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Sábado, 2 de Março de 1996 1175 

I Série - Número 42

DIÁRIO DA REPÚBLICA

VII LEGISLATURA

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 1 DE MARÇO DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD), sob a forma de interpelação à Mesa, criticou a iniciativa do Primeiro-Ministro para com a Indonésia em relação a Timor Leste e anunciou a solicitação do seu partido no sentido da vinda do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros à respectiva comissão para dar explicações, tendo-se também pronunciado o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa) e os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Nuno Abecasis (CDS-PP) e Octávio Teixeira (PCP).
Foram aprovados os n.ºs 23 a 32 do Diário.
A proposta de lei n.º 11/VII - Altera a Lei n.º 58190, de 7 de Setembro (Regime da Actividade de Televisão) foi discutida e rejeitada, na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social (Ruben de Carvalho), os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Luís Marques Guedes (PSD), António Filipe (PCP), António Reis (PS) e Ruben de Carvalho (PCP).
Tendo sido aprovado o parecer, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o recurso de admissibilidade, apresentado pelo PSD, do projecto de lei n.º 107/VII - Amnistia às infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991 (PS), procedeu-se à sua discussão conjunta, na generalidade, com o projecto de lei ti. º 108/VII - Altera o regime jurídico de protecção às vítimas dos crimes violentos (CDS-PP). Após os Srs. Deputados Alberto Martins (PS) e Manuela Moura Guedes (CDS-PP) terem apresentado os respectivos projectos de lei, usaram da palavra, a diverso título, além daqueles oradores, os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Barbosa de Melo (PSD), José Magalhães e Manuel Alegre (PS), Carlos Encarnação (PSD). Jorge Ferreira (CDS-PP), Jorge Lacão (PS), Manuel Monteiro (CDS-PP), João Amaral (PCP), Luís Filipe Menezes, Pacheco Pereira e Guilherme Silva (PSD), Nuno Abecasis e Paulo Portas (CDS-PP), Osvaldo Castro (PS). Luís Marques Mendes e Laborinho Lúcio (PSD) e Octávio Teixeira (PCP).
O projecto de lei n.º 107/VII foi aprovado na generalidade, em votação nominal requerida pelo CDS-PP, bem como na especialidade e em votação final global. O projecto de lei n.º 108/VII foi aprovado na generalidade e, após ter baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para apreciação, o respectivo texto de substituição por ela elaborado foi aprovado na generalidade, na especialidade e em votação final global. Tendo o Sr. Deputado Alberto Martins (PS) apresentado a síntese do relatório, fizeram intervenções os Srs. Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Carlos Encarnação (PSD), Manuel Alegre (PS) e Octávio Teixeira (PCP).
Entretanto, a Câmara deu aprovação, na generalidade, à proposta de lei n.º 12/VII - Revisão da Lei de Bases do Sistema Desportivo. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dás Desportos (Miranda Calha), os Srs. Deputados Gilberto Madaíl (PSD), Bernardino Soares (PCP). Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Pedro Baptista (PS) e Castro de Almeida (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amado Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raul d' Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.

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António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes;
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Fernando Manuel Gomes da Encarnação.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho..
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Rui Manuel Pereira Marques.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PSD, assistiu ontem, com alguma perplexidade, a declarações do Sr. Primeiro-Ministro que envolvem Timor Leste. Gostaríamos de dizer, em relação a isso, três coisas, para depois solicitarmos a V. Ex.ª uma outra medida.
A posição portuguesa sobre a questão de Timor Leste, como V. Ex.ª muito bem sabe, tem sido sempre discutida e pleiteada no respeito estrito pela coincidência de posições entre os vários órgãos de soberania. Assim tem sido nos últimos anos, e pensávamos que assim continuaria a ser. Acontece, porém, que o Sr. Primeiro-Ministro tomou uma iniciativa em relação a essa matéria sem consultar S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, sem consultar - penso eu V. Ex.ª e sem ter falado com os partidos da oposição:
Tudo estaria bem, ou tudo estaria menos mal, se, na verdade, a própria iniciativa não fosse, em si mesma, disru-

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tível no seu conteúdo, porque a forma como o Sr. Primeiro-Ministro colocou a questão foi de uma superficialidade tão grande em relação à questão essencial de Timor Leste que nos deixa essencialmente perplexos e preocupados.
Creio que o Sr. Primeiro-Ministro não deveria ter colocado a questão em termos de um simples negócio quanto à verificação dos direitos humanos, que são insusceptíveis de negócio, e quanto ao reconhecimento contraprestestativo das relações diplomáticas entre a Indonésia e Portugal.
Aquilo que está em jogo em relação a essa questão é, para nós, muito mais do que o reconhecimento dos direitos humanos.
Penso que esta posição do Sr. Primeiro-Ministro fragiliza ostensivamente a posição de Portugal porque é um patamar mínimo muito menor no seu resultado e alcance do que foram, inclusivamente, as relações da ONU em relação a Timor.
Assim, Sr. Presidente da Assembleia da República, solicitava que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros - e o Grupo Parlamentar do PSD vai fazer essa diligência viesse urgentemente à Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste para dar conta daquilo que foi dito ou feito e dos resultados que, eventualmente, pretende tirar para a questão de Timor Leste.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dou a palavra ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que se encontra presente e que penso ser a entidade competente para fazer a ligação entre as suas preocupações e uma resposta do Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, Srs. e Srs. Deputados: O Governo, como sempre, está disponível para vir à Assembleia, desde que requerido e solicitado nos termos regimentais.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, perante a natureza do problema que acabou de ser. suscitado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, naturalmente 'abancada do PS deseja pronunciar-se no sentido de que não pode deixar de considerar que o PSD está, na verdade, um partido imprevisível e, parafraseando alguém, "um partido perigoso":

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida!

O Orador: - Ouvimos, ontem,, o ex-responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ilustre membro dirigente do PSD, manifestar concordância com as posições assumidas pelo Sr. Primeiro-Ministro relativamente à questão de Timor Leste. Vemos, hoje, o Sr. Deputado Carlos Encarnação, na bancada do PSD, manifestar discordância por essas atitudes!
As contradições do PSD sobre cada problema, em cada dia, saltam à vista de todos nós. Mas, independentemente delas, quero dizer ao Sr. Presidente que o Grupo Parlamentar do PS faz toda a questão que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros possa vir à Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste paca, justamente, poder esclarecer o PSD, e onde nós, naturalmente, acompanharemos esse acto de esclarecimento com todo o gosto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, para solicitar a V. Ex.ª a realização de uma reunião da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, hoje mesmo, sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Pergunto a todos os líderes parlamentares se estão de acordo que a reunião tenha lugar às 15 horas e 30 minutos, na Sala D. Maria.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, a Assembleia da República, tem, felizmente, um Regimento e, independentemente das suas possibilidades de revisão, ele deve funcionar.
Sucede que a Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, que é, por decisão da Assembleia da República, a entidade própria para o acompanhamento dos problemas de Timor Leste, pode reunir com total dispensa de uma decisão da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
O que solicito de viva voz - e, felizmente, o presidente dessa Comissão encontra-se presente no Hemiciclo é a possibilidade de uma diligência, a solicitação dos grupos parlamentares, para que essa Comissão possa reunir o mais rapidamente possível, dispensando, naturalmente, a utilidade da referida Conferência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, só para dizer que o meu grupo parlamentar também não vê necessidade da realização de uma Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Entendemos que há mecanismos parlamentares que permitem, de imediato, resolver este problema, nomeadamente através da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste.

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, em nosso entender, há uma questão importante, que é preciso preservar sempre, que é o papel que as comissões da Assembleia da República têm de executar - e devem executar!
Se existe uma Comissão - e bem!- para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, é aí que este assunto deve ser tratado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero dizer que, para nós não tem cabimento que a questão

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seja tratada que não no âmbito da comissão específica, a Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, cujo presidente está presente e que, seguramente, providenciará nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Dada a situação assumida pelos grupos parlamentares, peço ao Sr. Deputado Nuno Abecasis o favor de providenciar para que a Comissão reúna o mais depressa possível.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, é evidente que os membros da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste sabem que vai sendo hábito que o Sr. Ministro, ou algum dos Srs. Secretários de Estado, nos informe sobre o desenvolvimento da questão de Timor Leste.
Já agora, Sr. Presidente, gostava de dar conhecimento a esta Assembleia que ontem fui interrogado pela imprensa no sentido de saber se, como presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, não queria exprimir alguma preocupação ou menos agrado pelo facto de eu próprio não saber da diligência que tinha sido feita. Disse que não, que o que a Assembleia da República e a Comissão desejavam era um progresso real para as questões de Timor e que eu deveria ser a primeira pessoa a entender que uma diligência destas seria eficaz se não fosse conhecida e seria totalmente ineficaz se, por qualquer razão, fosse conhecida.
Portanto, era um caso em que reconhecia que o Governo devia manter total sigilo, mesmo no seu seio, sobre o que tencionava fazer e, nesse sentido, seria absurdo que a Assembleia da República se considerasse ofendida pela situação.
Era isto que queria tornar público e transmitir à Assembleia, uma vez que o fiz em nome da Comissão e porque pode haver alguém que não comungue desta minha maneira de ver as coisas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Carlos Encarnação pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que está presente o Sr. Presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste e uma vez que V. Ex.ª já lhe solicitou a realização urgente da reunião que pretendíamos, consideramos, pois, desnecessária a reunião da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Todavia, gostaria de lembrar o Sr. Presidente da Comissão que esta ainda não reuniu, pelo que não deve tomar, em nome dela, qualquer posição quanto a este assunto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer apenas que, da parte do Governo, estamos totalmente disponíveis pata, em conjunto com o Sr. Presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, nos reunirmos e estabelecermos a melhor forma de cooperação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero dizer ao Sr. Deputado Carlos Encarnação que foi expresso, em reunião de Comissão, que eu deveria falar, por iniciativa própria, sempre que se verificassem situações destas e, no momento oportuno, transmiti-lo à Assembleia da República. Foi o que acabei de fazer, não fiz mais do que cumprir isso!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, os presidentes das comissões podem falar pela comissão mas não podem falar em nome de todos os seus membros. E as apreciações que, há pouco, o Sr. Presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste fez foram valorativas, do ponto de vista político, da posição assumida pelo Sr. Primeiro-Ministro. Não o pode fazer em nome de todos os membros da Comissão!
Mantemos, pois, a posição que expressámos há pouco, a de que o assunto deve ser discutido em sede de comissão apropriada.
Sobre a acção, a decisão e o acto praticado pelo Sr. Primeiro-Ministro temos grandes reservas. Sendo a questão de Timor Leste de consenso nacional, é evidente que, do nosso ponto de vista, o Governo devia ter falado com os partidos antes de tomar posição para que se mantivesse esse consenso.

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, finalmente, entrar na ordem do dia agendada ara hoje.
Antes de mais, estão em aprovação os n.ºs 23 a 32 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 5, 10, 11, 12, 17, 18, 19, 24, 25 e 26 de Janeiro.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 11/VII, que altera a Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro (Regime da Actividade de Televisão).
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.

O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social (Arons de Carvalho): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: A proposta de lei hoje em discussão neste hemiciclo visa apenas uma pequena mas necessária alteração à lei da televisão. Trata-se de tornar claro que esta lei, que regula a actividade de televisão no nosso país, não pretende derrogar o Tratado da União Europeia, no que toca a este sector.
De facto, as limitações previstas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 9.º da lei da televisão, em relação à nacionalidade das entidades candidatas à exploração da actividade de televisão e ao máximo de capital social estrangeiro permitido a cada operador, poderão ser entendidas como infringindo, nomeadamente, os artigos 52.º e 221.º, sobre o direito de estabelecimento, do referido Tratado.
É claro que, por força do artigo 8.º da Constituição, «as normas e os princípios de direito internacional geral ou

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comum fazem parte integrante do direito português" e as normas constantes das convenções internacionais ratificadas ou aprovadas "vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial".
Este entendimento não tem sido, no entanto, considerado como pacífico.
A Comissão Europeia tem considerado que a lei da televisão portuguesa "inclui uma discriminação em razão da nacionalidade o que, no domínio em causa, é expressamente proibido pelos artigos 52.º e 221.º do Tratado de Roma". O artigo 9.º - e continuo a citar um parecer fundamentado dirigido à República Portuguesa, relativo às restrições ao direito de estabelecimento e de investimento no domínio da televisão - é entendido como constituindo "uma restrição ao direito de estabelecimento e, em especial, ao direito de criar e gerir empresas, contrária ao artigo 52.º do Tratado e uma restrição ao direito de participar financeiramente no capital das sociedades, contrária ao artigo 221.º do Tratado."
O referido texto, datado de 14 de Julho de 1994, conclui que "a legislação portuguesa inclui, assim, uma discriminação exercida em razão do local da sede da empresa e do direito segundo o qual uma empresa é criada, o que equivale a uma restrição em razão da nacionalidade expressamente proibida pelo artigo 52.º, em articulação com o artigo 58.º do Tratado", pelo que era formulada a seguinte conclusão: "A República Portuguesa, ao limitar a participação de nacionais e de sociedades dós outros Estados membros no capital de uma sociedade candidata à obtenção de uma licença para o exercício de actividade de televisão a 15% do capital desta, e ao sujeitar o acesso às actividades de televisão, no que diz respeito às empresas dos outros Estados membros, à condição de constituírem previamente uma sociedade anónima de direito português com sede em Portugal, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 52.º e 221.º do Tratado da Comunidade Europeia".
Impõe-se, assim, Srs. Deputados, uma alteração à lei da televisão no sentido de modificar o referido artigo 9.º, o que, de resto, o anterior Governo tinha já anunciado em carta dirigida à Comissão Europeia, em 7 de Dezembro de 1993.
A proposta de lei hoje em debate concretiza essa promessa, feita pelo anterior governo, cujo incumprimento coloca o processo de infracção existente contra o Estado português em risco de passar da fase pré-contenciosa para a contenciosa.
A norma que é aditada é, de resto, idêntica e de alcance semelhante às existentes nos restantes países da União Europeia. Posso, aliás, referir alguns exemplos: a lei espanhola, de Maio de 1988, sobre a televisão privada, ou mais rigorosamente sobre a "gestão indirecta do serviço público essencial de televisão", estipula, no seu artigo 18.º, que "sem prejuízo do previsto no direito comunitário europeu, as sociedades concessionárias deverão ter a nacionalidade espanhola e estar domiciliadas em Espanha"; a lei francesa relativa à liberdade de comunicação, de Setembro de 1986, no artigo 40.º, refere que "sem prejuízo dos acordos internacionais subscritos pela França, nenhuma pessoa de nacionalidade estrangeira pode proceder a qualquer aquisição que tenha como consequência atingir, directa ou indirectamente, a parte do capital detida por estrangeiros mais de 20% do capital social ou dos direitos de voto nas assembleias gerais de uma sociedade titular de uma autorização relativa a um serviço de radiodifusão sonora ou de televisão por via hertziana assegurado em língua francesa"; a lei italiana, de Agosto de 1990, sobre a disciplina do sistema radiotelevisivo público e privado, estipula, no seu artigo 17.º, que as limitações relativas a sociedades estrangeiras "não se aplicam em relação às sociedades constituídas em Estados pertencentes à União Europeia ou a Estados com os quais a Itália tem uma relação de reciprocidade" e também que "os titulares de participações em sociedades concessionárias privadas devem possuir nacionalidade italiana ou de Estados pertencentes à União Europeia".
A proposta de lei em discussão encontra, pois, paralelo nos outros países comunitários, traduzindo assim o princípio basilar do direito de estabelecimento neste âmbito da actividade televisiva.
A defesa das especificidades nacionais, nomeadamente no que se refere à língua, à cultura ou à produção, encontrará, nestas circunstâncias, melhor e mais apropriado domínio nas regras relativas ao conteúdo da programação dos operadores, bem como na existência de um serviço público de televisão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a presente iniciativa legislativa do Governo causa, de facto, alguma perplexidade à bancada do Partido Popular. Com efeito, o artigo 9.º, n.º 3, e o artigo 13.º da Lei n.º 58/90 têm o seu fundamento no artigo 13.º, n.º 3, da Lei 11/90 (Lei-Quadro das Privatizações). Assim, o problema da harmonização com as normas internacionais que vinculam o Estado português, deverá, em nossa opinião, colocar-se em sede da Lei-Quadro, porquanto a questão é, obviamente, genérica. Mais: o artigo 13.º, n.º 3, da Lei-Quadro utiliza a palavra "poderá" e não "deverá" restringir. Logo, fica ao critério do legislador a avaliação do interesse nacional que possa requerer tal restrição.
O Partido Popular reconhece que, em diversos sectores, tal interesse é manifesto, e a televisão é certamente um deles pela natureza social e culturalmente relevante da sua actividade, sobretudo no actual contexto de forte penetração do audiovisual estrangeiro.
Porém, não obstante considerarmos razoável que o legislador tenha usado a faculdade de restringir a participação do capital estrangeiro e de criar sanções para uma eventual violação dessas restrições, confrontamo-nos com a impossibilidade, face ao direito comunitário, de a manter. Penso que é com essa mesma impossibilidade que se confronta o Governo, pelo que é correcto vir proceder à respectiva harmonização. Só que, em nossa opinião, esta deverá ser genérica porque a restrição também é genérica.
Assim, para o Partido Popular esta iniciativa legislativa do Governo afigura-se duplamente inútil: em primeiro lugar, não há um nexo claro entre os motivos e a iniciativa legislativa. Com efeito, os motivos são esclarecer a dúvida sobre se a restrição imposta pelo artigo 9.º se aplica a nacionais de Estados membros da União Europeia. Esta é a dúvida. A iniciativa legislativa apenas diz que há que respeitar as normas internacionais que vinculam o Estado português - ora, isso, como é óbvio, já todos nós sabíamos. Em segundo lugar, porque é redundante e não vem esclarecer aquilo que há muito já estava esclarecido.
Porém, se algum sentido de razoabilidade se pode descortinar nesta medida, será o de proceder à harmonização antes da abertura de um processo conducente à privatiza-

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ção de um dos canais públicos de televisão, ou para permitir, ou ratificar, a alteração do capital social no que se refere à maior participação de capital estrangeiro de qualquer um dos operadores privados. A não ser assim, e face ao calendário de privatizações apresentado pelo Governo, questionamo-nos sobre qual será o enquadramento legal, neste aspecto concreto, que irá presidir à privatização, por exemplo da Telecom ou da Tabaqueira.
Assim, pergunta-se ao Governo, primeiro: as restrições do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 58/90 aplicam-se ou não a nacionais dos Estados membros? Segundo: se não se aplicam, é legítimo presumir que o artigo 13.º, n.º 3, da Lei-Quadro das Privatizações também não se aplica? Terceiro: vão VV. Ex.ªs privatizar algum dos canais públicos da televisão? Quarto: pretende-se ratificar ou permitir a alteração da composição do capital social de algum dos operadores privados, com vista a uma maior participação de capital estrangeiro oriundo da Comunidade?

O Sr. Presidente: - Dado que o Sr. Secretário de Estado pretende responder no fim, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes também para pedir esclarecimentos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a minha bancada, do ponto de vista estritamente jurídico, está perfeitamente de acordo com o que aqui veio dizer. De resto, nem de outra forma poderia ser uma vez que, como acabou de ser explicitado pela Sr.ª Deputada do Partido Popular, a mesma interpretação decorre directamente da Constituição da República Portuguesa e, sobre isso, não temos nem nunca tivemos grandes dúvidas. O problema, do nosso ponto de vista, coloca-se não no plano jurídico, portanto, mas sim no plano político. E, no plano político, devo dizer que a minha bancada tem fundadas dúvidas sobre esta iniciativa governamental.
A questão, no fundo, coloca-se para nós da seguinte maneira: tudo, aparentemente, poderia fazer sentido quanto a esta iniciativa do Governo, se houvesse, no âmbito da comunicação social e, em particular, da actividade de televisão, actualmente em curso uma situação qualquer de contencioso à beira do qual o Estado português estivesse prestes a ser condenado em alguma coisa. Ora, como o Sr. Secretário de Estado afirmou na sua intervenção, tal não acontece. Eventualmente, o que existe, é a detecção de uma situação de infracção mas, como o próprio Sr. Secretário de Estado disse nas suas declarações iniciais, que ouvi atentamente, não existe ainda nenhuma acusação formal ao Estado português, ou seja, não está instaurado nenhum processo de contencioso nas instâncias europeias.
Assim sendo, a leitura que a minha bancada não pode deixar de fazer, em relação a esta iniciativa, é a sua consequência política, e sobre essa matéria, Sr. Secretário de Estado, queria dizer-lhe o seguinte: o aparecimento deste tipo de normas negativamente discriminadoras da participação do capital estrangeiro em empresas portuguesas, decorre historicamente, pelo menos depois do 25 de Abril, do processo das privatizações e da Lei-Quadro das Privatizações que, como também aqui foi citado pela bancada do Partido Popular, tem ínsito, nos seus artigos, dispositivos que, visando o refortalecimento e a reconstituição de grupos económicos nacionais, colocam limites à participação de capital estrangeiro, em determinado tipo de circunstâncias, nas empresas a privatizar. Ora, de acordo com o entendimento que nós fazemos desta iniciativa governamental - uma vez que, repito, na parte respeitante à televisão, não nos parece haver nenhuma necessidade imperiosa, nenhuma utilidade prática imediata de fazer aprovar uma iniciativa deste tipo -, o único resultado prático que resultará desta iniciativa é o de o Governo dar um sinal político claro de abandono da política que tem vindo a ser seguida no âmbito dos processos de privatizações, de tentativa sistemática de reforço e de recuperação dos grupos económicos nacionais por forma a que o tecido empresarial nacional possa, no plano das operações de privatização, recuperar o campo que perdeu, em 1975, 1976 e 1977, nas operações de nacionalização, que são a outra face da mesma moeda em análise nesta questão.
A pergunta concreta que faço ao Sr. Secretário de Estado é, pois, no sentido de saber se desta proposta de lei - e parto do princípio de que, seguramente, o Governo terá ponderado de forma correcta as implicações políticas, para além das jurídicas, que o Sr. Secretário de Estado aqui nos trouxe, desta iniciativa - resulta o abandono, por parte do Governo, da intenção, expressa na Lei de Bases das Privatizações, de continuar a privilegiar a reconstituição e a recuperação de grupos económicos nacionais, dado que durante o ano de 1996 ainda há muitas e importantes empresas nacionais a serem privatizadas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.

O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que quer a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto quer o Sr. Deputado Luís Marques Guedes laboram num erro de base: é que não estamos perante um processo de privatização. Portanto, não há qualquer semelhança entre aquilo que é proposto neste diploma e qualquer processo de privatização, estamos numa circunstância completamente diversa. O que há é a tentativa de evitar que uma questão, que está em fase de pré-contencioso, passe a uma fase de contencioso.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes diz que essa fase não está eminente. Respondo-lhe que não está eminente por duas razões: é que o Governo do PSD enviou, em tempos, uma carta precisamente no sentido de prometer que esta proposta de lei iria ser apresentada e, depois de o Governo do PS tomar posse, nós próprios tivemos oportunidade de dizer o mesmo, ou seja, concretizar a sua apresentação e, assim, informar a União Europeia de que poderia prescindir dessa fase de pré-contencioso.
Foi também perguntado se estava em causa, nesta proposta de lei, uma privatização da RTP. É evidente que isso não está em causa. Penso mesmo que a existência de um serviço público de televisão, com canais de capitais exclusivamente públicos, como é hoje o caso do operador público de televisão em Portugal, constitui a principal barreira à presença de capital estrangeiro comunitário nos operadores de televisão. Esse, sim, parece-me ser o aspecto essencial desta matéria.
Toda a gente sabe que existe já hoje em Portugal pelo menos um operador privado de televisão que tem bem mais de 50% do seu capital pertencente a países da União Europeia que não Portugal, o próprio governo do PSD, em tempos, foi informado disso - a Alta Autoridade para a Comunicação Social tem em seu poder documentação que o comprova - e nunca, no passado, ninguém se opôs a esta questão ou levantou qualquer obstáculo, qualquer dificuldade ou qualquer perigo em relação a esta matéria. Penso que o problema poderia existir, sim, se qualquer governo ou qualquer maioria parlamentar decidisse a privatização do operador público e, nessa altura, poderíamos

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estar em risco de não ter, em Portugal, nenhum operador de televisão que pudesse, simultaneamente, ter capital português e defender os interesses nacionais onde eles são, de facto, importantes, ou seja, a língua, a cultura e a produção nacionais.
Aliás, penso que este debate pode servir para ilustrar sobretudo a bancada do PSD, onde alguns dos Srs. Deputados já anunciaram ir propor, no respectivo congresso, a privatização de um dos canais de televisão, pelo menos da RTP, o que, julgo, seria um rematado disparate. Tal deve ser também ponderado à luz do interesse nacional, da protecção da língua, da cultura e da produção portuguesas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, tenho comigo o relatório elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias acerca desta proposta de lei, que diz exactamente o seguinte, no seu n.º 2: "a origem deste tipo de normas discriminadores da detenção do,. capital em função da nacionalidade dos respectivos titulares radica na Lei-Quadro das Privatizações", pelo que, Sr. Secretário de Estado, discordo em absoluto daquilo que afamou.
Portanto, este tipo de normas radica, obviamente, na lei-quadro das Privatizações, pelo que, para mim, a alteração que agora se pretende introduzir, relativamente à qual não emiti qualquer juízo de valor - note! -, se trata de uma decorrência da própria Constituição e do Tratado de Maastricht e que, possivelmente, já há muito tempo deveria estar a ser considerada.
Pergunto, pois, o seguinte: decorrendo da Lei-Quadro das Privatizações, significa isso, ou não, que tem de se entender, daqui para a frente, que o artigo 13.º dessa lei-quadro está também alterado porquanto está clarificado neste mesmo sentido? O quadro das futuras privatizações será feito de acordo com o anterior ou com o actual artigo 13 º?
É isto que desejo saber porque considero ser da maior importância para a coerência do processo. Não se vai, certamente, esperar por fases de contencioso nos diferentes sectores para tomar decisões.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª, na resposta que deu ao pedido de esclarecimento que lhe formulei, aproveitou para voltar a bater na tecla que eu já tinha referido e com a qual estaríamos, em princípio, de acordo, ou seja, que, no plano da actividade televisiva, do ponto de vista da bancada do PSD, a aprovação desta norma, aparentemente, para nós, não suscita qualquer problema. De facto, como V. Ex.ª disse, e muito bem - mas é uma verdade pública e notória, portanto não é propriamente um argumento -, não estamos, em sede da lei da televisão, a tratar de nenhum problema que tenha a ver com privatizações, dado que, pelo menos de momento, embora isso tenha sido suscitado como hipótese pela bancada do Partido Popular, não existe nenhum processo de privatização em curso de uma empresa do sector público de comunicação social na área da televisão.
Para nós, Sr. Secretário de Estado - e penso que se não me fiz entender bem no meu pedido de esclarecimento foi, com certeza, falha minha -, este é um problema político que radica no precedente político que resulta desta iniciativa governamental. Não ignora decerto o Governo de que V. Ex.ª faz parte que, independentemente daquelas que são as normas do Tratado da União Europeia, que vincula o Estado português internacionalmente, há matérias em relação às quais - e o processo de privatizações é, seguramente, uma das mais importantes - o Estado português tem defendido outras posições, por razões políticas, que não jurídicas expressamente, que lhe assistem. E cito só uma a V. Ex.ª, que tem a ver com o relembrar de que o processo de nacionalizações em Portugal atingiu apenas a detenção de capital privado, tendo salvaguardado, expressamente, toda a detenção por estrangeiros do capital das empresas nacionalizadas. Por essa mesma ordem de razões, que é uma razão política, tem vindo o Estado português, denodadamente, desde há vários anos, como V. Ex.ª bem sabe, através do Governo, a defender nas instâncias internacionais a razão política que assiste ao Estado português de, nos processos de privatização, continuar a tentar salvaguardar a recuperação dos grupos económicos portugueses, precisamente porque foram esses os afectados pelas nacionalizações e não o capital estrangeiro que também, no momento das nacionalizações, tinha sido tratado de forma diferente pelas autoridades nacionais. Quanto a isso V. Ex.ª não respondeu nada.
Terminava a minha intervenção dizendo que o Grupo Parlamentar do PSD vê com bastante preocupação o sinal político que é dado por esta proposta de lei relativamente ao impacto que pode ter no âmbito dos processos de privatizações. Com esta iniciativa do Governo está-se a fragilizar expressa e manifestamente a posição de salvaguarda dos interesses das empresas nacionais nos processos de privatização que o Estado e o Governo português, seguramente, de acordo com aquilo que está anunciado, irá pôr em marcha ainda durante o ano de 1996, e também, previsivelmente, em 1997 e em 1998.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer apenas uma pequena observação acerca desta proposta de lei para dizer que não acompanhamos o seu objectivo.
Quando há alguns anos se discutiu a lei da televisão presentemente em vigor e foi proposto que se estabelecesse um limite máximo para a detenção de capital social por parte de entidades estrangeiras tivemos oportunidade de, nessa altura, dizer que isso era justificado tendo em conta a natureza da actividade desenvolvida pelos operadores de televisão. De facto, não estamos perante uma qualquer empresa mas, sim, perante órgãos de comunicação social de grande impacto e perante a utilização do espectro radioeléctrico português, que, como sabe, é um bem do domínio público do Estado português. Daí que, particularmente num momento em que são muito discutidos por esse mundo fora todos os problemas relacionados com a padronização à escala mundial das televisões e que, mesmo à escala europeia, se discutem formas de proteger a Europa face à invasão televisiva oriunda dos Estados Unidos da América, creio que, por maioria de razão, se justifica que para as televisões portuguesas, tendo até em conta a identidade e a dimensão do nosso país, se justifica plenamente que sejam impostos limites à participação no capital social por parte de entidades estrangeiras.

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Assim, em coerência com a posição que tomámos quando foi discutida pela primeira vez a lei da televisão, não acompanharemos esta proposta de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, Srs. Deputados: O pedido de autorização legislativa apresentado pelo Governo, e que merece o acordo do Grupo Parlamentar do PS, não deve, a nosso ver, ser entendido como um mero produto da necessidade de consagrar na lei da televisão uma inevitabilidade jurídico-política decorrente dos compromissos assumidos pelo Estado português no seio da União Europeia, inevitabilidade essa à qual, resignadamente, nos teríamos de conformar, ou como uma espécie de mais um preço a pagar pela integração europeia, preço esse, porém, eivado de perigos ou de ameaças para a identidade cultural portuguesa ou para a independência nacional.
Por um lado, o reconhecimento expresso aos nacionais dos Estados membros da União Europeia de tratamento igual ao dos cidadãos portugueses, no que respeita à exploração da actividade de televisão e à participação no capital social dos operadores do sector, deve ser visto à luz da filosofia da cidadania europeia e dos seus inerentes direitos e deveres e numa base de plena reciprocidade inter-Estados. Por outro lado, é hoje cada vez mais visível que é. pura ilusão, ainda que bem intencionada, pretender que as limitações ao chamado direito de estabelecimento funcionem como válvulas de segurança na defesa da identidade cultural portuguesa ou da opinião pública nacional contra os perigos de descaracterização ou de submissão a pressões externas, ilusão essa que não se compadece nem com a internacionalização da produção audiovisual, nem com a liberdade de recepção e retransmissão de programas de radiodifusão televisiva que a evolução tecnológica em curso tornou inevitável, nem com a liberdade de receber e de consumir informações e ideias sem consideração de fronteiras, como o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagrou, até porque a ameaça aos valores que o legislador tinha em mente ao consagrar estas imitações ao direito de estabelecimento não decorre, necessária e fundamentalmente, da predominância de capital estrangeiro numa sociedade de televisão. A experiência do nosso actual quadro televisivo aí está para mostrar à exaustão que nem sempre os próprios investidores nacionais dão garantias de defender os valores da cultura e da língua portuguesas, ora descurando a produção de obras de ficção e outras de autores portugueses, ora inundando o écran com reality shows ou concursos de concepção e formato estrangeiros. Não é, com efeito, da nacionalidade do capital da entidade proprietária que decorre a existência de uma televisão respeitadora ou não da cultura e língua portuguesas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa por ter de o interromper, mas encontram-se entre nós um grupo de 100 alunos da Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, do Porto, e um outro de 50 alunos da Escola Profissional e Tecnológica de Sicó, de Alvaiázere, que têm de se ausentar neste momento, para quem pedia a todos uma saudação muito amiga.

Aplausos gerais, de pé.

Sr. Deputado António Reis, pode prosseguir a sua intervenção.

O Orador: - É, sim, através de um outro tipo de normativos (alguns já consagrados em outros artigos da lei da televisão) que obrigue todo e qualquer operador de televisão a respeitar os valores culturais que estão no cerne das nossas comuns preocupações que se poderá e deverá evitar as consequências. negativas que alguns vêem na derrogação das limitações ao direito de estabelecimento por parte de entidades estrangeiras. Refiro-me, nomeadamente, ao artigo 19.º desta lei, que estabelece as percentagens mínimas de produção em língua portuguesa 40%- e de produção nacional - 30%.
Por isso, preferimos entender esta explicitação na lei da possibilidade de acesso ao capital de pessoas estrangeiras oriundas de países comunitários como um convite a uma maior responsabilização comum por aquilo que deve efectivamente preocupar-nos: o respeito por todos os operadores de televisão, públicos e privados, independentemente da composição do respectivo capital, um conjunto de regras de programação, regras essas que o legislador poderá no futuro até, quiçá, tornar mais exigentes e, sobretudo, a garantia do seu respectivo cumprimento, de preferência por via de uma autoridade pública independente ou de um organismo regulador de composição acima de toda a suspeita, como se. prevê no projecto de revisão constitucional que o PS acabou de apresentar.
Vou mais longe: a possibilidade de internacionalização do capital privado (que, aliás, já é um facto na TVI, com 45% em 1994) acaba, em última análise, por funcionar como mais um argumento a favor do serviço público de televisão, a ser exercido por uma sociedade de capitais públicos nacionais e à qual caibam obrigações acrescidas por comparação com as dos demais operadores privados na defesa da nossa identidade e criatividade culturais e no respeito por uma ética de antena que recuse a violência, o "voyeurismo", a vulgaridade, o sensacionalismo e a manipulação informativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem acompanhou a luta, a acção dos jornalistas nos últimos 30 anos da vida do nosso país sabe que um dos objectivos essenciais por que ela se pautou no tempo da censura e do fascismo foi, entre outros, o da clarificação dê um assunto essencial da vida dos jornais e da informação - e que respeitava à clarificação da posse material dos órgãos de comunicação social, independentemente dos que fossem.
Revelou-se - e quem trabalhou nos jornais, na rádio ou na televisão sabe-o bem - que o conhecimento público da posse do capital proprietário dos meios de comunicação social constitui um elemento fundamental da clarificação e transparência do funcionamento da comunicação social num Estado democrático. Assim o entenderam os legisladores que fizeram a lei da imprensa logo a seguir ao 25 de Abril, reflectindo não apenas a transformação de Portugal num Estado democrático mas também aquilo que tinha sido o contributo dos profissionais da comunicação social e de toda a intelectualidade portuguesa num esforço para essa clarificação, que incluía, naturalmente, a con-

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sagração não apenas do carácter público da propriedade dos meios de comunicação social como também a garantia de que a sua propriedade e a possibilidade de intervenção dos proprietários ficasse em território nacional, correspondesse a uma cidadania portuguesa e pudesse reflectir os interesses de defesa da cultura e da língua portuguesas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém põe em causa que a lei de imprensa aprovada em 1975 necessita de ser revista, que muitos elementos dessa lei, seja pela evolução verificada no País, seja pela evolução verificada em todo o mundo, quer em termos tecnológicos, quer em termos de informação, assim o exigem. Agora, o que não parece necessário é que cada revisão a que seja preciso proceder, seja por imposição das revisões tecnológicas ou a pretexto delas, seja por imposição da integração europeia, tenha de ser feita constantemente em prejuízo daquilo que Abril consagrou relativamente à luta da intelectualidade portuguesa, à luta da cultura ao serviço de Portugal e à luta por uma comunicação social transparente ao serviço da cultura, do povo português, da democracia e da clareza do exercício do poder.
Nestas circunstâncias, parece-nos completamente inadequada esta pressa que reflecte, aliás apenas e uma vez mais, que para a maioria, seja do PS seja do PSD, a integração europeia pode ser constantemente feita - eu diria que tem de ser constantemente feita - à custa da nossa identidade, da defesa dos nossos valores e - o que é talvez até mais grave - à custa do património de lutas e de vitórias dos intelectuais e dos jornalistas portugueses, de todos aqueles que se bateram por uma comunicação social ao serviço do País e da democracia.
Gostaria, aliás, de dizer ao PSD, que tanto cita o facto de os seus fundadores Sá Carneiro e Pinto Balsemão terem apresentado nesta Casa, quando ainda era Assembleia Nacional, um projecto dê lei de imprensa que foi recusado pela então maioria fascista, que aí se consagrava a necessidade da maioria do capital social das empresas proprietárias de meios de comunicação social se manter na posse de cidadãos portugueses. Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades! Parece que hoje o PS e o PSD entendem que a garantia de a posse material dos meios de comunicação social ser de cidadãos portugueses não é uma necessidade da democracia, da cultura nacional e da defesa da nossa identidade.
Não o consideramos assim, e é nesse sentido que vamos votar.

