérios que o Governo iria seguir e adoptar relativamente à reparação e às indemnizações pelos prejuízos que essas populações sofreram, designadamente nas suas actividades comerciais, agrícolas, em máquinas agrícolas, gado, pessoas, etc. Nada foi adiantado relativamente aos critérios a adoptar pelo Governo nessa matéria.
Por outro lado, o Sr. Ministro adiantou aqui o reforço de uma verba para esse efeito, que nos pareceu - penso que a toda a Câmara - excessivamente modesta. Falou em um milhão de contos e, desde logo, alguns Deputados aqui intervieram, designadamente o Sr. Deputado Paulo Portas, para referir que só no distrito de Aveiro os prejuízos já estimados orçariam pelos 700 000 contos. Na sequência disso, vi uma intervenção pública do Sr. Governador Civil de Aveiro referindo que esses prejuízos andariam por cerca de um milhão de contos e vi também a réplica do Sr. Secretário de Estado, dizendo que não concordava, que, em sua opinião, estavam a ser empolados esses prejuízos - desde logo, desautorizando o Sr. Governador Civil de Aveiro na sua estimativa -, utilizando mesmo a expressão de que esses prejuízos deveriam ter sido calculados a «olhómetro», naturalmente entendendo que o «olhómetro» de Aveiro tem um sentido ampliativo! Por sua vez, o Sr. Governador Civil de Lisboa veio falar em três milhões de contos na área da sua jurisdição, numa entrevista que deu a um semanário.
Portanto, assistimos a uma diversidade de opiniões relativamente à extensão dos prejuízos e nada temos de concreto relativamente aos critérios que o Governo vai utilizar para evitar estas soluções, no dizer do Sr. Secretário de Estado, do «olhómetro».
Sr. Secretário de Estado, esta é uma matéria extremamente sensível, em que é necessária uma atitude clara de solidariedade, mas é também necessário que aqueles que, infelizmente, foram vítimas dessa situação não sejam vítimas de uma outra, que é a de critérios de desigualdade, de discriminação que, em nenhuma circunstância, são admissíveis, mas muito menos em matéria de solidariedade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Armando Vara): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Como é do conhecimento do Sr. Deputado Guilherme Silva, o Governo decidiu criar uma comissão interministerial, a que deu o prazo de 15 dias para apresentar um relatório com o levantamento da situação e com propostas a apresentar ao Conselho de Ministros que tivessem em conta aquilo que é passível de ser apoiado e aquilo que não é. Essa comissão já reuniu - isto apenas para começar por dar resposta à expressão de V. Ex.ª que diz que, até este momento, não há nada de concreto - e apresentará o relatório ao Conselho de Ministros da próxima semana. Posso adiantar-lhe que, da elencagem dos prejuízos que foi feita até este momento, a soma já ronda os cerca de 15 milhões de contos e não está ainda completa porque há alguns distritos bastante afectados, como, por exemplo, Santarém, onde não foi possível até este momento, por-

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que o próprio leito do rio não estabilizou ainda, ter um apanhado da situação.
Contudo, uma coisa é o levantamento de eventuais prejuízos e outra coisa são os critérios e mesmo a quantidade de dinheiro, se me permite a expressão, que o Estado dispõe para fazer face a este tipo de prejuízos. Aqui, conviria distinguir duas situações: uma primeira, que tem a ver com tudo aquilo em que foi necessário intervir de imediato, porque houve pessoas, famílias que ficaram desalojadas, que ficaram sem as suas casas, em situações difíceis; e uma segunda, que tem a ver com os danos ou prejuízos em bens, em empresas, em alfaias, em infra-estruturas públicas. Em relação à primeira questão, o Estado agiu de imediato, foi solidário. Estavam em causa pessoas e agimos. Foi nesse sentido que o Sr. Ministro anunciou aqui que tinha sido reforçada a Conta Especial de Emergência em um milhão de contos para fazer face a esse tipo de situações. Aí não houve dúvidas! Agora, em relação ao segundo aspecto, temos de ter sempre presente que cada vez que o Governo dispõe de um escudo para apoiar quem quer que seja esse escudo é proveniente dos impostos que as pessoas pagam e que cada vez que o Estado está a ser solidário com alguém há alguém que paga essa solidariedade.
Assim, a questão é essencialmente a de saber, por um lado, até que ponto podemos ir no conjunto de ajudas e, por outro, qual a rapidez com que é possível resolver este tipo de situações, na medida em que podemos fechar os olhos às que prefiguram claramente abusos e tendências para haver algum oportunismo. São, portanto, estas duas ideias que estão a enformar toda a actividade do Governo nesta matéria.
Gostaria ainda de referir ao Sr. Deputado que fizemos uma pesquisa sobre soluções de resposta a situações semelhantes no passado e concluímos que, para além do apoio pontual a famílias em dificuldade, tudo o que teve a ver com apoios à actividade produtiva, à agricultura, à indústria, ao comércio, se resumiu, quase sempre, a linhas de crédito com juros bonificados. Na próxima semana, a Comissão entregará o relatório ao Governo e espero que, ainda durante essa semana, este possa anunciar quais as linhas que vai criar ou quais as orientações que vai seguir para fazer face a prejuízos nessa área, nomeadamente os relacionados com a actividade produtiva.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos adicionais, os Srs. Deputados Guilherme Silva, Maria da Luz Rosinha, José Calçada, Helena Roseta e Nelson Baltazar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ouvi atentamente as suas explicações, mas confesso que fiquei ainda com algumas dúvidas e preocupações. Todos sabemos que há situações mais gritantes e mais delicadas decorrentes destas calamidades, designadamente muitas famílias sem casa e muitas outras abrigadas em casas de vizinhos e amigos, quer em Lisboa quer noutras vilas do País, e, por conseguinte, atendendo ao carácter delicado e social desta matéria da habitação, gostaria de saber se o Governo dará ou não alguma prioridade a esta questão e se vai adoptar um critério uniforme para os diferentes concelhos do País.
Quanto à referência que V. Ex.ª fez aos critérios utilizados no passado, adiantando que, de um modo geral, segundo terá concluído, ter-se-ia optado pela solução de assegurar linhas de crédito bonificadas, lembro-lhe que, designadamente em matéria de incêndios, o governo anterior fixou indemnizações efectivas - creio que algumas delas executadas agora, de harmonia com programação deixada já pelo actual Governo - a famílias e pessoas vítimas dos incêndios, fora daquele quadro que V. Ex.ª referiu das linhas de crédito bonificadas. Ora, tanto quanto sei, elevadas quantias, muitos milhões de contos, foram atribuídos com base neste critério e, portanto, espero que o Governo tenha presente não só as soluções a que o Sr. Secretário de Estado se referiu mas também as indemnizações a fundo perdido feitas no domínio dos incêndios e outras calamidades.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha.

