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Quarta-feira, 6 de Março de 1996 I Série - Número 44
VII LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE MARÇO DE 1996
Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Exmo. Srs.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Maria Luísa Lourenço Ferreira
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de revisão constitucional n.º 5/VII. apresentado pelo PSD.
Concluiu-se o debate conjunto, na generalidade, das propostas de lei n.os 9/VII - Grandes Opções do Plano para 1996 e 10/VII - Orçamento do Estado para 1996. Intervieram, a diverso título, além do Srs. Ministros das Finanças (Sousa Franco), do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho), da Educação (Marcai Grilo) e da Saúde (Maria Belém Roseira), os Srs. Deputados Helena Roseta (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Luísa Mesquita (PCP), Fernando de Sousa e Henrique Neto (PS), Carvalho Martins e Luís Filipe Menezes (PSD), João Carlos da Silva (PS), Octávio Teixeira (PCP), António Lobo Xavier (CDS-PP), Manuela Ferreira Leite (PSD), Joel Hasse Ferreira (PS), António Galvão Lucas (CDS-PP), Vieira de Castro, Francisco Torres e Falcão e Cunha (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Alberto Marques (PS), Bernardino Vasconcelos (PSD), Rui Rio (PSD), Jorge Lacão (PS), Sérgio Ávila e José Junqueiro(PS), Silva Carvalho (CDS-PP), Ferreira do Amaral (PSD), Eurico Figueiredo (PS), Luís Sá (PCP), Duarte Pacheco (PSD), Manuel Varges e Nelson Baltazar Mendes (PS), José Calçada (PCP), José Lemos (PS), Sílvio Cervan (CDS-PP), Castro de Almeida e Carlos Coelho (PSD), José Niza e Maria do Rosário Carneiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declara aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Manuel Luís.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Enrico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeira Novo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelino Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço da vares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barras e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereba.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
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João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo
Veloso Falcão e Cunha.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de
Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel
Nunes Liberato.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Maria de Banos Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio
Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria
Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa
Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria
Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Pedro Manuel
Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social — Partido Popular (CDS-PP):
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Fernando Manuel Gomes da Encarnação.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Manuel Pereira Marques.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António
Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Octávio Augusto
Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para proceder à leitura do expediente, tem a palavra o Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de revisão constitucional n.º 5/VII, apresentado pelo PSD, que baixará à comissão eventual que vier a ser constituída.
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, na sessão de hoje vamos continuar a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei
n.os 9/VII - Grandes Opções do Plano para 1996 e 10/VII - Orçamento do Estado para
1996.
Passaram de ontem para hoje as inscrições dos seguintes Srs. Membros do Governo e Deputados: Luís Filipe Menezes, Helena Roseta, Luísa Mesquita, Ministro das Finanças, Isabel Castro, Maria José Nogueira Pinto, Rui Rio, Henrique Neto, Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, Sílvio Rui Cervan, Carlos Coelho e José Junqueira.
Significa isto que transitaram, de ontem para hoje, inscrições que quase cobrem o tempo de que dispomos para a sessão de hoje. Peço, portanto, aos Srs. Deputados que queiram inscrever-se o favor de gerirem convenientemente o seu tempo.
Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração relativamente a afirmações feitas, no final da sessão de ontem, pelo Sr. Deputado Manuel Monteiro, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, por agora, prescindo do uso da palavra, na medida em que não há honra, por mais virginal que seja, que resista a 12 horas de espera, principalmente quando está em causa o contraditório parlamentar.
O Sr. Presidente: - Bem me pareceu que a ofensa não tinha sido grave, Sr. Deputado.
Risos.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.
A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1996, cuja aprovação nos é solicitada pelo Governo, constituem, em minha opinião, um passo importante na confirmação de uma promessa eleitoral que vem, pelo menos desde os Estados Gerais, sendo assumida pelo Partido Socialista. Trata-se da promessa de assumir uma visão moderna do desenvolvimento, que seja sustentável, regionalmente equilibrado e socialmente justo.
É sabido que a questão do desenvolvimento sustentável não é uma invenção do PS nem deste Governo. O conceito de desenvolvimento sustentável foi criado, há mais de 20 anos, pela Sr.ª Gro Brundtland, na Conferência de Estocolmo; foi, depois, levado para as Nações Unidas e veio a ter uma confirmação mundial, em 1992, na Conferência do Rio de Janeiro.
Trata-se de conseguir conciliar o objectivo do desenvolvimento económico e do bem-estar das populações com a preservação do ambiente e dos recursos naturais, conciliação essa que, durante muitos anos, foi considerada quase impossível e que, hoje, é um ponto-chave na apreciação das políticas e das acções dos governos e das organizações internacionais.
A questão que venho aqui hoje colocar, nesta curta intervenção, é a de saber se esta promessa de um desenvolvimento sustentável, regionalmente equilibrado e socialmente justo está, ou não, materializada nos documentos, cuja aprovação nos é solicitada.
À partida, digo que sim e vou tentar demonstrá-lo.
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Em primeiro lugar, desenvolvimento sustentável, porque se baseia numa concepção moderna do que é o desenvolvimento. E esta concepção moderna do que é o desenvolvimento é indissociável de uma maneira de governar e de estabelecer os critérios e as prioridades de que este Governo, no curto espaço que tem de governação, tem dado amplas provas.
Durante o mandato dos governos anteriores, fui uma das pessoas que mais critiquei aquilo que considerava uma concepção pseudo-iluminista do desenvolvimento, a ideia de que era possível um Primeiro-Ministro «cozinhar» sozinho um Quadro Comunitário de Apoio, em Bruxelas, e vir, depois, oferecê-lo ao País como uma dádiva, como se esse Quadro Comunitário de Apoio não fosse algo que tivesse de ser negociado, discutido e preparado, primeiro, com a sociedade civil e os agentes de desenvolvimento portugueses, e, só depois, com os nossos parceiros comunitários.
Ora, este Governo tem tido precisamente a atitude oposta. Os documentos que, hoje, estamos aqui a apreciar são documentos que, antes de serem postos à consideração dos Deputados, foram amplamente discutidos, a nível quer do Conselho Permanente da Concertação Social quer dos agentes económicos quer das diferentes forças políticas que aqui se sentam. Há, pois, uma atitude diferente em relação ao desenvolvimento, atitude essa já espelhada nos documentos que vamos apreciar.
Porém, não se trata apenas da atitude, mas também das questões e das propostas concretas que as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado aqui nos apresentam. Um Orçamento do Estado tem de ser também sensível à justiça social e isso parece ser uma novidade em Portugal, pelo menos na última década. Durante anos a fio, vimos aqui serem apreciados orçamentos do Estado colocados numa visão que diria quase fundamentalista, como se a técnica dos números tivesse de prevalecer sobre os direitos das pessoas.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Não é isso que este Orçamento do Estado faz. Este Orçamento do Estado traduz opções, que, mesmo em matéria de política fiscal, são ponderadas em função da justiça social. Há sempre um favorecimento daqueles que menos podem em relação àqueles que mais podem e isso é uma tentativa de introduzir o tal «socialmente justo» numa visão moderna de desenvolvimento.
Mas há mais: uma visão moderna de desenvolvimento tem de ser também regionalmente equilibrada. Não esquecemos que o Governo anterior, designadamente o Primeiro-Ministro anterior, a determinada altura e sem qualquer debate, deixou «cair» a regionalização, como se de uma coisa supérflua se tratasse, como se isso não tivesse qualquer importância e fosse possível ter um Quadro Comunitário de Apoio e um desenvolvimento do País sem regionalização. Esta é uma concepção iluminista, pseudo-iluminista, de desenvolvimento, que, na altura, bastante contestámos e que este Governo vem frontalmente contrariar. É indissociável destas Grandes Opções do Plano e deste Orçamento do Estado a aposta na regionalização, numa transferência de poderes, do poder central para o futuro poder regional, e, desde já também, do poder central para o actual poder local, aposta essa que se irá verificar no quadro de toda a legislatura e não apenas neste primeiro ano.
Mas ainda há mais, Srs. Deputados: uma das componentes importantes das políticas de investimento que
neste Orçamento do Estado, através do PIDDAC, e nestas Grandes Opções do Plano transparece é um bom aproveitamento dos fluxos comunitários dos fundos da União Europeia, que devem ser utilizados no desenvolvimento do País. É impressionante verificar a pouca e fraca utilização desses fundos ao longo dos anos de 1994 e de 1995! Mas também é impressionante
verificar - e convido-os a ler essas últimas folhinhas do relatório das Grandes Opções do Plano
- a capacidade de recuperação que este Governo teve, em apenas três meses, relativamente à taxa de execução do Quadro Comunitário de Apoio. De facto, em apenas três meses, há uma subida de mais de 20 pontos percentuais na utilização dos dinheiros comunitários, que estavam a ser desperdiçados.
Não esqueço que, há cerca de um ano, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros, em vésperas do Congresso do PSD, dizia ao País que era muito perigoso entregar o voto ao Partido Socialista, porque isso era «entregar o ouro ao bandido». Ora, aqui está uma concepção de desenvolvimento que temos de repudiar. O ouro seriam os dinheiros de Bruxelas, o bandido seria o PS.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nem o ouro estava a ser bem utilizado, nem o bandido éramos nós.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - O que se prova é que com este Governo há alteração de critérios e de actuações; há alteração nas medidas de avaliação e de controle. É que, realmente, esse tal «ouro» nem é do Governo, nem de qualquer secretário de Estado, nem de qualquer comissão nacional gestora de fundos, nem de uns senhores «cinzentos», que não sabemos quem são e que tomam as decisões por nossa conta em Bruxelas. Esse dinheiro é do País! E é de uma avaliação, que vamos fazer - e o Governo já está a fazê-la -, rigorosa, transparente e aos olhos de todos que irá resultar uma contribuição substancial para o tal desenvolvimento sustentável, regionalmente equilibrado e socialmente justo.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou citar apenas dois ou três exemplos desta justiça e deste equilíbrio, desta
sustentabilidade que se defende, porque naturalmente outros colegas da minha bancada irão chamar a atenção para outros exemplos. Mas os exemplos valem exactamente por isso, porque são sintomáticos de uma nova visão que se introduz já nestes dois documentos.
Um primeiro exemplo
- e saúdo-o com veemência - é a introdução de uma visão moderna da política de solos, que é indissociável da questão do desenvolvimento sustentável e que aparece já neste Orçamento do Estado com a criação da chamada «contribuição especial», a qual irá incidir sobre os terrenos que vão ser valorizados por
infra-estruturas pagas com os dinheiros do Estado, portanto, com os dinheiros de todos nós. Vamos assistir a um equilíbrio, a uma justiça que se irá fazer: quem tiver terrenos que venham a ser beneficiados por essas
infra-estruturas, como a nova ponte, a CRIL, a CREL, etc., não terá, neste momento, qualquer encargo, mas, se quiser construir nesses terrenos, que são valorizados à custa da intervenção do Estado, terá de, na devida altura, pagar uma contribuição especial, cuja forma de cálculo vem já indiciada
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neste Orçamento do Estado. Esta é uma visão correcta de que o direito de propriedade é um direito que não é absoluto, devendo ser compatibilizado com a justiça social, o direito à igualdade e as necessidades de todos contribuirmos, de acordo com as nossas possibilidades, para o desenvolvimento do País, e de não serem uns a beneficiar muito mais do que outros, quando esse desenvolvimento acontece.
Um segundo exemplo que quero aqui apresentar tem a ver com as prioridades que, neste Orçamento do Estado e, concretamente, nos investimentos públicos, são dadas às matérias sociais, às infra-estruturas e aos projectos ambientais. É verdade, Srs. Deputados
- e o Sr. Primeiro-Ministro, ontem, disse-o aqui -, que este Orçamento é um exercício feito num curto espaço de tempo, que, naturalmente, recebe uma grande herança. Os projectos de investimento aqui em apreciação, incluídos neste conjunto de documentos, são projectos, alguns deles, já com vários anos, e, muitos deles, com compromissos anteriores. Só para terem uma ideia, dir-vos-ei que o total de projectos novos no PIDDAC para 1996 é apenas de 6,5%, em valor financeiro: o resto são projectos que, de certa maneira, têm um passado e compromissos a cumprir. Mas, neste total, registam-se variações muito grandes por ministério: há apostas muito fortes nas áreas sociais, nas infra-estruturas e, em particular, na ferrovia, assim como a nível do ambiente, que deixa de ser - já nos últimos anos, e estava a afirmar esse
aspecto - uma espécie de «parente pobre» entre os ministérios para se tornar um dos elementos centrais da política de desenvolvimento.
Penso que estes exemplos mostram que, embora sejam muitas as condicionantes e muito grande a herança, foi possível, num curto espaço de tempo, mudar de linguagem e de critérios de avaliação e alterar algumas prioridades, abrindo portas para que este Orçamento seja o primeiro - mas apenas o primeiro - de um conjunto de orçamentos que aqui queremos votar, os quais vão configurar e confirmar o tal desenvolvimento sustentável, regionalmente equilibrado e socialmente justo.
Há muitas coisas que ainda não estão consagradas neste Orçamento; a bancada do PS não está absolutamente satisfeita com tudo; há coisas para fazer no futuro, mas a legislatura ainda agora começou. Nós vamos manter a nossa exigência e a nossa solidariedade com o Governo, para que aquilo que agora começa seja continuado e confirmado, ao longo de quatro anos, e para que este Orçamento, uma vez aprovado, porque seguramente o será, seja apenas o primeiro passo da nova visão de desenvolvimento que todos aqui defendemos.
(A Oradora reviu.)
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, não tenho dúvidas de que é uma das Deputadas, que, neste Parlamento, mais se preocupa com as questões do desenvolvimento e do ambiente. Mas também não tenho quaisquer dúvidas de que a posição que aqui defendeu, em nome da bancada do Partido Socialista, não pode ser entendida como interpretação do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano em discussão.
A questão que lhe coloco é muito clara: sendo as Opções, no fundo, as escolhas e o elemento enquadrador daquilo que é a visão estratégica que se tem do futuro, como é que explica que uma questão-chave do que são as políticas ambientais, uma questão que é uma herança insustentável, a prazo, para qualquer país, a questão dos
resíduos - que, como sabe, não se resolve por decreto ou por mera transposição de directivas, quando a isso o Governo é obrigado -, seja, pura e simplesmente, ignorada como opção estratégica?
Em segundo lugar, como é que pensa que a redução, a reutilização e a reciclagem tenham efectivamente expressão e a incineração deixe de ser a panaceia que se impõe para todos os males, sem uma política fiscal, sem uma política de educação ambiental, sem mecanismos que favoreçam os mercados e sem nenhuma das medidas que claramente este Governo não foi capaz de traduzir nas suas Opções?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.
A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, costumo estar de acordo consigo, mas neste particular não posso estar. Dá-me a ideia de que não leu todos os documentos, porque, se os tivesse lido, não poderia dizer o que disse aqui.
Não é verdade que este Orçamento não configure uma opção em termos de política de ambiente quanto à questão dos resíduos, porque é precisamente aí que estão alguns dos projectos novos do PIDDAC em matéria de ambiente. O problema das lixeiras, que tem sido uma das bandeiras deste Governo, vai ser resolvido através de um plano nacional. Portanto, penso que a Sr.ª Deputada não terá lido os documentos ou, então, não terá visto isso.
Agora, se me diz que isso não está completamente explicitado em matéria de filosofia das Grandes Opções do Plano, não sei se lá está exactamente a palavra «lixos», mas está, seguramente, o problema da qualidade ambiental das populações, que passa pelas questões chamadas da primeira geração. E a Sr.ª Deputada, que é uma ecologista, sabe muito bem que o lixo é um problema da primeira geração.
Portanto, não sei como é que a Sr.ª Deputada não viu isso ou por que razão é que acha que isso não é assim.
Quanto à questão da opção de incinerar ou não incinerar, penso que este Governo também fez uma inflexão em relação à política que vinha de trás. A Sr.ª Ministra do Ambiente tem dito várias vezes que, efectivamente, há uma percentagem daquilo que produzimos como lixo que terá de ser incinerado, pelas razões técnicas e económicas que o aconselham, mas trata-se de um último recurso. A solução que está a ser posta de pé é exactamente outra.
E mais, Sr.ª Deputada: pela primeira vez, essa solução está a ser posta de pé em diálogo constante com as autarquias, numa tentativa de se encontrar uma solução, porque este é um daqueles problemas que estava a atingir um ponto de ruptura no nosso país. Cada vez que um município ou uma associação de municípios queria fazer um aterro sanitário ou uma central de tratamento de lixos vinham as populações para à rua protestar a dizer que não queriam o lixo. Nós, aqui, temos de ter uma atitude pedagógica, para que as pessoas compreendam que o lixo que produzimos temos de ser capazes de o reciclar, de o tratar e, em última instância, de o incinerar, se não houver outra solução. Não podemos continuar a fechar os olhos a esta matéria, se não qualquer dia, acordarmos atolados em lixo.
(A Oradora reviu.)
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As propostas de lei que têm constituído matéria de discussão e análise em comissão e agora em Plenário permitem, desde já, visualizar como o percurso discursivamente apaixonado da educação se supliciou progressivamente do «Contrato de legislatura» às Grandes Opções do Plano e ao Orçamento de Estado.
Se o «Contrato de legislatura» e mesmo o programa eleitoral do Partido Socialista apresentavam propostas concretas e até detalhadas, o Programa do Governo já amputava e abstractizava medidas e percursos. E agora aí está a proposta de um «Pacto educativo para o futuro», dirigido ao que se designou por parceiros, enunciando princípios e orientações estratégicas, como se os grandes pactos educativos não estivessem já assumidos, subscritos e consagrados no texto constitucional e na Lei de Bases do Sistema Educativo.
Mas se aos textos referidos não se exigiam números, agora que a tradução orçamental se anuncia paralelamente com o texto político das GOP, as inúmeras juras de paixão esvaziam-se de conteúdo e as expectativas que deixaram expectantes, naturalmente, muitos alunos, muitos professores e outros intervenientes na área educativa, diluem-se na frustração interrogada e retórica de que afinal pouco ou nada mudou, de que afinal o património cavaquista, nesta matéria, como noutras, se mantém praticamente intocável.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Afirma-se nas Grandes Opções do Plano que «a Educação e a Formação estão intimamente ligadas em razão das mudanças económicas, sociais, culturais, científicas e técnicas, exigindo uma coordenação efectiva de meios e de políticas». No entanto, se compararmos a despesa autorizada para a educação em 1995 e o orçamento inicial mais a dotação provisional para 1996, a realidade evidenciada é claramente questionadora desta descrição de vontades.
Mas mais preocupantes são os investimentos do plano, que sofrem uma redução de 4,8%; se partilharmos o critério da inflação, a redução será efectivamente de 8,2%.
E se enunciarmos as rubricas que, em matéria orçamental, pretendem responder às prioridades governamentais da política educativa, a leitura também aí não é diferente. A rubrica «ensino», na qual se enquadra todo o ensino oficial, tem um crescimento nominal de apenas 3,2%, no que se refere aos investimentos do plano, e um acréscimo relativo ao funcionamento de 3,7%.
É de todos conhecido que, por parte do Governo, a educação pré-escolar e o ensino básico e secundário têm sido objecto de grande empenhamento discursivo. Daí que o Sr. Ministro da Educação repita, incessantemente, que muitas coisas podem ser feitas sem que tudo seja vertido em matéria orçamental.
Não consegue é explicitar como se constróem mais infra-estruturas com tão exígua dotação orçamental; não consegue é explicitar como alargar a rede pública e universal de educação pré-escolar, tal como a Constituição da República o consagra, com tão reduzidas verbas orçamentadas. A não ser que faça tábua rasa do facto de a educação pré-escolar dever ser assumida através de uma rede estatal, tal como acontece com os demais sectores de ensino; a não ser que rejeite o seu carácter laico e gratuito, deixando às famílias a possibilidade de outra opção. Mas só pode optar quem tiver acesso à rede pública.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Como resolver também, sem matéria orçamental, o problema das escolas sobrelotadas, situação que se agravou nos últimos anos, com a generalização não planificada nem avaliada da reforma até ao 12.º ano?
É do domínio público que, no final de 1994/1995, se construíram de forma desenfreada pavilhões para albergar os alunos dos 10.º, 11.º e 12.º anos, com uma carga horária acrescida, se aumentaram o número de alunos por turma e se produziram horários que insatisfizeram alunos e professores. A instabilidade e o mau estar resultantes da ausência de condições de trabalho generalizaram-se a toda a comunidade escolar.
Ou será que o Governo admite que chagas tão profundas como estas se tratam com uma verba de alguns milhares de contos para a segurança dos alunos no espaço exterior à escola?
Afirmou o Sr. Ministro da Educação, em reunião de Comissão, que o que mais preocupa os pais não é o processo de ensino-aprendizagem mas, sim, o trajecto que os filhos fazem da escola a casa e de casa à escola. Não acreditamos que os pais coloquem a situação nestes termos. O que se passa é bem diferente.
Desiludidos com o fracassado e reformado sistema educativo, conscientes dos conteúdos programáticos que os seus filhos são obrigados a registar, para, depois, debitarem em provas globais e exames nacionais, quase todos estigmatizados pela total inadequação face às necessidades reais do País e aos interesses dos jovens, os pais, querem, pelo menos, assegurar a integridade física dos filhos.
Os jovens deste País têm direito à segurança dentro e fora da escola; os jovens deste País têm direito a espaços de lazer, de convívio e de aprendizagem e não só a alguns milhares de contos para policiamento das áreas limítrofes às escolas.
Também a Acção Social Escolar dos ensinos superior e não superior pretende constituir matéria prioritária deste Orçamento. Contudo, o seu acréscimo global relativamente a 1995 é de 7,5% - valor nominal.
Acrescente-se, no entanto, que o decréscimo no que se refere aos investimentos do plano é de 26,7%, números que são deveras preocupantes, se não fecharmos os olhos às manchas de pobreza e de exclusão social que alastram de norte a sul do País.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Recentemente, foi revelado um estudo do Instituto Superior de Economia e Gestão sobre a pobreza em Portugal. Afirma-se, em determinado momento, que Portugal tem meio milhão de crianças pobres e que a entrada na vida activa continua a fazer-se muito cedo, quando se faz parte de uma família pobre. Diz-se ainda que, no início da década de 1990, mais de 40% das crianças entre os 15 e os 17 anos, integradas em famílias de fracos recursos, eram trabalhadoras.
E o que pensar desta denúncia de um professor do 1.º ciclo do ensino básico que acusava que «o subsídio de almoço dos alunos e o pagamento que o ministério processa aos funcionários das cantinas dos 2.º e 3.º ciclos ou até do secundário são inexistentes no 1.º ciclo»? Os alunos da primária não têm estômago e apetite?
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Onde as cantinas funcionam, o subsídio por aluno e as remunerações das cozinheiras são asseguradas pela contribuição dos encarregados de educação ou pelos professores. Os sucessivos orçamentos de Estado podem registar aumentos de despesa no capítulo da Acção Social Escolar, mas, na prática, o que é verdade é que esta não existe no 1.º ciclo do ensino básico.
Também a «expansão da capacidade do ensino superior», «a diversificação das opções», a «diminuição progressiva das limitações constituídas pelo numeras clausus», a «melhoria da rede pública», a «efectiva liberdade de escolha», etc., etc., são vontades descritas nas GOP, mas constituem duvidosa expressão no espaço orçamental.
Atente-se, por exemplo, na existência do numerus clausus. Esta situação aberrante nada tem a ver com as necessidades do País mas, sim, exclusivamente, com as disponibilidades das escolas de ensino superior. É uma questão que passa obrigatoriamente pela necessidade de um maior investimento em infra-estruturas públicas que permitam acolher com dignidade e liberdade de escolha os jovens deste País.
Mas o que o Orçamento traduz é um decréscimo de investimentos do plano de 3,1%. No entanto, nesta matéria, a equipa ministerial poderia ter concretizado o seu slogan preferido: «Nem tudo tem que ser vertido em matéria orçamental». Refiro-me, como é óbvio, às últimas medidas de continuidade, relativamente ao acesso ao ensino superior, que constituíram mais uma pedrada na paixão e na expectativa da mudança.
Mais uma vez se reconhece - e mal - os exames como factor de uniformização de critérios; mais uma vez - e mal - se sobrevaloriza a avaliação contingente e não a contínua; mais uma vez - e mal - as condições de acesso ao ensino superior, agora divulgadas, não resolvem nenhum problema fundamental deste sector, nem contribuem para melhorar a qualidade do ensino.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Mas se as prioridades em matéria educativa são assim paginadas em matéria orçamental, ou seja, têm uma evolução insuficiente e, em algumas rubricas, exprimem mesmo um decréscimo, não acontece assim no que se refere a um sector, menos propagandeado, mas efectivamente privilegiado. Trata-se do sector particular e cooperativo que é francamente beneficiado comparativamente com o oficial. Numa leitura das propostas orçamentais de 1995 e 19%, resulta uma acentuada subida de 30% em valores nominais do ensino particular e cooperativo.
Esta circunstância não decorre, obviamente, das preocupações manifestadas pelos docentes do ensino superior, que afirmavam, em Dezembro último, em congresso, que «a expansão incontrolada (do ensino superior privado) decorreu do estrangulamento imposto às escolas públicas, quer do ponto de vista do financiamento e das regras, quer do que deriva das restrições impostas pelo numerus clausus».
No entanto, esta dotação privilegiada enquadra-se com toda a clareza no conteúdo das afirmações produzidas pelo Primeiro-Ministro, em Novembro último, que considerava fundamental comprometer o seu empenhamento em investir seriamente no sector privado, mantendo uma rede pública de educação pré-escolar muito limitada, embora de grande qualidade.
Fica claro a quem será atribuída a tarefa de desenvolvimento da educação pré-escolar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As propostas de lei em discussão, no que se refere à política educativa e à necessidade de agir perante um sistema debilitado, que não admite mais paliativos, são manifestamente insuficientes e indiciam ausência de vontade política para inverter o quadro global existente.
Investir menos na área educativa é um verdadeiro crime dê omissão no presente e de hipoteca no futuro.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - A distribuição de mais dinheiro, tendo em atenção, preferencialmente e quase exclusivamente, o melhor funcionamento da máquina do Ministério da Educação, pode ser tão-só o desejo de evitar algum sobressalto perante um figurino que parece cada vez mais de continuidade e não de efectiva e real mudança, como inúmeras vezes foi apaixonadamente repetido.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.
O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, V.Ex.ª não pode ignorar que o montante do Orçamento para a educação é, de facto, um montante jamais alcançado até hoje em qualquer outro orçamento, registando 12% de aumento em relação ao ano anterior.
Sabemos que o Orçamento não é tudo, de qualquer modo constitui um instrumento importante e determinante da política educativa. E nós pensamos que este Orçamento constitui, de facto, um instrumento importante da melhoria do sistema educativo em Portugal!
Quero colocar-lhe duas questões: em primeiro lugar, considera ou não importante que a valorização do subsistema do pré-escolar, integrado na rede pública, passe
também pela chamada das autarquias a este problema? Devem ou não as autarquias, conforme nós pensamos, ter um papel determinante na educação pré-escolar e no aumento da rede pré-escolar? Nós pensamos que essa rede autárquica também deve estar incluída dentro daquilo que define por rede pública do pré-escolar.
Em segundo lugar, gostaríamos de saber se não considera que o investimento nos recursos humanos é importante. Este Orçamento apresenta um reforço bastante grande no que diz respeito ao investimento nos recursos humanos. A abolição do exame de acesso ao 8.º escalão é ou não importante? A valorização do estatuto
remuneratório dos professores, quer do ensino básico e secundário quer do ensino superior é ou não importante?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, efectivamente, estava à espera que V. Ex.ª colocasse em dúvida algumas das afirmações produzidas na minha intervenção. Teria sido óptimo que o tivesse feito para que pudéssemos explicitar exactamente a razão das nossas afirmações, mas, como é óbvio, o Sr. Deputado não teve a menor condição de questionar ou de pôr em dúvida tudo aquilo que afirmámos. Foi pena, porque nos permitiria explicitar mais uma vez as nossas afirmações.
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Protestos do PS.
Não vale a pena ficarem tão nervosos, Srs. Deputados do Partido Socialista, porque as verdades são óbvias e todos nós as conhecemos!
O Sr. Deputado ainda punha como hipótese que o orçamento para a educação baixasse, pois só assim se coloca, obviamente, a questão que colocou de início!
Quanto ao ensino pré-escolar, devo dizer, Sr. Deputado, que as autarquias não são chamadas agora a intervir, o poder local, por demissão quase completa do poder central, já assumiu, há muitos anos, a sua comparticipação no alargamento da rede do pré-escolar. Portanto, não constitui uma novidade, não constitui uma fatia da paixão do universo governamental do Partido Socialista. Efectivamente, o poder local, como o Sr. Deputado sabe, está permanentemente a assumir as fatias que ao poder central se chamam demissão.
Quanto ao investimento nos recursos humanos, à abolição da candidatura e ao 8.º escalão, eram nem mais nem menos as questões de grande injustiça que os professores, há anos e anos, pediam para ser resolvidas. E nessa área, por enquanto, ainda não temos a paixão questionada. Por enquanto! Mas, efectivamente, Srs. Deputados, não vimos ainda nada concretizado.
Vozes do PS: - Ah!
A Oradora: - Ainda vimos nada concretizado, Srs. Deputados!
Vozes do PS: - Vote o Orçamento!
A Oradora:- Os professores ainda não viram nada concretizado! É bom que se diga. Nada! Nem o términos da candidatura...
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que façam silêncio para que a Sr.ª Deputada se possa fazer ouvir.
A Oradora: - Neste momento, mais uma vez, os professores ainda não viram nada concretizado! Nada concretizado! São só promessas! As tais que se diluem progressivamente desde o «Contrato de legislatura» até este Orçamento e às Grandes Opções do Plano! As tais que têm um carácter cada vez mais abstracto e generalista! As tais que ainda não se concretizaram!
Há, pois, determinadas promessas que já foram totalmente questionadas, totalmente derrotadas, como, por exemplo, aquelas que aqui referimos, ou seja, a valorização do ensino privado, ou a desgraça daquilo que é já a tragédia do acesso ao ensino superior. Portanto, já há fatias de paixão que estão definitivamente anuladas, diluídas das vossas actividades políticas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: As propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado estão em discussão e, no fundo, com elas, os instrumentos que mostrarão, afinal, «preto no branco», as escolhas, a natureza das prioridades, a filosofia das opções, as verdadeiras políticas e a própria cultura política de que este Governo, que se reivindicou de mudança, é, afinal, capaz.
E se as opções globais são sempre importantes de analisar de modo integrado, no seu conjunto, são-no também na sua expressão sectorial, e, por razões acrescidas, quando se trata de ambiente: desde logo, pela sua natureza transversal, como resultante que é da soma e do diálogo das políticas sectoriais, seja a agrícola, a florestal, a indústria, a energia, os transportes, o património, o ordenamento do território, o urbanístico, ou a
educação, depois, pela sua própria natureza, como condição de componente que é indissociável do
desenvolvimento, pela sua indispensabilidade em qualquer projecto que se reclame de
futuro, pelo desafio cultural e civilizacional implícito; e, além do mais, pelo prosaico facto, que ninguém ousa contestar, que é o fracasso das políticas de ambiente - o que, aliás, as múltiplas mudanças de responsáveis pelo sector do anterior Executivo claramente testemunharam - o que contribuiu não só, visivelmente, para o agravamento da crise ecológica, para a desumanização do quotidiano, para a degradação da qualidade de vida dos portugueses, como, em larga medida, para a penalização que, em 1 de Outubro, justamente ao PSD decidiram manifestar.
Estes são dados que, só por si, o novo Governo e o Partido Socialista - julgávamos - não deixariam de reter e interpretar na sua leitura. Aos cidadãos e aos mais diversos sectores da sociedade já não bastam meras declarações de intenção, enunciado de princípios, vagas generalidades. O grau de exigência aumentou. São, pois, dados que era suposto o novo Orçamento e as Grandes Opções do Plano terem retido e incorporado.
E, com efeito, não só qualquer das razões alvo de crítica constante de Os Verdes neste Parlamento, na anterior legislatura, que o então o porta-voz do PS, hoje nosso colega e membro deste Governo, secundarizava, no momento se repetem, como é impossível descortinar neste Orçamento o tom empolgante das promessas, perante a nudez fria dos números e a pobreza de propostas, incapazes de visualizar meios para concretizar aquilo que se designava como um imperativo ecológico e um estimulante desafio para a sociedade portuguesa. Tão-pouco é possível enxergar indícios de elevação de padrões de qualidade ambiental ou buscar sinónimos de uma exigência política que se considerava, subscrevendo então a nossa opinião, ser prioritária para modernizar o país e proporcionar a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
É perante isto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que se perguntará hoje, quando os números e as opções falam mais alto do que qualquer outra coisa: onde encontrar a saída, a resposta, para as críticas que então se faziam? Acaso, perguntar-se-á: têm o ambiente urbano como uma prioridade, que assim deveria ser considerada pela degradação, pelo caos, que se vive nas áreas metropolitanas e pela concentração de cidadãos que, nesta zona, se encontram? Têm uma expressão diferente? Não vemos. O ambiente urbano tem hoje, e tão-só, as tradicionais propostas que o anterior Governo, no essencial, já tinha, e as medidas de fundo, capazes de gerar modificações, estão ausentes.
A política de transportes, como uma questão essencial e um instrumento para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos - reduzir a poluição, diminuir o caos, reduzir o número de horas que as pessoas levam a deslocar-se e que
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perdem em transportes -, não se vê traduzida em melhorias significativas.
Os grandes projectos que na altura se consideravam urgentes e prioritários, designadamente nas zonas envolventes e nos concelhos periféricos, não têm expressão orçamental. Por exemplo, o alargamento da rede do metropolitano até Odivelas, que se dizia ser a prioridade das prioridades - para o que um membro do actual Governo, com grande graça, chamava a atenção na rua, dizendo ser uma prioridade -, não tem expressão orçamental, apesar de o PS, enquanto oposição, o ter reclamado. Mas se esta é uma expressão que não existe em termos de um projecto concreto, também não existe em termos genéricos para outras opções.
Aquilo de que se fala é em favorecer o transporte público, não em melhorar a sua qualidade, não em concretizá-lo, mas tão-só aproximar as tarifas do custo real. Não vemos como é que numa área metropolitana, onde 80% da mobilidade se faz em transporte privado, pode ser diferentemente gerida.
Mas se este é um aspecto peculiar, que se reflecte nas áreas metropolitanas, as próprias políticas florestal e de desenvolvimento agrícola, como condições essenciais para garantir um desenvolvimento sustentado, para travar e reduzir as assimetrias regionais, também não vemos que encontrem nas Opções e neste Orçamento uma diferente concepção e uma diferente forma de ser entendida. Com efeito, não só se mantêm as velhas propostas de redução da actividade agrícola, de pagar para não produzir, como a floresta é entendida não nos seus usos múltiplos, não como um garante da biodiversidade, mas tão-só - e lê-se com preocupação - em termos competitivos do mercado internacional, que outra coisa, no nosso país, não foi se não o «petróleo verde», ou seja, a falência da eucaliptização num país, onde, hoje, 30% da erosão se reflecte no território nacional.
E se esta é também uma questão preocupante, já que dela resulta ou não melhoria, em termos globais, para o ambiente, a política dos resíduos, que também hoje aqui foi trazida, em nossa opinião não vê neste Orçamento qualquer arrojo, qualquer dinâmica, qualquer mudança.
Com efeito, 50 000 contos para minimizar os efeitos em 31 lixeiras não é para nós, Os Verdes, uma medida nova, uma medida estruturante, uma medida inovadora, capaz de reduzir aquilo que é uma questão-chave das sociedades actuais, que obriga a novas políticas fiscais, a uma política diferente em termos do apoio à reutilização, à redução, à reciclagem, que obriga a apoios aos mercados, a um envolvimento totalmente diferente, que manifestamente estão ausentes e que se não compadecem com vagas declarações de princípio.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este Orçamento, pelas suas escolhas, prioridades e dotações orçamentais, que tantas vezes no passado, à sua semelhança, criticámos - ontem tivemos oportunidade, no documento que distribuímos por todas as bancadas e à imprensa, de o provar -, é tão-só a transposição e a continuidade de propostas falidas, que mostraram não ser capazes de equacionar os problemas das sociedades actuais. Este Orçamento, que em termos de política de ambiente continua a prever os mesmíssimos 16 milhões de contos, em nossa opinião, não vai, seguramente, ser capaz de interpretar o desejo de mudança expressa pelos eleitores e de resolver os problemas da sociedade actual.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.
O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: O Orçamento do Estado para 1996, cuja discussão aqui nos reúne, é um bom Orçamento, ainda que no quadro de limitações e de constrangimentos vários na actualidade da nossa economia.
É um bom Orçamento porque não contradiz os compromissos assumidos pelo País relativamente à União Europeia.
É um bom Orçamento, porque contempla uma nova orientação no relacionamento com os parceiros sociais, confirmada pelo sucesso do recente acordo de concentração social, merecendo por isso, de algum modo, o apoio dos trabalhadores portugueses...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ..., além de permitir que as organizações sindicais e patronais passem a trabalhar em conjunto com vista à melhoria da competitividade das nossas empresas, que é a base mais sólida para a criação de mais empregos.
É um bom Orçamento que se esforça por reduzir as despesas correntes, nomeadamente os gastos supérfluos da Administração Pública, a fim de privilegiar o investimento, já não apenas no betão e nas infra-estruturas físicas, como no passado recente, mas principalmente porque investe no mais precioso recurso da Nação - as portuguesas e os portugueses.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É um bom Orçamento porque tem, de forma inequívoca, o apoio da generalidade dos agentes económicos, dos empresários e das associações empresariais, constituindo, por isso mesmo, um razoável instrumento de orientação estratégica, criador da confiança necessária para o investimento privado.
É um bom Orçamento pela concordância expressa de analistas credenciados, muitos deles particularmente críticos das tradicionais deficiências do nosso sistema económico, fiscal e administrativo. Analistas que, pelo menos desta vez, têm feito referências muito positivas ao Orçamento do Estado para 1996.
É um bom Orçamento, finalmente, porque o maior partido da oposição, ainda que numa fase de contestação generalizada, não produziu até ao momento quaisquer críticas substantivas, limitando-se a mostrar indecisão sobre se o Orçamento é demasiado ambicioso, e, assim sendo, não é realizável (o que só se saberá ao certo daqui a um ano), ou se, pelo contrário, sofre de ambição escassa, ficando muitas obras por realizar.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Bem observado!
O Orador: - Em qualquer dos casos, o PSD terá sempre disponível uma longa lista de obras, prometidas ao longo dos últimos 10 anos por Cavaco Silva e pelos seus ministros, e por eles nunca realizadas, como bandeira incendiária da contestação. Sempre é alguma coisa! E o PSD sempre dependeu de muito barulho para se fazer ouvir!
Entretanto, é claro para todos que este Orçamento sofre de naturais limitações da conjuntura e de muitas fragilidades da nossa estrutura económica e social, algumas das quais agravadas nos últimos anos, como será bom não esquecer. Dou alguns exemplos: a dificuldade de a econo-
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mia portuguesa se adaptar com sucesso às novas condições internacionais, resultantes, nomeadamente, da nossa participação na União Europeia e no Mercado Único e da concorrência globalizada com quase todos os países do mundo - não apenas na exportação, mas também, e talvez principalmente, no interior do nosso próprio mercado; o facto de as políticas económicas seguidas nos últimos anos terem negligenciado o sector produtivo, com o resultado das empresas se encontrarem hoje, no essencial, descapitalizadas e com grande dificuldade para investir e criar emprego. Situação esta muitíssimo agravada por o Governo do PSD ter permitido uma crescente indisciplina empresarial, por duas vias distintas: do lado das receitas, a via da subsídio-dependência dos fundos comunitários e, do lado das despesas, a via da fuga generalizada aos pagamentos ao Estado por parte das empresas, com uma enorme acumulação de dívidas à segurança social e ao fisco, com a consequência lastimável de o Estado se ter transformado no credor privilegiado de muitos milhares de empresas em dificuldade, à margem do sistema bancário, com custos acrescidos no Orçamento do Estado, contribuindo para que o sistema financeiro se encontre hoje totalmente impreparado para enfrentar a reestruturação de empresas ou de sectores, como forma de recuperação, total ou parcial, do crédito mal parado, como é normal em todos os países.
Na prática, os Governos do PSD nacionalizaram mais empresas do que privatizaram, na medida em que as tornaram dependentes da caridade do Estado, deixando, neste domínio, uma terrível herança ao Partido Socialista e ao País. Herança negativa também no grande número de empresas públicas ainda por privatizar, muitas das quais pesam, com os seus prejuízos, neste Orçamento, com o prejuízo adicional de um longuíssimo período de indecisão estratégica com custos no emprego e na competitividade da nossa economia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como referi, são muitas as limitações e os constrangimentos da nossa vida económica que se vêm reflectir no Orçamento do Estado e nas Grandes Opções do Plano. Constrangimentos que, estou certo, o Governo do PS e da nova maioria não deixará de atacar durante os quatro anos de legislatura e não apenas na vigência deste Orçamento, como as oposições têm tentado fazer crer.