O Sr. Presidente: - A Mesa foi informada de que há consenso no sentido de se passar, desde, já, à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 11/VII - Altera a Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro (Regime da Actividade de Televisão).

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra dó PSD, do CDS-PP, do PCP e de os Verdes e votos a favor do PS.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do relatório e parecer, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o recurso de admissibilidade, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, do projecto de lei n.º 107N11 - Amnistia às infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991 (PS).

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer é do seguinte teor:
Alguns Deputados do Partido Socialista apresentaram um projecto de lei visando a amnistia de certas categorias de infracções disciplinares e criminais.
Nos termos do artigo 1.º, a amnistia é concedida a todas as infracções disciplinares e criminais, incluindo as sujeitas ao foro militar, praticadas por organização e seus membros compreendidos na previsão dos artigos 300.º e 301.º do Código Penal vigente, e nos correspondentes artigos 288.º e 289.º da versão original do Código Penal.
Apenas se prevê a amnistia daquelas infracções, desde que praticadas no período compreendido entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991.
Os proponentes exceptuam da aplicação da amnistia os crimes contra a vida e a integridade física previstos nos artigos 131.º, 132.º, 133.º e 144.º do Código Penal.
Cotejando-se os artigos 300.º e 301.º do Código Penal vigente com os artigos 288.º e 289.º do Código de 1982, verifica-se que quanto à tipificação dos crimes de organização terrorista e de terrorismo não há diferenças significativas entre aquelas leis penais.
Assim, tendo em atenção os referidos dispositivos, verifica-se que é proposta a amnistia para os que:
1 - Promovam ou fundem grupo, organização ou associação terrorista;
2 - Dêem a sua adesão aos grupos, organizações ou associações atrás referidos;
3 - Dirijam ou chefiem aqueles grupos, associações ou organizações;
4 - Pratiquem qualquer acto preparatório de constituição de organização terrorista;
5 - Para os que pratiquem qualquer dos crimes caracterizadores da actuação de uma organização terrorista, mencionados no n.º 2 do actual artigo 300.º, n.º 2, do Código Penal, anterior artigo 288.º, n.º 2.
Das molduras penais dos referidos crimes retira-se que os ilícitos são puníveis de acordo com a sua gravidade entre um mínimo de 1 ano e um máximo de 20 anos.
Na versão anterior do Código, o mínimo era de 2 anos e o máximo era também de 20 anos.
O Código Penal tipifica a organização terrorista e o terrorismo em função dos objectivos de prejudicar a integridade e a independência nacionais, de impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, de forçar a autoridade pública à prática de um acto, à abstenção de o praticar ou à tolerância na sua prática, ou ainda do objectivo de intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante a prática de crimes que um dos artigos enuncia em várias alíneas.
Os recorrentes vêm arguir a inconstitucionalidade do projecto de lei com a seguinte fundamentação:
a) - Deduz-se, quer do articulado dó projecto de lei quer da sua fundamentação que o mesmo se dirige a um grupo determinado de pessoas, membros das FP-25 de Abril;
b) - O projecto de lei amnistia apenas crimes praticados num determinado espaço de tempo, quando praticados no âmbito de uma organização terrorista, crimes estes que visam prejudicar, nomeadamente, a independência nacional, intimidar pessoas ou a população em geral;
c) - Assim, na economia do projecto de lei, alguém que cometeu um roubo ou furtou .um veículo com intenção terrorista é amnistiado, mas quem cometeu os crimes sem finalidades terroristas , isto é, sem tanta gravidade, tem de cumprir a pena respectiva.

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Logo, concluem os recorrentes, que o projecto de lei privilegia entre dois cidadãos que porventura tenham praticado crimes do mesmo tipo, os criminosos terroristas mesmo que estes tenham visado prejudicar a independência nacional ou o funcionamento das instituições do Estado.
Segundo os recorrentes, a amnistia viola o princípio constitucional da igualdade previsto no artigo 13 º da Constituição da República Portuguesa.
Louvam-se para tal em Vital Moreira e Gomes Canotilho que, em anotação ao artigo 164.º da Constituição da República, referem também dever ser equacionado o problema da insusceptibilidade de amnistia de certos tipos de crimes, como são os crimes contra a humanidade e os crimes de responsabilidade.
Acrescentam os recorrentes que a amnistia dos tipos de crimes prevista no projecto de lei casa mal com o escopo teleológico da Constituição e com a sua matriz.
Mas a afirmação mais peremptória que fazem é a da violação do princípio, da igualdade. Apesar das considerações de Vital Moreira e Gomes Canotilho sobre a insindicabilidade da amnistia quanto à sua oportunidade e à extensão dos seus efeitos. Para os recorrentes, mesmo um acto político, sob a forma legislativa, tem de confrontar-se com o princípio constitucional da igualdade. A violação deste princípio resulta, segundo os recorrentes, de a amnistia visar os arguidos do caso FP-25 de Abril em razão das convicções políticas ou ideológicas que perfilharam.
A amnistia, porque significa o apagamento o crime, representa derrogação do sistema legal punitivo.
Muitos tecem-lhe críticas por entenderem que representa a intromissão de outros poderes na administração da Justiça.
É, no entanto, no que concerne ao perdão individual, porque dirigido a um processo em concreto, que as críticas ganham maior dimensão. Na verdade, segundo alguns autores, o perdão individual subtrai o culpado ao juiz natural, infringe o princípio da igualdade perante a lei e significa uma intolerável ingerência nos poderes exclusivos dos órgãos encarregados de administrar justiça.
Será para estes autores incompatível com o Estado de Direito, havendo mesmo quem faça tal afirmação relativamente à amnistia, porque representa a sobreposição de um poder estatal sobre o judicial.
Maia Gonçalves, contudo,, entende não ser assim.
Visando o Estado de Direito a pacificação da comunidade, poderá justificar-se que lance mão da amnistia quando entenda que político-criminalmente é mais adequado apagar determinados crimes. (Vide As medidas de graça no Código Penal e no projecto de revisão de Maia Gonçalves, in Rev. Port. de Ciência Criminal - Ano 4- Fas. 1).
Para este autor, as condições políticas, sócio-económicas ou de confrontação podem sofrer alteração, justificando-se então o uso das medidas de graça.
Outros, como Eduardo Correia e Taipas de Carvalho, aceitam a legitimidade das medidas de graça apenas quando a defesa da comunidade sócio-política é melhor realizada através da clemência do que da punição.
A amnistia não representa propriamente o apagamento do crime mas antes apagamento do dever de executar a sanção (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime).
Assim, pode a Assembleia da República, nos termos do artigo 164.º, alínea g) da Constituição da República Portuguesa, se entender que se verificam as condições para não ser executada a sanção, quer tendo em conta a pacificação da vida comunitária, quer tendo em conta a própria socialização de arguidos, "conformar livremente o conteúdo da lei, amnistiando grupos de factos ou grupos de agentes, segundo os critérios fundados que entenda fixar e combinar da forma que repute preferível" (Professor Figueiredo Dias, obra citada).
A amnistia, porque é um pressuposto negativo da punição, e não um pressuposto negativo da punibilidade, não está relacionada com a falta de dignidade punitiva do facto. Assim, nenhum princípio há que circunscreva a possibilidade de uma amnistia a bagatelas penais.
Por outro lado, deve realçar-se que é o próprio Código Penal que torna possível a isenção de pena em crimes como ode organização terrorista e de terrorismo.
Optando, claramente, pelo aniquilamento do dever de executar a sanção, quando o comportamento dos arguidos seja de tal forma que a tutela dos bens jurídicos que o Direito Penal visa proteger se mostre melhor assegurada com a isenção de pena do que com o prosseguimento do processo crime.
Assim, esta opção do legislador mais alicerça a conclusão de que a Assembleia da República não está impedida de escolher, para amnistiar, crimes como os que constam do' projecto de lei.
Uma amnistia, como atrás se disse, citando o Professor Figueiredo Dias, envolve sempre uma selecção de factos ou agentes, ou mesmo de penas, tendo em vista situações concretas que aconselham uma determinada resposta no sentido do apagamento da sanção.
A verificação de determinadas condições tem de determinar uma escolha, ou de factos, ou de agentes. Tal como na anterior amnistia se transformaram penas de prisão em multas, relativamente a jovens e a pessoas de mais de 70 anos, sem que tal representasse violação do princípio da igualdade, porquanto se levou em consideração que a ressocialização dos mesmos se faria melhor extra-muros.
O projecto de lei visa a amnistia de factos ocorridos em certo período. As razões da escolha desse factos estão justificadas no preâmbulo.
O articulado não contém qualquer limitação à amnistia no que toca aos motivos que levaram à prática dos crimes. Não se aplicará, portanto, apenas aos casos de alegada motivação política, e muito menos será restrita aos casos em que os seus agentes estejam indiciados ou pronunciados como elementos das FP-25 de Abril. Assim, não se vê que o projecto de lei padeça de qualquer inconstitucional idade.
Neste sentido, a Comissão é de parecer que o projecto de lei n.º 107/VII não sofre de qualquer inconstitucionalidade pelo que o recurso deve ser rejeitado.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para intervenções, a Sr.ª Deputada Odete Santos, na qualidade de relatora, bem como os Srs. Deputados Barbosa de Melo, José Magalhães e Jorge Ferreira.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e parecer da comissão, aprovado por maioria, sinteticamente refere algumas questões em contraposição aos argumentos dos recorrentes. Estes entendem, para sintetizar, que, em primeiro lugar, pelos crimes que abrange, esta amnistia vai contra o escopo teleológico da Constituição e, em segundo, que viola o princípio da igualdade porque o mesmo tipo de crime cometido fora ou dentro do âmbito da organização terrorista sofre tratamento diferente.
No entanto, não foi apresentada a questão, que tem sido muito falada, da lei geral e abstracta - isso não consta dos argumentos dos recorrentes.

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Assim, depois de ter feito um brevíssimo estudo, porque o tempo não deu para mais, verifiquei que não há nenhuma referência doutrinária que positivamente exclua do âmbito de uma amnistia crimes como. os de organização terrorista e de terrorismo. Inclusivamente, Vital Moreira e Gomes Canotilho afirmam que é insindicável a opção da Assembleia da República em relação aos crimes que pretende escolher para a amnistia.
Em segundo lugar, em termos de política criminal - e esta Assembleia, quando aprova leis penais, está também a determinar uma certa política criminal -, é o próprio Código Penal, aprovado por esta Assembleia, que assim o entendeu e que decidiu que os crimes de organização terrorista e de terrorismo poderiam ser isentos de pena pelo próprio tribunal se efectivamente isso se revelasse mais indicado para a pacificação e para a defesa sócio-política da comunidade. Por isso, entendo que este género de crimes não está afastado, por nenhum princípio nem nenhuma razão, do âmbito de uma amnistia.
Em terceiro lugar, e em relação à questão do princípio da igualdade, é entender este princípio em termos absolutos - o que nem a nossa Constituição permite - dizer que uma amnistia viola o princípio de igualdade porque, então, todas o violam porque sempre que a Assembleia decide escolher, seleccionar um certo número de crimes para os amnistiar, escolhe uns e afasta outros. Há exemplos da violação do princípio da igualdade, assim entendida em termos absolutos, nas anteriores amnistias.
O exemplo que cito no relatório podia ser acompanhado de outros, mas esse, em relação ao perdão genérico, creio ser elucidativo porque não permitimos a outros condenados punidos com uma pena de prisão inferior a três anos que pagassem a multa e que saíssem da cadeia. E porquê? Porque, efectivamente, entendemos que os jovens e os idosos cumpririam melhor o objectivo da ressocialização se pudessem pagar em multa.
De facto, entendo que - e é o que consta do relatório este projecto de lei sobre a amnistia não viola o princípio da igualdade e que, além do mais, e ligando este argumento ao primeiro argumento dos recorrentes, é preciso que se entenda que uma amnistia não corresponde, de acordo com as teses do Professor Figueiredo Dias, nas suas Lições de Direito Penal, à absolvição do arguido. E por isso ele diz que a amnistia não é uma condição de não punibilidade, porque então teríamos de atender às molduras penais e escolher as bagatelas penais, mas sim uma condição de não execução da pena. E aí a Assembleia da República, em nome dos princípios de política criminal, pode fazer as escolhas que entender.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha primeira palavra é para dizer que respeitamos a decisão de V. Ex.ª e que o nosso recurso visa apenas que esta Câmara não faça o papel que tradicionalmente se imputa à avestruz,. isto é, que "meta a cabeça debaixo da areia" e não encare frontalmente uma questão grave que tem de decidir hoje.
Recorremos da admissibilidade do projecto de lei n.º 107/VII por uma razão básica: o Estado de Direito impõe que o direito limite o arbítrio da política. Não é motivo suficiente para nenhuma medida dizer-se: é a política que a impõe. Se deixássemos que este arrazoado se instalasse na comunidade tínhamos aberto o caminho para o encerramento do Estado de Direito, em que os princípios jurídicos e os princípios fundamentais são á baliza, são a estrutura da acção política do mesmo Estado.
É esta a primeira razão que nos levou a trazer ao Plenário a discussão deste tema. Mas há mais!
Há neste caso um princípio, que é basilar, que é estruturante do nosso Estado de Direito, do Estado de Direito europeu e ocidental, que é o princípio da igualdade, que nós, Constituintes - e ainda há aqui alguns -, tivemos o cuidado de especificar nas suas exigências maiores. E eu leio-o para mostrar que alguns arrazoados também produzidos a respeito do princípio da igualdade não batem no ponto. Diz o n.º 2 do artigo 13.º da Constituição: "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas ...". E nós o que estamos aqui a fazer é uma distinção em favor de convicções ideológicas, favorecendo punidos criminalmente por actos, por razões que têm a ver com ideologia política. E isto que a Câmara não pode esquecer quando tomar a sua decisão.

Aplausos do PSD.

Lembro apenas, por último, que o crime de organização terrorista não é qualquer coisa com que a Europa possa brincar. Felizmente, em Portugal tivemos só esse surto, mas olhemos à volta e pensemos que uma má orientação do Estado neste domínio pode ter complicações e implicações que nós, aqui, não somos capazes de medir.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sou eu que agradeço, nomeadamente o facto de terem interposto o recurso que interpuseram.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD diz que o Sr. Presidente da Assembleia da República não deveria ter admitido o projecto de lei de amnistia apresentado pelo Partido Socialista. Nós dizemos, e a 1.ª,Comissão disse no seu parecer, que o Presidente da Assembleia da República cumpriu a Constituição, que não há nenhum reparo a fazer. É esta a tradição da Assembleia da República, e foi um presidente da bancada do PSD que admitiu o projecto de lei de amnistia contra crimes de organização terrorista que aqui foi apreciado e ninguém desta bancada se ergueu contra isso.

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, o Sr. Presidente da República não nos pediu uma lei inconstitucional e nós não lhe daremos uma lei inconstitucional. Dar-lhe-emos uma lei filiada nos mesmos princípios da Constituição da República, que são os ideais libertadores e generosos do 25 de Abril. É isso que lhe daremos e não uma lei inconstitucional.
Partimos para esta amnistia de cabeça erguida. Chegada a hora, votá-la-emos sem hesitar porque ela assenta nos valores que permitiram que, em Portugal, se fizesse uma transição tranquila entre uma ditadura sanguinária e a democracia que hoje vivemos. É por valores destes que nos guiamos.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Respeitamos os portugueses que pensam de maneira diferente, mas gostaria de dizer que não nos

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merece o menor apreço a atitude e o sentimento constitucional daqueles que, com muito farisaísmo e hipocrisia, berram agora o seu protesto e alegam inconstitucionalidade mas nunca esboçaram um gesto para lamentar a impunidade dos «pides», dos sicários da PIDE e dos carrascos de antifascista que lançaram sangue sobre Portugal durante decénios...

Aplausos do PS.

Esses, que não exigiram em nenhum momento o julgamento dos assassinos de Humberto Delgado, não têm nenhuma legitimidade para se dizerem agora incomodados. E com esses não queremos misturar-nos; queremos «separar águas» - e já!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - E o KGB?

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente, vamos votar favoravelmente o parecer da 1.ª Comissão, primeiro, porque este recurso é um mero expediente de baixa chicana política...

O Sr. José Junqueira (PS): - Muito bem!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - É uma vergonha!

O Orador: - O que o PSD quer é liderar o bloco do «não» e obrigar o PP, que não recorreu da admissibilidade, a votar contra este parecer e contra a decisão de V. Ex.ª, Sr. Presidente.

O Sr. Silva Carvalho (CDS-PP): - Não precisa de obrigar!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Votamos de consciência tranquila contra os criminosos!

O Orador: - Em segundo lugar, o PSD não hesita em deturpar a natureza do nosso projecto de lei. Não há uma gota de sangue nas letras deste projecto de lei. Não amnistiamos crimes de sangue!

Aplausos do PS.

Em terceiro lugar, o que nos divide não é o respeito pela Constituição, que respeitamos integralmente, nem é o repúdio pelo terrorismo. O que nos divide é o facto de aqui se defender a clemência e de aí se defender a impiedade e a intolerância.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Quanto aos argumentos de inconstitucionalidade, o parecer equaciona-os e não valem nada.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Clemência indiscriminada não é clemência!

O Orador: - Quanto à legitimidade da amnistia, é plena. Nesta mesma sede, o Sr. Deputado Guilherme Silva, que não tem memória, dizia, em 1991, ser bom ter presente o ensinamento de Vital Moreira e Gomes Canotilho. Eles escreveram, na Constituição da República Portuguesa Anotada, que «como acto essencialmente político e ainda que sob a forma de lei, a amnistia é essencialmente insindicável quanto à sua oportunidade e quanto à sua extensão bem como quanto à determinação dos seus efeitos». Isto que aqui foi dito, em 1991, é desdito agora. Nós mantemo-nos fiéis a este ensinamento e aplicá-lo-emos.
Em conclusão, Sr. Presidente, não há nenhuma violação do princípio da igualdade, há uma escolha medida e certeira, correspondendo à mensagem do Sr. Presidente da República.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Se o PSD quer levar até ao fim a chicana, nós dizemos: vá ao Tribunal Constitucional; lá perderá como vai perder aqui dentro de momentos.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, em 1991, quando o Sr. Deputado Barbosa de Melo era Presidente da Assembleia da República, dirigi-me a ele, na sua qualidade de segunda figura do Estado, apelando a que fizesse diligências no sentido de serem localizados e extraditados os ex-agentes da PIDE/DGS, condenados num tribunal português por implicação directa no assassínio do General Humberto Delgado.
Assim, o que queria perguntar a V. Ex.ª, como actual Presidente da Assembleia da República, é se tem conhecimento de alguma diligência feita naquele sentido.
Faço esta pergunta porque não pôde haver dois pesos e duas medidas. Não pode haver uma atitude de esquecimento em relação ao que foi o terrorismo do Estado salazarista e uma atitude de absoluta inclemência em relação a outras situações.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Notável esta comparação entre o Estado democrático e a ditadura!

O Sr. Presidente: - Só o Sr. Deputado Barbosa de Melo pode responder a essa pergunta. Assim, dou-lhe a palavra para uma interpelação à Mesa, já que acaba de pedi-la.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, não é para uma interpelação, é para defender a minha honra!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se ma dá para esse efeito, tomo a palavra.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, não me recordo de qualquer medida, de qualquer gesto como aquele

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que acaba de referir o Sr. Deputado Manuel Alegre, meu querido amigo. Não me recordo desse gesto...

O Sr. José Magalhães (PS): - É pena!

O Orador: - Mas as suas considerações, Deputado Manuel Alegre, não insinuam apenas, afirmam que eu sou cúmplice moral, que eu me rendo a esses violentos que, durante tantos anos, oprimiram a nossa Pátria. É isso que eu repudio e peço-lhe, Sr. Deputado, que não lance mão de coisas dessas para discutirmos assuntos sérios no nosso Parlamento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre para dar explicações, se assim o desejar.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, como é óbvio, quando fiz a minha interpelação não foi para fazer qualquer acusação pessoal ao meu velho amigo e Deputado, Barbosa de Melo. Não a fiz para pôr em causa a sua honra nem o seu comportamento, nem para insinuar ou para acusá-lo de qualquer cumplicidade, foi para que as coisas fiquem claras, foi para tornar claro que há aqui dois pesos e duas medidas, que há aqui uma atitude de esquecimento em relação aos crimes do regime e da ditadura salazarista e que, através de situações posteriores, se quer fazer o julgamento de um homem para, através dele, se fazer o julgamento do 25 de Abril . É isso que não se perdoa!

Aplausos do PS.

Protestos de Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Não é nada disso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos o favor de fazerem silêncio.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isto é inacreditável!

O Orador: - Sr. Presidente, tenho comigo um exemplar do Diário da Assembleia da República, contendo a acta da sessão em que fiz aquela interpelação, que vou entregar ao Sr. Presidente.
Noutros tempos, fui um perseguido político mas sempre defendi uma política de pacificação, de clemência e de reconciliação nacional. No entanto, dado que tudo indica que há aqui dois pesos e duas medidas, quero dirigir-me a V. Ex.ª, como Presidente da Assembleia da República e como segunda figura do Estado, para que faça as diligências necessárias junto dos organismos competentes no sentido de as autoridades portuguesas envidarem todos os esforços para localizarem e fazerem extraditar os assassinos do General Humberto Delgado, a fim de que cumpram em Portugal a sentença que lhes foi aplicada.
O exemplar do Diário da Assembleia da República a que me referi é a I Série, n.º 96.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - A vossa memória não é boa! Nessa altura o Presidente da Assembleia da República não era o Deputado Barbosa de Melo!
Faça um acto de contrição!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para defesa da honra da minha bancada, mas penso que o Sr. Deputado Barbosa de Melo também a pediu antes de mim para se defender das acusações do Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Não foi por essa ordem que a Mesa registou os pedidos de palavra, mas se o Sr. Deputado entende que assim é, então, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo para defesa da honra da sua bancada.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, trata-se apenas de um pedido de esclarecimentos relativo ao que acabou de dizer o Sr. Deputado Manuel Alegre.
Gostava que o Sr. Deputado me dissesse a data do texto que diz ter-me entregue, na minha qualidade de Presidente da Assembleia da República...

Protestos do PS.

Perguntei ao Sr. Deputado Manuel Alegre, não a outros e, neste caso, ele não precisa de ajuda!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, quer dar o esclarecimento?

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Diga a data!

O Orador: - Diga a data, porque eu assumi funções numa data determinada e terminei-as numa outra data. Exerci as minhas funções em tempo datado, como é próprio em democracia!

O Sr. Presidente: - Para dar o esclarecimento solicitado, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Peça desculpa!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, a fotocópia que tenho comigo não refere a data...

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: -..., mas vou já tratar de informar-me.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Seja homem! Tenha honra! Que vergonha!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-vos silêncio!
Sr. Deputado Carlos Encarnação, tinha pedido a palavra para defesa da honra da bancada, mas creio que já foi defendida, não é verdade? É que, por um mesmo facto, apenas é possível fazer a defesa da honra da bancada uma única vez. Não sei se o Sr. Deputado Barbosa de Melo usou da palavra em defesa da honra da bancada.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Sr. Presidente. O Sr. Deputado Barbosa de Melo pediu um esclarecimento pessoal acerca de uma data ao Sr. Deputado Manuel Alegre.

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O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado, tem a palavra para defesa da honra da sua bancada.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, quero defender a honra da minha bancada porque o Sr. Deputado Manuel Alegre a afectou e abalou profundamente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já lhe dei a palavra para esse efeito.

O Orador: - O Sr. Deputado Manuel Alegre quer confundir coisas que são inconfundíveis. Do que estamos a tratar é de uma proposta de amnistia para crimes cometidos em democracia...

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Contra a democracia!

O Orador: - ..., para crimes cometidos contra a ordem constitucional...

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Ora, nunca se poderá confundir isto com crimes cometidos durante a ditadura.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nesta bancada estivemos sempre contra a ditadura, estivemos sempre a favor da democracia. Nesta bancada estivemos sempre contra os criminosos e mais contra aqueles que subvertem o espírito do 25 de Abril e subvertem o espírito democrático, usando dele.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, tem a palavra para dar explicações, se assim o desejar.

Pausa.

Verifico que o Sr. Deputado Manuel Alegre não pretende usar da palavra.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira igualmente para defender a honra da sua bancada.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando o Sr. Deputado Manuel Alegre vem aqui defender e confundir as FP-25 com o 25 de Abril, coloca-se contra o 25 de Abril.

Aplausos do CDS-PP.

Ou, então, enganou-nos sobre o significado do 25 de Abril.
É que é suposto - ele disse-o e escreveu-o - que o 25 de Abril tenha sido feito para termos liberdade e democracia e não criminosos à solta, Sr. Deputado!
Há uma diferença essencial entre a vida em, ditadura e a vida em liberdade - julgo que, sobre isso, não tenho de dar-lhe lições. Sobre a vida em ditadura não tenho de dar-lhe lições, mas sobre a vida em liberdade, tenho de fazê-lo. Sabe porquê? É porque aqueles que fazem golpes de Estado e que, depois, matam pessoas em termos de delito comum cometem o primeiro acto por motivos políticos e, quanto ao segundo, são penalizáveis, são condenáveis e não devem ser tratados à parte dos outros cidadãos.
Por isso, Sr. Deputado, além de ter. ofendido a honra da minha bancada quando "meteu tudo no mesmo saco", desqualificou o 25 de Abril. E a última coisa que vos falta, no meio desta vergonha toda, é porem-se, também VV. Ex.as, contra o 25 de Abril, por causa da sugestão do Sr. Presidente da República. Mas, se calhar, vai ser esse o preço que o Sr. Deputado vai ter de pagar para defender um projecto de lei indefensável, que é uma vergonha para o Parlamento português.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre para dar explicações, se assim o desejar.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, sei muito bem o que é o 25.de Abril e o seu significado, porque lutei por ele antes, durante e depois dessa data.

Protestos do CDS-PP.

E até, neste caso concreto, não fugi nem para Espanha nem para o Brasil. Fiquei cá,...

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Nós também!

O Orador: - ... lutando e derrotando a linha política seguida, nomeadamente, por Otelo Saraiva de Carvalho.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Está a ver-se!

O Orador: - Repito, nomeadamente, por Otelo Saraiva de Carvalho. Portanto, dei a minha contribuição, modesta, possível, junto com os meus camaradas do Partido Socialista, para defender o conteúdo democrático do 25 de Abril e para lutar contra aqueles que o punham em causa. Sei muito bem qual é o significado do 25 de Abril e posso dizer-lhes que um deles foi o da pacificação da sociedade portuguesa, foi o da reconciliação entre os portugueses. É isto que está em causa. Entendo, digo, repito e insisto que para nós não há, nem nunca houve, dois pesos e duas medidas. E estou tanto mais à vontade em dizê-lo, porque nós, perseguidos, nunca nos transformámos em perseguidores de ninguém.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - E a data?!

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao pedir a palavra para defender a honra da numa bancada,...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Deputado Manuel Alegre não é também do PS?!

O Orador: - ... é para procurar exprimir a diferença entre o que é a indignação contida em nome de valores em que legitimamente acreditamos e o que é o recurso a sugestões de atitudes violadoras das regras constitucionais do Estado de direito, que não podemos aceitar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - É que, neste momento, está a tratar-se da apresentação e apreciação de uma iniciativa legislativa nos

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quadros da Constituição e do Regimento, da legítima decisão do Presidente da Assembleia da República, da apreciação de um recurso da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia e tudo isso no respeito formal e substantivo pelas regras do procedimento parlamentar. Portanto, ninguém tem legitimidade para pôr em dúvida a adequação do comportamento da bancada do PS.
Mas, Srs. Deputados, igualmente ninguém pode sugerir, com legitimidade, que aquilo de que neste momento aqui se trata é de, em primeiro lugar, procurar passar uma esponja por aqueles que primeiro terão feito golpes de Estado para, a seguir, terem praticado crimes de delito comum.
Do que se trata, Sr. Presidente, é de, em primeiro lugar, honrarmos a memória da Revolução de Abril...

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E os mortos, Sr. Deputado Jorge Lacão!

O Orador: - ... e, em segundo lugar, distinguirmos, nesta amnistia, a não cobertura, o não perdão, a não amnistia, em sede política, de crimes contra a vida das pessoas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - É isso que assumimos.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - De cada vez que disserem o contrário, os senhores estão a cometer uma falsidade e estão, conscientemente, a induzir num erro o povo português.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Já não discutimos os vossos valores de referência, mas ao menos dizemos: tenham respeito à verdade e considerem-se a vós próprios,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... porque para merecerem a nossa consideração têm de testemunhar que primeiro merecem considerar-se a vós próprios.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que já hoje aqui disseram é de tal maneira grosseiro na violação dessa mesma verdade que não pode passar sem uma veemente demonstração da nossa indignação, e daí a defesa da honra da bancada do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, não ficou claro no meu espírito a quem se referia a defesa da honra da bancada. Pode esclarecer-nos, por favor?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, presumo que V. Ex.ª terá estado tão atento ao debate quanto eu e terá notado que me dirigi especialmente à bancada do Partido Popular e, dentro dessa bancada, quem proferiu as declarações a que aludi foi o seu líder, Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado, mas isso não tinha ficado claro no meu espírito.
Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular não recorreu da admissibilidade do projecto de lei n.º 107/VII,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - ... apesar de considerá-lo inconstitucional - ...

O Sr. José Magalhães (PS): - Correcção tardia!

O Orador: - ... e já lá vamos! - por uma razão simples: é de tal modo grave e de tal modo vergonhoso para esta Câmara que queremos ver os Deputados do Partido Socialista, um a um, dizer que o votam a favor.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não perde pela demora!

O Orador: - Por isso não recorremos da admissibilidade deste projecto de lei.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Há muitos portugueses que votaram no PS que vão ficar muito arrependidos!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Magalhães veio dizer há pouco que os Deputados do PS estão de cabeça erguida e nós, com esta referência, ficámos a saber que, se calhar, não estão de consciência tranquila. Nós, de cabeça erguida e de consciência tranquila, votaremos nominalmente o vosso projecto de lei, coisa que seria impossível se tivéssemos recorrido da admissibilidade do diploma por inconstitucionalidade, embora ele seja inconstitucional. O Sr. Deputado José Magalhães tem vindo a dizer, desde há muito tempo, que este projecto de lei constituía uma amnistia certeira e, hoje, com o aditamento que o Partido Socialista faz ao seu projecto, transformou esta amnistia certeira numa amnistia pessoal, de cidadãos pré-identificados que mataram e mandaram matar.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

Nestes termos, este projecto de lei é inconstitucional, razão pela qual o meu grupo parlamentar votará favoravelmente o recurso apresentado da admissibilidade deste diploma.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para além dos 100 alunos da Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, do Porto, e dos 50 alunos da Escola Profissional e Tecnológica de Sicó, de Alvaiázere, que já foram anunciados, encontram-se a assistir à sessão 25 alunos da Escola Secundária do Restelo, 25 alunos da Escola Secundária Severim de Faria, de Évora, e 50 alunos da Escola Secundária Marques de Castilho.
Para eles, peço uma saudação muito afectuosa.

Aplausos gerais, de pé.

Para interpelar a Mesa, dou a palavra ao Sr. Deputado João Amaral.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, a razão de ser da minha interpelação até aumentou com a interrupção quê o Sr. Presidente fez ao dirigir-se aos alunos que aqui se encontram presentes, porque é muito importante que os jovens possam compreender o que aqui é dito contra esta amnistia e saber que muito do que é dito contra assenta em falsidades e numa ideia central de dois pesos e duas medidas, totalmente inadmissível.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pergunto, pois, à Mesa, Sr. Presidente, se os mesmos que querem condenar, como estão a fazê-lo, o caso das FP25 de Abril nos termos em que o fazem, alguma vez aqui levantaram a voz contra os terroristas que, depois do 25 de Abril, incendiaram centros de trabalho, assassinaram militantes políticos,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... se alguma vez levantaram a voz contra o MDLP e contra o ELP. Esta é a pergunta que faço, Sr. Presidente.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Não houve amnistias para esses!

O Orador: - Queria ainda dizer o seguinte, Sr. Presidente: o Sr. Deputado Manuel Alegre trouxe aqui o exemplo de dois pesos e duas medidas que se reporta a um infausto acontecimento ocorrido durante o fascismo. Pergunto à Mesa e ao Sr. Presidente se a bancada do PSD não sustentou o Governo que premiou, precisamente, a organização terrorista PIDE/DGS dando pensões aos agentes dessa organização e premiando a sua actividade, depois do 25 de Abril.
Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, não me leve a final, mas a resposta da Mesa relativamente a perguntas dos Srs. Deputados não podem servir para arbitrar querelas sobre factos que ocorrem durante as discussões dos Srs. Deputados.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não tencionava intervir hoje, mas a intervenção do Sr. Deputado João Amaral, procurando falar para as bancadas, leva-me a dizer-lhe claramente o seguinte: eu tinha 13 anos quando se deu o 25 de Abril de 1974. Não tenho nada a ver com o que se passou em termos de, ditadura e em termos de fascismo...

Vozes do PS e do PCP: - Ah!
Obrador:- ... e respeito aqueles que combateram pela liberdade. Mas há uma coisa que quero dizer a si, Sr. Deputado João Amaral, e a todas VV. Ex.ªs: é que enquanto eu não peço a amnistia para quem cometeu crimes no passado e para quem cometeu crimes a seguir ao 25 de Abril, mesmo que tenha sido contra a esquerda do Partido Comunista,...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... os senhores pedem a amnistia para quem mandou matar, para quem tentou publicamente causar um clima de insurreição nacional, atacar a propriedade privada e pôr em causa a liberdade dos portugueses e a liberdade dos cidadãos. Essa é a grande diferença.
Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

Vozes do PS: - Isso é demagogia!

O Orador: - É isso que VV. Ex.as têm também de dizer à bancada, é isso que VV. as têm de dizer ao País. Não faz sentido estar a falar para os jovens sem lhes dizer claramente o que aconteceu a seguir ao 25 de Abril. E vou dizer-lhe, Sr. Deputado: eu estudava aqui bem perto, num liceu, e levei muita bofetada na cara só por andar com. autocolante do CDS ao peito...

Aplausos do CDS-PP.

... porque o Partido Comunista não aceitava, até proibia, em plenários de braço no ar, qualquer propaganda política diferente daquela que os senhores queriam e preconizavam.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É esta a nossa liberdade, é este o nosso sentido de respeito, é este o nosso sentido de democracia.
Mas mais, Sr. Deputado: não atire, nem a mim nem a ninguém que aqui se encontra, culpas que não temos; não atire, nem a mim nem a ninguém que aqui se encontra, responsabilidades que não possuímos. Nunca nos viu defender os "piles", nunca nos viu defender aqueles que puseram tombas em Portugal, mesmo que fossem da extrema direita. É, da mesma forma que nunca nos viu defender essas pessoas, não nos verá defender aqueles que mandaram matar. E a maior vergonha do que está a passar-se nesta Casa, Sr. Deputado João Amaral, nem é o problema da amnistia ou não amnistia; a maior vergonha, Sr. Deputado, é que aquele que pôs a bomba é condenado e fica na cadeia e aquele que mandou pôr a bomba fica cá fora a rir-se dos outros.
É esse o problema, St. Deputado!