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, para além das questões aqui referidas dos prejuízos sofridos pelos cidadãos e pelas empresas, há que considerar também os grandes prejuízos sofridos pelos diversos municípios do nosso país, de norte a sul, pois, neste momento, há orçamentos que não comportam a resposta para os mesmos e grande parte destes municípios não têm condições para apresentar orçamentos suplementares que possam dar solução a esses problemas.
Já que se trata de questões relacionadas com o bem estar das populações, como é o caso da reparação de vias de acesso, muros, taludes, colectores e tantos outros, pergunto ao Governo se, por acaso, está a considerar a possibilidade de transferência de alguma verba extraordinária para esses municípios, como é o caso de Vila Franca de Xira, Loures, Santarém, Porto e Lisboa, entre tantos outros, com a qual estes possam vir a fazer face aos problemas extraordinários que agora surgiram.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, sem pretender fazer uma leitura retroactiva das coisas, diria que é hoje ponto assente que, em grande medida, a derrota do anterior governo nas duas últimas eleições se deveu à visão tecnocrática que este tinha das coisas, isto é, olhar fundamentalmente para os números e pouco para o sofrimento das pessoas e suas reais necessidades.
A questão que coloco ao Sr. Secretário de Estado é a seguinte: avançar para a ajuda aos problemas concretos das populações, na sequência dos últimos temporais que assolaram o País, através de uma perspectiva de juros bonificados e coisas desse tipo, provavelmente, vai colocar fora do âmbito do auxílio aqueles que mais dele necessitam e acabará por dar boa consciência ao Governo, se disso tiver apenas uma visão estritamente economicista. Ora, parece-me que, além dessa visão economicista e tecnocrática, é fundamental uma visão política e solidária e, nesse contexto, pergunto-me e pergunto ao Sr. Secretário de Estado não só o que é que o Governo está a pensar fazer, para além dessa visão redutora, no sentido de uma ajuda efectiva àqueles que, provavelmente mais dela necessitam e não estão sequer em condições de acesso à situação dos juros bonificados como também o que é que está a pensar fazer em relação às autarquias, sendo certo que, como sabe, estas não possuem verbas específicas para situações desta natureza.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, informo a Câmara que o grupo de trabalho encarregado de analisar os problemas causados pelas cheias, constituído no âmbito da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, já solicitou uma reunião ao Sr. Secretário de Estado Armando Vara, que terá lugar na próxima terça-feira. Quero ainda sublinhar que esta reunião terá lugar antes da apresentação do relatório que o Sr. Secretário de Estado está a organizar para o Conselho de Ministros, sendo, portanto, julgo, uma prova de atenção para com a Assembleia sermos ouvidos e podermos ter oportunidade de tomar posição e dar opinião antes de o trabalho ser entregue ao Conselho de Ministros.
Um outro assunto que gostaria de vos colocar é este, e devo dizer que já falei sobre ele com os outros partidos e com o Sr. Secretário de Estado: creio que actualmente não está prevista na contabilidade autárquica a existência de uma rubrica relacionada com situações deste género - não estão previstos nem fundos de emergência, nem verbas de solidariedade, nem nada de parecido com isso - e penso que seria ocasião de criarmos esse dispositivo, que possibilitaria acudir muito rapidamente em situações de emergência, cheias, incêndios ou outras desgraças, pois permitiria às autarquias mobilizarem rapidamente as verbas. A experiência de casos anteriores diz-nos que as transferências financeiras são complicadas e que, não estando prevista a rubrica, as autarquias se vêem muito manietadas nas suas possibilidade de intervenção.
Muito mais haveria a dizer, mas penso que o grupo de trabalho o fará posteriormente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, já tive oportunidade, nesta Câmara, de me congratular pela presença permanente de membros do Governo em zonas de cheias, pois, como Deputado do Ribatejo, tenho podido acompanhar estes dias tão dramáticos para algumas famílias. O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, acompanhado pelo Sr. Governador Civil e por alguns Srs. Deputados do distrito, viveu em Santarém, no Ribatejo, umas das noites difíceis para aquelas gentes. A cidade de Santarém teve até ontem, durante quatro dias, unicamente, uma das suas quatro entradas funcionais. É evidente que situações graves deverão estar a acontecer a nível de todo o País, mas em Santarém verificaram-se com mais acuidade. Trata-se de uma questão que tem a ver fundamentalmente com os deslizamentos que estão a acontecer, não com origem nas cheias mas claramente com origem na quantidade de água que caiu nos terrenos e nas dificuldades adicionais que estão a ser criadas à questão das cheias.
Assim, pergunto: relativamente aos apoios a dar, nestes casos, às estradas municipais, concretamente à Junta Autónoma das Estradas, será possível ultrapassar estas questões através da proposta feita nesta sede pela Sr.ª Deputada Helena Roseta?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, de certa forma, o meu colega e camarada Nelson Baltazar antecipou-se, mas gostaria de aprofundar um pouco mais a questão por ele colocada.
Acabei de falar há poucos minutos com o Sr. Presidente da Câmara de Santarém e, neste momento, exclusivamente em relação ao concelho de Santarém, está já feito um apuramento dos prejuízos quantificado em 410 000 contos, sem contar com as importantes verbas que terão de ser gastas para reparar as barreiras das Portas do Sol, que aluíram, o que levou ao desalojamento de 30 pessoas que, neste momento, ainda não regressaram às suas casas, nem se prevê quando o vão fazer.
Aproveito para agradecer directamente ao Governo e indirectamente ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil a prontidão e eficácia com que acorreram ao pedido que fizemos. Neste momento, estão previstas sondagens de terrenos na área da cidade, para podermos ter uma noção concreta do que poderá acontecer àquelas casas. Eu próprio estou emocionalmente envolvido no problema, porque a minha mãe foi também evacuada desses edifícios, encontrando-se neste momento em minha casa a aguardar uma solução para o problema, mas essa é uma questão pessoal.
Sem «puxar a brasa à minha sardinha», o importante é que Santarém foi mais afectada do que outras zonas do País, não só pelas cheias, que, poderemos dizer, é uma questão menor a que já estamos habituados, mas, sobretudo, pela questão da estabilidade e da consolidação dos próprios terrenos da cidade e respectivos acessos. Prevê-se, por exemplo, o corte de uma estrada fundamental, que faz a ligação entre o Sul e o Norte, através do Tejo, que não vai estar concertada - trata-se de uma previsão da Junta Autónoma das Estradas - senão em finais de Março.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que abrevie, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Devo dizer que, como Presidente da Assembleia Municipal de Santarém, convoquei uma reunião de urgência para hoje à noite, em que vai ser requerido ao Governo o estado de calamidade. Logicamente, não me quero antecipar a qualquer decisão, mas esta é uma informação que, neste momento, posso prestar à Câmara e ao Sr. Secretário de Estado.
De qualquer forma, vamos, seguramente, continuar o diálogo através de pedidos de audiência para resolver os problemas que acabei de focar, que, evidentemente, não são todos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, que dispõe de 10 minutos.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, provavelmente não fui suficientemente claro na minha primeira intervenção, embora pensasse ter deixado explicado que a todas aquelas situações que prefiguravam casos de desalojados e de pessoas a carecer de apoio imediato, resultantes da situação de emergência que se viveu, o Governo acorreu e apoiou e não deixará de criar condições para que possa ser dado algum apoio suplementar a essas pessoas, para o que foi reforçada a Conta Especial de Emergência, de forma a fazer face, de imediato, a essas necessidades. Queria ainda acrescentar que, em relação a esse tipo de matérias, não há qualquer problema e, caso seja necessário algum tipo de apoio adicional, este poderá ser dado de

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imediato, ou seja, num período de oito a quinze dias. Não há, portanto, qualquer tipo de problema em relação a isso.
Agora, a questão dos apoios à actividade produtiva, ao comércio, às autarquias, a departamentos da administração local ou central, tem de ser vista de outra maneira. Há pouco referi que demos uma vista de olhos sobre o que aconteceu no passado relativamente a matérias destas e que verificámos que sempre se recorreu a apoios através de linhas de crédito com juros bonificados. Foi sempre esta a solução encontrada, com excepções pontuais, que tinham a ver com algumas áreas da agricultura e com questões relacionadas com os incêndios florestais, mas foi tida em conta, no que diz respeito a apoios directos do Estado, a questão da situação social das famílias e não das empresas ou das diversas actividades. Portanto, a lógica tem de ser essa.
Estamos a estudar o que se fez e a tentar encontrar soluções para resolver este problema, porque, por exemplo, ao nível municipal - e penso que responderei a todos as Sr.as e Srs. Deputados que me colocaram esta questão -, o levantamento que já temos dos prejuízos resultantes das cheias ronda os 6 milhões de contos, mas também ao nível dos vários departamentos da administração central ronda outros 6 milhões de contos, a grande maioria relacionada com estradas, que ficaram em difícil situação. Talvez fosse altura para questionar a forma como muitas obras são feitas, que com qualquer chuva ficam logo estragadas e exigem reparação, como, aliás, algumas pessoas já referiram.
Em primeiro lugar, quanto à situação de famílias desalojadas, o Estado não regateará apoios, estando já a dá-los.
Em segundo lugar, quanto a apoios à actividade produtiva, vamos ver como irão ser dados, mas só depois de termos um levantamento rigoroso é que podemos avançar. Gostava também de deixar claro que qualquer tipo de apoio directo» só será dado após um levantamento rigoroso, uma fiscalização rigorosa de todas as situações que nos apareceram. Digo isto porque temos situações de casas comerciais que por terem estado fechadas dois dias entenderam por bem apresentar um pedido de 20 000 contos, de pessoas que entendem por bem pedir ao Estado o pagamento de um prejuízo num relógio de parede de sua casa e mesmo de pessoas que entendem por bem que o Estado lhes financie 100 contos de prejuízo num BMW. Portanto, há que ser rigoroso, criterioso, porque tem de se ter sempre presente que cada vez que o Estado ajuda, como eu já disse, o dinheiro sai dos bolsos dos contribuintes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais pedidos de esclarecimento, dou por terminada esta pergunta e passamos à seguinte, que será formulada pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier, dirigida ao Ministério das Finanças, relativa à opinião do Governo sobre a opção de Portugal pela abdicação do período transitório do IVA, no que diz respeito à sujeição a taxa reduzida das operações realizadas pelo sector da hotelaria, restauração e similares.
Tem a palavra, Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em 1992, o então Ministro das Finanças Braga de Macedo apresentou ao Parlamento uma proposta de orçamento, que ele designava por orçamento da convergência, recheada de medidas fiscais inseridas num capítulo também designado, com grande pompa, por harmonização fiscal comunitária, onde incluía uma série de medidas que, segundo a sua opinião, eram impostas pelas directivas que realizam a harmonização fiscal comunitária. E foi nessa altura que o então Ministro das Finanças e a maioria que o apoiava decidiram eliminar a taxa 0% do imposto sobre o valor acrescentado e deslocar para a taxa nominal uma série de prestações de serviço e de bens que até aí ou figuravam na lista respeitante à taxa 0% ou estavam ligados à aplicação de uma taxa reduzida.
Na altura disse aqui no Parlamento e em muitos sectores da vida económica portuguesa que essas medidas não eram necessárias, estavam longe de ser impostas e eram profundamente desadequadas às necessidades dos sectores abrangidos, e, curiosamente, aquilo que a chamada directiva de harmonização de taxas impunha mesmo, sem margem para tergiversações, era a eliminação da taxa agravada de 30%, que se manteve ainda em Portugal por cerca de um ano.
O alcance social destas opções, tomadas nessa altura, era inimaginável e os partidos da oposição bateram-se aqui para que essas alterações não fossem por diante, e ao longo do discurso político até ao fim da última legislatura frequentemente repetiram pelo País promessas de que a situação seria colocada no seu devido lugar. Digo que o alcance social é inimaginável porque - e o Partido Popular formulou esta pergunta ao Governo a propósito do IVA aplicado ao sector da restauração e similares mas também ao dos refrigerantes - a nossa preocupação não em então, nem é hoje, somente com os chamados problemas do cross-border shopping mas, sim, com a importância social que os restaurantes e similares têm na vida dos portugueses, sobretudo nos meios urbanos, até mesmo na dos de menor recursos, os chamados trabalhadores por conta de outrem, especialmente nas grandes cidades.
Ora, numa conversa com as associações do sector, eu próprio tive oportunidade de sugerir que perguntassem e pedissem uma opinião por escrito aos partidos sobre o que fariam nessa matéria, se, porventura, ganhassem as eleições. E assim fizeram. E os partidos, especialmente os da oposição, responderam por escrito que, se fossem Governo, voltaríamos à situação anterior e que, nomeadamente nesta matéria, a taxa reduzida seria retomada. Isso está no Programa de Governo do Partido Socialista. E supúnhamos nós que o Partido Socialista queria, efectivamente, cumprir essa medida por não estar de acordo com a decisão precipitada e de consequências inimagináveis tomada em 1992. Partilha ainda o Governo desta opinião? Está de facto interessado em modificar esta questão? Ou abandonou-a definitivamente para outras circunstâncias, outras alturas e, porventura, outros governos?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, dispondo para o efeito de três minutos.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos): - Sr. Presidente, Sr. Deputados, sendo esta a primeira vez que me dirijo a esta Câmara devo dizer que é com muita honra e não sem alguma emoção que o faço porque estou perante os legítimos representantes do povo português, perante a Assembleia da República, que é o garante do princípio da separação de poderes, a sede do poder democrático e é, em particular, a sede do poder de tributar.
O Sr. Deputado António Lobo Xavier, ilustre perito em Direito Fiscal, coloca uma questão a meu ver pertinente, mas a forma como o fez neste momento não é exactamente a que utilizou por escrito. Recordo a formulação escrita:

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«qual a opinião do Governo sobre a opção de Portugal pela abdicação do período transitório do IVA, no que diz respeito à sujeição a taxa reduzida das operações realizadas pelo sector da hotelaria (...)» - o que, em grande parte, não está em causa - «(...) restauração e similares».
A resposta implica a análise de dois pontos: primeiro, como e quando nasceu o problema - parcialmente já o focou, mas vou dar algumas explicações adicionais a esse respeito - e, segundo, como e quando pode ser resolvido, questão esta que deixarei para mais tarde porque em três minutos não tenho tempo para explicar tudo.
Como foi dito, a opção de Portugal foi feita em 1992 e não agora. Em Março de 1992 em ministro o Professor Braga de Macedo, discutia-se pela primeira vez na Comunidade Europeia a directiva sobre a aproximação das taxas, que em um primeiro passo no sentido da harmonização. Esta aproximação era exigida pela construção do mercado interno, porque acabavam em 1993 os controles aduaneiros nas fronteiras, no caso entre Portugal e Espanha. Portugal já tinha assegurado durante o período da negociação, deve dizer-se, a manutenção da taxa 0% para a maioria dos produtos alimentares e agrícolas, como mantinha intacta, face às propostas então presentes na mesa, e que vieram a ser aprovadas, a possibilidade de manter transitoriamente a taxa reduzida do IVA nos serviços dos restaurantes. No entanto, não foi assim que as coisas se passaram.
A Lei n.º 2/92, de 2 de Março, sem que a isso nada obrigasse, acabou com a taxa 0% - a Grã-Bretanha e a Irlanda mantiveram-na - e obrigou a que os serviços de restauração fossem tributados à taxa normal, passando, portanto, da taxa reduzida para a taxa normal.
Em 19 de Outubro de 1992 foi publicada a Directiva n.º 92/77/CEE, de aproximação das taxas, que altera a 6.ª Directiva do IVA e estabelece que «a partir de 1 de Janeiro de 1993, todos os países passarão a ter como regime/regra uma estrutura de duas taxas: uma taxa normal não inferior a 15% e uma ou duas taxas reduzidas, a menor das quais não pode ser inferior a 5%».
A taxa reduzida, segundo a directiva, pode ser aplicada apenas a uma lista de produtos - a do Anexo H da 6.º Directiva - e é uma opção dos governos fazê-lo ou não. Nessa lista consta o alojamento em hotéis e estabelecimentos do mesmo tipo, mas não os serviços da restauração. Significa isto que, em regime definitivo, apenas o alojamento hoteleiro pode ser tributado à taxa reduzida. E a restauração, como é? - perguntar-se-á. Não têm os espanhóis uma taxa de 7% nestes serviços? É verdade. A directiva permite-o transitoriamente, ao dar a possibilidade aos Estados-membros, que em 1 de Janeiro aplicavam uma taxa reduzida a esses serviços de poderem continuar a aplicá-la em 1 de Janeiro de 1993, até à data da construção do regime definitivo. Foi o que fez o governo espanhol, a meu ver avisadamente.
Os Estados-membros que, entretanto, à data da entrada em vigor da directiva tinham optado pela abdicação da taxa reduzida deixaram, segundo a posição das instâncias comunitárias, de poder aplicá-la. Deixaram, portanto, de poder regressar, segundo a Comunidade, pelas instâncias comunitárias consultadas por várias vezes, ao regime anterior. Foi o que fez o então governo português no uso de uma legítima, embora discutível e, quanto a nós, pouco sensata, opção política.
Neste caso, portanto, uma boa parte da pergunta do Sr. Deputado António Lobo Xavier deveria ser dirigida ao governo anterior e às forças políticas que o apoiavam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento adicional, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por uma falta de cortesia, não o cumprimentei especialmente pela sua intervenção nesta Câmara e também pelo muito apreço que tenho por sermos, na vida civil, oficiais do mesmo oficio.
A sua resposta - desculpe que lhe diga - é que não tem nada a ver com o problema colocado, porque tudo aquilo que o Sr. Secretário de Estado disse, porventura de uma forma mais brilhante, sistematizada e escrita, inclusivamente, já tinha sido dito. O Sr. Secretário de Estado nada acrescentou de fundamental àquilo que eu aqui disse, porque este não é um problema técnico de conhecimento dos percursos, das etapas de harmonização e de intervenção sobre as taxas que aconteceram nos últimos três anos. O problema não é esse, isso todos nós conhecemos, mas, sim, um problema político fundamental. É que o Partido Socialista, que não é suspeito de ser aventureiro e de ter conhecimento desses dados técnicos, dessa explanação, dessa longa história que agora conhecemos melhor, comprometeu-se, no seu Programa de Governo, a modificar o statu quo, e, portanto, é essa a questão política que é preciso resolver.
Já vimos que o Sr. Secretário de Estado não concorda com as opções feitas pelo anterior governo, mas o que é preciso saber agora é como se explica que, não concordando, não toma as medidas necessárias para resolver esse problema. Pareceu-me que o Sr. Secretário de Estado estava a dizer que era por razões técnicas. Por acaso, devo dizer-lhe, tenho dúvidas que a interpretação tenha de ser rigorosamente essa, porque o que era autorizado aos Estados era manterem as taxas reduzidas ou as taxas 0%, se as aplicavam em Janeiro de 1991, e, de facto, Portugal aplicava taxas reduzidas e taxa 0% nessa data.
Em segundo lugar, em matéria de cumprimento da referida directiva, sabemos por experiência própria haver, da parte da Comissão, uma grande tolerância porque Portugal viveu durante ano e meio, segundo creio, com uma taxa agravada, ofendendo directamente a directiva sobre harmonização de taxas.
Por outro lado, gostava de saber se o Sr. Secretário de Estado tentou ou sugeriu que fosse feita qualquer diligência ou negociação no sentido de o Partido Socialista cumprir o seu Programa de Governo pois era mais este aspecto político que gostava de ver esclarecido.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, verifico que acabou de fazer a interpretação mais negativa da directiva comunitária para o nosso país. De facto, essa interpretação não é pacífica mas, estranhamente, o Governo fez a que menos nos interessa. Este é o primeiro aspecto. que julgo - convém realçar porque, independentemente da vontade política que o Governo possa ter sobre a aplicação ou não da taxa reduzida à restauração, deveria preocupar-se em interpretar as directivas, quando são passíveis - de interpretação, da forma mais favorável ao País, pelo me-