Assim sendo, é relativamente a esse quadro de legislatura que gostaria agora de vos falar, ultrapassando o relativismo do momento, e começo pelas Grandes Opções do Plano, que não atacam, do meu ponto de vista, os inconvenientes de dois síndromas contraditórios:
O primeiro resulta da crise em que caiu, pela mão do PSD, o conceito de planeamento, mais por razões ideológicas e por preguiça intelectual do que pela análise rigorosa das suas vantagens e inconvenientes. Por mim, tenho a convicção profunda do prejuízo que para o País representa a não existência de um plano de médio prazo, como factor essencial da coerência estratégica do Estado e como instrumento, necessariamente flexível, da optimização dos investimentos, de encurtamento do tempo de execução dos projectos e da redução dos custos.
Basta ver o exemplo das auto-estradas, que continuam a ter uma baixa utilização por falta de acessos, não planeados e deixados ao deus-dará, com o resultado óbvio de menores ingressos para a BRISA, ou os muitos troços de estrada, sem ligação coerente e sem prioridades, construídos para satisfazer a pressão política local, mas sem objectivos económicos claros, ou as obras portuárias, desligadas de qualquer política moderna de transportes. Para já não falar da questão dos centros de abate, dos centros tecnológicos, das sedes associativas, dos centros de exposição, dos centros abastecedores, dos hospitais e das escolas, onde nem sempre é claro quando fazem falta e são urgentes ou quando são obras de utilidade mais do que duvidosa, vista a questão não apenas de hoje, mas daqui a cinco ou 10 anos.
São muitos milhões de contos gastos sem qualquer plano global coerente e as mais das vezes ao sabor dos interesses políticos do momento.
A segunda questão que tem a ver com as Grandes Opções do Plano deve-se ao facto de estas não serem substituto para uma necessária definição estratégica, na medida em que, pela sua extensão e pormenorização, tornam menos inteligível e objectiva a estratégia, que, por definição, deveria ser expressa de forma simples e clara.
Por isso, tenho como certo que necessitamos dessa clareza e dessa simplicidade estratégica como de pão para a boca; por isso defendo que as Grandes Opções do Plano contenham, numa simples página, uma desejável e necessária síntese estratégica, que constitua uma via focalizadora dos grandes desígnios nacionais, que possa polarizar a imaginação e a iniciativa dos agentes económicos e dos portugueses em geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falando de estratégia, o mais presente elemento estratégico do Orçamento do Estado para 1996, aliás na continuidade dos orçamentos anteriores, é o objectivo de aproximação da nossa economia e do nível de vida dos portugueses aos países mais avançados da União Europeia. Objectivo estratégico que, para o PSD, foi mais fácil de definir do que de realizar. Mas, em qualquer caso, é um objectivo estratégico claro, que o Partido Socialista assume, consciente de que para tal é necessário mais inovação e menos conformismo do que no passado. Não se vê como será possível atingir esse objectivo ou como será possível melhorar a competitividade relativa das nossas empresas no espaço europeu se continuarmos a fazer e a repetir tudo aquilo que os europeus têm feito ao longo do tempo e fazendo-o 10 ou 20 anos depois. Temos consciência de que essa tão desejada aproximação à Europa não pode passar pelo objectivo de produzir os mesmos produtos, usar as mesmas tecnologias, utilizar os mesmos transportes, levar à prática os mesmos conceitos e as mesmas formas de organização, de comercialização e de distribuição, como o Governo do PSD pareceu acreditar, tendo o Estado os mesmos objectivos e as mesmas formas de os negociar, quando todos sabemos que no mundo moderno a única coisa certa é a mudança, quando os clientes de todos os tipos de produtos ou de serviços, aspiram crescentemente a ser surpreendidos pela qualidade, pela estética, pela performance e pelo preço daquilo que compram, em resumo, quando em todo o mundo se aspira à diferença e se rejeita o conformismo.
É por força desta realidade que acredito que a nossa aproximação à Europa terá de realizar-se de forma diferente do passado. É neste contexto de mudança que Portugal tem de desenhar a sua aproximação à Europa, o que passa por uma estratégia clara de modernização, de inovação e de diferença não só do nosso estádio actual de desenvolvimento mas também em relação à própria Europa. A única vantagem competitiva resultante do nosso atraso é a nossa maior flexibilidade para mudar, na justa medida em que, não tendo investimentos realizados em muitas das técnicas e soluções do nosso tempo, podemos mais facilmente investir nas técnicas e nas soluções do futuro.
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Como disse Michael Porter, tendo Portugal perdido a batalha da competitividade do século XX não a podemos voltar a perder no século XXI. E em nenhum lugar ou situação esta necessidade é mais visível do que nas nossas
relações com a União Europeia, evitando os perigos daquilo que, nas Grandes Opções do Plano para 1996, é definido como a questão principal que se coloca a Portugal nesta viragem para o século XXI: «vencer o risco de periferização política, económica e social». E para vencer este risco de periferização, que é real, não podemos passar o tempo, como fez o PSD, a negociar em Bruxelas a conjuntura, onde os nossos concorrentes, comerciais ou políticos, têm vantagens esmagadoras.
A periferização evita-se com ideias próprias, com alguma capacidade para inovar e antecipando as transformações necessárias.
Por exemplo, não podemos concorrer com sucesso no sector das pescas, aceitando os critérios e os métodos de pesca intensivos que beneficiam as grandes frotas pesqueiras instaladas, quando já é evidente que tais métodos
conduzem à extinção das espécies e à redução progressiva das capturas; quando já é evidente a vantagem de defender uma pesca selectiva, com períodos de defeso,
privilegiando a estratégia típica de um produto escasso, com uma marca e uma distribuição especializada, em vez da produção em quantidade, que, como sabemos, não vai ser possível ter no futuro.
Da mesma forma que não podemos vencer a nossa periferia geográfica, com o correspondente acréscimo nos custos, sem transportes inovadores, como poderá ser o transporte de mercadorias por camião, por via férrea ou através de barcos de alta velocidade, como pretendem os japoneses.
E já agora, falando do Japão, é óbvio que teremos toda a vantagem em privilegiar a ligação dos nossos trabalhadores universitários e investigadores com o Japão e os Estados-Unidos, principalmente em áreas onde estes países detêm vantagens competitivas, porque essa é a forma de podermos constituir em Portugal alguns centros de excelência europeia.
Em resumo, continuemos a ser europeus e a defender o projecto da União Europeia, mas procurando ser também diferentes, porque, neste final do século XX, a melhoria da nossa competitividade e a criação de emprego estável
passa por estas questões.
Para Portugal, a alternativa estratégica está na inovação e na procura da diferença, no sentido de transformar os atrasos e os pontos negativos do nosso desenvolvimento em oportunidades de mudança. Goste-se ou não, a sobrevivência, no mercado global, dos produtos como das ideias não é compatível com a passividade e o conformismo.
Este Orçamento do Estado para 1996 é apenas o começo desta caminhada não conformista em que acreditamos e que tem ideias e pessoas dentro. Caminhada que se iniciou com os Estados-Gerais para uma Nova Maioria, que foi vertida no Programa do Governo PS e que aqui, agora queremos continuar com o apoio daqueles que nos elegeram.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.
O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Henrique Neto, na sua intervenção afirmou que este é, de facto, um bom Orçamento, pelo que lhe pergunto:
pode considerar-se um bom Orçamento aquele que implementa os métodos indiciários que o Presidente do Tribunal de Contas afirma ser uma prática marxista-leninista? Pode afirmar-se que este é um bom Orçamento quando as despesas sociais crescem menos do que em 1995? Pode afirmar-se que este é um bom Orçamento quando a componente financiamento nacional diminui em relação a 1995? Pode afirmar-se que este é um bom Orçamento quando a dívida pública tem a mesma proporção que teve em 1995, e os senhores afirmam que vão privatizar 75%, que vão afectar à diminuição da dívida pública 75% das privatizações?
Por outro lado, afirmou também que os investimentos foram feitos de forma desgarrada. Pergunto: quais são os investimentos que V. Ex.ª considera que não deviam ter sido feitos em escolas e em estradas?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.
O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carvalho Martins, como era previsível, eu virei à direita e o Sr. Deputado à esquerda, ou vice-versa.
Risos do PSD.
É evidente que àquilo que eu disse o Sr. Deputado nada disse, e, do meu ponto de vista, eu disse o essencial! É evidente que os métodos indiciários estão a causar grandes preocupações na sua bancada.
VV. Ex.as lá saberão porquê.
Estou certo de que na bancada do Partido Socialista se encara esta questão com muito mais calma, com muito menos preocupação, porque estamos certos de que é uma necessidade essencial do Estado cobrar os impostos que ao Estado são devidos, para, principalmente, evitar a injustiça fiscal, que é reconhecida por todas as bancadas, para o que, infelizmente, nenhuma bancada até ao momento deu solução ou apresentou proposta concreta, muito menos o partido de V. Ex.ª que esteve no poder 10 anos.
Relativamente à questão da quantificação do Orçamento, como várias vezes já aqui foi dito, V. EX.ª não tem razão. As despesas não aumentam, e principalmente não aumentam na mesma proporção que VV. Ex.ª têm dito, porque a despesa com a educação, num conceito moderno de Orçamento, não é uma despesa mas, sim, um investimento e, provavelmente, como já aqui disse ontem, o mais importante investimento que podemos fazer. Cada vez que se paga a um professor, VV.
Ex.as pensam que se trata de uma despesa corrente desnecessária, logo, um desperdício. Para nós representa um investimento não só no presente como no futuro.
Finalmente, claro que V. Ex.ª gostaria que me referisse a um conjunto de obras supérfluas quando é evidente que elas não o poderão ser para as populações que vivem nas localidades onde foram realizadas. Mas essa não é a questão essencial. O que importa saber é se há ou houve uma estratégia de desenvolvimento e se as obras foram feitas de acordo com algum plano.
Dou-lhe um exemplo, Sr. Deputado. A A1 de Lisboa ao Porto (ou, se quiser, de Setúbal a Braga) atravessa o meu distrito há mais de meia dúzia de anos. Qualquer auto-estrada é um produto caríssimo, que, como V. Ex.ª compreenderá, deveria ser rentabilizado rapidamente. Para que esse produto possa ser usado, é preciso que os utentes lhe
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acedam rapidamente. Ora, no meu distrito, nenhuma sede de concelho está ligada a essa auto-estrada - é o caso de Leiria, de Pombal, de Alcobaça, da Nazaré, das Caldas, de Peniche, do Bombarral. Tudo isto para dizer que este investimento, que custou milhões e milhões de contos ao Estado, ao País e aos contribuintes não tem utilidade real e podia ser melhor rentabilizado, o que se deve ao facto de não ter existido um plano sério, competente e bem realizado da parte do Governo de V. Ex.ª.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro das Finanças, é meu privilégio anunciar que assistem aos nossos trabalhos um grupo de 90 alunos da Escola de Comércio de Lisboa, um grupo de 30 alunos da Escola Secundária de Santa Maria Maior, de Viana do Castelo, um grupo de 25 alunos da Escola Secundária Vitorino Nemésio, de Lisboa, um grupo de 19 alunos da Escola Secundária dos Casquilhos, do Barreiro e um grupo de nove alunos do Externato Brinqueduca, de Forte da Casa.
Felicitemo-los pela curiosidade e interesse que denotam pela instituição parlamentar.
Aplausos gerais, de pé.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou apresentar o Orçamento que muitos disseram ser impossível e que aqui está.
Aplausos do PS.
Impossível, porque iria dividir o Governo e, afinal, trata-se do verdadeiro Orçamento do Governo, fruto de um trabalho de equipa e de um compromisso global. Não é um Orçamento financista, mas é um Orçamento político da equipa do Governo.
Aplausos do PS.
Impossível, porque anunciaram uma brutal austeridade e um aumento de impostos mas, afinal, não há aumento de impostos, mas apenas a necessária disciplina e rigor ao serviço da consciência social, a qual é imprescindível neste nosso país com tanta pobreza, injustiça, desigualdade e exclusão, agravadas nos últimos anos, e que, por isso mesmo, constituem contra-valores a combater.
Impossível, porque, diziam, ia travar o desenvolvimento para impor a estabilização, mas afinal é um Orçamento de investimento como nunca o foram os dos anos anteriores.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Impossível, porque, diziam ainda, não iria conseguir ultrapassar as dificuldades de uma herança de desequilíbrios, dívidas, atrasos de pagamentos e falta de transparência, de gestão casuística e sem estratégia, de destruição da estrutura de planeamento e da estratégia de médio prazo, como há pouco lembrou o Sr. Deputado Henrique Neto. Afinal, apenas nestes quatro meses, a partir do Programa do Governo, foi possível, como ontem disse o Sr. Primeiro-Ministro, iniciar, à falta dessa estrutura e desse sistema de planeamento, um processo amplíssimo de negociação e de concertação social de definição de objectivos para este ano e no médio prazo que conduziu à negociação do acordo da função pública e do acordo de concertação social de curto prazo em Janeiro, às propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado e ao programa de privatizações em Fevereiro. Este conjunto de instrumentos constitui um quadro global de políticas económicas coerentes para um ano difícil e uma legislatura que desejamos de mudança serena e firme, combinando autoridade democrática, diálogo, descentralização e participação através de reformas profundas na sociedade portuguesa. É esse o caminho do desenvolvimento em liberdade e solidariedade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aconteceu então o tal Orçamento «impossível». Ele aí está! Como é? O Sr. Primeiro-Ministro já apresentou a política que traça, pelo que farei apenas alguns sublinhados.
É uma política, em termos, gerais, realista para o Portugal de 1996, para o desenvolvimento, a expansão e o emprego. Não é uma política excessivamente optimista nem derrotista; é uma política determinada para enfrentar as dificuldades da presente conjuntura com realismo e determinação.
Aplausos do PS.
Sabe-se que vivemos neste momento, em Portugal e na Europa, muito particularmente, uma conjuntura de incerteza, de abrandamento e de dificuldade. Se bem que no mundo haja áreas onde a expansão e o crescimento são fortes, aqui há sinais de perturbação e até, em muitos países, de abrandamento, embora se não possa falar de recessão e muito menos de depressão ou estagnação.
Também no ano passado o sentimos em Portugal: pela quarta vez consecutiva, o PIB cresceu menos do que a média comunitária (2,5% em Portugal, 2,7% na média comunitária) - atrasámo-nos mais em relação ao conjunto dos nossos parceiros. Sentimos o abrandamento a partir do segundo trimestre, sentimo-lo fortemente no terceiro trimestre e só no quarto trimestre começou a haver alguns sinais de recuperação que foram continuados nos meses de Janeiro é Fevereiro: melhoria do índice de confiança dos consumidores; recuperação das taxas de crescimento do comércio externo; descida acentuada da taxa de inflação com o mínimo histórico dos últimos 30 anos da taxa homóloga em Janeiro (2,5%) e perspectivas de maior descida ainda da taxa homóloga em Fevereiro;...
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Essa é uma má herança?!
O Orador: - ... descidas muito significativas da taxa de juro que já se operaram nestes meses, o que naturalmente tem a ver com uma política que é a da União Europeia e que Portugal não poderia esperar, mas com a confiança gerada nos mercados por este Governo durante os meses em que tem governado.
A taxa de desemprego aumentou também em 1994 para 7,2% relativamente a 6,8% no ano anterior e o desemprego de longa duração, que representava, em 1994, 34,2% do total, subiu, em 1995, para 39,3%. Há uma tendência preocupaste no domínio do desemprego que vem do ano passado.
As perspectivas para 1996 são marcadas, pois, pelas indefinição e desaceleração da economia portuguesa ocorri
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das em 1995. Estamos claramente confrontados com este estado de coisas bem como, porque esse movimento resultou de incertezas internas mas igualmente da situação de alguns países da União
Europeia, com um momento de relativo abrandamento não partilhado por igual mas centrado nas economias da Alemanha e da França. Este relativo abrandamento está a ser objecto de políticas económicas de ajustamento, tanto em França, onde foi aprovado o acordo de confiança no mês de Fevereiro, como na Alemanha, com o acordo para o emprego e o programa de emprego de Fevereiro, que não são ainda - e esperemos que nunca o venham a ser - generalizados a toda a União Europeia. Em países como a Itália, a Espanha e o Reino Unido mantém-se uma expansão mais forte e, por isso mesmo, pode continuar a dizer-se, como ainda agora, em 26 de Fevereiro, o Comité de Política Económica da União Europeia unanimemente afirmou, que não há recessão nem é necessário, salvo nos países que tinham sido demasiado optimistas nas suas previsões do final do ano passado, fazer revisões em baixa.
Apostamos, pois, neste momento, em algo que é muito claro. Sabemos que há uma indefinição da economia europeia. Não dizemos que Portugal é um oásis no deserto europeu.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sabemos que estamos melhor do que muitos mas que estamos inseridos, através de uma relação forte de intercâmbio com os países da União Europeia, nesse bloco e que sofremos o destino da economia europeia.
Não dizemos que somos um oásis no deserto nem que a retoma acelerada está na próxima esquina. Conhecemos as dificuldades e vamos, com determinação, fazer-lhes frente, recuperando o consumo privado através de uma política de aumento dos salários reais e de estímulo a esse consumo que vem claramente da concertação social e que se continua nos acordos salariais da função pública, nas descidas de impostos, em tudo o que é política relativa ao consumo privado deste Orçamento.
Apostamos, em particular, na consolidação das incertezas das expectativas para criar condições de melhoria do índice de confiança e melhorar a motivação do investimento privado. Apostamos decisivamente no investimento público, indutor e motivador, também ele, do investimento privado. Apostamos, por essa via, em contrariar a tendência para o desemprego que neste momento existe na Europa e que vem do ano passado.
Neste sentido, pois, o Orçamento reconhece realisticamente as dificuldades em que as economias portuguesa e europeia vivem neste momento, mas ao fixar uma taxa de crescimento do PIB de 2,75% em termos reais, desceu 0,375% relativamente às previsões de Outubro da Comissão, que eram de 3,1% para Portugal. Seria, pois, prematuro, neste momento, proceder a novos ajustamentos, visto que já os fizemos no devido tempo e estão incorporados neste Orçamento, que é um instrumento realista para promover a expansão e o emprego.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Qual a estratégia por que optamos? Desde logo, o primeiro ponto é viabilizar a passagem do Orçamento. E necessário que ele seja claramente aprovado pois, em termos de convicção da opinião pública, dos agentes económicos internos e externos da sociedade civil e dos mercados, ele está já credibilizado pela estratégia que revela e pelo realismo e segurança das suas premissas. É necessário também que ele represente a expressão prática da legitimidade deste Governo de legislatura. O regime democrático precisa de funcionar com eficácia para se consolidar e trazer bem-estar aos cidadãos.
Aplausos do PS.
É necessária, depois - e nisso nos comprometemos e empenhamos -, uma execução inteiramente realista, tal como a sua concepção o é, e a utilização de margens de manobra que existem para adaptação às incertezas da conjuntura. Cremos que este Orçamento vai ser um instrumento poderoso de promoção do investimento, da expansão e do emprego mas não ignoramos o contexto, quer da tendência da economia portuguesa em 1995, quer da tendência de algumas economias liderantes do espaço europeu, como a França e a Alemanha, em 1996. Não escondemos as dificuldades, vamos para elas determinadamente e esperamos que o povo português tenha a consciência clara, como já têm os agentes económicos, os mercados, os trabalhadores, a sociedade civil, de que este é o único caminho possível, o caminho do seu bem-estar, da justiça, da liberdade e da solidariedade.
Aplausos do PS.
A política definida foi já aqui fundamentada e explicada pelo Sr. Primeiro-Ministro. Seria ocioso para mim repetir o que ele disse. Recordo apenas que a estratégia assenta na redução do défice do sector público administrativo para 4,2%, na redução das necessidades líquidas de financiamento, relativamente a 1995, em 171,5 milhões de contos, e contando com as receitas das privatizações e com uma gestão mais cuidadosa e cuidada da dívida pública, para além da redução do défice, num ligeiro decréscimo da dívida pública para 70,7%, que se consolidará em anos seguintes, em tendência de inversão dos aumentos de anos recentes. Ela aposta claramente no não agravamento de impostos, conseguido por uma previsão realista - crescimento de 7,7%, este ano, para 7,9% (mais 0,2% do que o ano passado) - e introduzindo as mudanças possíveis: aumento ligeiro da tributação directa relativamente à indirecta, aumento do rendimento disponível após imposto, para além do aumento do rendimento disponível que resulta de não haver aumento dos impostos, imputável, certamente, por analogia com os cinco, seis anos anteriores, a mais 0,5% de rendimento real dos trabalhadores.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Há ainda a acrescer, nos escalões mais baixos do IRS, aumentos de rendimento disponível que são progressivos: são claramente maiores para os mais desfavorecidos, claramente menores para os mais ricos.
Esta estratégia aponta para a contenção relativa possível da despesa corrente do sector público administrativo. Não é uma estratégia despesista, mas é uma estratégia realista. A despesa corrente. do sector público administrativo cresceu 9,3% em 1995, cresce em 1996 apenas 7,7%.
É verdade que apenas a despesa do Estado tem um crescimento mais forte mas isso resulta, essencialmente, dos gastos com pessoal. Travámos a tendência dos últimos quatro anos para o decréscimo dos salários reais da função pública, revalorizando salarialmente esta última, pela primeira vez desde 1991. Apostámos decididamente no re
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forço da comparticipação para pensões na Caixa Geral de Aposentações e no aumento das transferências da segurança social - aí o despesismo. Apostámos no acréscimo real dos benefícios da segurança social, criando condições para uma reestruturação negociada da função pública. Além disso, no que se refere ao já conhecido privilégio da despesa social relativamente às despesas puramente políticas e mesmo relativamente a algumas despesas de investimento puramente material, recordaria duas coisas. Como já foi dito aqui, é hoje cada vez mais claro que o investimento no homem é o primeiro dos investimentos...
Aplausos do PS.
... e que, muitas vezes, o decréscimo de algum investimento nas coisas materiais significa investimento a prazo na qualidade da população portuguesa. Por outro lado, claramente também apostámos em que a primeira prioridade deste Orçamento fosse a satisfação das necessidades sociais impostas pela solidariedade e pela justiça e que a segunda fosse o aumento do investimento em sentido estrito.
O tal despesismo do Orçamento do Estado representa, na realidade, uma coisa. E permitam-me que cite Cervantes, no Dom Quixote: «Não sejas sempre rigoroso nem sempre brando, escolhe o meio termo entre esses dois extremos que nisso está o bom senso ou a discrição.» Nós fomos rigorosos a restringir as despesas de funcionamento, as despesas com coisas, mas fomos sensatamente brandos nas despesas com a valorização do homem e com a melhoria das condições de vida dos portugueses.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esse é o único limite a um conceito cego de rigor. Por outro lado, significa a expressão orçamental da velha frase sergiana: «Apostámos nas pedras vivas que são os homens, não nas pedras mortas que são as coisas». Esta é a opção fundamental deste Orçamento!
Aplausos do PS.
O tal despesismo corrente está aí, não está noutra coisa.
Mais estranho ainda é que façam a crítica quanto ao despesismo do investimento. Chegam, por vezes, os mesmos a defender mais investimento, dizendo que ele não chega para uma política de expansão, crescimento e emprego e menos investimento porque seria despesista. Afinal, em que ficamos? Mais ou menos?
Na verdade, a opção do Orçamento é clara: mais investimento, menos despesa de funcionamento improdutiva, mas mais investimento com crescimentos que são claramente superiores aos dos anos anteriores. È verdade que a parcela interna do investimento do Plano cresce 5,2% mas os investimentos do Plano crescem no seu conjunto 10,8%; o conjunto do investimento do Orçamento cresce mais do que no Orçamento do ano anterior 12,2% e o conjunto dos investimentos públicos cresce à taxa de 31,6%. Quer isto dizer que, além da consciência social, há aqui uma consciência clara de que o emprego e a expansão vivem do investimento e de que, havendo incertezas quanto ao investimento privado que apostamos em motivar, o investimento público é sempre fundamental e, mais ainda, no momento em que se verificam essas incertezas quanto ao investimento privado.
Em suma, diria que este é um Orçamento em que o rigor está ao serviço não apenas da consciência social mas do aumento do nível da actividade económica e do aumento do emprego. É um Orçamento em que desenvolvimento na componente social e na componente económica são um fim; o rigor é apenas o meio - e o meio imprescindível.
Por outro lado, a ideia de rigor tem que ver ainda com outro aspecto em que têm sido feitas algumas críticas que já aqui ouvi. O Orçamento é jurídica e tecnicamente rigoroso, ao contrário de algumas observações que ouvi.
O Sr. João Carlos Silva (PS): - Muito bem!
O Orador: - Esta é uma crítica que não só não aceito como perdoem-me que o diga com toda a tolerância nem sequer admito. Neste Orçamento há, mais do que nos anteriores, maior transparência e maior rigor jurídico e contabilístico. Não podemos mudar o mundo de uma vez, o Orçamento também não.
Aplausos do PS.
Mas o que já fizemos nestes quatro meses, que é muito, é penhor do que faremos nestes quatro anos. Recordo apenas que, nestes quatro meses, demos cumprimento à linha fundamental do Programa do Governo de reforçar, no domínio financeiro, a legalidade e a regularidade, de reforçar o Estado democrático nas relações financeiras, o que tão pouco tem acontecido nestes últimos anos. Vou, pois, dar conta de algumas das coisas que fizemos.
Desde a reinstalação do Supremo Tribunal Administrativo e a preparação de uma reforma dos tribunais administrativos e fiscais, em colaboração com o Ministério da Justiça, até às muitas medidas de reforço de poderes do Tribunal de Contas - dois diplomas foram aprovados na Assembleia da República nesse sentido, um da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, outro sob proposta do Governo -, ao atendimento em curto prazo de mais de 10 recomendações do Provedor de Justiça que estavam paradas, pura e simplesmente, no Ministério das Finanças, três das quais estão vertidas em normas deste Orçamento.
No domínio da execução orçamental, recordo que herdámos a declaração do governo anterior, segundo o qual a Conta Geral do Estado, que deveria ter estado pronta em Dezembro passado, apenas estaria ultimada fora do prazo legal. Dizia-se então que seria em Março, mas logo se apurou que o mais cedo possível seria em Maio. Com a colaboração do próprio Tribunal de Contas, foi constituído um grupo de trabalho para apurar as causas desta situação e propor medidas para que se não repita no futuro, visto que estamos empenhados em que tal não aconteça.
Também com a colaboração do Tribunal de Contas, estamos a preparar, pela primeira vez, embora a primeira proposta do Tribunal date de 1988, o acesso do Tribunal de Contas ao banco de dados sobre a execução orçamental e a contabilidade pública, imprescindível para que o Tribunal e este Parlamento dêem cumprimento à fiscalização da execução orçamental nos termos do artigo 110.º da Constituição.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto revela empenho na busca da legalidade e da regularidade. Esse empenho traduz-se no Orçamento. Nele se procurou, com todas as limitações que resultam do tempo e da Administração habituada a anos de falta de rigor e de transparência, aumentar a especifica-
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ção da previsão orçamental que os últimos 10 anos reduziram sistematicamente, de ano para ano, com níveis maiores de transparência e de respeito pela decisão parlamentar. Procurou-se reduzir os «sacos azuis» orçamentais ou dotações globais não especificadas...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Passaram a «rosa»!
O Orador: - ... e começar a controlar ou eliminar as práticas de «sacos azuis» existentes na Administração. Trata-se de um longo caminho a exercer em 926 serviços com autonomias de tipos diversos, e que, tal como a regularização de múltiplas situações de recurso irregular a operações de tesouraria ou de dívida pública, não poderia concluir-se em quatro meses, mas começou-se e o nosso lema é, também neste domínio, fazer cumprir o Estado de direito democrático e corrigir o muito de errado que herdámos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É neste quadro que sublinho - e peço desculpa pelo carácter técnico daquilo que vou dizer a seguir; este deveria ser um discurso essencialmente político e procurarei que o seja, mas vou dar um exemplo - não ter qualquer fundamento a acusação irresponsável e gratuita de utilização de expedientes contabilísticos neste Orçamento para encobrir seja o que for. Chegou mesmo algum responsável a afirmar que a alteração de critérios conduziria a situações que não são reais.
Apresento apenas um caso que é, sim, de vontade de respeitar a legalidade e o rigor, ao invés do que aconteceu com governos anteriores: o seguro de crédito à exportação, a pagar à COSEC, foi, no Orçamento de 1995, inscrito como despesa no montante de 32 milhões de contos e; no de 1996, apenas se consagram 5 milhões de contos. Donde, concluem aqueles que ignoram esta matéria ou estão mal intencionados que a diferença iria à dívida pública nos termos do artigo 61.º da proposta de lei, pelo que o défice aumentaria. Não é verdade! Já adiante falarei desse artigo 61.º, que nunca se aplicaria a esta hipótese. Nunca! Mesmo que assim fosse, estes 27 milhões de contos não poderiam imputar-se ao défice esperado para 1996. O mais grave é que se, eventualmente, houvesse lugar a ter de registar esse montante como despesa pública, isso não afectaria o valor do défice visto que, de acordo com a posição expressa pelo Tribunal de Contas no parecer da Conta Geral do Estado de 1992, que o Ministério das Finanças, obviamente, cumprirá - e, agora, passou a cumprir! -, esse montante teria sempre de ser reclassificado como activo financeiro e em caso algum afectaria o valor do défice.
Foi a consideração desta posição do Tribunal de Contas, tendo em conta o rigor técnico que deve estar presente na elaboração das contas públicas e exigências da metodologia da contabilidade nacional, que implicou que a despesa de anos anteriores com os seguros de crédito à exportação da COSEC fosse reclassificada em activos financeiros. Daqui resultou uma melhoria dos défices em todos os anos em que houve esse tipo de despesa, pelo que o valor do défice de 1995 - o PSD que agradeça! beneficiou de uma redução de 32 milhões de contos, que não tem nada a ver com a boa gestão do passado mas apenas com a preocupação de regularidade deste Governo. E no Orçamento para 1996 essa reclassificação apenas tem influência no montante de 5 milhões de contos.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - E esta?!
Aplausos do PS.
O Orador: - Daqui resulta uma diferença positiva de cinco pontos percentuais em 1995, que não significa melhoria de execução mas melhoria da regularidade contabilística e que nada tem a ver com a excelência da previsão então feita mas com a correcção da execução que agora se fez. Não pode, pois, falar-se e este é apenas um exemplo - de artifícios de contabilização, deve falar-se, como nestes casos, de correcção e acatamento das decisões das instâncias próprias.
Aliás, quanto a artifícios, o Orçamento de 1995 tem casos muito interessantes, a exemplo do que já aconteceu em 1994, com uma inexplicável receita proveniente de um swop, que serviu para reduzir o défice de 1994, mas sem que ninguém percebesse de onde vinha.
No Orçamento do Estado para 1995, a fim de se favorecer o défice, retiraram-se operações de tesouraria e registou-se, em receita orçamental, um montante de mais-valias acumuladas no valor de 46 milhões de contos. E o mesmo se fez relativamente aos saldos de dois fundos de compensação de 28 milhões de contos. É, pois, extraordinário que quem tal fez venha agora acusar-nos de falta de transparência, quando corrigimos a falta de rigor do Orçamento para 1995!
Aplausos do PS.
Risos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.
Há quem ria quando devia chorar!
Risos e aplausos do PS.
Mais grave ainda é a referência feita à desorçamentação que estaria contida no artigo 61.º da proposta de lei do Orçamento. Permitam-me que fale da matéria de desorçamentação com algum à-vontade, pois este é um conceito que conheço bem. Fui eu, aliás, que o introduzi em Portugal - perdoar-me-ão que não diga há quantos anos!
Há casos de desorçamentação legal e legítima; outros que não serão justificáveis do ponto de vista dos princípios, mas que a lei permite, e ainda casos que são ilegais. Não pode, pois, dizer-se que todas as situações de desorçamentação são injustificadas ou ilegítimas e, muito menos, que todas elas são ilegais.
O artigo 61.º desta proposta de lei é rigorosamente idêntico, na sua lógica e nos seus termos, ao artigo 67.º da Lei do Orçamento para 1995, salvo quanto aos montantes e às situações concretamente descritas. Nele consagra-se, efectivamente, um caso de desorçamentação, só que legal. E, sublinho, tal como na Lei do Orçamento do Estado para 1995, desorçamentação exclusivamente autorizada para regularizar situações do passado. Não há aqui qualquer previsão de défice, mas apenas a regularização de situações do passado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nenhuma das situações aqui previstas, tal como no artigo 67.º do Orçamento para 1995, será gerada no decurso do Orçamento para 1996; terá sido gerada, sim, no Orçamento de 1995 ou antes!
Ao PSD, que foi quem fez esta crítica, recordaria que estes 230 milhões de contos previstos para a regularização de situações do passado, por assunção directa de
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dívida, correspondem a dívidas criadas na gerência dos seus Governos e não pagas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Tal como o foram as autorizações de mais de 250 milhões de contos, previstas no preceito semelhante da Lei do Orçamento para 1995.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os 480 milhões de contos agora previstos fazem parte daquilo que foi gasto e não pago pelos Governos do PSD!
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Era défice!
O Orador: - Como muitas outras verbas que herdámos.
Aplausos do PS.
Não acrescenta, pois, nem um centavo, quer aos recursos a utilizar por este Orçamento, quer à dívida ou ao défice que possa resultar da sua execução.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Chumbam todos!
O Orador: - Também o PCP fez esta crítica. Ora, queria recordar que, perante disposição exactamente idêntica a esta - a da proposta do Orçamento para 1995, a que já fiz referência -, fui ouvido na Comissão de Economia, Finanças e Plano, onde o PCP já sustentava que esta previsão iria contrariar a lei do Orçamento do Estado/e então expliquei claramente que, na minha opinião, este era um caso de desorçamentação legal e, por conseguinte, o que ali estava era legal, embora pudesse não representar a melhor prática financeira. Disse-o na reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano de 17 de Novembro de 1994. O que pensava ontem, continuo a pensar hoje.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Muito bem!
O Orador: - Este tipo de recurso para regularizar situações do passado que não criámos mas herdámos, e que queremos pôr em dia porque o Estado é pessoa de bem, é outra das críticas que nos fazem e que só significam, afinal, que temos razão.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, para concluir, no plano da legalidade e da regularidade, este é um Orçamento inatacável e as críticas que nos fazem, tanto nos casos que referi como noutros, são a melhor demonstração do rigor técnico, da busca de transparência e de legalidade, ao contrário do que aconteceu em gerências anteriores.
Aplausos do PS.
Por outro lado, se este é um Orçamento virado para o desenvolvimento, a expansão e a justiça, se este é um Orçamento que busca dar cumprimento à legalidade, à regularidade, à transparência e ao rigor técnico, também é, na preparação como no conteúdo, um Orçamento democrático e de diálogo.
Tal como o Sr. Primeiro-Ministro disse ontem, este é um Orçamento que assentou, na sua preparação, num amplíssimo processo de diálogo, envolvendo opinião pública dos agentes económicos e sociais, desde os trabalhadores às empresas e autarquias. Isso é democracia em acção.
Também aqui, no Parlamento, estamos abertos a um diálogo que não desvirtue o Orçamento. Entendemos este Orçamento como um instrumento ao serviço de Portugal e do povo português, que traduz, certamente, as nossas opções e compromissos, e por eles está marcado, mas que deve estar aberto a outras concepções, desde que a coerência dos objectivos, das prioridades e da estratégia que traçamos não seja subvertida.
Este não é um Orçamento de partido, é um Orçamento de Portugal!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Havia na oposição quem já soubesse que ia votar contra este Orçamento antes de o conhecer! Não admira que esses recusem, sem mais, dialogar sobre ele, dizendo hoje uma coisa e amanhã outra, hoje branco e amanhã preto, num misto de pormenores técnicos irrelevantes ou distorcidos, de pura maledicência e de oposição de terra queimada, sem alternativas nem argumentos de fundo para rebater. Não fazem oposição, esses, fazem «bota abaixo»!
Aplausos do PS.
Outros entendem que a recusa fechada e em bloco da proposta que apresentamos resultará por força de modelos ideológicos em que se isolam, excomungando uma proposta que apenas condenam, mas sem tentar sequer, através de propostas concretas, melhorá-la e propor alternativas. Também com esses não podemos ir muito longe no diálogo.
Mas o Governo dialoga e quer dialogar. E, claro, tem de dialogar com quem quer dialogar!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ah, mas existe o PP! Que felicidade!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Calma, porque há-de chegar a vossa vez!
O Orador: - As propostas apresentadas nesta discussão, sem exclusão, quer nos trabalhos das comissões, quer as que têm sido apresentadas ao Governo por interlocutores válidos da sociedade civil, permitem-nos fazer agora a seguinte apreciação das alterações que consideramos possíveis e que entendemos que não desvirtuarão uma proposta de orçamento que, em particular no domínio fiscal, foi deliberadamente contida e concisa, por entendermos que esse era um domínio de opções mais vastas, que o Orçamento apenas anunciaria com grande moderação.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ora aí está!.
O Orador: - Entendemos que é necessário reformular profundamente o sistema fiscal, que está em crise e, por vezes, à beira do colapso, mas que, para o fazer, o local apropriado não é a lei do Orçamento mas, sim, uma lei sobre o sistema fiscal que seja estável e duradoura. E nem é este o tempo próprio para isso.
Com efeito, anunciam-se tempos de revisão constitucional, e a constituição fiscal é importante para repensar o sistema.
Em Março ou Abril serão entregues e tornados públicos os trabalhos da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal e, no acordo de concentração social de cur-
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to prazo, ficou traçado o rumo de um amplo debate participado sobre o sistema fiscal, no, âmbito da concertação estratégica. Nisso nos empenharemos claramente.
É possível, contudo, anunciar, desde já, um conjunto de compromissos programáticos capaz de traçar orientações e concretizar valores, mediante a realização ponderada de estudos e de diálogo social e político.
Em nosso entender, do debate feito até agora resultam como objecto possível desses compromissos programáticos os seguintes: em primeiro lugar, em conformidade com o Programa do Governo, defendemos uma revisão do Código de Avaliações, associada a profunda reformulação do imposto de sisa, tendendo para a sua extinção; a reformulação do obsoleto imposto sobre as sucessões e as doações e da contribuição autárquica, com redução substancial das taxas e com adequadas garantias de justiça e modernização do sistema de tributação do património e de estabilidade das receitas das autarquias locais.
Em segundo lugar, entendemos desde já possível, em termos programáticos, a reformulação do Código do IRS em termos adequados a autonomizar e a apoiar as despesas de educação das famílias, em particular das famílias numerosas, e a reforçar a solidariedade familiar exercida para com os ascendentes a cargo da família e que vivam em comunhão familiar.
Entendemos também possível dar afirmação plena ao princípio do Estado de direito, da compensação de dívidas ao Estado com créditos sobre este, alargando gradualmente o actual regime legal e a sua aplicação, que se têm por excessivamente restritivos tais como são hoje.
Para além disso, encaramos favoravelmente a introdução no Orçamento do Estado para 1996 de propostas ou projectos de alteração, com os seguintes conteúdos, imediatamente perceptivos ou a executar por autorização legislativa quando a complexidade da matéria assim o impuser: introdução de um novo regime especial de IRS para os pescadores, baseado em critérios inspirados no dos mineiros; variação crescente das deduções ao IRS por dependentes em função do número de filhos, até ao máximo de quatro; consagração de taxas mais reduzidas de IVA nos Açores e na Madeira, no âmbito do compromisso deste Governo de viabilizar financeiramente as autonomias regionais, com respeito pelos critérios de rigor financeiro; abolição do imposto de selo sobre o crédito ao consumo, por se entender desrazoável o recurso repetido, como antes se tem feito, à respectiva suspensão, e, se neste momento julgar adequado apostar nesse estímulo adicional ao consumo privado, como forma de relançar a despesa interna para apoiar a expansão e o bem-estar das famílias, sem prejuízo de medidas compensatórias que estimulem a poupança e evitem os efeitos perversos deste tipo de medida; também a alteração das taxas do imposto sobre petróleos e do IVA sobre o gasóleo, fornecido às empresas transportadoras, compensando assim o custo da redução dos horários de trabalho e estimulando a modernização do sector - nada obsta a que, ademais, se reafirme aqui a intenção do Governo de não agravar, este ano, os preços do fuel; introdução de métodos mais seguros e rigorosos de fiscalização do gasóleo agrícola, cuja execução permita,, melhorar o respectivo nível de subsidiação sem agravamento dos custos fiscais; aplicação, perto do final do ano, da taxa de 12% do IVA a certos produtos de consumo familiar e de produção agrícola ou agro-industrial sujeitos à concorrência fiscalmente desfavorável de bens oriundos do estrangeiro na linha de uma proposta já apresentada pelo Governo - café, certas conservas de carne, conservas de frutos e hortícolas, flores de corte, plantas ornamentais e frutos secos;...
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - ...para estimular a poupança, aumento dos limites de dedução das contas de poupança-habitação e das contribuições para planos de poupança-reforma. Todas elas, repito, são medidas que não desvirtuam o Orçamento, permitindo, por normas perceptivas ou por autorizações legislativas, contribuir para a manutenção da sua lógica e não agravar, substancialmente, o nível do défice do sector público-administrativo.
Aplausos do PS.
Também tem sido muito discutida, aqui como na sociedade civil, a questão dos métodos indiciários, acerca da qual reafirmo a importância decisiva que o Governo atribui a este meio de luta contra a evasão e a fraude fiscais, prioridade das prioridades no domínio fiscal...