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que, sempre que invoquem a defesa da honra da bancada, identifiquem o ofensor para não me cometerem a tarefa de ter eu que o fazer, porventura errando sobre a identidade de quem ofendeu;
Pergunto, pois, ao Sr. Deputado Manuel Monteiro quem considera tê-lo ofendido, para não ser eu a fazer essa qualificação.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - O, Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Se o Sr. Deputado João Amaral pretender dar explicações, tem a palavra.

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1192 I SÉRIE - NÚMERO 42

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Manuel Monteiro, na interpelação que fiz ao Sr. Presidente procurei não mencionar nomes, mas V. Ex.ª teve o cuidado de "enfiar a carapuça".

Risos do CDS-PP.

Enfiou-a toda e de uma vez!

Aplausos do PCP.

E explicou-nos uma questão que é central: a posição que V. Ex.ª tem em relação a este problema político que é esta amnistia decorre de se sentar de costas contra o 25 de Abril, de estar, em relação ao 25 de Abril, numa situação de completo alheamento, de nada querer com o 25 de Abril,...

Vozes do CDS-PP: - Com o seu 25 de Abril!

O Orador: - Srs. Deputados, já estamos em democracia, deixem-me falar agora.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não é por sua causa, porque vocês não queriam!

O Orador: - A voz que o Sr. Deputado Manuel Monteiro aqui trouxe, na defesa da sua posição, foi uma voz do passado, foi a dos que não entendem o regime democrático, não aceitam as suas regras, não o querem, tal como ele foi construído pelo 25 de Abril. Ora, quando falo para a juventude, é isso que lhe quero dizer. Este senhor não conhece a história do nosso país, este senhor rejeita a nossa história democrática e é por isso que não quer assumir a responsabilidade política desta amnistia!

Aplausos do PCP.

Protestos do CDS-PP, batendo com as mãos nas bancadas.

O Sr. Presidente: - Não sei se tenho o direito, em matéria de susceptibilidade moral, de pedir aos Srs. Deputados algum comedimento nas vossas reacções. Creio que, a continuarmos por este caminho, a cada intervenção suceder-se-ão outras e nunca mais saímos daqui. Penso, sinceramente, que precisamos de alguma calma nas nossas reacções.
Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): -. Sr. Presidente, para uma interpelação à Mesa nos mesmos termos em que o fez o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel Monteiro, por várias vezes, provavelmente vezes demais, fora da Assembleia da República, tem feito declarações que, a muitos títulos, têm agredido a dignidade de Deputados eleitos pelo povo português. Mas hoje teve ocasião de fazer essas declarações na Assembleia da República. Acabámos de o ouvir dizer que estamos perante uma amnistia que visa quem mandou matar e que é contra isso que está. Dizia o Sr. Deputado Manuel Monteiro que estamos perante uma lei que pretende amnistiar quem pôs a bomba e também quem a mandou pôr. O que o Sr. Deputado Manuel Monteiro tem de demonstrar, aqui e agora, é que o projecto de lei de amnistia apresentado pelo PS visa qualquer acto criminal de quem eventualmente tenha mandado matar quem quer que seja! O que o Sr. Deputado Manuel Monteiro tem de provar, aqui e agora, é que o projecto de lei de amnistia apresentado pelo PS visa quem, porventura, tenha mandado pôr uma bomba para, com isso, conduzir à morte de quem quer que seja!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, de duas, uma: ou o Sr. Deputado Manuel Monteiro prova a acusação que aqui nos fez, ou nos pede desculpa, porque, mais uma vez, leviana e gratuitamente, nos agrediu.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): -.. Peça antes desculpa às vítimas!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Deputado, o Dr. Jorge Ferreira, líder da bancada deste partido, ler-lhe-á, se o Sr. Presidente o autorizar, uma disposição do Código Penal para esclarecer aquilo que V. Ex.ª diz.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Responda o senhor agora!

O Orador: - Vou responder-lhe!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Não fuja!

O Orador: - Não tenho por hábito fugir, por isso estou aqui, na sua frente. E digo o seguinte, Sr. Deputado: diga V. Ex.ª ao País um nome para quem é a amnistia que o Partido Socialista hoje quer aprovar!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, pediu a palavra para que efeito?

Aplausos do CDS-PP, de pé.

Protestos do PS.

Vozes do PS: - O senhor tem de responder!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, depois das O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço silêncio e calma. Não dificultem a tarefa da Mesa.
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado.

palavras do Sr. Deputado Manuel Monteiro, para voltar, porque é um facto novo, a exercer o direito de defesa da consideração da bancada.

O Sr. Presidente: - Como se inscreveu primeiro, tem a palavra.

O Orador: -- Peço ao PS um nome, para que o País saiba...

Vozes do PS: - Diga-o o senhor!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estou a pedir-vos silêncio.

O Orador: - ... quem vai ser amnistiado, se esta lei for aprovada! O PS que diga um nome!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Vozes do PS: - Acusou! Agora, prove!

Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço comedimento nas vossas atitudes. Reconheço que andavam há muito tempo precisados de um debate a altas temperaturas, mas acho que já o tiveram suficientemente.

Risos.

Faça o favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, há dias, de uma forma substancialmente distinta, que caracteriza - graças a Deus! - uma diferença substancial e cada vez maior entre o Primeiro-Ministro de Portugal e esta bancada...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não seja intriguista!

O Orador: - ..., o Sr. Primeiro-Ministro falou aqui na diferença entre autores morais e autores de sangue. O Sr. Primeiro-Ministro saberia...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deixem falar quem está no uso da palavra. Tenham paciência, pois assim não é maneira de prestigiar o Parlamento e nada esclarece não deixarem falar que está no uso da palavra.

O Orador: - Estou a ver que estão a chegar onde quero: autores morais. Os senhores admitem que há autores morais e, se o admitem, têm um nome! E esse nome é Otelo Saraiva de Carvalho!

Aplausos do CDS-PP.

É essa pessoa que os senhores querem amnistiar!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Ignorância total! Não sabe ler! Leia o projecto de lei!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O senhor é politicamente irresponsável e juridicamente ignorante!

O Orador: - Sr. Deputados, compreendo que o Partido Socialista...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lamento muito não estar a ser minimamente respeitado por vós! Lamento muito, e tenho de o dizer em voz alta! Peço-vos comedimento, serenidade. Deixem ouvir quem está no uso da palavra. Peçam a palavra invocando as figuras regimentais que entenderem, mas não desta maneira.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Compreendo que o Partido Socialista esteja incomodado porque tem Deputados na sua própria bancada que contribuíram para a vossa vitória que não vão votar a favor deste projecto de lei, pois representam a consciência de muitos portugueses que hoje, com certeza, colocaram a mão nessa mesma consciência...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Mais um engano!

O Orador: - ... e se perguntaram sobre o sentido de voto do vosso partido.
E, Srs. Deputados, há uma coisa que lhes vou dizer: nunca votei no Dr. Mário Soares, mas, ao menos, reconheço que o Dr. Mário Soares tem, sozinho, uma coragem que não todos mas muitos dos senhores não têm.

O Sr. José Magalhães (PS): - Propôs esta amnistia!

O Orador: - É que o Dr. Mário Soares teve a coragem política de dizer - concorde-se ou não - que esta amnistia era para Otelo Saraiva de Carvalho. Essa coragem política os senhores não têm, porque, se a tivessem, viriam aqui assumi-la.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho mais quatro pedidos de interpelação da Mesa. Peço que não desvirtuem as figuras regimentais que invocam porque isso não pode ser permitido pela Mesa e temos de terminar esta sessão a tempo de podermos almoçar a horas convenientes.
O Sr. Deputado Luís Filipe Menezes pediu a palavra para uma interpelação. Peço-lhe que seja mesmo para isso!

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, peço a tolerância de V. Ex.ª, porque não me socorri da figura de defesa da consideração, na medida em que outros Deputados, utilizando a figura da interpelação, fizeram pequenas intervenções.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem havido tolerância, mas ela não pode ser levada a extremos incomportáveis, em virtude dos trabalhos que ainda temos à nossa frente.

O Orador: - Sr. Presidente, vou tentar ir de encontro aos seus desejos e, pelo menos na forma, arrefecer um pouco o debate. No entanto, quanto à substância, há duas ou três questões particularmente suscitadas pela intervenção do Sr. Deputado João Amaral que têm de ficar muito claras.
O Sr. Deputado João Amaral, depois com o coro do Partido Socialista, que hoje está numa posição de grande incomodidade, tentou fazer passar a mensagem de que havia «dois pesos e duas medidas», isto é, hoje está a ter uma atitude de justiça em relação a um sector de portugueses que tinha cometido excessos porque no passado tinha havido uma atitude semelhante em relação a outro conjunto de portugueses.
O Sr. Deputado Manuel Monteiro já teve oportunidade de o dizer, mas nós, porque fomos maioria durante muitos anos e poderíamos ter protagonizado iniciativas desse género, temos de o reafirmar: nunca qualquer outro partido político, nesta Câmara, propôs amnistias para crimes perpetrados por cidadãos conotados com a direita.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - É a primeira vez que alguém toma uma iniciativa e a quer levar até ao fim, para perdoar crimes prati-

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cados durante o regime democrático, contra o 25 de Abril. Não há precedente na democracia portuguesa, por mais que os senhores queiram «deitar areia para os olhos» dos cidadãos. Mas convém lembrar, Sr. Deputado João Amaral, que V. Ex.ª, a sua bancada e o seu partido não têm grande autoridade para levantar a voz nesta matéria, porque, em larga medida, foram os excessos, já aqui hoje lembrados, que o senhores semearam durante os primeiros anos da revolução que levaram a sociedade portuguesa para a conflitualidade e, porventura, atiraram muitos cidadãos para os excessos e para os crimes que foram praticados!

Aplausos do PSD.

Isto tem de ser lembrado também aos jovens que estão aqui presentes. Foram os vossos excessos que semearam, porventura, as atitudes criminosas de que hoje estamos aqui a falar.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, Sr. Deputado, também tiveram uma virtude: atiraram muitos jovens e cidadãos para o combate pela democracia, para a filiação nos partidos democráticos e para fazer barreira a uma nova ditadura que os senhores tentavam implementar em Portugal. Hoje, Sr. Deputado, se esta amnistia aqui for aprovada...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que está a fazer não é mesmo uma interpelação. Faça favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Ainda tenho a esperança de que esta amnistia não seja aprovada, por isso apelo aos Srs. Deputados socialistas que, em consciência, votem de acordo com o que pensam muitos milhares de portugueses que votaram neles. Se ela for aprovada, é uma vergonha para um Portugal que tem também de ser solidário com os seus parceiros a nível europeu e mundial. Quando, neste momento, se estão a perpetrar crimes de terrorismo em toda a Europa, será uma vergonha que a todos nos atingirá se um Estado membro da União Europeia der este exemplo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o mal é começar, pois agora põe-se o problema do tratamento igual ou desigual de todos os Deputados que invocam a mesma figura. Peço que me ajudem a conduzir os trabalhos não desvirtuando a figura da interpelação da Mesa.
O Sr. Deputado João Amaral pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração da bancada.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, as referências que fez à bancada do PCP, vindas de uma bancada onde se sentam destacadíssimos membros do MRPP e do PCP-ML são, pelo menos, anedóticas.

Aplausos do PCP.

Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, em matéria do que nós pensamos e da forma como nos colocámos em relação a Otelo Saraiva de Carvalho, creio não haver a mais pequena dúvida: sempre combatemos, com clareza, tendências e instrumentos de acção que achávamos totalmente inadequados ao regime democrático.
Agora, a questão dos dois pesos e das duas medidas continua a colocar-se nos mesmos termos, Sr. Deputado: é que os terroristas que incendiaram centros de trabalho e assassinaram militantes de partidos políticos estão todos eles impunes, mas VV. Ex.ªs querem que estes sejam condenados!
Além disso, ainda em matéria de dois pesos e duas medidas, volto a colocar-lhe esta questão: como é que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes explica agora a esta Assembleia a atitude do Governo a que pertenceu, que deu pensões a elementos da ex-PIDE/DGS, ao mesmo tempo que a recusava a Salgueiro Maia?

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, V. Ex.ª, por mais que tente - e sei que essa é a vossa especialidade -, não consegue reescrever a História. O Sr. Deputado não vai conseguir apagar da História de Portugal que, nos anos 70, os senhores sanearam nas escolas, perseguiram nas empresas...

O Sr. João Amaral (PCP): - O que não apagámos da História de Portugal foi a nossa contribuição para a democracia!

O Orador: - ... fizeram barricadas para não permitir que os portugueses circulassem livremente, enfim, perseguiram cidadãos, cujo único crime foi o de discordarem dos vossos métodos!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Os senhores sequestraram a Assembleia Constituinte!

Protestos do PCP.

O Orador: - E, no fundo, os senhores não mudaram! Em coerência, não mudaram, porque continuam a não querer ouvir as verdades.
Sr. Presidente, respondendo ao Sr. Deputado João Amaral, o PCP tem de assumir que, nos anos 70, enquanto teve poder em Portugal, saneou estudantes, perseguiu empresários e não permitiu que os portugueses exprimissem livremente a sua vontade. Chegou mesmo a sequestrar esta Assembleia, não permitindo que ela funcionasse livremente...

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Foi o Pacheco Pereira!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Olhe para a sua bancada estão lá dois!

O Orador: - Relativamente à sua observação de na minha bancada existirem personalidades que vieram de outros partidos, respondo-lhe que, ao contrário dos senhores, elas tiveram sempre a coragem de assumir a sua evolução!
E lembro-lhe uma coisa: o MRPP e o PCP-ML andaram muitas vezes, ao lado dos partidos que aqui estão, a lutar contra os senhores,...

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O Sr. João Amaral (PCP): - De braço dado com o PSD!

O Orador: - ... a lutar contra a ditadura, que os senhores queriam de novo implementar em Portugal!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Foi o Pacheco Pereira! Contra vocês!

O Sr. Presidente: - Resta-me a esperança de que os Srs. Deputados, hoje, fiquem suficientemente municiados de indignação para, pelo menos, um mês ou dois.
O Sr. Deputado Manuel Alegre tinha pedido a palavra para interpelar a Mesa. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, gostaria de informar a Câmara de que há pouco cometi um erro, pelo que devo penitenciar-me publicamente.
Fiz, de facto, aquela interpelação, a maioria era a mesma, mas o Presidente da Assembleia na altura era o Engenheiro Victor Crespo. Como referi o nome do Deputado Barbosa de Melo, devo apresentar-lhe desculpas públicas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Simplesmente, isso não muda a questão de fundo.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muda!

O Orador: - Não muda!

Protestos do PSD.

O Orador: - Sr. Presidente, tive o cuidado...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que ouçam o Sr. Deputado Manuel Alegre porque ele tem direito a considerar que a questão de fundo não mudou. Compreendam isso!
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, tive o cuidado de precisar que não era a pessoa que estava em causa mas, sim, uma atitude: a atitude de uma maioria, que impugna, hoje, a amnistia. Essa era a maioria do PSD. E, já agora, para concluir, gostaria de citar o que foi dito aqui, em 1991 - e agora não me engano -, pela então Deputada Natália Correia: «Honra vos será entrar no ciclo de luz que ilumina a alma dos que sabem perdoar».

Aplausos do PS.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, há algo que me honra muito a mim, a algumas pessoas desta bancada e a algumas pessoas da bancada do PS, que estão ali muito caladas como se não existissem: é que sempre combatemos, para além da ditadura, o Partido Comunista Português, que era, ele próprio, uma imagem espelhar da ditadura. E tivemos muito gosto em fazê-lo!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não era para propor uma ditadura ainda pior, pois não?

O Orador: - Os senhores lembram-se, com certeza, dos anos de 1974 e 1975!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão, essa sim mais séria, é que este debate mostra como este tema divide - e divide profundamente! - os portugueses e não tem qualquer papel de pacificação na sociedade portuguesa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A terceira questão - e, se querem que vos diga, a mais grave de todas - é a seguinte: quando os senhores, que ajudaram a desmantelar as FP-25 de Abril e, agora, já não se lembram, utilizam como argumento para legitimar a amnistia a dualidade fascismo/antifascismo, estão, retrospectivamente, a legitimar a actuação das FP-25 de Abril!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E estão a legitimá-la porque estão a interpretá-la como um acto que pode ser hoje, em 1996, visto como politicamente legítimo, como um acto que pode ser inserido num comportamento antifascista e que, pelo reverso, pode ser comparado ao comportamento da PIDE. Ao fazerem isto, os senhores estão a legitimar o comportamento das FP-25 de Abril!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porém, devo dizer que, em minha opinião, se cometeram injustiças contra pessoas que foram presas no processo das FP-25 de Abril, essencialmente em relação às pessoas para quem aquilo foi um incidente na sua vida, pessoas que são vítimas de um imbróglio judiciário, de que nós próprios também temos de assumir a responsabilidade.
Mas há, pelo menos, uma pessoa que não merece a amnistia. Essa pessoa é a que, depois do que aconteceu, dando uma entrevista ao semanário Expresso e falando da morte de uma criança, disse que se tratava de um erro técnico! E este cinismo, este sim, não pode ser amnistiado!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, a minha bancada foi directamente interpelada, pelo que gostaria, por intermédio da Mesa, de dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão que, em Portugal, e de acordo com a lei vigente, o crime de terrorismo, que VV. Ex.ªs querem hoje aqui amnistiar - e cada vez duvido mais que o consigam -, integra expressamente a categoria dos crimes contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas. O crime que VV. Ex.ªs propõem amnistiar é o crime de terrorismo, consagrado no artigo 301.º do Código Penal. Esse crime prevê expressamente atentados contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Leia o n.º 2!

O Orador: - Espero que VV. Ex.as tenham lido os artigos 300.º e 301.º do Código Penal, sob pena de, não o tendo feito, se terem enganado no texto do projecto de lei!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, coloco-vos o seguinte problema: acham bem que continuemos nesta senda de desvirtuar a figura da interpelação para eternizarmos um debate, que nunca mais acaba, porque cada intervenção justifica uma reacção e, por seu turno, uma réplica e uma tréplica? Peço-vos desculpa, mas vou pôr um ponto final nisto.
Há mais dois pedidos de palavra e vou dá-la a quem á pediu, mas, depois disso; ponho um ponto final nesta sequência de não interpelações, porque não é a interpelações que se tem estado a assistir.
Estão inscritos os Srs. Deputados Guilherme Silva e Jorge Lacão, após o que não concederei mais a palavra para interpelações à mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel Alegre teve a elevação de pedir desculpa ao Sr. Deputado Barbosa de Melo relativamente ao lapso em que incorreu. Mas a verdade é que teve de novo uma actuação menos correcta em relação a esta matéria, que foi a de deixar no ar a dúvida sobre uma inacção por parte do então Deputado e Presidente da Assembleia Engenheiro Vítor Crespo relativamente ao requerimento que apresentou.
O Sr. Deputado Manuel Alegre deveria ter tido o cuidado de saber qual foi ou não a sequência que teve esse seu pedido e não vir aqui ao Plenário, a propósito desta matéria, deixar no ar a dúvida sobre o desinteresse por parte do então Presidente Vítor Crespo, pretendendo desse modo atingir esta bancada e esse Deputado. Tem, pois, V. Ex.ª, nesta ocasião, de voltar a pedir desculpa em relação a esse ausente, face ao procedimento que está a tomar.
Quero ainda lembrar-lhe que o Sr. Deputado - e bem o sabe - apresentou esse requerimento numa altura em que tinham praticamente cessado as funções da Assembleia, porque estávamos em época de eleições legislativas e, consequentemente, num contexto em que era eventualmente difícil dar a sequência que V. Ex.ª pretendia e que devia ter procurado assegurar' noutro momento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - É claro que o Sr. Deputado Manuel Alegre já pediu a palavra, porque, tal como eu previa, cada intervenção provoca outra.
Sr. Deputado Manuel Alegre, vou dar-lhe a palavra só para prestar um esclarecimento, porque, de acordo com o que referi há pouco, não vejo que outra figura possa usar.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, desta vez não tenho de pedir quaisquer desculpas porque não vi que o meu pedido tivesse alguma sequência. Fiz apenas uma pergunta e não sei quais foram as consequências - até hoje não as vi.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, não havendo, felizmente, mais pedidos de palavra e tendo terminado, por via desta declaração, todas as intervenções possíveis e imaginárias em relação a esta matéria, vamos passar à votação do recurso interposto.
Quem vota contra a procedência do recurso faça favor de se levantar.

Após o pedido do Sr. Presidente, nenhum Deputado se levantou.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Foi aprovado! Foi aprovado!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço calma. Há um recurso interposto e a votação sobre este recurso pode ser contra ou pela sua improcedência, pode ser...

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço apalavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, quero invocar o artigo 139.º, n.º 4, do Regimento para dizer que o que é agendado para votação no Plenário é o parecer elaborado pela comissão. Assim, o que a Mesa tem de pôr à votação não é o recurso mas, sim, o parecer da comissão. É isso que temos de votar!

Vozes do PS: - É isso!

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.
De facto, pode entender-se assim, mas o que está em causa é a procedência ou não procedência do recurso.

Aplausos do PSD.

Mas tem razão, Sr. Deputado.
Vamos, então, votar o parecer , elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o recurso de admissibilidade, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, do projecto de lei n.º 107/VII - Amnistia às infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991 (PS). 
De facto, assim deve proceder-se de acordo com o n.º 4 do artigo 139.º do Regimento. Peço desculpa por ter feito outra interpretação.

Aplausos do PS e do PCP.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Quem vota contra o parecer, faça favor de se levantar.

Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, se for sobre o andamento dos trabalhos.

O Sr: Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Presidente foi claro na questão que pôs à votação da Câmara, que foi o

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parecer... V. Ex.ª, interpretando - e bem! - o Regimento e o parecer, perguntou claramente à Câmara, abrindo a votação: "quem vota contra a procedência do recurso?". Essa votação está consumada.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, esta situação não é nova! VV. Ex.as, na anterior legislatura, tiveram uma situação idêntica, a propósito das OGMA, e abandonaram a Sala!
A votação está feita! Temos de tirar as consequências dela!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa assume o seu erro. O que consta da ordem do dia é a leitura e votação do parecer elaborado...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A votação está feita!

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado! A Mesa assume o seu erro e corrige-o, porque tem direito a um erro, a um lapso verbal. O que está em causa, e é regimental, é a leitura e votação do parecer.
Faça favor de terminar a sua interpelação para, de seguida, votarmos de acordo com o que acabo de dizer.

O Orador: - Não vamos confundir as coisas, Sr. Presidente!

` O Sr. Presidente: - Não estou a confundir nada, Sr. Deputado!

O Orador: - V. Ex.ª - e bem! - pôs à votação a síntese final do parecer, no sentido de se votar contra a procedência do recurso e foi esta questão que foi votada.
Vamos repetir uma votação, mas o Regimento não permite a repetição de votações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, os erros cometidos de boa fé e involuntariamente corrigem-se.
O que consta da agenda é a leitura e votação do parecer. Embora isto, no fundo, equivalha àquilo que anunciei, o meu anúncio não foi correcto. A Mesa corrige, pois, o seu anúncio e vai proceder de novo à votação.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado: Vai dizer o mesmo que eu disse, como é óbvio!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, provavelmente irei dizer uma coisa semelhante, que é preciso. que fique registada.
Primeiro, não houve votação!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Não houve! Não se perguntou quem votava a favor, quem votava contra e quem se abstinha, nem houve anúncio do resultado, portanto, não houve votação.
Segundo, não podia haver votação sobre o recurso porque isso não está agendado e porque é contra o Regimento!

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Orador: - Por isso, a alegação do Sr. Deputado Guilherme Silva é um mero anedotário argumentativo.

..Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à votação tal como a Mesa anunciou. Para atacar esta decisão só há uma possibilidade, que é recorrer dela. Peço imensa desculpa, mas não só não houve anúncio de votação como nem sequer ela se completou.

Aplausos do PS.

A Mesa tomou consciência do seu erro, corrigiu-o a tempo e, portanto, vamos proceder à votação do parecer, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o recurso de admissibilidade, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, do projecto de lei n.º 107/VII - Amnistia às infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991 (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, passamos à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 107/VII - Amnistia às infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991 e 108/VII - Altera o regime jurídico de protecção às vítimas dos crimes violentos (CDS-PP). 
Para proceder à apresentação do projecto de lei do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só um Estado democrático consolidado, forte e consciente da sua autoridade está em condições de ser clemente e magnânimo, mesmo para os que o contestam à margem das legalidades estabelecidas.
A democracia portuguesa moderna, fundada em 25 de Abril de 1974, nasceu sob o signo da magnanimidade, da tolerância e da generosidade.
Fomos generosos em relação aos que cometeram crimes contra a humanidade, aos que nos lançaram em guerras coloniais fratricidas, aos que mataram, aos que nos expulsaram do país, aos que nos prenderam. Essa generosidade, a meu ver, só honrou a nossa história e honra-nos a todos nós.

Aplausos do PS.

O 25 de Abril constituiu, por isso, ao encerrar uma página difícil e traumatizante da nossa vida colectiva, um grande momento cívico da tolerância do nosso povo.
Com a autoridade de um fundador do regime democrático e a legitimidade de Presidente da República, Mário Soares dirigiu a esta Câmara uma mensagem para que, no exercício das competências próprias e pela via da amnistia, se "alcançasse uma solução para os processos do chamado caso FP-25 de Abril", que, segundo o Presiden-

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te, "se arrastam intermináveis, enredados numa teia complexa, contraditória, sem fim previsível e mesmo potencialmente perigosa nas suas consequências para a justiça".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Presidente da República, agora, como no passado, reitera-nos que as iniciativas tomadas em prol da amnistia, como "solução de interesse nacional", foram tomadas a partir do momento em que adquiriu a convicção de que "num clima consolidado de paz cívica era possível resolver este caso pela via da pedagogia democrática e da generosidade, com a garantia de que não havia qualquer risco de regresso ao uso da violência, com motivação de pretextos políticos". É essa, igualmente, a nossa convicção.
Os que se envolveram em práticas de violência armada terão percebido, há longos anos, pelo êxito da acção policial e pela inconsequência da sua luta da inadequação dos seus actos na sociedade portuguesa e de que não havia lugar para as suas práticas criminosas.
Nos últimos anos, em Portugal, o fim da violência armada e de todas as formas de terrorismo que ela pode gerar é um sinal de que o Estado democrático tem alcançado os seus objectivos de paz cívica.
Embora os portugueses desejem, sobretudo, "o reforço da segurança contra a criminalidade crescente e que atribuem efeitos nocivos às sucessivas e pequenas amnistias", o caso é que estamos preparados, hoje, para podermos ser generosos, sem chantagens, sem temores, sem negocismos.
O perdão público que a amnistia constitui será, neste caso, como diz o Presidente da República, um "reforço dos factores de integração social e política entre os portugueses", ao encontro das condições de existência da maioria dos acusados, os quais refizeram as suas vidas e estão inseridos numa vida social normal, porventura distanciados de um passado e das atitudes que "incubaram" num período de turbulência política da nossa história recente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que apresentámos, que visa o enquadramento de situações e actos que tiveram a sua origem em organização terrorista, com clara motivação política, afastou do respectivo perdão... Por isso não é verdade o que o Sr. Deputado Manuel Monteiro diz da diferença entre autoria material e autoria moral. É falso, é calunioso, é baixa política o que diz o Sr. Deputado Manuel Monteiro sobre o nosso projecto de amnistia...

Aplausos do PS.

..., que recusa, em absoluto - e era bom que os Deputados da bancada do Partido Popular reconhecessem o seu erro, a falsidade e a calúnia que aqui trouxeram -...

Vozes do PS: - Ouçam isto! Aprendam!

Vozes do CDS-PP: - Vocês é que deviam reconhecer!
..., os crimes de homicídio, homicídio qualificado, homicídio privilegiado - leia o n.° 2, mas faça-o como alfabeto jurídico e não como analfabeto - e ofensa à integridade física grave, seja pela forma tentada ou frustrada.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Crimes contra a vida!

O Orador: - Sr. Presidente, ao elaborarmos a nossa iniciativa legislativa, não nos esquecemos do dever do Estado de protecção às vítimas de crimes violentos, dever este que existe nos termos da lei vigente, "mesmo que não seja conhecida a identidade do autor dos actos intencionais de violência ou, por outra razão, ele não possa ser acusado ou condenado".
Ora, porque este diploma está em vigor e pode ser aplicado - repito, pode ser aplicado - a todos os casos cuja condenação não tenha transitado em julgado - e são a maioria -, esperamos e apelamos ao Sr. Ministro da Justiça para que proceda a uma interpretação flexível quanto aos prazos de caducidade do regimento de indagação e, igualmente, contra a concessão rápida de provisões por conta da indagação em caso justificável, como tem o poder de fazer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com todo o respeito e a solidariedade que nos merecem as vítimas de acções de violência, apelamos a essas vítimas para um suplementar esforço de generosidade, na convicção de que o Estado democrático é um estado de convivência, por vezes conflitual, mas necessária, entre pessoas de sentimentos, convicções, valores, afectos e histórias pessoais diversas e até antagónicas ou hostis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objectivo da amnistia que estamos hoje aqui a discutir é exclusivamente o de uma amnistia que incide e é circunscrita a factos enquadrados por crimes de motivação directamente política, por isso a discussão sobre todo e qualquer outro tipo de perdão público ou de pena não tem aqui lugar e razão de ser.
Sr. Presidente, permita-me que a terminar lembre a velha e inultrapassável fórmula de Albert Camus, quando diz "em política são os meios que justificam o fim e nunca o fim que justifica os meios".
Os que hoje iremos amnistiar utilizaram meios terroristas com um pretenso e invocado fim de superioridade política. Nós hoje vamos demonstrar-lhes que uma sociedade que usa os meios da generosidade e do altruísmo é capaz de realizar o fim da paz social e da convivência solidária da comunidade.
Posso, por isso, terminar com a certeza com que comecei: só um Estado democrático consolidado, forte e consciente da sua autoridade está em condições de ser clemente e magnânimo, mesmo para os que o contestaram à margem das legalidades estabelecidas.

Aplausos do PS, de pé, e do PCP.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para exercer o direito de defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Alberto Martins fez acusações inacreditáveis. Acusou-nos de baixa política, de hipocrisia.
O Sr. Deputado pode concordar ou discordar do que dizemos, mas afirmamos com clareza - e o Presidente do meu partido disse-o exactamente aqui - os propósitos com que estamos neste debate, o que não pode ser negado por ninguém. Logo, a sua acusação de hipocrisia cai sobre si mesmo e não sobre nós.

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Quanto à baixa política, Sr. Deputado, não sou jurista nem tenho de fazer demonstrações de ser «alfabeto» ou analfabeto jurídico. Sou político, é como tal que estou aqui, o Sr. Deputado também, e é como políticos que temos de responder ao povo português, que até se pode dar ao direito de ser analfabeto jurídico, mas não é estúpido.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É em nome da inteligência do povo português que não admitimos que sejam as classes políticas a fazer julgamentos sobre o bem ou o mal cometido por organizações terroristas. Entendemos que isso cabe aos tribunais e que, num Estado de direito, os direitos assegurados pelos tribunais são mais do que suficientes. Se o não são, então caberá a esta Assembleia política preparar e emitir leis que corrijam a actuação dos tribunais, mas nunca substituir-se a eles, nunca absolver crimes de sangue,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não se absolvem!

O Orador: - ... que é aquilo que, confessadamente, as Forças Populares - 25 de Abril quiseram cometer neste país, num regime de Estado democrático, numa altura de pacificação civil, em que o único elemento contrastante era exactamente essas forças.
Se o Sr. Deputado José Magalhães acha muito estranho o que estou a dizer, devo informá-lo de que isto é o que sentem os portugueses e não o que se passa no seu Flashback.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, é legítimo discordar - reconhecemos, como toda a Câmara, que a discordância é legítima -, mas não é legítimo mentir sobre os nossos propósitos.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - O líder do seu grupo parlamentar, o presidente do seu grupo parlamentar, o presidente do seu partido, ao dizer que amnistiávamos os crimes de sangue não leu as expressões «autores materiais» e «autores morais». Não leu, não soube ler, não interpretou, não soube interpretar, no mínimo, ou agiu de má fé relativamente ao nosso projecto.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Ó Sr. Deputado!...

O Orador: - Como estou em crer que não terá agido de má fé, foi falso relativamente aos nossos propósitos.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Quem mandou matar?!

O Orador: - O n.º 2 do nosso projecto, se o tivesse lido...

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Deputado, queria só dizer-lhe que nunca falei em «autores materiais», apenas em «autores morais».

O Sr. José Magalhães (PS): - Falou mal!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Deputado, «autores morais», para mim, é uma explicação suave em relação àqueles que objectivamente lideravam a organização terrorista. É uma explicação suave ou politicamente correcta em relação àqueles que eram os cérebros dessa mesma organização.

Aplausos do CDS-PP.

O Orador: - Sr. Deputado, se me permite, apenas veio reiterar que leu mal o nosso projecto de lei.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não percebe o que está em causa!

O Orador: - Em nenhuma das partes do nosso projecto de lei há isenção dos autores materiais ou do autor moral. O autor material e o autor moral dos crimes de homicídio, homicídio qualificado, homicídio privilegiado e ofensa à integridade física, são indiscutivelmente inculpados no nosso projecto de lei. Qualquer leitura diferente desta é uma falsidade sobre a leitura jurídica, sobre os objectivos do nosso propósito e o sentido do nosso diploma.

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, as FP-25 eram para quê?! Para fazer caridade?!

A Sr.ª Manuela Moura Guedes (CDS-PP): - Eram de solidariedade social!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, reservarei os argumentos que tenho a enunciar sobre este projecto de lei para a intervenção que farei mais tarde, mas neste momento gostaria de lhe fazer uma pergunta política, que ainda não foi feita, com toda a serenidade e sem entrar na discussão que, obviamente, revela o problema de consciência do Partido Socialista nesta matéria, porque, objectivamente, Sr. Deputado, os senhores amnistiam o crime de associação terrorista, que é matar e mandar matar. Não é outra coisa, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está a aprender direito penal?!

O Orador: - E é isso que os senhores querem apagar da História.

Protestos do PS.

Sr. Deputado Alberto Martins, até hoje todas as tentativas de amnistia para o caso FP-25 de Abril reclamavam com prudência a unanimidade ou o consenso das forças políticas representadas na Assembleia da República. Neste momento, basta-vos uma maioria para fazer um acto de favor, que os senhores considerarão de generosidade, mas que eu considero de favor, a um terrorista concreto chamado Otelo Saraiva de Carvalho.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de saber se vocês consideram mais importante fazer esse favor a essa pessoa, que aqui não está nem representa ninguém, do que deixar, contra a vossa lei, em revolta contra a vossa lei, quase metade dos portugueses que, nesta Câmara, não se sentem representados pelo vosso projecto. O que é que mudou para que ontem fosse necessária. a unanimidade e hoje vos baste a maioria?
Era isto que gostaria de saber.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins. .

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, mais uma vez, atribuem-nos propósitos e acções do passado que não são verdade. Nunca fizemos depender a aprovação da amnistia de qualquer maioria qualificada. Votámo-la em 1991. Quem a fez depender disso e transgrediu as negociações e os acordos que foram ditos terem sido celebrados foi o PSD.
O Sr. Deputado enganou-se mais uma vez, e, certamente, vou dar-lhe a palavra para me pedir desculpas a seguir. O PS nunca fez isso, mas devo lembrá-lo do seguinte: amnistiamos crimes, crimes que naturalmente são reportáveis a situações, e amnistiamos crimes de organização terrorista. Há várias em Portugal... 