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nos da que lhe permita maior margem de manobra. Contudo, o Sr. Secretário de Estado fez o inverso.
Há também um segundo aspecto que convém realçar. Em Agosto ou Setembro do ano passado, o Partido Socialista fez uma interpretação diversa, que, do nosso ponto de vista, está correcta, dando a entender ser possível emendar os erros cometidos pelo PSD. Por conseguinte, gostava de saber por que é que agora o Governo há-de fazer uma interpretação que contraria a do Partido Socialista.
É nesta medida que, julgo, o Governo deve alterar a sua posição. Mais, mesmo depois de ter feito esta interpretação, não esqueçamos que sempre nos foi dito pelos defensores de Maastricht que a União Europeia é uma negociação permanente e, neste caso, há fortes razões que a justificam, pois os nossos vizinhos espanhóis usufruem do handicap que a Portugal foi criado pelo PSD.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, também somos de opinião que este sector, tal como foi referido pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier, é importante, e a análise que dele fazemos é na perspectiva integrada dos sectores alimentares e do turismo. Portanto, entendemos haver a necessidade de compatibilizar a perspectiva fiscal, a de competitividade empresarial interna e externa e a de defesa do consumidor.
Mas como considera V. Ex.ª dever conjugar-se esta taxa do IVA, nos mesmos termos em que foi questionada pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier, com a situação a montante na indústria alimentar, o que também constitui uma das preocupações desse sector? Como enquadra este problema na perspectiva de um orçamento do Estado que se pretende equilibrado por quem é responsável? Como relaciona, por outro lado, este assunto com a reforma fiscal em curso e, nomeadamente, com os trabalhos da comissão dela encarregue? Finalmente, gostava de saber se, neste momento, pode adiantar-nos algo sobre se este tipo de questões deve ser tratado de forma autónoma no orçamento do Estado, se no contexto de uma reforma mais global, ou fazendo a sua diferenciação; mantendo alguns destes aspectos no orçamento do Estado e outros no quadro da reestruturação mais global do sistema fiscal. Eram estas as perguntas que queria colocar-lhe neste momento.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Queremos saber se cumprem o que prometeram. Sim ou não?

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, tenho na minha mão uma proposta de alteração apresentada na discussão do Orçamento do Estado para 1995, a qual sustenta a passagem do IVA da restauração para a lista I.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - De quem era a proposta? Do PCP!

O Orador: - A votação dessa proposta contou com os votos favoráveis do Partido Socialista e, em Agosto, VV. Ex.as mantiveram o mesmo princípio, introduzindo-o no vosso Programa.

Sr. Secretário de Estado, todas as razões que V. Ex.ª aqui aduziu eram válidas há um ano bem como em Agosto passado. Por isso, para não cumprir a referida promessa, tem de apresentar um novo argumento. Se não for esse o caso, o Partido Socialista está a fugir a mais uma promessa eleitoral para além de ser irresponsável porquanto na discussão do Orçamento do Estado para 1995 votou favoravelmente aquela que, na altura, foi uma proposta apresentada pelo Partido Comunista Português...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O seu a seu dono!

O Orador: - ... e que não foi aprovada apenas porque o PSD, que detinha na altura a maioria parlamentar, votou contra.
V. Ex.ª diz que a culpa é do anterior governo mas, sendo assim, está errado e, então, deve alterar-se. Se não se altera o que quer que seja é porque se está de acordo.
Como tem de haver uma coerência naquilo que dizem, faço a seguinte pergunta ao Governo: vai ou não cumprir aquilo que prometeu e que, pelos vistos, incoerentemente, votou aqui há um ano atrás?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, compreendo a sua incomodidade e a da bancada do Partido Socialista porque é doloroso chegar a esta Assembleia sem nada de substantivo para responder à pergunta que muito oportunamente foi feita pela bancada do Partido Popular.
Está em causa confrontar o Governo actual não apenas com aquilo que está escrito no seu Programa, que foi aprovado nesta Assembleia, mas também com a sua recusa ou impossibilidade de cumprir a promessa feita.
O que gostava de saber é se o Governo, neste momento, já teve tempo para fazer aquilo que não fez na altura em que, de uma maneira fácil, prometeu aos portugueses acabar com a taxa do IVA a 17% na restauração e qual a implicação dessa medida nas receitas do Estado, ou seja, que quantia deixará de receber em consequência da aplicação de uma taxa reduzida do IVA nesse sector. Era a resposta a essas questões que pretendia obter do Sr. Secretário de Estado, que, pelo contrário, fez um historial sobre de quem é a culpa no passado, quais as etapas e os responsáveis... Se está errado o que foi feito no passado, deve mudar-se. Os senhores, agora, é que são os responsáveis governamentais e têm de responder pelo que prometeram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Finalmente, para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, gostava de saudá-lo na sua primeira vinda ao Parlamento mas pedi a palavra porque queremos, de uma forma muito clara, saber se o Governo vai ou não cumprir o que prometeu. Na pág. 2 do Programa de Governo consta a intenção de reduzir a taxa do IVA aplicável ao sector da restauração e turismo aos padrões médios dos nossos principais concorrentes europeus, como é o caso da Espanha. Ora, está em causa

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saber se o Governo vai ou não cumprir aquilo que, segundo as associações do sector, lhes foi dito pelo então líder do Partido Socialista e hoje Primeiro-Ministro, Engenheiro António Guterres, que, se fosse Governo, baixaria a taxa do IVA aplicável nesse sector.
Portanto, independentemente das interpretações mais favoráveis ou prejudiciais das directivas comunitárias relativamente ao nosso país, está em causa saber se os senhores vão cumprir uma promessa política que fizeram ao País e a um sector muito prejudicado por uma medida errada do PSD, que, obviamente, hoje não tem qualquer moralidade para falar sobre esta matéria. Sendo isto que está em causa, basta, Sr. Secretário de Estado, um sim ou um não, para ficarmos a saber se o Governo vai cumprir ou faltar a esta promessa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, não é muito complicado responder a este conjunto de questões, ao contrário do que, provavelmente, alguns Deputados pensam, e fá-lo-ei com muito gosto.
Começo por dizer que no Programa de Governo existe um capitulo chamado Política Orçamental e Fiscal, no qual não consta qualquer referência - o que faço notar - à taxa do IVA aplicável à restauração.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Está aqui no Programa de Governo! Em para os votos...

O Orador: - Nesse capítulo, Sr. Deputado, e não nos outros.
Quero com isto dizer que, do ponto de vista do Ministério das Finanças e do Governo, há prioridades, aliás, como em tudo, pois governar é estabelecer prioridades em função dos interesses e valores em conflito e dos recursos existentes, o que, para mim, é claro. Ora bem, primeira prioridade: cumprir o que consta do Programa em matéria de política orçamental e fiscal; segunda prioridade: cumprir o que consta do Programa em relação ao resto. Mas leiam bem esta última parte, porque não é feita apenas referência à taxa do IVA na restauração, começando por falar-se em revisão da fiscalidade no sector. E porquê? Por uma razão simples: reparem no IRS apurado em 1994 de acordo com a classificação das actividades económicas (CAE 630, 631 e 632) e verificarão que, em média, foi pago de imposto pelos sectores da restauração 16 643$ por agregado familiar para o CAE 630, 12 119$ para o CAE 631, 32 495$ para o CAE, 632, muito menos do que qualquer salário mínimo nacional.
Perguntarão: o que foi pago em sede de IRC em 1994? Os contribuintes apenas entregaram 17 836 declarações das quais uma parte substancial apresentava prejuízos, pelo que o total da receita em IRC provinda do sector foi de 2 milhões de contos, ou seja, menos de 1 % do total nacional. Tal significa que o problema da restauração no IVA tem de ser equacionado, em primeiro lugar, em sede de revisão fiscal do sector.
Existe sem dúvida um compromisso do Governo em não aumentar os impostos em 1996 mas não existe qualquer compromisso no sentido de diminuí-los, pelo menos em 1996. O Programa é para ser cumprido durante a legislatura e, como o problema se arrasta há quatro anos, parece-me pouco sério dizer que deve cumprir-se em dois meses o que, em quatro anos, em 48 meses, não foi resolvido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A questão é prometer e não fazer!