Aplausos do PS.
...,pois constituem a principal, antes de todas as outras, causa de injustiça fiscal no nosso país. Mas, precisamente porque o que está em causa é a moralização e a justiça dos nossos impostos, o Governo está aberto a que a lei do Orçamento clarifique que o recurso a tais métodos de determinação da matéria colectável ocorra sempre com respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... e utilize indicadores credíveis e objectivos apreciados, nomeadamente, em sede de concertação social.
Aplausos do PS.
Se assim for, e vier a ser aprovado, o Governo empenhar-se-á em criar todas as condições de efectividade para aplicação destes critérios, de que não é possível abdicar. Nas circunstâncias concretas em que vivemos são um instrumento indispensável para o combate à fraude e à invasão fiscais, mas não justificariam nunca que, por eles, se limitassem os direitos dos contribuintes.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em conclusão, esta é a nossa posição sobre as propostas que têm sido avançadas neste debate ou em outros debates mais alargados, pois o Orçamento é uma questão nacional, fiéis como somos ao princípio do diálogo e conscientes como estamos de que, nuns casos, assim se traçarão os rumos, em outros, se tomarão medidas cujo efeito se reflectirá no Orçamento do Estado para 1996, em termos compatíveis com as opções globais do Governo, permitindo, assim, viabilizar, com força, este Orçamento e enriquecê-lo sem o desvirtuar nem na sua estratégia, nem na linha de rumo traçada.
Este é mais um sinal de que, não prescindindo das nossas propostas e decisões, estamos abertos, com coerência, a outras propostas exequíveis que tenham valor e mérito, pois o Orçamento do Estado é um acto nacional e
não de partido.
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Só o diálogo franco e a colaboração coerente entre portugueses, nas questões que são de interesse nacional, de todos nós - como o Orçamento do Estado, que é o Orçamento de Portugal -, nos trará, ao nosso país e ao nosso Estado, um futuro melhor, com mais profunda coesão nacional, nos tempos difíceis que aí estão. Isto vale para todos os portugueses, isto justifica, com todo o respeito pelas divergências plurais, o diálogo nacional, como raiz do nosso futuro comum. Foi o que aqui fizemos e o que aqui fazemos, mais uma vez, e de tal nunca nos cansaremos nas questões de Estado, pois - e concluo como disse Ortega y Gasset - «não é o que fomos ontem, mas o que vamos fazer juntos amanhã que nos reúne em Estado».
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças, para poder gerir a duração e a ordenação das suas respostas, informo-o de que há 10 inscrições de Srs. Deputados que pretendem fazer-lhe pedidos de esclarecimento.
Para formular o seu pedido, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a intervenção de V. Ex.ª foi quase tão frouxa como a que o Sr. Primeiro-Ministro fez ontem.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Foi uma intervenção que tentou ser substantiva, na defesa do Orçamento do Estado, mas teve muito pouca «alma». Lá saberá o Sr. Ministro por que é que não conseguiu dar mais «alma» à sua intervenção!
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - Mas algumas declarações do Sr. Ministro não podem ficar sem resposta.
Vozes do PS: - Ah!
O Orador: - Em primeiro lugar, o Sr. Ministro fez um juízo ético relativamente à postura da oposição, particularmente do Partido Social Democrata, mas - e digo-lho com todo o à-vontade , a actual maioria não tem quaisquer condições nem qualquer autoridade para o fazer. O Sr. Ministro diz que a postura do PSD, hoje e durante estes meses, é uma postura de «bota abaixo». Ó Sr. Ministro, onde é que esteve «metido» nos últimos 10 anos? Onde é que esteve «metido», Sr. Ministro?
Aplausos do PSD.
O Partido Socialista, Sr. Ministro, foi o «delegado sindical» de todas as reivindicações, as mais contraditórias! O Partido Socialista, durante 10 anos, não viu uma virtude numa vírgula de um único orçamento do Estado!
O Sr. José Junqueiro (PS): - Nós e 44% dos portugueses!
O Orador: - Orçamentos do Estado que, em Portugal e na Europa, se sabia serem orçamentos de crescimento, de progresso! E o Partido Socialista votou sempre contra!
Sempre e sistematicamente contra! Não teve nunca um elogio, nunca condescendeu com uma vírgula de qualquer um dos orçamentos!
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Mas fez propostas!
O Orador: - Sr. Ministro, onde é que V. Ex.ª esteve «metido»?
V. Ex.ª, o Partido Socialista e o actual Governo não devem ir por aí, porque terão de esperar muitos anos para terem autoridade moral para falarem. Aliás, pelo caminho que levam, VV.
Ex.as não estarão muitos anos no Governo e, portanto, não vão conseguir ter autoridade moral para fazer este tipo de discurso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Ainda não «digeriram» a derrota!
O Orador: - Por outro lado, Sr. Ministro, na sua intervenção, V. Ex.ª também demonstrou uma ideia errada do nosso sistema político-constitucional. Este Governo, o seu Governo, é um governo minoritário, é um governo que tem de se esforçar para fazer aprovar as coisas nesta Câmara...
Risos do Primeiro-Ministro.
.., não é um governo de maioria, tem de convencer os partidos, tem de dialogar com os partidos e não com as corporações, legítimas, que lá fora defendem os seus interesses, mas que são interesses parcelares, pois são os partidos políticos que balizam o interesse geral, de acordo com a sua concepção da sociedade.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - E é o que está a acontecer!
O Orador: - E, nesse particular, Sr. Ministro, o Governo de V. Ex.ª, antes de concretizar a proposta orçamental, não deu um único passo para saber o que é que os partidos pensavam.
O Sr. Ministro da Presidência (António Vitorino)- Isso não é verdade! A informação não circula no PSD! Está a ser marginalizado!
O Orador: - VV. Ex.as colocaram-nos perante o facto consumado!
Protestos do PS.
E hoje mesmo o Sr. Ministro disse o seguinte: estamos abertos ao diálogo, mas a um diálogo que não desvirtue o Orçamento.
Sr. Ministro, o nosso Orçamento nunca seria o vosso Orçamento, as nossas propostas, legitimamente, iriam desvirtuar o vosso Orçamento! Portanto, hoje, VV.
Ex.as têm de assumir o erro de não terem dialogado com os partidos, antes de apresentarem a vossa proposta de lei.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Não é verdade!
O Orador: - É que, a posteriori, Sr. Ministro, desculpe que lhe diga, isso chama-se chantagem política, e o PSD não cede a chantagem política.
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Aplausos do PSD.
Mas V. Ex.ª...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ultrapassou o seu tempo. Peço-lhe o favor de terminar.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Mas V. Ex.ª sofre de incoerência, Sr. Ministro, pois abrese ao diálogo com um partido respeitável e democrático, mas que está frontalmente contra o projecto europeu protagonizado pelo vosso partido. De duas uma: ou o jantar do Dr. Manuel Monteiro com o Engenheiro Guterres foi muito bem sucedido...
Vozes do PS: - Isso é ciúme!
O Orador: - ... e fez com que um dos partidos alterasse o seu rumo estratégico, ou, então, estamos perante uma pequena manobra política, visando, artificialmente, tentar isolar o PSD.
Risos do PS.
É isto que o Sr. Ministro tem de esclarecer porque encerra uma profunda incoerência.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Isso é má consciência!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine. Já ultrapassou, em muito, o tempo de que dispunha.
O Orador: - Para terminar, Sr. Ministro, faço-lhe a seguinte pergunta: se daqui a um ano, quando V. Ex.ª aqui voltar, as metas macroeconómicas apresentadas por este Orçamento do Estado não estiverem concretizadas, V. Ex.ª vai assumir que foi uma derrota política?
O Sr. Ministro da Presidência: - Pelo menos duramos um ano...!
O Orador: - Se daqui a um ano, quando V. Ex.ª aqui voltar, o desemprego em Portugal for maior do que é hoje, V. Ex.ª vai assumir que foi uma derrota política?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já usou 5 minutos. Não pode continuar.
O Orador: - Se daqui a um ano, quando V. Ex.ª aqui voltar, tiver de apresentar aumentos de impostos para o próximo Orçamento do Estado, V. Ex.ª e assume que se trata de uma derrota política?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe que termine. Já atingiu 5,4 minutos e o Regimento obriga-me a mim mas também obriga o Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, uma última frase.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Orador: - Sr. Ministro, daqui a um ano, V. Ex.ª não pode dizer o que disse aqui há pouco, ou seja, que tem dúvidas de que possa combater o desemprego que existe por culpa dos governos do PSD e que a inflação de que se orgulha não se deve ao mérito dos governos do PSD.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fui informado de que o Sr. Ministro das Finanças quer responder pedido a pedido, pelo que lhe dou a palavra para responder ao Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, quanto ao primeiro ponto, diria que estive em Portugal nos últimos 10 anos, embora fora da actividade política.
O Sr. Ministro da Presidência: - Eles notaram! Deram por isso!
Risos do PSD.
O Orador: - E recordo - se a minha memória não falha, mas se falhar corrigir-me-ão - que, de facto, o PS sempre votou contra os orçamentos do Estado apresentados pelos governos do PSD. Mas, em primeiro lugar, creio que apresentou alternativas e, em segundo lugar, que não usou de hipocrisia, ou seja, votou moções de rejeição dos respectivos governos e tirou as consequências disso.
Aplausos do PS.
A postura da oposição é dizer hoje uma coisa e amanhã outra. Não apresentar alternativas obriga-nos a dizer aquilo que já disse e repito: não é possível dialogar com quem não dialoga; com quem dialoga - todos os portugueses -, independentemente de divergências de pontos de vista, é possível encontrar «pontes», é possível encontrar compromissos, em suma, é possível encontrar serviços que se prestem ao povo português.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao sistema político, suponho que não tenho, uma ideia errada e suponho que este Governo tem demonstrado que tem a ideia certa, nomeadamente a de que democracia é diálogo.
Neste caso concreto, não é verdade, que não se tenha procurado dialogar com a oposição. Não vou referir-me, como é evidente, à consulta formal antes da apresentação do Orçamento, mas o Sr. Primeiro-Ministro contactou o líder do PSD e manifestou disponibilidade para trocar impressões sobre o Orçamento, muito antes da sua elaboração.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Antes?!...
Vozes de membros do Governo: - Sim, sim!
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Não, não!
O Sr: Ministro da Presidência: - Quando ele entrar na Sala, vamos perguntar-lhe!
O Orador: - Todos tiveram essa possibilidade! Os partidos da oposição também! Houve, pois, oportunidade de saber o que pensava quem quis dizer o que pensava.
O Sr. Ministro da Presidência: - Até ao Dr. Marcelo telefonámos!
Risos.
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O Orador: - Por isso, se há acusação que rejeito frontalmente, em nome deste Governo, é a da falta de diálogo. A nossa postura foi sempre de diálogo com todos, mas, repito, só se dialoga com quem dialoga.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quanto a derrotas políticas, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, não vou agora fazer a futurologia pessimista, quase feitiçaria, que, às vezes, sai da sua bancada.
Risos do PS.
Nós fazemos previsões fundadas e tentamos motivar o povo português para partilhar os nossos objectivos e a nossa linha de rumo.
Diz o povo que «o futuro a Deus pertence», mas pertence também àqueles povos e àqueles governos que, com determinação, sabem enfrentar as dificuldades e traçar a sua linha de rumo.
Nesse sentido, não tenho, como ninguém tem, a possibilidade de fazer previsões infalíveis. Infalíveis eram os outros, não sou eu, nem ninguém deste Governo. Nós somos falíveis!
Aplausos do PS.
Nós podemos enganar-nos, nós temos dúvidas, mas temos muitas convicções...
Aplausos do PS.
... e, se nos enganarmos, reconhecê-lo-emos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Só que, Sr. Deputado; não se esqueça de uma coisa: quem dá as vitórias e as derrotas políticas é o povo português.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, antes de lhe colocar uma questão, gostaria, para ver se concorda comigo, de referir que o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, com um discurso também ele frouxo e com pouco conteúdo,...
Vozes do PSD: - Ah! Também frouxo!
Aplausos do PSD.
O Orador: - Tenham calma, que ainda tenho mais para dizer! Os senhores sabem muito bem que quando disse «também», estava a referir-me à intervenção do Sr. Deputado!
Risas do PSD.
Tenham calma, que ainda têm mais para ouvir! Reservem algumas observações para daqui a pouco!
Mas gostaria de perguntar ao Sr. Ministro das Finanças se concorda ou não comigo no sentido de que o PSD, ao votar contra este Orçamento, até segue uma linha de coerência e até se justifica o seu voto contra. É que, enquanto o PSD nos deu a asfixia financeira das autarquias locais, este Governo cumpre a Lei das Finanças Locais;...
Vozes do PSD: - Ah!
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Não é isso que diz a Associação Nacional dos Municípios Portugueses!
O Orador: - ... enquanto o PSD nos deu a asfixia financeira da segurança social, este Governo cumpre a Lei de Bases da Segurança Social; enquanto o PSD...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso vinha escrito de casa!
O Orador: - Não vinha de casa não, vem do ano passado!
Como estava a dizer, enquanto o PSD deixa uma herança de mais de 1000 milhões de contos de dívidas ao Estado - ao «fisco» e à segurança social -,este Governo tem uma postura de moralização, de combate à fraude e à evasão fiscais; enquanto tínhamos uma fuga generalizada ao «fisco», este Orçamento tem medidas de combate à fuga ao «fisco»; enquanto o PSD provocou o agravamento das condições de vida dos mais desfavorecidos, este Governo tem medidas inegáveis de carácter social; enquanto, com os governos do PSD houve um decréscimo dos salários reais, este Governo aumenta-os; enquanto o PSD promoveu o desemprego, este Orçamento é um instrumento magnífico de promoção do emprego.
Sr. Ministro das Finanças, não será verdade que com o governo anterior havia confrontação social e que agora, com este Governo e este Orçamento, está provado que existe uma postura de diálogo?
Protestos do PSD.
Uma voz do PSD: - É um oásis socialista!
O Orador: - Podem falar, Srs. Deputados, porque o microfone amplifica mais a minha voz do que a dos senhores.
Sr. Ministro das Finanças, não considera que a postura do PSD é desenquadrada da realidade, daquilo que pensam os parceiros sociais,, daquilo que pensa a sociedade civil, daquilo que pensam os analistas qualificados? É ou não verdade que se justifica o voto contra do PSD, face a este Orçamento, que vai contra tudo aquilo que o PSD fez?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Deputado João Carlos da Silva, já diziam os antigos professores da arte de falar e de argumentar que, às vezes, a melhor maneira de fazer um ponto era fazer perguntas. A sua pergunta contém respostas. E eu diria apenas que me parece que há alguma coerência na tomada de posição do PSD, tal como está neste momento.
Mas quero dizer também que lamento que o principal partido da oposição não seja capaz de apresentar alternativas e seja apenas capaz de votar contra, porque sim ou porque não, sem dialogar.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, começou por dizer, na sua intervenção, estar provado que este Orçamento não é impossível. Mas é evidente, ele está entregue, como é que poderia ser impossível? O que é impossível, o que foi impossível, o que o Governo mostrou que era impossível foi apresentar o Orçamento que o PS apregoou e prometeu na campanha eleitoral e o Orçamento que VV. Ex.as prometeram no debate do Programa do Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esse é que é impossível! Por isso não apresentaram o tal orçamento da dita convergência estrutural porque este que aqui nos apresentaram mostra que a tal convergência estrutural não é possível.
Os senhores tiveram de privilegiar os critérios de Maastricht e o cumprimento das metas que se propõem para atingir a União Europeia. Por isso, o investimento foi estancado e as metas sociais e o aumento das dotações sociais ficaram-se apenas por alguns sinais.
Aliás, sobre a questão do investimento, Sr. Ministro, não vamos agora perder tempo, em sede de especialidade analisá-la-emos mais profundamente. Mas, Sr. Ministro, não siga o exemplo de outros colegas seus do Governo, que é o de estar sempre a jogar com números incomparáveis, para além de estarem aqui, diariamente, a reduzir a estimativa de execução para 1995. Isto é, não pode comparar o que orçamenta para 1996 com aquilo que foi executado em 1995.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Exactamente!
O Orador: - No mínimo, teria de descontar a cláusula de convergência e teria de considerar que, mesmo assim, e no resto, não é previsível que o seu Governo ou qualquer outro execute a 100%. Haja o mínimo de seriedade nestas análises e nestas comparações!
O Sr. Rui Rio (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao desemprego, Sr. Ministro, sejamos claros. Este Orçamento não vai promover o desemprego, este Orçamento resigna-se ao aumento do desemprego!
O Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Ministro da Economia já, expressa e claramente, o afirmaram na Comissão de Economia, Finanças e Plano. Nenhum dos dois acredita que haja aumento de emprego em 1996. Se não há aumento de emprego, haverá certamente aumento do desemprego, mesmo com as taxas, irrealistas, de previsão de aumento do Produto Interno Bruto.
Disse o Sr. Ministro que este é um Orçamento credibilizado no exterior. Mas credibilizado por quem? Tenho estado atento, a ler e a ouvir, e até este momento só ouvi elogios lá fora por parte das confederações patronais. Se lhe chegam esses elogios isso é com o Governo, mas não diga que é toda a sociedade civil a elogiar o Orçamento.
Falou em «pedras mortas», Sr. Ministro. Coitado do António Sérgio, certamente não pensaria que as suas palavras pudessem ser aqui utilizadas com este sentido. São «pedras mortas» as escolas que não se constroem; são «pedras mortas» os centros de saúde que se não constroem;...
Protestos do PS.
... são «pedras mortas» os pavilhões desportivos para as escolas que se não constroem; são «pedras mortas» as instalações para o ensino pré-escolar que se não constroem? Não, Sr. Ministro! Certamente que também há aqui «pedras vivas», embora sejam materiais.
Quanto à questão do rigor e da transparência, apenas lhe vou dizer que no Orçamento Suplementar para 1995 houve duas rubricas que o Governo não quis regularizar; dizendo que estas regularizações seriam feitas no Orçamento do Estado para 1996. No Orçamento do Estado para 1995 deviam ter sido feitas como despesa, mas o seu Governo e o Sr. Ministro não quiseram, disseram que eram regularizadas no Orçamento deste ano. No entanto, no Orçamento do Estado para 1996 são lançadas directamente para dívida pública. Estou a falar dos encargos com a PSP e a GNR.
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Mas, mais do que isso, não tenho a mínima dúvida - e estou convencido que V. Ex.ª também não - de que se este artigo 61.º fosse colocado à análise do ex-presidente do Tribunal de Contas, sofreria as mesmas críticas que o artigo 67.º e outros de outros orçamentos sofreram.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar!
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, mas não posso deixar de referir uma última questão.
O Sr. Ministro, referindo-se à minha bancada sobre a questão do diálogo ou não diálogo no sentido da viabilização do Orçamento, falou nos modelos ideológicos, de outros modelos ideológicos e por aí fora... Admito que o seu Governo não se assuma como um governo tecnocrático, também tem certamente orientações ideológicas que procura pôr em prática.
Mas, mais do que isso, Sr. Ministro...
O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado!
O Orador: - ..., a questão para nós não é de mais ou de menos proposta, de mais ou de menos um milhão de contos. Nós não negociamos o Orçamento. As questões fundamentais e de orientações que estão inscritas no Orçamento é que têm de ser tidas em consideração pelos partidos políticos da oposição. Pelo menos o PCP não negoceia mais milhão ou menos milhão; discute orientações, discute políticas!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, este é precisamente o Orçamento dos compromissos do programa eleitoral, dos compromissos que determinaram o aparecimento desta maioria, embora relativa. Não há qualquer contradição. Pelo contrário, há um retrato exacto desses compromissos para este ano, neste Orçamento.
V. Ex.ª diz que é impossível... Bom, não sei o que diria, então, das propostas do PCP para responder à situação portuguesa em 1996! Achamos que este é um caminho
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possível, que é o melhor, tendo em conta os nossos compromissos - primeiro as «pedras vivas», depois as «pedras mortas».
Evidentemente que não estive a chamar «pedras mortas» a nenhuma dessas obras públicas que referiu. António Sérgio falava, como bem se recorda, da política de obras públicas de Duarte Pacheco e dizia que a obra pública pela obra pública devia estar, evidentemente, subalternizada à despesa social e à despesa com a formação e a promoção do homem. É esse o critério do nosso Programa do Governo. Não desvirtue o que eu disse nem faça aplicações que eu não fiz.
Porém, também pode acontecer que, em alguns desses casos, não haja prioridade nesses projectos que refere e haja noutros que representam o investimento imaterial. Isso pode acontecer e é certamente da análise de situações desse género que resultam as críticas que faz.
Quanto ao desemprego, o Sr. Ministro da Economia partilha comigo essa acusação. O que ele terá dito - e eu também - é que estamos na Europa em situação difícil em matéria de emprego e que, no ano passado, em Portugal, se agravou o desemprego.
Fazemos todo o possível para apoiar os desempregados - e o Governo anunciará em breve um pacote de medidas nesse sentido a fim de promover a criação de novos empregos, para lutar globalmente, através da política macroeconómica, contra o desemprego, nomeadamente através do esforço de investimento, que é inquestionável. Não é nenhum malabarismo de números, é uma verdade deste Orçamento, é uma verdade dura como punhos! O esforço de investimento é o caminho macroeconómico principal para viabilizar o emprego, e, ao mesmo tempo, a política de rigor, porque ela possibilitará a confiança, a reacção positiva dos mercados, a inversão das expectativas dos empresários e investidores privados e, portanto, também o investimento privado.
Queremos lutar contra o desemprego, mas verificamos que há uma tendência para o seu aumento, e verificamos que há uma certa reestruturação que cria bolsas em situações mais delicadas de emprego. Há uma transformação de sistema e há falta de soluções em muitos casos estruturais.
Recordo que a determinação deste Governo de não se resignar à situação em matéria de emprego é tão grande que, na Cimeira de Madrid, o Sr. Primeiro-Ministro tomou a iniciativa de reabrir a frente da política comunitária de emprego e coesão, que é uma iniciativa importante, porque sem isso não será possível resolver o problema do desemprego em Portugal: Tem aí um exemplo - não só interno e não só orçamental - da prioridade que este Governo dá à luta contra o desemprego.
Não diga, pois, que nos resignamos ou que aceitamos; mas também não feche os olhos à realidade da Europa e à realidade em que estamos, nomeadamente em trânsito do ano passado. Faremos o possível para lutar contra isso e este Orçamento é bem a prova.
Sr. Deputado, este Orçamento está credibilizado, não só pelas confederações patronais, mas por tantas associações representativas de pequenas e médias empresas, por tantos trabalhadores, por tantos sindicatos, mesmo próximos do seu partido. Não tenha dúvida de que a credibilização deste Orçamento, nesse caso, pela convicção de que ele aumenta o rendimento disponível dos mais pobres, de que ele favorece mais quem menos tem, é muito ampla na sociedade portuguesa. E é, em particular, quer em termos de estabilidade, quer em termos de satisfação das necessidades sociais, uma credibilização junto do povo, não só dos agentes económicos e dos mercados, mas junto do povo! Há certas estruturas políticas que não sentem isso, mas nós sentimos.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, todos temos modelos ideológicos, não queremos ser tecnocratas, todos temos de ter uma visão do mundo. O que eu digo é que os modelos ideológicos não devem ser obstáculo ao diálogo, devem permitir encontrar soluções que sejam um bem para o povo português, mas nem sempre encontrámos essa predisposição da parte de algumas oposições.
Quanto ao problema da desorçamentação, é verdade o que dissemos - e explico porquê - quanto à regularização dos serviços sociais da PSP e da GNR. Não era possível incluir isso no Orçamento Suplementar para 1995, apresentado e votado em Novembro, porque a situação de confusão era de tal ordem que o apuramento dos montantes a liquidar não tinha o mínimo de credibilidade. Não havia qualquer obstáculo técnico, mas havia um obstáculo de rigor.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Ministro.
O Orador: - Era preciso primeiro apurar a situação. Apurada que está, agora propomos a sua regularização, porque ela vem de há muitos anos atrás. E estamos também a estudar, conjuntamente com os serviços sociais do Ministério da Justiça, o problema dos regimes de protecção social especial, que exigem medidas para o futuro, para que a situação anterior se não repita.
Quanto ao artigo 61.º desta proposta de Orçamento do Estado, Sr. Deputado Octávio Teixeira, voltamos ao mesmo. O Presidente do Tribunal de Contas, sobre o artigo 67.º, que é exactamente idêntico, apresentado pelo Governo anterior, para o Orçamento anterior, foi ouvido na Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano e disse: é legal!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é questão de legalidade!
O Orador: - É isso o que agora estou a dizer! Não vejo qual é a diferença!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a minha primeira palavra não é, curiosamente, para o Sr. Ministro das Finanças, mas sim para a bancada do PSD e para o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
Julgo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, tendo sido chamada à baila esta contabilidade de atenções e de refeições prestadas pelo Sr. Primeiro-Ministro, o PSD está equivocado porque o Sr. Primeiro-Ministro foi equilibrado ao fazer os convites e ao prestar as atenções: quem quis falar, falou; quem quis fazer propostas, fez - não foi por falta de ocasião, com certeza.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ele é que sabe!
O Orador: - Não, eu não sei o que disse. Mas suspeito que não terá dito muito!
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O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Ah! Suspeita!
O Orador: - A segunda questão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é dirigida ao Sr. Ministro das Finanças para dizer que, apesar de tudo quanto disse; este não passou a ser o nosso Orçamento e está longe de ser o nosso. Continuamos a achar que alguns dos pressupostos em que o Governo assenta a sua política para o próximo ano estão ainda bastante empolados, são ainda bastante optimistas, e que há, portanto, uma contradição entre o optimismo relativamente a essas metas e a timidez com que se assumem medidas, sobretudo em relação ao crescimento e em relação ao emprego. Aliás, o Sr. Ministro embaraçou a minha bancada, que se agitou quando disse que o que fizermos nestes meses será penhor do que faremos nos próximos quatro anos. Eu sosseguei a bancada, porque o Sr. Ministro se referia apenas às questões de legalidade orçamental e de contabilidade pública, porque a agitação era grande, como compreende.
Mas queria dizer-lhe, Sr. Ministro, que, do meu ponto de vista, o Partido Popular considera que se passou aqui algo de importante: em primeiro lugar, ao contrário do que se passava há muitos anos, o Orçamento passou para o Parlamento, e aqueles que todos os dias falam na necessidade de o dignificar e que todos os dias se queixam dos ataques que lhe são feitos deviam sublinhar e ter em
conta - julgo (perdoe-se-me a imodéstia) que por causa do meu partido, ou também por causa dele, ou especialmente por causa dele - que o Orçamento passou para o Parlamento, passou a ser aqui discutido, as propostas passaram a ser aqui exibidas e confrontadas às claras e não em discussões ou através de um diktat como estávamos habituados há algum tempo.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É claro que este confronto com o passado pode provocar algum ciúme, mas destruiu-se também aqui outro mito que pode igualmente provocar ciúme a outras bancadas: é o mito de que a preocupação com as questões sociais, com as condições de vida dos portugueses, é uma coutada da esquerda.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Já foi, mas já não é!
O Orador: - Por isso, também se agita a esquerda quando o Partido Popular faz propostas dirigidas às condições de vida dos portugueses, propostas de natureza social às quais o Governo, pelo menos aparentemente, parece dar algum acolhimento.
Mas queria dizer, quanto ao que interessa, Sr. Ministro das Finanças, que nós ouvimos as referências que fez a todos os
itens que o Presidente do meu partido foi ontem apresentar da tribuna. Essas referências omitiram as nossas preocupações com as questões de saúde e com a possibilidade de se poderem deduzir os seguros de saúde mas, no fundamental, no essencial, o Sr. Ministro referiu-se a elas. No entanto, temos de dizer-lhe, Sr. Ministro, que nós não somos os eleitores do Partido Socialista, aqueles que, tranquilamente, confiaram em todas as promessas nós precisamos de mais. Precisamos que o Sr. Ministro, quanto às questões programáticas, nos diga se, de facto, assume esse compromisso e se é capaz de limitar razoavelmente no tempo a assunção desses compromissos. Quanto às questões concretas, quanto à poupança-habitação, quanto aos planos de poupança-reforma, quanto ao regime dos pescadores, precisamos, por exemplo, que nos diga, pelo menos, senão uma quantificação precisa para já, se assume o compromisso de que as modificações serão significativas ao menos para o critério de um bom e honesto pai de família.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, apenas dois comentários e duas respostas. O primeiro comentário refere-se ao alegado optimismo. Como já fundamentei, penso que há realismo, o que não significa que não continuemos atentos, como já estivemos durante o período de preparação do Orçamento, à melhor informação disponível sobre a evolução da nossa economia e do seu enquadramento externo. Neste momento, as revisões que nós fizemos são homólogas das que outros países estão a fazer ou a preparar. Nesse sentido, não temos de fazer outras agora. Esperamos que, no futuro, as que venham a fazer-se, sejam em alta e não em baixa. Neste momento, achamos, pois, que os pressupostos de expressão do Orçamento são absolutamente seguros e temos a certeza de que há margens de manobra para eventuais flutuações.
Por outro lado, também me congratulo, e penso que este Governo se congratula, por o Orçamento ter passado para o Parlamento. A revisão constitucional de 1982 tornou o Orçamento uma competência do Parlamento, competência essa que não deve ser esvaziada, deve ser assumida plenamente, tal como a competência de fiscalização. Essa é uma preocupação que nós, Governo, também temos: democraticamente, queremos ser fiscalizados pelo Parlamento. Por isso mesmo, a preocupação com a Conta e, por isso mesmo, a preocupação com o acesso do Tribunal de Contas - porque a fiscalização política sem base técnica não pode exercer-se numa economia moderna e num sistema administrativo moderno - ao Banco de Dados da Contabilidade Pública. Dizemos agora as mesmas coisas que dizíamos antes de estarmos aqui sentados, e essas coisas são que a democracia passa, quer pelo diálogo, quer pelo reforço dos poderes de decisão orçamental e de fiscalização pelo Parlamento. Sem isso, as finanças públicas são autoritárias ou pré-democráticas e não democráticas.
Quanto às questões relativas a propostas apresentadas pelo Partido Popular, é evidente que a aceitação da introdução no Orçamento de normas programáticas representa o compromisso de o Governo se empenhar na sua execução.
No que diz respeito às questões em que eu defini posições de aceitação política e não redacções de preceitos que ainda não existem, aquelas em que é necessário, para uma redacção perceptiva, introduzir valores, eu diria que as modificações que encaramos são as que sejam compatíveis, porque todas as propostas que referiu são feitas com manutenção do nível substancial, em ordem de grandeza, do défice que temos programado, mas sabemos que elas podem ser significativas, nomeadamente no que se refere aos PPH e aos PPR.
Em relação à questão da dedução das despesas de saúde, efectivamente não me referi a tal na medida em que se trata de uma matéria que, embora financeira, tem a ver com opções fundamentais de política relativamente ao sistema de saúde. Com efeito, só faz sentido equacionar a dedução à matéria colectável dos prémios de seguros de saúde
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numa perspectiva de reforma do sistema de saúde já em curso e em sede de sistemas alternativos de cobertura de cuidados de saúde opcionais que tenham por base o seguro individual, garantindo aos cidadãos contrapartidas fiscais proporcionais. A regulamentação deste sector deve impedir a selecção adversa, evitar o descarte de clientes de alto risco e deve assegurar a qualidade dos cuidados prestados e uma equilibrada competição entre os sistemas e os agentes prestadores. Neste sentido, sem dúvida, a ideia de um sistema de saúde com esta configuração, de dedução, em termos opcionais, dos encargos com os seguros de saúde privados, é uma ideia que nos merece acolhimento.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Por obra e graça das eleições de Outubro!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, tentarei fazer apenas perguntas de natureza muito técnica porque V. Ex.ª é pessoa mais do que competente para me responder.
O Sr. Ministro começou por afirmar - e eu tomei nota da sua frase - que toda a gente dizia que este era um Orçamento impossível mas que ele aqui está. Ó Sr. Ministro, quando nós dizíamos que este era um orçamento impossível não é porque haja orçamentos impossíveis, porque todos são possíveis. Nós dizíamos que ele era impossível ao aumentar a despesa, como ela era proposta, ao não aumentar os impostos, como era afirmado, ao reduzir o défice, como era necessário. Isso é que era impossível. E essa impossibilidade está aqui, neste Orçamento. E está aqui, de que forma? Em primeiro lugar, o Sr. Ministro das Finanças vai ter de responder, se não se importar, àquilo a que ontem o Sr. Primeiro-Ministro não me respondeu, provavelmente por não ter entendido a minha pergunta. Perguntei-lhe, concretamente, qual era a opção que o Governo fazia caso houvesse uma derrapagem orçamental. Se houver uma derrapagem orçamental, qual é a opção do Governo?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Já não é opção, é solução!
A Oradora: - Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª é um ilustre economista, sabe como é que se elabora um orçamento e sabe que este Orçamento não tem margem. Ora, o que interessa, é saber como é que vai fazer esse ajustamento: se é abandonando a moeda única, se é cortando no investimento. A isso V. Ex.ª responde - já respondeu há pouco ou vai tentar responder - que existem folgas, e eu vou pedir ao Sr. Ministro das Finanças que me diga quais. E peço-lhe, desde já, que não me diga que essas folgas estão na redução da despesa de funcionamento estou a falar de milhões, não vou aceitar que o Sr. Ministro me responda com tostões.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Portanto, não é na despesa de funcionamento.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Está a fazer publicidade a um programa de televisão!
A Oradora: - Tenho todo o gosto em fazer publicidade a um programa que é um belíssimo programa!
Aplausos do PSD.
Sr. Ministro, espero que não me venha dizer que a redução está, por exemplo, nas aquisições de bens e serviços e nas outras despesas correntes. A única redução que existe nas aquisições de bens e serviços tem a ver com uma operação contabilística no Ministério da Defesa Nacional, referente à aquisição de um conjunto de aviões F-16, e mais nada! A redução das despesas correntes tem apenas a ver com uma operação contabilística respeitante à COSEC, e mais nada! Portanto, essa resposta não vou aceitar, Sr. Ministro!
Outra resposta que não me passa pela cabeça que V. Ex.ª diga que é aí que tem a «almofada», é na transferência para a Caixa Geral de Aposentações das reservas do Banco Nacional Ultramarino. Isso seria fatal para a Caixa Geral de Aposentações e para o futuro dos funcionários públicos. Portanto, espero também que o Sr. Ministro das Finanças não utilize esse argumento para dizer que tem «almofada»! Por isso, pergunto: onde estão as «almofadas»?
Sr. Ministro das Finanças, a minha pergunta concreta é, pois, a que coloquei ontem ao Sr. Primeiro-Ministro: se houver uma derrapagem orçamental, onde está a folga?
Segunda questão, que nem sequer é uma questão, serve apenas para lhe dizer porque é que digo que este Orçamento é impossível, tal como nós dissemos, nos termos em que o dissemos: é que a grande maioria das promessas que os senhores anunciaram até à data, nomeadamente as constantes do programa do acordo de concertação social, nomeadamente as constantes do acordo com os funcionários públicos, todas elas não são para serem executadas agora, a partir de hoje, mas sim para serem executadas a partir do final de 1996 ou em 1997, isto é, quando houver impostos.
Se é neste Orçamento do Estado o Sr. Ministro vai ter de as orçamentar, porque ainda não está cá nada.
Por isso, ou orçamenta essas medidas já no Orçamento do Estado para 1996 ou, então, adia-as para 1997. Tal como já dissemos, este Orçamento do Estado foi possível porque as medidas foram anunciadas mas não executadas, só o serão em 1997, com o respectivo aumento de impostos. Se assim não for o Sr. Ministro das Finanças vai ter de as inscrever no Orçamento do Estado para 1996 e, assim, agravar o défice ou aumentar os impostos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, tenho muito gosto em responder às suas perguntas mas não aceito a regra de jogo ao afirmar «não me responda isto, não me responda àquilo».
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Exactamente!
O Orador: - Responderei aquilo que entender e tenho autoridade para fazê-lo, até porque estamos aqui a discutir política financeira e não burocracia financeira ou contabilidade.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
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Não me venha dizer, Sr.ª Deputada, que todos os Orçamentos do Estado são possíveis. É evidente que politicamente têm uma determinada credibilidade, que não lhes é dada por aquelas expressões abstractas de que não é possível reduzir o défice, aumentar a despesa, os impostos, etc. Não é nada disso! A credibilidade é dada pelo facto de o Orçamento do Estado ser elaborado de acordo com o exercício a que os economistas, os agentes sociais e, institucionalmente, o Parlamento reconhecem validade. Essa validade está aqui confirmada, Sr.ª Deputada!
Não vou repetir aquilo que já foi aqui dito, pois «o pior surdo é o que não quer ouvir». Embora eu não oiça bem, quero ouvir, V. Ex.ª e não quer ouvir aquilo que vou dizer, pelo que me escuso de repetir o que já disse.
Este Orçamento do Estado era tido por impossível, segundo certos esquemas mentais que estão ultrapassados. Este exercício tem viabilidade, representa uma cobrança de receitas inferior à do ano anterior, sendo, pois, realista, com uma restrição das despesas de funcionamento e uma opção de crescimento razoável da despesa social e do investimento. É essa a opção e a viabilidade está fora de causa. Todos a reconhecem na sociedade portuguesa, excepto quem não quer ver.
Vozes do PSD: - Ainda não respondeu a nada!
O Orador: - Quanto à segunda questão, Sr.ª Deputada, creio que a última coisa a que se deve responder é a perguntas hipotéticas e, ainda por cima, «tremendistas». A derrapagem orçamental ou é entendida no sentido de deslize de execução, a que se pode responder com os meios da própria Administração - e nesse sentido pensamos que a luta contra a evasão e a fraude e o ganho de eficácia fiscal permitem certamente aumentar o lado da receita e o congelamento de dotações e a possibilidade de selecção de despesas de funcionamento permite reduzir ou travar o lado da despesa -, ou é entendida, como V. Ex.ª refere, no sentido de desastre e, nesse caso, dir-lhe-ei que se houver uma profunda alteração de circunstâncias o problema tem a ver evidentemente com o Parlamento. Devolvo-lhe a pergunta a si: como é que resolveria a situação se ocorresse um terramoto idêntico ao de 1755?
Protestos do PSD.
Nunca vi um Governo responder, no Parlamento, sobre a hipótese de uma derrapagem orçamental.
Temos controlos para a execução orçamental. A derrapagem orçamental, Sr.ª Deputada, é uma hipótese que está na sua cabeça, mas eu não tenho nada a ver com isso.
Quanto ao resto, é evidente que não estou a pensar na operação entre o BNU e a Caixa Geral de Depósitos, aliás, extremamente bem negociada e bem conseguida, na medida em que vai viabilizar o fundo de pensões do BNU. Estou a pensar, sim, em actos de boa gestão e menciono-lhe apenas dois domínios: o da boa gestão da dívida, que foi uma coisa que os senhores não fizeram e que se começa a fazer, e o da boa gestão da tesouraria e do sector empresarial do Estado, o que nos permite ter não apenas a convicção, mas neste momento já a certeza, de que temos muitos recursos para reforçar as verbas aqui previstas.
Sr.ª Deputada, este não é um Orçamento de promessas. Ele contém o aumento das pensões, dos salários, dos investimentos comprometidos e que foram já objecto de uma decisão e é até um Orçamento que contém, no domínio dos benefícios fiscais, uma cuidadosa avaliação daquilo que é possível. O custo, no Orçamento do Estado para 1996, daquilo que referi aqui hoje existe, mas é compatível com a subida do défice do SPA de 4,17% para 4,23%.
Portanto, sabemos muito bem o que estamos a fazer. O que não me pode obrigar é a dizer coisas que não quero ou a responder a perguntas hipotéticas, a situações que não se verificam nem se verificarão.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, não sou contabilista, mas se fosse teria muita honra nisso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Portanto, não vejo nenhum problema em o Sr. Ministro das Finanças ter tentado subir ao nível de professor catedrático, que eu não sou, e ter feito baixar-me ao nível de contabilista, que eu não me importaria de ser.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Em primeiro lugar, quero dizer ao Sr. Ministro das Finanças que não respondeu a uma única pergunta que coloquei. Nenhuma!
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Em segundo lugar, quero dizer-lhe que o facto de não ter respondido leva-me a concluir que no próximo Orçamento suplementar não será o senhor que aqui virá. Basta ver o que o senhor hoje aqui disse para perceber que não é, com certeza, quem estará cá nessa altura.
Em terceiro lugar, o Sr. Ministro das Finanças disse que não podia estabelecer as regras do diálogo. Aquilo que quis dizer, de forma educada, foi que não gostaria que V. Ex.ª me desse respostas que fossem um insulto à minha mentalidade e me levassem a pensar que me estava a chamar estúpida. Apenas lhe pedi, de forma equilibrada, que não me desse respostas que evidentemente só serviam para ser assimiladas não sei por quem. O Sr. Ministro das Finanças optou por não o fazer. Considero que o senhor não respondeu a nada dó que lhe perguntei. Mais, Sr. Ministro, a minha intenção foi apenas a de dizer-lhe que as suas respostas não podiam ser dadas de forma a levar-me a pensar que era estúpida.
Se, por qualquer motivo, V. Ex.ª tentar condicionar as regras deste debate, dir-lhe-ei que quem comanda este debate somos nós, Deputados, e não o Governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, penso que isto não tem resposta possível.