O Sr. Fernando Nogueira (PSD): - Pior ainda!

O Orador: - ..., não são só as FP-25. Há várias que são amnistiadas, mas há crimes que são amnistiados em função do enquadramento criminal. No nosso projecto de lei dissemos isso, mas os senhores continuam a querer só ler uma parte.
No n.º 2 dizemos expressamente que daquele universo de acção terrorista são isentados - e não há qualquer dúvida de interpretação jurídica nem política quanto a este ponto - os homicídios, os atentados à vida, os homicídios qualificados sob a forma tentada ou frustrada, e a responsabilidade material e moral não é afastada. Ter uma leitura diferente desta é politicamente inaceitável e juridicamente aberrante.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para proceder à apresentação do projecto de lei n.º 108/VII, do CDS-PP, tem a palavra Sr.ª Deputada Manuela Moura Guedes.

A Sr.ª Manuela Moura Guedes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há nada que possa apagar o sofrimento, a dor, o desgosto profundo de mais de uma dezena de famílias portuguesas, vítimas de mãos criminosas que provocaram o terror, a morte, danos irreparáveis. Filhos que ficaram órfãos, pais que perderam um filho, mulheres a quem foram mortos os maridos, gente que ficou marcada para toda a vida. São famílias destruídas, meus senhores, e não há tempo que passe que consiga o esquecimento, porque não há esquecimento possível para a dor de perder as pessoas de quem mais gostamos.
Tem sido mais de 10 anos de um silêncio doloroso de que a sociedade, por seu lado, se aproveitou para se ir esquecendo de um período negro da nossa história recente, que deixou atrás de si um rasto de sangue, que marcou famílias inocentes.
Onde tem estado a solidariedade que é devida a toda esta gente? É uma vergonha, meus senhores, que a grande preocupação, ao longo de todos estes anos, tenha sido dirigida para perdoar aos criminosos, esquecendo as suas vítimas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Foram indultos presidenciais, cíclicas tentativas de amnistia, requerimentos parlamentares para saber do tratamento que estava a ser dado aos terroristas. presos, foram vigílias e apelos. E quanto ao outro lado, o das vítimas, praticamente nada se fez, foram deixadas à sua triste sorte.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas hoje, aqui e agora, vamos lá pensar nelas, ao menos devemos-lhes isso. Concretamente, vamos recuar no tempo, a 1984, a uma pequena aldeia alentejana, a uma casa pobre de uma família que tinha, no entanto, a alegria de estar a participar das primeiras manifestações de vida, que só um bebé pode dar. Tinha quatro meses e chamava-se Nuno. Hoje teria 12 anos e, como muitas crianças da sua idade, já estaria a pensar no que gostaria de ser quando fosse grande. Mas o mais sagrado dos direitos, o direito à vida, foi-lhe negado. Foi assassinado por terroristas, que a única justificação que encontraram para o seu crime foi ter sido um erro técnico.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Assim, de uma forma fria e crua, foi dada uma explicação. O mesmo sangue frio com que mataram e incapacitaram outros inocentes. E é por serem inocentes, meros alvos de uma organização que queria instalar o terror, o medo na sociedade portuguesa, que essa mesma sociedade tem um dever de solidariedade para com eles e as suas famílias.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Falei com elas, com algumas das pessoas que têm estado silenciosas ao longo de todo este tempo. Falei com viúvas que ainda hoje choram a contar o que lhes aconteceu, que nunca mais tiveram sossego, que me perguntaram se eu sabia o que era uma família destruída. Falei com mães, cujos filhos, durante muito tempo, nem sequer queriam ir à escola porque tinham medo.
Onde está a protecção que é devida a todas as vítimas destes crimes? O Estado, que devia proteger todos os cidadãos por igual, apenas se preocupou com os que o servem, os servidores do Estado. Para as suas famílias decretou, em 1985, a concessão de indemnizações, os outros ficaram ausentes destas boas intenções, como se a dor e a necessidade de reparo pudessem ser distinguidas consoante as actividades profissionais das vítimas estavam ou não ligadas ao Estado.

Vozes do CDS-PP: -- Muito bem!

A Oradora: - Congratulamo-nos, obviamente, por ter sido dada atenção aos que ao serviço de todos nós perderam a vida, o que lamentamos é que essa mesma atenção não tenha sido dada a todos.

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Lamentamos que o Estado tenha um peso e duas medidas!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Bastava que se seguisse o exemplo de Espanha, onde não se faz qualquer distinção entre as vítimas. Qualquer cidadão alvo de crime violento tem direito a uma indemnização, o que é extensível à família, aos feridos e aos lesados materialmente.
A isto, meus senhores, chama-se dever moral a que está obrigado um Estado de bem. Que respeito merece uma sociedade que não cuida dos desprotegidos, dos indefesos?
O sistema português consagra o direito da vítima, o que é mais uma razão para não deixarmos de fora casos que, à luz da mais elementar justiça, precisam de uma resposta, porque a legislação que existe não se poder aplicar.

Vozes do PS: - Olhe que pode!

A Oradora: - A penalização do sistema de indemnizações previsto no Código de Processo Penal, derivada das vicissitudes processuais, determinou que até hoje não tenham sido pagas indemnizações às vítimas dos crimes de terrorismo.
É por isso que hoje propomos a aplicação do Decreto-lei n.º 423/91 às vítimas do terrorismo em Portugal. Sabemos que é um regime limitado, deficiente e imperfeito. Queremos, aliás, desde já, dizer que o Grupo Parlamentar do Partido Popular está a preparar e a trabalhar no projecto lei de alteração com vista ao aperfeiçoamento e aprofundamento do direito das vítimas em Portugal. Até lá, é o que temos e, sem dúvida, é melhor que nada.
Não esperamos outra coisa de outras bancadas parlamentares, nomeadamente das que querem votar a favor da amnistia, a não ser um mínimo de humanidade para votar favoravelmente o novo projecto-lei.
Meus senhores, para nós o terrorismo não tem cor, terá a cor do sangue, não é de direita ou de esquerda, é simplesmente terrorismo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Não aceitamos que, em nome de ideologias, de ideias políticas, se cometam os crimes mais atrozes a que a humanidade está sujeita.

Aplausos do CDS-PP.

É por isso que apelo para que hoje, neste Plenário, se esqueçam das diferenças políticas. Antes de sermos Deputados, todos nós somos cidadãos, fazemos parte de uma sociedade que tem uma dívida enorme para com outros cidadãos, uma dívida de solidariedade, de apoio, de protecção. Está nas nossas mãos pôr fim a uma injustiça.

Aplausos do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Moura Guedes, com toda a consideração e respeito, gostaria de dizer-lhe que, como é óbvio, o nosso projecto de lei ficou claro pela voz do Deputado Alberto Martins, e exclui, como certamente agora reconhecerá aliás, já tínhamos trocado impressões sobre isso, crimes de sangue. É evidente que para além disso há vítimas, mesmo em crimes que não são propriamente chamados de sangue pode haver vítimas.
O que o nosso grupo parlamentar, nessa matéria, vai fazer, é pedir exactamente a baixa do projecto de lei à comissão, para ponderar adequadamente essa situação...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Só faltava essa!

O Orador: - Como sabe,...
Protestos do CDS-PP.

O Orador: - Como sabe, existe um diploma relativo aos crimes violentos, o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que abrange algumas das situações, não todas. Mas a nossa preocupação é mesmo em relação aos crimes violentos, que estão muito para além desta própria amnistia. Isto é, como sabe, hoje é preciso que a parte peça a indemnização nos processos.
Ora, entendemos que, para além desta lei se poder aplicar, é preciso fazer uma alteração legal, que, aliás, o Ministro da Justiça, de algum modo, já sugeriu na própria Comissão, no sentido de se regressar de novo às indemnizações concedidas oficiosamente. e de, neste caso, a situação dos crimes violentos ser devidamente ponderada.
Portanto, pode a Sr.ª Deputada estar descansada de que, em matéria de crimes violentos, não apenas os políticos, mas todos os crimes de natureza violenta, serão ponderados quer por este grupo parlamentar quer pelo Governo.
De qualquer maneira, Sr.ª Deputada, depois do que lhe dissemos, de que os crimes de sangue estão excluídos, quer os autores materiais, quer os autores morais, porque há concurso de crimes no artigo 300.º e 301 º, pergunto-lhe: é ou não altura de, atendendo não só à pacificação existente na nossa sociedade como a razões de Estado e de superioridade moral da democracia, apagar em Portugal situações que, noutros países e noutras sociedades, designadamente em Inglaterra ou na Espanha - casos da ETA e do IRA - têm de ser negociadas? Felizmente, no nosso país, esse problema já não existe, essa rede foi desmantelada também por acção dos tribunais, pelo que podemos ter a nobreza de atitude de perdoar aos envolvidos. É esta a questão que lhe deixo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Moura Guedes.

A Sr.ª Manuela Moura Guedes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Osvaldo Castro, fico satisfeita por, tal como nós e de acordo com o que referi há pouco, o PS ter a intenção de aperfeiçoar o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, o que significa estarmos todos de acordo quanto a essa questão. Só peço que o facto de terem boas intenções não vos impeça hoje de fazerem uma homenagem às vítimas, de pensar nelas e de votar favoravelmente o nosso projecto de lei...

Aplausos do CDS-PP.

Até aqui temos assistido à vossa preocupação em defenderem os criminosos, com o que não podemos, de maneira alguma, estar de acordo. Ao longo de todo este tempo, demonstrámos estar sempre, em primeiro lugar, do lado das vítimas, e apresentámos esta iniciativa para que uma vez, ao menos, quando se fala em amnistia, quando se pretende apagar crimes violentos que mancharam a história recente da sociedade portuguesa, se pense nas vítimas,

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porque elas têm estado silenciosas e o Sr. Deputado talvez saiba porquê - é porque têm medo e continuam a viver no terror que foi instalado na sociedade portuguesa e esse período da história os senhores não podem apagar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, uma vez que pode haver dúvidas nesta Câmara sobre este assunto, lembro que a lei que prevê a indemnização de crimes violentos está em vigor e que, em nosso entendimento, aplica-se às vítimas de todos os crimes violentos. Aliás, pelo decreto regulamentar que institucionalizou a comissão de protecção de vítimas de crimes, cujo relatório de 1995 tenho comigo e que farei chegar à Mesa para ser junto ao Diário de hoje, nalguns casos já foram atribuídas verbas significativas, que podem ir até 4000 contos, a vítimas de crimes violentos.
Em nosso entender, a lei aplica-se.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não é retroactiva!

O Orador: - E é retroactiva dependendo da vontade do Ministro da Justiça. Fizemos um apelo à interpretação do Ministro da Justiça nesse sentido e, como estamos convictos de que será respondido favoravelmente, não temos dúvidas da aplicabilidade indiscutível da lei.

Protestos do CDS-PP.

Os Srs. Deputados farão o favor de consultar, dado que desconheciam, os resultados decorrentes da acção da comissão de protecção às vítimas de crimes e ao respectivo relatório do ano de 1995.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Vocês sabem imenso de direito!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quando admiti o projecto de lei apresentado pelo CDS-PP, apercebi-me de que havia já alguma tutela sobre esta matéria mas, uma vez que o texto não é coincidente com aquele que está em vigor, não podia recusar a sua admissão.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem, Sr. Presidente!

A Sr.ª Manuela Moura Guedes (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Manuela Moura Guedes (CDS-PP): - Sr. Presidente, o decreto-lei a que o Sr. Deputado Alberto Martins se referiu não tem efeitos retroactivos e, portanto, não se aplica às vítimas...

O Sr. Alberto Martins (PS): - Leia o n.º 3 do artigo 4.º!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Isso é um pontapé no direito!

A Oradora: - As indemnizações pagas dizem respeito a dois servidores do Estado. De acordo com esse decreto-lei, foram-lhes concedidas mas foi feita uma lei especial para esse efeito.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Deputada, gostava apenas de ler-lhe o n.º 3 do artigo 4.º do decreto-lei em vigor, que diz o seguinte: «Em qualquer caso, o Ministro da Justiça pode relevar o requerente do efeito da caducidade quando justificadas circunstâncias morais ou materiais tiverem impedido a apresentação do pedido em tempo útil», o que é indiscutível.

A Oradora: - Nunca aconteceu, Sr. Deputado, e há a obrigação de tutelar este direito!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não consentirei que voltem a deturpar a figura da interpelação à Mesa. Por outro lado, o que estão a fazer é já a discussão na especialidade, mas essa terá a sua oportunidade própria.

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra mas não para uma verdadeira interpelação à Mesa. Contudo, como V. Ex.ª acaba de dizer que não permite interpelações que não o sejam verdadeiramente, lamento não poder dar à Câmara o esclarecimento que julgo ser útil e oportuno.

O Sr. Presidente: - Uma vez que pretende prestar um esclarecimento, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Sr. Presidente, não quereria introduzir um novo elemento político na discussão que está centrada politicamente onde julgo que deve estar. Mas, tendo sido eu politicamente responsável pela apresentação nesta Câmara do diploma que acaba de ser referido e que colheu uma votação que apenas não foi unânime porque obteve a abstenção do Partido Comunista na medida em que quereria que o diploma fosse mais longe, talvez esteja em condições de poder esclarecer dois pontos que me parecem decisivos.
O primeiro é que, juridicamente, o diploma não prevê a atribuição de indemnizações no sentido técnico do termo. O diploma vem na sequência da previsão do Código Penal de 1982 e prevê aquilo a que também impropriamente se chama o seguro social de apoio à vítima, o que permite, por isso também, uma flexibilidade maior por parte do Estado e nomeadamente do Governo e, em particular, do Ministério da Justiça, para poder prover a sua aplicação.
Por outro lado, estimula o requerimento da própria vítima de crimes violentos para que, a partir desse requerimento, a interpretação susceptível que o diploma permite possa conduzir ao efeito útil que pretende. Nessa medida e por isso, creio que o diploma tem condições e virtualidades para poder responder a esta situação, o que não significa, obviamente, que sendo ele um diploma de 1991 não deva ser actualizado e, portanto, conduzido naquilo que era já a sua previsão, a prossecução de podermos caminhar para um Estado cada mais solidário.
Apenas um pormenor último: é que a alteração que o Sr. Ministro da Justiça actual anunciou no sentido de modificar o Código de Processo Penal não tem, ao contrário do que diz o Sr. Deputado Osvaldo Castro, qualquer relação com a matéria que estamos aqui a discutir. Essa é no sentido de alterar o Processo Penal para as circunstâncias em que a vítima está em condições de pagar a indemni-

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zação; este diploma surge exactamente para os casos em que o delinquente não é conhecido ou, sendo-o, não tem condições para prover essa indemnização.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado pelos esclarecimentos, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pedia palavra para, através da interpelação em sentido próprio, anunciar ao Sr. Presidente e à Câmara que, justamente, na sequência do debate já travado e que acaba de ser inteiramente corroborado no, alcance de um diploma em vigor e na possibilidade sempre da sua eventual melhoria, justificar a iniciativa anunciada do PS de apresentar um requerimento de baixa à Comissão para ponderação integral da matéria constante do projecto de lei n.º 108/VII.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, o debate na especialidade do nosso projecto de lei não será prejudicado pela votação na generalidade que ocorrerá hoje neste Plenário. Logo, este requerimento tem o objectivo político de poupar o PS a votar favoravelmente o nosso projecto de lei porque o PS não quer dizer hoje ao país, preto no branco, que quer proteger e indemnizar as vítimas dos crimes das FP 25.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD, por fortes razões de Estado que rapidamente explicarei e por indeclináveis imperativos de natureza política, é frontalmente contra esta amnistia.
Em primeiro lugar, um crime violento cometido por razões políticas em ditadura e a favor da liberdade ainda pode ter algumas atenuantes; um crime violento, cometido por razões políticas em democracia e contra a liberdade, só pode ter agravantes absolutamente indesculpáveis.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Esta organização terrorista lutou contra a liberdade, contra a democracia, contra a segurança de pessoas e bens, em suma, contra o Estado de direito. É algo indesculpável em democracia. O perdão, aqui, é algo verdadeiramente sem justificação, é a própria negação do Estado de direito e é por isso que a primeira conclusão é simples, directa e clara. Em obediência à liberdade, em obediência à democracia, por respeito ao Estado de direito, a aprovação desta amnistia, se for esse o caso, não enobrece o Estado democrático e constitui uma vergonha para o país.

Aplausos do PSD.

Segunda razão: os portugueses devem ser recordados de que os crimes fundamentais que se pretende perdoar não ocorreram em 1974, em 1975 ou em 1976, ou seja, em período revolucionário; os crimes principais, mandados executar por esta organização, ocorreram em 1982, em 1983 e em 1984, ou seja, quando a democracia estava consolidada e o Estado de direito democrático perfeitamente enraizado. Não havia então qualquer motivo ou justificação para tal. Pergunto: havia ou não liberdade de associação, de manifestação, de crítica e de protesto? Havia, o que significa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que um crime por razões políticas cometido nesse período é absolutamente injustificável pois esse não era um período revolucionário mas de consolidação plena da democracia.
Temos de tirar a seguinte conclusão: àqueles que, no País e nesta Casa, no passado lutaram pela democracia, pela liberdade, àqueles que lutaram e ergueram a sua voz e sofreram pela denúncia de crimes políticos do antigamente, pergunto qual é a seriedade intelectual e coerência para hoje terem uma postura diferente. Porque os crimes políticos, em democracia estabilizada, não são crimes à esquerda ou à direita; ambos são intoleráveis, ambos são indesculpáveis, ambos merecem a nossa repulsa.

Aplausos do PSD.

Em terceiro lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o regime democrático é de facto o regime da tolerância, e ainda bem que assim é, mas não confundamos tolerância e generosidade com permissividade. Aquilo que está aqui em causa não é uma atitude de tolerância, de magnanimidade, de generosidade. Aquilo que está aqui em causa é uma atitude de permissividade - legitimar a violência, legitimar o terrorismo, fazer com que convicções, princípios e valores profundos que todos têm defendido antes e depois do 25 de Abril possam ser sancionados e avalizados. E em nome de quê? Pergunto à Câmara: será que houve alguma vez, tantos anos passados, algum sinal de arrependimento daqueles que estavam à frente da organização terrorista que se pretende amnistiar? Para a morte de uma criança, a justificação fria e implacável é a de um erro técnico; para todas as outras atitudes, nem uma postura de humildade, nem um momento de arrependimento, nem sequer uma palavra, ao menos moral, de reparação pública e de reparação social! E pergunto: será isto possível para quem, como todos nós, preza o direito à vida, à segurança, à tranquilidade e à dignidade da pessoa humana?! A pedagogia democrática, que não comporta o ódio nem alimenta o ressentimento é positiva e enobrece, mas não permite, não autoriza, nem avaliza que se faça tábua rasa de princípios e se sancionem omissões e esquecimentos desta natureza.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em quarto lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que se pretende fazer aprovar é um acto de verdadeira hipocrisia política e moral. Em primeiro lugar, porque se pretende deixar de fora quem executou, e, depois, porque se pretende sancionar, de alguma forma, aqueles que, na cúpula da organização terrorista, mandaram matar. Isto é muito importante, sobretudo porque não estamos a falar de' actos individuais, esporádicos ou ocasionais, mas de uma organização, que actuava como tal, que planeava, definia e mandava executar. E nós sabemos muito bem o que é falar da organização: aqueles que cumprem ordens quase não têm alternativa; têm de cumprir as ordens, sob pena de

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sofrerem retaliações a seguir. Houve um cidadão em Portugal, executante das FP 25, que se recusou a cumprir ordens, tendo sido retaliado e abatido, de forma fria e implacável.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É também de alguma forma cínica a justificação apresentada, em particular pelo Sr. Presidente da República, para solicitar a ponderação de uma amnistia. Com todo o respeito que me merece, a mim e a todos nós, o Sr. Presidente da República, não podemos aceitar que uma das suas justificações seja a de que, quando vai em deslocações ao estrangeiro, lhe perguntam como é possível que Otelo Saraiva de Carvalho esteja nesta situação. A esse propósito, quero dizer duas coisas: com todo o respeito que me merece o Sr. Presidente da República, repito, tenho de dizer aqui que, em vez de propor à Assembleia da República a realização de uma amnistia para ultrapassar esta questão, julgo que seria obrigação e dever do Chefe do Estado explicar, fundamentar e informar os tais interlocutores estrangeiros que o abordaram de que, apesar de Otelo Saraiva de Carvalho ter sido um brilhante capitão de Abril, a seguir, mais tarde, cometeu desvarios, excessos e atrocidades que não podem contar com a nossa tolerância, com o nosso perdão e com a nossa amnistia. Era essa a sua obrigação.
E, mais ainda, pergunto o que dirão os interlocutores estrangeiros do próximo Presidente da República?! O que dirão quando lhes for chamada a atenção para que, no momento em que por todo o lado prolifera o terrorismo, em Portugal, faz-se exactamente o contrário: amnistia-se e passa-se uma esponja sobre o terrorismo! Esta situação é verdadeiramente inadmissível e inqualificável!

Aplausos do PSD.

Em quinto lugar, estamos a falar de crimes de sangue. Esta organização matou efectivamente! Matou pessoas indefesas! Matou crianças! Criou crispações intoleráveis na sociedade portuguesa! O mínimo que é possível fazer é indemnizar as vítimas! E, a esse respeito, permitam-me um parêntesis, que não tinha pensado invocar: com toda á franqueza, não consigo entender que, perante um projecto bem-vindo relativamente à questão das indemnizações, que é o mínimo que se pode fazer, ainda se esteja aqui a perder algum tempo com questões jurídicas e de pormenor, quando a questão fundamental é um sinal político sobre esta matéria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E é justamente olhando para as vítimas que pergunto: será que limpamos e passamos a ter a consciência tranquila concedendo apenas indemnizações e apagando tudo o resto? Olhando para os agentes da Polícia Judiciária, da GNR ou da PSP que lutaram contra o terrorismo na defesa da segurança e da tranquilidade de todos nós, pergunto: será que limpamos e ficamos com a consciência tranquila só com um elogio póstumo, só com a condecoração de circunstância, quando tudo o resto se apaga da nossa memória e da nossa história? Não!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, por respeito às vítimas, às forças de segurança e à sensibilidade dos portugueses, esta questão é também, é antes de mais, uma questão de consciência - da consciência nacional e da consciência do nosso sentimento, do amor à vida e da inteligência dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em sexto lugar, há alguns Srs. Deputados que hoje acham ser possível conceder esta amnistia porque não há mais qualquer risco de terrorismo e que tudo isto pertence, definitiva e irreversivelmente, ao passado A este respeito, ouso pedir a vossa atenção para a citação que passo a referir: "Como se sabe, o terrorismo constitui uma ameaça para a segurança e para ordem constitucional do Estado. Os membros do terrorismo admitem que toda a vida humana pode ser sacrificada a fins políticos e, no caso da organização FP-25, assim sucedeu. É, portanto, uma actividade intolerável numa sociedade civilizada e, consequentemente, toda a população tem de estar bem esclarecida. No presente, todas as pessoas devem conhecer o passado, para proteger o seu futuro. Estes fenómenos de terrorismo repetem-se ciclicamente. Tenha-se em devida conta que parte dos arguidos das FP-25 já beneficiaram de uma amnistia quando faziam parte das Brigadas Revolucionárias".
Esta citação, Srs. Deputados, é de um ilustre magistrado do nosso país, o Dr. Adelino Salvado, Juiz-Presidente do Tribunal Colectivo, que julgou o caso das FP-25. E, perante esta questão, quero deixar aqui uma pergunta: será que alguns ainda se recordam de que parte destes arguidos já beneficiaram no passado de uma amnistia e que valerá a pena reflectir sobre isto- todavia, reincidiram no terrorismo, persistiram na intenção de matar, voltaram, de facto, a querer amesquinhar a liberdade, o direito à vida e a dignidade humana? Que garantias têm os Srs. Deputados de que o fenómeno não se repete no futuro? Que garantias podem dar à Câmara e ao País de que o fenómeno não volta a criar-se no futuro?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E pergunto directamente ao Sr. Deputado Alberto Martins, que aqui invocou essa razão: que garantias pode dar o Sr. Deputado de que este fenómeno, que é cíclico, não volta a surgir em Portugal? E se voltar a aparecer este fenómeno? E se voltarmos a ter organizações .terroristas e actividades criminosas desta natureza no nosso país? Estamos a brincar com alguma coisa que tem muito a ver com o nosso futuro, e o futuro, sobretudo em matéria de Estado de direito, de segurança e de tranquilidade das pessoas, não se pode hipotecar ou comprometer de uma forma leviana e ligeira, quiçá, absolutamente irresponsável! É também por isso que esta amnistia não pode passar e tem aqui a nossa firme oposição.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em sétimo lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma das razões apontadas para esta amnistia é um alegado imbróglio jurídico, mas - vamos rapidamente a essa questão -, em matéria jurídica, há casos mais fáceis e mais difíceis, mas não há casos sem solução. E o Sr. Procurador-Geral da República, tantas vezes citado e tantas vezes invocado, veio a esta Câmara e, de uma forma clara e frontal, disse isso mesmo: que este caso tem solução jurídica e não precisa de solução política.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Depois, não podemos advogar princípios para, logo a seguir, os violar na prática. O princípio da separação de poderes é um princípio basilar do Estado democrático. O

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princípio do respeito pela independência e pelas atribuições do poder judicial é uma matriz fundamental do nosso regime político, e é em homenagem a esse respeito, em homenagem à separação de poderes que esta amnistia não pode deixar de ser derrotada. Porque ela tem um sinal claro e indisfarçável: significa uma atitude de censura ao princípio da independência dos tribunais e, em última instância, uma censura, ela própria, ao modo, ao funcionamento, aos comportamentos e às decisões dos tribunais portugueses! Isso é indesculpável!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Ainda sobre o imbróglio jurídico, Sr. Presidente e Srs. Deputados, invoca-se que se faça aqui, nesta matéria, um precedente. E eu pergunto: e todos os outros cidadãos que neste país têm casos que se arrastam há anos, também com decisões contraditórias e que também são casos complexos e difíceis de julgar? Como se responderá, de hoje para amanhã, quando também esses pedirem a sua amnistia, o seu perdão? É o direito ao absurdo que queremos combater!
Mas há uma coisa, a contrario senso, que também deveríamos saber combater: neste caso, propõe-se uma amnistia porque se tenta preservar a lei do mais forte, mas o regime democrático fez-se para que todos fossem iguais perante a lei e para que a lei do mais forte nunca pudesse imperar na democracia portuguesa! Isto é grave!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, duas notas finais sobre esta matéria, a primeira das quais sobre Otelo Saraiva de Carvalho.
Otelo Saraiva de Carvalho foi um brilhante Capitão de Abril - sem nenhum cinismo e com muito respeito aqui o digo -, a que todos os portugueses estão gratos, tal como a muitos outros Capitães de Abril, pelo risco corrido, pelo combate travado e pela restituição da democracia e da liberdade aos portugueses. Estamos todos gratos por isso e não o esquecemos. Só que, justamente por isso, não podemos aceitar, legitimar, autorizar e admitir que, exactamente em nome dos princípios que Otelo Saraiva de Carvalho ajudou a restituir para Portugal, se tivessem, a seguir, cometido os excessos, os atropelos e os atentados à liberdade, à democracia e ao Estado de direito que ele próprio ajudou a construir no nosso país. Actuar ou pensar de outra maneira seria cometer uma dupla injustiça: a de desvalorizar, aos olhos do País, o mérito que ele teve ao ajudar a conquistar a liberdade para Portugal e de esta última poder ser desvalorizada pelos desvarios cometidos logo a seguir; a injustiça de alguém poder admitir, de alguma forma, que, apesar de se ter apregoado que todos eram iguais perante a lei e que não havia privilégios especiais para ninguém, afinal, para um dos que fez o 25 de Abril a lei é diferente daquilo que é para os outros, havendo, portanto, uns que são mais iguais e outros que têm mais privilégios perante a, lei. Isto é qualquer coisa de inaceitável!
A segunda nota que quero referir é esta: um Estado que amnistia uma organização terrorista é um Estado amnésico! É um Estado que quer limpar a história e apagar a memória! É um Estado que pensa que, limpando a história e apagando a memória, fica com a consciência limpa- faz de conta que a tem limpa! É minha convicção que um Estado que assim pensa é um Estado que se engana e que se ilude, porque aquele povo, aquele país, aquele Estado, que - repito'- tenta limpar a memória e apagar a história, é um Estado que ou tem a consciência pesada ou, a partir desse momento, passa a ficar com ela pesada. Estou certo que não é isso o que nenhum dos Srs. Deputado quer. Pela nossa parte, Deputados do PSD, não queremos isso de certeza absoluta e, por isso, com convicção e em consciência, vamos votar contra o terrorismo em Portugal!

Aplausos do PSD, de pé, e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Magalhães e Alberto Martins. Contudo, o Sr. Deputado Marques Mendes não dispõe de tempo para responder e, às 13 horas e 40 minutos, quando ainda temos mais um texto para discutir, não me sinto muito autorizado a levar longe demais a habitual tolerância.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista concede dois minutos, por cada pergunta, ao Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Assim se fará.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Mendes, 99% do que V. Ex.ª diz é pura repetição do que estava dito por colegas da sua bancada.

Vozes do PSD: - É a coerência!

O Orador: - E ao fazer essa repetição, V. Ex.ª Colocou-se numa posição inaceitável, porque aditou de novo apenas uma inflamação postiça e inteiramente hipócrita.
Em segundo lugar, V. Ex.ª não mediu as palavras que usou, uma vez que acabou a sua intervenção dizendo que vai votar contra o terrorismo e insinuando que nós iríamos votar a favor do terrorismo.

Vozes do PSD: - É a verdade!

Vozes do CDS-PP: - Mas é isso mesmo!

O Orador: - É uma calúnia repugnante que rejeitamos!
Sr. Deputado, "ponha os pés na terra"! V. Ex.ª está a insinuar que o Sr. Presidente da República, o Dr. Mário Soares, pediu à Assembleia da República e ao Grupo Parlamentar do PS que propusesse e votasse uma lei a favor do terrorismo?!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - V. Ex.ª está completamente irresponsável!
Mais, essa é uma acusação completamente descabida contra quem comandou a operação que destruiu e desmantelou o acto de rebelião contra a ordem democrática, que foi o lamentável episódio das chamadas FP-25. É inteiramente injusto fazê-lo!
Em terceiro lugar, e para falar de questões práticas, V. Ex.ª não tem qualquer legitimidade. O Sr. Deputado fala em "crimes sem perdão"; em "perdoar nunca!", mas a sua bancada perdoou, em 1991, parte das penas atinentes a alguns dos processos envolvidos no caso das FP-25!

Vozes do PS: - E agora!

O Orador: - Transitaram em julgado 23 processos, há 3 arquivados ou a aguardar melhor prova, 21 com trânsito

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de despacho de pronúncia a aguardar julgamento, etc., etc. O que é certo é que VV. Ex.as votaram esse perdão, aprovaram nessa amnistia medidas sobre a entrega de armas e, se bem me lembro,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Votámos esse perdão em homenagem ao princípio da igualdade e da não discriminação!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, hoje estamos de muito difícil comedimento.
Faça favor de continuar no uso da palavra; Sr. Deputado José Magalhães.

O Orador: -.Suponho que V. Ex.ª já se dessolidarizou de 90% do que a sua bancada fez no passado, mas pelo menos preserve estes 10%, por pudor, em relação à continuidade da identidade histórica da sua bancada!

Vozes do PSD: - Olha quem fala!

O Orador: - Também em 1991, ou antes disso, através do seu Governo, V Ex.ª propôs um indulto de vários envolvidos no caso FP-25, por proposta do Governo, transmitida pelo Ministro da Justiça ao Sr. Presidente da República. Nessa altura, não o ouvimos falar de "crimes sem perdão" nem agitar o hipócrita protesto que agora exprimiu!

Aplausos do PS.

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, não insinue! Votar contra é um direito seu, mas não rasgue o passado e não baixe o nível do debate. Deixe que o debate tenha a altura própria de um órgão de soberania, como é a Assembleia da República.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Havendo mais um orador inscrito para pedidos de esclarecimento, e uma vez que apenas dispõe de dois minutos por pergunta, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, assim sendo, respondo no fim às duas questões.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Mendes, vou ler-lhe três linhas de um parecer do Sr. Procurador-Geral da República, que V. Ex.ª citou, datado de 1991...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há uns mais recentes!

O Orador: - Sr. Deputado, tenha calma e ouça!
Esse parecer diz o seguinte: "O indulto ou o perdão individual a que se refere a alínea f) do artigo 137.º do Código Penal é um acto complexo praticado pelo Presidente da República com a colaboração do Governo". Queria apenas lembrar-lhe que o seu Governo colaborou com o Presidente da República em indultos, em perdões de pena, nalguns casos, de autores de homicídios qualificados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, o que V. Ex.ª está a dizer nunca foi feito pelo Partido Socialista. Até hoje, nunca o fizemos - estamos a tentar fazê-lo -, a não ser por amnistia. Mas nunca perdoámos crimes de sangue: VV. as, o vosso Governo e o Sr. Presidente da República fizeram-no!
V. Ex.ª, para usar as suas palavras, é cúmplice dos perdões de homicídios e de crimes de sangue. Nós não somos!

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Que ataque violentíssimo ao Dr. Mário Soares! Haja maneiras.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes. Para o efeito, dispõe de quatro minutos, cedidos pelo Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, em matéria de hipocrisia, ao menos hoje, V. Ex.ª não tem nenhuma autoridade para falar, porque em termos políticos, o que está aqui em discussão e, a seguir, em votação, é uma hipocrisia total, política e moral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Prove-o!

O Orador: - Já o provei da tribuna, Sr. Deputado, mas voltarei a provar e a insistir.
Quanto à insinuação que diz que fiz, devo dizer-lhe que não faço insinuações: faço, de uma forma directa e frontal, afirmações.

O Sr. José Magalhães (PS): - Pior!

O Orador: - E volto a repetir a afirmação de que esta amnistia é, em termos políticos, sublinho, a legitimação do terrorismo;...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - É falso!

O Orador: - Em termos políticos, é passar uma esponja sobre os princípios que justificam a condenação do terrorismo e é, de facto, um sinal de que o terrorismo, a violência, a motivação política no cometimento de crimes fica legitimada a partir daqui.
Tal como disse do cimo daquela tribuna, e V. Ex.ª deveria permitir-me agora que respondesse até ao fim, nem sequer compreendo, nem sequer aceito, nem sequer admito uma iniciativa deste género, até com base nos argumentos das palavras ouvidas no estrangeiro. Volto aqui a afirmar que o Sr. Presidente da República pode ter o direito de mandar à Assembleia da República a mensagem que mandou, mas quero dizer-lhe que o Sr. Presidente da República, que estóica e corajosamente, enquanto Primeiro-Ministro do Governo do bloco central, teve a coragem política de desmantelar esta organização, deveria hoje ter a coragem política de dizer, cá dentro e lá fora, que não há nada, nem princípio, nem valor ou convicção que, em termos políticos, permita justificar, autorizar e avalizar o terrorismo e as organizações terroristas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E, nesse sentido, manifesto a minha discordância completa.

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Mais, Sr. Deputado José Magalhães, reparo...

O Sr. José Magalhães (PS): - E os indultos?!

O Orador: - Já falarei nos indultos, fique descansado!
Reparo, Sr. Deputado, que os senhores nada disseram acerca de uma citação que fiz da tribuna, de alguém com autoridade na matéria, ou seja, a afirmação grave de um magistrado prestigiado do nosso país, que chamou a atenção ou recordou aos portugueses que parte das pessoas que querem agora amnistiar já tiveram, no passado, uma outra amnistia.

O Sr. José Magalhães (PS): - Aprovada pelo PSD!

O Orador: - Mesmo assim, reincidir voltaram à tentação!
Quero aqui dizer que quem assim actua, para além das razões que já invoquei, está a cometer um acto de ligeireza, de leviandade e de grande irresponsabilidade política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por último, Sr. Deputado Alberto Martins, fico muito surpreendido, porque VV. Ex.as que tanto gostam de usar argumentos políticos têm, hoje, a grande tentação de se refugiar em detalhes e em argumentos jurídicos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Um indulto é um detalhe?!