O Orador: - Não estou a prometer e a não fazer! Comecei por dar conta das medidas que nestes dois meses e daqui para a frente foram e serão tomadas quanto a estas matérias.
O IVA no turismo não é apenas relativo à restauração mas, em primeiro lugar, às prestações de serviços hoteleiros, em que a questão se põe da seguinte forma: até agora, tem havido uma interpretação, de natureza administrativa, no sentido de restringir apenas à hotelaria a aplicação da taxa reduzida. Eis um domínio em que penso que, pela simples via interpretativa, é possível uma interpretação diferente, o que permitirá alargar o campo da taxa reduzida ao IVA nos alojamentos, nomeadamente, por exemplo, nos aldeamentos turísticos.
Outro problema que interessa no plano turístico diz respeito ao problema das agências de viagem. Na proposta de lei do orçamento o Governo resolverá as exigências do sector relativamente à transposição da directiva relativa às agências de viagens pondo em conformidade o direito português com essa directiva.
Nem eu nem o Governo dissemos estar de acordo com a interpretação feita pela Comissão. Declarei que essa interpretação existe e é pouco responsável da minha parte não a ter em conta. Essa é a questão. Nunca disse - podem confirmar no Diário, e talvez tenha sido por essa razão que a primeira parte da minha resposta estava escrita - estar de acordo com essa interpretação. Juridicamente, trata-se da interpretação subscrita pelas instituições comunitárias, nomeadamente pela Comissão. Ora bem, vamos tentar negociá-lo com a Comissão, o que não foi feito, mas porque há várias questões pendentes no IVA, algumas delas muito graves, existe o risco de esta negociação ter resultados negativos e de, mais cedo ou mais tarde, ser proferida mais uma decisão do Tribunal de Justiça que venha obrigar-nos a repor a situação anterior. Trata-se de um risco jurídico com implicações políticas, razão pela qual afirmei que o problema não é apenas do Governo mas também da Assembleia da República, que tem o poder de tributar e, em segundo lugar, do partido e do governo que lhe deu origem. Quem lhe deu origem, deve ajudar e responsabilizar-se pela sua resolução, o que para mim é claro.
Para além disso, o Governo, tal como tem acontecido até agora, está disponível para, em sede parlamentar e em sede de concertação social, debater esta questão. Mas há um outro risco que se corre que é o risco financeiro. Na verdade, se os serviços de restauração passarem a ser sujeitos a uma taxa reduzida de IVA os cálculos já efectuados mostram-nos que, se nos basearmos nas contas nacionais, a despesa fiscal rondará 78 milhões de contos, se tomarmos em consideração as declarações dos contribuintes, então, essa despesa cifrar-se-á em 62 ou 63 milhões de contos.
Claro que podem existir outras soluções. Por exemplo, pode encarar-se a solução de taxas intermédias de IVA, o que a directiva comunitária permite, mas, mesmo assim, existirá certamente o problema orçamental. Ora, penso que esta questão não diz respeito apenas ao Governo mas também ao País no seu conjunto.
Passo à terceira questão, ainda relativa à intervenção do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, na qual se trata de saber como articular isto com o problema do IVA sobre os

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produtos alimentares. Respondo-lhe que, em minha opinião, o problema do IVA nos produtos alimentares é provavelmente ainda mais grave do que o do IVA na restauração. E aqui os constrangimentos não são meramente financeiros: depende do número de produtos que sejam tomados em consideração, depende do facto de uma taxa passar de 17% para 5% ou de outra qualquer solução que se encontre, porque não há uma única solução para um problema.
Aliás, neste último domínio, os problemas são ainda mais graves pela simples razão de que eu próprio terei muitas dificuldades em explicar aos consumidores portugueses por que razão vai baixar o IVA sobre a restauração enquanto o mesmo não acontecerá em relação aos produtos que estão na base da feitura da restauração. Ou seja, porque baixa o IVA que incide sobre o serviço e não o que incide na matéria-prima que está na base desse mesmo serviço? Esta é uma questão política essencial, tanto mais que tenho muitas dúvidas de que a baixa do IVA para a restauração signifique a resolução automática do problema da crise no sector, pois embora possa constituir um contributo positivo nesse sentido não o resolve automaticamente. Além disso, tenho muitas dúvidas de que essa medida se traduza num benefício automático para os consumidores.
Portanto, sem prejuízo das responsabilidades que o Governo tem nesta matéria - e não se escuda atrás delas -, devo dizer que temos um programa de legislatura, que nem tudo se resolve no Orçamento, que ainda dispomos do prazo de um ano, para além de que precisamos do apoio decisivo naquilo em que a Assembleia da República puder decidir e contribuir para ajudar-nos na resolução deste problema. Penso que esta é uma questão central.
Por último, há o problema das baixas sucessivas das taxas sem uma clara definição de prioridades - e isso traduzir-se-ia certamente num «efeito de dominó». Considero isto um problema porque corremos o risco de, amanhã, virem perguntar-nos: por que não regressar à taxa de 0% em relação a todos os produtos?
Ora, a verdade é que há compromissos assumidos ainda antes de Maastricht, os quais terão de ser satisfeitos. Portanto, é na estreita margem de manobra que existe entre constrangimentos jurídicos e constrangimentos financeiros que, ao longo de um programa de legislatura, e particularmente neste ou no próximo ano, que poderemos começar a dar um contributo para a resolução deste problema. Simplesmente, nesta altura, esse contributo implica uma despesa da ordem que já referi, o que significa que para encontrarmos uma solução para o problema teremos de encontrar novas propostas de receitas que não impliquem aumentos de taxas nem de impostos. Posso dizer-vos desde já que tenho algumas propostas e poderemos vir a discuti-las em sede do Orçamento do Estado, caso estejam interessados na resolução do problema, como penso que estão, sugerir ao Governo que enviasse à Assembleia da República os elementos relativos a 1994, na medida em que se já existem, então, já deveriam ter-nos sido enviados.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado creio que ouviu a solicitação, pelo que agradeço que a tome em conta.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Para uma interpelação A Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, unia vez que não foi dada resposta satisfatória a uma das perguntas que fiz ao Sr. Secretário de Estado, requeiro a V.Ex.ª a obtenção da informação sobre se já está ou não feito algum estudo sobre o impacto e a quantificação da quebra de receitas orçamentais advenientes da diminuição do IVA, de taxa normal para a taxa reduzida, no que toca ao sector da restauração.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado pediu a palavra suponho que igualmente para uma interpelação à Mesa, pelo que poderá tomar em conta as duas questões que, entretanto, foram formuladas.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, apenas quero dizer que existe já há algum tempo o estudo que o Sr. Deputado referiu e que não tenho qualquer problema em fornecê-lo, antes pelo contrário.
Além disso, tal como dissemos na nossa proposta de concertação social, repito que o Governo compromete-se a ter uma atitude muito mais transparente em matéria de estatísticas fiscais do que aquela que tem vindo a existir até agora.
Por outro lado, quanto à solicitação do Sr. Deputado Octávio Teixeira, posso dizer-lhe que começam a estar disponíveis algumas contas relativas ao IRS e ao IRC de 1994, embora não todas, e os cálculos que citei foram efectuados expressamente com vista à preparação da minha intervenção. No entanto, há outros cálculos que já estão feitos e o que eu citei já estava feito e apenas foi desenvolvido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira para defesa da consideração da sua bancada.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo;...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que identifique o ofensor porque a Mesa não tem clara consciência disso.

Risos do CDS-PP.

O Orador. - Mas eu vou ajudar a Mesa! Aliás, Sr. Presidente, estou sempre disponível para ajudar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Esse é um auxílio precioso.

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Faça favor de continuar.

O Orador: - O Sr. Deputado Rui Rio que, na feliz terminologia de uma camarada minha, abriu um buraco e, agora, não sabe bem o que há-de fazer-lhe portou-se como uma «virgem púdica», uma «vestal». Já se esqueceu das posições que tomou em orçamentos anteriores, já se esqueceu da forma como reagiu a uma proposta apresentada pelo PCP em legislatura anterior...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Porque o PS votou a favor!

O Orador: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, quer interromper-me? Se o Sr. Presidente permitir, eu concedo-lhe a interrupção...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não. É só para recordar que o PS votou a favor!

O Orador: - O Sr. Deputado sabe que eu tenho boa memória, quase tão boa como a sua!
Como dizia, nós ainda podemos admitir que, se os métodos forem compatíveis com o sistema constitucional e com as leis em vigor, o PP e o PCP nos recordem um conjunto de promessas. Mas quanto a recordações vindas daqueles que, no anterior governo, fizeram tudo ao contrário, dos que, enquanto Deputados, avalizaram os actos mais inacreditáveis do governo anterior, ouvimo-las, achamos-lhes graça mas nem sei se vale a pena dizer muito mais sobre isso.
Srs. Deputados Rui Rio e Jorge Ferreira, o Grupo Parlamentar do PS estará atento e vigilante ao compromisso expresso num programa eleitoral para quatro anos, para uma legislatura. Ao contrário de outros, nós procuramos cumprir os nossos compromissos, nós não somos «empregados» de um qualquer governo, nem deste nem de outro, somos os eleitos do povo português, tomamos as nossas posições de acordo com a nossa própria consciência, de acordo com os compromissos eleitorais, em diálogo com todos os Deputados e com o Governo.
Quanto à solicitação do Sr. Secretário de Estado, estamos disponíveis para discutir as questões do realinhamento fiscal do IVA nos sectores do turismo e da alimentação. Compreendemos os problemas criados pela evasão fiscal e pelo tremendo laxismo fiscal que existiu nalgumas áreas durante o período do cavaquismo declinante. Portanto, estamos disponíveis para isso, agradecemos as respostas que nos foram dadas e rejeitamos qualquer acusação apressada, ainda por cima vinda de quem tem menos autoridade moral para fazê-la nesta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, em primeiro lugar, ficou claro das suas palavras que não ofendi bancada nenhuma nem é esse o meu estilo.
Ficou igualmente claro que não abri buraco nenhum. Aliás, foi precisamente para não abrir um buraco que o Partido Social-Democrata não se esquece da forma como votou anteriormente o Orçamento do Estado e das razões por que votou contra a proposta do Partido Comunista. Quem queria abrir um buraco eram VV. Ex.as quando votaram favoravelmente a proposta do Partido Comunista, quando escreve no vosso Programa de Governo que queriam reduzir a taxa do IVA para a restauração. Nós não alterámos a nossa posição, VV. Ex.as é que se esqueceram da forma como votaram.
O PSD reafirma, aqui e agora, que é difícil reduzir a taxa do IVA neste sector e que não se arrepende da forma como votou, VV. Ex.as é que estão a arrepender-se e a esquecer-se da forma como faziam o vosso discurso antes das eleições.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não, não. Nós não esquecemos nada!