Direi apenas que é o Sr. Primeiro-Ministro que dispõe quem estará nesta bancada no próximo debate.
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Quanto ao resto, Sr. Presidente, não respondo a intervenções com este teor.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, o debate já vai adiantado, pelo que vou ser muito sintético.
Quero começar por saudar a intervenção de V. Ex.ª pela dignidade de que se revestiu, mas também pelo rigor, abertura e espírito de diálogo que manifestou.
Vou formular apenas algumas questões:
O Sr. Ministro explicou rigorosamente como é que este Orçamento do Estado contribuirá para a retoma do processo de desenvolvimento global e para o futuro crescimento do emprego. Alguns elementos «luso-cépticos», que vão perdendo credibilidade, têm posto em causa a validade do cenário macroeconómico apresentado.
Não considera que a possibilidade essencial de inviabilizar o cenário macroeconómico, o crescimento económico e o desenvolvimento global seria a eventual e irresponsável rejeição deste Orçamento nesta Câmara?
Segunda questão, por alguma esquerda arcaica é posta em causa a coerência entre o Programa do Governo e o Orçamento do Estado apresentado e a possibilidade de um eficiente combate ao desemprego. V. Ex.ª concordará comigo que eles também sabem que a luta pela criação do emprego não se pode ganhar nalguns meses, e este Governo apenas está há alguns meses a governar. Este Orçamento apresenta perspectivas sólidas de reformulação da situação do emprego com a sua criação e reconversão no âmbito da reestruturação do tecido produtivo nacional.
Portanto, não será sério, não será honesto, não será rigoroso, querer atribuir, ainda durante esta primeira fase e nos próximos meses, a este Governo a evolução das tendências do desemprego, mas deverá sim assacar-se aos 10 anos de desgoverno do PSD e, nomeadamente, aos anos finais do cavaquismo declinante.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, a palavra ao Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, quanto à primeira pergunta, parece-me evidente que o cenário macroeconómico traçado assenta claramente em dois pontos: primeiro, na expansão das exportações que dominamos pouco, visto que a variável determinante é a situação dos mercados internos do destino; segundo, no investimento público e privado. O investimento público receberá um forte impulso com a execução deste Orçamento e o investimento privado, quer por via da atribuição de incentivos e benefícios à poupança e às empresa, quer por via da confiança e estabilidade que nos mercados a aprovação do Orçamento do Estado possibilitará, combinada com a estabilidade monetária exercida do índice de preços no consumidor e em concomitância com nova e continuada descida das taxas de juro, tudo isso faz pane do clima de investimento que a aprovação deste Orçamento melhorará significativamente.
Também apostamos e ainda agora o plano de confiança apresentado pelo governo francês ao Parlamento demonstra que esta ideia está certa, na expansão do consumo, mais do consumo privado do que do consumo público dadas as múltiplas medidas deste Orçamento. Os acordos de negociação salarial com a função pública e os acordos de negociação estabelecidos no âmbito do quadro da concertação social apontam todos eles para alguma valorização do rendimento disponível dos particulares, o que possibilitará o aumento da procura interna na componente consumo. Esta é uma resposta necessária sobretudo quando existem certezas no investimento.
Estes vectores fundamentais da nossa estratégia de luta contra a tendência de abrandamento recessivo e de promoção do emprego e da expansão estão evidentemente condicionados todos eles excepto porventura o das exportações, mesmo assim a agressividade e competitividade das empresas exportadoras dependerá das condições gerais da
economia - em particular o investimento público, o investimento privado e o consumo privado à aprovação deste Orçamento do Estado.
Por isso, sem dúvida me parece que essa hipótese, que julgo improvável, seria gravemente lesiva da luta contra o desemprego e da promoção da expansão económica em que nos empenhamos.
Por outro lado, o Programa do Governo é inteiramente coerente com esta proposta de Orçamento, no que se refere à promoção do emprego e à luta contra o desemprego, mas sabemos, evidentemente, que neste momento as economias do sistema em que estamos inseridos têm um problema estrutural de emprego e também sabemos, como V.Ex.ª recordou, que o emprego foi relativamente subalternizado na política de «pedras mortas» que herdámos e a que sucedemos.
Por isso, claramente, a luta pelo emprego exige que se tenha em conta uma política específica qualitativa e quantitativa, que se tenha em conta a vertente interna e a vertente europeia, como já sublinhei há pouco, acentuando o papel que o Primeiro-Ministro de Portugal teve na Cimeira de Madrid e continua tendo no sentido de impulsionar no quadro da União Europeia políticas concertadas de coesão e de emprego. E, sobretudo, é uma política que depende de reajustamentos estruturais para os quais a acção do Governo, em termos de Programa e deste Orçamento, se encaminha como primeira prioridade. Mas, evidentemente, essa primeira prioridade tem a ver com a promoção do investimento que cria ou mantém emprego e com acções de tipo qualitativo para os quais este Orçamento cria meios, mas que são todas elas acções de longo prazo.
Penso que não é questionável que a primeira prioridade do Programa de Governo e a primeira prioridade a que subordino este Orçamento é o emprego, mas é certamente a mais estrutural das prioridades e, por isso, o Orçamento só por si e no horizonte em que se cumpre encontra muitas dificuldades para satisfazer tanto quanto desejaríamos. Mas não escondemos que esta é a primeira de todas as prioridades do Programa de Governo e também na execução deste Orçamento.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, seria desejável que dois objectivos pudessem ser atingidos, que acabássemos os pedidos de esclarecimento e as correspondentes respostas e que pudéssemos almoçar a horas organicamente adequadas. Por isso, peço ao Sr. Ministro e aos Srs. Deputados um esforço de respeito estrito dos três minutos regimentais.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.
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O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro,
Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: V.Ex.ª não falou em reprivatizações e embora o Sr. Primeiro-Ministro tenha ontem feito algumas referências ao processo fê-lo de uma forma muito global e muito ao nível dos princípios, que são inquestionáveis.
Todavia, precisamos de ver um pouco mais esclarecidos alguns pontos nesta matéria. A forma como este processo tem vindo a ser conduzido nos últimos tempos, quer antes do início da discussão do Orçamento do Estado, quer já mais recentemente, dá-nos a ideia de que nem tudo está a correr bem e nem tudo está a conduzir-se no sentido das promessas que o Partido Socialista fez ao País.
Ora, antes do Orçamento do Estado, nomeadamente no caso da ratificação do decreto-lei referente à privatização da Tabaqueira, o sentido de voto que aqui foi claramente manifestado pelo Partido Socialista e que era, ao fim e ao cabo, á posição do Governo, levou àquilo que o Sr. Ministro conhece. Também a posição tomada no que se refere à OPA sobre o Banco de Fomento e Exterior é também um facto do qual não discutimos o mérito nem o fundamento da decisão mas, sim, a vontade política que parece não estar, de facto, presente.
Pensamos que, para além dos impactos directos que uma política adequada de privatizações implementada com alguma celeridade tem no Orçamento pela via da redução da dívida, há outros aspectos decorrentes dessa política que agora não vou referir mas que são para nós muito caros.
Assim, e correspondendo ao apelo do Sr. Presidente, pergunto-lhe muito directa e claramente se este Governo vai fazer, em tempo útil e de uma forma clara, aquilo que o Partido Socialista prometeu ao País em termos de privatizações e que não se vai deixar enredar em custos, vantagens políticas, compromissos e dessa forma pôr em causa, talvez de uma forma irreversível, quer boa parte das empresas a privatizar, quer, eventualmente a prazo, o equilíbrio das contas públicas. Não queremos que se proteja ninguém, não queremos que se beneficie ninguém, mas pensamos que não devemos deixar passar em claro se houver hesitações e atrasos injustificados nesta matéria, porque já tivemos algo disso no passado recente que, aliás, causou danos irreparáveis, os quais não gostaríamos de ver continuados.
Em resumo, Sr. Ministro das Finanças, o que pretendia era pedir-lhe que nos assegure que vai dar a esse processo a celeridade que ele carece para que se cumpra não só aquilo que o Partido Socialista prometeu ao País, mas que também por esta via se assegure, de alguma forma, a exequibilidade deste programa.
O Sr. Presidente : - Sr. Ministro, se pudesse respeitar o limite dos três minutos agradecia.
Tem a palavra.
O Sr. Ministro das Finanças: - Tentarei obedecer-lhe, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr. Deputado António Galvão Lucas, penso que é claro que este Governo tem, e Programa afirma-o, um compromisso de fazer uma política de privatizações coerente, intensa e rápida. Penso que também é claro que o facto de ter sido recusada a ratificação aqui, na Assembleia da República, a um decreto-lei sobre a privatização da Tabaqueira resultou, naturalmente, da liberdade soberana dos grupos parlamentares e a posição de reserva do Governo resultou, pura e simplesmente, de não ter na altura nenhum conhecimento desse processo e de não ter também nenhum programa de privatizações, visto que tinha acabado de entrar em funções.
Todavia, isso não significa nada a não ser o exercício da vontade soberana da Assembleia da República e, da parte do Governo, a posição de reserva que aqui foi expressa pelo Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, segundo a qual estávamos a estudar o programa de privatizações e não tínhamos nenhum conhecimento do processo a que se referia aquele decreto-lei: Não significa mais do que isso, tanto mais que essa empresa está incluída no programa de privatizações.
Quais são as diferenças em relação à política do governo anterior? Também isso é importante assinalar porque, de facto, houve uma mudança depois de 1 ele Outubro de 1995, e essa mudança vê-se. A diferença é, em primeiro lugar, que este Governo privatiza de acordo com um programa e nunca antes houve um programa aprovado por todo o governo. Assim, trata-se de uma opção do Governo, não de um papel interno do Ministro das Finanças em guerra com os outros Ministros. Em suma, trata-se de uma opção de todo o Governo e isso faz parte do estilo de actuação do Governo do Eng.º António Guterres e dá maior força às deliberações em que, nomeadamente, o Ministério das Finanças, responsável pela gestão financeira, actua com os outros ministérios no âmbito de um Governo colegial e não contra eles, como uma luta de feudos administrativos.
Ou seja, há um programa que aposta na legalidade, na transparência, na coerência e na rapidez. É um programa global, a lista para 1996/1997 é pública, V.Ex.ª conhece-a, é ambiciosa e aponta claramente para que as privatizações aí mencionadas, de acordo com o modelo escolhido para cada empresa, sejam irreversíveis, transformando o sistema produtivo num sistema em que haja grupos económicos privados, condição sem a qual a nossa economia não será competitiva. Não se trata de o poder económico se exercer ilegitimamente sobre o poder político, o que condenamos, mas trata-se, sim, da estruturação da actividade produtiva em termos que tornem a economia portuguesa competitiva numa economia global, agressiva, numa economia europeia estruturada, que exige grupos económicos nos quais se exerça a racionalidade e a inovação tecnológica. As privatizações terão esse critério fundamental, esse e não a obtenção pura e simples de receitas como num mercado qualquer de compra e venda.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, agradeço que termine.
O Orador: - Quanto ao BFE, de algum modo, também esta operação nasceu antes da aprovação do programa de privatizações do Governo que estava calendarizada para ser simultânea, como foi, com a proposta de lei do Orçamento do Estado. A decisão tomada é do Ministro das Finanças, mas envolve o Governo. Como decisão individual do órgão unipessoal está fundamentada e parece-me que é claro que não é uma decisão contra o mercado. É uma decisão pela transparência, pela legalidade e aponta no sentido da opção do Governo por um concurso público em que sejam introduzidos, além das garantias de imparcialidade, isenção e transparência, na parte final, elementos de mercado para que os concorrentes exerçam devidamente as mesmas faculdades de licitação que através da OPA pretendiam fazer.
Por conseguinte, penso que estes casos demonstram que há intenção de ser irreversível e decidido na política de privatizações, para bem da economia portuguesa,...
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O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Ministro.
O Orador: - ... e de o ser, em todo o caso, com inteiro respeito pela coerência, pela transparência, pela legalidade e pela imparcialidade.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Ministro. Ainda não foi desta vez que consegui êxito no meu pedido de contenção, pelo que o renovo.
A palavra ao Sr. Deputado Vieira de Castro, em três minutos, se possível.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª começou por afirmar que alguns teriam pressagiado que este Orçamento do Estado seria impossível em razão de divisões no Governo. Naturalmente, Sr. Ministro, que não faço parte desse grupo, porque não me chegou notícia alguma sobre divisões entre membros do Governo. A minha preocupação é outra.
V. Ex.ª disse há pouco que ninguém faz previsões infalíveis isso é certo -, mas, em meu entender, é demasiado elevado o grau de falibilidade das previsões deste Orçamento, quer das receitas, quer das despesas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas vou deixar de lado o que considero ser um demasiado optimismo quanto à receita e, do meu ponto de vista, a impossibilidade de conter determinadas despesas, tal como as respectivas previsões estão inscritas no Orçamento.
Para mim, o primeiro sinal de grande preocupação veio quando foi assinado o acordo de concertação de curto prazo e quando, poucos dias depois, me chegou às mãos o relatório do Orçamento do Estado e pude comparar os respectivos cenários macroeconómicos. Entre esse dois cenários macroeconómicos não mediaram mais do que 10 dias e, Sr. Ministro, confrontei-me com uma revisão em baixa do crescimento económico, pois era de 3% no acordo económico de médio prazo, surgiu-me de 2,8% no relatório do Orçamento do Estado e, logo numa linha abaixo, diz-me o relatório que, provavelmente, o crescimento da economia se situará entre 2,5% e 3%! Ou seja, já se admite que não seja de 2,8%, mas que possa vir a ser de 2,5%.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Sr. Deputado já ouviu falar de média?!
O Orador: - O Sr. Ministro sabe também que há outras previsões bem negativas em relação às previsões do Governo quanto ao crescimento da economia - e não estou tão pessimista quanto um economista, insuspeito, aliás, que prevê um crescimento da economia de cerca de l%.
V. Ex.ª referiu várias vezes a conjuntura de abrandamento e queria perguntar-lhe como é que, com a envolvente externa tal como está, é possível, ainda assim, fazer uma previsão de um crescimento de 2,8% para a nossa economia.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.
O Orador: - Sr. Presidente, vou pedir-lhe que use para mim da mesma benevolência que usou para outros colegas meus.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou usar, mas não há o direito à igualdade de tratamento e ao princípio da igualdade em matéria de violação do Regimento. Compreenderá que nesse domínio não funciona.
O Orador: - Sr. Presidente, vou respeitar a sua bondade.
O Sr. Ministro disse mais do que uma vez no seu discurso que este era um Orçamento de expansão e de crescimento do emprego, só que, depois, em resposta a alguns colegas meus, já não o vi tão optimista. E queria perguntar-lhe quem tem razão: V. Ex.ª, que diz que o emprego se vai expandir, ou a Sr.ª Ministra da Qualificação e do Emprego, que ouvi dizer, em declarações a uma rádio na semana passada, que o desemprego vai aumentar?
Finalmente, o Governo tem amplificado algumas opiniões favoráveis de alguns dirigentes de associações empresariais, que, de alguma forma, o Governo estará a tomar como um sinal de confiança dos empresários. Gostaria que o Sr. Ministro fizesse o favor de compatibilizar essas opiniões com os últimos resultados do inquérito de conjuntura do INE relativamente à intenção de investimento dos empresários.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estou informado de que o Sr. Ministro vai responder conjuntamente aos últimos três pedidos de esclarecimento.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.
O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, julgo que este debate ganhava muito com a celeridade das perguntas e das respostas e, portanto, se V. Ex.ª me permite, se pudesse ser mais rigoroso logo desde início, as perguntas e respostas seriam mais curtas e o debate ganharia em vivacidade.
O Sr. Presidente: - O que é que sugere, Sr. Deputado? Que corte o som?!
O Orador: - Poderá usar de uma maior persuasão.
O Sr. Presidente: - Não há persuasão possível, mas vou tentar.
Muito obrigado pela sugestão.
O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, não irei comentar a sua resposta às reivindicações do PP, nem a falta de convicção - a tal já aqui referida - demonstrada com a retirada de todo o vocabulário político em matéria de política económica e convergência europeia. Percebo e registo - a sua citação de Ortega y Gasset é, aliás, apropriada a este propósito.
O meu comentário é sobre o rigor orçamental.
Disse o Sr. Ministro que este Orçamento era jurídica e tecnicamente rigoroso. Quero contestar esse rigor económico do Orçamento, que se mede pela dívida pública pelo seu crescimento ou pelo seu decréscimo -, já que me parece-me o único indicador importante para aferir do rigor económico de um orçamento. É um indicador de longo prazo e, por isso, é um indicador de rigor económico.
Devo dizer que não sou daqueles que, como disse o Sr. Primeiro-Ministro, ficam tristes com o êxito deste Governo em matéria orçamental. Pelo contrário, ficarei mesmo muito contente. No entanto, estou preocupado com a ideia de que poderá haver um Orçamento suplementar e estou preocupado com o acréscimo da dívida pública. E digo-lhe porquê. Porque a trajectória virtuosa da descida da inflação e da descida das taxas de, juro vem do passado, mas
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a confiança dos mercados e a credibilidade do Orçamento do Estado vê-se na evolução da dívida pública. Com as receitas estimadas para as privatizações - a meu ver, talvez um pouco optimistas -, este ano seria aquele em que Portugal teria de dar sinais claros de que está a fazer a convergência e, a meu ver, é muito claro que o indicador, fundamental e único, de passagem à terceira fase não é o défice mas a dívida pública.
Ora, de acordo com contas feitas por vários economistas, Portugal teria de reduzir a sua dívida pública, já este ano, para 68% do PIB, para cumprir, nesta óptica, os critérios de
convergência - a Bélgica parece-me que cumprirá, a Finlândia cumprirá e a Irlanda cumpre com certeza. E a Bélgica cumprirá - disse bem - porque o que está em causa não é o nível de dívida pública, mas a sua sustentabilidade e esta afere-se pela sua diminuição e pelo ritmo dessa diminuição. É o ritmo da diminuição da dívida pública que está explícito no Tratado da União e a credibilidade do Orçamento do Estado verifica-se, por isso, através da evolução dessa mesma dívida pública.
O Sr. Ministro fez aqui várias propostas de reformas dos tribunais administrativos, do Tribunal de Contas - e foram já aprovados nesta Câmara os novos estatutos do Banco de Portugal, que eu, aliás, tive ocasião de defender. Ora, gostaria de lembrar que fiz uma proposta ao Governo - e volto a fazê-la neste momento ao Sr. Primeiro-Ministro, pondo este ponto à colação do Sr. Ministro das Finanças - que é a seguinte: por que não entregar a esta Câmara a capacidade de fixar anualmente os tectos da despesa total e a evolução da própria dívida pública? Seria uma forma transparente, não de rigor jurídico ou técnico mas de rigor económico, que dava provas de um grande empenhamento no cumprimento dos critérios de convergência e no cumprimento do rigor económico.
A dívida pública representa hoje 40% da poupança das famílias europeias e o facto de ela existir implica que não se possa combater o desemprego e se ponha em causa o financiamento da segurança social. E, como disse, mede o rigor do Orçamento do Estado, porque o seu crescimento futuro quer dizer mais impostos futuros para a financiar e, por isso, se não se agrava a carga fiscal num ano, mas a dívida pública não decresce suficientemente apesar das receitas das privatizações, isso significa que terão de ser lançados impostos no futuro para pagar essa mesma dívida pública.
O Sr. Presidente: - Foram cinco minutos, Sr. Deputado! Bem prega Frei Tomás!
Aplausos gerais.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.
O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, correspondendo ao seu pedido, serei muito breve.
Sr. Ministro das Finanças, as questões que quero colocar-lhe são pragmáticas. Não vou com certeza pôr na sua frente «moinhos de vento», as minhas questões não vão estar no espírito de Miguel Cervantes, que V. Ex.ª, não sei com que objectivo, quis usar na sua intervenção. Mas, previamente às duas questões sobre as quais o queria ouvir, gostaria de tecer algumas observações ao enquadramento da sua intervenção.
O Sr. Ministro das Finanças referiu - e bem - a sua satisfação com a queda das taxas de inflação, mas fê-lo de tal forma que quase pareceria que essa circunstância se devia aos quatro meses de Governo do PS. Ora, penso que não será assim essa é a minha primeira questão -, pois, em meu entender, a queda da inflação é um processo que veio sendo desenvolvido pelos últimos governos, com grande rigor e grande persistência.
Falou o Sr. Ministro na taxa de inflação nos últimos quatro meses, mas não falou - e esse é outro aspecto da questão - no aumento da taxa de desemprego nesses mesmos quatro meses, que, como sabe, vai já em meio ponto percentual. A Sr.ª Ministra da Qualificação e do Emprego esteve aqui, em Comissão, a analisar o Orçamento que estamos a discutir e afirmou, com toda a clareza, que já ficaria satisfeita se, em 1996, a taxa de desemprego se mantivesse nos valores actuais, que, repito, é já de meio ponto percentual acima do que era em 1 de Outubro. Ora, gostaria que o Sr. Ministro das Finanças comentasse este aspecto.
Finalmente, Sr. Ministro, temos ouvido falar em rigor e consciência social, mas o certo é que as transferências líquidas do Estado, do Tesouro - repare que digo do Estado e não do Orçamento do Estado -, para a segurança social, em 1996, estão abaixo dos valores que foram atingidos em 1995 e em 1994. O Sr. Ministro sabe bem do que falo, porque, no ano de 1994, foi utilizado um empréstimo que se previa ser sem juros, mas que V. Ex.ª, como Presidente do Tribunal de Contas, não aceitou que fosse sem juros e que, agora, dizem vai ser sem juros e sem amortização.
Eram estas as questões a que gostaria que V. Ex.ª me respondesse.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças, que, segundo o Regimento, tem cinco minutos para o fazer, fora a tolerância habitual.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, procurarei ser ático, se é que não lacónico.
Sr. Deputado Vieira de Castro, sobre o optimismo nas previsões, voltamos à mesma. E apenas para variar o argumento, recordaria que as nossas previsões de receitas diferem em 30 milhões de contos - o que é irrelevante da previsão para 1996 feita num artigo do Suplemento Económico do Diário de Notícias pelo Dr. Vasco Valdez Matias, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo anterior. Assim, é a uma taxa de 7,7% inferior à realização do ano passado. Penso que, sempre que se possa comparar, ao contrário do que se diz, uma execução completa do ano anterior, essa comparação é mais correcta e fornece uma melhor base de previsão orçamental do que a comparação com a previsão, ainda por cima se a previsão não for rigorosa. Eis dois exemplos, em matéria de receitas, para demonstrar que a nossa estimativa é extremamente prudente.
Quanto à revisão dos «valores-meta» e dos «valores-previsão» do quadro macroeconómico, é um facto que o acordo de concertação social, negociado entre Novembro do ano passado e Janeiro deste ano e que foi assinado com valores, no essencial, acordados no mês de Novembro ou no de Dezembro, traduz valores mais altos, nomeadamente quanto à meta de crescimento do Produto de 3%, do que os valores revistos em baixa do Orçamento. E os valores do acordo ainda são inferiores em 0,1 % às previsões do exame de Outono da Comissão Europeia.
Portanto, descemos, de Novembro até Janeiro deste ano, 0,375% no crescimento real do Produto. Fizemos um
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grande ajustamento em baixa, o que credibilizou a previsão, porque é essa a tendência verificada durante o período na economia europeia. Julgo que é claro que, neste momento, não é preciso fazer outra revisão, o que daria um sinal indicativo aos agentes económicos e seria profundamente prejudicial.
Quanto ao contexto europeu, como já referi, se há países, como a França e a Alemanha, que estão a fazer revisão em baixa das suas previsões do Verão passado, a verdade é que há países - por exemplo, a Espanha, que nos está mais próxima - que continuam a ter previsões muito altas, com taxas de crescimento histórico do ano passado muito altas - 3% no ano passado e 3% e mais qualquer coisa este ano, em termos de previsão -, o que significa que a Espanha, a Itália, o Reino Unido e alguns países periféricos continuam a ter taxas consistentes de expansão.
Ao olhar para a União Europeia; não podemos olhar apenas para a França e para a Alemanha. Não podemos esquecer, nomeadamente, a tendência expansionista da economia espanhola, que tem tido um melhor desempenho do que o nosso. Por isso mesmo, eu diria: sem dúvida, a previsão que fazemos é realista e não optimista.
Falou o Sr. Deputado em contradição entre as declarações de alguns dirigentes de organizações empresariais e o último inquérito de conjuntura do INE. Não! As declarações dos agentes empresariais dizem exactamente aquilo que é preciso fazer perante um inquérito de conjuntura do INE. Se há expectativas negativas dos empresários, é necessário estabilizá-las e viabilizá-las, através da aprovação do Orçamento. É mais urgente aprovar o Orçamento do que se os empresários tivessem expectativas francamente de alta.
Precisamente porque as expectativas de baixa de realização do investimento privado existem é que é necessário criar condições para suprir pelo investimento público e para inverter o sentido negativo dessas expectativas como o indicador de confiança, em
melhoria - não é em continuidade - desde Dezembro e Janeiro deste ano, o que demonstra que é isso possível e está já, embora lentamente, a ocorrer.
Sr. Deputado Francisco Torres, queria fundamentalmente sublinhar que quanto à dívida pública, diferentemente do que aconteceu nos últimos quatro anos, a nossa previsão não é de crescimento mas de diminuição. Por isso, se nos estávamos a afastar, depois do esforço feito no início dos anos 90, em que efectivamente houve redução, se nos estávamos a afastar, repito, nos últimos orçamentos e contas, dos critérios de redução da dívida pública, agora voltamos a reduzi-la, o que é um bom critério em termos de convergência e em termos nacionais. Ninguém defenderá que aumentar a dívida pública é bom. Ora bem, nós não só diminuímos o défice do sector público administrativo como, o que é muito mais importante, reduzimos o endividamento líquido do sector público administrativo em 171,5 milhões de contos.
Além disso, possibilitamos também, pela alteração do período complementar de receita, que se evite a acumulação em ordem de 1 % do PIB de dívida em Dezembro; para satisfazer encargos no primeiro mês e meio do ano seguinte, assim como afectamos as receitas das privatizações, no montante de 380 milhões de contos, à dívida do Orçamento deste ano, muito mais do que nos últimos anos, em que ia, sobretudo, para a chamada viabilização do sector empresarial do Estado, que, em muitos casos, era pura e simplesmente para a cobertura de despesas correntes através de aumentos de capital. Fazemos uma política consistente e prevemos já uma diminuição do nível de dívida, pela primeira vez, nos últimos quatro anos, para 68%. Esse é o sentido deste conjunto de medidas. Por isso, diria que também neste caso melhoraremos a posição relativa.
Porém, vou recordar-lhe uma coisa que conhece muito bem: é que em termos relativos, em vários outros indicadores, estamos melhor do que a Espanha - e não estou a falar de dívida pública, atenção! -, nomeadamente em termos de estabilidade da moeda, taxa de juro a longo prazo e défice orçamental. Isto significa que na negociação de políticas europeias, que está a ocorrer com base na análise das situações internas, estamos a colocar-nos numa posição favorável em todos os critérios relevantes, independentemente da utilização do instrumental teórico em que quer enquadrá-los.
Sr. Deputado Falcão e Cunha, se herdamos - e não podemos herdar, a benefício de inventário - o activo e o passivo da herança que nos é transmitida, não esqueço que, como é evidente, a descida do nível do índice de preços no consumidor, como medição da alta do nível de vida, tem, sobretudo, como fonte o contexto europeu. Andámos com taxas sociais e políticas internas elevadas, mas andámos, em comparação, com o contexto europeu, sobretudo sul-europeu, e, evidentemente, esse lado positivo que acentuámos muito deliberadamente tem como contrapartida o lado negativo do agravamento do emprego em 1995. Há, pois, aí um trade off e nós recebemos essa dupla herança. Estamos a geri-la, lutando contra o desemprego e contra a inflação.
Nesse sentido, lembro apenas que as previsões que até agora temos feito têm-se revelado ajustadas à realidade e erros de previsão toda a gente comete. Nos últimos quatro anos, em matéria de crescimento, os erros de previsão acumulados rondam os 11%. De modo que, mesmo que quiséssemos entrar numa competição, tínhamos muito por onde errar.
Quanto à transferência para o orçamento da segurança social, é a primeira vez que ela se faz nos. termos da lei. É evidente que a venda de créditos utilizada numa das situações não é uma pura transferência, porque esses créditos, porventura em margem reduzida, podem ser executados, podem ser realizados por venda, não são valores de zero.
Quanto ao empréstimo - e nós pusemos cobro a essa situação - como V. Ex.ª sabe, o único problema que se punha era o de que não podia haver um empréstimo à taxa zero. O empréstimo à taxa zero não era um verdadeiro empréstimo. No Orçamento suplementar, regularizámos contabilisticamente essa situação, pagando a taxa de juro correspondente àquilo que era um falso empréstimo. O que pretendemos é não apenas cumprir a lei como cumpri-la com toda a transparência. Expedientes desse tipo é coisa que recusamos e que não fazemos. Logo, não me venha dizer que cumpriu a lei por meio de expedientes, porque com expedientes não a cumpriu. Nós cumprimos a lei e acabámos com os expedientes.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração pessoal.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, devia dar-lhe a palavra no fim do debate, mas, uma vez que estamos no final da manhã, faça favor.
O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, eu não disse que se tinha cumprido estritamente a lei - e está, com certeza, a referir-se à Lei de Bases da Segurança Social. Eu não disse isso. Mas VV.
Ex.as também não cumpriram, porque o valor não é aquele que orçamentaram.
O que eu disse, Sr. Ministro das Finanças, foi que - e por isso pedi a palavra - as transferências do Tesouro para a segurança social, em 1996, vão ser menores do que em 1995 e 1994. Eu não disse que cumprem a lei ou que nós cumprimos a lei de bases mas, isso sim, que, em valor líquido, os senhores vão transferir menos dinheiro num Orçamento que chamam de consciência social. V. Ex.ª a isso não deu resposta; pelo contrário, tentou distorcer aquilo que afirmei.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Falcão e Cunha, queria apenas dizer que, a transferência de créditos não é uma transferência pura. E uma venda.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper os trabalhos, recomeçando às 15 horas e 30 minutos. Peço-vos que sejam pontuais, porque temos uma tarde cheia de trabalho e gostaria que hoje gastássemos o tempo disponível, para que amanhã de manhã não haja trabalho, o que será, com certeza, a contento de todos.
Está suspensa a sessão.
Eram 13 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo desta legislatura, discutiu-se já no Hemiciclo, primeiro, o Programa do Governo, em seguida, o Orçamento rectificativo e, agora, as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1996.
Desta forma, hoje, as bancadas deste Parlamento, e particularmente a minha, enquanto oposição, estão de posse de elementos que permitem uma análise daquilo que é, afinal, o mais importante na política e na função governativa: a capacidade de estabelecer opções e priorizá-las e a capacidade de fazer previsões com um mínimo de erro.
Se os cidadãos pudessem participar directamente nesta discussão, e certamente aqueles que deram a vitória ao PS, creio que esperariam ver nas Grandes Opções do Plano e no Orçamento a concretização do Programa do Governo. Ou seja, é nesta sede e através destes instrumentos que um governo eleito passa do puro plano da proclamação dos princípios políticos para o plano, mais complexo, mais espinhoso, da concretização em medidas políticas, concretas e do quotidiano, de um pensamento e de uma estratégia.
É isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que realmente está em causa.
Em duas importantes áreas - a da saúde e a da segurança social
-, e bem, o Governo apontou caminhos de reforma. Aliás, nem outra coisa seria de esperar, pois todas as análises feitas, todos os indicadores disponíveis, todas as experiências vividas na maioria dos países apontam para tal necessidade.
Não reformar, hoje, significa ser cúmplice de uma situação de ruptura; significa comprometer as gerações futuras; significa aumentar as injustiças sociais.
Não ignoramos que tais reformas são complexas, devem rodear-se de todas as cautelas que processos eminentemente sociais requerem, implicam um grande domínio das situações factuais e suficiente firmeza e humildade para lidar com o factor humano, determinante em qualquer processo reformador.
Mas eu explico, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. ,Deputados, as dúvidas que estas duas áreas, quer em sede de Grandes Opções do Plano, quer em sede de Orçamento, suscitam à minha bancada.
Vejamos a área da saúde. Ao contrário de outros, consideramos que a questão do financiamento, sendo da maior importância, não é q único ou, mesmo, o mais determinante problema do sistema de saúde português. Sempre afirmámos que não menos importante é, e será, a capacidade de correcção sistémica, a organização e o aperfeiçoamento das técnicas gestionárias.
É que para levar por diante esta reforma, a Sr.ª Ministra da Saúde vai ter de incentivar alterações de comportamentos, quer no âmbito do sector público, quer no âmbito do sector privado, quer a nível dos financiadores actuais e potenciais, quer a nível dos prestadores e, por fim, mas não de somenos, será a própria modificação de postura dos cidadãos face ao consumo de bens de saúde. Sem isto, qualquer aumento puro e simples do financiamento é praticamente inútil.
Assim, sabemos que a dívida do SNS é, sem dúvida, um dos factores de maior preocupação, mas já todos sabemos também que ela é estrutural e, enquanto não houver modificações na forma como o sistema vive e convive, tal não terá solução. Mais, atrevo-me a dizer que ela aumentará de forma descontrolada, deitando por terra todas as previsões orçamentais e, o que talvez seja pior, esvaziando de eficácia todas as opções estabelecidas, porque a dívida só se resolve, afinal, quando se tornarem efectivos os mecanismos necessários para conter a inflação e os consumos desadequados em saúde. Isto é, quando se exigir a quem determina os consumos e a quem consome bens de saúde a responsabilização pela gestão conjunta de recursos que são escassos.
É por isso, Sr.ª Ministra que, embora dizendo-lhe que concordamos, no geral, com as opções que V. Ex.ª apresenta, até porque sempre nos afirmámos contra uma « política de betão» que pode ser geradora de mais
inacessiblidades e desigualdades e ainda de efeitos perversos sobre a procura, devemos concordar que as previsões são, a nosso ver, irrealistas.
Tomemos como exemplo os hospitais, fatia significativa do orçamento do SNS e pivot essencial do actual sistema, que é erradamente predominantemente hospitalar.
Pretende V. Ex.ª três coisas.
Primeira, a redução substancial dos gastos com medicamentos, cuja taxa de crescimento é, hoje, de 15%, prevendo-se um acréscimo tão-só de 6%.
Segunda, idêntica redução para os gastos relativos a meios de diagnóstico, cuja taxa de crescimento é ainda superior. Ora, sabemos, eu sei, que tal é possível, ou seja,
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que partimos de uma base de manifesta hiperprescrição e que a redução prevista pode e deve ser desejável, não por imperativos economicistas mas de eficiência e qualidade. Mas essa possibilidade depende claramente da introdução imediata de factores de correcção, que não têm, nem devem, de ficar dependentes de uma reforma global do sistema.
Sabendo-se que, em 1996, a despesa em medicamentos do SNS ultrapassará os 150 milhões de contos, por que razão ainda não estão em prática medidas elementares como a definitiva introdução dos genéricos; a distribuição no ambulatório, em unidose, de medicamentos da farmácia hospitalar; a adopção progressiva de preços de referência, medidas indispensáveis para que o orçamento da saúde não derrape e também indispensáveis à moralização do sector?
Quanto aos meios de diagnóstico, assistimos à instalação de alta tecnologia, de acordo com ratios totalmente inaceitáveis. Para dar um exemplo, citarei o caso de Mirandela e Bragança onde, para uma população de 120 000 habitantes, se instalam duas tomografias axiais computorizadas a uma distância de escassos quilómetros, sendo que Vila Real, que já possui um ratio de 250
000 habitantes por TAC, que é o ratio correcto, passa a 100 000 habitantes por TAC;
Terceira, quanto à eventualidade de assistirmos a uma triplicação dos valores de facturação e cobrança de receitas próprias por parte das unidades de saúde do SNS, ela depende, como se sabe, de uma obrigatoriedade de identificação do utente que elimine, de uma vez por todas, a pulverização dos financiamentos e essa figura atípica, que o sistema criou, do doente múltiplo.
Por fim, e ainda a nível da gigantesca estrutura do SNS, que efeito irão ter medidas como a diminuição do horário de trabalho e o aumento do período de férias, sabendo-se que estamos perante um sector de laboração intensivo, no qual o peso das horas extraordinárias é já considerável? Acaso entrou o Ministério da Saúde em linha de conta, nas suas previsões, com estes factores?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na área da saúde, a reforma impõe-se e será gradual. Mas o que hoje aqui discutimos é o Orçamento do Estado para 1996 e, se factores de correcção não forem de imediatos introduzidos, é nossa convicção de que as previsões não se verificarão.
Vejamos agora a área da solidariedade social, área também de anunciada reforma, e comecemos pelas Grandes Opções do Plano.
Temos de lamentar a enorme redução, quer qualitativa, quer quantitativa, que as prioridades constantes do Programa do Governo sofreram nas Grandes Opções do Plano.
A família, como principal parceiro para o desenvolvimento de qualquer política social, como o principal amortecedor da pobreza e da exclusão, como o fundamental núcleo integrador, não é sequer referida. Em termos fiscais, como ontem já foi acentuado, ela resulta mesmo penalizada. Por outro lado, continuamos a ver, com preocupação, inúmeros centros de decisão e grande dispersão de financiamentos, o que nos leva a temer pela execução, na prática, de uma política social, global e integrada.
Quais são, afinal, as novas soluções para os novos problemas? Onde está esse imperativo de prever, nomeadamente em função do desemprego, o impacto orçamental dos sintomas socialmente graves que se fazem sentir? O que dizer, por exemplo, dos reflexos sociais, individuais e de grupo das chamadas novas doenças?
Finalmente, como pode o rendimento mínimo garantido estar orçamentado, ao mesmo tempo que se constitui uma comissão para o estudar? Como pode, nestas circunstâncias, surgir o rendimento mínimo garantido como única medida de combate à exclusão social nas Grandes Opções do Plano? Que expectativas abre na sociedade portuguesa? Que necessidades visa satisfazer? Que desigualdades relativas não poderá criar?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ficamos à espera, atentos, dos resultados dos livros brancos e das comissões de reflexão. Estamos no mês de Março e, não obstante os benefícios da dúvida que, nestas matérias, se possam eventualmente dar, as nossas preocupações são legítimas. É o presente que estamos a discutir. Da sua fiabilidade, depende o futuro do Governo, mas também as legítimas expectativas que, em relação a esse futuro, têm milhões de portugueses.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.
O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, penso que terei percebido bem ao ouvi-la dizer que, no geral, concorda com as opções apresentadas no orçamento para a saúde.
Sendo assim, pergunto-lhe se esta sua concordância corresponde também ao acordo de que este Orçamento faz um efectivo reforço do Serviço Nacional de Saúde quanto aos meios financeiros que lhe são destinados, pois, como V. Ex.ª sabe, o Orçamento para 1996 prevê um acréscimo de 8% em relação às verbas que no Orçamento inicial para 1995 haviam sido afectadas ao Serviço Nacional de Saúde.
Gostaria que me esclarecesse se a sua concordância vai também ao ponto de aceitar que neste Orçamento há um efectivo reforço no que toca ao investimento na saúde, uma vez que o PIDDAC previsto para 1996 tem um acréscimo de 48% em relação ao executado durante o ano de 1995. Assim, acha possível, uma vez que a
Sr.ª Deputada reconheceu - e muito bem - que há uma dívida estrutural muito grande na área da saúde, em um só ano anular ou, de uma maneira marcante, reduzir drasticamente uma dívida que foi construída ao longo de 10 anos de governo do PSD?
Reconheço que, em sede de Comissão da Saúde, a Sr.ª Deputada tem sido, de facto, uma das Deputadas do PP que tem uma prestação extremamente interessante, numa óptica de diálogo e de participação no grande debate sobre a reforma de saúde no nosso país. Gostaria que nos dissesse se, pela parte do PP, mantém esse espírito de disponibilidade para um debate profundo sobre as reformas a introduzir no nosso sistema de saúde, concordando com os pressupostos que há pouco lhe enunciei e que penso estarem contidos na afirmação que fez. Isto é, se continua disponível para esse debate alargado sério, com todos os interessados e intervenientes no sistema de saúde, de modo a que seja possível, indo ao encontro do programa do Partido Socialista, fazer uma reforma do nosso sistema de saúde, com um horizonte temporal alargado, que permita, pelo menos até ao final desta legislatura, conseguirmos uma reforma eficaz e efectiva do Serviço Nacional de Saúde.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, havendo mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, deseja responder já ou no fim?
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A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Respondo já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Marques, certamente que este Orçamento contempla um reforço do financiamento, mas o Sr. Deputado sabe que essa não é a questão central, neste momento, pelo menos do meu ponto de vista, no que toca ao sistema de saúde em Portugal.
Em minha opinião, o que está em questão é a revisão do sistema em si, aquilo em que ele já está esgotado e as potencialidades que ele ainda tem e podem ser aperfeiçoadas. Dar-me-á razão quando eu lhe disser que, enquanto não se alterar, por exemplo, a forma de gestão das unidades hospitalares, será difícil que um simples reforço orçamental corrija a situação financeira dos hospitais.
Portanto, dou sempre uma grande ênfase à questão da correcção sistémica, porque entendo que pode ser perigosamente ilusória a ideia de que um reforço orçamental do financiamento só por si resolva este problema.