O Orador: - É interessante, mas mesmo no plano dos argumentos jurídicos, fique tranquilo, Sr. Deputado José Magalhães, porque respondo à questão dos indultos e da amnistia.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está ali o Deputado Laborinho Lúcio, que foi o Ministro da Justiça!

Protestos do PSD:

O Orador: - Sr. Deputado Alberto Martins, para terminar, vou referir-me aos argumentos jurídicos Começo por recordar ao Sr. Deputado, que o sabe, certamente, apesar de o ter omitido - mas, porventura, muitos dos presentes podem - desconhecê-lo -, que ainda que se concorde com o indulto, que não é, pessoalmente, o meu caso, em termos jurídicos, que é a linguagem que V. Ex.ª quis usar, indulto e amnistia são coisas completamente diferentes. O indulto permite um perdão da pena, mas não apaga o crime; a amnistia apaga o crime. E, para além de apagar o crime, apaga a situação política da organização terrorista em Portugal!
Não concordo com a amnistia e reprovo-a completamente!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Marques Mendes não foi às aulas de direito penal!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Laborinho Lúcio pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Se a benevolência de V. Ex.ª continuar a entender que uma interpelação pode servir para um esclarecimento, seria nesse sentido, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente; - Sr. Deputado, nesta altura, tenho de começar a ser muito estrito. Não me leve a mal por isso.

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Sr. Presidente, compreendo-o, perfeitamente. Mas, se me permite, continuando a aceitar a indicação de V. Ex.ª , gostaria apenas de referir que nunca, durante o Governo anterior, em algum caso das FP-25 de Abril, houve concordância da acção do Governo e da decisão do Sr. Presidente da República quanto ao indulto. Em nenhuma circunstância, foram indultados crimes praticados por elementos das FP-25 de Abril com a concordância do Ministro da Justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah, foi com a discordância!?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto Martins pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Ficamos a saber, Sr. Presidente, que houve uma discordância secreta, com efeitos retroactivos!

O Sr. José Magalhães (PS): - E postiça!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Continua o ataque ao Dr. Mário Soares!

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Sr. Presidente, se me permite...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se quer fazer uma interpelação à Mesa, vamos parar por aqui, mas se quer defender a honra, tem esse direito.

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Sr. Presidente, trata-se de uma interpelação à Mesa, solicitando a esta que esclareça, se entender que o deve fazer, o Sr. Deputado Alberto Martins do seguinte acontecimento, .repetido durante, salvo erro, três anos.
O Sr. Presidente da República manifestava, com total legitimidade, visto que o indulto, como se sabe, é uma graça exclusivamente na dependência da competência do Presidente da República, a intenção de indultar totalmente todos os implicados no processo das FP-25 de Abril, que estivessem, obviamente, em cumprimento de pena, já que o indulto é o perdão da própria pena.
A manifestação que ó Governo sempre assumiu foi' a de nunca aceitar - e isso consta de pareceres escritos que, por isso, podem ser consultados - o indulto. E, com a insistência com que, legitimamente, o Sr. Presidente da República entendia dever indultar, o Governo foi ao ponto de admitir, no máximo, o indulto que levasse a meio da pena, para que fosse o tribunal a decidir se aquela circunstância podia determinar ou não a libertação condicional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está confessado!

O Orador: - Nunca, por razões estritamente políticas, alguém que tivesse cometido um crime desta natureza seria restituído à liberdade.
É, por isso, incorrecto afirmar que houve uma convergência de opiniões quanto à concessão de indulto. Esta é

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a realidade objectiva e é sobre esta realidade objectiva que temos de tecer as nossas considerações!

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Essa é boa!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, vamos parar por aqui. Já está esclarecido que foi meia verdade. Creio que é suficiente. Mas, se insiste no uso da palavra, faça favor.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, agradeço a sua tolerância. Quero apenas ler de novo que o indulto ou o perdão individual "é um acto complexo praticado pelo Presidente da República com a colaboração do Governo".

O Orador: - O projecto das FP-25 foi um projecto terrorista, contra os fundamentos do Estado de direito democrático e nada tem a ver com o próprio 25 de Abril.
Por outro lado, as FP-25 de Abril não foram sequer uma facção revolucionária em luta contra uma contra-revolução, num momento particularmente agitado do País, foram uma facção revolucionária em luta contra a democracia liberal e contra o Estado de direito democrático. É por isso que os crimes que os senhores querem amnistiar estão registados no Código Penal aprovado pela democracia.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Orador: - Em segundo lugar, os senhores pretendem insinuar que é humanista quem perdoa às FP-25, mas a verdade é que é contra todo o sentido ético fazer uma amnistia ou dar um perdão, em termos políticos, a um terrorista mediático, esquecendo completamente as vítimas anónimas desse terrorista.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Colaboração não é aceitação!

O Sr. José Magalhães (PS): - É falso!

O Orador: - Não pode, portanto, ser praticado sem a colaboração do Governo. Se o Governo não quiser colaborar, não há indulto, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, todas as pessoas sabem que o indulto...

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD):-Sr. Presidente, permite-me...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Laborinho Lúcio, desculpe, mas ,não vamos encetar aqui, outra vez,...

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, peço desculpa, mas presume-se que os Srs. Deputados conhecem a lei. E a lei refere que o indulto é proposto pelo Ministro da Justiça e decidido pelo Presidente da República. Ponto final!
Desculpem, mas não vamos encetar aqui mais um debate sobre este pequenino problema, vamos andar para a frente. Peco-vos compreensão, Srs. Deputados.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que estamos hoje, aqui, a apreciar é, do meu ponto de vista, o projecto de lei mais grave que provavelmente dará entrada nesta Câmara durante toda a legislatura, pois afecta os fundamentos da democracia liberal e da convivência em liberdade.
Antes de enunciar os argumentos que me levam a rejeitar esta amnistia, gostaria de salientar dois equívocos que já hoje perpassaram por esta discussão e que não devem permanecer.
Em primeiro lugar, pretende-se insinuar que quem é pela amnistia às FP-2S é pelo 25 de Abril e quem é contra essa amnistia é contra o 25 de Abril. A insinuação já foi feita aqui e fora daqui e é inteiramente falsa! É preciso desfazer esta confusão, porque o 25 de Abril nada tem a ver com terrorismo ou com violência, tem a ver com paz, liberdade e tolerância.
O Orador: - Srs. Deputados, assisti com repulsa ao facto de os senhores, que querem fazer uma amnistia instantânea, pretenderem deixar para 9 "Dia de São nunca à tarde" as indemnizações às vítimas. É esse o vosso conceito de justiça!...

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - A lei é imediatamente aplicável!

O Orador - É por isso que, com o mesmo sentido humanista e com orgulho nesse sentido humanista, digo aqui que a rejeição da amnistia se funda num princípio democrático: o de que o Estado de direito não legitima a barbárie.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas se hoje aprovarmos esta amnistia derrogamos este princípio e consentimos numa barbárie.
Desfeitos, do nosso ponto de vista, estes dois equívocos, quero dizer que encontrei 10 argumentos contra este. projecto de amnistia.
Em primeiro lugar, o Partido Socialista vem propor uma amnistia que é um "pronto-a-vestir" para as FP-25, feito à medida, embora agora corrigido,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, não é um "pronto-a-vestir"!

O Orador: - ... porque parece que descobriram que também poderiam abranger terroristas que os senhores já não consideram bons, como é o caso dos terroristas do GAL, limitando-o, por isso, aos terroristas das FP-25, que, se calhar, são menos maus.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, em que é que ficamos?! É ou não um "pronto-a-vestir"?...

O Orador: - Uma amnistia feita à medida, Sr. Deputado José Magalhães! À medida, Sr. Deputado! É de tal fornia à medida que, se õ terrorista for do GAL, não é amnistiado, se for das FP-25, já é amnistiado. É outra vez o vosso conceito de justiça!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Tenho uma objecção pessoal e de fundo à repetição de amnistias, porque me parece que estas são sempre um acaso político que transforma a justiça numa injustiça profundamente aleatória.
Mas tenho ainda mais objecções a uma amnistia dirigida a certos terroristas, e apenas a esses, por um lado, porque o crime de terrorismo é dos crimes mais graves do ordenamento de qualquer Estado de direito e, por outro, porque me parece manifesto, mas não o apreciaremos nesta sede, que se trata de uma inconstitucionalidade.
Em segundo lugar, o Partido Socialista sustenta que esta amnistia se dirige - e passo a citar uma frase verdadeiramente assombrosa da sua fundamentação - a "actos controversos de natureza política".

Risos do CDS-PP.

Srs. Deputados do Partido Socialista, não são actos controversos de natureza política, são roubos, homicídios, violência, terror. E isso não é controvérsia, tem um nome, Srs. Deputados!...

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Mais: como também já foi aqui dito, se a violência política contra urra ditadura tem óbvias atenuantes, a violência política contra as liberdades só pode ter agravantes, Srs. Deputados!
Em terceiro lugar, o Partido Socialista quer branquear a História e reescrevê-la, o que é um procedimento estranho num partido democrático, como o Partido Socialista, fazendo, para isso, uma distinção farisaica entre o crime de associação terrorista e as suas consequências, o que leva a considerar que, depois de esta lei ser aprovada, se o for, as FP-25 nuca existiram e o terror, as mortes e a violência também nunca existiram.

Vozes do PS: - É falso!

O Orador: - Mas isso, Srs. Deputados, nem uma maioria nem uma lei conseguirão apagar da consciência da Nação!

Aplausos do CDS-PP.

Em quarto lugar, o Partido Socialista pretende amnistiar os "cabecilhas" das FP-25, sem que tenha havido até hoje qualquer público testemunho de arrependimento por parte desses "cabecilhas".

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Pelo contrário!

O Orador: - Eticamente, Srs. Deputados, perdoa-se a quem reconhece o erro e está arrependido, mas perdoar a quem arrogantemente continua a negar os factos e não mostra um pingo de arrependimento, não pode ser!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ainda hoje!

O Orador: - Em quinto lugar, se a Assembleia da República aprovar esta amnistia, entra numa arbitragem política que prejudica seriamente a imagem da justiça em Portugal.
O Procurador-Geral da República foi claro nesta Câmara, em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ao afirmar que há solução jurídica para o caso das FP-2.5.
Pergunto: se há solução jurídica para o caso das FP-25, por que é que os senhores querem antecipar uma determinada solução política?! Porque os senhores não querem amnistiar no sentido em que o dizem, os senhores querem evitar que a solução jurídica seja a condenação e efectiva prisão de Otelo Saraiva de Carvalho. É isso que os senhores querem evitar!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Em sexto lugar, se a .Assembleia da República aprovar esta amnistia, estará a consagrar uma caricatura do Estado de direito. Parece que, em Portugal, todos os arguidos são iguais, mas há arguidos que são mais iguais do que outros. Uma pessoa. que matou por loucura é condenada, uma pessoa que manda matar por delito de opinião é amnistiada; uma pessoa que rouba por fome é condenada, uma pessoa que rouba para pagar o terror é amnistiada. Onde é que está o vosso conceito de justiça, Srs. Deputados?!... Isto não é direito, é privilegiar uma pessoa!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Em sétimo lugar, se a Assembleia da República aprovar esta amnistia, consagrará a lamentável distinção entre quem matou e quem mandou matar, entre o ideólogo e o operacional, entre aquele que mandou e aquele que executou. E pergunto: pode haver maior brandura com aquele que é o mais responsável? Uma vez mais, não pode!

Vozes do PS: - Falso! Falso!

O Orador: - Por outro lado, se esta Assembleia aprovar a amnistia para fazer a vontade ao Sr. Presidente da República, fá-lo-à sem ouvir a vontade das vítimas, que são os primeiros interessados nesta questão.
Antes de atender à opinião do Sr. Presidente da República, eu, como Deputado, atenderei à vontade das vítimas. E é lamentável que esta Assembleia da República não tenha ouvido as vítimas, limitando-se a ouvir quem interessava ouvir, num determinado sentido. Ouçam as vítimas e decidam, em consciência, se é justo perdoar o que elas não querem perdoar!

Aplausos do CDS-PP.

O Presidente da República, na sua mensagem, com todo o respeito que me merece o supremo magistrado da Nação e com toda a liberdade que tenho de o criticar, usa as palavras "esquecimento" e "generosidade".
A verdade é que o esquecimento apaga o terror e, por isso mesmo, há esquecimentos que não devem ser tidos.
Quanto à generosidade, ela não foi feita com as vítimas, não foi feita com os inocentes, não foi feita com os cidadãos normais, que nunca fizeram mal a ninguém e sofreram as consequências do terrorismo; a generosidade é feita com quem mandou matar, com quem mandou roubar, com quem mandou fazer a violência.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.,

Isso é estranho vindo de vós, socialistas! O direito dos fracos cede perante o direito dos fortes!
Mas o Sr. Presidente da República também invoca que está incomodado com o facto de, no estrangeiro, lhe perguntarem pelo destino do caso Otelo. Sobre isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e numa questão de consciência como esta, devo dizer que me estou nas "tintas" para o

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que dizem os amigos estrangeiros do Sr. Presidente da República!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

E devo até atrever-me a perguntar se os amigos estrangeiros do Presidente da República são os socialistas espanhóis, que organizaram violência de Estado contra a ETA,...

Aplausos do CDS-PP.

... ou os sociais-democratas da Alemanha, que foram coniventes com a violência de Estado contra o Bader Meinhoff?... São esses os amigos estrangeiros que se preocupam com Otelo, mas não se preocuparam com os terroristas que tinham em "casa"!...
Tenho a dizer aos amigos estrangeiros do Dr. Mário Soares uma coisa muito simples: preocupem-se mais com Timor e com o genocídio e menos com Otelo. Talvez cheguem a uma noção elementar de justiça!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Por fim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é manifesto que esta iniciativa do Partido Socialista, cegamente obediente ao Sr. Presidente da República não uniu os portugueses, dividiu-os, como se vê nesta Câmara.
Esta iniciativa do Partido Socialista, como a mensagem do Sr. Presidente da República, não sarou qualquer ferida, avivou a memória das feridas.
Em suma, esta iniciativa do Partido Socialista e a mensagem do Sr. Presidente da República não pacificaram a sociedade portuguesa, dividiram-na, e dividiram-na em nome de quem não merece, o que é lamentável.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - É verdade!

O Orador: - Aliás, volto a dizer-lhes, Srs. Deputados do Partido Socialista, que estranho e lamento que, numa questão que até hoje, por prudência das várias entidades que estiveram envolvidas, se considerou indispensável a unanimidade das forças políticas, hoje, baste uma maioria para a aprovar. Mas vocês sabem que a consciência do País e de grande parte do vosso eleitorado, de acordo com todas as sondagens que foram publicadas, está contra esta lei, está contra esta iniciativa,...

Protestos do PS.

... porque as pessoas que são socialistas, obviamente, têm um sentido de justiça e no sentido de justiça, Srs. Deputados, pensa-se primeiro nas vítimas e depois naqueles que organizaram o terror.

Aplausos do CDS-PP.

Para terminar, quero dizer, com toda a clareza, que esta lei não apaga a violência, mas legaliza o sofrimento. Esta lei não devolve a vida e desrespeita a morte. Nós protegemos a vida e não esquecemos a morte! É essa a diferença e é essa diferença que me faz apelar aos Deputados do PS para que façam uso da mais extraordinária qualidade da liberdade: desobedeçam à disciplina partidária e revoltem-se contra esta injustiça!

Aplausos, de pé, do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, confesso que sofri ao ouvir a intervenção do Sr. Deputado Paulo Portas.

Risos do CDS-PP e do PSD.

Como sofro sempre cada vez que me confronto com o espírito de qualquer Torquemada. Lamento profundamente que o fundamentalismo e a manifesta ausência de disponibilidade mental para compreender o que é a tolerância tenha estado tão presente nas palavras do Sr. Deputado Paulo Portas. Mas ao lamenta-lo, quero dizer-lhe que, há que ter autoridade política para, sobre certas matérias, pretender dar lições de autoridade política àquela bancada que, antes e depois do 25 de Abril, tem no seu seio pessoas que deram o melhor das suas vidas para a construção do Estado de direito, para a defesa da liberdade, para o respeito pelos direitos humanos.
Não é possível, Sr. Deputado Paulo Portas, que quem podendo ter muitos dotes intelectuais não tenha o dote de um currículo político ao serviço destes valores e se permita dar lições de autoridade nesta matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é possível, sobretudo em nome dessa tentativa de lição, vir mais uma vez, lamentavelmente, confundir as coisas.
Nesta bancada, nem o projecto de lei, nem o que até agora foi dito, no espírito, aliás, da mensagem do Sr. Presidente da República, significa que se queira apagar a História do País. E mais, exactamente porque não queremos apagar essa História, é que não fizemos, em sede judicial, a condenação da ditadura anterior ao 25 de Abril, porque preferimos - mil vezes preferimos - que seja o julgamento da consciência dos portugueses a ter a última palavra.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É isso que significa o espírito democrático e o espírito da tolerância.

O Sr. Presidente:- Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - E, mais uma vez, sublinho que não é possível que esta amnistia tenha alguma vez o propósito de aligeirar responsabilidades de quem tenha matado e de quem possa ter mandado matar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isso não pode ser dito, Sr. Deputado Paulo Portas!

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Se se determinar que na investigação judicial alguém, seja quem for, venha á ser considerado autor moral de um homicídio, sob a forma praticada ou tentada, de uma ofensa corporal grave nos mesmos termos, esse autor moral será punido à luz do Código Penal, porque esse crime não é amnistiado.

Vozes do PS: - É verdade!

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O Sr. Presidente: - Terminou, Sr. Deputado!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado Paulo Portas, não é rigoroso e não é politicamente sério vir sugerir essa acusação à bancada do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de terminar!

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Paulo Portas tem o direito de assumir, naturalmente, a sua divergência política quanto ao valor desta amnistia. Reconhemos-lhe esse direito, mas o que não tem é o direito de vir dar lições morais ou de política à bancada do PS!

Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.

Protestos de Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes o silêncio necessário para continuarmos os nossos trabalhos.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, não vou sequer perder tempo com o problema dos Torquemada. Se, nesta Câmara, alguém pode representar, neste século, alguns Torquemada é quem está ao vosso lado, nesta questão. Mas nem perco um minuto nessa matéria, Sr. Deputado, nem um minuto!
Em relação ao fundamentalismo e à intolerância que não tenho, excepto em relação a uma questão, tenho o maior orgulho em confessar que sou intolerante com o terrorismo, com o terror, com os homicídios por razões políticas, sou intolerante com a violência exercida contra os delitos de opinião, antes deste regime, depois deste regime, sempre, Sr. Deputado!

Vozes do PS: - Outra vez?!

O Orador: - Sou intolerante contra aqueles que não entendem a divergência de opinião e se acham autorizados a usar a violência para castigar a divergência de opinião.

Aplausos do CDS-PP.

Portanto, mais não lhe vou dizer sobre a aprendizagem da liberdade e da tolerância. Quero, no entanto, dizer-lhe que há uma liberdade que os senhores não devolvem: é a liberdade de existir a quem morreu,...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... vítima dos terroristas que os senhores querem amnistiar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é uma calúnia!

O Orador: - E isso os senhores não devolvem. Essa é, aliás, Srs. Deputados, a primeira de todas as liberdades: a liberdade de viver!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como nesta Câmara nunca me "estou nas tintas" para a opinião dos outros, e tenho assistido com alguma calma ao debate inflamado que aqui se travou em torno destas questões, tenho de dizer algumas palavras sobre este debate antes de entrar propriamente na intervenção.
Eu ouvi um Sr. Deputado do PSD chamar terrorista à maioria que aprova esta amnistia, mas esteja, descansado, porque levo isso à conta de uma exaltação, de todo em todo, descabida quando se discute uma questão como é a amnistia, seja ela qual for.
Gostaria de dizer algumas coisas, já que falámos em Torquemada, pois no princípio até pensei que o PP não sabia quem era o Torquemada. Como acho que chamar esse nome é uma ofensa horrível, e houve muitos sorrisos da parte do PP, pensei que não sabiam quem era Torquemada. Mas se sabem quem é e se conhecem a história do Partido Comunista Português, também devem saber quem é que serviu de Torquemada para o Partido Comunista Português. Deve saber, e há, aliás, muitos exemplos.
Isto para dizer que não está em discussão, nesta questão, quem é contra ou a favor do 25 de Abril. O que se disse, com muita clareza, foi uma outra coisa muito diferente: é que os senhores ainda não explicaram por que é que, ao fim e ao cabo, não tiveram a mesma veemência na condenação de um terrorismo de Estado que se abateu sobre partidos e pessoas que estão representados nesta Assembleia, que foi o terrorismo de Estado da ditadura e se querem contar os exemplos, vamos contá-los.
Também ainda não se manifestaram contra uma coisa que se passou que foi uma amnistia disfarçada, até porque há agora coragem de vir propor, abertamente, uma amnistia. É que houve, neste país, uma amnistia que se processou disfarçadamente, porque não se deram aos órgãos destinados e vocacionados para isso as condições necessárias para fazer investigação de crimes terroristas que, assim, disfarçadamente, foram amnistiados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Poderia falar até do exemplo de um juiz que chegou a pôr dinheiro do seu bolso para se deslocar de uma comarca à outra para fazer investigação!
Portanto, Srs. Deputados, tenhamos calma na análise destas questões, porque, de facto, haveria muito a dizer, se quiséssemos falar como falou o Sr. Deputado Marques Mendes que disse aqui coisas inenarráveis, mas depois resolveu sair para não ouvir as outras. Se vamos falar de hipocrisia política e de moral, temos de falar da proposta que o governo de Cavaco Silva fez para conceder pensões aos "pides"! Isto é ou não é uma tremenda hipocrisia política e, ainda por cima, imoral?
Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes.

Srs. Deputados, se vamos querer falar das vítimas do terrorismo e das famílias das vítimas, aí, pedimos meças, porque vamos ver onde é que se situam, em que lugar estão sentadas as pessoas, companheiras e companheiros de vítimas e de famílias de vítimas de uma espécie de terrorismo que torturou a sangue frio, paulatinamente, dia a dia, que não deu sequer uma morte rápida mas uma morte demorada, diária e arrastando-se ao longo dos meses. Mas, disso, não querem falar nem querem que se fale!
Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes.

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Com isto, quero dizer, logo de início, que, para nós, não há terrorismo de esquerda. O terrorismo nunca é de esquerda, porque a esta tem a ver com acções revolucionárias e não com qualquer forma de terrorismo.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD. e do CDS-PP.

Estamos entendidos, pois VV. Ex.as querem que transpareça lá para fora uma ideia diferente. Foi a linguagem populista usada na História - e os exemplos são célebres - que levou até ao abismo alguns países. E VV. Ex.as querem que transpareça lá para fora uma ideia errada, uma ideia que se cifrou naquela expressão, que espero que conste do Diário destas sessões, da "maioria terrorista" é isso o que querem e é errado.
Mas, porque querem tal, falsamente dizem que o projecto de lei amnistia crimes de homicídio. Ora, isso é má fé! Não considero sequer que isso seja analfabetismo jurídico, porque não acredito que na vossa bancada não saibam das coisas mais simples que há em direito penal, que é o facto de que uma pessoa, simultaneamente, poder cometer dois crimes: neste caso, poder cometer o crime de terrorismo e o crime de homicídio. E o crime de homicídio não é amnistiado pelo projecto de lei! Isto que fique bem claro!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Em último lugar, já que se falou nas questões dos indultos e que o Sr. Deputado Marques Mendes defendeu, em alternativa à amnistia, o recurso ao indulto, quero dizer, mesmo estando ele ausente da Sala, que recorra aos tratadistas e que se informe de que o indulto, esse sim, é que viola o Estado de direito democrático. Está previsto na Constituição mas, em pura teoria, viola o Estado de direito democrático, interfere no juízo natural e põe na rua pessoas que, efectivamente, por ordem do tribunal, estavam a cumprir pena de prisão.
Para terminar, e porque aqui já se falou muito da liberdade de viver e porque há pessoas que julgam que têm o predomínio na defesa dessa liberdade, queria recordar como, já em 1991, vozes importantes se pronunciaram na defesa da amnistia, em nome de uma doutrina cristã de que também alguns se arrogam, mas que não respeitam. Do Patriarcado saiu uma nota onde se citava uma frase da Bíblia em defesa da amnistia, e que é a seguinte: "não quer a morte do pecador, mas quer que se converta e viva". Como é que VV. Ex.as podem continuar a fazer intervenções do género das que fizeram, absolutamente fora da calma que uma Assembleia deve ter quando pondera uma lei da amnistia?
Continuando, diria que tem sido colocado nesta discussão um dramatismo exagerado, possivelmente para retirar alguns dividendos políticos, mas não creio que, com essa linguagem, embora populista, possam resistir muito tempo, porque essas linguagens foram já deitadas para o cesto dos papéis da História.
Contudo, embora com esse objectivo, quero dizer que uma amnistia, quando tem de ser ponderada, deve sê-lo em termos de decidir se ela responde a necessidades da política criminal. E a amnistia, ao contrário do indulto, nunca é contra o Estado de direito, precisamente porque pode servir os seus fins quando a pacificação da sociedade e a defesa sócio-política da comunidade aconselham para essa pacificação e socialização, não o apagamento da punibilidade do crime mas o apagamento da punição, que é algo bem diferente!
É isto que, efectivamente, não foi feito até aqui, por critérios políticos, por discussões que, para decidir sobre esta caso, nada ajudaram.
Por fim, gostava ainda de dizer que o PCP apresentou propostas de substituição ao projecto de lei do CDS-PP, sobre a questão da concessão de indemnizações pelo Estado às vítimas de crimes. Consideramos que o projecto apresentado pelo PP tem óbvias incorrecções, colocando, inclusivamente, as vítimas dos crimes à espera que haja a última decisão sobre o processo das FP-25 de Abril. Ora, como nem em todos os processos os. arguidos têm a qualidade de elementos das FP-25 de Abril, não se percebe porque é que terão de ficar à espera desse último processo. Aliás, as nossas propostas são muito mais amplas, como, por exemplo, quanto ao montante da indemnização, que depois, em sede de especialidade, poderemos discutir a solução mais adequada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Razões políticas e de política criminal levaram-nos, já há muito tempo, a manifestar-nos a favor de uma amnistia aos implicados nas FP25 de Abril. Somos favoráveis a essa amnistia, com tanto mais legitimidade quanto é, certo que, como se sabe, sempre condenámos energicamente o recurso ao terrorismo como forma de luta política e sempre manifestámos a nossa reprovação pelas actividades de uma organização que, embora usurpando o nome emblemático da Revolução dos Cravos, nada teve a ver, de facto, com o 25 de Abril e, da sua actuação, o povo deste país e os trabalhadores em nada beneficiaram.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado ,Nuno Abecasis, mas a Sr.ª Deputada não dispõe de tempo para responder. Aliás o Sr. Deputado também só dispõe de um minuto para formular o seu pedido.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, o problema do tempo para a resposta será um problema da Sr
Deputada e do Sr. Presidente, não é meu, com certeza!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas que solidariedade! E que democracia!

O Sr. Presidente: - O problema é de todos nós, Sr. Deputado, porque um pedido de esclarecimento implica uma resposta. Mas se V. Ex.ª pretende fazer a pergunta mesmo sem obter resposta, tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O PP fala sozinho! Não precisa de respostas!

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, dado que tenho tempo, irei usá-lo.
Queria dizer que a Sr.ª Deputada Odete Santos estava pertinentemente virada para a minha bancada. E queria esclarecê-la de que nunca ninguém desta bancada distribuiu medalhas nem concedeu benesses fosse a quem fosse. Portanto, não era connosco, com certeza, que estava a falar! Deve ser qualquer desvio que V. Ex.ª tem e ficarei muito contente se souber que é para a direita.
Outra coisa que queria dizer-lhe é que nunca advogámos a morte fosse para quem fosse, mas sim o justo castigo para quem cometeu crimes contra a sociedade.
Estamos, por isso, mesmo sem o evocar, na linha do comunicado do Patriarcado, que achei extremamente curio-

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so que fosse evocado aqui por V. Ex.ª. Queria dizer-lhe ainda que a nossa linha cristã vai ao, ponto de termos proposto uma lei ao abrigo da qual estarão V. Ex.ª e todos os seus amigos que se julguem vítimas de qualquer espécie de terrorismo, seja cometido por quem for e seja cometido quando for - a nossa lei tem, pelo menos, essa virtude, a de ser abrangente e não ser dirigida para uns contra outros.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos. Para o efeito, dispõe de três minutos cedidos pelo grupo parlamentar de Os Verdes.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, não necessito de tanto tempo porque a resposta será muito breve.
Primeiro, Sr. Deputado Nuno Abecasis, quando me dirigi à bancada de V. Ex.ª poderá ter sido por acaso quando falei nas pensões atribuídas aos "pides". Olhei para aí, mas já que o Sr. Deputado se "picou" não sei, então, se o PSD, o Governo não terá ouvido o CDS-PP sobre essa questão e pedido um parecer. Agora fiquei com essa dúvida!
Segundo, em relação ao vosso projecto de lei apontei uma incorrecção, a que V. Ex.ª não respondeu. Perguntei por que é que, então, uma vítima de uma organização terrorista tem de ficar à espera do último processo das FP-25 de Abril para obter uma decisão, criando-se entretanto a maior incerteza e insegurança jurídicas sobre o termo do prazo.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não leu bem!

A Oradora: - Terceiro, Sr. Deputado Nuno Abecasis, citei a frase da Bíblia que o Patriarcado transmitiu e publicitou - e V. Ex.ª parece ter ficado muito admirado por eu tê-lo feito. Aconselho-o a ler um livro, que posso emprestar-lhe mas não oferecer porque tenho muita estima por ele, que tem por título " A leitura laica da Bíblia".

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - A Sr.ª Deputada talvez esteja a desviar-se para a direita!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, só agora levanto uma questão que foi abordada no decurso desta reunião, porquanto quis habilitar-me com os elementos suficientes.
V. Ex.ª, a dada altura, disse que era comum e sabido que os indultos resultavam de proposta do Governo ao Presidente da República, que indultava ou não consoante entendesse. Ora, como o Sr. Presidente sabe, a Constituição é clara quando diz que cabe exclusivamente ao Chefe de Estado indultar e comutar penas ouvido o Governo. É o Decreto-Lei n.º 783/76, lei orgânica dos tribunais de execução das penas, que regula o processo de indulto e daí resulta claro que ele decorre de um requerimento dos interessados, cabendo ao estabelecimento prisional instruir o processo e mandá-lo depois para o tribunal de execução das penas. De harmonia com essa mesma lei, uma vez organizados, os processos são entregues ao Ministro da Justiça, que os levará à decisão do Chefe de Estado.
Não há, portanto, nenhuma iniciativa nem proposta do Governo ou do Ministro da Justiça relativamente ao processo de indulto. Ele é um mero portador de um requerimento e de um processo que é desencadeado pelos interessados e instruído pelo tribunal de execução das penas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Talvez seja esse o entendimento rigoroso da lei, mas a tradição diz-nos que é o Ministro da Justiça a propor e o Presidente da República a indultar. Srs. Deputados, vamos passar agora à votação. Tendo sido requerida a votação nominal do projecto de lei n.º 107/VII - Amnistia às infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991 (PS), assim que se fará. O Sr. Secretário irá proceder à chamada dos Srs. Deputados e cada um fará o favor de proferir o- sentido do seu voto.

Procedeu-se à votação.