O Orador: - A conclusão política desta resposta do Sr. Secretário de Estado ao Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira é a seguinte: após as presidenciais, esta já é a segunda promessa que o Partido Socialista não cumpre. No espaço de uma semana, é a segunda promessa que o PS não cumpre!

Aplausos do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não é verdade!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, se não me dá a palavra para dar explicações, uma vez que o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira me citou na sua defesa da consideração;...

O Sr. Presidente: - Não posso fazer isso, Sr. Deputado. No entanto, posso dar-lhe a palavra para uma interpelação à Mesa. Portanto, faça favor.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - ... Então, quero dirigir-me ao Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
Sr. Deputado, nós sabemos que a legislatura dura quatro anos, não nos recorde isso. Assim, apenas queremos clarificar um aspecto: se os senhores fazem promessas para o primeiro, para o segundo, para o terceiro e para o quarto ano, digam-no ao País antes das eleições. Para além disso, se, no primeiro ano, não podem pôr em prática as promessas digam que descobriram que, se calhar, são incompatíveis com a quebra de receita que originariam. Sejam claros perante a Câmara e o povo português. Digam que, afinal, esta promessa vai causar uma redução nas receitas do Estado no valor de X milhões de contos, que não pode ser posta em prática de imediato e que, afinal, terá de ficar adiada para o segundo ano ou para o terceiro. Mas assumam isto, em nome da clareza e da transparência!

O Sr. Presidente: - Claro que não se tratou de uma interpelação à Mesa.
Assim, se o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira quiser usar da palavra tenho de dar-lha, pois não vamos criar nova jurisprudência sobre esta matéria que não faça exemplo.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, queremos agradecer-lhe por ter traçado vários cenários para a nossa actuação. Só lhe peço

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que exclua duas coisas. Por um lado, exclua a afirmação de que não fizemos contas porque as fazemos e também a de que não cumprimos os compromissos. Quanto aos outros cenários, estamos disponíveis para assumir as nossas responsabilidades.
Aliás, tratava-se de uma simples pergunta do Sr. Deputado António Lobo Xavier exprimindo algumas preocupações que partilhamos para além de outras que também foram colocadas.
Repito que agradecemos os vários cenários que nos colocou e que estamos disponíveis para discutir com V. Ex.ª não só esta como todas as questões que têm a ver com alterações ao sistema fiscal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à última pergunta, a ser formulada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, sobre a situação dos matadouros e da Rede Nacional de Abate.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O processo de criação da chamada Rede Nacional de Abate e das empresas PEC constituiu, e constitui porventura, um dos dossiers mais escaldantes em matéria de desperdício de dinheiros públicos, de irregularidades, de corrupção e de tráfico de influências.
Desperdício de dinheiros públicos que atinge muitos milhares de contos enterrados num projecto megalómano, completamente desproporcionado para as necessidades do País, muitos milhões de contos enterrados aí, sem que ninguém saiba ainda a dimensão exacta do valor.
Desde o início que o PCP denunciou esta situação e, com muita antecedência, assinalou com rigor o que veio a acontecer. Recordo o que dissemos, aqui mesmo, em Fevereiro de 1987, aquando do debate do nosso projecto de lei n.º 216/IV - Sobre as condições e o processo a que deve obedecer a Rede Nacional de Abate -, em que dissemos que «A ser implementado o Programa do Governo para a rede nacional de matadouros, teremos uma capacidade instalada que excederá em cerca de 70% a capacidade nacional disponível para abate». A realidade aí está dar-nos razão.
Matadouro Regional do Alto Alentejo, em Sousel, Matadouro Regional do Algarve, Matadouro Industrial de Beja, em cada um dos quais se investiu mais de 1 milhão de contos, ou estão numa situação de pré-falência com grande parte da sua capacidade instalada desaproveitada ou, como no caso de Beja, estão exclusivamente dependentes e entregues aos interesses de grandes negociantes de carnes.
Mapinorte/Matadouro de Santa Maria da Feira, onde estão perdidos cerca de 2 milhões de contos (enquanto, ali ao lado, se quer deixar morrer a UNIAGRI); Matadouro da Guarda, onde estão enterrados cerca de 1 milhão de contos; CARNAGRI, onde estão metidos 1 milhão de contos, nenhum destes empreendimentos foi construído.
Entretanto, encerraram-se dezenas de pequenos matadouros, próximos dos produtores e das populações, entregando os agricultores nas mãos dos marchantes e negociantes.
E, como é sabido, a tão falada obrigatoriedade de encerramento dos matadouros antigos até 31 de Dezembro de 1995, alegadamente imposta pela União Europeia e que era o pretexto para a criação desta rede de matadouros, foi agora suspensa, devido a pressões da Alemanha e da Holanda, tendo resultado também o anúncio público feito pelo Governo no sentido de suspender o encerramento desses antigos matadouros.
Portanto, chegámos a um ponto em que a confusão e a descoordenação estão, assim, completamente instaladas no sector.
Passo ao primeiro grupo de questões. O que vai o Governo fazer nesta matéria? Qual a sua perspectiva do futuro da Rede Nacional de Abate e das sociedades PEC? O que vai fazer aos matadouros que referi e que estão em estado de pré-falência? Que futuro para os pequenos matadouros, cujo encerramento foi agora suspenso, e até quando? Que futuro para a UNIAGRI? Quanto foi até ao momento consumido nesta megalómana Rede Nacional de Abate?
O segundo grupo de questões tem a ver com a transparência e com a regularidade do processo.
Como foi amplamente demonstrado no processo de audição parlamentar sobre a Rede Nacional de Abate, realizado na última legislatura por proposta do PCP, todo o processo de privatização de matadouros e de criação das empresas PEC está recheado de sérias irregularidades. O que veio a público recentemente com o Matadouro da Guarda é grave mas é somente a ponta do icbberg, pelo que vou dar apenas alguns exemplos. Só em alegadas despesas de publicidade de promoção das PEC e da primeira fase de privatização foram consumidos 410 mil contos, num encaixe total de 646 mil contos; obras que de orçamentos iniciais de 800 contos ultrapassaram os 30 mil contos; jantares ditos «de promoção» custando mais de 500 000$ cada, etc.
Por ter receio de se aprofundar a busca da verdade, o PSD inviabilizou, na altura, o pedido de inquérito parlamentar do PCP com o pretexto de que estava em curso uma auditoria aos serviços do IROMA. Mas até ao momento nem auditoria nem apuramento das responsabilidades, apenas o silêncio completo do actual Governo. E, daqui, passo ao segundo grupo de questões.
Em que situação está a investigação das fraudes e irregularidades? Quais foram as conclusões da auditoria aos serviços do IROMA? Quem é responsável e quem beneficiou do escândalo dó desaparecimento de milhões de contos em matadouros, como a Mapinorte, que nunca chegaram, a ser construídos?
Sr. Ministro, estamos perante um processo escandaloso, sobre o qual não é lícito que o Governo guarde silêncio, como tem feito até hoje.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas. Dispõe de três minutos para o efeito.

O Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas (Gomes da Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenho qualquer dúvida em começar por subscrever a introdução que foi feita pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho relativamente ao processo da Rede Nacional de Abate e a todas as suas sequelas até, mais recentemente, à criação do chamado sistema PEC.

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estou inteiramente de acordo quanto ao desperdício que todo esse sistema constituiu para o povo português e não tenho qualquer dúvida quanto à não