Em relação às Grandes Opções do Plano, reconheço - reconhece a minha bancada, e isto foi dito na Comissão de Saúde - que a Sr.ª Ministra traz para as Grandes Opções do Plano questões muito importantes, em termos do que entendo dever ser uma política de saúde por parte do Governo. São questões relacionadas com os indicadores de saúde de um país e não com outros problemas que, indevidamente, podem estar na área do Estado e nas preocupações do Governo. São estes os grandes problemas com que um governo, concretamente um ministro da saúde, tem de se preocupar. Nesse sentido, vi e penso que o meu partido viu com agrado o tratamento dessas questões.
Quanto ao PIDDAC, num dado momento, foi dito aos portugueses que a construção de muitos hospitais iria melhorar a saúde em Portugal, os indicadores de saúde e a qualidade do acesso e dos cuidados de saúde para os portugueses. Sabemos que isso não é verdade, pois para nada serve um hospital se não tiver o factor humano, para nada servem blocos operatórios se não houver cirurgião, para nada serve um cirurgião se não houver um anestesista.
O que é preciso é uma distribuição equitativa dos recursos, de forma a que o País fique devidamente coberto e que os cidadãos tenham, em termos da generalidade e da globalidade dos serviços, condições de acesso e de tratamento. Uma «política de betão» nunca foi uma política que comovesse a minha bancada.
Em minha opinião, no geral, as alterações no PIDDAC correspondem a alguma cautela, rio sentido de proceder primeiro ao levantamento dos recursos existentes e à elaboração de uma carta sanitária, que consideramos básica.
No que toca à dívida, o que me preocupa são as suas causas geradoras. A dívida está lá e será muito maior para o ano se não atalharmos a nível das suas causas. Ora, as causas da dívida têm fundamentalmente a ver com um sistema que continua a querer ser gratuito, universal e geral, mas que na realidade já não o é, neste momento - vejam-se as listas de espera -, e com a existência de toda uma máquina montada que consome os recursos, com uma eficiência que tenderá a ser cada vez menor porque a própria legislação em vigor lhe cria espartilhos e mecanismos que a impedem de gerir em melhores condições.
Creio haver aqui, claramente, um conjunto vasto de matérias que se deverá incluir em sede de reforma. Não podemos pedir à Sr.ª Ministra da Saúde que a efectue no mês de Março, mas existem mecanismos de correcção que, do nosso ponto de vista, deveriam ser introduzidos já, como no consumo, quanto a medicamentos e a meios de diagnóstico, e a nível das unidades de saúde, com pequenas alterações na lei da gestão hospitalar, que dotassem, neste momento, os seus responsáveis de mecanismos de gestão, de modo a serem efectivamente responsabilizados.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.
O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, apreciei imenso a sua intervenção. De facto, estou de acordo consigo quanto a algumas particularidades, nomeadamente quando diz que, neste orçamento, a previsão das despesas para a área da saúde é irrealista, mas a visão dele é economicista. No fundo, tenta enquadrar-se o Orçamento em relação ao doente e não se tenta centralizar o doente como o seu fim último. Faltou-lhe dizer que, afinal, isto não corresponde à consciência social do Governo. Lembro até que não está contemplado neste orçamento para a saúde o 1% que o actual Primeiro-Ministro, em campanha eleitoral, referia, naquela «blaguezinha» em que teve dificuldades de raciocínio. Não está aqui contemplado o prometido 1%, que, salvo erro - não quero também enganar-me nas contas - , corresponderia a mais de 160 milhões de contos.
Apreciei a sua coragem em denunciar que este Orçamento é, de facto, irrealista para a saúde e tem uma visão economicista. Agora, admiro-me também, Sr.ª Ministra,...
Risos do CDS-PP.
... perdão, Sr.ª Dr.ª Maria José Nogueira Pinto - às tantas, será ministra, lá chegarão,...
Aplausos do CDS-PP.
... se calhar, na repartição de cargos e no casamento,... se calhar, não estou a errar, é uma previsão antecipada e correcta -, que se tenha esquecido de dizer que, no combate ao despesismo, o Ministério da Saúde deveria fazer o mesmo que fez o Gabinete do Sr. Primeiro-Ministro,...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - E as dívidas que vocês deixaram?!
O Orador: - ... isto é, deveria conter as suas despesas de funcionamento. O Sr. Primeiro-Ministro afirmou aqui que, em relação a 1995, a previsão das despesas do seu gabinete iria diminuir 18%. No entanto, a previsão das despesas de funcionamento do Gabinete do Ministro da Saúde vai aumentar cerca de 15% em relação ao executado em 1995. Afinal, dão o exemplo da tal contenção e do tal despesismo...
Onde quero chegar é que me espanta que a Sr.ª Dr.ª Maria José Nogueira Pinto, perante esta posição que teve em relação ao Orçamento para a área da saúde, não tenha proposto ao seu grupo parlamentar que essa seria uma das condições para votar contra. Isto é, uma das condições para votar a favor do Orçamento seria modificá-lo e torná-lo mais realista na área da saúde.
Vozes do PS: - Está confuso!
O Orador: - No mesmo contexto, provavelmente a Sr.ª Ministra... A Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto...
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Protestos do PS.
Mas vai lá! Vai lá! É um dos «tachos» a dar. Tenham calma! Tenham calma!
Dizia eu que, no mesmo contexto da actuação da bancada do PP, ontem, em relação às reivindicações, estava à espera que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto fosse dizer: voto a favor, se fosse possível votar individualmente, se diminuírem 50$ nas taxas moderadoras, l00$ nas convenções, etc.
Penso que o seu discurso não condiz, de modo algum, com o da sua bancada.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, espanta-me que não tenha subido à tribuna, com tanto que tinha para dizer ao Governo através de mim.
Aplausos do CDS-PP e do PS.
Quero voltar a afirmar que, de facto, parece-nos que a previsão é irrealista se não forem introduzidos factores de correcção.
O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Onde estão?
A Oradora: - Pergunte ao Governo. Foi o que eu fiz. Já fiz a minha parte, agora, o senhor faça a sua!
Dou-lhe o exemplo dos medicamentos, que, aliás, foi uma área onde o despesismo ficou bem patente nos governos do PSD, mormente com o despacho do Dr. Paulo Mendo, que estendeu ao sector privado o receituário do SNS, com uma subida brutal das despesas com medicamentos e sem qualquer vantagem para os cidadãos, sobretudo para os que têm mais dificuldades para os pagar.
Em meu entender, a situação herdada por este Governo na área dos medicamentos tem, sem dúvida alguma, origem nos governos do PSD, mais concretamente no despacho dó Dr. Paulo Mendo.
Certamente, é recomendável que o Governo corrija essa situação, mas talvez tenhamos de lhe dar mais algum tempo do que os 10 anos que os senhores tiveram para resolver o problema, sem o fazer, nomeadamente no que se refere aos medicamentos genéricos.
Sr. Deputado, eu não disse que há critérios economicistas neste Orçamento. Na minha intervenção disse que « (...) partimos de uma base de manifesta hiperprescrição e que a redução prevista pode e deve ser desejável não por imperativos economicistas mas de eficiência e qualidade». O que penso que está expresso em números, cortado no Orçamento, significa aquilo que, é nossa convicção, é receitado a mais. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que é assim.
Penso que jamais o aumento de 1% seria uma condição de negociação para o Presidente do. Partido Popular quanto a este Orçamento. As nossas condições foram expressas, e muito bem expressas: estamos perante uma área onde se desenha uma reforma, que, obviamente, tem de ser gradual, e a este respeito o Partido Popular está na disposição, como sempre o afirmou, de fazer um «pacto de regime». Não acreditamos em reformas feitas de um dia para o outro. Acreditávamos, sim, numa reforma feita em 10 anos, e lamentamos que isso não tenha acontecido.
Aplausos do CDS-PP.
Nesta matéria, temos de dar a este Governo o benefício da dúvida, porque, se víssemos o Ministério da Saúde fazer uma reforma acelerada, seríamos os primeiros a estar preocupados. Agora, estamos atentos aos mecanismos de correcção, que podem desde já ser introduzidos, e alguns deles foram referidos pelo Dr. Manuel Monteiro, ontem.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Rui Rio, para uma intervenção, informo a Câmara de que assiste à sessão plenária um grupo de alunos da Escola Profissional da Região do Alentejo, Pólo de Monforte, e das Escolas Secundárias da Amadora, Veiga Beirão, Camões e Josefa de Óbidos, de Lisboa, e de Reguengos de Monsaraz.
Para eles peço a vossa habitual saudação.
Aplausos gerais, de pé.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Debate-se, hoje, nesta Câmara, aquela que é a peça de política económica mais. importante do programa de acção de um Governo, o Orçamento do Estado.
É neste documento que o Executivo demonstra verdadeiramente as suas prioridades, ao definir como pretende fazer a afectação dos recursos disponíveis, que é o mesmo que dizer, dos impostos dos portugueses.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Até agora, está tudo bem!
O Orador: - Por isso, a discussão de um Orçamento do Estado, deve ser sempre um debate o mais mobilizador possível de todos os cidadãos.
Nas últimas semanas, o Governo tem-se esforçado por convencer os portugueses que a presente proposta orçamental, para lá de cumprir as promessas eleitorais do Partido Socialista, consagra alguns princípios fundamentais. É neste contexto, que tem sido largamente difundido, que o País está perante um orçamento de contenção, de rigor, de consciência social, de investimento e de convergência.
Aplausos do PS.
Infelizmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados do PS, assim não é...
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - Ah!
O Orador: - ... e, por isso mesmo, o futuro do País é bem menos risonho do que aquilo que nos querem fazer crer. Não é, aliás, difícil concluir que todos esses rótulos não passam de uma habilidosa mistificação, que apenas tem como principal desiderato uma cega preocupação de obediência às mais importantes regras do marketing político. Ao contrário do que erradamente foi divulgado, não estamos perante um Orçamento de contenção. Estamos, sim, perante um Orçamento que aumenta mais de 8% a despesa total do Estado e agrava, inequivocamente, o seu
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peso no produto nacional. Tanto clamou o Partido Socialista pela redução deste ratio, para, afinal, logo na primeira oportunidade, fazer exactamente o contrário do que anteriormente preconizava.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se, nos termos do discurso governamental, este Orçamento, que aumenta a despesa em mais de 600 milhões de contos, não pode ser classificado de despesista, não deve, à cautela, esta Câmara atrever-se a pensar o que poderia ser, então, para o PS, um documento merecedor desse epíteto. Será minimamente prudente, nem sequer imaginar.
Mas também, ao contrário do que erradamente foi dito, o despesismo reflecte-se, essencialmente, ao nível das despesas correntes. Ao crescerem 9,2% e ao verem agravado o seu peso no PIB de 36,5% para 37,7%, os gastos gerais são os grandes responsáveis pela fraca redução do défice que a presente proposta consagra. O Governo não entende a palavra rigor como sinónimo de contenção das despesas correntes. Rigor será, seguramente, outra coisa qualquer que, em boa verdade, estará ainda por descobrir.
Ao fazer algumas desorçamentações fora daquilo que é minimamente aceitável, o Executivo confirma que, também nessa matéria, foi efectivamente sua intenção, meter o rigor na gaveta.
Alguns exemplos poderiam ser dados. Com especial destaque, poder-se-á referir a consagração dá possibilidade de o Governo poder assumir passivos dos institutos públicos, a assunção de dívidas da GNR e da PSP, o porte pago, ou mesmo uma nova dotação no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
São, pois, situações que não estão completamente claras, estando unicamente claro que o caminho que se entendeu dever seguir não foi, com certeza, o caminho do tão propalado rigor.
Mas se o Executivo não hesita quando se trata de canalizar impostos dos portugueses para despesas correntes, o mesmo já não pode ser referido quando toca às despesas de investimento. Com efeito, o PIDDAC, ou seja, a parte do investimento público paga exclusivamente pelos contribuintes nacionais, decresce de 1995 para 1996.
Protestos do PS.
É esta aprova mais cabal de que este Governo pretende que os impostos. cobrados aos portugueses sejam para gastar e não para investir.
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Orador: - Com esta política, torna-se perfeitamente claro que o Partido Socialista, aliás como sempre no passado, não aposta no futuro.
O PS gasta! O PS privilegia o imediato, promove o curto prazo e adia o desenvolvimento do País.
Vozes do PS: - Não apoiado!
O Orador: - Perante esta opção de menorização do investimento, os socialistas assumem frontalmente que não pretendem fazer deste Orçamento um verdadeiro instrumento de combate contra o desemprego. Por isso, não é aceitável que o Governo afirme publicamente que, o desemprego pode aumentar e, ao mesmo tempo, apresente um Orçamento do Estado que consagra exactamente o contrário daquilo que, realmente, devia consagrar.
Quando se suspendem as propinas, quando se acaba com portagens ou quando se pára com Foz Côa, bem se pode tentar explicar aos portugueses que nada disso tem implicações orçamentais e que ninguém vai ter de pagar o que quer que seja. Como é óbvio, a realidade virá sempre ao de cima e os custos aparecerão, inevitavelmente. Ninguém, algum dia, acreditará que os socialistas têm uma varinha de condão e que conseguem acabar com as portagens sem que isso afecte o bolso de quem quer que seja.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Isso não tem nada a ver com o Orçamento do Estado!
O Orador: - Se é certo que quem passa na CREL não paga agora qualquer portagem, também é igualmente certo que quem lá hão passa, de alguma forma, a vai ter de pagar.
Aplausos do PSD.
Esta política de facilitismo e de curto prazo irá, seguramente, sair muito cara ao País e o seu primeiro reflexo está precisamente nesta proposta de lei do Orçamento.
Num total de 8220 milhões de contos de despesa pública, apenas se reduz o défice global do Estado em 29 milhões. Se o Governo socialista quiser manter a sua principal aposta política e conduzir Portugal ao primeiro pelotão da moeda única, terá de, no
próximo ano; reduzir o défice em mais de 160 milhões de contos. Se não o conseguir, não só porá em causa um objectivo político fundamental para o desenvolvimento do País, como, inclusive, se arriscará a que Portugal possa ser penalizado em termos das verbas do Fundo de Coesão, a que, presentemente, ainda tem direito.
A tarefa que o Executivo deixa para o próximo ano é própria de quem segue a máxima de deixar para amanhã o que devia fazer hoje.
Aplausos do PSD.
Se a este aspecto acrescentarmos o facto de este Orçamento, com alto grau de probabilidade, encerrar em si mesmo um agravamento relativo da dívida pública, então, não restam quaisquer dúvidas de que, infelizmente, a conclusão a tirar é que, ao contrário do que erradamente tem sido propagandeado, esta proposta também não é uma clara aposta na convergência com a Europa mais desenvolvida.
Mas será, então, Sr. Presidente, que este é, pelo menos, um Orçamento de consciência social, tal como o marketing governamental
tem divulgado?
A este propósito, a realidade em nada abona a favor da nova maioria. Ao ter de assumir que as opções em debate são uma inequívoca aposta nas pessoas, o partido da rosa está, obviamente, a engolir um enorme e indigesto elefante.
Vozes do PS: - Oh!...
O Orador: - Depois de tanto ter gritado que o PSD só atendia ao betão e de tanto ter prometido promover as áreas sociais, eis que nos propõe que as despesas com essa função cresçam,, em 1996, 9,7%, quando, ainda no ano transacto, com a tal governação desumanizada, aumentaram, nada mais nada menos, do que 13,2%.
Aplausos do PSD.
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Mas se, no âmbito destas mesmas despesas sociais, atendermos com especial atenção àquela que foi a grande paixão do Sr. Primeiro-Ministro, a educação, então, o desalento ainda é maior. Os gastos com esta rubrica sobem 10,5%, ou seja, menos de 12,6%, que foi, exactamente, o que subiram em 1995. Finalmente, a completar este incomodativo quadro cor-de-rosa, faltará referir que as despesas de investimento com a «paixão» decrescem, este ano, mais de 10%.
Afinal, Sr. Presidente, ninguém estava apaixonado. Fez-se apenas uma falsa declaração de amor que, logo à primeira tentação, maltratou a jurada fidelidade e sucumbiu nos mais envolventes braços dos flirts de circunstância.
Aplausos do PSD.
Mas a fragilidade desta consciência social arrefecida reflecte-se, igualmente, a outros níveis.
Não foi, com certeza, por imperativos de ordem social que a presente proposta actualiza o imposto automóvel sobre os veículos de mais baixa cilindrada e desagrava os de maior potência.
Não terá sido, igualmente, a preocupação social que determinou a redução substancial das verbas destinadas à bonificação de juros para crédito à aquisição de casa própria. Tanto quanto se sabe, ainda não são os mais abastados que se vêm na necessidade de ter de recorrer ao crédito bancário.
Na mesma linha de pensamento, a reintrodução do imposto de selo sobre o crédito ao consumo, em clara contradição com tudo o que o PS anteriormente preconizou, penaliza também os mais desfavorecidos e arrasa o slogan publicitário de «Orçamento de consciência social».
Não estamos, pois, Sr. Presidente, perante um Orçamento de contenção, nem de rigor, nem de investimento, nem de convergência, nem, tão pouco, de consciência social. A dúvida que se poderá manter é, então, se, pelo menos, a proposta cumpre as famosas promessas eleitorais.
Também neste capítulo, a leitura não pode ser risonha. Não fôra os boys andarem tão entretidos à caça de jobs, por certo, já teriam reparado que este não é, seguramente, o seu budget.
Não é o budget dos boys, porque não contém grande parte daquilo a que o partido da rosa se havia comprometido no último acto eleitoral.
Não se consagram os 50 milhões de contos para o pleno arranque do rendimento mínimo garantido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - Não se reduz o peso da despesa pública no PIB.
Não se baixa o IVA dos restaurantes para 5%.
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - Não se aumentam as verbas da Educação mais do que o PSD o fez.
Protestos do PS.
Não se acaba com todas as portagens nas Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa, como consta do Programa do Governo.
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - Não se reduz as verbas afectas aos gabinetes ministeriais.
Não se aumenta o FEF de acordo com um cenário de duplicação em quatro anos.
Vozes do PS: - Ah!...
O Orador: - Não se privilegia a despesa social mais do que o PSD o fez.
Vozes do PS: - Ah!...
O Orador: - Não se elege o combate ao desemprego, que deve, obviamente, ser a principal preocupação de todos nós, como primeira prioridade da política orçamental.
Em resumo, não se cumpre a maior parte das promessas eleitorais.
Aplausos do PSD.
Para o Partido Social Democrata, este não cumprimento em nada nos espanta. Sempre dissemos que não havia condições para, fosse qual fosse o Governo, se poder levar a cabo tudo aquilo que o PS, na campanha eleitoral, entendeu dever prometer ao eleitorado.
Para cumprir tudo o que prometeu, este Executivo teria de ter entregue a pasta das promessas a um «Ministro dos Milagres», pois, para todos é já óbvio que os socialistas prometeram o possível e o impossível.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em coerência com o passado e com a visão que temos do que deve ser uma governação consciente do País, dizemos que o PS cumpre pouco, que enganou o eleitorado, mas que esse pouco que cumpre é já suficiente para condicionar negativamente as finanças do País.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Porque a prioridade não é o investimento, esta proposta de lei do Orçamento do Estado não contribuirá para evitar o crescimento do desemprego no corrente ano.
Porque a redução do défice é fraca e porque o critério da dívida pública se agrava, esta proposta de lei encerra em si mesma um aumento de impostos para 1997.
A par desse aumento da carga fiscal, este Orçamento anuncia também a inevitável estagnação, ou mesmo queda, dos salários reais no próximo ano.
Esta política de adiamento arrisca-se a ser, assim, um lamentável contributo para o crescimento do «eurocepticismo» em Portugal.
Se o Governo socialista não desistir, entretanto, de integrar Portugal no primeiro pelotão da União Económica e Monetária, manifestando, dessa forma, a sua incapacidade para colocar o nosso país no grupo dos Estados membros com melhores perspectivas de desenvolvimento, o risco de agravamento do «eurocepticismo» é, a nosso ver, demasiado elevado, já que o que se vai ter de pedir aos portugueses, em 1997, será, efectivamente, bastante exigente.
Da nossa parte, seguramente, teríamos seguido outro caminho. Teríamos atendido bem mais, precisamente àquilo que o Governo, falsamente, diz que quer atender sem
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realmente o fazer: mais rigor, mais contenção, mais investimento e mais convergência.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Foi o que fizeram no ano passado!...
O Orador: - Um caminho que, dito de uma forma simples e directa, acima de tudo, olhasse mais para o futuro é menos para o passado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, a discussão e o momento exigem que cada um dos nossos grupos parlamentares e cada um de nós, Deputados, ao assumir as nossas posições, o procure fazer com o sentido da credibilidade e da coerência.
Quando, ontem, o Sr. Deputado Fernando Nogueira aqui exprimiu o voto «não» do seu partido à proposta de lei do Orçamento, não pôde explicar a ausência de coerência relativamente à postura que o próprio PSD, no acto de investidura do Governo, tinha declarado
vir a assumir nesta legislatura.
Ou seja, quando, então - como tive ocasião de lembrar -, o Deputado Mota Amaral assegurava que o PSD não apresentava uma moção de rejeição ao Governo, porque o Programa, apesar de tudo, traduzia as promessas eleitorais, e que o mesmo PSD, por isso, só viria a apresentar uma moção de censura se o Governo demonstrasse não vir a cumprir essas promessas, agora, o PSD quer inviabilizar a própria possibilidade de cumprimento das promessas constantes de um Programa de Governo, que não inviabilizou, ao votar negativamente um instrumento essencial para garantir a viabilização do Programa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Como se essa incoerência não bastasse, vimos, esta manhã, os Deputados do seu partido, designadamente os Deputados Luís Filipe Menezes e Manuela Ferreira Leite, insistirem na ideia de que bem podia o PSD votar contra o Orçamento do Estado, porque o PS, no passado, quando estava na oposição, sempre tinha toma do atitude semelhante.
Pois bem, é preciso clarificar as vossas posições e é preciso que fique aqui inequívoco que a posição do PS, no passado, não tem simetria com esse tipo de acusação.
É que, Srs. Deputados, importa lembrar aqui o debate travado em circunstâncias políticas, de algum modo, semelhantes às actuais, quando um governo de maioria relativa, depois de breves meses de investidura, apresentava o ,seu primeiro Orçamento na Câmara.
Nessa altura, o PS, através de um seu Deputado e acerca dessa proposta de lei de Orçamento, sublinhava o seguinte: «O Partido Socialista norteou a sua actividade, durante a apreciação do Orçamento, por duas preocupações fundamentais: a primeira foi a preocupação estabilizadora de que houvesse Orçamento, porque, sem ele, nenhum país é governável; a segunda, foi a de conseguir melhorar, na medida do possível, o deficiente Orçamento que tínhamos recebido do Governo». As palavras foram, então, do Deputado António Guterres.
Aplausos do PS.
Assim, o Diário da Assembleia da República regista, em relação à votação final global da proposta de lei de Orçamento do Estado para 1986, depois de uma abstenção por parte do PS na votação na generalidade, o seguinte resultado: «Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e dos Deputados independentes Lopes Cardoso, Ribeiro Teles e Borges de Carvalho, votos contra do PCP e da Deputada independente Maria Santos e a abstenção do MDP/CDE».
Aplausos do PS.
O Sr. António Martinho (PS): - Ora aprendam!
O Orador: - Srs. Deputados do PSD, quando, em anos subsequentes, o PS votou contra o Orçamento do Estado, assumiu a consequência política do seu gesto e, na altura, declarou-se disponível para gerar, pela positiva, alternativas de governo. Os senhores não fazem uma coisa nem outra! Nem estão preparados para promover qualquer alternativa positiva, nem para viabilizar uma solução de que o País carece para a sua estabilidade e prosperidade. Em matéria de coerência e de sentido de responsabilidade, estamos conversados, Srs. Deputados do PSD.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, não tem comparação possível..
Risos do PS.
...o Orçamento do Estado para 1986 com o Orçamento do Estado para 1996. A diferença é só esta: o de 1986 era um, bom Orçamento, enquanto que o de 1996 é um mau Orçamento!
Aplausos do PSD.
Se o Orçamento do Estado para 1986 era um mau Orçamento, explique-me como é que, a seguir, obtivemos duas maiorias absolutas.
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado, não podemos votar um Orçamento que está precisamente ao contrário daquilo que entendemos dever estar.
Um orçamento do PSD, a exemplo do que foi no passado, teria mais investimento, menos despesas correntes, menos défice... Olhe, Sr. Deputado, seria, acima de tudo, um excelente, instrumento de combate contra o desemprego. Porque este Governo assume que o desemprego vai aumentar e apresenta nesta Câmara um documento que não tem uma única medida para o combater! Isso é que é insensibilidade social!
Aplausos do PSD.
Em lugar de se preocuparem com a distribuição de lugares lá pelos rapazes do PS, era bom que fizessem um Orçamento do Estado que não aumentasse o desemprego, porque a única medida que este Governo tomou de combate ao desemprego foi mandar a polícia para Santo Tirso
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e isso, como é óbvio, não é a solução tecnicamente mais adequada!
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - Olha quem fala!
Protestos de Deputados do PS, batendo com as mãos nas bancadas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que não batam com as mãos nas bancadas, porque interferem na aparelhagem sonora.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ávila.
O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, V. Ex.ª já hoje, como consequência daquilo que muitos têm dito e afirmado, quer depois de conhecerem o Orçamento quer, inclusivamente, antes, fez aqui um conjunto de afirmações que pensamos que não estão correctas. Contra essas afirmações contrapomos números reais.
V. Ex.ª afirmou que este Orçamento é despesista, mas a realidade é que a despesa total do subsector Estado reduz-se de 29,7% do PIB para 29,1 %, em 1996. E se, na despesa total do sector público administrativo, há um crescimento de 49% para 49,8% do PIB, esse crescimento deriva de duas componentes: das transferências correntes para a segurança social e para as autarquias locais e das despesas com pessoal, nomeadamente em sectores como a educação e a saúde, que consideramos ser um investimento fundamental para a melhoria das políticas nestas áreas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, diz que diminuiu o investimento público, mas isso não é verdade. A contribuição nacional para o Capítulo 50, que é o capítulo que integra o investimento público, é, neste Orçamento, de 397 milhões de contos, quando o executado em 1995 foi de 342 milhões de contos, o que comprova um crescimento de 16%; e o PIDDAC executado em 1995 foi de 614 milhões de contos, quando este ano estão orçamentados 806 milhões de contos, o que corresponde a um aumento de 31 %.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Penso que, com estes dados, está garantido que há um reforço do investimento público.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Veremos!
O Orador: - O Sr. Deputado já diz «veremos», portanto, está a contradizer o que o Sr. Deputado Rui Rio disse!
Em relação às funções sociais do Orçamento, o Sr. Deputado Rui Rio utilizou um artifício para comparar a evolução de 1994 para 1995. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que, em 1995, este crescimento das funções sociais deveu-se a um empolamento contabilístico na função segurança e acção social, porque, a partir de 1995, a Caixa Geral de Aposentações passou a incluir, a financiar e a liquidar as despesas com os reformados ligados aos Ministérios da Defesa e da Administração Interna. Foi isso que levou ao crescimento da função social em 1995. Ora, para 1996, mantém-se essa estrutura e aumenta-se ainda 9,7% o total
das despesas com as funções sociais.
Por outro lado, há uma duplicação clara das transferências para a segurança social. Recordo que, em 1994, essas transferências foram de 148 milhões de contos, em 1995, de 152 milhões de contos e, em 1996, 326 milhões de contos, portanto, mais do que duplica.
Quanto à função educação, em 1995, as despesas totais foram de 790 milhões de contos e, este ano, são de 870 milhões de contos.
No que se refere à saúde, em 1995, as despesas totais foram de 657,6 milhões de contos e, em 1996, estão orçamentados 708 milhões de, contos, havendo, portanto, um crescimento de 7,7%.
O Sr. Deputado Rui Rio disse também que este Orçamento não era executável e que seria potencialmente um agravador de impostos. Mas não há agravamento global dos impostos, Sr. Deputado, apenas alguns ajustamentos.
O crescimento previsto das receitas fiscais assenta essencialmente no crescimento do IRC, na ordem dos 19,8%, e baseia-se num dado concreto que, neste momento, já existe, que são os lucros previstos das empresas públicas que, como sabe, têm uma percentagem muito significativa no total das receitas cobradas no IRC. O crescimento das receitas fiscais, em 1995, foi de 7,9% e, em 1996, apenas se prevê um crescimento de 7,6%.
O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Por último, se me permite, Sr. Presidente, porque o tempo não dá para mais, irei falar da desorçamentação. Em bom rigor, Sr. Deputado, existe desorçamentação quando as despesas públicas não são inscritas no Orçamento do Estado. Mas não é isso que acontece! O que se passa
é que a dívida pública é um conjunto de responsabilidades financeiras não assumidas pelo anterior governo, resultante do seu descontrolo e da sua anarquia financeira. Pensamos que a prática é correcta, já que se trata de situações herdadas que não derivam do ano a que respeita o Orçamento.
Só para lhe dar um exemplo, tenho aqui um artigo de opinião, escrito, a 23 de Fevereiro de 1996, por um Deputado da sua bancada, que, neste momento, tem o mandato suspenso - o Engenheiro Mira Amaral -, que diz o seguinte a respeito da desorçamentação: «tecnicamente, se estas despesas corresponderem a compromissos gerados ao longo de vários anos passados e não ligados ao presente ano, fará sentido passá-las directamente para a dívida pública, em vez de onerar apenas um exercício orçamental». É uma opinião de um Deputado da sua bancada.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Ávila, não queria entrar aqui numa discussão «de números para cá números para lá», porque isto não tem interesse para a Câmara.
Vozes do PS: - Ah!...
O Orador: - Aliás, nem deveria precisar de dizer ao Sr. Deputado, uma vez que foi o relator da proposta de lei de Orçamento do Estado e conhece bem os números - quase que até deveria saber as páginas de cor -, onde poderá ir ver que a despesa total cresce 8% e aumenta o seu
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peso no PIB em 1,02%, como pode ver nas páginas 109 e 265 do relatório que V. Ex.ª fez; as despesas correntes, sem juros, crescem 9,2% e aumentam o seu peso no PIB em 1, 2%, conforme páginas 109 e 265 do relatório; as despesas sociais crescem menos do que no ano passado, como pode verificar na página 161 do relatório; as despesas de educação crescem menos do que o ano passado, conforme página 202 do relatório.
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado, em primeiro lugar, o PSD não disse que votava contra este Orçamento antes de o conhecer! Somos todos testemunhas de que o PSD decidiu votar contra o Orçamento ontem. Ou alguém duvida de que o PSD não decidiu isso ontem!? Não há qualquer decisão do Grupo Parlamentar do PSD, da sua direcção ou seja de quem for, antes do dia de ontem, quanto ao sentido do voto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, não é verdade, e toda a gente sabe que não é verdade.
Relativamente ao nosso sentido de voto, explique-me, então, por que é que durante 10 anos, na votação na generalidade, que é aquilo que aqui vai acontecer, o PS votou sempre contra?
Vozes do PS: - Outra vez!
O Orador: - Enganou-se, porque a prática...
Protestos do PS.
Srs. Deputados, V. Ex.ª, na votação na generalidade, votaram sempre contra!
Vozes do PS: - E em 1986!?
O Orador: - Também em 1986! Votaram 10 vezes contra!
Portanto, se os senhores votaram 10 vezes contra Orçamentos que, na prática, eram bons, porque o eleitorado veio depois, em eleições, a sufragá-los positivamente, como é que querem que o PSD vote favoravelmente um Orçamento quando perguntamos ao Sr. Primeiro-Ministro se, em 1997, não vai subir o desemprego e não vai aumentar impostos e ele não responde? Obviamente que não responde, porque não pode responder! Como é que pode o PSD votar a favor de uma coisa dessas?!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, no que respeita à votação, na generalidade, do ,Orçamento do Estado para 1986 e das Grandes Opções do Plano, o PS absteve-se. Exactamente aquela posição de voto que, em consciência; o Sr. Deputado Rui Rio gostaria de tomar amanhã!
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, quanto à questão do IVA dos restaurantes, nem queria acreditar no que ouvi. Então, o Sr. Deputado sabe o que fez o governo que V. Ex.ª apoiava ou suportava, como queira entender, e vem dizer uma coisa destas, quando este Governo tem feito esforços para corrigir isso, e vai corrigir em outras áreas! V. Ex.ª, de facto, neste caso desiludiu-me.
Sr. Deputado, no que se refere ao FEF, V. Ex.ª , que tem uma boa formação matemática e económica, diz assim: «duplicação ao longo dos cinco anos, ao longo da legislatura, então, o FEF tem...»! Sr. Deputado, V. Ex.ª sabe muito bem que isso não faz sentido! Quando quer discutir a questão do FEF e quer julgar ao longo dos cinco anos...
O Sr. Rui Rio (PSD): - Dos quatro!
O Orador: - ... ou dos quatro, julgue efectivamente ao fim desses anos. Enquanto isto vai subindo e vamos andando no sentido certo, o Sr. Deputado deveria «tirar o seu chapéu» e concordar connosco.
Depois foge para o Orçamento de 1997, a dizer já o que aí vem. Os Srs. Deputados já disseram que era a desgraça, que era o caos. Ora, não há qualquer desgraça, não há qualquer caos! A desgraça que havia é que foi «corrida» e agora estamos em boas condições de funcionar.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, isto daria para rir se não fosse trágico:. então, o Sr. Deputado disse ali, pois tomei nota, mas devo ter-me enganado ou ouvido
mal - e esta é as primeira questão -, que há queda dos salários reais?! O Sr. Deputado viu bem como funcionam as propostas deste Orçamento? Percebeu bem?! Estava cá quando o Sr. Ministro das Finanças falou ou estava «desencaminhado» pela sua colega Manuela Ferreira Leite?! Desencaminhado no bom sentido, é claro!
Protestos de Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicitei há pouco para não baterem nas mesas, porque isso perturba o sistema sonoro. Não sei se não me fiz ouvir ou se os Srs. Deputados resolveram não respeitar a minha exortação. Peço que, de futuro, todos. a respeitem.
O Orador: - Toda a gente sabe e são públicas algumas divergências e alguns matizes dentro de um partido aberto como é o PSD. Penso que não é ofensa fazer estas referências.
Sr. Deputado, quanto à questão da paixão e do investimento na educação, já ficou claro - o meu colega Sérgio Ávila acabou de o referir e já o fizemos ontem também que nós, na área da educação, consideramos que o investimento fundamental neste momento é, efectivamente, o, investimento não no betão e no tijolo mas nas pessoas, sem negar a necessidade de fazer as obras e as reparações que sejam necessárias.
Quanto ao imposto de selo sobre o consumo, o Sr. Deputado deve ter ido lá fora dar uma volta ou estava distraído, porque já manifestámos, há muito tempo, espírito de diálogo neste sentido. O Sr. Deputado, comigo próprio, com o meu colega Sérgio Ávila e com o Deputado António Lobo Xavier, subscreveu no Orçamento rectificativo uma proposta neste sentido. Sempre dissemos que era uma questão para conversar, por isso cá estamos para conversar convosco. Mas o Sr. Deputado não quer conversar, quer chegar ali à tribuna e atirar uns «tijolos»! Nós também temos maneira de atirar os «tijolos» por outro lado...
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Para terminar, o Sr. Deputado introduziu aqui um conceito novo, o da desorçamentação mínima aceitável. Já foi explicado que não há desorçamentação. O que foi feito este ano não é desorçamentação e já foi explicado o que era a desorçamentação feita em anos anteriores pelo governo que o Sr. Deputado suportou.
Sr. Deputado, congratulo-me por V. Ex.ª ter feito um extraordinário exercício de oratória económica, para quem tem uma posição em consciência e tem de seguir outra por disciplina partidária.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, era para, muito rapidamente, responder àquelas pequenas questões que V. Ex.ª colocou.
Quanto ao IVA dos restaurantes, os senhores prometeram 5% mas, como estão a propor 12%, não cumprem a promessa; no que se refere ao FEF e à duplicação em quatro anos, tanto quanto percebo, dá 25% ao ano - bem, não dará por causa da capitalização composta, mas dá vinte e poucos por cento -, portanto, cresce menos do que aquilo...
Vozes do PS: - Não tem de ser uniforme!
O Orador: - Cresce! Cresce e não cumprem a promessa,...
Protestos do PS.
O Orador: - Srs. Deputados,...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que não entrem em diálogo directo.
O Orador: - ... cresce menos do que aquilo que cresceu no ano passado, com o PSD.
Quanto à queda dos salários reais, já disse mais do que uma vez que os salários reais sobem, em 1996, mas o que perguntei foi se esta proposta de lei do Orçamento do Estado para 1996 não implica, necessariamente, a sua queda em 1997. O Sr. Primeiro-Ministro não respondeu a isto, e é óbvio que não pode responder, porque, se não, seria um problema.
Sr. Deputado, uma questão que tem dado muita polémica, deixe-me dizer-lhe, é a do PIDDAC e do investimento público. O esforço nacional do PIDDAC, ou seja, as verbas dos impostos dos portugueses canalizadas para o investimento, Sr. Deputado
- mais uma vez, a página 229 do relatório -, baixam 4,4% em termos reais.
Vozes do PS: - Não!...
O Orador: - Os senhores dizem que a execução do PIDDAC foi baixa. Então, diga-me uma coisa: não era o líder da antiga oposição, o actual Primeiro-Ministro, que dizia que os governos do PSD só brilhavam com os fundos comunitários, que entravam dois milhões de contos/dia e que só fazíamos obras em anos eleitorais?!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Então, conciliem lá isso, Srs. Deputados!
Aplausos do PSD.
Então, se entram dois milhões de contos/dia, somos eleitoralistas ou inaptos para gerir fundos comunitários?!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - As duas coisas!
O Orador: - O argumento não serve para as duas coisas, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
Quero ainda dizer-lhe uma outra coisa. Tanto criticaram a «política do betão» e foram contra ela e agora, os Deputados do PS e os seus ministros, «andam de calças na. mão» por todos os cantos do País a explicar por que é que não vão fazer estradas. Assumam com coragem essa opção. Assumam, com coragem, a opção, não façam as estradas e digam frontalmente porquê!
Aplausos do PSD.
Quanto à abstenção, Sr. Deputado, efectivamente, na reunião do Grupo Parlamentar do PSD realizada ontem, onde se decidiu o sentido de voto, defendi a abstenção,...
Aplausos de alguns Deputados do PS.
... mas, depois de ter ouvido uma posição tão frouxa do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro das Finanças ao defenderem este Orçamento e esta sua última intervenção, tão má, devo dizer que, realmente, os meus colegas têm razão. Nada há a fazer, a não ser o voto contra!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Orçamento do Estado para 1996, que o Governo apresenta à discussão nesta Assembleia, constitui um documento essencial para que o País possa voltar a confiar em si próprio e a olhar para o futuro com uma esperança renovada.
As Grandes Opções do Plano assumidas, com tradução orçamental própria, significam o relançamento da confiança entre os portugueses e devolvem-lhes a certeza de que, volvida uma década de desencanto, o Estado reatribui aos cidadãos a razão de ser do próprio Estado, recolocando-os no centro da vida política, justificando-se por eles e afirmando através deles a razão de ser do próprio desenvolvimento. Nada mais natural para um Governo, cujo primeiro responsável, em tempo oportuno, elegeu as pessoas como preocupação fundamental da sua concepção política das coisas e do mundo, dizendo que elas estavam em primeiro lugar e que eram exactamente isso, pessoas e não números.
Este pensamento e esta convicção estão traduzidos em todo o Orçamento do Estado, nomeadamente no que é específico e próprio ao poder local, aquele que mais genuinamente representa a capacidade que um povo tem de se organizar a si próprio e de tomar nas mãos a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento. Para tanto, as Grandes Opções afirmam um rumo e o Orçamento do Estado encerra os meios que lhe dão sentido e coerência.
Neste contexto, é mais fácil compreender que nas Grandes Opções se considere que à «autonomia do poder lo
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cal e a descentralização administrativa são indeclináveis imperativos constitucionais e que a nova concepção de desenvolvimento pressupõe a regionalização, o reforço do poder local e a parceria descentralizada entre as entidades públicas e privadas».
É neste quadro que se afirma a necessidade de estudar e consagrar novas atribuições e competências aos municípios e às freguesias, a fim de promover mais e melhor o desenvolvimento local, fazendo emergir com vigor potencialidades endógenas em áreas tão importantes e tão sensíveis como as do ensino, do combate à exclusão, da habitação, do ambiente ou da tranquilidade pública, entre muitas outras.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É ainda neste quadro que se assume o compromisso de criação de um novo regime legal para as finanças locais, devidamente harmonizado com as novas atribuições e competências, novos e mais eficazes instrumentos de gestão e ainda medidas de estímulo e apoio à simplificação e modernização administrativas, já no contexto de uma nova lei da tutela, onde exista, entre o corpo orgânico dos municípios e das freguesias e os eleitos, uma responsabilização exigente, forte, mas também mais partilhada.