Acácio Manuel de Frias Barreiros - Favor
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo - Contra
Adérito Joaquim Ferro Pires - Favor
Agostinho Marques Moleiro - Favor
Aires Manuel Jacinto de Carvalho - Favor
Alberto de Sousa Martins - Favor
Albino Gonçalves da Costa - Favor
Álvaro dos Santos Amaro - Contra
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio - Contra
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto - Contra
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira - Contra
Antonino da Silva Antunes - Contra
António Afonso de Pinto Galvão Lucas - Contra
António Alves Marques Júnior - Favor
António Alves Martinho - Favor
António Bento da Silva Galamba - Falta
António Bernardo Aranha da Grama Lobo Xavier - Contra
António Costa Rodrigues - Contra
António de Almeida Santos - Favor
António de Carvalho Martins - Contra
António Fernandes da Silva Braga - Favor
António Fernando da Cruz Oliveira - Contra
António Fernando Marques Ribeiro Reis - Favor
António Filipe Gaião Rodrigues - Favor
António Germano Fernandes de Sá e Abreu - Falta
António João Rodeia Machado - Favor
António Joaquim Correia Vairinhos - Contra
António Jorge de Figueiredo Lopes - Contra
António Jorge Mammerickx da Trindade - Favor
António José Gavino Paixão - Favor
António José Guimarães Fernandes Dias - Favor
António Moreira Barbosa de Melo - Contra
António Paulo Martins Pereira Coelho - Contra
António Roleira Marinho - Contra
António Soares Gomes - Contra
Arménio dos Santos - Contra
Arnaldo Augusto Homem Rebelo - Favor
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes - Favor
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho - Favor
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos - Favor
Artur Ryder Torres Pereira - Contra
Bernardino José Torrão Soares - Favor
Bernardino Manuel de Vasconcelos - Contra
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja - Favor
Carlos Alberto Dias dos Santos - Favor
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas - Favor
Carlos Alberto Pinto - Falta
Carlos Justino Luís Cordeiro - Favor

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1214 I SÉRIE - NÚMERO 42

Carlos Manuel Amândio - Falta
Carlos Manuel de Sousa Encarnação - Contra
Carlos Manuel Duarte de Oliveira - Contra
Carlos Manuel Luís - Favor
Carlos Manuel Marta Gonçalves - Contra
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho - Contra
Cláudio Ramos Monteiro - Abstenção
Domingos Fernandes Cordeiro - Favor
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco - Contra
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares - Contra
Eduardo Ribeiro Pereira - Favor
Elisa Maria Ramos Damião - Favor -
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo - Favor
Fernando Alberto Pereira de Sousa - Favor
Fernando Alberto Pereira Marques - Favor
Fernando Antão de Oliveira Ramos - Favor
Fernando Garcia dos Santos - Favor
Fernando José Antunes Gomes Pereira - Contra
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira - Contra
Fernando Manuel de Jesus - Favor
Fernando Manuel Gomes da Encarnação - Contra
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho - Contra
Fernando Pereira Serrasqueiro - Favor
Fernando Santos Pereira - Falta
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo - Contra
Francisco Antunes da Silva - Falta
Francisco Fernando Osório Gomes - Favor
Francisco José Fernandes Martins - Contra
Francisco José Pereira de Assis Miranda - Favor
Francisco José Fernandes Martins - Contra
Francisco José Pereira de Assis Miranda - Favor
Francisco José Pinto Camilo - Favor
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres - Contra
Gilberto Parca Madaíl - Contra
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho - Favor
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva - Contra
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia - Favor
Henrique José de Sousa Neto - Favor
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves - Contra
Hugo José Teixeira Velosa - Contra
Isabel Maria de Almeida e Castro - Favor
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel - Contra
João Álvaro Poças Santos - Contra
João António Gonçalves do Amaral - Favor
João Bosco Soares Mota Amaral - Falta
João Calvão da Silva - Falta
João Carlos da Costa Ferreira da Silva - Favor
João Cerveira Corregedor da Fonseca - Favor
João do Lago de Vasconcelos Mota - Contra
João Eduardo Guimarães Moura de Sá - Favor
João Rui Gaspar de Almeida - Favor
João Soares Palmeiro Novo - Favor
Joaquim Fernando Nogueira - Contra
Joaquim Manuel Cabrita Neto - Contra
Joaquim Martins Ferreira do Amaral - Contra
Joaquim Moreira Raposo - Favor
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida - Favor
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira - Favor
Joel Maria da Silva Ferro - Favor
Jorge Alexandre Silva Ferreira - Contra
Jorge Lacão Costa - Favor
Jorge Manuel Damas Martins Rato - Favor
Jorge Manuel Fernandes Valente - Favor
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro - Favor
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha - Contra
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro - Favor
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão - Favor
José Alberto Cardoso Marques - Favor
José Álvaro Machado Pacheco Pereira - Contra
José António Ribeiro Mendes - Favor
José Augusto Gama - Contra
José Augusto Santos da Silva Marques - Contra
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha - Falta
José Carlos Correia Mota de Andrade - Favor
José Carlos da Cruz Lavrador - Favor
José Carlos das Dores Zorrinho - Favor
José Carlos Lourenço Tavares Pereira - Favor
José da Conceição Saraiva - Favor
José de Almeida Cesário - Contra
José de Matos Leitão - Favor
José Ernesto Figueira dos Reis - Favor
José Fernando Araújo Calçada - Favor
José Fernando Rabaça Barradas e Silva - Favor
José Guilherme Reis Leite - Falta
José Luís Campos Vieira de Castro - Contra
José Macário Custódio Correia - Contra
José Manuel Costa Pereira - Contra
José Manuel de Medeiros Ferreira - Favor
José Manuel Durão Barroso - Contra
José Manuel Marques da Silva Lemos - Favor
José Manuel Niza Antunes Mendes - Favor
José Manuel Nunes Liberato - Contra
José Manuel Rosa do Egipto - Favor
José Manuel Santos de Magalhães - Favor
José Mário de Lemos Damião - Contra
José Mendes Bota - Contra
José Pinto Simões - Favor
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias - Favor
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria - Favor
Laurentino José Monteiro Castro Dias - Favor
Lino António Marques de Carvalho - Favor
Lucí1ia Maria Samoreno Ferra - Contra
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal - Favor
Luís Carlos David Nobre - Contra
Luís Filipe Menezes Lopes - Contra
Luís Filipe Nascimento Madeira - Favor
Luís Manuel da Silva Viana de Sá - Favor
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes - Contra
Luís Mana de Barros Serra Marques Guedes - Contra
Luís Pedro de Carvalho Martins - Favor
Manuel Acácio Martins Roque - Contra
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro - Favor
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira - Favor
Manuel Alegre de Melo Duarte - Favor
Manuel Alves de Oliveira - Contra
Manuel Castro de Almeida - Contra
Manuel Fernando da Silva Monteiro - Contra
Manuel Filipe Correia de Jesus - Contra
Manuel Francisco dos Santos Valente - Favor
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes - Abstenção
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho - Contra
Manuel Maria Moreira - Contra
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves - Favor
Manuel Porfírio Varges- Favor
Maria Amélia Macedo Antunes - Favor
Maria Celeste Lopes da Silva Correia - Favor
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha - Favor
Maria do Carmo de Jesus Amado Sequeira - Favor
Maria do Céu Baptista Ramos - Contra
Maria do Rosário L. Amaro da Costa da Luz Carneiro - Abstenção

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2 DE MARÇO DE 1996 1215

Maria Eduarda de Almeida Azevedo - Contra
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto - Contra
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa - Favor
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta - Favor
Maria Helena Pereira Nogueira Santo - Contra
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino - Favor
Maria Jesuína Carrilho Bernardo - Favor
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto Contra
Maria Luísa Lourenço Ferreira - Contra
Maria Luísa Raimundo Mesquita - Favor
Maria Manuela' Aguiar Dias Moreira - Contra
Maria Manuela Dias Ferreira Leite - Contra
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz - Contra
Maria Odete dos Santos - Favor
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia - Contra
Mário da Silva Coutinho Albuquerque - Contra
Mário Manuel Videira Lopes - Favor
Martim Afonso Pacheco Gracias - Favor
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva - Contra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque - Favor
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas - Contra
Natalina Nunes Esteves Pines Tavares de Moura - Favor
Nelson Madeira Baltazar - Favor
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva - Contra
Nuno Kruz Abecasis- Contra
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes - Favor
Octávio Augusto Teixeira - Favor
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro - Favor
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte - Favor
Paulo Jorge dos Santos Neves - Favor
Paulo Sacadura Cabral Portas - Contra
Pedro Augusto Cunha Pinto - Contra
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho - Contra
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa - Contra
Pedro Luís da Rocha Baptista - Favor
Pedro Manuel Cruz Roseta - Contra
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho - Contra
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge - Favor
Raimundo Pedro Narciso - Favor
Raúl d' Assunção Pimenta Rego - Favor
Rolando Lima Lalanda Gonçalves - Contra
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz - Favor
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva - Favor
Rui do Nascimento Rabaça Vieira - Favor
Rui Fernando da Silva Rio - Contra
Rui Manuel dos Santos Namorado - Favor
Rui Manuel Pal6cio Carreteiro - Favor
Rui Manuel Pereira Marques - Contra
Sérgio André da Costa Vieira - Contra
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva - Favor
Sérgio Humberto Rocha de Ávila - Favor
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto - Favor
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan - Contra
Victor Brito de Moura - Favor

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não responderam a esta primeira chamada os Srs. Deputados António Bento da Silva Galamba, António Germano Fernandes de Sá e Abreu, Carlos Alberto Pinto, Carlos Manuel Amândio, Fernando Santos Pereira, Francisco Antunes da Silva, João Bosco Soares Mota Amaral, João Calvão da Silva, José Bernardo Veloso Falcão e Cunha, José Guilherme Reis Leite,

vai proceder-se à segunda chamada desses mesmos Deputados.

Procedeu-se , de novo, à chamada dos Deputados em falta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados; votaram 220 Deputados, sendo que houve 123 votos a favor, 94 votos contra e três abstenções.
O projecto de lei n.º 107/VII foi, assim, aprovado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, solicito que a Mesa informe o Plenário a que grupos parlamentares pertencem os Srs. Deputados que não estiveram presentes na votação que acabámos de realizar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Secretário vai mencionar a identidade dos Srs. Deputados que faltaram.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, faltaram à votação os seguintes Srs. Deputados: António Bento da Silva Galamba, do PS; António Germano Fernandes de Sá e Abreu e Carlos Alberto Pinto do PSD; Carlos Manuel Amândio, do PS; Fernando Santos Pereira, Francisco Antunes da Silva, João Bosco Soares Mota Amaral, João Calvão da Silva, José Bernardo Veloso Falcão e Cunha e José Guilherme Reis Leite, todos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Roseta pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, para informar que entregarei na Mesa uma declaração de voto sobre a votação que acabámos de realizar.

O Sr. Presidente: - Apalavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, tenho o gosto de informar a Câmara que, dos dois Deputados do Partido Socialista ausentes na votação, um está ausente por se encontrar fora do país numa missão do Partido Socialista e o outro está ausente por ter tido ontem um problema - de saúde que motivou o seu internamento hospitalar que se mantém. Todos os demais votaram, assumindo livremente o seu voto.
Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero informar que todos os Srs. Deputados do PSD que não

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1216 I SÉRIE - NÚMERO 42

estão presentes o fazem por razões superiormente justificadas, designadamente, num caso, a participação no funeral de um amigo e noutros razões de serviço da Assembleia da República no estrangeiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na especialidade, do projecto de lei n.º 107/VII, que acabou de ser aprovado, na generalidade.
Como há consenso de que o tempo de discussão atribuído a cada grupo parlamentar seja limitado a três minutos e como a Constituição não prevê a dissolução da Assembleia por inanição, acho que foi um belo acordo, pelo que darei a palavra a quem a solicitar.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, quanto à justificação do articulado, dava-a como feita abundantemente neste debate. Queria apenas justificar a apresentação de um aditamento da responsabilidade da direcção da bancada do Grupo Parlamentar do PS e da bancada do Grupo Parlamentar do PCP.
O objectivo deste aditamento é o seguinte: esta amnistia destina-se a crimes de organização terrorista e crimes de terrorismo; ora, há mais do que uma organização terrorista e há vários crimes de terrorismo e, desta amnistia, estão excluídos os crimes de homicídio. Relativamente aos casos do GAL, julgados e apreciados em Portugal, de acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1994, em recurso, em todos os cinco casos são homicídios voluntários qualificados, excepto um, que é um caso de crime de homicídio tentado. Logo, no plano da responsabilidade individual, estão fora desta amnistia.
No entanto, quisemos estender a aplicação das medidas de responsabilização pelo crime de homicídio a qualquer acto praticado fora do território nacional e, portanto, crimes de organização terrorista e de terrorismo contra a segurança do Estado e contra a realização do Estado de direito cuja condenação caiba nas regras do nosso Código Penal não são obviamente amnistiados, mesmo que praticados fora do território nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ficámos a saber que o projecto de lei que foi aprovado na generalidade é, agora, visto à lupa da especialidade, de uma forma ainda mais certeira.
Ora, pensamos que não há debate na especialidade que possa salvar a imagem que este Parlamento está a dar perante o país.

O Sr. João Amaral (PCP): - Para o que V. Ex.ª tanto contribuiu!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, exactamente para referir que este enxerto que o PS pretendeu agora introduzir na especialidade vem na linha desta «lei alfaiate» cortada à medida pelos contornos que o PS pretende aqui fazer passar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para dizer muito rapidamente sobre esta proposta de aditamento que foi agora apresentada - e muito bem - pelo Sr. Deputado Alberto Martins, em nome das bancadas do PS e do PCP, que o objectivo central que presidiu à sua elaboração é a consideração de que, na amnistia, não deviam caber quaisquer actividades deste tipo cuja acção se realizasse fora do território nacional, por razões que têm a ver com a própria filosofia com que, nesses territórios onde eventualmente haja casos desses, as autoridades os estejam a tratar.
Consideramos politicamente a questão que tem a ver com a nossa vida política, no nosso território. Não queremos desta forma interferir no que toca ou tocou aos portugueses, mas que não têm a ver com a nossa vida política, nem com o nosso território.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que há um aditamento de um novo número ao artigo 1.º deste projecto de lei, não havendo objecções, propunha que se votassem, em primeiro lugar, os dois números que constam desse artigo e, depois, votaríamos este aditamento de um n.º 3 e o artigo 2.º.
Vamos então votar, na especialidade, os n.ºs 1 e 2 do projecto de lei n.º 107/VII - Amnistia às infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991 (PS).

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes, votos contra do PSD e do CDS-PP e as abstenções dos Deputados do PS Cláudio Monteiro, Manuel Jorge Goes e Maria do Rosário Carneiro.

Passamos agora à votação da proposta de aditamento, apresentada pelo PS e pelo PCP, de um n.º 3 ao artigo 1.º, que é do seguinte teor: Também não são abrangidas pelo disposto no n.º 1 as infracções cuja punição resulte da aplicação do artigo 5.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes, votos contra do PSD e do CDS-PP e as abstenções dos Deputados do PS Cláudio Monteiro, Manuel Jorge Goes e Maria do Rosário Carneiro.

Vamos votar agora, na especialidade, o artigo 2.º do projecto de lei n.º 107/VII.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes, votos contra do PSD e do CDS-PP e as abstenções dos Deputados do PS Cláudio Monteiro, Manuel Jorge Goes e Maria do Rosário Carneiro.

Passamos agora à votação final global do projecto de lei n.º 107/VII.

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2 DE MARÇO DE 1996 1217

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes, votos contra do PSD e do CDS-PP e as abstenções dos Deputados do PS Cláudio Monteiro, Manuel Jorge Goes e Maria do Rosário Carneiro.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaríamos de propor, invocando o artigo 165.º do Regimento, que fosse dispensada a redacção final, dadas as razões de celeridade que são públicas e expressas.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar opõe-se a que seja dispensada esta fase que o Sr. Deputado José Magalhães acaba de propor.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a dispensa desta fase tinha em vista a redução do tempo que depende, agora, da celeridade dos serviços. Muito obrigado, Srs. Deputados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, no sentido das palavras que V. Ex.ª acaba de proferir, propunha-mos que se deliberasse, nos termos do n.º 3 do artigo 165.º do Regimento, um prazo exacto, que propomos que seja esta tarde, e submetíamo-lo a voto.

O Sr. Presidente: - É uma proposta, não sei se exigem que seja formulada por escrito, mas ela é tão simples que talvez não valha a pena.
Srs. Deputados, esta proposta está à votação.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP e de os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Vamos passar, o mais rapidamente possível, à discussão do projecto de lei n.º 108/VII - Altera o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos (CDS-PP).
Entretanto, foi apresentado um requerimento, no sentido de que este diploma baixe à respectiva comissão antes da votação na generalidade, pelo que se vai tratar apenas de proceder à sua discussão.

Vozes do CDS-PP: - Para as vítimas não há pressa!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República acabou de aprovar uma amnistia dos crimes de organização terrorista e de terrorismo. O meu grupo parlamentar está triste com isso...

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Srs. Deputados, não achamos graça nenhuma a esse tipo de observações. É que há mortes, há vítimas...

Vozes do PS: - Outra vez?!

O Orador: - ... e os senhores devem respeitar essas pessoas. É o mínimo que se exige.

Protestos do PS.

Vozes do CDS-PP: - É uma vergonha!

O Orador: - Repito, é o mínimo que se exige.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado está a fazer uma declaração de voto?

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu grupo parlamentar gostaria de apelar ao Partido Socialista, no sentido de retirar o requerimento, para que o projecto de lei apresentado pelo nosso grupo parlamentar seja agora votado na generalidade, como é natural, para que depois, na especialidade, seja alvo de aperfeiçoamentos, a fim de que seja a melhor lei possível para indemnizar as vítimas dos crimes das FP-25.
Esperamos, sinceramente, que o Partido Socialista não transmita aos portugueses a ideia de que está cheio de pressa para «pôr cá fora» a lei da amnistia, mas já não tem pressa nenhuma de «pôr cá fora» a lei para indemnizar as vítimas desses crimes.

Aplausos do CDS-PP.

Esperamos que o Partido Socialista dê o sinal ao País de quer deixar claro, hoje, aqui e agora, que é a favor de uma lei que indemnize as vítimas dos crimes que temos estado a tratar.
Por isso apelamos ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista no sentido de retirar o requerimento.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tem uma proposta sobre esta matéria.
Nós queremos que venha a ser aprovado pela Assembleia da República - e tudo faremos para que assim seja - , o mais breve possível, o problema da garantia das indemnizações.

Protestos de Deputados do CDS-PP, batendo com as mãos na bancada.

Deixam-me ou não falar?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Os extremismos dão nisto!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mantenham silêncio.

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1218 I SÉRIE - NÚMERO 42

Faça favor de continuar, Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Orador: - Neste sentido, Sr. Presidente, quero publicamente transmitir à Mesa e aos grupos parlamentares que a baixa do diploma à comissão tem, para nós, um objectivo muito claro. Trabalharemos nesse sentido,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... e estamos convencidos de que, no prazo de uma semana, pois não permitiremos que se prolongue para além do tempo absolutamente indispensável para a introdução de alguns aspectos concretos, teremos possibilidade de votar favoravelmente uma lei que dê solução ao problema das indemnizações.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

OS r. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que mantenham silêncio e calma, se possível. Hoje, é um pouco difícil, mas enfim...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, faça favor de usar da palavra.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Este argumento é em favor da aprovação genérica hoje e já. A consciência dos portugueses não se calará!

Vozes do PS: - São só ameaças!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, não enxerte uma intervenção no meio de uma interpelação.
Faça favor de usar da palavra, Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não me calarão face às injustiças!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, todos tivemos ocasião de compreender como o projecto de lei apresentado pelo PP poderia acabar por ter alcance mais restritivo do que aquele que era suposto animar os seus autores.
Acabámos, por outro lado, por testemunhar a nossa integral disponibilidade...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Que hipocrisia!

O Orador: - ... para compaginar o ordenamento jurídico em vigor que, nesta matéria - aliás, pela voz autorizada do Sr. Deputado Laborinho Lúcio -, foi testemunhado como sendo o ordenamento jurídico adequado à solução da temática da indemnização das vítimas.

Protestos do CDS-PP.

Mas também registámos as legítimas. preocupações, expressas, designadamente, pelos Srs. Deputados do Partido Comunista que intervieram nesta matéria, quanto à necessidade de compreensão integral do alcance do regime jurídico quanto às indemnizações às famílias de vítimas de crimes em geral e crimes violentos.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

É por tudo isto que queremos alcançar uma solução jurídica, certa, rigorosa e que alcance a solução de todos os problemas que estão em causa.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Por isso, ao contrário de outros que tiveram aqui manifestos procedimentos sem a adequada boa fé parlamentar, peço ao Sr. Presidente que inscreva um prazo de 20 dias...

Protestos do PSD e do CDS-PP.

... para ponderação da solução do regime jurídico.
Nesta conformidade, e porque a declaração justificativa do requerimento se encontra nos termos apresentados pelo próprio requerimento, peço à Mesa o favor de proceder à leitura integral do requerimento, com a integração do prazo de 20 dias e o testemunho da bancada do PS de que tudo faremos para encontrar a solução política e juridicamente adequada para regular o problema.
Digo mais: se alguma bancada tiver uma manifestação de interesse num prazo procedimental mais curto, estamos disponíveis para isso.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Hoje!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, estamos aterrados a assistir a algo de inimaginável. Então, VV. Ex.as votam na generalidade, na especialidade e em votação final global o diploma sobre a amnistia e recusam-se a votar, na generalidade, um diploma que prevê a reparação das indemnizações às vítimas dos crime que os senhores amnistiam? Isto é intolerável!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Querem duas horas para redigir uma lei delicadíssima como é a da amnistia e querem 20 dias para redigir uma lei que salvaguarda as indemnizações às vítimas dos crimes que os senhores amnistiam?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Essa última lei não está redigida!

O Orador: - O Parlamento não pode pactuar com esta situação,

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

O Parlamento não pode arvorar em cidadãos de primeira criminosos e em cidadãos de segunda as vítimas desses crimes.

Vozes do PSD: - É uma vergonha!

O Sr. José Magalhães (PS): - Tenham calma!

O Orador: - Meus senhores, temos de ir trabalhar na lei das indemnizações às vítimas com a mesma pressa com que pretendem trabalhar na lei da amnistia e, para isso, só têm uma atitude a tomar: retirarem o requerimento e fazerem a votação, na generalidade, do projecto de lei apresentado pelo PP.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores têm de fazer a votação, na generalidade, desse diploma.

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2 DE MARÇO DE 1996 1219

O Sr. José Magalhães (PS): - O PSD não propôs nada!

O Orador: - Têm de, ao menos, dar um sinal de equilíbrio da preocupação do Parlamento para com as vítimas desses crimes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos utilizar expedientes regimentais para ofender ainda mais as vítimas desses crimes.

Vozes dó PSD: - Muito bem!

O Orador: - Faça-se a votação. Assumam claramente a vossa posição, votando, na generalidade, este diploma .

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, creio que o Sr. Deputado Jorge Lacão interpretou mal as minhas palavras: é que eu não falei de prazos, mas de indemnização às vítimas dos crimes praticados por terroristas. Para nós, é isso que conta hoje e já.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quero informar a Câmara e o Sr. Presidente, pela consideração especial que me merece, de que, se o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não retirar este requerimento, o meu grupo parlamentar não será cúmplice de uma votação vergonhosa como a que vai ocorrer...

O Sr. José Magalhães (PS): - Sai da Sala?!

Vozes do CDS-PP: - Sai!

O Orador: - Sai! O meu grupo parlamentar sai e não assiste a essa votação que os senhores querem impor, com dualidade de critérios. Quando é para tratar dos criminosos, trata-se à pressa, quando é para tratar das vítimas, não se trata! Não pode ser!

Aplausos do CDS-PP, de pé, e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, tomando a declaração feita há pouco pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, quanto à eventual alteração do requerimento subscrito pelos Srs. Deputados do Partido Socialista, gostaria de sugerir ao Partido Socialista a alteração do prazo para sete dias.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Até ao final da próxima semana teríamos o problema resolvido.

Protestos do CDS-PP, batendo com as mãos nas bancadas, e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, calma. Peço que façam silêncio. Nunca mais sairemos daqui se não fizerem silêncio, para os Srs. Deputados se fazerem ouvir.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, a democracia exige o respeito procedimental por todos nós! A democracia exige o respeito pelos direitos das minorias! Mas a democracia exige igualmente o respeito democrático pela vontade democrática das maiorias!

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - O que aqui exprimimos foi, afinal, uma voz de bom senso partilhada nesta Câmara, no momento substantivo do debate, pelo Deputado do PSD, Laborinho Lúcio,...

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - ... que a todos veio lembrar que a ordem jurídica vigente admite soluções para a resolução das questões de indemnização às vítimas de crimes violentos!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que respeitem as minhas exortações. É evidente que respeito o vosso entusiasmo e, como disse há pouco, estávamos a precisar de um bom debate "a quente", mas a verdade é que estamos já mais do que "superaquecidos".
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Igualmente pela boca de vários Deputados foram colocadas questões que, quanto à substância, o PP não respondeu de forma satisfatória e levaram outro grupo parlamentar a apresentar uma solução global de alternativas. Mais: nestas circunstâncias, quando o PS suscita a baixa à comissão e assume abertamente disponibilidade e compromisso para avaliação, no mais curto prazo exequível, desta matéria...

Protestos do PSD.

Ouçam, Srs. Deputados, Ouçam!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lamento muito, mas, a continuar assim, interrompo os trabalhos. Não posso consentir nisto!

O Orador: - Quando assumimos que o prazo deve ser o exequível, é porque, obviamente, consideramos de todo o significado para a política criminal em geral, porque de uma matéria geral se trata, ouvir, como nos compete, o Sr. Ministro da Justiça.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Por isso, nos trabalhos que queremos desenvolver, haverá lugar a essa audição, pelo que estamos inteiramente disponíveis para acolher a proposta construtiva apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP, quanto ao prazo. O que importa é encontrar um prazo que torne viável o nosso trabalho! Mas, Sr. Presidente, hoje não me calarei...

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que acabe. Tem de se calar agora, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - É melhor!

Página 1220

1220 I SÉRIE - NÚMERO 42

O Orador: - ... sem sublinhar aquilo...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, um pouco de respeito por esta Sala, já que não querem tê-lo pelas exortações do Presidente. Assim não pode ser! Eu interrompo os trabalhos, pura e simplesmente, a fim de que venham mais calmos para continuarmos esta discussão. Ponham-se no meu lugar. Não é possível consentir nisto! Já tenho uma lista de seis pedidos de interpelação. Assim, não é possível. São 15 horas e 30 minutos e, daqui a pouco, não somos capazes de...

Protestos do PSD.

Peço desculpa, mas não sei se os Srs. Deputados têm necessidade de alimentação. Eu, por exemplo, tenho. De vez em quando, tenho de comer qualquer coisa.
Sr. Deputado, faça favor de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, compreendo e respeito a dificuldade da sua presidência nestas circunstâncias, como compreenderá as condições difíceis de intervenção, nestas mesmas circunstâncias.
A minha última palavra, Sr. Presidente, é para dizer aquilo que todos, de boa fé, tinham o dever de compreender: a celeridade quanto ao projecto de lei de amnistia não resulta de outro facto que não seja, nas relações institucionais entre a Assembleia da República e o Presidente da República,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - É tudo mais importante!

O Orador: - ... permitir que o Presidente que mandou uma mensagem à Assembleia sobre o tema da amnistia seja o mesmo a promulgar alei de amnistia. É isto que estes senhores não compreendem! É isto que estes senhores não respeitam! É este princípio de cooperação institucional que eles, democraticamente, não compreendem!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vejo-me perante sete pedidos de interpelação à Mesa. E tenho o direito, que os senhores têm de me reconhecer, de, pelo menos, interromper para almoço e depois voltarmos. Desculpem, mas não estou disposto a sair daqui às 17 horas em estado de completa inanição.
Os Srs. Deputados, se calhar, já foram comer qualquer coisa, mas eu ainda não. É um direito que tenho. Se não respeitam as minhas advertências, passo a exercer os meus direitos. Não posso consentir nesta situação, pois estamos a desprestigiar-nos, aos olhos de quem nos vê!
Peço aos Srs. Deputados que não enveredemos por outra lista infindável de interpelações à Mesa, que não o são, para eternizarmos os trabalhos com novos protestos e novas vociferações. Isto não é possível, Srs. Deputados. Compreendam a dificuldade da condução dos trabalhos nestas circunstâncias.
Vou apenas dar a palavra a quem a pediu e a mais ninguém.
Peço que sejam o mais concisos possível e que façam verdadeiras interpelações à Mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, nos mesmos termos que os meus colegas Srs. Deputados fizeram anteriormente...

O Sr. Presidente: - Por arrastamento, eu sei Sr. Deputado, não posso impedi-]o disso. Por isso, fechei agora as inscrições para as interpelações à Mesa.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, a questão colocada pelo requerimento do PS não é politicamente menor, apesar de o Sr. Deputado Jorge Lacão procurar, através da sua argumentação, demonstrar que aquilo que está em causa é, única e exclusivamente, buscar a perfeição jurídica do diploma que venha a sair da Assembleia.
Para quem não conheça o Regimento da Assembleia da República e a Constituição, isto pode pegar, mas para nós todos, que conhecemos a tramitação dos diplomas nesta Casa, não pega.
O Sr. Deputado sabe perfeitamente que, hoje, podia haver uma votação na generalidade e nada impediria, que o Sr. Ministro da Justiça, na segunda-feira, e o Sr. Procurador-Geral da República, na terça-feira, viessem cá dar a sua opinião, assim como o Sr. Deputado Laborinho Lúcio.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, aqui há t É essa questão que o Sr. Deputado Jorge Lacão deve esclarecer: se é teimosia e arrogância ou é algo que está escondido. E se há uma intenção escondida, diga aqui, hoje, por que' pretende adiar esta decisão da Assembleia da República.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se é para uma interpelação, desculpe-me mas encerrei as inscrições para interpelações à Mesa.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, fui directamente interpelado pelo Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, pelo que ponho à consideração do Sr. Presidente a possibilidade de lhe responder.

O Sr. Presidente: - Não há resposta a interpelações, Sr. Deputado.
Para uma verdadeira interpelação à Mesa, tema palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, muito brevemente, quero apenas fazer duas observações.
A única razão que justificou a aprovação, na generalidade, na especialidade e em votação final global do projecto de lei sobre a amnistia foi o facto de permitir que seja o actual Presidente da República a promulgar a lei.
Ora, Sr. Presidente, julgo que nenhum cidadão lá fora perceberá que, relativamente à matéria da amnistia, haja uma celeridade, que até ninguém contestou, com base nessa razão, e que, em relação ao problema das indemnizações, não se permita, no mínimo, a votação na generali-

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dade para, depois, em sede de comissão, se fazerem todos os aperfeiçoamentos. Podem existir todas as razões jurídicas e processuais, mas nenhum português, nenhum cidadão bem formado, será alguma vez capaz de perceber isto.
A minha segunda observação é a seguinte: para quem passou esta manhã, como aquela bancada, a falar tanto de humanismo, de tolerância, de solidariedade e, sobretudo, de pacificação da sociedade portuguesa, julgo que este é um acto da maior hipocrisia política. Não posso deixar de dizer isto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Mais uma vez, não se tratou de uma interpelação, mas, enfim, não creio que hoje possamos sair disto.
De acordo com o princípio da alternância, tem a palavra, para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, já Várias vezes referimos qual era a posição do nosso grupo parlamentar sobre esta matéria: queremos urgência na resolução legislativa do problema das indemnizações.

Vozes do PSD: - Hoje! Agora.

O Orador: - Srs. Deputados, deixem-me falar!
Já há pouco referi que, pela nossa parte, não há qualquer hipótese de vir a ser ultrapassado este problema, este desiderato e este objectivo. Aceitámos, nessa perspectiva, o requerimento que foi apresentado pelo PS. Mas sejamos claros: face às suspeições que se, estão a levantar na Câmara sobre o objectivo que pode estar por detrás da apresentação desse requerimento, apesar de não termos essas suspeições e não acreditarmos - e temos razões para não acreditar - que seja esse o objectivo, fazemos um apelo ao PS para que retire o seu requerimento, procedamos à votação na generalidade e, no prazo de uma semana, à votação na especialidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É que o projecto de lei necessita de modificações e, por isso, apresentámos propostas de alteração.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, invoquei o princípio da alternância, pela simples razão de que temos estado perante uma sequência de intervenções e não de interpelações.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar uma informação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr, Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tentei - espero que, agora, com mais êxito, na minha intervenção de há pouco, esclarecer a Câmara acerca de um facto, que era suposto estar plenamente esclarecido. A razão da celeridade relativamente à tramitação do projecto...

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva

Ouça Sr. Deputado!
A razão da celeridade relativamente à tramitação do projecto de lei sobre a amnistia visava o objectivo da cooperação institucional entre a Assembleia da República e o Presidente da República que, sobre tal matéria, dirigiu uma mensagem ao Parlamento. Independentemente da posição de voto dos grupos parlamentares, seria de esperar essa atitude de cooperação mínima, elementarmente exigida, de todos os grupos parlamentares, face à posição conhecida do Sr. Presidente da República.
É essa a razão da celeridade e não outra, que justifique qualquer suposta pressa com outro propósito menos claro.
Depois, quanto à matéria das indemnizações, outro propósito não tínhamos a não ser, no confronto das diversas leituras acerca do ordenamento jurídico em vigor, porque não se trata como na lei da amnistia de uma inovação específica no ordenamento jurídico,...

Protestos do PSD.

... mas da possibilidade de uma alteração no ordenamento jurídico em vigor, dar à Assembleia a possibilidade de ponderar os vários aspectos que estão pendentes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que dê a sua informação à Mesa.

O Orador: - É o que estou a fazer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não está, Sr. Deputado. Está a fundamentá-la, mas peço-lhe que a dê.

O Orador: - Sr. Presidente, o tipo de suspeição feita, em termos políticos, completamente ilegítima e, em termos democráticos, minimamente sustentada, leva a que tenha de dizer aqui que, ao nível dá boa fé parlamentar, o que os senhores fizeram foi admitir pôr em causa essa boa fé da bancada do Partido Socialista.

Protestos do PSD.

E isso, naturalmente, carece de uma resposta: Sr. Presidente, passemos, de imediato, com a retirada do requerimento apresentado, à votação, na generalidade, do projecto de lei apresentado pelo PP e das alterações apresentadas pelo PCP. Vamos viabilizar á sua passagem à especialidade.
Por outro lado, pedimos a todos os grupos parlamentares que criem condições para uma reunião imediata da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, esta tarde e para que, no final dos seus trabalhos, façamos aqui, no Plenário, a votação final global.

Aplausos do PSD e do CDS-PP:

O Sr. Presidente: - Tenho agora a legítima esperança de que os Srs. Deputados, que pediram a palavra para fazer interpelações à Mesa, considerem que isso pode estar prejudicado.
O Sr. Deputado Laborinho Lúcio insiste no seu pedido de interpelação à Mesa?

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Peço-lhe, então, Sr. Deputado que seja uma verdadeira interpelação à Mesa.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Vejo, com gosto, Sr. Presidente, que V. Ex.ª confia sempre no sentido de obediência do Deputado Laborinho Lúcio.

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O Sr. Presidente: - É verdade, Sr. Deputado.

O Orador: - Mas, à terceira vez, uma ligeira desobediência levar-me-á apenas a anuir às posições que são as da maioria e sei bem como V. Ex.ª respeita a maioria...

O Sr. Presidente: - É difícil resistir a isso. Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, era apenas para dizer, em jeito de interpelação à Mesa, que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista citou-me por duas vezes, o que poderia legitimar, inclusivamente, uma intervenção que seria sempre em confirmação da honra, já que o fez em sentido positivo, para invocar a minha interpretação sobre a lei que está actualmente em vigor de protecção às vítimas de crimes e, ao mesmo tempo, através de um elemento destacado do seu grupo parlamentar, para dizer que tinha actuado junto de S. Ex.ª, O Ministro da Justiça, pedindo-lhe uma interpretação flexível da lei.
Como, durante os anos em que fui Ministro da Justiça, não me recordo de alguma vez o Grupo Parlamentar do PS ter insistido junto de mim para interpretar as leis, fosse de que forma fosse, concluo, Sr. Presidente, que ele próprio tem dúvidas quanto à interpretação da lei. Mas eu não quero que hoje, quando já não há dúvidas quanto à amnistia, sobrevenham dúvidas quanto à indemnização às vítimas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Até porque, Sr. Presidente, à grande razão substantiva de indemnizar as vítimas, junta-se agora uma grande razão política que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista avançou, que é a possibilidade de S. Ex.ª o Presidente da República promulgar a lei.
Ora, não gostaria de não permitir ao Sr. Presidente da República a promulgação simultânea de uma lei que vem garantir a indemnização às vítimas dos crimes...

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

... e, mais do que isso, Sr. Presidente, não gostaria que alguma vez se criasse a suspeição de que tínhamos tido um Presidente da República para a amnistia e outro para a indemnização.
Por isso mesmo, me disponibilizo, desde já, como membro da 1.ª Comissão, para esta tarde, pelo tempo que for necessário, trabalhar nesta matéria.
A terminar, diria, Sr. Presidente, que entre a convicção da minha certeza quanto à interpretação da lei e a certeza inequívoca e universal de que hoje mesmo demos claramente a demonstração de que queremos indemnizar as vítimas destes crimes, uma vez mais em democracia, cedem as minhas certezas perante as dúvidas legítimas de todos os outros.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Ferreira desiste da sua interpelação, uma vez que ela se tornou supervenientemente desnecessária?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não, Sr. Presidente. Era apenas para, na qualidade de membro da 1.ª Comissão, informar a Mesa de que também estou disponível para trabalhar hoje nesse projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, era também para informar a Câmara no mesmo sentido.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa, nos mesmos termos em que outros Deputados o fizeram.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está a aconselhar-me a que, de futuro, não deixe criar o antecedente dos abusos a que hoje temos assistido.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, se for igual para todos, com certeza!

O Sr. Presidente: - Claro que será igual para todos, Sr. Deputado! Basta respeitarmos a figura! E, se todos a respeitarmos, não haverá abusos.
Pode interpelar a Mesa, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, é para, em primeiro lugar, registar um facto importante: ficámos hoje a saber que é o Sr. Ministro da Justiça que manda na bancada parlamentar do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Orador: - Em segundo lugar, para referir que a derrota política que os senhores aqui hoje tiveram não é tanto pela vossa intervenção parlamentar, mas, sim, por terem mostrado aos portugueses que a face humana que estão sempre a gabar-se de ter na vida política põe o amiguismo entre pessoas da esquerda acima da indiferença em relação às vítimas, que, essas sim, não têm nada a ganhar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para defender a honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Laborinho Lúcio, V. Ex.ª aludiu a uma intervenção que fiz, no sentido de suscitar uma interpretação flexível do Ministro da Justiça, e deu conta de que não tinha sido objecto dessa interpelação. Esqueceu-se, por certo, que já não é Ministro da Justiça. Foi ao actual Ministro da Justiça que solicitei uma interpretação flexível.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, é difícil e custa ouvir, mas tenham paciência.
De acordo com a lei, a concessão de provisões e de indemnizações às vítimas de crimes depende do poder discricionário do Ministro da Justiça. É assim! Os senhores não sabiam, mas é assim! A Comissão pede, mas quem decide é o Ministro da Justiça! Foi no sentido de haver uma interpretação flexível, actualista, dado que considero, e não tenho dúvidas, que esta lei se aplica indiscutivelmente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, estamos disponíveis para precisar a lei, mas, a meu ver, não é preciso, porque ela já se aplica.
Contudo, no que se refere ao poder discricionário, é preciso que ele seja usado pelo actual Ministro da Justi-

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ça, com quem falei. Foi por isso que considerei que não era necessário, no nosso projecto de lei, incluir essa disposição, porque ela já se aplica.
O Sr. Deputado Laborinho Lúcio não foi suscitado a pronunciar-se, porque, felizmente para todos - não no plano pessoal, porque é uma pessoa muito estimável -, temos outro Governo e outro Ministro da Justiça.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Laborinho Lúcio.