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necessidade do processo megalómano que a Rede Nacional de Abate constituía. Infelizmente, no passado não foi possível, em termos políticos e governamentais, pôr cobro a uma situação que era, de facto, previsível e que poderia ter evitado um conjunto de gastos que, certamente, teriam tido muito melhor aplicação ao serviço da agricultura e da pecuária nacionais.
Este foi um dos primeiros problemas - o dos matadouros e das PEC - sobre o qual o Governo se debruçou. No entanto, não é um problema simples, cuja percepção e análise se possa fazer rapidamente, e as conclusões a que conseguimos chegar, até este momento, apontam claramente no sentido de ser urgente e necessário - o que não quer dizer rápido - proceder a uma simplificação e aligeiramento de todo o sistema em vigor.
As situações, quer do IROMA - aliás, o ex-IROMA, que se mantém como «ex» há uma série de anos -, quer das PEC, cujo início e processo de privatização foi um total fiasco;...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... necessitam de mais algum tempo para poderem ser não só esclarecidas como encontradas algumas vias de solução, uma vez que estão em causa, apesar de tudo, neste momento, situações melindrosas para a actividade pecuária nacional e cujo abandono, puro e simples, por parte do Estado, poderia conduzir a colapsos sem qualquer benefício para ninguém, cumulando perdas já existentes.
Gostaria de sintetizar em três pontos aquilo que, neste momento, o Governo pensa sobre este assunto. Em primeiro lugar, procuraremos assegurar as normas higieno-sanitárias nos matadouros não porque queiramos cumprir cegamente regulamentação comunitária mas porque consideramos que em defesa da saúde pública portuguesa, de todos os portugueses, essas regras devem ser rapidamente instaladas, quer em matadouros privados, quer em matadouros oficiais.
É evidente que o cumprimento destas regras não pode ser feito de um dia para o outro, mas não é menos evidente que não podemos continuar a aceitar, de ano para ano, derrogações que conduzem, pura e simplesmente, a condições pouco úteis de trabalho nessas casas.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - Os outros dois pontos consistirão em racionalizar e integrar a intervenção do Estado neste sector, acabando com a dicotomia IROMA/PEC, ganhando sinergias e poupando lugares de conselhos de administração, de forma a reduzir o papel do Estado em todo o sector, deixando apenas a sua intervenção para situações supletivas que, efectivamente, não possam ser satisfeitas pela actividade privada.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, sublinho a concordância generalizada que afirmou em relação à análise que fazemos desta matéria. Efectivamente, este processo de criação da Rede Nacional de Abate é, de facto, escandaloso, razão pela qual deve ser levado até ao fim o apuramento das responsabilidades políticas e criminais que envolvem toda esta situação. Esperava, contudo, reconhecendo embora, conforme foi por si referido, que está em curso o aprofundamento do estudo do problema, que o Sr. Ministro fosse mais além.
Com efeito, alguns destes problemas são hoje candentes nos sectores e nas respectivas regiões, por isso volto a insistir nalgumas questões, na esperança que o Sr. Ministro possa aprofundar um pouco a reflexão do Governo sobre essa matéria.
Os Matadouros Regional do Alto Alentejo, em Sousel, e Regional do Algarve são aqueles em que os problemas da utilização, da capacidade instalada e da situação de pré-falência são mais graves. Pergunto, por isso, quais as perspectivas do Governo em relação a estas duas situações. Porque, sendo verdade que, pela voz do Sr. Ministro, o Governo critica a política do sector seguida até agora, também é verdade que, enquanto Estado, foram assumidas responsabilidades e há que encontrar uma solução para elas.
A segunda questão tem a ver com o facto de terem sido consumidos muitos milhões de contos nos matadouros, sobre os quais há relatórios - nalguns casos, como o da Guarda, corre mesmo processo em tribunal e, portanto, estará em segredo de justiça - e auditorias do Governo, como é também o caso da Mapinorte. O que é que já se apurou nessa matéria? Quem é que pode ser responsabilizado pelo desperdício de milhões de contos em obras que nunca chegaram a ser construídas?
Outra questão a que não respondeu, Sr. Ministro, prende-se com o seguinte: em Maio de 1994 foi dito pelo PSD, para justificar, aliás, o não ter aprovado a nossa proposta de inquérito parlamentar, que estava em curso uma auditoria interna aos serviços do IROMA sobre esta matéria, levada a cabo pelo Ministério. Quais os resultados ou conclusões dessa auditoria, uma vez que, de acordo com o que nos foi dito na altura, já lá vão quase dois anos?

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por outro lado, p Sr. Ministro acabou de referir que, há alguns dias atrás, foi anunciada, e bem, a suspensão do processo da obrigatoriedade de encerramento dos pequenos matadouros. Mas também estamos de acordo que devem ser criadas as condições para que se respeitem as normas higio-sanitárias. Pergunto, então, que perspectivas há para o futuro: devemos mantê-los a funcionar, negociando com a Comunidade a derrogação das normas que implicavam esse encerramento, e que agora também foram adiadas, ou antes fazer uma nova reflexão sobre toda a Rede Nacional de Abate e a articulação dos vários matadouros? Qual é, repito, a posição do Governo sobre a matéria?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, por dificuldades várias, desde logo, pela não concretização de parte do capital, pela falta de apoio institucional, pelos «buracos» que surgiram, pelas teias que a burocracia tece, o chamado Matadouro Regional do Alto Minho, que se integraria na Rede Nacional de Abate, não avançou e, entretanto, os matadouros municipais encerraram, restando apenas, em precário funcionamento, os de Viana do Castelo e de Monção.
Ora, surgem agora informações de que o encerramento destes poderia estar iminente, embora com a suspensão que foi anunciada. Ou seja, por exigência das políticas seguidas, esse encerramento aconteceria, mas sem que se vis-

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lumbrem quaisquer alternativas. Assim, Sr. Ministro e na sequência do que V. Ex.ª acaba de expor, solicitava informações sobre como se poderá processar a recuperação dos dois matadouros que citei ou, em alternativa, que possibilidade se antevê para a instalação de uma unidade de abate no Alto Minho, dimensionada para a produção local, nomeadamente voltada para as raças autóctones - o gado barrosão, o gado dito «cachena», os cabritos serranos -, com certificado de origem e qualidade, de forma a que os interesses dos produtores e dos consumidores fiquem devidamente defendidos, salvaguardadas as condições higio-sanitárias.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, é interessante constatar que se V. Ex.ª concordou com a intervenção inicial do Deputado Lino de Carvalho, naturalmente também vai concordar com esta minha afirmação: os matadouros PEC são «elefantes cinzentos». São «elefantes» porque demasiado grandes, na generalidade, e desajustados ao espaço em que foram criados; e «cinzentos» porque não obedeceram a bons critérios nem a uma estratégia consistente. Portanto, nem sequer são brancos, são «cinzentões», como algumas decisões do anterior governo que, afinal, deixaram «buracos», e de que maneira! Aliás, o Sr. Deputado Roleira Marinho acabou de mencionar «os buracos» que surgiram no matadouro a que fez referência. Afinal, os «buracos» existem mesmo!
Sr. Ministro, em relação a esta realidade dos «elefantes cinzentos», é possível corrigir os erros do XII Governo, isto é, do governo do PSD?
Por outro lado, tendo em atenção que existe uma situação especial neste processo, no que se refere à criação de gado e às raças autóctones - problema agora levantado -, entendo que há regiões no País em que o gado e a carne proveniente da sua criação merece certificação e denominação de origem. E é impossível fazer deslocar as rezes para matadouros distantes.
Nesse sentido, pergunto se é possível encontrar uma saída para estas situações através, porventura, da criação de unidades de abate mais pequenas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Gomes.

O Sr. Soares Gomes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, como é do seu conhecimento e do conhecimento geral, até porque o assunto foi amplamente divulgado através da comunicação social, o matadouro da Guarda tem vivido sobressaltos graves que estão a ser investigados pelas instâncias judiciais. Esta situação já levou à suspensão do Sr. Presidente da Câmara da Guarda, que desempenhou as funções de presidente do conselho de administração do matadouro.
Independentemente deste processo, o que nos interessa saber, na Guarda - é essa a pergunta que faço ao Sr. Ministro -, é se a construção desta infra-estrutura de grande importância estratégica para a nossa região será mesmo uma realidade, tal como foi vontade do anterior governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Costa Leite.

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vila Real é um centro importante de produção de carne, destacando-se também a existência de raças autóctones, nomeadamente a do gado maronês. O antigo matadouro de Vila Real foi desactivado devido a razões sanitárias e de poluição provocadas pelos efluentes.
Neste momento, várias associações de produtores, os comerciantes de carne e a própria câmara municipal têm desenvolvido esforços, inclusive através de delegações que se deslocaram a esta Assembleia, à Comissão de Agricultura, no sentido de que este matadouro seja reactivado com condições higiénicas indispensáveis à defesa da saúde pública.
Por isso, neste momento, quero perguntar ao Sr. Ministro se, realmente, o Governo prevê a reactivação destes matadouros, sobretudo afectando verbas para que as condições higiénicas ou o tratamento dos efluentes seja garantido e assim possamos permitir a reactivação de um matadouro que possa responder aos problemas da própria região, à preservação das raças autóctones, nomeadamente o gado maronês, e deste modo permitir uma melhor actuação e assistência à população de Vila Real e seus arredores.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Germano Sá e Abreu.

O Sr. António Germano Sá e Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, o Matadouro Central de Entre-Douro-e-Minho, sediado em Vila Nova de Famalicão, será, porventura, um dos poucos matadouros que está, neste momento, a funcionar em pleno. Só que, como o Sr. Ministro sabe, aquela é uma região onde existem milhentos matadouros privados à sua volta. E aí é que está o grande problema. Aliás, penso que o Sr. Ministro, há pouco, já terá, de certa forma, levantado a questão: é que esse matadouro central corre o risco de não ser viabilizado pela concorrência desleal desses outros matadouros à sua volta.
Ora, os matadouros privados não se preocupam com os problemas de impacte ambiental; praticamente todos lançam os dejectos nos ribeiros e rios daquela região e, por conseguinte, criam graves problemas de saúde pública.
Gostaria, pois, que o Sr. Ministro nos informasse sobre se tem prevista alguma medida concreta para esta situação de um matadouro que está em pleno funcionamento e que sofre esta concorrência desleal dos privados.
Sr. Ministro, gostaria também que nos pudesse informar sobre qual o ponto da situação relativa ao matadouro do Vale do Sousa, que já aqui foi referido há pouco, segundo creio. Que medidas existem para a viabilização desta infra-estrutura fundamental para esta região?