Assim se compreende que o Orçamento do Estado inscreva para o Fundo de Equilíbrio Financeiro a verba de 241,3 milhões de contos, cumprindo-se, pela primeira vez, a Lei das Finanças Locais e garantindo, relativamente a 1995, um crescimento de 10,9%.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pela primeira vez, igualmente, o Governo reconhece a existência da escolaridade obrigatória no domínio que lhe toca directamente, que é o dos transportes escolares, e considera para este fim uma verba de 1,7 milhões de contos, inscrita no orçamento do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, independente do montante global do FEF.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É no Orçamento deste Ministério que igualmente se considera uma verba de 35 000 contos para as Juntas Metropolitanas de Lisboa e Porto, à qual acresce uma outra, posteriormente definida pelo Governo, em termos públicos e em sede de debate, no valor de 210 000 contos, num total de 245 000 contos e que proporcionará a execução de projectos próprios á apresentar por estas instituições.
No domínio da construção de sedes de junta de freguesia, há um crescimento efectivo que atinge um valor final de 400 000 contos, facto que revela um esforço de aproximação às necessidades reais e ao qual urge acrescer o que decorre da recente aprovação da lei sobre os regimes de permanência, mais uma vez com a oposição do PSD, já depois do Orçamento ido Estado apresentado, e cuja aplicação plena exige uma verba de muitas centenas de milhares de contos.
O mesmo Ministério inscreve também 150 000 contos para auxílio financeiro às autarquias e 3,5 milhões de contos para a cooperação técnica e financeira, para o mesmo motivo, na mesma rubrica, fora do Fundo de Equilíbrio Financeiro.
Para além destas medidas, é revisto o regime de crédito aplicável à administração local e é actualizado o imposto de circulação e camionagem.
Garantem-se também, pela primeira vez, as compensações para todos os actos legislativos que impliquem diminuição de receitas às autarquias, rompendo com uma prática do passado, insensível e desleal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os 241,1 milhões de contos do FEF são, assim, largamente ultrapassados, passando os municípios e as freguesias a dispor de mais meios e da dignidade que lhes foi subtraída pelo governo anterior.
Não é, pois, de admirar que alguns dos que se opõem ao actual Governo queiram impedir que este Orçamento do Estado vá em frente. Pretendem evitar que os resultados de medidas sérias e equilibradas, conjugadas com uma governação tranquila e dialogante, possam fazer a diferença, para melhor, com um passado recente e, simultaneamente, fazer prevalecer uma ideia forte de eficácia e grande equilíbrio, promovidos pelo Partido Socialista.
Vozes do PS: -.Muito bem!
O Orador: - De qualquer fornia, lamenta-se que algumas forças políticas se tenham auto-excluído do debate, optando por um discurso do «deita-abaixo», sem que, no horizonte de expectativa, que a ética política requer, se vislumbre uma ideia, uma proposta ou qualquer outro contributo positivo para a vida das instituições, do País e das pessoas, as mesmas que, confiamos, possam julgar quem assume uma postura política de tão deprimente mediocridade.
Será justo sublinhar, igualmente, que, para complementar estes meios para o crescimento e progresso locais, o Governo garantiu um financiamento real para as infra-estruturas rodoviárias, indispensáveis ao desenvolvimento das populações e do país. Utiliza para o efeito o Plano Rodoviário Nacional existente, procurando definir-lhe algumas prioridades e honrar compromissos assumidos anteriormente, mas prometendo, desde já, para Outubro, um novo plano rodoviário nacional, mais consentâneo com as reais necessidades de desenvolvimento das populações. Pretende-se a cobertura do território nacional, assegurando ligações às cidades e aos centros do interior, tudo articulado com os sistemas viários municipais, de modo a suportar o desenvolvimento e a modernização do mundo rural, ao mesmo tempo que se definem as prioridades ao longo do eixo norte/sul e nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Prevêem-se, para isso, em 1996, através da Junta Autónoma das Estradas, projectos no valor de 134,3 milhões de contos e ainda uma verba de 11,5 milhões de contos para satisfazer compromissos herdados do governo anterior, que resultaram de actos de incompetência negociai, ferindo gravemente os interesses nacionais e alienando os direitos das pessoas a estranhos e a inconfessáveis objectivos.
Nesta matéria, muito estará ainda para vir ao de cima. Sinal preocupante disso mesmo são os «chumbos» do Tribunal de Contas a compromissos políticos pessoais ou de partido que defraudaram o erário público e que, em alguns casos, levaram mesmo ao desrespeito pelas determinações do próprio Tribunal de Contas, caindo os casos no âmbito de actuação do Ministério Público.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A incompetência no sector não se ficou por aqui. Somam muitas dezenas de milhões de contos as obras prometidas pelo Governo anterior e que deveriam ter sido inauguradas em 1995 e até mesmo em 1996, mas que, até ao momento, nem tão pouco foram iniciadas. Outros casos, igualmente graves, foram aqui já referidos e respeitam a obras anunciadas mas que não dispunham de um único instrumento legal para poderem avançar, não estavam nem no Diário da República nem no Jornal Oficial das Comunidades.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Confrontado com este facto, quem de direito não avançou uma única justificação, certamente porque não se pode justificar o injustificável ou porque há pessoas determinadas que sem as instituições ou o livro de cheques são, afinal, simples mortais, postura que uma indeclinável vaidade pessoal impede ainda de assumir.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Terminou a política de incluir em PIDDAC obras não concretizáveis, terminou um ciclo de políticas de obras caras pré-eleitorais, as obras de «apostilha aos contratos», das pressas não justificadas, dos milhões de contos que, indirecta mas objectivamente, serviram as campanhas eleitorais do PSD. Foi assim que nos últimos anos, ao princípio de uma realização financeira de 100% correspondia no terreno uma realização física de 60%, considerando, como é óbvio, os investimentos que deveriam ter começado e não começaram.
A transparência com que este Governo assume, nas Grandes Opções do Plano e no Orçamento do Estado, a matéria das obras públicas e a sua execução é um factor de estabilidade para o país, para as empresas e para a dinâmica do emprego. Um investimento de 134 milhões de contos, superior ao do ano anterior, na JAE, deixa a certeza de uma aposta no desenvolvimento, mas a regularidade destes investimentos no futuro, sem «picos ou depressões», bem ao sabor dos ritmos eleitorais, permitirá aos agentes económicos um maior grau de previsibilidade para a sua actuação, evitando a falência sistemática de empresas do sector, a situação económica difícil de outras e o casualismo no investimento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não admira, pois, que ao inaugurar-se um novo ciclo político de confiança e estabilidade, alguns partidos políticos pretendam, a todo o custo, evitar que essa confiança se instale e a estabilidade se concretize. Uns, porque na política de terra queimada, do quanto pior melhor, encontram uma clientela residual, extrema e não consentânea com um Estado moderno, europeu e determinado a reafirmar-se no mundo. Outros, porque sentem o desnorte na ausência de um caminho, de um projecto, de uma convicção e de uma referência forte. Fortemente possuídos por uma arrogância que foi sempre imprópria ainda não perceberam que, para além deles, existem todos os outros.
Quem ainda apregoa que o dom da governação só a si pertence e que o demais provocará o dilúvio, é certamente quem já não está de bem consigo próprio, é quem debate na praça pública qual a melhor calúnia para denegrir o adversário, é quem escreve cartas anónimas a si próprio para, depois, as publicitar e fazer delas fundamento para inquéritos a quem está acima de toda a suspeita, é próprio de quem construiu uma rede cliente lar e a quer manter, é próprio de quem se declara contra o Orçamento do Estado mas não é capaz de fazer uma única proposta para o melhorar, para se constituir em alternativa,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... é próprio de quem se ausenta no momento mais difícil, derrotado, deixando uma herança para aquele que vier, qualquer que seja, e que eventualmente, quem sabe, desejaria ter actuado com outra responsabilidade e sentido de Estado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos legitimados pelos portugueses para apresentar e defender estas propostas de lei, as nossas ambições e o desejo de ir progressivamente cada vez mais longe, junto das pessoas e perto dos seus problemas. Fazemos este discurso em sede própria, na nobreza do debate parlamentar, olhos nos olhos daqueles que aqui estão igualmente legitimados pelo voto dos cidadãos. Esperamos ser compreendidos na nossa proposta de trabalho, mas se tal não acontecer aqui estamos nós, como sempre, prontos, decididos, cheios de força interior, para voltar a falar aos eleitores, novamente, com o coração e com a razão.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Carvalho.
O Sr. Silva Carvalho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, o Sr. Deputado iniciou a sua intervenção com uma frase que considero importante, dizendo que as Grandes Opções do Plano tinham tradução real no Orçamento. Confesso que me parece uma frase lapidar e fundamental, mas confesso sentir também que, durante o debate do Orçamento, nesta Câmara, se tem falado demasiado de heranças: o PSD clama deixar uma boa herança, o PS reclama receber uma má herança. Chamo a atenção para o facto dê que se o Governo não seguir a nossa sugestão de acabar rapidamente com o imposto sucessório vai abrir um buraco orçamental com a herança que recebe.
Sr. Deputado José 1unqueiro, relativamente às Grandes Opções do Plano e à sua tradução orçamental, gostava de colocar-lhe uma questão muito concreta. Na página 127 das Grandes Opções do Plano pode ler-se, no capítulo relativo ao Serviço Nacional de Saúde, o que passo a citar: « Identificação do passivo acumulado do Serviço Nacional de Saúde e elaboração de um plano financeiro plurianual para o eliminar durante a legislatura».
O Governo recebeu do Partido Social Democrata, nesta matéria, uma péssima herança: 102 milhões de contos de dívida aos fornecedores da saúde,...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... sobre a qual não haverá imposto sucessório a pagar. Mas é preocupante que, sendo esta a
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intenção do Governo no que respeita às Grandes Opções do Plano, à tradução orçamental que verificamos existir seja referente ao agravamento desta dívida em 28,5 milhões de contos.
Gostava que o Sr. Deputado fizesse um comentário a esta situação porque, à vergonha da
dívida - é esse o termo indicado - que o PSD deixou aos fornecedores do serviço de saúde, não vemos como é que o Governo pretende reduzi-la a zero se começa por agrava-la em cerca de 30 milhões de contos. O que pensa sobre isto, Sr. Deputado?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Carvalho, agradeço-lhe a questão que me colocou.
Estaria à espera que, sobre as matérias que abordei, tivesse existido da sua parte alguma curiosidade. Como não se revelou, tal leva-me a concluir que, das minhas afirmações, comunga V. Ex.ª e estaremos de acordo em tudo quanto referi nessa matéria.
Relativamente à dívida que refere, apenas lhe posso dizer que o Governo assumiu que todas as dívidas seriam pagas, nomeadamente ao sector da saúde, onde o défice, actualmente, é de 145 milhões e não de 102 milhões de contos, pois, através do orçamento rectificativo, já pagámos 45 milhões de contos.
Portanto, é nesta base, com este critério e responsabilidade, e sendo exigentes quanto ao cumprimento daquilo que dissemos, ou seja, tornar o Estado numa pessoa de bem, que vamos saldar essas dívidas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Orçamento do Estado para 1996 insere-se numa profunda viragem das políticas públicas, tendo em vista a preparação da sociedade e da economia portuguesas para o enfrentamento vitorioso das duras realidades e das grandes mudanças, mundiais e europeias, que marcam decisivamente o fim deste século.
Neste momento e nesta Assembleia, o que está em causa é uma opção política de fundo, bem para lá de 1996. O que está em causa é a ruptura definitiva com as políticas de acomodação a corporativismos vários, cegamente ancorados no imobilismo dos seus privilégios. O que está em causa é a rejeição dessa composição de egoísmos que nos vem do passado.
O País precisa de um novo quadro de políticas públicas sistemáticas \em benefício da específica e decisiva mais-valia que só a consolidação da identidade nacional num mundo em profunda mudança poderá trazer a todos os portugueses. A condição sine qua non para que essa consolidação tenha êxito é o reforço da coesão interna e o mérito estrutural do Orçamento do Estado para 1996 é contribuir claramente para esse objectivo.
O Orçamento do Estado para 1996 é um Orçamento de reforço da coesão interna num mundo em decisiva mudança. Por isso, a sua configuração não poderá tranquilizar os que não entendem que a coesão interna é a chave estrutural da competitividade e do bem-estar; a sua arquitectura também não poderá consolar os que entendem que a coesão interna se deve opor à mudança radical em curso nem a leitura do Orçamento pode ser dissociada das Grandes Opções que o Governo propõe aos. portugueses.
A aprovação deste Orçamento sem desfigurações é essencial para que se rasguem novos horizontes à mobilização das energias e capacidades de que os portugueses são seguros detentores no plano individual e colectivo.
Interpretando o sentir e a vontade da grande maioria dos portugueses, o Governo está seguro de que é essencial conduzir o Estado de modo a afirmar uma presença europeia e ser fiel a uma vocação universalista; desenvolver os recursos humanos e estimular a iniciativa individual e colectiva; criar condições para uma economia competitiva e promover uma sociedade solidária; valorizar o território no contexto europeu e superar os dualismos cidade/campo e centro/periferia; respeitar uma cultura de cidadania e promover a participação e a reforma do Estado.
Este conjunto de opções constitui a melhor resposta que os portugueses poderão dar à questão principal que se coloca a Portugal nesta viragem para o século XXI - o risco de periferização política, económica e social não só da economia mas também da sociedade portuguesa em todas as suas manifestações e aspirações.
É essencial que a todos se imponha um facto incontroverso, a saber, que a continuação das políticas passadas não permitirá vencer o risco de periferização decorrente das poderosas tendências de mudança em curso, quer no contexto global, quer no contexto de uma Europa, ela própria, em profunda transformação. É esta realidade incontroversa que nos leva a propor resolutamente novas políticas que vão desde a reforma do Estado e a regionalização a uma nova concepção da nossa política europeia. Uma concepção adulta e exigente na promoção do interesse nacional no seio da União Europeia.
A proposta central do Governo é a de que, para vencer o risco de periferização no contexto europeu e global, é essencial reforçar a coesão interna. A acção do Governo, nos mais diversos planos, serve esse objectivo, designadamente através da promoção de uma cultura de cidadania aberta ao debate público, à consulta e ao diálogo, à concertação responsável, uma cultura aberta à participação individual e associativa na condução da gestão pública. Neste campo, queremos deixar bem claro que, para nós, essa abertura é condição imprescindível ao exercício responsável da legítima autoridade investida nos órgãos do governo a nível central, regional e local.
Neste entendimento, o Governo iniciará, em 1996, a reformulação profunda do processo de preparação das Grandes Opções do Piano, revendo o seu conteúdo, explicitando mais claramente a sua articulação com as grandes linhas do Orçamento e preparando ao longo do ano o debate de grandes questões nacionais sobre as quais importa gerar largo consenso exigido pelo enfrentamento vitorioso dos riscos de periferização que ameaçam o futuro do país. Só assim se poderá combater a demagogia irresponsável que hoje em dia bloqueia o debate sério das grandes reformas de fundo que este Governo e esta Assembleia da República devem ao futuro dos portugueses.
Reforçará também a coesão interna, o empenhamento político do Governo na promoção da regionalização. Esse empenhamento político manifestar-se-á em particular segundo quatro linhas de acção.
Em primeiro lugar, o Governo reitera a sua total disponibilidade para colaborar com a Assembleia da República na preparação da lei da regionalização.
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Em segundo lugar, o Governo promoverá estudos tendentes à preparação das melhores e mais rápidas condições de instalação das novas autarquias regionais nos termos da lei que a Assembleia da República virá a determinar.
Em terceiro lugar, o Governo está e continuará totalmente empenhado em fortalecer e dignificar a acção dos municípios, individualmente e em associação, entendendo que também desse modo contribui para uma cidadania participativa em profundidade, penhor de uma sólida regionalização capaz de superar particularismos e eventuais apetites de novos Terreiros do Paço contrários à visão consensualizada dos interesses nacionais e regionais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Neste Orçamento, o Governo cumpriu rigorosamente a Lei das Finanças Locais, bem como a lei das áreas metropolitanas, tudo isto pela primeira vez. Também avançou com a revisão do visto prévio, tendo em preparação várias outras reformas legislativas de grande
significado, a primeira das quais é a lei das tutelas.
Em quarto lugar, o Governo aprofundará os trabalhos preparatórios de uma visão estratégica do desenvolvimento territorial a médio e longo prazo que tenha em conta, por um lado, o campo aberto às novas autarquias em matéria de planeamento e ordenamento regionais, e, por outro, que revalorize responsabilidades do governo central quer na articulação das diversas perspectivas regionais no quadro nacional quer na boa adequação do desenvolvimento territorial nacional às mudanças globais e europeias em curso.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, como já afirmei, o Governo nortear-se-á sempre pelo objectivo central de reforço da coesão interna, tendo em vista a preparação de Portugal para os duros desafios que inevitavelmente teremos de enfrentar nos últimos anos deste século e na primeira década do próximo.
Assim, o Orçamento do Estado serve o reforço da coesão nacional apoiando as mais diversas formas de incremento do bem-estar dos portugueses.
O Sr. Ministro das Finanças já demonstrou abundantemente que o Orçamento consolida as finanças públicas e, simultaneamente, sustenta o consumo, amplia a solidariedade nacional e abre novas perspectivas ao desenvolvimento futuro, nomeadamente através dos significativos aumentos dos
recursos postos à disposição da educação e do PIDDAC, este último superior em mais de 25% ao executado em 1995.
Em consequência, o Orçamento para 1996 é de sustentação conjuntural do emprego, sendo igualmente um importante impulso à reestruturação positiva de numerosos postos de trabalho hoje ameaçados pela ineficácia, melhor direi, pela inexistência durante longos anos de políticas de reestruturação do tecido produtivo.
É a essa ausência de reestruturação que se tem de imputar o aumento de desemprego visível e declarado desde 1992. É aí que está também a responsabilidade pelo desemprego futuro que se esconde ainda em numerosas empresas que nunca encontraram nas políticas anteriores apoios para a sua reconversão.
Este Orçamento contribui poderosamente para atenuar a tendência de desemprego crescente que nos vem do passado, aumentando muito significativamente o investimento público a cargo ou apoiado pela Administração Central.
O aumento do PIDDAC contribuirá, só por si, para cerca de um terço do crescimento do PIB em 1996, ou seja, para 1% do aumento do PIB ou talvez um pouco menos. Para além dos seus efeitos directos, o aumento do PIDDAC em mais de 25% vai também estimular o emprego indirecto e o investimento no. sector privado.
Com efeito, só no sector do equipamento social, de um investimento de PIDDAC de 213 milhões de contos em 1995, passar-se-á para um objectivo de 333 milhões em 1996. Não é comum ver o investimento em equipamento social subir mais de 50% num só ano.
O Orçamento do Estado para 1996 inscreverá também 114 milhões de contos para investimentos rodoviários. Este número é 40% superior à dotação orçamental utilizada em 1995, que se ficou pelos 83 milhões de contos.
Quanto à ferrovia, os investimentos totais a realizar somam, em 1996, 267 milhões de contos, mais de 100 milhões de contos acima do investimento realizado em 1995.
Apesar destes aumentos impressionantes, sabemos que existe uma grande frustração em certas áreas do país onde o anterior Governo semeou falsas promessas de estradas que nunca pensou fazer. Procuraremos responder positivamente a essa frustração em futuro próximo. Assim, o Governo apresentará à Assembleia da República dentro de alguns meses um novo Plano Rodoviário Nacional pois estamos a reequacionar prioridades e a planificar novas soluções.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas não poderemos deixar de considerar como demagógicas e irresponsáveis as atitudes daqueles que, tendo deixado o poder com um défice de realização de 2 500 Km de estradas, nos vêm agora exigir que asseguremos em três meses a concretização das construções que eles não foram capazes de fazer em 10 anos.
Vozes do PS: - É incrível!
O Orador: - Se os governos anteriores tivessem cumprido as suas promessas de conclusão do Plano Rodoviário Nacional até 1995, é óbvio que hoje não haveria lugar a qualquer reclamação, porque as estradas em causa já estariam feitas, muitas delas, há muito tempo. Quanto mais empolarem; quanto mais reclamarem, mais se demonstram a sua inépcia, a sua incapacidade, a falsidade das suas promessas.
Aplausos do PS.
Cortam as estradas aqueles mesmos que nunca, nunca, as souberam melhorar ou reconstruir.
São também muito significativos os aumentos de investimento em PIDDAC na cultura (mais 25%), na saúde (mais 48%), no ambiente (mais 25%), na ciência e tecnologia (mais 56%). Só lamentamos que não nos seja possível ir ainda mais longe neste Orçamento. Perante as enormes carências ainda existentes, mau grado 10 anos de transferências comunitárias de grande volume, resta-nos afirmar que prepararemos o próximo PIDDAC com uma selectividade e exigência de funcionalidade bem superiores às que foram exercidas em anos anteriores. Para esse efeito, fizemos já a reformulação de fundo das regras de preparação do PIDDAC.
Também no que diz respeito ao Quadro Comunitário de Apoio, o Conselho de Ministros tem já presente uma proposta de reformulação da sua gestão. Em breve, serão
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nomeados novos gestores ou confirmados os actuais e serão tornadas públicas as novas regras a que obedecerá a tramitação dos apoios comunitários. O Governo disponibiliza-se desde já para debater na Assembleia da República a execução do Quadro Comunitário de Apoio em 1994 e 1995 e as reformas que o seu baixo grau de efectivação impõe. Com efeito, a degradação do funcionamento do Quadro Comunitário de Apoio não permitiu que
o grau de execução no biénio 1994-95 fosse além de 72,5%. Criou-se, assim, uma situação preocupante que exigirá medidas determinadas neste corrente ano.
O Quadro Comunitário de Apoio é talvez o exemplo mais flagrante da necessidade urgente de dar um sentido estratégico à utilização dos recursos que os contribuintes entregam à gestão do Estado.
Este Orçamento é um primeiro passo nesse sentido, definindo prioridades e assegurando novas modalidades de selecção e controle do investimento público, em benefício da coesão interna, num clima de mudança acelerada. É essencial, por isso, assegurar a sua passagem sem desfigurações. Só desse modo poderemos fundar uma política que vença o risco de periferização que nos ameaça.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Orçamento passará sem desfigurações, pese embora a intranquilidade dos que nunca perceberam que o principal papel do Estado é o de gerar, por si, e propiciar, por todos e em benefício de todos, esse bem público imprescindível que é o reforço da coesão interna.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este Orçamento passará sem desfigurações, mau grado o desconsolo dos que não entendem que o imobilismo de ideias e políticas é o principal aliado de todos os egoísmos corporativos que se opõem ao reforço da coesão nacional neste período tão complexo que vivemos.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Convém lembrar!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Orçamento passará sem desfigurações porque é um Orçamento que dá confiança aos portugueses, e esta Assembleia sabe-o.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, inscreveram-se nove Srs. Deputados para lhe formularem pedidos de esclarecimentos.
O primeiro inscrito é o Sr. Deputado Ferreira do Amaral, a quem dou a palavra.
O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, uma das razões, talvez a mais importante de todas, por que vou votar contra este Orçamento do Estado deve-se, contrariamente ao que o País precisa nesta altura, segundo a minha convicção, ao substancial aumento das despesas correntes e a uma diminuição do esforço do Orçamento do Estado no que toca ao investimento.
Vozes do PS:.- Ah! Vem atrasado!
O Orador: - Essa realidade é indisfarçável - os números têm destas vantagens, não se prestam muito a flexibilidades e por isso mesmo é que existem. Ora, sendo esta uma opção legítima, aliás previsível, do ponto de vista do Governo, a verdade é que, como calcularão, também me assiste o direito de estar em desacordo com ela e de julgar que, por esse simples facto, o Orçamento tem um vício de que dificilmente se poderá emendar.
Quais são, então, as consequências de um tal vício? Por um lado, é a entrevista de um membro do Governo a proclamar a todo o País quais as obras de que se orgulhará por não fazer. Julgo que isto é um facto inédito pois nunca tínhamos assistido a um membro do Governo a ufanar-se das obras que não vai fazer, mas esta atitude teve um condão: imediatamente se desdobraram, não os desmentidos, porque a realidade dos factos não os permite, mas as tentativas de tornar a verdade talvez mais doce. Assim, começou por usar-se a técnica de comparar orçamentos com execuções orçamentais, técnica esta rudimentar e que, naturalmente, não mascara nada. Depois, disse-se que a opção deixara de ser rodoviária para passar a ser ferroviária, mas não se vê muito bem como é que é tomada, uma vez que não surgiu nenhuma iniciativa ferroviária que não tivesse já sido decidida anteriormente. Por fim, depara-se com aquilo que é talvez o maior vício do que será um mau orçamento que é cair nos planos e nas medidas de secretaria, por assim dizer. Isto é, tal como aconteceu noutro dia, assistimos ao Sr. Ministro a prometer que não vai haver mais estradas - e não haverá mesmo - e que, em compensação, vamos ter mais planos e, além destes, provavelmente também vamos ter duas «Brisas». Mas se já temos uma que não faz auto-estradas que cheguem ou que, pelo menos, está proibida de fazer as que são necessárias, então, não me parece que valha a pena ter duas. Mas porque sucede isto? É porque o Governo gastou no que provavelmente seria desnecessário e agora faltam-lhe os recursos que seriam imprescindíveis para fazer os investimentos necessários.
A propósito disto, Sr. Ministro, tenho uma pergunta concreta a fazer-lhe, muito relacionada com este Orçamento e até com os compromissos dos próximos. O Governo tomou a decisão de acabar com as portagens na CREL e em outros troços de auto-estradas do País, embora tenha prometido mais abolições - espero que seja uma promessa que não cumpra -, e
fê-lo sem nunca ter dito a ninguém, nem sequer ao Parlamento, quanto custou. Ora, eu, que fiz os meus próprios cálculos - e devo dizer que cheguei a resultados surpreendentes -, pergunto concretamente ao Sr. Ministro: quanto é que o Governo calcula que custou ao Estado português a abolição das portagens tal como a levou a cabo?
Insisto em que não pretendo obter informação - que já foi dada sobre quanto pagou à Brisa ou qual é o passivo que assumiu, uma vez que, como sabe, não se esgota aí a despesa do Estado assumida a partir de irresponsabilidades que têm de adicionar-se a essas, nem sequer pretendo saber quanto paga o Estado pois sabemos que isso é levado à conta de dívida. Quero é saber quanto custou ao Estado a abolição das portagens na CREL e nas outras auto-estradas e se esse valor foi bem compulsado antes de a decisão ter sido tomada ou se, só agora, vai ser levado em linha de conta.
Aplausos do PSD.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Então, e aquele contrato com a Lusoponte?
O Sr. Presidente: - Estou informado de que o Sr. Ministro pretende responder aos pedidos de esclarecimentos, um a um. Assim, tem a palavra para o efeito, Sr. Ministro.
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O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira do Amaral - não utilizo o protocolo francês! -, o seu partido solicitou um debate, que teve lugar em conferência de imprensa, para debater a questão do Plano Rodoviário Nacional e as estradas, no qual o senhor esteve presente, na mesa, mas só no fim ouvi V. Ex.ª falar do despesismo do Governo em termos de consumo e quejandos, tendo «passado ao lado da placa».
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Vem hoje V. Ex.ª perguntar-me por contas de portagens! Tendo presente aquele debate singular, em que V. Ex.ª tanto se empenhou, em que veio a este Parlamento informar quanto custou a sua decisão relativamente à portagem da Ponte... Recorda-se? Não se recorda! Não houve!
Risos do PS.
V. Ex.ª escondeu do País, desta Assembleia, as suas contas, que nós vamos pagar. Vamos pagar 18,5 milhões de contos pela alteração que fez dos valores das portagens...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ora aí é que está!
O Orador: - Quem paga somos nós...
O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres): - E em défice! Nem soube fazer bem feito!
O Orador: - ... porque nunca V. Ex.ª informou esta Câmara ou o País. E mais, Sr. Deputado Ferreira do Amaral: também não informou que defraudou, em termos objectivos, não por intenção portanto, não peça para defender a honra! Quer dizer, para além dos 18,5 milhões de contos do dinheiro dos contribuintes, que foram o seu erro, pagou também certamente muito mais do que teria sido necessário se tivesse feito contas!
Assim, V. Ex.ª deixou que fosse estimada a compensação de receitas em 15%, quando, hoje, os cálculos oficiais mostram que não era mais do que 6%, matéria que deveria ter sido do seu conhecimento. E essa diferença que V. Ex.ª
terá de explicar-nos!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Isto é complicado!
O Orador: - Fico aguardando a sua explicação e desde já prometo a minha, seja no momento próprio, que é em sede de debate na especialidade, seja quando V. Ex.ª hoje nos der a sua explicação. Como certamente não o fará, aqui estamos.
Aplausos do PS.
Já agora, gostaria de perguntar-lhe como é que vai lidar com a segunda recusa do Tribunal de Contas na questão da Ponte do Freixo. Vai V. Ex.ª assumir essa responsabilidade ou vai «empurra-la» para os funcionários da Junta Autónoma das Estradas?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Se fosse autarca perdia o mandato!
O Orador: - Eu, se fosse a si, já teria assumido essa responsabilidade porque já se tornou público que o Tribunal de Contas considera que essa é uma grave infracção, pela qual alguém tem de respondera V. Ex.ª tem estado calado! Não continue calado, explique-nos! Quando nos explicar isso, responderei à primeira parte da sua questão.
Aplausos do PS.
E quando explicar a recusa do Tribunal de Contas no que diz respeito às obras na entrada da Ponte 25 de Abril, que também são da sua responsabilidade, então, V. Ex.ª terá o direito cívico de me perguntar seja o que for. Por agora, tem o direito regimental, mas não lhe assiste a dignidade cívica para o fazer, permita que lhe diga!
Protestos do PSD.
É mesmo assim! É mesmo assim, porque estamos a lidar com dinheiros públicos!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado, há-de explicar-nos por que razão é que o governo de 1987, em que a pasta das obras públicas era detida pelo seu antecessor e o então secretário de Estado da tutela era o agora Sr. Deputado Falcão e Cunha, aqui presente, nos fez crer que, em 1995, teria o Plano Rodoviário Nacional todo cumprido e não o fez. E V. Ex.ª e também deveria explicar, por si e não por outros, como é que poderia ter aquele Plano pronto em 1999 se, no melhor ano de V. Ex.ª, a JAE gastou 126 milhões de contos em estradas, sendo certo que, para realizar esse fantasmagórico plano de V. Ex.ª, seriam necessários 250 milhões de contos por ano - como sabe, é esse o preço de 2500 km de IP e de IC, não contando com reparações, com rectificações nem com as outras estradas.
Gostaria ainda de perguntar a V. Ex.ª como é possível não terem cumprido o que prometeram em relação à variante da Estrada Nacional 211, promessa que existe desde 1986, altura em que vários membros do governo de Cavaco Silva, em visita a Marco de Canaveses, assumiram publicamente o compromisso da sua construção. Aliás, segundo autarquia, foi o próprio primeiro-ministro, em 1989, a confirmar mais uma vez, perante os marcoenses, o avanço inequívoco daquela variante. Com tantas promessas, porque não avança V. Ex.ª? V. Ex.ª avança? Vai a Marco de Canaveses explicar por que é que as promessas não foram cumpridas? Não vai, fica aí, no seu gabinete!
Aplausos do PS.
Finalmente, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, gostaria que fosse a Pombal, hoje, explicar por que é que, desde 1992, está inscrito em PIDDAC um investimento que nunca foi realizado e por que razão, tendo sido chumbado o respectivo estudo de impacte ambiental no ano passado, com conhecimento de todos, o Pombal-Pontão dá origem aos protestos actuais, dizem-me que animados por alguns militantes locais do PSD. Dizem-me! E diga-me ainda porque não vai a Pombal explicar, não tendo V. Ex.ª decidido a construção da tal variante, inscrita em PIDDAC desde 1992, como pode agora vir reclamar essa construção, sendo certo que uma parte ainda está em concurso, de tal maneira que, certamente, V. Ex.ª não poderia ter pontão sem ter estrada nem ter estrada sem ter pontão. Os dois investimentos são complementares e um deles só em 1997 poderá ser concursado.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferreira do Amaral, pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da minha bancada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro, usando um estilo a que esta Casa não está habituada - e essa falta deve-se, provavelmente, a ausência prolongada -, acusou-me de ter defraudado não sei o quê, não sei em que circunstâncias nem com que fundamentos. Não me pesa na consciência tal pecado e julgo, por isso, que tenho direito à defesa da honra.
Devo ainda acrescentar, Sr. Presidente, que é notável como é que, sobre assuntos sérios que hoje provocam preocupação, e preocupação forte, de norte a sul do País, perante uma pergunta concreta relativamente
a uma decisão de que só o Governo é responsável e de que todos sofreremos as consequências, o Ministro responsável consegue informar o Parlamento de que não sabe a resposta.
Risos do Deputado do PS José Junqueiro.
O Orador: - Isto é espantoso! Mas é, exactamente, o que supunha, uma vez que, indagando os fundamentos e os custos da decisão de acabar com as portagens na CREL e nas outras auto-estradas, sei que nenhum estudo foi feito sobre esta matéria e que, portanto, o Governo tomou uma decisão, que afecta este Orçamento, sem nunca ter feito contas.
Em que estado e em que mãos estão os nossos recursos!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração dó Território.
O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento é da Administração do Território: - Sr. Presidente, queria apenas informar o Sr. Deputado Ferreira do Amaral que existe um estudo feito pelo Deutsch Bank, entidade que, como sabe, não é controlada por Portugal nem por portugueses, pelo menos não o é pelo Governo, que está à sua inteira disposição, com uma única condição: a de vir aqui explicar com que base é que pagou por 15% o que vale 6%.
Aplausos do PS.
O. Sr. Presidente: - Para. pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.
O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro João Cravinho, diz V. Ex.ª, e eu estou de acordo, que a coesão interna nacional é um dos objectivos mais importantes das Grandes Opções do Plano e que a regionalização é uma prioridade política.
Como o Sr. Ministro sabe, há uma ligação profunda entre a coesão interna e a regionalização e, assumindo o risco de aparecer como um dos
« Dupont» da história, diria que, se esta é uma prioridade política para o Sr. Ministro, para mim ela é a primeira das prioridades políticas deste
Governo e deste Parlamento.
Ora, lendo o projecto de revisão constitucional do PSD, surpreende-me que, neste momento, quando já não se é Governo, se fale na necessidade da descentralização e da desconcentração. É, de facto, atrevido que quem já não é Governo nos venha dizer, 10 anos depois, aquilo que eles próprios deveriam ter feito. Mas, mais grave ainda, é ler nesse projecto de revisão constitucional que, em relação à eventual regionalização, esta deverá partir da iniciativa das associações de municípios, numa perspectiva, de facto, basista. Consideramos isso inadmissível, depois de terem silenciado, durante 10 anos, o próprio projecto de regionalização.
Depois de nos termos habituado a ter um Partido Social Democrata de direita, agora, nesse tal projecto, confrontamo-nos com um PSD espontaísta, basista e referendário, porque defende a necessidade de referendos nacionais e locais. Em suma, confrontamo-nos com um partido de direita que assume posições de extrema esquerda! É esse o paradoxo a que o Partido Social Democrata nos conduziu.
Tenho a dizer a esta Câmara que, se o Governo diz que a regionalização tem de partir de iniciativa do próprio Parlamento, o Partido Socialista se compromete, com a maior brevidade possível, a apresentar o seu próprio projecto de regionalização do País. Quero com isto dizer que estamos, eventualmente, no princípio da maior reforma de todos os tempos do próprio funcionamento do Estado português.
Se é esta a nossa ambição e se é este o desafio que o Governo faz, correctamente, ao Parlamento, também gostava de lançar um desafio ao Sr. Ministro, uma vez que falou da importância da coesão interna e da regionalização, da disponibilidade do Governo para acompanhar os projectos da Assembleia da República em matéria de regionalização, tendo depois acrescentado qualquer coisa que nos parece muito pequena, ou seja, que o Governo vai tentar viabilizar estudos de forma a poder implementar o aparecimento destas novas autarquias regionais. Ou compreendi mal ou é pouco!
Gostava, por isso, que o Sr. Ministro nos explicasse como é que o Governo vai acompanhar as iniciativas deste Parlamento, em matéria de regionalização do País, que vão constituir, certamente, a maior revolução no funcionamento do Estado português dos últimos tempos.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Sr. Presidente: - Por uma questão de gestão do tempo de que ainda dispõe, para usar da palavra, o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território vai responder conjuntamente a todos os restantes pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Espero que você o apoie, Luís Sá!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, é bom ouvi]o falar do propósito de executar políticas públicas sistemáticas, designadamente da preocupação com a identidade nacional e a coesão interna, que são, naturalmente, preocupações que partilhamos inteiramente.
A questão que, entretanto, coloco é a de saber se este Orçamento do Estado corresponde ao propósito que é proclamado e, muito concretamente, se o facto de orçamentar 380 milhões de contos de privatizações corresponde a uma ideia de entendimento com o PP, encenado e concluído perante o País, ou se, pelo. contrário, corresponde a um propósito e a uma disponibilidade de dialogar à esquerda. V. Ex.ª tem um passado de esquerda...
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O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Passado e presente!
O Orador: - ..., não quero duvidar da sinceridade de algumas preocupações suas, mas creio que temos de concluir que, com propostas deste tipo, não são estes, efectivamente, os propósitos
V. Ex.ª referiu também a intenção de cumprir rigorosamente a Lei das Finanças Locais. Como sabe, a unanimidade no Conselho Geral da Associação Nacional dos Municípios Portugueses aponta no sentido de esta lei não ser cumprida. Mas, mais importante do que discutir este aspecto, é ter em conta, por exemplo, que em 1987, o ano da aprovação da Lei das Finanças Locais, a participação dos municípios nas receitas fiscais era de 8,8%; em 1993 era de 6,97% e em 1996 é de 6,58%. Isto é, a participação dos municípios nas receitas fiscais diminuiu.
Se tivermos em conta, por exemplo, a relação do Fundo de Equilíbrio Financeiro com o PIB, constatamos o mesmo, ou seja, também aqui se verifica que, de 1987 para cá, esta relação diminuiu constantemente. A situação continua, por isso, a ser muito complicada.
Além do mais, V. Ex.ª afirma como particularmente importante a questão da distribuição do investimento público pelo território. Também nesse ponto não podíamos estar mais de acordo, mas é evidente que cortes de verbas, designadamente em municípios, ou outro tipo de opções de investimentos corresponde a não respeitar esta opção.
Finalmente, e para terminar V. Ex.ª referiu um conjunto de reformas que o Governo tenciona fazer em matéria de poder local e falou, designadamente, da lei da tutela. Ora, acabei de receber o anteprojecto de lei da tutela administrativa e tenho de dizer que, independentemente de alguns aspectos positivos, há questões que não deixam de ser surpreendentes, como, por exemplo, o facto de, no passa do, o PS ter reivindicado, junto da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, que a dissolução de autarquias locais, por irregularidades, coubesse, em exclusivo, aos tribunais - nós próprios apresentámos, no nosso projecto de revisão constitucional, uma proposta que vai neste sentido - e avançar agora com a ideia de continuar a ser o Governo, por decreto, a ter essa competência!
Se me diz que está disponível para rever esse ponto, então ainda bem que há oposição, ainda bem que levantamos os problemas e que o Governo, de vez em quando, não é completamente surdo e não prefere olhar apenas para a direita.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Governo corrigiu a informação que dei anteriormente e, nesse sentido, o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território responderá a esta e às próximas quatro perguntas e, por último, às restantes quatro.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ouvimo-lo com particular atenção, porquanto o seu Ministério é aquele cujos reflexos das decisões mais sentidamente se repercutem na vida dos cidadãos, sobretudo nas áreas metropolitanas, quer pelo peso demográfico, quer pela ausência de ordenamento do território, quer pela política de solos seguida neste momento, quer pelos fluxos que toda esta área reflecte. Esta é, portanto, uma das áreas mais sensíveis às mudanças, positivas ou negativas.
Nesse sentido, gostaria de lhe colocar algumas questões concretas. Em primeiro lugar, a questão da mobilidade, dos transportes, é essencial para aquilo que é suposto ser um objectivo do Governo, isto é, a melhoria do ambiente urbano. Ora, esta é uma questão particularmente importante numa área metropolitana, onde 80% da mobilidade se faz em transporte privado. O Partido Socialista defendia, no passado, a urgência do prolongamento do metro para Odivelas, mas não tivemos oportunidade de ver esse projecto traduzido no Orçamento e, sobre essa questão, gostaríamos de ouvir uma resposta do Sr. Ministro.
Uma segunda questão que gostaríamos de ver clarificada em relação a este Orçamento diz respeito às grandes intervenções que se estão a fazer na Área Metropolitana de Lisboa, designadamente à nova ponte sobre o Tejo, projecto que, como o Sr. Ministro bem sabe, Os Verdes contestataram, mas que, para todos os efeitos, o Governo socialista não entendeu como reversível.
É nessa justa medida, e uma vez que foi criada uma zona dê protecção especial, cuja existência defendemos, embora tenhamos lamentado o processo que o PSD impôs sem ouvir as autarquias, que ocupa e penaliza 1/3 do território de uma delas - a de Alcochete -,que ficamos surpreendidos por não encontrar no Orçamento medidas atenuadoras daquilo que são os constrangimentos que essa zona de protecção especial veio criar. Gostaríamos, pois, de ouvir, sobre esta questão, uma resposta mais clara do Sr. Ministro.