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para corrigir o conceito de felicidade do Sr. Deputado Alberto Martins, porque, no fundo, ele acaba de fazer a referência à minha própria felicidade, pois está a solicitar a intervenção do actual Ministro da Justiça para aplicar uma boa lei feita pelo anterior.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais pedidos de palavra, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 108/VII - Altera o regime jurídico de protecção às vítimas dos crimes violentos (CDS-PP), incluindo a proposta de alternativa que foi apresentada pelo Partido Comunista. A votação na generalidade, abrangerá, portanto, os dois textos.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé, e de alguns Deputados do PS.

Srs. Deputados, o Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pede para informar que a Comissão reunirá hoje à tarde...

Vozes do PS: - De imediato! De imediato!

O Sr. Presidente: - De imediato?! Sem almoço?!

Vozes do PS: - Sim, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, queria que me precisasse se a sua proposta foi bem entendida pela Mesa, ou seja, que haverá uma reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para hoje à tarde. Se assim for, gostaria de saber para quando fica a votação na especialidade. Pode ser na próxima reunião de segunda-feira, Sr. Deputado?
Acho que é uma violência virmos aqui hoje à tarde, provavelmente não tendo quórum de votação!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, estava a tentar ouvir V. Ex.ª e, pelas razões que se perceberam agora, não me foi possível. Suponho que o Sr. Presidente estaria a perguntar qual o ponto de vista dos grupos parlamentares quanto à possibilidade e à hora de recomeçarmos os trabalhos esta tarde. Era isso, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Era isso, sim, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. - Presidente, dada a diligência que imediatamente vai ser prosseguida pela Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e admitindo que seja razoável esperar que esses trabalhos possam decorrer durante duas horas, penso que, depois de tudo o que foi dito pelo conjunto dos grupos parlamentares, todos admitirão que é razoável que o Plenário volte a reunir, hoje, pelas 18 horas.

Aplausos do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, razoável será, mas possível não sei se é! Não sei se é pragmaticamente admissível que tenhamos aqui quórum de votação ao fim da tarde de hoje. Sr. Deputado, sejamos razoáveis! Não se perde nada, porque o próximo fim de semana é sempre perdido! Far-se-á a votação na próxima segunda-feira, a uma hora que queiram convencionar!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, as suspeitas sobre o propósito do Grupo Parlamentar do PS e as insinuações de que não quereríamos devolver em tempo simultâneo os dois diplomas ao Sr. Presidente da República em funções não foram lançadas da nossa bancada sobre nós próprios, foram lançadas das bancadas do PSD e do CDS-PP.

Aplausos do PS.

Vozes do CDS-PP: - Não fomos nós!

O Orador: - Por isso, o que peço a V. Ex.ª é que saiba dessas bancadas se querem votar ainda hoje o diploma sobre o qual se propõem trabalhar ou se querem adiar a sua votação para a próxima semana.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, era para dizer que a bancada do PCP está completamente disponível para retomar os trabalhos às 18 horas.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, estamos de acordo que seja hoje, às 18 horas, porque não pode ser já. E não é a fuga para a frente do Sr. Deputado Jorge Lacão que esconde a grande derrota que o Partido Socialista aqui teve.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção dos Srs. Deputados para o irrealismo de pensarem que, nas próximas duas horas, sem almoçarem, vão pôr-se de acordo, sobretudo no estado de espírito em que se encontram, sobre a especialidade deste texto. Mas, se quiserem, a vossa vontade será respeitada.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar estará disponível, hoje, até às horas que forem precisas.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, é igualmente para dizer que somos favoráveis à convocação do Plenário para hoje, à hora que se entender necessária.

Aplausos do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado o parecer que foi emitido pelos vários grupos parlamentares, vamos ser optimistas e julgar que às 18 horas é possível ter, pelo menos, quórum de funcionamento.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, como todos sabemos, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares agendou também para hoje a proposta de lei n.º 12/VII, com vista à introdução de uma alteração à Lei de Bases do Sistema Desportivo.
Já ontem tinha solicitado que esta proposta de lei fosse agendada e discutida antes dos dois projectos de lei, porque era de prever que, naturalmente, a sua discussão teria estas consequências. Por isso, ao longo da manhã, e também já da parte da tarde, contactei por diversas vezes a Mesa, para confirmar se a sua discussão ainda se faria hoje, tendo-me ela dito que, possivelmente, a única alteração seria o adiamento da sua votação para a próxima semana. Mas ficou sempre assente que o debate se faria imediatamente no termo da discussão na generalidade dos projectos que estavam a ser discutidos.
O Sr. Secretário de Estado dos Desportos encontra-se na Assembleia da República, desde as 13 horas da tarde, para intervir nesta discussão. Por isso, gostaria de solicitar ao Sr. Presidente e, naturalmente, a todas as Sr" e Srs. Deputados. a consideração no sentido de, antes de se interromperem os trabalhos, se proceder,. desde já, à discussão na generalidade, como estava combinado e como o Governo sempre esteve disponível para fazer, de acordo com o calendário que a própria Assembleia fixou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ouviram a solicitação do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
É verdade que era isso que estava previsto, mas o que não estava previsto era que a sua discussão só se pudesse iniciar às 16 horas da tarde. Pensávamos, quando muito, que a sua discussão se iniciaria, o mais tardar, às 13 horas e 30 minutos da tarde. De qualquer modo, por mim, estou disponível para continuar a aguardar o almoço por mais uma hora.
Srs. Deputados, deste modo, a Comissão reunirá e avançará com os trabalhos da discussão na especialidade, enquanto aqui discutimos, na generalidade, o diploma sobre o desporto.
Sendo assim, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 12/VII - Revisão da Lei de Bases do Sistema Desportivo.

Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Desportos.

O Sr. Secretário de Estado dos Desportos (Miranda Calha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero saudar a Mesa da Assembleia, agradecer a sua sensibilidade e também a sua disponibilidade, bem como à Assembleia, para agora podermos discutir este diploma, que estava agendado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações à Lei de Bases do Sistema Desportivo que venho apresentar a VV. Ex.as resulta da necessidade de dar cumprimento ao Programa do Governo aprovado por esta Câmara e tem por objectivo adequar o diploma aos desafios que se colocam à modernização e ao funcionamento do sistema desportivo.
O Programa do XII Governo Constitucional foi o primeiro a abordar a especificidade das competições profissionais e os níveis de exigência de organização a que obrigam, como tal aponta para a importância de uma clarificação deste sector em relação à restante actividade desportiva. Não é, mais lícito fazer de conta que os problemas não existem ou adiar por mais tempo a sua solução. A criação de sociedades desportivas com fins lucrativos é uma das medidas que se pretende implementar, visando propiciar uma gestão racionalizada do tipo empresarial e estabelecer condições que permitam o encaminhamento de investimentos de diversas áreas para as competições profissionais e, como é sabido, a actual redacção da lei de bases inviabiliza tal criação. Embora seja permitida a criação de sociedades desportivas, os lucros gerados por estas têm de ser obrigatória e totalmente reinvestidos na actividade desportiva. A consequência prática desta exigência foi a de que, embora fosse publicado pelo anterior governo o Decreto-Lei n.º 146/95, que estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas, até ao momento nenhum clube, nenhum empresário, nenhum agente desportivo, deu execução à ideia, por razões óbvias: essas sociedades desportivas eram de criação facultativa, obrigavam ao pagamento de impostos de que os actuais clubes estão isentos e não distribuíam lucros.
O actual Governo considera que a figura das sociedades desportivas tem grandes virtualidades, podendo contribuir para a normalização e racionalização gestionária do desporto profissional, desde que a criação de tais sociedades consagre a ,distribuição de dividendos entre os seus sócios, condição para garantir a remuneração dos investimentos que venham a ser efectuados.
Trata-se, por outro lado, de criar condições para que os clubes portugueses, envolvidos em competições profissionais, tenham ao seu dispor um enquadramento jurídico que acompanhe o que de mais inovador e mais recentemente tem vindo a ser, feito a nível europeu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A segunda questão, colocada pelo objectivo de clarificação e operacionalização que o Governo, pretende introduzir nesta matéria, diz respeito à introdução do princípio de que no seio das federações com competições profissionais deverá existir apenas uma entidade com poderes de gestão sobre o desporto profissional, a qual deverá sé é dotada da necessária personalidade jurídica.
A anterior redacção da lei de bases, no que a este capítulo diz respeito, possibilitou a existência de uma inaceitável duplicação de estruturas, de órgãos e de titulares. No caso do futebol, passou a existir um organismo autónomo, sem personalidade jurídica, no seio da federação e uma liga de clubes, com personalidade jurídica, constituída à margem da federação.

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Uma tal solução representa uma singularidade, sem paralelo, nos sistemas dos países europeus. O Governo considera-a indesejável pela dispersão de meios e pela indefinição e fluidez na distribuição de competências, que, nalguns casos, pode propiciar.
A proposta de lei, que hoje submetemos à apreciação, consagra o princípio atrás enunciado, assumindo a liga de clubes, para o efeito, todos os direitos e obrigações que, pelo estatuto federativo, vinham sendo cometidos ao organismo autónomo, de acordo com o regime jurídico das federações. Por outras palavras, não se procura nem mais nem menos do que simplificar e evitar sobreposições.
Outro aspecto inovador que pretendemos introduzir é a criação de associações promotoras de desporto. Estamos perante uma nova figura de agrupamento desportivo, a par das federações unidesportivas e multidesportivas já existentes.
A criação das associações promotoras de desporto destina-se a dar um estatuto jurídico a uma nova realidade que surge na área desportiva e que convém acompanhar e apoiar. Trata-se de organizações que vêm surgindo no âmbito dos novos desportos, dos chamados desportos-aventura ou até no desporto-recreação. Tais organizações, por carecerem de adequada regulamentação legal, confrontam-se, em muitos casos, com a impossibilidade de recorrerem à colaboração e aos apoios dos poderes públicos.
O Governo está a par desta situação e quer conceder uma atenção especial às novas práticas desportivas.
O último aspecto das alterações introduzidas pela presente proposta de lei relaciona-se com a importância que, cada vez mais, deve assumir a cooperação internacional. O Governo pretende destacar o reforço dos laços de intercâmbio desportivo e de cooperação com os países de língua portuguesa, bem como a plena participação de Portugal nas instâncias desportivas europeias e comunitárias.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, aproveitámos também esta oportunidade para introduzir alterações e aperfeiçoamentos na redacção de outras normas do diploma. E o caso da designação do Comité Olímpico, que, entretanto, passou a chamar-se "de Portugal". E o caso das disposições que referem a existência de um instituto público, sugerindo este como o único modelo organizativo para a administração pública desportiva, o que parece não ser função da Lei de Bases. É o caso, por último, da disposição final que estabelecia um prazo e uma listagem de diplomas que deveriam regulamentar a lei, prazo que, aliás, há muito terminou sem ser cumprido e listagem que, também essa, não primava pela exactidão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta do Governo resulta, como disse, da aplicação do Programa aprovado por este Parlamento e da necessidade de munir o desporto português de regulamentação moderna e que corresponda à tendência verificada em muitos países europeus. Pretende-se modernizar e harmonizar situações, para propiciar igualdade de oportunidades.
Estamos convictos da razão dos nossos argumentos, da bondade das nossas propostas e da necessidade das reformas que queremos introduzir, mas temos o espírito aberto para aceitar todas as sugestões, na única condição de, não vermos postos em causa princípios que defendemos e que têm, aliás, merecido o generalizado acolhimento da opinião pública e desportiva.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Gilberto Madaíl e Bernardino Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gilberto Madaíl.

O Sr. Gilberto Madaíl (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estados dos Desportos, a proposta de lei que o Governo aqui traz, de revisão da Lei n.º 1190, de 13 de Janeiro, é, em nosso entender, de saudar, na medida em que as leis, como tudo, vão carecendo de revisão à medida que a sua adaptabilidade prática o vai exigindo e, em particular, a extinção do organismo autónomo, bem como a inovação que era necessária, pois havia uma lacuna das associações promotoras do desporto.
Sr. Secretário de Estado, tenho, nesta matéria, uma ou duas questões para colocar e também uma outra sugestão a fazer, embora saiba que tudo isto terá de ser discutido em sede de especialidade.
A primeira pergunta prende-se justamente com a questão das sociedades desportivas, em que a possibilidade de virem a distribuir lucros poderá vir a ser mais aliciante em termos do desporto português e particularmente do futebol. Mas não entendi bem se o que' decorre do espírito do artigo 20.º é a admissibilidade de fins lucrativos só através de sociedades desportivas ou se o clube, individualmente, pode promover acções ou, portanto, beneficiar desta possibilidade, de ter finalidades lucrativas. É que na anterior redacção do artigo 20.º estava expressamente previsto, na definição de um clube desportivo, não ter finalidades lucrativas, mas agora essa questão está omissa. Esta era uma das questões que gostaria de colocar à consideração de V. Ex.ª.
Sr. Secretário de Estado, a outra pergunta tem a ver com dúvidas relativamente à integração da Liga, que, segundo a actual redacção da lei, virá assumir as funções que estavam cometidas aos organismos autónomos.
A Liga é uma entidade, é uma associação própria, é uma associação de classe, que tem de facto personalidade jurídica. Ora, embora sem discutir o princípio da separação, que é o que V. Ex.ª também pretende reforçar, entre o que é profissional e o que não é, não vejo bem como é que, com a actual redacção, a Liga poderá ser simultaneamente uma associação dotada de personalidade jurídica e um órgão da própria Federação Portuguesa de Futebol. É que, Sr. Secretário de Estado, ela é sócia da Federação Portuguesa de Futebol. Este ponto, Sr. Secretário de Estado, penso que terá de ser, eventualmente, como já 'aqui foi dito, em sede de especialidade, analisado e que o n.º 2 do artigo 24. º deverá ser objecto de uma outra redacção. Eu preferia não chamar "órgão" mas "organismo", como, aliás, é referido no n.º 3 deste artigo, que diz: "No âmbito das restantes federações desportivas em que existam praticantes desportivos profissionais, poderão ser constituídos organismos (...)". Eu preferia mais chamar-lhe "órgão" do que "organismo".
Sr. Secretário de Estado, ao admitir-se, na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º, que às Ligas competirá, neste caso, "organizar e regulamentar as competições de natureza profissional que se disputem no âmbito, da respectiva federação, respeitando as regras técnicas definidas pelos órgãos federativos competentes nacionais e internacionais", está-se a reconhecer também, implicitamente, que as federações desportivas, nomeadamente a de futebol, como V. Ex.ª sabe, é a que conheço melhor,...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo.

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O Orador: -... também tenham uma vinculação, chamemos-lhe assim, uma tutela desportiva a nível internacional, e ao transferir estes poderes, nomeadamente na área da arbitragem, para a Liga, viola-se claramente aquilo que é uma disposição internacional. Por exemplo, no caso do futebol, a FIFA diz que em caso algum as associações de clubes, as ligas, podem ou poderão ter o controle da arbitragem.
Penso, Sr. Secretário de Estado, que isto são problemas de redacção do próprio articulado, porque entendo que poderá ser possível de facto que esses poderes sejam cometidos à Liga, eventualmente, não por imposição legal mas por delegação da própria Assembleia da Federação Portuguesa de Futebol.
Gostaria ainda de deixar aqui mais uma ou outra sugestão, Sr. Secretário de Estado, e se puder regressar a este tema ainda o farei.
Penso que particularmente nesta revisão da lei de bases também deveria haver, ou poderia ter sido aqui consagrado - e V. Ex.ª é uma pessoa que tem apoiado e que conhece o movimento associativo, uma definição do papel das associações regionais, porque, em meu entender, há uma lacuna na lei de bases, até porque se faia em regionalização. Penso que deveria haver um artigo em que de facto se definisse o seu novo papel, em termos do fomento, da formação e da gestão do futebol, neste caso, ou da gestão do desporto não profissional.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, chamo atenção para o tempo...

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não, eu não tenho qualquer problema com isso, o Sr. Deputado é que esgota o tempo do seu partido.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente, mas vou já terminar.
Penso que: seria também de equacionar a questão da existência de clubes semi-profissionais, daqueles que não participam nas competições profissionais, na medida em que a separação das, águas foi feita sem que tenha sido estabelecida uma "ponte" entre aquilo. que não é profissional é aquilo que é profissional.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, também a título de sugestão, quanto ao regime jurídico do artigo 25.º da Lei de Bases do Sistema Desportivo, o Governo deveria pensar em redefinir ou especificar as normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, porque delas não pode haver recurso contencioso. E que, como V. Ex.ª sabe, na área do futebol tem havido problemas graves com esta questão e penso que se um articulado definisse estas normas poderia, eventualmente, vir a resolver muitos problemas.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Desportos, começo por cumprimentá-lo na primeira vez que, nesta Assembleia, lhe peço esclarecimentos.
Não posso deixar de dizer, devido não só à matéria que hoje discutimos, e a que em parte assistiu, mas até parafraseando alguém, que, quando se deu o 25 de Abril, apesar de ter três anos, lembro-me - por ter sido nessa altura que comecei a praticar desporto - que se verificou um acréscimo grande da prática desportiva e dos movimentos associativos desportivos o que, sendo salutar, permitiu uma boa participação e prática desportivas por parte da população portuguesa. Hoje em dia, penso que a situação é diferente e que se sentem carências grandes. Temos até uma lei de bases que, na nossa opinião, não é a mais indicada, o que fizemos ver aquando da sua discussão.
De qualquer maneira, gostava de colocar-lhe duas ou três questões muito concretas que têm a ver com a revisão da lei de bases apresentada. Falou numa singularidade sem paralelo e é verdadeiramente esta singularidade sem paralelo que, em diversos aspectos, nos preocupa.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, ainda que defensores da celeridade dos processos legislativos e da análise de todas as matérias pela Assembleia da República, pensamos que, em relação a um diploma com a natureza e importância da lei de bases - embora, como já disse, não seja para nós a ideal -, a apresentação desta proposta de lei foi demasiado rápida, ainda por cima quando não versa sobre questões que, na nossa opinião, são fundamentais e justificavam uma revisão global. Por que razão é dada tanta prioridade a esta matéria ,específica quando parece estarmos a discutir uma alteração geral da lei de bases do ponto de vista do futebol, ou seja, num clima de "futebolização" do desporto?
Por outro lado, gostava que o Sr. Secretário de Estado me esclarecesse sobre uma matéria que, aliás, já foi abordada pela bancada do PSD. É que, na nossa opinião, é juridicamente incongruente a existência de um órgão, de uma entidade com personalidade jurídica, dentro de outro órgão que, por sua vez, está inserido noutra entidade associativa - mais uma singularidade sem paralelo.
Finalmente, como se referiu a medidas paralelas que julga poderem existir em diversos países europeus, gostava de ver concretizada a abrangência prática e, sem pedir muita precisão, a relevância, para o movimento desportivo, da introdução desta alteração nos diversos ordenamentos jurídicos europeus.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Desportos.

O Sr. Secretário de Estado dos Desportos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por agradecer as palavras dirigidas e as questões colocadas.
O Sr. Deputado Gilberto Madaíl saudou esta iniciativa pelo que representa em termos de modernização e de melhores condições de funcionamento do nosso associativismo e formulou um conjunto de pedidos de esclarecimento a que procurarei responder.
Quanto às sociedades desportivas, a questão essencial que se coloca é a de estas, pela forma como estavam gizadas na lei de bases, ficarem impedidas de ter fins lucrativos. Com a alteração que propomos, pretende-se que haja condições para, através de regulamentação posterior, as sociedades desportivas poderem ser constituídas e lançadas já numa óptica completamente diferente da actual. Ora, essa legislação específica conterá as fórmulas que pode assumir esse tipo de sociedade desportiva, quer seja através do clube tout court, mas com determinado tipo de

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encadeamentos quer mediante as próprias equipas desportivas profissionais. E, como é sabido, a parte profissional, hoje em dia, diz respeito ao futebol ou ao basquetebol, sectores que, em termos de disciplinas desportivas, contêm áreas profissionais consideradas. Portanto, será nesse contexto que esta matéria se desenvolverá e até pode ser uma opção global do clube, ao qual caberá decidir a constituição, por exemplo, de uma só área englobando, designadamente, as suas equipas profissionais.
De qualquer modo, a nível desta legislação, há a montante um conjunto de preocupações que tem a ver com os sócios, com o património do clube e com a sua existência, não só por fazer parte da nossa tradição mas devido à sua presença na sociedade portuguesa e no mundo desportivo, que queremos preservar, por um lado, e, simultaneamente, garantir a sua persistência, embora as respectivas áreas possam desenvolver-se enquanto sociedades desportivas com fins lucrativos.
Outra questão diz respeito à integração da Liga na Federação. A atribuição de personalidade jurídica a este órgão verificou-se praticamente em todos os países e se olharmos, por exemplo, para a federação espanhola, que se insere no mesmo contexto, verificaremos que a liga nacional de futebol é um órgão autónomo da respectiva federação de futebol. Portanto, está integrado com toda a clareza e não há qualquer problema em relação a essa matéria.
Por outro lado, por ter acompanhado a preparação da Lei de Bases do Sistema Desportivo, posso referir que a ideia, quanto à existência de um órgão ou, pelo menos, de uma entidade com personalidade jurídica, esteve sempre presente. Depois, por motivos que desconhecemos, acabou por ficar vertida na leia existência de um organismo autónomo tout court, sem personalidade jurídica e num contexto completamente diferente do que inicialmente estava na mente da maior parte dos elementos que participaram na concretização e feitura desta legislação.
Vamos, pois, clarificar esta matéria de forma a não se verificarem quaisquer sobreposições entre o Organismo Autónomo e a Liga, até porque sabemos que a liga nasceu num determinado tipo de contexto, que houve aproximações diversas e até talvez se compreenda que a existência de um organismo autónomo significou também uma fase de transição em relação à evolução do sistema. Mas agora parecem-nos estar criadas as condições para que se acabe com essa sobreposição e seja feita a clarificação entre o que é e não é profissional, sendo que o funcionamento do profissional acontecerá numa perspectiva completamente diferente da seguida até ao momento.
Aliás, posso dizer que esta concepção é seguida em toda a Europa: houve federações desportivas que tomaram a iniciativa de concretizar estes mesmos objectivos, houve Estados, como Portugal, a Espanha, a França e outros que tomaram a iniciativa de legislar sobre essa matéria mediante a concretização de um órgão que funciona em termos da Federação.
Penso que o que tem de acontecer depois é, obviamente, um trabalho de conjunto, desenvolvido através de iniciativas conjuntas, com protocolos a estabelecer nas mais diversas áreas para que as questões evoluam, mas dentro desta clareza de objectivos. Até porque o Estado deve vocacionar-se mais para apoiar os sectores não profissionais, enquanto os profissionais devem ter capacidade cada vez maior de se auto-organizarem e de criarem condições para também se autofinanciarem.
Colocou-me ainda a questão da arbitragem. Posso dizer-lhe que não fazemos qualquer menção dessa matéria em termos da legislação que propomos - e por uma razão muito simples é que é o próprio regime das federações que considera esta matéria em termos da arbitragem. Aliás, quanto ao regime das federações, fizemos praticamente a transcrição do regime jurídico vigente para a própria proposta de lei, portanto, a arbitragem é o que lá está considerado como organismo autónomo. Ora, o próprio regime jurídico é que considera que a questão relacionada com a arbitragem vem depois dos estatutos da Federação. Portanto, esta matéria manter-se-á dentro dos mesmos termos estritos em que era considerada, não havendo alterações. Consequentemente, o que terá de acontecer é que será nos próprios estatutos da Federação que estas matérias irão ser devidamente analisadas e ponderadas.
Assim, o que está nesta proposta de lei é, rigorosamente, o que já existe no que toca ao regime das federações. É aí que está considerada a questão da arbitragem e é nesse contexto que as coisas têm de evoluir.
Já não tenho muito tempo disponível, mas ainda queria tecer mais algumas considerações quanto à rapidez da apresentação da proposta de lei, uma das questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Bernardino Soares.
É evidente que podemos ponderar alterações em termos da lei de bases. Aliás, recordo que quando debatemos esta matéria na Assembleia foi aprovada, embora sem unanimidade, tendo havido abstenção por parte de algumas áreas políticas e voto favorável por parte de outras e admito que haja alterações que podem ser feitas. Mas, até porque o próprio Programa do Governo estabelece que é preciso clarificar as questões em termos do que é profissional ou não, pareceu-nos que é preciso clarificar esses caminhos desde já.
Neste momento, no que se refere à evolução do mundo desportivo, a nível do futebol, a nível dos clubes - e todos sabem a que estou a referir-me -, o que existe na União Europeia implica que as nossas. associações, as federações e os nossos clubes estejam cada vez mais preparados para enfrentarem o que se passa na União Europeia, onde há desafios grandes aos quais há que responder positivamente.
Portanto, era urgente, necessária e imperiosa a criação de instrumentos que possam criar melhores condições para a competição desportiva dentro dos parâmetros que acabamos de referir, independentemente de, posteriormente, virmos a conversar sobre outros aspectos que considerem relevantes para serem tratados nesta Assembleia.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Cervan.

O Sr. Sílvio Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não poderia deixar de lamentar a forma precipitada e leviana com que tão delicada matéria foi tratada nesta Câmara. Assim, e curiosamente, teve este agendamento foros de pressa e urgência, ao invés de lhe ter sido dado um tempo mínimo para um debate mais sério e seguramente mais profícuo.
Ao falarmos de uma Lei de Bases do Sistema Desportivo deveríamos estar a falar de um máximo denominador comum de todo o desporto português, deveríamos, seguramente, estar a falar de um conjunto de normas que enformasse todo o quadro legal regulador do nosso desporto. Não foi isso que aconteceu.
Pasme-se que, apenas na terça-feira passada, já no final da tarde, foram os coordenadores da Comissão de Educa-

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ção, Ciência e Cultura avisados da necessidade de reunir a Comissão sobre este tema, pois que a sua prévia consulta seria obrigatória.
Lastima o Partido Popular, julgo mesmo que todos os Deputados de todos os partidos envolvidos neste processo, que não lhes tenha sido dado mais do que uma meia hora mal medida em sede de comissão para sobre esta questão se debruçarem. Pedimos, inclusivamente, ao relator que nos apresentasse um relatório 'e parecer em jeito de "recordista nacional".
Apenas não posso lamentar-me mais, porque talvez tivéssemos tantos Deputados na Comissão como temos hoje, aqui, no Plenário.
Não se detém, contudo, o Partido Popular em incidentes formais, que lamenta, pois que a substância da matéria exige de todos um penhorado esforço. Acresce ainda que o debate na especialidade, em que pretendemos participar, poderá obviar e melhorar esta questão.
O Partido Popular vem defendendo a imperiosa necessidade de actualizar e completar a Lei de Bases do Sistema Desportivo, cujo edifício jurídico é ainda incompleto.
Hoje, não se pretende fazer o debate na especialidade, mas há considerações que não podem deixar de ser sublinhadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desporto vive novos tempos, aparecem novos desportos, aumenta a consciencialização da importância da prática desportiva; e como novos tempos trazem novos problemas, exigem também novas demandas.
São, nesse sentido, positivas algumas das alterações propostas, nomeadamente a que é introduzida pelo artigo 27 º- A.
Sendo redutor limitar esta proposta de alteração à possibilidade, agora aberta, da criação, no seio das federações unidesportivas que disputam competições de natureza profissional, de ligas de clubes profissionais, como as entidades organizadoras das competições profissionais, é, contudo, indispensável a distinção do desporto não profissional do desporto de rendimento, do desporto recriação, do próprio desporto profissional. Realidades diferentes devem ter diferente tratamento. Neste sentido, a abertura à criação de sociedades desportivas com fins lucrativos não é mais que a constatação de uma realidade existente e da consequente adaptação do respectivo enquadramento legal.
Ficam-nos, contudo, algumas dúvidas sobre a forma como se articulará, na proposta de lei presente, a existência da Liga Profissional de Clubes, com personalidade jurídica, como um organismo autónomo da Federação Portuguesa de Futebol, também ela com personalidade jurídica própria.
Responde a Liga perante a Federação? Respondem os órgãos da Liga perante a sua própria Assembleia, e/ou, cumulativamente, perante a Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol?
São questões cruciais que têm de ter resposta imediata por forma a não votarmos o desporto nacional, e, nomeadamente, o futebol, a um estado de permanente conflito que não beneficia se não quem dele tem o pior dos sentidos.
Sem prejuízo de melhorias e outras sugestões, e em obediência à filosofia que preside a esta proposta de lei, não pode o Partido Popular deixar de concordar na generalidade com este passo que nos é proposto.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir uma proposta de lei do Governo para a revisão da Lei de Bases do Sistema Desportivo, 48 horas depois de ter dado entrada na Mesa da Assembleia da República, tendo sido ontem elaborado, discutido e aprovado relatório na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
A celeridade no processo legislativo e na análise das diversas propostas que dão entrada na Assembleia da República é absolutamente desejável. O que não pode é ser confundida com a excessiva leveza com que se propõe a alteração numa lei de bases, neste caso do sistema desportivo, que, embora na nossa opinião seja bastante insuficiente, na altura da sua aprovação, foi alvo de ampla e profunda discussão.
Por outro lado, ao invés de se considerar uma revisão global desta lei, para a adequar às necessidades do fenómeno e da prática desportiva no nosso país, opta-se por uma alteração restrita.
A Lei de Bases do Sistema Desportivo não resolve por si só este problema, mas é um importante instrumento para a sua resolução.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A alteração proposta, para além de ser restrita, não aborda questões fundamentais do acesso e direito ao desporto, visando tão-só intervir, sob a capa de preceitos com carácter geral, na problemática conturbada do futebol profissional. Antes de mais, quero deixar claro que o PCP nada tem contra o futebol profissional enquanto actividade legítima e com todo o direito de existir na sociedade portuguesa. Deste modo, é admissível a existência de sociedades de actividade na área desportiva e com fins lucrativos, traduzindo o carácter mercantil e comercial que envolve a sua função.
O que não é admissível é que se abra a porta à existência de um regime de excepção excluído do regime comercial, para uma actividade que nele deverá estar incluída. Mais grave ainda é fazê-lo, utilizando a Lei de Bases do Sistema Desportivo que tem como objectivo "promover e orientar a generalização da actividade desportiva, como factor cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade
É caso para dizer, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que nem esta lei de bases, com todas as suas insuficiências, merecia tal sorte.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei contém uma absurda ingerência no movimento associativo português.
O associativismo é, no nosso país, uma vertente riquíssima da participação e intervenção democrática na sociedade com méritos inegáveis e um incansável labor no sentido de proporcionar à população o acesso a bens essenciais como é a actividade desportiva. É perfeitamente abusivo que o Governo pretenda, por via legislativa, impor regras sobre matérias do foro associativo.
No concreto e para além das dúvidas que, no plano jurídico, se podem levantar, o Governo decide que a Liga de Clubes, entidade independente composta por diversos associados e com personalidade jurídica, passa a ser um órgão da Federação, igualmente independente e com os seus próprios associados.
Mais uma vez lembro que o que se pretende atingir é o futebol profissional, ignorando-se que, como já aconteceu noutras modalidades, deveriam ser as diversas entidades

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associativas existentes a regular a sua forma de organização e ligação, bem como as funções de cada uma.
Não queria deixar de fazer referência a dois aspectos que, entre outros, me parecem merecedores de crítica.
O primeiro é a proposta de que os clubes associados à Liga serão por ela tutelados, controlados e supervisados, para utilizar as expressões do Governo, o que deixa claras as características do sistema que se quer implementar.
Em segundo lugar, e numa matéria fundamental como é a arbitragem, frequentemente sujeita a atribulações que em nada a dignificam nem ao desporto em geral, opta-se pela submissão à tutela da Liga de clubes, quando se impunha a sua organização de forma autónoma, clara e transparente.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa, pois, perguntar a que necessidades responde esta alteração? Não responde com certeza às necessidades de alargamento e generalização da prática desportiva e 'de crescimento do fenómeno desportivo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, têm a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - O Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, fiquei perplexo com o desenvolvimento da sua tese, pelo facto de ela vir da bancada do PCP. Considero espantoso, mas está-se sempre a aprender...

O Sr. José Calçada (PCP): - Vá lá!