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, no governo anterior, penso que numa noite de má memória para os habitantes e para os industriais da cidade do Porto, foi tomado o Matadouro Municipal do Porto, que representa algum património municipal. Contudo, até hoje, após vários protestos feitos quer por entidades autárquicas, designadamente a Câmara Municipal do Porto, quer por empresários da região, não há uma decisão conhecida sobre a propriedade do matadouro municipal. Gostaria de saber, se o Sr. Ministro puder dar-me uma explicação agora ou mais tarde, qual a situação do Matadouro Municipal do Porto.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

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O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, há mais de dez anos, como autarca, estive no lançamento do Matadouro Regional do Algarve e quero dizer-lhe que não estou arrependido disso. Conheço a realidade, com todas as dificuldades actuais, mas também conheço as potencialidades daquele matadouro e, portanto, sei que a direcção do Matadouro Regional do Algarve foi recebida há poucos dias pelo Sr. Secretário de Estado da Produção Alimentar e que, na próxima segunda-feira, pela primeira vez em ano e meio, os dirigentes da PEC vão visitar o Matadouro Regional do Algarve de que são detentores em 66%.
A pergunta que lhe quero fazer, muito concreta, é a seguinte: uma vez que a definição ou redefinição de uma nova política para a Rede Nacional de Abate levará, inquestionavelmente, algum tempo e há questões muito urgentes para as quais o Matadouro Regional do Algarve precisa de atenção - foi entregue, há três dias, um estudo de viabilidade que aponta para uma rentabilização já a partir dos próximos três anos, mas há uma grande falta de um fundo de maneio, sobretudo de uma verba na ordem dos cem mil contos -, está o Governo na disposição de, sem prejuízo das alterações de fundo para a política da Rede Nacional de Abate, fazer uma intervenção pontual para que aquele matadouro continue a ser viável e possa desenvolver todas as suas potencialidades, que as tem, no domínio do tratamento e da comercialização de carnes, em que já está a fazer alguns ensaios e experiências com assinalável êxito?

O Sr. Presidente: - Para responder a todas estas questões, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, terei de ser forçosamente breve porque, com este conjunto de questões, cada uma delas chegaria para uma discussão que ultrapassaria largamente o tempo de que disponho. Vou tentar seguir os vários pontos que foram apresentados, no entanto, gostaria de começar por dizer que o Governo nomeou, muito recentemente e depois de ter feito algumas tentativas de conhecimento da situação, um pequeno grupo de trabalho no Gabinete do Sr. Secretário de Estado da Produção Alimentar para escalpelizar mais em profundidade muitos dos problemas que foram aqui levantados, procurando conhecer mais aprofundadamente a realidade para poder tomar algumas decisões que, mesmo assim, penso que não serão fáceis.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho pormenorizou o problema de Sousel e do Algarve - aliás, o do Algarve foi a última questão levantada. O Matadouro Municipal do Algarve tem um milhão de contos de passivo, está neste momento sob execução da Caixa Geral de Depósitos como devedor e vamos ver se é possível alguma coisa ainda, por que é dos casos em que não há explicitamente alternativas imediatas.
Relativamente a Sousel foram feitas, recentemente, ainda no governo anterior, algumas tentativas de rentabilização, mas, como em quase todas as situações, o que sucede é que, de facto, por muito que nos custe, aquela estrutura de matadouros não é rentável. Isto é, ou os detentores maioritários do seu capital, em alguns casos o Estado, injectam, permanentemente, fundos novos ou as condições de exploração não são rentáveis. Estamos a ver o que poderemos fazer relativamente a Sousel, na medida em que - e tomo um dos pontos que foi levantado - ligado a Sousel está um dos problemas de raças autóctones com denominação de origem, que, no entender do Governo, devem ser casos tratados com especial cuidado e carinho.
Quanto aos matadouros de Viana e de Monção, devo dizer que, em nosso entender, o caso de Viana do Castelo tem alternativas; o de Monção não terá e, no que diz respeito à rede que abrange as chamadas regiões mais periféricas, é aquela onde o Estado deverá ter de assegurar funções supletivas por dificuldades de rentabilização da iniciativa privada. Ligado a esta situação está o Matadouro Central do Alto Minho, em que a capacidade instalada na região é mais do que excedentária e onde, efectivamente, não é possível ser assegurada a rentabilidade com a quantidade de unidades que estão em actuação.
Quero chamar a atenção para um aspecto que considero extremamente grave: o de haver unidades com boas capacidades de funcionamento cuja rentabilidade está, neste momento, a ser fortemente afectada pela existência de outras unidades ainda em funcionamento que não cumprem condições que foram exigidas às primeiras.
Esta é uma situação de injustiça que deve merecer por parte do Governo uma atenção especial, porque se há função que compete ao Estado é a de criar condições de legalidade e de concorrência o mais perfeitas possível. E não faz sentido que, quer em unidades privadas, quer muitas vezes em unidades em que o Estado tem uma participação importante, estejam a ser criadas dificuldades de funcionamento extras por não cumprimento adequado de regras e de legislação.
Apesar de todo o excesso que existe relativamente à capacidade instalada, muitas das intervenções aqui feitas acabaram por ser o apelo ou à abertura de novos matadouros ou reactivação de outros, considerando-se sempre que se trata de unidades estratégicas na zona. Com todo o respeito que as vossas intervenções me merecem e percebo-as na qualidade de representantes dos interesses locais -, creio bem que teremos de ter a coragem e a frieza para verificar se, efectivamente, estamos face a interesses vitais ou se estamos simplesmente face a interesses que, na região, aparentemente são vitais, mas, de facto, são insustentáveis.
Se as entidades privadas e interessadas nos matadouros quiserem avançar para a sua realização e a sua reactivação deverão e poderão fazê-lo. Nas unidades em que o Estado é o maioritário responsável nós não avançaremos para a reactivação, a não ser que estejamos plenamente convencidos de que isso não vai criar mais uma situação de insustentabilidade de gestão económica a resolver daqui a dois, três ou quatro anos. E, em muitos casos, estamos face a situações desse tipo.
Foi aqui também referido o matadouro do Vale do Sousa, que é um caso típico de iniciativa privada. A PEC tem, nesse matadouro, 15%. Ora, não compete a um sócio de 15% exercer o esforço financeiro necessário para a solução do problema. Será ao restante capital, largamente maioritário, que esse esforço deve ser pedido. Se a situação é fundamental, então, que avance o dono do matadouro. Do ponto de vista estratégico e do interesse nacional, está longe de ser uma situação fundamental, pois em toda a região há capacidade instalada mais do que suficiente.
O caso do matadouro do Porto está em tribunal, para ser dirimido nessa instância o problema da propriedade. Trata-se de uma acção posta pela Câmara Municipal do Porto contra a PEC e o Estado.
Creio ter respondido às diversas questões colocadas.

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Vozes do PSD: - E o da Guarda?!

O Orador: - O problema do matadouro da Guarda está em tribunal e o Governo não tem, neste momento, a intenção de levar por diante esse matadouro. Nem sequer consideramos que nessa região haja falta de capacidade instalada. Se, com efeito, posteriormente e depois de resolvidas algumas situações mais graves, podermos voltar a debruçar-nos sobre a situação da Guarda, fá-lo-emos, mas neste momento não é uma questão prioritária.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Ministro, se me permite que interrompa, gostaria de lembrar-lhe duas questões. A primeira tem a ver com a suspensão, agora assumida pelo Governo, do encerramento dos matadouros. Quanto tempo vai durar e como é que isso se articula, no futuro, com a rede nacional de abates? A segunda questão é a seguinte: o Governo tem uma ideia de quantos milhões de contos estão desperdiçados neste processo?

O Orador: - Sr. Deputado, quanto à suspensão, a nossa posição é a de que a directiva é útil a Portugal, não apenas por ser uma directiva europeia mas porque as condições de trabalho daqueles matadouros devem ser alteradas, e vamos aproveitar a suspensão que foi permitida pela Comunidade Europeia para que essas unidades possam vir a cumprir as condições higio-sanitárias consideradas mínimas para que a sua actuação seja útil na função de abate e não prejudique a saúde pública dos utilizadores.
Quanto aos milhões de contos envolvidos, não tenho neste momento uma resposta precisa. No que toca à auditoria do IROMA, desconheço-a e vou tentar saber o que é que se passa. A nomeação do grupo de trabalho que referi tinha exactamente por objecto fazer um apuramento exaustivo da situação tanto quanto possível, em virtude da documentação existente.
Creio que, dentro desta resposta o mais rápida possível, referi todos os problemas. De qualquer modo, prestarei, se for necessário, mais algum esclarecimento pontual.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária terá lugar no dia 24 de Janeiro, quarta-feira, com um período de antes da ordem do dia, e um período da ordem do dia, onde serão discutidos os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 7/VII - Estabelece um novo regime de incompatibilidades; projectos de lei n.os 4/VII - Aplica o regime de exclusividade aos directores-gerais e outros dirigentes da Administração (PCP). e 57/VII - Aplica o regime de exclusividade aos directores-gerais, subdirectores-gerais e outros titulares de cargos públicos equiparados (CDS-PP).

Eram 12 horas e 30 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Fernandes da Silva Braga.
Carlos Manuel Luís.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Vasco Pulido Valente.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

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