Em terceiro lugar, falou de um aspecto que consideramos positivo, o da necessidade da regionalização. Contudo, também em 1991, foi criada a Área Metropolitana de Lisboa que, limitada embora nos seus contornos, definiu pelo menos era suposto tê-lo feito - meios e competências para, de um modo mais alargado, se poder equacionar o desenvolvimento nesta zona. Não vemos, no entanto, que a Área Metropolitana de Lisboa tenha qualquer correspondência financeira que permita tão-só o seu funcionamento e instalação práticas. Era natural que assim fosse com o PSD e a sua visão centralista do poder, mas não vejo como é que o Sr. Ministro compagina e compatibiliza uma nova visão sem esses meios.
Para terminar, gostaria de colocar-lhe uma última questão.
Como sabe, de acordo com a Lei de Bases do Ambiente, o Governo fica obrigado a apresentar à Assembleia da República, em cada ano, juntamente com as Grandes Opções do Plano, um relatório referente ao ano anterior sobre o estado do ambiente e do ordenamento do território em Portugal, E, como sabe também, o PSD, há cerca de três anos, deixou de cumprir a lei.
Ora, admito que este Governo não tenha condições para o fazer, mas não admito que não dê explicações sobre aquilo que, manifestamente, é um desrespeito da lei.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, tenho algumas questões para lhe colocar, mas, antes disso, permita-me que faça uma reflexão em público.
O Sr. Ministro conseguiu inverter por completo a ordem de trabalhos desta Casa. Estamos hoje aqui para analisar e discutir o Orçamento do Estado para 1996 e não a actuação do anterior governo.
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não apoiado!
O Orador: - O Sr. Ministro consegue fugir às respostas que não quer dar, colocando questões a antigos ministros. Trata-se de uma actuação sui generis, quando o Governo tem de vir a esta Casa para ser fiscalizado, para ser questionado e não para colocar questões a antigos membros de outros governos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - Mais, Sr. Ministro: nós, como democratas, recebemos o nosso julgamento. No dia 1 de Outubro o povo português julgou e julgou que as nossas decisões não eram as mais correctas. Agora são as vossas actuações que estão a ser julgadas. E enquanto não houver eleições, Sr. Ministro, é nesta Casa que esse julgamento tem de ser feito e o senhor tem a obrigação de nos responder e não de fugir àquilo que não quer dizer.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mais, Sr. Ministro: como é que o Sr. Ministro tem moral para dizer tantas coisas sobre anteriores membros do Governo, quando o Sr. Ministro ficou associado a um período negro da História de Portugal, ao governo « gonçalvista» e às nacionalizações?!...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Mas nunca foi irresponsável!
O Orador: - Sr. Ministro, passo a referenciar as questões que quero colocar-lhe sobre as Grandes Opções do Plano que nos apresentou. É que, por um lado, são generalidades, têm linhas de orientação capazes, de gerarem consenso, mas; por outro, Sr. Ministro, não sei como consegue compatibilizá-las com aquele que é o Orçamento do Estado. Qual a opção de desenvolvimento que este Governo tem para Portugal, se privilegia as despesas correntes em detrimento do investimento?
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isso é uma insanidade!
O Orador: - Qual a opção de desenvolvimento que este Governo tem para Portugal, quando, no momento em que o desemprego é um problema complicado, despromove o investimento e, automaticamente, deixa de criar emprego, contribuindo, sim, para que o desemprego cresça? Qual a opção de desenvolvimento e de coesão nacional que este Governo tem
para Portugal, quando atrasa o plano rodoviário e consegue, assim, afastar o interior do litoral?
Ainda em relação às Grandes Opções do Plano e ao cenário macro-económico, o último inquérito do Instituto Nacional de Estatística às empresas portuguesas indica que as expectativas não são favoráveis ao investimento; pelo contrário, as empresas prevêem, elas próprias, não investir, pondo automaticamente em causa, segundo me parece - e gostaria que comentasse -, as perspectivas de
crescimento económico para este ano. O Governo prevê fazer alguma revisão com base nestes dados? É que são as próprias empresas portuguesas que dizem que não vão investir! E se prevê rever o crescimento económico, como é que vai fazer com as receitas? Também as vai rever? Era bom que respondesse a estas questões.
Por fim, em relação às finanças locais, quero perguntar-lhe o seguinte: como é que consegue compatibilizar o discurso do Partido Socialista no passado bem recente com aquilo que hoje nos apresentou? O Partido Socialista sempre criticou a repartição entre transferências correntes e de capital, o Governo, neste Orçamento, mantém essa repartição; o Partido Socialista sempre criticou as verbas destinadas às juntas metropolitanas, o Governo mantém-nas; o Partido Socialista sempre criticou a ausência de compensações às autarquias e os benefícios fiscais concedidos no âmbito da sisa e de outros impostos locais, agora, onde é que estão essas compensações?
Protestos do PS.
O Partido Socialista sempre criticou a retenção do Fundo de Equilíbrio Financeiro para pagamento de despesas de pessoal dos GAT, por exemplo, mas o Governo mantém essa proposição.
Sr. Ministro, como é que consegue compatibilizar aquilo que defendeu com aquilo que nos apresenta hoje? .
O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - É apenas mais uma frase, Sr. Presidente.
O Sr. Ministro afirmou que sabe que este Orçamento do Estado vai «passar» e, por isso, gostaria que nos dissesse com que apoios vai contar, pois, com certeza, já os tem.
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - É com o seu voto!
O Sr. Presidente: - Sr: Ministro, os pedidos de esclarecimento que lhe estão a ser feitos têm aqui o seu «equador», ou seja, foram feitos quatro e faltam outros quatro.
Para responder, tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, procurarei ser breve.
Sr. Deputado Eurico Figueiredo, quanto à regionalização, os estudos preparatórios que estamos a fazer irão permitir que as novas autarquias, quando forem criadas pela Assembleia da República e nas condições que vierem a ser determinadas,, possam dispor de estudos de base sobre problemas tão importantes como competências, modo prático de as transferir, modo prático de as implantar, ajuda da própria administração central a essa instalação inicial das autarquias, modo de, nesta Assembleia, se votar, por proposta ou contribuição do Governo, o financiamento das novas autarquias, em conjugação com as competências transferidas e com o papel que tem de continuar a caber, até alargado, aos municípios. É, pois, com base nesses elementos que pensamos estar a contribuir para a regionalização.
Por outro lado, questão absolutamente fundamental é a seguinte: sendo a Assembleia soberana, estamos na sua total disponibilidade para comparecer aqui, a fim de darmos o contributo que nos for pedido e da forma como nos for pedido. Não poderemos fazer melhor, nem queremos
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fazer menos. Estamos na total disponibilidade da Assembleia, que é soberana, a responsabilidade pertence-lhe e o Governo colaborará de mente aberta com o intuito da Assembleia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Luís Sá, os 380 milhões de contos de privatização são uma velha questão que, pela minha parte e no que me respeita, dirimi, aquando do meu voto na última votação em que participei aqui sobre a Lei das Privatizações. Trata-se de uma matéria que nos divide, que está discutidíssima e V. Ex.ª não quer, com certeza, ouvir pela enésima vez aquela que é a realidade.
Quanto à Lei das Finanças Locais, estamos a proceder ao seu cumprimento rigoroso e, em sede de comissão, foi explicado exactamente como. Aliás, até julguei ver um aceno de cabeça do Sr. Deputado ou pelo menos do jurista Luís Sá relativamente à doutrina que defendemos. Existe matéria pendente em tribunal sobre a gestão anterior e, sendo uma questão em que estão a ser debatidos e contestados em tribunal direitos anteriores, se o Governo viesse aqui, neste caso particular, assumir as responsabilidades da gestão que está sendo demandada judicialmente, teria de assumir todas as outras. O Sr. Deputado Luís Sá está disposto a votar, sob sua proposta, os impostos que seriam eventualmente necessários para fazer face a essa liberalidade? Deixemos os órgãos de soberania funcionar! Funcionarão os tribunais e, nessa altura, o Governo verá. Mas o Governo cumpre a sua parte!
O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Ainda sobre a lei da tutela, Sr. Deputado Luís Sá, estamos totalmente atentos e abertos e agradecemos, desde já, todas as sugestões que nos queira fazer. Aliás, trata-se de matéria que virá à Assembleia e, portanto, será aqui decidida. O Governo fará uma proposta e, nessa sede, como noutras, anteriores, prévias, estaremos totalmente abertos.
Em relação à distribuição dos investimentos públicos, não cortei qualquer
investimento - nem eu, nem outro membro do Governo -, na base de não importa que critério. Fizemos, pura e simplesmente, a racionalização do investimento, em nome do interesse nacional, do que entendemos ser o interesse nacional. Se o Sr. Deputado tem dúvidas ou certezas sobre isto, só tem um caminho - aliás, está investido desse poder: proponha a correcção. Esperemos que o faça e, então, veremos.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, ouvi com muita atenção as suas observações e, em primeiro lugar, quero dar-lhe uma garantia, se quiser, da nossa boa vontade em matéria ambiental, isto é, do nosso sentido de dever em matéria ambiental: o Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, na sua nova lei orgânica, terá, pela primeira vez em Portugal, uma auditoria ambiental. E não é uma auditoria cujo auditor seja nomeado, pura e simplesmente, por proposta de um ministro e por decisão do Sr. Primeiro-Ministro, serão dois ministros - o Ministro do Ambiente e eu
próprio - que, conjuntamente, proporão ao Sr. Primeiro-Ministro a nomeação de um auditor do ambiente. Isto significa o seguinte: este Governo tem uma só política de ambiente, os valores ambientais são tão caros ao Ministério do Ambiente como ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... e terão de ser internalizados e respeitados dentro do Ministério e fora do Ministério, naquilo que for da sua tutela. Sobre esta matéria, fique com essa certeza
Relativamente ao metro de Odivelas, tenho o gosto de lhe dizer que estamos a estudar o assunto e dentro de dois meses, porventura menos, estamos preparados para iniciar uma discussão com todos os interessados, desde logo, com os utentes, em segundo lugar, com os seus representantes e, em terceiro lugar, com quem for. E estamos preparados não só para discutir mas também para tomar uma decisão nos três ou quatro meses próximos.
No que se refere ao atravessamento do Tejo e medidas atenuadoras, iremos, com certeza, debruçar-nos, com todas as entidades, sobre tudo quanto possa surgir de novo nesta
matéria. Sabemos que, de facto, a questão pode ter impactes significativos, mas não podemos dizer-lhe, necessariamente, que temos tudo estudado, pois se o fizéssemos estaríamos, com certeza e como é óbvio, numa situação insustentável, dado que somos um Governo de três meses para quatro anos.
Em todo o caso, estamos a estudar a questão e estamos abertos, desde já, a discuti-la com os grupos parlamentares, em primeiro lugar com o seu, que sabemos profundamente dedicado a este assunto, com as autarquias, porque estão envolvidas outras além da de Alcochete, e com a Área Metropolitana de Lisboa. Aliás, devo dizer-lhe que iniciámos um procedimento de consultas com a Área Metropolitana de Lisboa, o qual engloba também este assunto. Portanto, não estamos atrasados, estamos na hora e sobre a jogada.
Finalmente, em relação ao financiamento da Área Metropolitana de Lisboa, estamos na seguinte situação: há 20 000 contos inscritos em orçamento de linha própria e há mais 110 000 contos disponíveis, segundo o artigo 19.º do Orçamento, como todos sabem.
Quanto à Lei de Bases do Ordenamento, tenho, de facto, um relatório, estou a estudá-lo e não gostaria de transmitir à Assembleia uma simples proposta dos serviços, sem ter a devida orientação política. É evidente que não posso, de forma nenhuma, fazer isso, com toda a latitude, relativamente ao passado, mas fá-lo-ei, com certeza, com responsabilidade total e integral, relativamente ao ano de 1995.
Sr. Deputado Duarte Pacheco, «depois de nós, o dilúvio»... Isso é sabido, não vale a pena insistir, mas o Sr. Deputado Duarte Pacheco inovou: antes de nós, o big bang inverso, ou seja, não existe o passado, só existe o futuro. É o big bang inverso! Não se pode falar aqui da continuidade do Estado, da continuidade das políticas públicas, da continuidade do Investimento, dos constrangimentos que, afinal de contas, quanto mais não seja, a História, e a História de 1995, muito em particular, nos relata.
Para sua reflexão, apenas um número: concursos abertos em 1995, 458 milhões de contos; concursos abertos em 1994, 315 milhões de contos; concursos abertos em 1993, 321 milhões de contos. Isto é, os senhores abriram menos concursos em 1994 do que em 1993 e em 1995 dispararam praticamente 50%. Isto significa «depois de nós, o dilúvio».
Sr. Deputado, para quem tanto se «afoga», será melhor não avançar com a teoria dó big bang inverso, ou seja, antes de nós, nada. Em parte, é verdade, mas não exagere!...
O Sr. Deputado perguntou-me como é que sei que o Orçamento do Estado vai ser aprovado. Esse é o seu gran
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de receio. É que se ele não for aprovado, não sei se o Sr. Deputado voltará a este Parlamento...
Aplausos e risos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Varges.
O Sr. Manuel Varges (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro João Cravinho, quero transmitir-lhe as minhas sinceras felicitações pelas soluções inovadoras com que a equipa de V. Ex.ª
«desarmadilhou» os enormes compromissos que herdou do governo anterior e que quase impossibilitavam este Governo de ter suporte financeiro para assumir soluções próprias. Felizmente, estão não só garantidos os compromissos efectivos do governo anterior como ainda foi possível construir, com grande rigor, um quadro de investimentos públicos que é superior, em 31 %, à última estimativa do executado de 1995.
Primeira questão, Sr. Ministro: notei com grande satisfação que V.Ex.ª considera que o Plano Rodoviário Nacional não é nenhuma Bíblia. Aliás, face às preocupações que vêm sendo levantadas, quer à Junta Autónoma das Estradas quer directamente ao Governo, nos últimos anos e nos últimos meses, e ao extenso rol de compromissos gerados pelo governo anterior, em que hoje há que contrapor, em alguns casos, argumentos de bom senso e, noutros casos, há até que ajustar restrições de natureza ambiental que complementem a execução de algumas das soluções; tudo isto misturado com a noção de novas capacidades que poderão advir do bloqueamento ou até do esgotamento de alguns financiamentos comunitários, verifico que V. Ex.ª considera que é um Plano que vai ter brevemente uma proposta de alteração. Felicito-o por isso!
Em segundo lugar, Sr. Ministro, alguns dados que têm vindo a público sugerem o aumento de sinistralidade e de perigosidade em muitas das nossas estradas, tendo sido já identificados centenas de pontos negros nessas estradas. Que esforços ou que soluções é que este Governo pretende desenvolver para eliminar ou para corrigir este índice de perigosidade e de sinistralidade de muitas das nossas estradas?
Terceira questão, Sr. Ministro: na execução do Plano Rodoviário Nacional, o peso significativo dos encargos com as expropriações e com os realojamentos começa a assumir um grande relevo. Como é conhecido, na vigência do actual Código das Expropriações tem aumentado muito a capacidade negocial dos particulares. E as peritagens, avaliações e sentenças judiciais produzem muitas vezes valorizações que extravasam as expectativas dos próprios particulares. Por outro lado, os índices de construção, permitidos por muitos planos directores municipais, vão garantindo ganhos potenciais muito grandes ;para muitos terrenos e para muitos particulares.
Encara V. Ex.ª, Sr. Ministro, a necessidade de rever pontualmente o Código das Expropriações?
Em quarto lugar, Sr. Ministro, os realojamentos estão a ser imputados, como sabe, directamente à conta dos projectos rodoviários ou ferroviários, como é o caso concreto, da CRIL, da Via de Cintura Interna Porto/Gaia e das várias radiais. Em que medida, Sr. Ministro, entende que tais custos deveriam ser levados à conta dos planos especiais de realojamento e não ao custo das infra-estruturas das redes ferroviárias ou rodoviárias?
Última questão, Sr. Ministro, e não a menor - tenho-lha colocado várias vezes: preocupa-me a vida do dia-a-dia de 400 mil habitantes do corredor de Loures que, pendularmente, significa um movimento de cerca de 200 mil pessoas em horas de ponta, de manhã e à tarde, naquele malfadado corredor, que, na Área Metropolitana de Lisboa, é o único que apenas tem o modo rodoviário de transporte.
O Sr. Macário Correia (PSD): - É comprar um burro!
O Orador: - No plano do Governo estava claramente apontada uma solução ferrocarril ou ferroviária para aquele corredor. Gostaria de saber, Sr. Ministro, concretamente, quando é que o metro para Odivelas deixa de ser uma bandeira permanente do PS, de há vários anos, e começará á ser, de facto, um estado de bem-estar das populações
daquele concelho.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.
O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, tentarei ser breve para me penalizar dos cinco minutos a mais que utilizei há pouco.
Sr. Ministro, a Comissão de Assuntos Europeus votou por unanimidade o parecer que fez subir aqui a proposta das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado, mas não chegou a acordo sobre a ideia de que havia congruência entre os dois diplomas.
As nossas dúvidas levantam-se a dois níveis. Em primeiro lugar, a luta contra a periferização, defendida por V. Ex.ª, com o conceito de convergência estruturante, que tem, por um lado, como objectivo a consolidarização orçamental e, por outro, o investimento público.
O que pergunto é se V. Ex.ª está em condições de garantir, havendo ou não uma derrapagem orçamental, que não põe em causa as verbas para o investimento público e, portanto, nem sequer utilizará a cláusula de convergência para que este investimento seja, de facto, um programa de convergência estruturante, a fim de que haja investimento público no sentido de lutar contra a periferização.
Em segundo lugar, o Orçamento do Estado diz-se um Orçamento de rigor com consciência social. Ora, não há consciência social hoje em dia sem consciência ambiental. Sabendo disso, sabendo que o crescimento sustentado de longo prazo aposta também na defesa do ambiente e sabendo como é caro o problema do emprego que foi levantado por este Governo na Cimeira de Madrid, pergunto-lhe se está em condições de assegurar uma rápida implementação das directivas aprovadas pelo Livro Branco para fortalecer a competitividade, o emprego e o crescimento, nomeadamente, se Portugal pretende gastar mais dos fundos europeus em ambiente, dado que somos dos que têm menor parcela.
Pergunto ainda se aponta para a solução de tributar menos o trabalho e mais os recursos não renováveis, porque, neste caso, teríamos de aderir a uma maior coordenação no que respeita ao imposto
CO2, a que muitos dos nossos parceiros já aderiram.
O Sr. Presidente: - Ainda para pedir. esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Nelson Baltazar.
O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, tivemos conhecimento de que, considerando que em Portugal a irregularidade sazonal e interanual é uma das
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características mais marcadas dos nossos recursos hídricos e que o fenómeno das cheias tem maior expressão nos vales dos troços finais dos rios, de entre os quais se destaca claramente o Vale do Tejo, o Conselho de Ministros
decidiu, por resolução, em 8 de Fevereiro, já após a elaboração do Orçamento: «preparar e executar um plano de acção para aumentar a segurança das pessoas e bens, reabilitando diques, limpando e estabilizando margens e linhas de água; proceder ao levantamento dos estragos provocados, promovendo a reabilitação dessas infra-estruturas; reforçar, modernizar e reabilitar mecanismos de monitorização; proceder à rápida conclusão do Plano de Bacia do Tejo, que indicie as medidas a assumir a médio/longo prazo».
Congratulamo-nos, naturalmente, com esta decisão, pois corresponde ao cumprimento de mais uma intenção programática do PS.
Nesse sentido, pergunto-lhe se admite considerar ser conveniente e natural induzir um sinal no actual Orçamento, através da inscrição de uma verba para o efeito, tendo em conta a decisão assumida e tendo em conta que, há muitos, muitos anos, esta medida de fundo corresponde aos anseios de toda a população ribatejana.
O Sr. Presidente: - Finalmente, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, estou profundamente preocupado e quero pedir ajuda ao Sr. Ministro...
Risos do PS.
... para que nos esclareça sobre um conjunto de contradições existentes entre o Governo e o PS. E porque se trata de matéria abundantemente documentada, mais fortes são as minhas preocupações.
O PS defendeu, em documentos de que o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira tem fotocópias...
Risos do PS.
..., através de um projecto de lei que apresentou aqui há muito pouco tempo, 15% das transferências correntes do Fundo de Equilíbrio Financeiro para as freguesias, num diploma apresentado por Jorge Lacão e outros. No entanto, no Orçamento do Estado, constam apenas 10%. Trata-se de uma divergência clara entre o Governo e a bancada do PS.
Depois, há um conjunto de outras divergências, que considero graves. O PS, através da sua bancada e de alguns dos seus ex-Deputados, que agora são ministros, defendia, no ano passado, a eliminação do regime de crédito às autarquias e, agora, propõe-no no Orçamento do Estado. Está a copiar aquilo que dizia serem os malefícios da política «laranja».
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Por aí não vai lá!
O Orador: - Depois, há ainda outras contradições. Em relação à cobrança da taxa da primeira venda de pescado, o PS, no ano passado, defendia o contrário daquilo que agora propõe no Orçamento que aqui nos apresenta. Outra contradição!
Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Isso não é verdade!
O Orador: - Mas não contente com estas, há ainda contradições entre o Governo e dirigentes de autarquias, comandadas por dirigentes socialistas em relação a outras matérias. É o caso da escolaridade, que é apenas compensada com 1,7 milhões de contos nas Finanças Locais quando as autarquias estavam à espera de muito mais, tendo em conta o aumento da escolaridade obrigatória.
Protestos do PS.
Além disso, há outras matérias que nos preocupam, nomeadamente o que tem a ver com a retenção de eventuais dívidas à ADSE, à segurança social e à Caixa Geral de Aposentações. O PS defendia uma coisa, o Governo agora defende outra completamente diferente!
Além disso, há uma outra contradição, que já aqui foi debatida por ocasião do orçamento rectificativo de 1995. Nos cálculos do FEF, que muito bem foram explicados pelos Srs. Deputados Luís Sá e Octávio Teixeira, o PS tinha precisamente a mesma interpretação, mas agora o Governo tem outra, o que nos deixa aqui perante uma profunda perplexidade.
Uma última pergunta, Sr. Ministro - e esta é capaz de ser uma contradição não entre V. Ex.ª e o PS mas entre V.Ex.ª e o Primeiro-Ministro.
O Primeiro-Ministro disse, de forma clara, várias vezes, em entrevistas e no Programa do Governo que aqui apresentou, que seriam abolidas as portagens no interior de todas as áreas metropolitanas.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Parece uma cassette!
O Orador: - Como só aboliu pontualmente as portagens da CREL, de Ermesinde e da Maia, faltam todas as outras! E isso está escrito no Programa do Governo aqui apresentado nesta Casa, não é nenhum documento falacioso, não são fotocópias avulsas de uma qualquer notícia não documentada, são documentos factuais, oficiais. Um Programa do Governo é um acto responsável, não pode aqui ser dito que não é assim, porque a interpretação só pode ser uma, é clara e evidente.
Portanto, quero perguntar ao Sr. Ministro que hoje tem essa tutela quando é que essas portagens são abolidas, ou se declara aqui, peremptoriamente e de uma forma clara, que o Governo não cumpre essa promessa, que disse uma coisa mas faz outra. E isso que lhe pergunto, Sr. Ministro.
Vozes do PSD: - Muito bem.
O Sr. Presidente: - Para responder aos últimos quatro pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A distribuição regimental dos tempos impede-me de ser tão pormenorizado quanto mereceriam as questões postas e, em primeira análise, a consideração que devo à Câmara.
Sr. Deputado Manuel Varges, quanto à questão do metro, como sabe - e conhece o assunto tão bem ou melhor do que eu ,temos que a equacionar muito rapidamente. De facto, por um lado, o metro é a solução, simplesmente é um investimento de cerca de 55 milhões de contos e, porventura, de quatro anos, mas é preciso en
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contrar esses 55 milhões de contos. Não me parece, pois, que seja matéria despicienda.
Por outro lado, o metro/alternativa, que foi sugerida em desespero perante a passividade do governo anterior, é uma solução que é rápida na execução - custa, porventura, 10 milhões de contos - mas que tem constrangimentos técnicos que o Sr. Deputado conhece, alguns deles muito difíceis de superar. E, ainda por cima, mal estivesse inaugurado, um ano depois, a população estaria completamente desafecta à solução encontrada.
Estamos a procurar equacionar o problema. Tenho alguma esperança de o resolver positivamente e da melhor maneira. Não tenho ainda os elementos definitivos, mas dentro de um mês poderemos começar a dialogar e dentro de três ou quatro meses tomaremos, com certeza, uma decisão.
Quanto às expropriações, tem toda a razão - e dou o exemplo das salinas do Samouco, avaliadas em 250 mil contos pelo Instituto de Conservação da Natureza. Foram pedidos três milhões de contos, tendo descido uma parte para 1700 mil contos, é evidente que a especulação entrou nisto. Sabemos que há algumas irregularidades graves que são fáceis de perceber nas suas consequências, nomeadamente para o contribuinte, mas difíceis, apesar de tudo, de tornar completamente estanques, a não ser por uma via, que é a alteração do Código das Expropriações. Estamos a estudar esse assunto e esperamos poder vir à assembleia com uma proposta.
Quanto à questão dos realojamentos, suponho que esta é uma matéria em que é preciso a cooperação das entidades interessadas no problema viário como tal, das entidades interessadas na política de habitação e das próprias câmaras. Esse problema coloca-se - está agora precisamente em cima da mesa relativamente à CREL e à CRIL - e espero que haja, muito em breve, uma reunião com todos os interessados a fim de ganharmos uma proporção de esforço relativo que seja diferente da anterior, redimensionando o que cada um tem de fazer, para o que esperamos ter um contributo positivo das câmaras.
Sr. Deputado Francisco Torres, posso dar-lhe a garantia política de que este Governo montou, efectivamente, uma máquina de controle de execução do PIDDAC que não tem semelhança com as anteriores e que se espera venha a ter um altíssimo grau de realização, e, se houver necessidade de usar a cláusula de convergência, far-se-á, em nome do interesse nacional, mas sem ter a menor dúvida de que o PIDDAC, em 1996, ficará muitos pontos acima do de 1995.
Quanto ao Livro Branco, como sabe, essa é uma matéria ambiciosa. Sucede que, do ponto de vista ambiental, nós estamos muito mais interessados na defesa dos valores ambientais do que o Governo anterior: pagaremos as facturas anteriores e não constituiremos novas facturas; faremos com que o Fundo de Coesão tenha, tendencialmente, uma distribuição igualitária entre transportes e ambiente, sendo certo que muitos sistemas de transporte são pró-ambiente e não contra o ambiente, e, portanto, devem ser contabilizados positivamente.
Sr. Deputado Nelson Baltazar, quanto à resolução do Conselho de Ministros relativa às cheias recentes no Vale do Tejo, estamos abertos, dado essa resolução ser posterior à elaboração do Orçamento, a incluir uma verba que poderemos discutir em sede de debate na especialidade a favor do controle das cheias no Ribatejo.
Sr. Deputado Macário Correia, as suas dúvidas são autênticas, são genuínas, vêm da sua longa permanência no governo e, sobretudo, na Câmara Municipal de Lisboa, sempre na oposição, mas digo-lhe que não as percebo! Sei que são genuínas, sei que são sinceras, sei que são profundas, mas como na última reunião de comissão em que estive presente, depois de termos estado como «Deus com os anjos» - perdoe-me que lhe diga - V. Ex.ª, interpretando aquilo que lá se passou, veio dizer à televisão que saía indignado, não tendo manifestado qualquer indignação na comissão, antes pelo contrário, como se recordarão todos. Creio, pois, que temos uma interpretação completamente diversa do que é a realidade! Sr. Deputado, e mais uma vez perdoe-me que lhe diga, se quiser ver, neste Orçamento, contradições, elas existem na sua imaginação!
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem á palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: É nosso entendimento que os documentos ora em análise e discussão nesta Assembleia - as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado - não exprimem nem dão resposta a duas questões fundamentais e indissociáveis: as necessidades de desenvolvimento social e económico do País e a vontade de mudança corporizada nas últimas eleições legislativas. E não o fazem porque, por outro lado, os mesmos documentos exprimem e dão resposta a uma obsessão «esquizofrénica» (e foi o insuspeito Sr. Jacques Delors quem usou esta palavra a respeito desta matéria) em torno dos 4,2% do défice público como instrumento para a consecução do eldorado da moeda única. Em termos de racionalidade económica, estávamos habituados a que um défice resultasse de um Orçamento; Maastricht obriga a que um orçamento resulte de um défice. O Governo socialista - como, antes dele, o Governo PSD - embarca alegremente neste pressuposto, por mais que ele condicione negativamente o desenvolvimento económico e social do País, agrave o seu carácter periférico e dependente no quadro da União Europeia e das relações com países terceiros - e, dentro das nossas fronteiras, contribua para o aprofundamento das assimetrias regionais, as quais se expressam, paralelamente, na litoralização desenfreada e na desertificação humana e ambiental do interior.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Neste domínio, exigir-se-ia a um Orçamento do Estado um esforço acrescido, e particularmente sensível, no sentido de contribuir para a «superação dos dualismos cidade/campo e centro/periferia», e em áreas tão estrategicamente importantes quanto o são «a agricultura, as pescas e o desenvolvimento rural», ou « o ambiente», ou as «infra-estruturas, redes e serviços básicos», ou o «planeamento e administração do território». Aliás, é listo mesmo que referem as Grandes Opções do Plano, que citei nas últimas linhas. Só que, nestas como em muitas outras matérias, a relação que se pode estabelecer entre as Grandes Opções e o Orçamento do Estado é exactamente a mesma que se estabelece entre as boas intenções e o inferno que delas já está a transbordar.
O Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC) é um exem
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plo muito claro do que temos vindo a afirmar e contraria de maneira radical as eventuais «boas intenções» das GOP. Onde estas dizem defender «a adopção de uma política, agrícola (...) dando ênfase especial a programas específicos para o desenvolvimento rural que (...) permitam combater a desertificação», o PIDDAC responde com um corte brutal de mais de 25% nos investimentos dirigidos ao apoio e à promoção dos agricultores e da produção agrícola, como se fosse possível construirmos um mundo rural desenvolvido sem agricultura produtiva e, principalmente, sem agricultores! Onde as GOP enfatizam a necessidade de uma política regionalmente equilibrada que «apoie a requalificação das cidades médias e outros centros complementares», o PIDDAC desfaz quaisquer ilusões quando manifestamente reduz, de 1995 para 1996, o peso dos investimentos nos distritos mais carenciados, ou do interior, relativamente ao total do País. Essas quebras são nítidas em Braga, Castelo Branco, Évora, Portalegre, Santarém e Viseu, e são dramáticas em Beja, Coimbra, Leiria, Porto e Viana do Castelo.
O Sr. João Amaral (PCP): - Até em Castelo Branco!
O Orador: - Alguns números, poucos, mas suficientemente expressivos: a quebra é de 6% no distrito do Porto, de 18% no de Coimbra, de 31% no de Beja, de 34% no de Viana do Castelo e de 40% no de Leiria; e é de 11 % para o conjunto dos três distritos do Alentejo.
Sr. Ministro João Cravinho, falou aqui, há pouco, de regionalização e de coesão nacional e ouviu agora os números que acabei de referir pelo que agradecia que nos explicasse, depois, como é que os compatibiliza com as suas afirmações nos domínios atrás indicados.
Ainda um pequeno aparte, no que a Leiria se refere, já que este é, de todos, o distrito mais penalizado. E vou fazer uma citação: «o Orçamento do Estado, este ano, não vai resolver alguns dos grandes objectivos do distrito, como os acessos à auto-estrada e a construção do IC1 e do IP6 (...); a minha insatisfação resulta do facto de existir um Governo PS, sem que a situação se tenha alterado». Estas afirmações, inequívocas, pertencem - imagine-se ao Sr. Deputado Henrique Neto, da bancada do PS, e foram prestadas ao «Jornal de Leiria» do passado dia 29 de Fevereiro.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Vai votar contra?
O Orador: - Aproveitamos, sem cinismo, para lhe expressarmos aqui a nossa solidariedade, sendo certo que a não encontrará na sua bancada.
Aplausos do PCP.
Estranha maneira, esta, que o Governo socialista encontrou para promover um desenvolvimento integrado e harmonioso do território!
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: É de um desenvolvimento integrado e harmonioso do todo nacional que o Orçamento do Estado deveria cuidar, e nomeadamente através do PIDDAC; quando com o que nos confrontamos é com o aprofundamento dos desequilíbrios. Por exemplo, a aposta na ferrovia parece-nos certa, temos vindo a reclamá-la de há longos anos a esta parte. Mas o sul do País não é também País? Por que é que o PIDDAC não contempla um único quilómetro de investimento de caminho-de-ferro para o sul?
Nestas coisas do betão, ou do alcatrão, ou do aço, o problema situa-se sempre na justa medida, a qual se afere por constituir, ou não, uma resposta integrada às necessidades do nosso país, do nosso povo, da nossa economia. Já tivemos ocasião de afirmar aqui, desta tribuna, quando há poucos dias se discutiu o Plano Rodoviário Nacional, que «quem percebe só de estradas não percebe nada de estradas». Mas não é disso que, hoje, aqui, se trata, e uma alternativa séria a uma errada «política do betão» não pode afirmar-se senão por uma política correcta do betão. Desinvestir, e desinvestir de maneira
desequilibrada - como o faz este PIDDAC no domínio das rodovias secundárias -, e ocultar essa realidade em nome de uma demagógica guerra ao betão, vai deixar ainda mais esburacadas pelo Governo do PS as já esburacadas estradas capilares que os governos do PSD nos deixaram.
Esta análise do PIDDAC ao nível distrital e transdistrital mostra claramente - se os números servem para alguma coisa - que onde já se investia pouco se vai investir agora ainda menos; que onde era preciso criar melhores condições para o desenvolvimento essas condições vão agora piorar; que onde era fundamental incentivar a fixação das populações se vai, pelo contrário, acelerar a sua fuga.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Para além dos defeitos e virtudes disseminados pelas Grandes Opções do Plano e pelo Orçamento do Estado, acrescem, como se viu, flagrantes contradições, algumas delas estruturalmente insanáveis, entre os dois documentos que ora nos são presentes. Há, eventualmente, duas hipóteses explicativas para estas contradições: a primeira hipótese, a de que estas GOP não pertencem a este Orçamento do Estado, ou este Orçamento do Estado não pertence a estas GOP, ou as GOP servem de cenário de esquerda a um orçamento que de modo nenhum merece esse qualificativo; a segunda hipótese é a de que este Governo não sabe geografia, virou o mapa do País ao contrário e os investimentos do PIDDAC situaram-se como se vê.
Reconhecemos, no entanto, que estas duas explicações certamente mais credível a primeira do que a segunda - pecam, ambas, por defeito. A explicação de fundo é outra, e mais prosaica. O Sr. Primeiro-Ministro, na abertura deste debate, disse que « as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado merecem ser aprovados porque são bons para o País», mas na verdade, Sr. Primeiro-Ministro, as GOP e o Orçamento do Estado não merecem ser aprovados porque, simplesmente, não são bons para o País.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lemos.
O Sr. José Lemos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sras. e Srs. Membros do Governo Sras. e Srs. Deputados: Estamos a discutir o Orçamento de Estado, que é um instrumento de política económica fundamental para o País, não só pelos seus efeitos directos na actividade económica mas também pelo seu impacto social e ainda pelo referencial que constitui para a tomada de decisões de todos os agentes económicos.
Para o PS, este é um bom Orçamento, tanto mais que foi elaborado com os condicionalismos conhecidos de todos e que já nesta Câmara os Srs. Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças bem explicitaram. É um Orçamento
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de rigor, não despesista e onde estão bem patentes indicadores contra o desperdício de dinheiros públicos e de moralização da actividade do Estado.
Srs. Deputados, os dados deste Orçamento são inequívocos: diminuem as despesas do subsector Estado; aumentam as transferências para as autarquias locais; cumpre-se a Lei de Bases da Segurança Social; estagna-se o ciclo ascendente da ratio dívida pública no produto; diminuem as necessidades de financiamento do Estado; diminuem os pedidos de autorização para regulação de passivos e assumpção de dívidas. É um Orçamento desinflacionista, estabilizador dos mercados financeiros, factor de crescimento económico e que vai contribuir para a criação de emprego. Há aumento do investimento público, Srs. Deputados - os números demonstram-no: aumentam os investimentos no capítulo 50 do PIDDAC mais de 10%; aumentam as despesas das funções sociais do Estado cerca de 10%; aumentam as verbas para a educação; aumentam as verbas para a saúde.
Para um crescimento sustentado da economia e para um desenvolvimento equilibrado com preocupações de justiça e de bem-estar sociais, é importante o papel do Estado na economia, que, nas sociedades modernas, não é mais o do Estado-patrão mas sim o do regulador da actividade económica e o de exemplo e referência enquanto agente e interventor nos mercados.
Nas propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado, o Governo assume os grandes compromissos eleitorais que o PS estabeleceu com os portugueses, introduz rigor financeiro à sua acção e estimula a confiança dos mercados nos investidores e nos cidadãos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A redução do défice sem agravamento global dos impostos, compatibilizando-os com o aumento dos investimentos públicos, espelha bem as intenções de gestão criteriosa por parte do Governo dos dinheiros dos contribuintes, com os quais é indispensável celebrar um pacto de moralização fiscal, combatendo a fraude e a evasão aos impostos, dando coerência e aperfeiçoando o sistema, pois só assim será possível despenalizar as empresas eficientes e cumpridoras e os trabalhadores por conta de outrem.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o PS não pode deixar de salientar que o Governo, pela primeira vez, conjuntamente com estas propostas das Grandes Opções do Plano e do Orçamento, aprovou um programa de privatizações para o biénio 1996797, tendo-o dado a conhecer ao País. Doravante, como, aliás, no passado, sempre defendemos e por isso criticámos algumas orientações então seguidas pelos governos do PSD, as privatizações obedecerão a um programa conhecido pelos agentes económicos e pelos mercados, com critérios de transparência, de escrupuloso cumprimento da lei e de imparcialidade face aos interesses económicos e empresariais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pela primeira vez também, os interessados nas privatizações dispõem de um instrumento que lhes permite planear e programar os seus investimentos, sem se voltar ao casuísmo, à incerteza e à frustração de expectativas tantas vezes legítimas. Por outro lado, a estratégia das privatizações estará subordinada a objectivos de racionalização e de restruturação da economia portuguesa, contribuindo para o reforço da competitividade e da modernização do tecido empresarial, e para a dinamização do mercado de capitais, imprescindível para o desenvolvimento do País. A política de privatizações, ao reduzir o stock acumulado da dívida pública, terá também um efeito saudável sobre a economia, flexibilizando a gestão da política orçamental e libertando recursos financeiros para a actividade empresarial com reflexos positivos nas taxas de juro.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a defesa que fazemos das privatizações no âmbito do programa estabelecido pelo Governo, é porque estamos convictos de que as mesmas irão contribuir para a modernização do tecido produtivo, tornando as empresas mais eficientes e mais competitivas. Privatizar, conciliando a salvaguarda dos interesses do Estado, a transparência de processos e o reforço da capacidade empresarial de grupos portugueses, é também um dos objectivos essenciais que subscrevemos. As privatizações, tal como resultam do Programa do Governo, vão permitir o desenvolvimento do mercado de capitais: o incremento da capitalização bolsista, a oferta de mais e melhores valores mobiliários e a dispersão dos capitais serão factores de dinamização, credibilidade e solidez, tornando-o apelativo não só a investidores nacionais como a investidores estrangeiros. Um funcionamento eficiente do mercado, e com dimensão, disponibiliza recursos alternativos às empresas, possibilitando o financiamento dos seus projectos de expansão e modernização, com melhores condições comparativamente às do sistema financeiro tradicional. O PS congratula-se com esta aposta estratégica do Governo no mercado de capitais, bem como pela vontade que tem vindo a expressar de criação dos enquadramentos legais necessários à inovação e ao surgimento de novos produtos financeiros há muito desejados pelas empresas, pelos investidores e operadores e sucessivamente protelados pelo anterior governo.
Pensamos também que é importante a revisão do Código do Mercado de Valores Mobiliários, reflectindo sobre a experiência existente, dotando-o de maior flexibilidade, do ponto de vista da sua aplicação, e de uma maior simplicidade sistemática, no que se refere à sua organização.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Deverá ser dada especial atenção à manutenção e reforço da credibilidade da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e à criação de regras expeditas de intervenção no mercado, protegendo os interesses dos investidores, em particular daqueles que nele aplicam pequenas poupanças.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Para o PS, repito, estamos perante um bom Orçamento. O tempo urge para que possamos vencer os desafios da Europa e do progresso. Os portugueses esperam desta Câmara a aprovação do Orçamento do Estado. A estabilidade política e económica assim o requerem.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Em continuação do debate, tem agora a palavra o Sr. Ministro da Educação para uma intervenção.
O Sr. Ministro da Educação (Marçal Grilo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 1996 é o ano em que se entendeu
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dar, através das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado, um sinal que traduza, de forma clara e inequívoca, a opção do Executivo em relação à educação, à formação e à qualificação das pessoas.
Trata-se da primeira prioridade deste Governo, que importa assumir com ambição e audácia mobilizadoras.
E se a sociedade e os cidadãos mostram compreender a importância da «paixão pela escola», que é essencialmente a paixão pela cidadania e a determinação em superar atrasos ancestrais, motivando e reunindo energias disponíveis, o certo é que o Governo não pode deixar de corresponder, de forma exigente, a essa confiança, que é também uma garantia de vitalidade e de crença no futuro.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Neste ponto poderemos parafrasear um grande europeu, que gostava de contrapor a determinação à dualidade optimismo/pessimismo.