O Orador: - Quem quer está sempre a aprender, principalmente com a evolução dos tempos, Sr. Deputado!
Mas, dizia, considero espantoso que um partido como o PCP, que adopta sempre uma postura intervencionista e estatizante em todos os campos, venha aqui defender uma posição de liberalismo radical, permitindo que o Estado e o Governo não assumam as suas obrigações de regulamentação de um sector essencial da sociedade.
Queria que o Sr. Deputado Bernardino Soares me desse conta dessas novidades e dessa evolução política, porque como o desporto, em muitos aspectos, está na vanguarda da política, queria perceber essa evolução ideológica de VV. Ex.as, a fim de me situar no xadrez político nacional.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Baptista, devo dizer-lhe que tirou uma conclusão que não é correcta, porque se consideramos que é importante e necessário que o Estado regulamente a actividade geral da sociedade, designadamente a desportiva, já não concordamos que se pretenda entrar na esfera que, deve ser do movimento associativo, interferindo em decisões que são tão graves como a de decidir que dentro de uma entidade, dotada de estatuto e personalidade jurídica próprios, passa a estar integrada uma outra, que deixa de ser sócia para passar a ser um órgão.
Julgo que esta é uma questão de clara ingerência no movimento associativo.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o Sr. Deputado esteve presente na reunião de comissão, aquando da discussão do relatório desta iniciativa, e uma das questões levantadas foi, precisamente, o facto de não termos conhecimento, nem a Assembleia da República ter tido contacto com as entidades que nesta área trabalham, de modo a enriquecer a proposta que se apresenta.
Por outro lado, não posso deixar de realçar que esta clara ingerência tem a ver, fundamentalmente, com uma modalidade desportiva: o futebol. Assim, sob a capa da regulamentação da alteração da Lei de Bases do Sistema Desportivo, com aplicação em todo o campo desportivo, o que se pretende é criar medidas específicas para uma determinada modalidade, que tem os seus problemas próprios e que, nem por isso, deve poder deixar de resolvê-los no âmbito das suas entidades. e instituições.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida. Como relator, deveria ter-lhe dado a palavra logo no início dos trabalhos. Penitencio-me por isso.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, dadas as circunstâncias especiais em que decorre este ponto da ordem de trabalhos, não fiz questão de apresentar o relatório, mas aproveito agora a circunstância apenas para salientar o que já foi afirmado sobre as condições extremamente precárias em que a Assembleia da República teve oportunidade de se pronunciar sobre esta proposta de lei.
Com efeito, esta proposta do Governo chegou à comissão especializada ontem de manhã; no final da manhã estávamos a votar o relatório que, entretanto, havia sido elaborado e hoje já a estamos a discutir em Plenário. Todos os grupos parlamentares tiveram em vista não inviabilizar aquilo que o Governo considerava ser a urgência na aprovação desta proposta de lei - o Governo não explicou por que era urgente, mas fiámo-nos na palavra dada, por isso trabalhámos nas condições já referidas.
Todavia, suscita-nos alguma inquietação sobre a urgência que não é evidenciada para o tratamento desta proposta de lei.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Desportos, Srs. Deputados: Esta proposta de lei trata, fundamentalmente, quatro pontos. Da parte do PSD, estamos francamente de acordo com alguns deles, não temos objecções relativamente a outros e temos reticências sobre outros ainda.
O primeiro propósito declarado é o de alterar a Lei de Bases do Sistema Desportivo no sentido de permitir que as sociedades desportivas passem a ter fins lucrativos. Sobre esta matéria, estamos integralmente de acordo. É sabido, aliás, que quando o anterior governo fez aprovar o Decreto-Lei n.º 146!95, relativo às sociedades desportivas, já nessa ocasião, no preâmbulo desse diploma, se reconhecia e lamentava não poder avançar, desde logo, para os fins lucrativos das sociedades desportivas, por força de uma proibição da. Lei de Bases do Sistema Desportivo, que agora é alterada. Em boa hora é alterada e, da parte do PSD, estamos inteiramente de acordo com ela.
Apostámos na separação do desporto profissional do não profissional e sempre entendemos que o primeiro tem de ter meios, os mais abertos que forem possíveis, de recrutamento dos seus financiamentos, pelo que esta alteração vai limitar que os investidores, que reconhecerem o desporto como uma área de negócio lucrativo, possam

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investir no desporto profissional. Estamos, portanto, perfeitamente de acordo com á legalização desta abertura.
Um outro objectivo declarado do Governo é o da criação das associações promotoras do desporto. Trata-se também, do nosso ponto de vista, de dar consagração legal, através da Lei de Bases do Sistema Desportivo, a uma realidade existente e que não tem tido tratamento jurídico adequado. Estou a pensar, por exemplo, nalgumas associações que requereram o estatuto de utilidade pública desportiva, enquanto federações, e que não o tiveram reconhecido, porque dificilmente se podem enquadrar no .conceito de actividades desportivas, uma vez que não têm natureza competitiva.
A verdade é que elas são úteis à sociedade, são emanações locais que devem ser estimuladas e protegidas, pelo que a consagração legal que agora se faz é bem vinda. A questão que se põe é a de saber se, na regulamentação da Lei de Bases do Sistema Desportivo, com a alteração que agora vamos patrocinar, o Governo encontrará os mecanismos de apoio e de estímulo necessários, que fica agora autorizado a atribuir a estas associações promotoras do desporto.
Estamos, pois, de inteiro acordo com os dois pontos da proposta de alteração que acabei de referir.
Há uma outra área, uma terceira intenção do Governo, já aqui declarada pelo Sr. Secretário de Estado dos Desportos, que é a de alterar a lei de bases na parte em que ela estabelece que a parte da Administração Pública relativa ao desporto é entregue a um instituto público. Na sequência dessa norma da lei de bases, o legislador ordinário, o Governo criou o: Instituto do Desporto, que tem consagração jurídica adequada e a actividade que é conhecida.
Ora, a alteração que o Governo nos vem propor abre caminho a que sejam criados outros serviços, institutos públicos ou direcções-gerais para regular e trabalhar na área que, neste momento, está confiada ao Instituto do Desporto. E não está claro, em nossa opinião, que seja útil ao desporto a criação de mais serviços públicos. De facto, o Instituto do Desporto tem muito por onde possa ser aperfeiçoado: é possível canalizar para ele mais meios, profissionalizar e melhorar a sua gestão. O Governo deve prosseguir permanentemente nesse esforço.
Não está, pois, claro, e temos as mais fundadas dúvidas, que a solução consista em criar mais direcções-gerais ou mais institutos públicos para trabalhar na área do desporto Quem tem de trabalhar na área do desporto, são, basicamente, as colectividades desportivas, o associativismo desportivo, apoiado pelo Governo. Não creio que seja útil desviar mais meios do erário público para criar mais serviços públicos.
Além de que não gostaria nada de ver o Governo, também na área do desporto, preocupado com a criação de "jobs for the boys", porque, salvo indicação que o Sr. Secretário de Estado nos poderá aqui dar, no sentido de uma melhor precisão sobre quais são os seus objectivos, fica, pelo menos, a suspeição de que este seja um deles e, a sê-lo, não é legítimo e não tem o nosso acordo.
Finalmente, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, a questão que já foi aqui abundantemente tratada da proposta de alteração ao artigo 24.º.
Nesta matéria, temos fundadas dúvidas sobre a bondade da solução proposta. Quero dizer, com toda a clareza, que não temos objecção declarada à alteração que se pretende, apenas não percebemos claramente o seu sentido e não estamos seguros de que os agentes desportivos estejam completamente informados sobre o verdadeiro alcance da alteração proposta para o artigo 24.º.
No regime actual, como todos sabem, há um organismo autónomo no seio da Federação para gerir as competições profissionais declaradas como tal, que, neste momento, são o futebol e o basquetebol.
A par do Organismo Autónomo, existe uma Liga de clubes que foi criada por escritura pública, sem dependência de qualquer lei de autorização, no âmbito do puro direito de associação, e funciona como uma associação de classe, pois é a associação dos clubes que têm, no seu seio, profissionais de futebol. A Liga tem, designadamente, a função de negociar com os sindicatos e intervir junto da Federação na defesa dos interesses dos clubes que participam em competições profissionais.
O que é que pretende agora o Governo? Não sabemos exactamente, mas pode ser uma de duas coisas: ou está apenas a mudar-se o nome e aquele que é o Organismo Autónomo passará a chamar-se liga, pelo que vamos ter duas ligas, uma com a classificação oficial de liga de clubes, inserida no Organismo Autónomo, mantendo-se a outra, a Liga de clubes celebrada por escritura pública, em notário, por vontade dos clubes de futebol - e não vejo como possa ser extinta por decreto - ou, então, o Governo pretende eliminar a Liga de clubes, fundada no livre exercício do direito de associação, por escritura pública, estatizando-a, colectivizando-a e estabelecendo que agora passará a exercer fins públicos com poderes delegados do Estado.

O Sr. António Filipe (PCP): - É nacionalizar!

O Orador: - Exactamente! É nacionalizar a Liga!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Peço-lhe que abrevie as suas considerações, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou procurar ser breve, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, queremos patrocinar qualquer solução que represente a autonomização completa do desporto profissional do não profissional. Contará connosco para encontrar a solução que for mais adequada, na linha dessa separação, mas temos dúvidas, algumas das quais já foram aqui referidas, de que a solução proposta seja a mais indicada.
Se a Liga é um órgão da Federação, como é que pode também ser sócia da Federação? Não vejo que o Conselho de Disciplina e o Conselho de Justiça da Federação possam ser sócios da Federação. Não são sócios, são órgãos e, se são órgãos, não serão sócios!
Mais: sendo a Liga um órgão da Federação e tendo a Assembleia Geral da Federação o poder de destituir qualquer dos seus órgãos, pode a Assembleia Geral da Federação destituir a direcção da Liga? Afinal, quem é que manda na Liga? É a Assembleia Geral da Liga ou é a Assembleia Geral da Federação?
Mas digo mais, Sr. Secretário de Estado...

O Sr. Presidente (João Amaral): -. Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - Sr. Presidente, não tenho estado com atenção ao tempo, mas vou já terminar.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Mas eu tenho estado com atenção ao tempo, Sr. Deputado.

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O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado, a alteração proposta para a lei de bases vai ter, inevitavelmente, como consequência uma alteração à lei ordinária o regime jurídico das federações desportivas - e, a seguir a ela, terão de ser também alterados os Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol.
A este respeito, diria que não se promovam alterações desta monta por pouca coisa. A haver alterações, que se faiam por coisa que valha a pena.
Ora, não está claro que a alteração agora proposta para a lei de bases, que há-de implicar uma alteração no regime jurídico das federações desportivas e nos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol, seja útil, no actual panorama desportivo, para resolver um problema que não se sabe exactamente qual é.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vamos viabilizar esta proposta, ou seja, o PSD vai votar favoravelmente, na generalidade, esta proposta de lei,...

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Muito bem! Estamos a chegar a consensos!

O Orador: - ... sobretudo porque estamos preocupados com um ponto que, para nós, é muito importante, que é o da possibilidade de as sociedades desportivas terem lucros.
Não queremos inviabilizar esta proposta, queremos levá-la à discussão na especialidade, onde nos propomos fazer as alterações, as precisões e as benfeitorias relativas, designadamente, no âmbito do artigo 24 º.
Agradeço a sua compreensão, Sr. Presidente..

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Pedro Baptista, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Castro de Almeida, a quem peço, desde já, que, depois, seja "meteórico" nas respostas, porque senão arriscamo-nos a estar ainda aqui às 18 horas.
Tem a palavra, Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, também vou ser "meteórico" a formular as perguntas, pois, como é consabido, trata-se de uma forma usual de contestação e contra-argumentação.
Quero perguntar ao Sr. Deputado Castro de Almeida se está convencido de que a Federação é um órgão do Estado, dado que diz que a classificação da Liga como órgão da Federação representa um processo de estatização, no que também é corroborado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares, a quem peço desculpa, mas estou mesmo convencido de que leu a lei com pouca atenção.
Mas volto à pergunta ao Sr. Deputado Castro de Almeida. Sendo a Federação um órgão do movimento associativo, em que medida é que o facto de a Liga entrar para a Federação pode ser considerado um processo terrível, demoníaco e satânico de estatização, como V. Ex.ª insinuou?
O segundo "meteoro" que lanço vai no sentido de perguntar ao Sr. Deputado se não considera legítimo que esta questão de a Liga ser ou não sócia da Federação diz-lhe respeito a ela e à Federação e não a nós nem ao legislador.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Então, o que é que estamos aqui a fazer?!

O Orador: - Não estamos a legislar sobre a questão de a Liga ser ou não sócia, estamos a legislar no sentido de a Liga ser um órgão da Federação. O problema de ser ou não sócia não se confunde com o problema de ser ou não um órgão da Federação e diz respeito apenas à Liga e à Federação.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Mas é isso que entendo!

O Orador: - O terceiro "meteoro" que lhe lanço é o de saber qual é a contradição que o Sr. Deputado Castro de Almeida vê no que se refere à competência da Liga, sabendo-se que ela tem os poderes delegados pela Federação e que a sua capacidade para regulamentar desportivamente decorre dessa delegação de poderes, bem como do facto de estar na Federação, e se está aí inserida, se é um órgão da Federação, existe efectivamente uma delegação de poderes.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Leia melhor os apontamentos, porque não é nada disso!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida, dispondo de um minuto para o efeito.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Baptista, para o esclarecer seria, seguramente, necessário muito mais do .que um minuto. O Sr. Deputado mostrou ter a cabeça tão pouco arrumada e fazer tanta confusão sobre esta matéria, que precisaria de mais de um minuto para o esclarecer.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - A minha cabeça está bastante arrumada, Sr. Deputado.

O Orador: - Vamos entender-nos, Sr. Deputado, pois não vale a pena dramatizar o que é simples.
Aparentemente, estamos de acordo, ambas as bancadas e talvez até toda a Câmara, com as vantagens em separar as competições profissionais daquele que é o desporto não profissional. Portanto, não traz qualquer benefício à discussão o facto de o Sr. Deputado vir sugerir que entendo que a Federação é um órgão do Estado,...

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Você disse-o!

O Orador: - ... porque, como é evidente, o senhor sabe e eu também sei que não é, aliás, nunca defendemos que o fosse e se houve alguém que se bateu sempre pela autonomia do movimento associativo fomos nós.
A minha intervenção de há pouco veio, exactamente, chamar a atenção para o facto de esta lei estar a querer pegar numa instituição, chamada Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que foi criada por escritura pública, em notário, no exercício do livre direito de associação e transformá-la, por força da lei e não por declarada vontade da própria Liga, em órgão da Federação Portuguesa de Futebol. É isto que nos parece carecer de uma completa justificação por parte do Governo.
Aliás, consta do relatório que está na Mesa que a Assembleia da República não teve condições como gostaria de ter tido de poder ouvir os agentes desportivos. Não houve tempo para esse facto, dadas as condições em que analisámos este trabalho. Também consta do relatório que não sabemos em que medida e em que termos o Governo

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procedeu ou não à auscultação do movimento associativo. Gostaríamos de poder falar com eles, de conhecer qual é a vontade dos clubes profissionais de futebol e de basquetebol. E, tanto quanto sabemos, não há nada na vontade desses clubes que não queiramos satisfazer em matéria de organização do panorama desportivo profissional.
O que me parece é que a tradução legislativa apresentada pelo Governo não é a correcta e não traduzirá a vontade dos clubes profissionais, tal como está proposta.
Se for assim, Sr. Deputado, propomo-nos participar na revisão do diploma do ponto de vista jurídico, que parece inaceitável tal como está, mas vamos conformarmo-nos com aquilo que for a posição dos clubes profissionais, porque tanto quanto a conheço não temos qualquer oposição à pretensão que eles sempre manifestaram.
O que me parece é que com esta formulação não se resolve nenhum problema.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de lei que nos é apresentada pelo Governo clarifica a situação em que tem vivido o desporto português. Autonomiza estruturalmente o desporto profissional e separa-o organicamente do não profissional, mantendo contudo solidário de uma institucionalidade federada, em cada modalidade.
Por outro lado, acaba a situação absurda em que podendo ser criadas sociedades desportivas era vedado aos investidores obterem lucros.
Temos vivido numa situação que se assemelha a um jogo de futebol, com a bola oficial, com atletas e com um árbitro que diz: "podem jogar à vontade que vos faz bem à saúde, mas não podem marcar golos". A legislação anterior configurava exactamente este tipo de situação.
E se a essência do jogo de futebol são os golos e a do basquetebol os cestos, a essência do investimento, do ponto de vista do investidor, são os lucros. A situação tinha de ser alterada e vai sê-lo com a aprovação desta proposta pelos Srs. Deputados, passando as sociedades desportivas a ter fins lucrativos.
Pode dizer-se, como aliás alguns dos Srs. Deputados têm insistido, que não há grande novidade, na medida em que já no preâmbulo do regime jurídico das federações, aprovado pelo anterior governo, se referia à necessidade de acabar com a proibição dos lucros. Podem dizer que não passaram da intenção à prática, porque a lei de bases não o permitia, mas pergunta-se: por que é que, então, não alteraram a lei de bases? Por que é que não alteraram alei de bases quando tinham maioria absoluta e, com certeza, não era difícil obter maiorias mais alargadas nesta Câmara.
Ter as melhores intenções é fácil; difícil é, por vezes, ter a coragem e a capacidade de as levar à prática.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Socialmente, o desporto é um dos principais componentes da saúde pública e da educação da juventude, tanto mais que - e nunca será excesso referi-lo - é um dos mais eficazes meios profilácticos contra essa tragédia, que é a toxicodependência. Compete a todos nós e ao Governo ajudar a fomenta-lo.
Mas o fenómeno desportivo evoluiu e, neste final de século, transformou-se, pela globalização mediática, `naquilo que alguns já chamaram o "idioma mais universal do mundo".
Criou-se, subjacentemente, uma indústria do espectáculo desportivo que, conservando embora as características de expressões culturais das comunidades, passou a acertar o passo com a dinâmica da economia do mercado. Compete a todos nós ajuda-los a, livremente, assumirem as dinâmicas do tempo que vivemos.
Em Portugal, segundo alguns cálculos, só o futebol e os mundos que agrega em torno de si, movimentara cerca de 800 milhões de contos/ano. É uma importante indústria nacional.
A proposta de lei de bases sobre a qual nos pronunciamos contempla exactamente a possibilidade de o desporto profissional assumir uma dinâmica livre, autónoma e moderna, que lhe permita fazer face aos sinais dos tempos.
E se o Governo já ajuda o desporto profissional, ao propiciar-lhe agora um. estatuto autonómico e verdadeiramente empresarial, é preciso dizer que deve acarinhar esta indústria que, como muitas outras, enfrenta dificuldades gravíssimas. Desde á segurança dos estádios, tanto nos aspectos humanos como dos próprios edifícios, até ao choque que vai ser produzido pela desvalorização do património dos clubes pela via da chamada "Lei Bosman", nuvens negras e tempos difíceis se afiguram ao futebol profissional, a componente de maior peso do desporto profissional português.
É bom que a actual clarificação se alargue a todos os aspectos da relação dos clubes com a sociedade e com o Estado. Mas é também bom que este não se exima às suas obrigações de apoiar a sociedade civil e, sobretudo, saber falar com as pessoas, saber dialogar, pondo-se também do seu lado, sem hostilizar os clubes só por não estarem constituídos em grupo parlamentar, nem pertencerem à esfera dos controláveis politicamente.
É o que esta proposta espelha e, por isso, merece o apoio do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs.- Deputados: A nova lei de bases releva uma especial preocupação pela participação do nosso país nas instâncias desportivas internacionais, em especial nas europeias. Mas releva também a extensão da coesão desportiva portuguesa à lusofonia e às comunidades de emigrantes, que têm no desporto - e não tenho receio de exagerar - o mais forte elo de ligação e comoção para com essa pátria, esta pátria, que são os portugueses no mundo.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A lei que se propõe venha a ser aqui hoje aprovada na generalidade, por se mover num emaranhado complexo e sensível, poderá ter formulações discutíveis e mesmo polémicas no terreno do Direito Administrativo, também ele quantas vezes discutível e polémico.
Por isso, o, Partido Socialista está aberto a que, em sede de comissão especializada, venham a ser produzidos os ajustes que se mostrem necessários, sendo certo que, em muitos aspectos, cabe mais às organizações da sociedade civil se auto-regularem do que ao Parlamento fazer exigências legais demasiado específicas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado Gilberto Madaíl pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Gilberto Mada7 (PSD): - Par uma interpelação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, vou dar-lhe a palavra, pedindo-lhe apenas que seja muito breve.

O Sr. Gilberto Madaíl, (PSD): - Sr. Presidente, serei breve.

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Sr. Secretário de Estado, nós somos favoráveis a que sejam as ligas, quer de futebol quer de qualquer outras áreas de desporto profissional, a gerir aquilo que são as áreas profissionais. Somos favoráveis a que esta confusão que havia entre Organismo Autónomo e Liga seja esclarecida, porque, ao fim e ao cabo, era exactamente a mesma coisa.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, esta proposta de lei vem, de facto, clarificar. Volto a insistir e isso será depois certamente visto em sede da comissão- é que há terminologias que é necessário adoptar na nova lei, no sentido de permitir que as federações nacionais possam estar também em consonância com as suas tutelas desportivas internacionais.
Por fim, gostaria de solicitar ao Sr. Secretário de Estado uma urgente revisão, que irá decorrer depois da aprovação destas alterações, do Decreto-Lei n.º 144/93, do regime jurídico das federações desportivas, onde existem, de facto, muitos problemas para resolver e que muitos problemas tem causado ao desporto.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, a interpelação foi notoriamente dirigida à Mesa, pelo que esta vai cuidar de obter resposta.
Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Desportos.

O Sr. Secretário de Estado dos Desportos: - Sr. Presidente, agradeço a sua bondade, uma vez que já esgotámos o nosso tempo.
Quero fazer apenas umas três ou quatro considerações breves.
Em primeiro lugar, tive oportunidade, aquando da minha intervenção inicial, de referir o que é que pretendíamos, quais os princípios. E; quanto à questão essencial que se colocou sobre o Organismo Autónomo e sobre a Liga, dissemos, com muita clareza, que o que é profissional fique profissional, e o que não é profissional não fique profissional. Ora, é preciso, obviamente, dar corpo a esta ideia em termos do que existe nas estruturas federativas, de maneira a que se possa responder de forma mais correcta, mais fácil e mais simplificada em relação aos desafios que se colocam especialmente no âmbito profissional.
Aliás, houve um dirigente desportivo que chegou a chamar precisamente ao Organismo Autónomo, o pseudónimo da Liga, precisamente para demonstrar que há uma sobreposição, há um paralelismo. Se calhar, esse paralelismo podia ter sido obviado em tempo se se tivesse concretizado, quando se fez a lei de bases, uma clareza maior em termos do Organismo Autónomo. Nós não inventámos nada, Sr. Deputado do PCP, em relação a estas matérias, de querer estatizar ou nacionalizar, aliás, o que seria interessante dentro da sua ideologia e da sua óptica, não na minha, de certeza absoluta. Mas a verdade é que está estabelecido na lei de bases a existência de um organismo autónomo.
Ora, o que é que aconteceu neste período, neste interregno de tempo de vigência da lei de bases? É que houve interpretações correctas e ajustadas em relação ao que se pretendia do Organismo Autónomo, e houve interpretações que não foram as mais adequadas. O que é que acontece em relação ao caso, por exemplo, do Organismo Autónomo em termos do futebol? O que é que se passou? O que se passou em relação a essa matéria é que não houve a precisão de o dotar de personalidade jurídica e não houve, ao mesmo tempo que não tinha personalidade jurídica, a preocupação de o considerar depois como órgão. Ou seja, houve uma interpretação muito difusa em relação àquilo que são organismos autónomos. Quando fizemos esta legislação na Assembleia - e eu tal como outras pessoas que aqui estão participámos nela - e lemos "organismo autónomo", todos tínhamos na ideia que seria a "liga", como é óbvio. É o que está na legislação francesa, bem como nas outras legislações todas, é o que existe em todo o lado. Em Portugal, no entanto, houve esta situação sui generis de o adjectivo "autónomo" se substantivar e passar a ser, ele próprio, um organismo em si mesmo. Isto é algo caricato e convém, obviamente, ser ultrapassado.
Mas, já agora, queria dizer que isso foi ultrapassado em certos sectores e queria dizer ao Sr. Deputado Castro de Almeida que não é só a Liga Nacional de Futebol Profissional que tem este órgão autónomo, em termos da respectiva federação. Se, porventura, acompanhasse aquilo que foi executado, em termos do governo a que pertenceu, o Sr. Primeiro-Ministro da altura, Dr. Cavaco Silva, concedeu utilidade pública e desportiva a uma liga profissional, ao organismo autónomo profissional do basquetebol, onde considera que este era o órgão que, dotado de personalidade jurídica e gozando de autonomia administrativa, técnica e financeira, tem por funções a organização e direcção das competições de basquetebol. E, a seguir, foi este mesmo organismo que, entendendo o sentido das coisas e vendo que não podia haver sobreposição, delegou a gestão da parte profissional à respectiva Liga de clubes do basquetebol. Isto é aquilo que está aprovado.

O Sr. António Filipe (PCP): - E assim é que é!

O Orador: - Ora, isto está correcto.
Portanto, dentro desta clareza, aquilo que se pretende ë tão-só que haja clarificação em relação às matérias e que aquilo que é profissional seja gerido pela parte profissional, sem sobreposições, como acontece actualmente, e que a parte não profissional seja, obviamente, gerida pela parte não profissional. É evidente que o organismo global que tem a ver com a promoção, com as actividades, com todos os sectores que têm a ver com a disciplina desportiva do futebol é a respectiva Federação.
Uma última questão é a que foi aqui referida, da Administração Pública e do Instituto. O que penso é que uma lei de bases, acima de tudo, não deve definir ou obrigar um governo, qualquer que ele seja, quanto à forma mais adequada em termos de administração do Estado. O que queremos aqui é garantir que haja a possibilidade de a Administração Pública se organizar da maneira mais consentânea e com maior sensibilidade em relação às actividades a desenvolver, neste caso concreto em termos da actividade desportiva. Pareceu-me que seria redutor a lei de bases estar a obrigar à criação de um instituto, quanto pode haver outras formas de gerir a parte da Administração Pública num contexto diferente sem ser com esta obrigação.
Finalmente, uma palavra apenas sobre a questão da auscultação e da rapidez. Fizemos uma grande auscultação e ouvimos muita gente, Sr. Deputado Castro de Almeida, e também tivemos a oportunidade de sentira opinião pública acerca desta matéria, que foi largamente expressa a nível da imprensa em geral, pelo que sabemos da justeza em relação às propostas que aqui estamos a fazer. Quanto à rapidez, limitámo-nos a apresentar esta matéria porque, obviamente, queríamos que ela fosse desenvolvida, queremos trabalhar por esta causa do desporto e queremos que

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as coisas corram da maneira mais rápida para possibilitar a resolução dos problemas que se colocam. É este o sentido da apresentação desta proposta.

Entretanto, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o debate sobre esta matéria pelo que passaremos de seguida à votação.
Vamos votar a proposta de lei n.º 12/VII - Revisão da Lei de Bases do Sistema Desportivo.

Submetida à votação, foi aprovada, com os votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e os votos contra do PCP.

Srs. Deputados, vamos interromper agora os trabalhos e retomaremos às 18 horas. Como foi uma manhã exaustiva e cansativa, espero que possam repousar agora um pouco até às 18 horas.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Há que louvar a prontidão da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias na elaboração do texto alternativo do projecto de lei n.º 108/VII, e há consenso no sentido de cada grupo parlamentar poder fazer uma intervenção ou várias pelo período de três minutos.
Antes de mais, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Alberto Martins para proceder à síntese do relatório da Comissão.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias elaborou um texto de substituição que visa alterar o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos, que foi votado por unanimidade. Como texto alternativo que é, vai ser proposto ao Plenário para ser votado na generalidade, na especialidade e em votação final global.
Desse texto fazem parte três artigos. O artigo 1. º corresponde a uma clarificação do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 423/91; o artigo 2 º respeita a uma clarificação e precisão quanto à utilização dos prazos; e, por último, o artigo 3 º tem a ver com uma benfeitoria indiscutível uma vez que atribui ao Ministro da Justiça condições de flexibilidade para conceder, em certas circunstâncias relevantes, essa indemnização.
Esta é a síntese que entendo dever fazer.
Antes de terminar, gostaria de felicitar os membros da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pela celeridade, eficácia e mérito do seu trabalho.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, gostaria de saber se esse texto é consensual.

O Sr. Alberto Martins (PS): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Isso permitirá que daqui a pouco se faça a votação global dos três artigos numa só votação.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, associar-me às felicitações que V. Ex.ª endereçou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pelo excelente trabalho que produziu ao aprovar um texto de substituição à iniciativa legislativa que apresentámos nesta Câmara, que tem essencialmente por objectivo reparar uma determinada injustiça. De facto, à justiça das indemnizações que haviam sido previstas num decreto-lei de 1985 para os servidores do Estado vítimas de crimes de terroristas não havia regime ágil, bom e capaz de 'reparar com rapidez essa injustiça quanto às restantes vítimas.
Por isso, penso que todos demos um grande contributo para que a Assembleia da República testemunhe publicamente a sua preocupação e sensibilidade relativamente aos efeitos devastadores, sobretudo do ponto de vista das vítimas desses crimes, que o terrorismo teve em Portugal e que esperamos, muito sinceramente, nunca mais ocorram.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Pela parte do meu grupo parlamentar sentimos que cumprimos um dever, que, de resto, foi alcançado.
A tristeza que há pouco manifestei face à aprovação do projecto de lei apresentado pelo PS, tenho também agora de dizer que encontramos alguma alegria no facto de ter sido possível manifestar, nesta Casa, uma palavra inequívoca de solidariedade para com as vítimas desses crimes.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O texto que saiu da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é consensual e resultou de um projecto de lei do CDS-PP e das propostas de alteração apresentadas pelo PCP.
Quero, no entanto, referir aqui que a parte que considerávamos mais significativa das nossas propostas de alteração, e que aumentava o valor das indemnizações às vítimas, não foi acolhida no texto final, muito embora se tenha adoptado um artigo (que o Sr. Deputado Alberto Martins disse que era discutível) que torna possível alargar o direito à indemnização às pessoas que, nos termos da lei actual, ainda não têm esse direito.
Congratulamo-nos com a aprovação deste diploma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sua sessão de hoje a Assembleia da República aprovou dois tipos de diplomas: um acentua uma injustiça e outro, o que foi agora aprovado em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, um acto de inteira justiça.
Houve dúvidas nesta Assembleia de que se pudesse realizar este trabalho em tempo útil. Este trabalho foi feito e o diploma tomou-se consensual pois foi por todos verificado que era necessário, urgente e que dificilmente a Assembleia da República podia ter apresentado e aprovado um diploma como o que aprovou hoje de manhã sem ter aprovado um outro como o que está a aprovar hoje à tarde.

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Temos a consciência serena de que contribuímos para reparar uma injustiça, e a única coisa que gostaria de afirmar perante esta Câmara e o país era um desejo profundo de que nunca mais seja necessário aprovar diplomas destes em Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje houve aqui, nesta Assembleia, um grande confronto, um grande debate e uma certa separação das águas. Esse confronto e esse debate foram, em si mesmos, uma vitória da democracia porque não são o confronto e o debate que enfraquecem a democracia, é a sua ausência.
Mas houve também outras vitórias. Em primeiro lugar, a vitória da amnistia e da tolerância, o que é em si mesmo uma vitória de uma certa forma de pedagogia cívica e democrática. Penso que não há habilidade, não há demagogia, não há encenação que possam subverter ou minimizar o significado dessa vitória de que, aliás, nos orgulhamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista, quero aqui tornar claro, sempre combateu, combate e combaterá todas as formas de terrorismo, desde o terrorismo de Estado a outras, quaisquer que sejam, tenham elas a cor que tiverem, mas combaterá sempre também, sem complexos, todas as formas de intolerância apareçam elas sob a forma que aparecerem.

Aplausos do PS.

Mas com o documento agora aprovado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias penso que houve também uma vitória da solidariedade e da responsabilidade. Nós, Srs. Deputados, não esquecemos as vítimas...

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - ..., nunca esquecemos as vítimas! Nós também tivemos pais, tivemos mães, tivemos irmãs e irmãos que choraram muitas vezes por nós noutras circunstâncias e que também choraram os nossos mortos. Não esquecemos!

Aplausos do PS.

Pensamos nas vítimas com solidariedade e com sentimento de responsabilidade, não de facilidade, e não numa perspectiva eleitoralista ou estritamente partidária de perdas e ganhos neste debate. Pensamos com responsabilidade e com solidariedade.
Houve, de há muito tempo a esta parte, uma grande tentativa de intimidar, de inibir e de condicionar nesta matéria a posição do Partido Socialista. Eu disse uma vez, já depois do 25 de Abril, numa situação muito difícil, num comício no Pavilhão dos Desportos, que não nos intimidavam sobrolhos carregados, e devo dizer-lhes, Srs. Deputados, que não nos intimidam nem nos intimidarão nunca! Não nos intimidarão, em nenhumas circunstâncias, pressões, populismos, tentativas de fazer vergar ou de condicionar as posições de fundo, as posições de princípio, que o Partido Socialista considere as mais justas. Não nos deixaremos intimidar por essas campanhas nem pelas pressões, venham elas de onde vierem e seja em que circunstâncias for, mesmo que, do ponto de vista eleitoral, isso possa ser prejudicial às posições do nosso partido.

Aplausos do PS.

Cremos, assim, Srs. Deputados, que o Sr. Presidente da República vai poder promulgar os dois diplomas e que isso é bom para Portugal, é bom para a convivência cívica entre os portugueses e é bom para aquilo que sempre nos preocupou que é a unidade e a pacificação de Portugal e dos portugueses.
Cremos que a democracia saiu fortalecida porque sempre que há uma vitória da tolerância e da solidariedade há uma vitória de democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, em nome da bancada do Partido Comunista Português, congratular-me pelo facto de ter sido possível hoje aprovar esta amnistia. E congratulamo-nos com a sua aprovação porque ela não amnistia o terrorismo, é um acto de clemência político e que já há bastante tempo se impunha e que já noutras oportunidades se procurou fazer na Assembleia da República. Então, devido às maiorias existentes, isso não foi possível. Hoje foi felizmente possível, e julgo que bem para Portugal, bem para a democracia portuguesa.

Aplausos do PCP.

Mas congratulamo-nos igualmente pelo facto de ter sido possível hoje aprovar uma lei relativa ao problema das indemnizações. Não tenho qualquer dúvida em afirmar, reafirmar e comprovar que nós nunca esquecemos as vítimas, não apenas pelas propostas que apresentámos hoje, mas também porque - e a bancada do PP pode confirmá-lo - logo no dia em que foi agendado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares este debate, fiz o anúncio de que iríamos apresentar um proposta nesse sentido. Aliás, a Sr.ª Deputada Manuela Moura Guedes recorda-se, certamente, do debate em que, há 15 dias, participou no programa Parlamento, da RTP, em que várias vezes referenciou à minha camarada Odete Santos que ela falava mais nas indemnizações do que na amnistia.
Congratulamo-nos ainda que também hoje tenha sido possível aprovar a lei das indemnizações e que tenha havido consenso para esta matéria, mas já lamentamos que não tenha havido consenso para a votação e a aprovação da amnistia.

Aplausos do PCP.

O Presidente: - Pergunto ao Sr. Presidente da 1.ª Comissão se o texto apresentado é já um texto de redacção definitiva que pode, portanto, dispensar os formalismos dessa redacção.

Pausa.

Como me confirma que sim, vamos passar à sua votação. Sendo um texto consensual, penso que poderemos votar os três artigos globalmente de uma só vez.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite, este é um texto alternativo da Comissão. Como não houve nenhum acto de votação na generalidade em Comissão, é necessário que a tal se proceda em Plenário, o que pode ser feito simultaneamente, ou seja, na generalidade, na especialidade e em votação final global.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, vamos votar, na generalidade, o texto de substituição, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, do projecto de lei n.º 108/VII - Altera o regime jurídico de protecção às vítimas dos crimes violentos (CDS-PP).

Submetido à votação foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar conjuntamente, na especialidade, os três artigos do texto elaborado pela Comissão.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

São os seguintes:

Artigo 1.º
O regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos, que consta do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, é aplicável aos factos descritos nos artigos 289.º e 301.º do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, ainda que praticados até há data da entrada em vigor daquele diploma.

Artigo 2 º
Para efeitos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, o prazo para requerer a indemnização prevista no artigo anterior expira decorrido um ano sobre a data de entrada em vigor da presente lei.

Artigo 3.º
Quando relevantes circunstâncias morais ou materiais o justifiquem, o Ministro da Justiça pode dispensar os pressupostos que condicionam a concessão da indemnização, constantes do Decreto- Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro.

Vamos, agora, proceder à votação final global do mesmo texto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, quero agradecer-vos e realçar a vossa excepcional cooperação para que fosse possível este resultado, quer ao nível da 1.ª Comissão, quer ao nível das presenças que se verificam numa sexta-feira à tarde a esta hora, o que é notável e assinalável.
Desejo a todos um bom fim-de-semana. Cá estaremos na segunda-feira às 15 horas, com a ordem de trabalhos já anunciada.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação,
sobre a votação do projecto de lei n.º 107/VII.

Em 1982, renunciei ao meu mandato de Deputada por razões de consciência. Assumi então, contra a disciplina de voto da minha bancada, que era na altura a do PSD, o voto favorável à amnistia aos presos do PRP.
Catorze anos volvidos, e após diversas tentativas de solução do caso das FP-25 de Abril, a Assembleia da República vota, finalmente, por maioria, uma amnistia que abrange este caso.
É com orgulho que participo nesta votação, manifestando-me, em nome dos mesmos valores que nortearam o meu gesto em 1982, a favor da amnistia hoje aqui votada, na sequência do apelo do Sr. Presidente da República, Mário Soares.

A Deputada do PS, Helena Roseta.

Vinte anos depois da entrada em vigor da Constituição que instaurou e consolidou o Estado de direito democrático, a sociedade portuguesa está pacificada e não existem indícios de ressurgimento de fenómenos revolucionários armados.
O que divide os portugueses não é a condenação das acções terroristas levadas a cabo por Otelo Saraiva de Carvalho e pelas FP-25. O que divide os portugueses é a própria necessidade e a oportunidade de aprovar uma lei de amnistia para estes crimes, sobretudo porque a mesma não se apresenta como condição mas como mera consequência do clima de estabilidade política e de paz social que hoje vivemos.
A amnistia é um acto de clemência do poder político e não pode ser entendido como uma forma de suprir a incapacidade ou a impossibilidade de os tribunais proferirem uma decisão justa e em tempo útil.
Neste contexto, temos dúvidas de que uma lei da amnistia deva ser aprovada por maioria simples, sem que em torno dos seus fundamentos exista um consenso alargado entre as várias correntes de opinião representadas na Assembleia da República.
Estamos na disponibilidade para contribuir para a formação desse consenso, mas recusamo-nos a transformar a votação da lei da amnistia no julgamento político de Otelo Saraiva de Carvalho e das FP-25.
Em nome da moderação e do espírito de tolerância que caracterizam aqueles que se reclamam do Centrismo e da Democracia Cristã, optámos por um sentido de voto que, não sendo neutro não inviabiliza a aprovação da lei da amnistia. Mas, pelas mesmas razões, não nos colocamos ao lado daqueles que pretendem servir-se deste processo como instrumento de combate político.
A tanto obriga a nossa consciência e o mesmo sentido de responsabilidade que está na base da nossa integração na bancada parlamentar do PS e da "Nova Maioria".

Os Deputados do PS, Cláudio Monteiro - Manuel Jorge Goes - Maria do Rosário Carneiro.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Carlos Manuel Amândio.

Partido Social Democrata (PSD):

António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Carlos Alberto Pinto.
Fernando Santos Pereira.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Guilherme Reis Leite.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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