As dificuldades, as inércias, os bloqueamentos, as resistências são múltiplas.
É da sociedade, na sua complexidade, que estamos a falar. Só á determinação de vontade, a partilha de responsabilidades e a reunião de esforços pode levar-nos a superar o subdesenvolvimento e a resignação.
Por isso, apostamos na educação e na formação como factores de desenvolvimento.
Trata-se, no fundo, de lançar as bases da mudança e da modernização no médio e longo prazos, para o que necessitamos de um esforço nacionalmente assumido e democraticamente acordado.
Sempre dissemos que o investimento em educação tem características especiais e, consequentemente, deve ser encarado de forma particular.
Não há uma distinção rígida entre os encargos resultantes do funcionamento e as verbas destinadas à construção de infra-estruturas físicas ou à aquisição de equipamentos.
A reprodutividade das despesas depende da sua utilização e do seu destino.
Analisem-se, aliás, os últimos anos, em Portugal, no que se refere à evolução dos orçamentos da educação. Sempre que foi feito um esforço maior para aumentar os índices de escolaridade e para favorecer a melhoria do ensino houve um acréscimo mais rápido nas despesas orientadas para a valorização das pessoas. É natural que assim tenha acontecido.
Como poderemos ter melhor educação sem dar à profissão docente e à nobilíssima função educadora melhores condições e mais dignidade?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Basta olharmos o que ocorre em países mais desenvolvidos: a profissão docente não pode estar desvalorizada, sob pena de condenarmos o nosso futuro e o das gerações que nos sucederão.
Contudo, é indispensável, isso sim, inverter a tendência ainda hoje sentida entre nós para o domínio absoluto das despesas com pessoal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Importa criar um maior equilíbrio entre as despesas com pessoal e os encargos com a inovação e a melhoria da vida nas escolas.
Há um esforço de organização no sentido da autonomia e da responsabilidade em que estamos empenhados, que tem de ser levado a cabo para que não continuemos a possuir a enorme disparidade que existe nesse domínio.
Dissemos que colocaríamos, entre as nossas primeiras preocupações, a de «fazer as pazes com os professores». Empenhámo-nos intensamente, e com sentido de responsabilidade, nessa tarefa. E não posso deixar de salientar, neste momento perante esta Câmara, que pudemos contar com uma atitude exigente por parte das organizações representativas dos professores, que nos permitiram chegar já a acordos, após um trabalho muito intenso de negociação, não apenas quanto à metodologia de trabalho para o futuro no sentido da revisão dos estatutos das carreiras mas também em relação à criação de condições de partida que permitissem tornar clara a determinação comum quanto à valorização da profissão dos educadores.
Tratou-se, assim, de proceder não só à afirmação e concretização do princípio da paridade com a carreira técnica superior da administração pública anteriormente consagrado, mas também de substituir um sistema iníquo de progressão do 7.º ao 8.º escalão na carreira dos educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário por uma nova lógica de avaliação do desempenho, que vai certamente dignificar e prestigiar a carreira e a que se chegará por um debate alargado e uma negociação aberta na qual colocamos grandes esperanças.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ainda se tratou de reabrir o diálogo e de chegar a acordo em bases inteiramente novas com os docentes do ensino superior, que se encontravam confrontados com posições irredutíveis que prejudicaram gravemente a paz e a estabilidade dos nossos estabelecimentos do ensino superior.
O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acreditamos no diálogo e no espírito de negociação.
E o que está feito e lançado demonstra bem que estamos mais preocupados em resolver os problemas, em garantir a estabilidade e a paz na educação, e em criar as condições que favoreçam um esforço sério de desenvolvimento, que envolva todos os protagonistas do processo educativo das nossas crianças e jovens do que em propor mudanças radicais do sistema ou do que em alimentar um discurso fácil e demagógico sobre o futuro.
Naturalmente que os compromissos assumidos envolvem encargos.
Privilegiámos, porém, nas negociações um critério de transparência, dizendo claramente quais os limites orçamentais com que contávamos.
Conseguimos, assim, na lógica da plurianualidade o escalonamento no tempo do pagamento dos encargos e uma redução de despesas imediatas pela compensação em contagem de tempo de serviço para o pessoal docente, atendendo às legítimas expectativas em presença.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sempre dissemos ainda que, além dos professores, estávamos preocupados com o diálogo e com o envolvimento de outros parceiros e protagonistas fundamentais da sociedade civil e das comunidades educativas.
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Temos, assim, mantido um contacto permanente com as associações de pais. Temos ouvido as suas propostas e dado sequência a muitas das suas preocupações, desde a hora legal à necessidade de flexibilizar a gestão dos programas escolares, passando pela segurança nas escolas.
Aliás, e para o futuro, como afirmou já o Sr. Ministro das Finanças, estamos a estudar, no âmbito da reforma fiscal, novas formas de apoio às famílias relativamente às deduções respeitantes a despesas com a educação.
Aplausos do PS.
E se referimos os pais, temos de lembrar ainda a negociação que está já em curso, com sinais muito positivos, com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, que tem em vista a transferência de competências no domínio educativo, com o consequente reforço do Fundo de Equilíbrio Financeiro ou com a celebração de acordos-quadro com os municípios que permitam uma experiência gradualista e segura de partilha de responsabilidades.
O Orçamento do Estado para 1996 é, assim, um instrumento no qual a educação tem um papel de destaque, onde se torna claro que o aumento de 12%, considerando (como não poderia deixar de ser) a comparação com categorias homólogas, já que em - 1995 a área do desporto estava integrada no Ministério da Educação, e o crescimento do peso da educação em relação ao PIB e ao Orçamento, que passam respectivamente para 5,1 % - isto considerando o PIB reavaliado para 14% -, constituem uma demonstração do nosso empenhamento e da nossa vontade.
Trata-se do maior aumento, em termos brutos, alguma vez registado num ministério sectorial, ultrapassando os 90 milhões de contos.
E isto é tanto mais de registar quanto é certo que, no ano anterior, ano eleitoral, se verificou um acréscimo de cerca de 11 %, o qual por sua vez se sucedeu a dois anos seguidos de redução ou estagnação das despesas da educação, com resultados negativos, como ficou bem patente nas tensões acumuladas nas comunidades educativas.
Tem-se dito, no entanto, a respeito deste Orçamento que ele contém uma, redução das verbas do PIDDAC. Do que fica dito podemos demonstrar como esse argumento é falso.
A redução, aliás mínima, da componente nacional nos financiamentos comunitários do PRODEP é muito mais do que compensada por outros investimentos em pessoal, em inovação, em segurança, em formação e em melhoria de organização.
O tempo dirá e mostrará o grau inequívoco da reprodutividade destas despesas, públicas. Trata-se de uma opção que quisemos assumir claramente.
Poderíamos ter feito uma distribuição interna diferente das despesas, mas entendemos que esta era a via certa para concretizar efectivamente a nossa prioridade das prioridades.
E não alijaremos as nossas responsabilidades quanto à rede escolar, quer no tocante à definição de critérios rigorosos e objectivos para o planeamento de novas construções quer no combate pela escola de tempo inteiro.
Portugal não pode continuar a desinvestir em recursos humanos de educação e de formação. Importa estabilizar o sistema e criar condições: para lançar iniciativas de coordenação entre educação formal, formação de professores, educação permanente, formação profissional, ciência e cultura, do mesmo modo que urge lançar um vasto programa de divulgação e promoção de qualidade para a definição de cujo sentido e alcance o «pacto educativo para o futuro» desempenhará uma função essencial.
Quanto às intervenções prioritárias que assumimos, refiro as seguintes:
Primeiro, a educação pré-escolar, visando a criação de uma rede nacional que dê corpo ao preceito constitucional neste domínio a partir do ano lectivo de 1996-1997;
Segundo, a melhoria da escola básica, com o consequente reforço da consistência e da coerência vertical dos nove primeiros anos de escolaridade;
Terceiro, a consolidação do sistema pós-obrigatório, na sequência da introdução do novo 12.º ano, no sentido da diversificação, da salvaguarda da identidade própria de cada subsistema, da racionalização e continuidade das escolas profissionais e da necessária articulação com o Ministério para a Qualificação e o Emprego.
Quarto, o aprofundamento do papel e da função estratégica insubstituível do Estado no ensino superior, tendo em vista a autonomia das instituições, a flexibilização da gestão financeira, patrimonial e dos recursos humanos das universidades e dos institutos politécnicos;
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quinto, o apoio à consolidação do sistema de ensino superior particular e cooperativo, acompanhado da racionalização dos cursos e das vias de formação oferecidas por parte deste sector.
Por tudo o que fica dito, compreende-se que as áreas privilegiadas neste Orçamento tenham de ser consideradas não isoladamente mas, sim, inseridas numa estratégia plurianual que entendemos dever ser consagrada em nome da racionalidade, da transparência e da responsabilidade.
Nesse sentido, temos orientado, aliás, as negociações no tocante às carreiras e às grelhas salariais nos ensinos não superior e superior.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Permita-se-me, porém, que saliente, ainda e especialmente, o programa de segurança nas escolas, este ano reforçado e através do qual damos, aliás, sequência ao trabalho muito meritório feito nesta Assembleia e executado pelo Governo sobre o tema na legislatura anterior.
Destaco, ainda, o reforço de projectos ligados à inovação educativa e educação especial, domínios que muito nos preocupam e cujo desenvolvimento é urgente.
Devo ainda destacar que este Governo está a dar cumprimento a compromissos anteriormente assumidos, designadamente no que se refere à construção de pavilhões gimnodesportivos, estando, no entanto, em preparação com as direcções regionais um novo programa que vá ao encontro das necessidades efectivas do País, das comunidades e da rede escolar.
Quanto às escolas profissionais, o esforço financeiro exigido ao Estado será muito intenso por razões já expostas pelo Governo nesta Assembleia. A estabilização e a consolidação do sistema exigem, porém, medidas urgentes que levem à superação do actual «estado de coisas». Não basta assumir os encargos. É a educação e a sua melhoria que estão em causa e temos sempre um longo caminho a percorrer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretende o Governo envolver as instituições democráticas no esforço nacional de valorização da educação e das escolas. No ano mundial da educação permanente e no ano europeu da educação ao longo da vida tal preocupação e empenhamento assumem uma importância acrescida.
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É tempo de ligar a «sociedade educativa» e o mundo do conhecimento à vida quotidiana. Trata-se de formar cidadãos responsáveis capazes de compreender a realidade que os cerca à luz dos valores, de lidar com a informação e as novas tecnologias, aptos a trabalhar em grupo, a defender o ambiente e a qualidade de vida e a fazer uso da liberdade em benefício da autonomia e da solidariedade.
A educação exige que se favoreçam as convergências e os acordos duráveis na sociedade civil. Por isso, vimos lançando o «pacto educativo para o futuro», que esperamos vir a discutir em breve na Assembleia da República.
São o desenvolvimento e a modernização que estão em causa.
Estamos a lançar as sementes de uma mudança profunda e tranquila na sociedade portuguesa, a mais profunda e audaciosa de todas: a das atitudes e dos comportamentos.
Penso ter ficado aqui demonstrado como a crítica fácil de que há desinvestimento na educação é totalmente infundada e falsa! Esquece-se a desvalorização da profissão docente a que chegámos e que urge ultrapassar com urgência; esquece-se que é aqui que se combate o desemprego, a exclusão e a injustiça; esquece-se que iremos fazer um esforço muito significativo mesmo no investimento em infra-estruturas; esquece-se que o ano de 1995 foi um ano eleitoral em que o governo anterior sentiu necessidade de concentrar despesas, comprometendo os recursos provenientes da União Europeia para além do que corresponderia normalmente a um ano orçamental.
Sejamos claros, que uma mentira várias vezes repetida não se torne verdade.
A paixão com a escola e a educação está viva!
Os compromissos serão cumpridos!
O povo português julgar-nos-á pelo que fizermos.
Temos a consciência tranquila.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan, Castro de Almeida e José Calçada.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.
O Sr. Silvio Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, não sei se sabe mas sou seu rival, porque também estou apaixonado pela educação. No entanto, estou convicto de que o Partido Popular gosta mais dela do que o Governo de V. Ex.ª, pelo menos não a trata com o mesmo «carinho».
Em período de campanha eleitoral o Engenheiro António Guterres prometeu à sua «amada» mais 1 % do PIB. O aumento, hoje, é menor e, mesmo assim, não significa mais salas de aula, mais polidesportivos, mais e melhor equipamento e melhores laboratórios, porque as verbas de investimento caem 8%. O aumento nas despesas de educação não chegou mais do que para pagar aos professores e obviar a vários problemas, como os do acesso ao 8.º escalão, os dos encargos nas progressões de carreira e os dos aumentos negociados com os professores.
Sr. Ministro, diga-nos se o que separa o Governo da sua paixão só são mais 0,4% do PIB; diga-nos se lhe basta aumentar aos professores para melhorar a qualidade e quantidade da nossa educação; diga-nos como é que quer resolver o problema do numerus clausus se se demite do investimento; diga-nos o que vai dizer aos jovens que, tendo qualidade, não podem aceder ao ensino superior
apenas por falta de mesas e de cadeiras; diga-nos se este é o orçamento do Ministro da Educação ou o orçamento do «Ministro das Finanças da Educação».
Aplausos CDS-PP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.
O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro apresentou a bondade deste Orçamento, baseando-se em dois pilares fundamentais.
Em primeiro lugar, começou por dizer que havia um aumento substancial nas condições de remuneração dos professores e citou diversos acordos nesse sentido; depois fez uma pausa, mudou de assunto e disse que o orçamento para a educação cresce 12%. É preciso que fique claro, Sr. Ministro, que o orçamento para a educação cresce 12% apenas e só para suportar os aumentos dos salários dos professores. Estamos, portanto, a falar de uma e só de uma coisa!
Ao contrário do que disse o Sr. Deputado Sílvio Cervan, este aumento de 12% não significa um aumento de 0,4% superior ao aumento do ano passado. Ele é apenas de 0,3%, o que significa que no governo tecnocrático do PSD o aumento do orçamento para a educação foi de 11,7%. Ora, a paixão socialista pela educação atribui apenas um aumento de 12% - e estamos a falar de uma diferença de 0,3% que distingue os tecnocratas dos apaixonados e que significa menos do que o necessário para pagar o custo de funcionamento de meio dia de aulas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O aumento consignado para o aumento dos salários dos professores foi retirado ao investimento.
Tenho a certeza de que quando o Sr. Primeiro-Ministro disse na campanha eleitoral que a sua paixão era a educação nenhum estudante, nenhum professor admitiu que, no próximo ano, com a gestão socialista Portugal teria menos salas de aulas do que aquelas que se construíram na gestão do anterior governo do PSD. Quando os senhores disseram que queriam investir na acção social escolar ninguém acreditou que iam fazer menos residências para estudantes, menos cantinas do que aquilo que fizeram os governos do PSD. Quando o Sr. Primeiro-Ministro disse que a sua paixão era a educação todos pensaram que este Governo ia fazer mais do que o governo anterior. Não só não faz mais como era esperado que, pelo menos, fizesse o mesmo! Faz menos, Srs. Deputados: faz menos sala de aulas no ensino superior, menos escolas e zero pavilhões desportivos.
O Sr. António Braga (PS): - Vocês não fizeram isso em 10 anos e queriam que o fizéssemos em quatro meses!
O Orador: - Estava em curso um programa de construção de pavilhões desportivos, mas para este ano o Governo não prevê nenhuma verba para esse efeito, interrompendo, assim, um programa que era, a todos os títulos, meritório. Deixe-me dizer-lhe uma coisa, Sr. Ministro: o Governo tem todo o direito de suspender o programa, reavaliar a situação, arranjar novos parceiros, alterar projectos e fazer o que muito bem entender. O que não era suposto era que, para este ano, não inscrevesse um tostão para a construção de um único pavilhão desportivo!
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Sr. Ministro, o Governo tinha em curso um programa de aquecimento das escolas. Não está prevista dotação para aquecer uma só escola a mais do que aquelas que estavam adjudicadas e realizadas no ano anterior.
Sr. Ministro, quando os professores ouviram o Engenheiro António Guterres afirmar que a educação era a sua paixão consideraram que, a partir de agora, teriam laboratórios bem equipados, que deixariam de faltar equipamentos, que as bibliotecas ficariam melhor dotadas, que as condições de funcionamento das escolas seriam beneficiadas, etc. Pois, Sr. Ministro, o que se passa é que este Governo vai fazer menos do que o anterior!
Protestos do PS.
Tenho de responder à objecção que a bancada do Partido Socialista está agora a levantar ao perguntar-me: «Então, vocês não fizeram tudo?» É evidente que não, pois estávamos a fazer as coisas gradualmente. Era suposto que quem estava apaixonado pela educação fizesse ainda mais ou, pelo menos, o mesmo. O que se passa é que não fizeram nem mais nem o mesmo. Propõem-se fazer menos do que fizeram os tecnocratas do PSD.
Termino, advertindo o Sr. Ministro da resposta que vai ser tentado a dar: que toda a despesa em educação é um investimento é que não se pode distinguir o investimento nos recursos humanos dos investimentos nas infra-estruturas. Sr. Ministro, o que está em causa - e V. Ex.ª está de boa fé, tal como eu - são as condições concretas de funcionamento das escolas, é a melhoria das condições para que os alunos e professores possam beneficiar, melhorar o sistema de ensino e de aprendizagem. E aquilo que o Governo se propõe fazer é retroceder na criação de condições essenciais à melhoria do ensino.
Não esperávamos que fizessem melhor. Esperávamos que fizessem, pelo menos, o mesmo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP)- - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, V.Ex.ª no seu discurso enfatizou o problema da racionalização, ...
O Sr. António Braga (PS): - E bem!
O Orador: - Se bem ou não é o que vamos ver .
...quer quando falou de meios humanos, quer de meios materiais e daí a minha pergunta.
Como compatibiliza esse esforço de racionalização que diz pretender implementar e desenvolver com os seguintes dados: em 1995, o Orçamento do Estado atribuiu, em contratos de associação, 14,972 milhões de contos ao sector privado; este ano está previsto no Orçamento para acções do ministério, neste domínio, mais de 21 milhões de contos, isto é, um aumento de 50% - repito, 50%! O ano passado cada aluno terá custado ao Estado 340 contos; este ano feitas as contas irá custar 409 contos.
Sabendo o Sr. Ministro tão bem ou melhor quanto eu que os contratos de associação com o sector privado de ensino e educação só são possíveis nas situações em que o Estado não está em condições de garantir uma rede escolar à medida da procura pergunto: como é que não prefere investir - e voltamos ao mesmo problema de há pouco -, no domínio da rede escolar de modo a evitar situações desta natureza?
Aliás, Sr. Ministro, poderia dizer-lhe - e certamente acreditaria, mas não vou nomear - que há vários colégios privados, em várias localidades do País, alguns deles paredes meias com escolas públicas subutilizadas, beneficiando de contratos de associação. Daí que pergunte: que tipo de racionalização é esta?
A verdade é que há dois anos nesta Câmara o anterior governo prometeu ir abandonando os contratos de associação, porque os considerava em si mesmos como não racionais. O ano passado voltou a prometer o mesmo, mas era natural que o PSD não cumprisse essa promessa porque lhe estava na «massa do sangue». Pelos vistos esta coisa de sangue tem muito que se lhe diga!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -- Ainda uma segunda questão, Sr. Ministro da Educação. A acção social escolar no ensino superior, no domínio dos investimentos do Plano, passa de 4,92 milhões de contos para 3,094 milhões de contos, isto é tem uma quebra de 37%! Se juntarmos esta estória da acção social escolar do ensino superior à outra estória dos contratos de associação começamos a perceber com grande dificuldade, e a não aceitar, que este Governo se possa arrogar, neste domínio específico, daquilo que chama «rigor, mas com coração».
Vozes do PCP - Muito bem!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito obrigado pelas vossas perguntas.
Sr. Deputado Sílvio Cervan, em primeiro lugar, gostava de lhe dizer que se está apaixonado pela educação; tanto melhor, pois quantos mais estivermos apaixonados por ela melhor será o que o País conseguirá fazer nesse domínio. Não há aqui ciúmes, não tenho nenhum ciúme relativamente à sua paixão pela educação. Tenho até muito gosto em que esteja apaixonado por ela.
Risos gerais.
Todavia, importa fazer aqui na Câmara uma reflexão.
Tenho vindo a esta Câmara todas as vezes que a Comissão de Educação, Ciência e Cultura e o Ministério têm entendido ser útil e tive a oportunidade, por duas vezes, de intervir neste Plenário. Faço-o, aliás, com grande gosto, com grande sentido da responsabilidade e com um grande interesse em encontrar o máximo divisor comum entre as posições diversas que existem nesta Assembleia.
No entanto, hoje terei que fazer aqui uma excepção e vou ter que encontrar aqui uma diferença essencial. Assim, choca-me particularmente que em matéria educativa funcionemos como se fôssemos empreiteiros de construção civil! A educação não é apenas uma questão de números, de metros quadrados, de salas de aulas, tamanho e sofisticação dos laboratórios ou o número dos pavilhões.
O Sr. Sílvio Cervan (CDS-PP): - É tudo.
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O Orador: - Não é nenhuma dessas, peço muita desculpa.
Há fases para fazer tudo o que é possível, desde que saibamos assumir as prioridades. Neste caso específico, a educação tem a ver com as pessoas, porque esta não existe através dos computadores, pois não há educação que resista a professores que estejam desmotivados, desempenhados, mal formados e mal preparados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Sílvio Cervan, permita-me que lhe diga, analisar um Orçamento para a educação sem analisar a política educativa não tem nenhum sentido. Não tem nenhum sentido, quando vimos aqui garantir que todo o programa de construções dos anos de 1996 e 1997 será cumprido, incluindo o dos pavilhões,...
O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Já estava decidido!
O Orador: - Estes programas serão cumpridos.
...e quando fazemos um esforço e concentramos esse esforço nas pessoas, que nos seja imputada responsabilidade dizendo que estamos a desprezar a educação.
Aliás, tenho a noção do que é leccionar, tenho a noção do que é trabalhar numa escola altamente sofisticada, aqui e fora do País, mas tenho a noção exacta de que, em 1996, a grande prioridade tem que ser para as pessoas. Fui encontrar um Ministério da Educação em que o corpo docente, de todos os níveis, estava profundamente desempenhado; desarticulado e desmotivado relativamente às suas tarefas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esta é uma prioridade indiscutível, não é uma questão de valorizar os professores de uma forma indevida, é valorizar e dignificar uma carreira que temos que mostrar ao resto do País que é relevante em si própria, que tem qualidade, que tem critérios de avaliação, que os professores tomam conta das escolas que lhes entregamos. Esta é uma prioridade nacional.
Sr. Deputado Castro Almeida, V.Ex.ª colocou-me a mesma questão que tinha posto na Comissão de Educação, Ciência e Cultura e que tem muito a ver com o que acabei de dizer ao Sr. Deputado Silvio Cervan.
Gostava de o tranquilizar, porque o programa dos pavilhões gimnodesportivos será inteiramente cumprido, mas tem que nos dar o direito de termos uma estratégia diferente. O que acabámos de decidir é que todas as novas escolas terão pavilhões gimnodesportivos. Ou seja, cumpriremos os «seus» compromissos, aqueles que assumiu, dos 100 pavilhões, porque o que estamos verdadeiramente a fazer hoje é o programa de construções de 1998 pois o de 1997 está feito e vamos cumpri-lo.
Portanto, quando se fala no desinvestimento em educação isso não é correcto, porque o que estamos verdadeiramente a fazer é uma racionalização dos meios que estão postos à nossa disposição para podermos, em 1998, iniciar um programa que complete aquele que se iniciou em 1995, que é cumprido em 1996 e que será cumprido em 1997. Porém, acontece que o governo anterior, em 1995, teve uma concentração enorme de esforço financeiro que, como sabe, teve uma taxa de execução acima dos 100% que nos levaria, em termos de verbas comunitárias, a assumir encargos com os quais não podemos contar em termos do PRODEP porque, como sabe, 1995 tinha uma contrapartida nacional superior à de 1996 apenas em 3%.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro da Educação, estamos todos a seguir com muito interesse a sua exposição, mas faço-lhe notar que já esgotou o tempo do Governo, pelo que agradecia que sintetizasse as suas respostas.
O Orador: - Sr. Presidente, vou abreviar a minha resposta.
Sr. Deputado Castro de Almeida, quanto ao programa do aquecimento, devo dizer-lhe que será cumprido na íntegra.
Quanto às questões concretas de funcionamento das escolas, em termos de equipamentos e de salas de aula, esse funcionamento tem a ver com os professores. Sr. Deputado, V.Ex.ª e pode ter a escola com todo o equipamento mas se não tiver professores competentes, se não tiver um esquema de gestão e de organização e um esquema curricular adequados de nada lhe valerá o equipamento e o edifício que seja capaz de construir.
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado José Calçada, a primeira é verdadeiramente uma questão de racionalização, porque o que importa na questão que nos colocou é a forma como a rede escolar é entendida e qual é o papel que o Estado e as instituições privadas devem ter. Essa é, verdadeiramente, uma questão de racionalização da rede.
A questão da acção escolar do ensino superior - peço desculpa Sr. Presidente, mas é a última questão que abordarei - não pode ser vista de uma forma isolada, tem que ser vista em termos daquilo que são os encargos correspondentes à autonomia.
Entretanto, reassumiu a Presidência a Sr. Presidente Almeida Santos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não posso deixar de olhar com compreensão para a incomodidade dos Deputados socialistas face a esta proposta de lei do Orçamento.
Protestos do PS.
Desdobram-se os Deputados do PS e os Membros do Governo em declarações e argumentos, com pouca convicção - importa reconhecê-lo - ,mas a incomodidade subsiste, porque salta à evidência que o Orçamento proposto contraria frontalmente o discurso do próprio Partido Socialista.
É a incomodidade de quem se arvorou em campeão da consciência e da sensibilidade social, de quem quis marcar a diferença relativamente ao passado, invocando as pessoas, e que, agora, defende com dificuldade um Orçamento que aumenta o desemprego, que desinveste nas funções sociais do Estado e que esquece propostas e compromissos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PS: - Não apoiado!
O Orador: - Não foi por acaso que, em muitas Comissões, Deputados de várias bancadas, que não do Partido
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Socialista, assinalaram a contradição entre as linhas orientadoras que constam das Grandes Opções do Plano e a proposta orçamental.
O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Isso é mentira!
O Orador: - É nítido e claro que a vontade e o discurso apontavam para uma direcção, mas que o Orçamento proposto aponta inexoravelmente para direcções contrárias.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sejamos claros e falemos verdade. Na sequência do debate já travado, fica clara a incapacidade de este Orçamento dar resposta a seis desafios: 1 - Combater o desemprego; 2 - Reforçar as funções sociais do Estado; 3 - Apoiar a aquisição de casa própria; 4 - Reforçar o combate à droga; 5 - Melhorar os cuidados de saúde; 6 - Dar expressão orçamental a uma paixão anunciada.
Relativamente ao primeiro ponto - combater o desemprego -, quando chega o momento das grandes afirmações de princípio sobre o necessário aproveitamento da capacidade criativa e produtiva dos portugueses e o indispensável combate à chaga social do desemprego, todos estamos de acordo. Quando chega o momento de passar das palavras aos actos, tudo piora com este Governo.
A contrapartida nacional do investimento previsto nesta proposta de lei do Orçamento baixa e, baixando o investimento, é quase inevitável que o desemprego suba.
O Sr. Sérgio Ávila (PS): - São mais 16%!
O Orador: - E o que nos diz o Governo? Num exercício notável de consonância entre Membros do mesmo Governo, o Sr. Ministro das Finanças assegura-nos que este é um Orçamento de criação de emprego, enquanto a Sr.ª Ministra da Qualificação e do Emprego diz, em Comissão, que se dará por satisfeita se o desemprego não subir e confessa à comunicação social que, no final do ano, teremos mais desempregados em Portugal
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Já se enganou, Sr. Deputado!
O Orador: - No debate travado nesta Casa durante a manhã, ostensivamente, o Sr. Ministro das Finanças recusou responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram dirigidos pelos Srs. Deputados Vieira de Castro e Falcão e Cunha para esclarecer esta divergência de opiniões. Recusa significativa e embaraçosa para todos aqueles socialistas que antes falavam do desemprego e que hoje se resignam em aprovar um Orçamento que o fará aumentar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao segundo ponto - reforçar a função social do Estado -, encontramos a resignação de todos aqueles que atribuíam ao anterior governo uma pretensa insensibilidade social e que, Orçamento após Orçamento, vinham analisando o aumento ou a descida da fatia da despesa pública com as funções sociais do Estado. Como foi ontem referido neste debate, a comparação com a execução de 1995 não deixa margem para dúvidas: há um decrescimento da percentagem da despesa pública afecta às funções sociais do Estado.
O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Não é nada disso!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não percebe nada!
O Sr. António Braga (PS): - Enganaram-no!
O Orador: - Marginal é certo, inferior a 0,5%, mas profundamente embaraçosa para quem fez desta questão elemento caracterizador de uma vontade e de uma identidade política.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação ao terceiro ponto - apoiar a aquisição de casa própria -, resignados terão de ficar, provavelmente, muitos jovens casais que esperavam adquirir a sua casa e que assistem, perplexos, a uma proposta de lei do Orçamento que reduz as disponibilidades para suportar a bonificação de juros para aquisição de casa própria. Resignados ficam também os Deputados socialistas que, quer no programa eleitoral, quer no Programa do Governo, encontravam o compromisso da adopção de «incentivos ao investimento na habitação própria».
Aplausos do PSD.
Sobre o quarto ponto - reforçar o combate à droga - , resignados terão de ficar também todos os que esperavam um reforço significativo do combate à droga. Durante o processo de apreciação desta proposta de lei do Orçamento nas comissões especializadas, não foi sequer possível apurar o montante global dos recursos postos ao serviço deste combate, tão importante quanto necessário. E assistiu-se mesmo a algum «jogo do empurra»: quando se perguntava onde estavam as verbas necessárias para suportar este ou aquele programa, era sempre noutro Ministério que a verba se encontrava, mas nunca no que, nesse preciso momento, estava a ser apreciado em sede de comissão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E se sabemos que um eficaz combate à droga obriga a uma abordagem interdisciplinar e, necessariamente, interministerial, não é menos verdade que é necessário um acento tónico especial na área da saúde, no tratamento e acompanhamento da reinserção social dos toxicodependentes.
E no orçamento para a saúde quais são os significativos investimentos neste sector? São dois, Srs. Deputados: uma comunidade terapêutica em Braga e um centro de atendimento no Porto, na Boavista. Falamos de verbas significativas? Nem isso! Falamos da orçamentação de 5000 contos em ambos os casos. Trata-se, tão só, de valores simbólicos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É uma vergonha!
O Orador: - E, no Ministério da Educação, as verbas postas ao serviço do combate à droga reduzem-se, não só em valor real, como em valor nominal: dos 420 000 contos existentes em 1995, não se dever chegar aos 400 000 contos em 1996.
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O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Não há direito!
O Orador: - Em relação ao quinto ponto - melhorar os cuidados de saúde -, resignados terão também de ficar todos aqueles que, no passado, elegeram a saúde como área principal do combate político, para distinguir quem supostamente tinha e quem não tinha autêntica e firme consciência social.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - De facto, neste Orçamento, o aumento de dotação para o Serviço Nacional de Saúde é confrangedor: limita-se a 1,8%. Um valor inferior à inflação, o que significa uma redução do valor real da despesa e deixa dúvidas legítimas sobre a capacidade de manter a indispensável qualidade dos serviços de saúde. Abandonados ou adiados parecem ter sido projectos já programados, como o Plano Director do Hospital de S. João, o Hospital de Vila Franca de Xira, o Hospital de Todos-os-Santos e o novo Hospital de Braga.
O PIDDAC para 1996 toma como referência o PIDDAC de 1995, o de mais baixa execução dos últimos quatro anos, como a Sr.ª Ministra, aliás, reconheceu expressamente em reunião da Comissão.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Trabalharam mal!
O Orador: - É curioso, num Governo que se reclama de maior consciência social!
O Sr. António Braga (PS): - Isso é verdade!
O Orador: - A flagrante contradição entre as GOP e a proposta de lei do Orçamento é patente na intenção escrita, naquelas, de proceder à identificação do passivo acumulado do Serviço Nacional de Saúde e à sua eliminação no prazo da legislatura. A proposta de lei do Orçamento, pelo contrário, prevê um aumento brutal, de cerca de 30%, ou seja, de mais 30 milhões de contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Quanto ao sexto ponto - dar expressão orçamental a uma paixão anunciada -, o cúmulo da resignação é a dos Deputados do PS mais envolvidos na abordagem e tratamento das questões da educação. Estou a vê-los na legislatura passada a invocarem o carácter supostamente tecnocrático e economicista do empenhamento do anterior governo na educação - recordo-me das referências, umas vezes bem humoradas, outras um pouco jocosas, relativas à nomeação da Dr.ª Manuela Ferreira Leite para Ministra da Educação.
O Sr. António Braga (PS): - Bem verdade!
O Orador: - Era a mulher das finanças, a visão economicista do sistema, o desinvestimento na educação! Recordo-me bem dessa e doutras críticas.
Nos mapas que este Governo distribuiu na Comissão de Educação, Ciência e Cultura recorda-se que o efectivo crescimento em 1995 foi de 11,7% - 11,7% no «governo da arrogância tecnocrática e da insensibilidade social», 11,7% no orçamento da economicista ex-Ministra Manuela Ferreira Leite! - e, no mesmo mapa, a despesa correspondente para 1996 traduz um aumento de 12%.
O Sr. António Braga (PS): - De 12,3!
O Orador: - Sr. Deputado António Braga, de 12,03!
Uma percentagem de 12% no Governo que se reclama da sensibilidade social, do investimento nos recursos humanos e da paixão pela educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há que recordar, como já o fez nesta sessão o Sr. Deputado Castro de Almeida, que a diferença de que estamos a falar é de 0,3%. Diferença pequena na sua expressão orçamental, mas que, para o PS, é bastante para mudar radicalmente a classificação dos seus respectivos autores. Diferença demasiado pequena para uma paixão que parecia tão grande e que traduz, uma vez mais, a diferença abissal entre o que se diz e o que se faz, entre o que se promete e o que se cumpre.
Aplausos do PSD.
Já neste debate foi referido o corte substancial das despesas de investimento no capítulo da educação. O PS reclamava a melhoria do acesso ao ensino superior, mas investe menos na construção de escolas. O PS reclamava contra a sobrelotação das escolas básicas e secundárias e prometia o turno único - como agora mesmo foi recordado pelo Sr. Ministro da Educação na sua intervenção -, mas investe menos em novas salas de aula. O PS exigia melhor acção social escolar, mas investe menos em novas cantinas e residências. O PS protestava contra as escolas sem espaços desportivos cobertos, mas não investe nada para a ultrapassagem dessa situação, com excepção da conclusão das obras em curso e dos protocolos com autarquias que herdou do governo anterior, como agora mesmo foi recordado.
O PS falava muito, mas investe pouco e, assim, não melhora as condições da educação, não há melhores laboratórios, melhores bibliotecas, mais condições de trabalho nas escolas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quando, em sede de comissão, reclamámos contra estes cortes no investimento e a impossibilidade de melhorar o equipamento das escolas, o Governo fugiu ao problema, afirmando que, por vezes, o equipamento ficava encaixotado por falta deformação dos docentes e que a prioridade devia ser colocada na sua formação contínua. Vamos ter, então, Sr. Presidente e Srs. Deputados, formação para desencaixotar os equipamentos, mas, como faltará a verba para adquirir estes, obtida a formação que o Governo diz faltar, vamos ter professores preparados para desencaixotar o inexistente.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Mas que bem!
O Orador: - Como inexistente é qualquer programa que hoje prossiga os investimentos feitos em aquecimento das escolas, prioridade a que os governos tecnocráticos do passado foram sensíveis, mas que este Governo esqueceu.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este Orçamento reclama-se de mais consciência social, mas está aquém não só das expectativas que criou como mesmo, e em muitas áreas, doutros orçamentos que o PS tanto criticou. É um Orçamento que justifica fundadas preocupações, como deixámos bem claro ao longo do presente debate. É um Orçamento que se resigna face ao aumento do desemprego, que diminui o peso da despesa com as funções sociais do Estado, que não apoia a aquisição de casa própria, que diminui o empe
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nho no combate à droga, que negligencia a melhoria dos cuidados de saúde e que é tímido na orçamentação da sua paixão educativa.
É um Orçamento que justifica, assim, plenamente, o voto contra dos Deputados do PSD.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, só tenho um minuto para mostrar o que valho e espero ser sintético.
Sr. Deputado Carlos Coelho, começaria por fazer uma correcção em relação àquilo que disse quanto aos números da saúde. Efectivamente, o aumento do orçamento para a saúde para as questões da droga, prevenção e tratamento é de 8% e não de 1,8% - em números redondos, anda à volta de um milhão de contos.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que, em matéria de dinheiros, não basta ter muito dinheiro, é preciso saber gastá-lo bem, coisa que não aconteceu nos últimos anos, por falta de iniciativa, de imaginação e de uma estratégia que nunca existiu - existiram apenas medidas avulsas.
Depois, dir-lhe-ia também que o orçamento global para a droga está disperso por muitos serviços e Ministérios: tem a ver com o da Educação, com o da Saúde, com o da Administração Interna, com o da Justiça, com o da Juventude, etc., e, portanto, não é fácil tirar conclusões imediatas.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Se não é fácil, contratem um detective!
O Orador: - Mas, Sr. Deputado, para o tranquilizar, penso que nessa matéria estamos todos de acordo, pois o ambiente na Comissão Eventual para o Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico da Droga tem sido esse. Estamos todos preocupados com os mesmos objectivos e o PS afirmou a questão do combate à droga como uma prioridade, que vai naturalmente manter-se como têm sido mantidas as outras medidas que foram anunciadas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.
O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Coelho tentou comparar o orçamento para a educação deste ano com o do ano anterior - o ano anterior foi um ano de eleições -, mas, se comparar este Orçamento com os dos últimos quatro anos, verá qual é a diferença.
No entanto, há um aspecto extremamente importante que o Sr. Deputado esqueceu, quando referiu que o investimento é pequeno e a incomodidade grande. Mas, com um investimento pequeno ou grande e com pouca ou muita incomodidade, esta é sobretudo do Sr. Deputado e da sua bancada, porque nós, com esta política da educação e com este Governo, em poucos meses, conseguimos trazer de novo às escolas a paz que faltava há mais de quatro anos e mobilizámos de novo os encarregados de educação, os professores e os alunos, que era o que faltava fazer para termos um sistema educativo de qualidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Carlos Coelho teve dois pedidos de esclarecimento, a Mesa concede-lhe dois minutos, além do minuto a que tinha direito.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD). - Sr. Presidente, julgo que não terei de utilizar a generosidade de V. Ex.ª até ao limite.
Sr. Deputado José Niza, relativamente à sua primeira questão, devo dizer-lhe que ouviu mal e tenho muito prazer em lhe fornecer uma cópia da intervenção que produzi. Eu não disse que o aumento das verbas para a área da droga era de 1,8%, mas que esse era o aumento de verba para o Serviço Nacional de Saúde - usei, até, os elementos que foram entregues à Comissão pelo Sr. Secretário de Estado da Saúde e presumo que o Sr. Deputado José Niza não irá contradizer os elementos que foram fornecidos pelo seu próprio Governo, em sede de Comissão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Agora, na questão da droga, o Sr. Deputado José Niza «pôs o dedo na ferida» quando disse que as verbas da droga estão dispersas por diversos Ministérios e que não é fácil identificar o seu montante.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Para quem sabe, é!
O Orador: - Ora, foi exactamente essa, a acusação que eu fiz, do alto daquele Tribuna: que este Governo dispersou as verbas. Nas reuniões das comissões, uma a uma, quando perguntávamos, ...
Protestos do PS.
Srs. Deputados, não se justifica tanta excitação! Eu sei que isto é muito embaraçoso para quem, como os senhores, fez desta questão uma bandeira e agora está confrontado com a circunstância de ter andado a defender uma coisa e propor um Orçamento que prova exactamente o contrário, ou seja, que, sector a sector, as verbas que estavam cometidas ao combate à droga diminuem.
O vosso Governo foi incapaz de sustentar, em sede de apreciação do Orçamento - pode ser que ainda o façam, até à votação final global, em sede de especialidade -, quanto é que, no seu conjunto, decide dedicar ao combate à droga. E o Sr. Deputado José Niza denunciou isso agora mesmo, quando diz que as verbas estão dispersas e que é muito difícil quantificá-las. O problema é esse. Sr. Deputado José Niza! É difícil, mas nós queremos quantificá-las, porque a nossa convicção é que este Governo está a dedicar ao combate à droga menos recursos do que o governo anterior.
Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado Fernando de Sousa invoca a incomodidade, mas, como tive ocasião de referir, julgo que ela existe sobretudo entre os Deputados socialistas.
Depois, fez uma referência às eleições a que não vale a pena responder. Julgo que mais elegantes foram os Membros do Governo, quando reconheceram as especificidades próprias do passado ano lectivo na generalização do 12.º ano e a necessidade de construir escolas para que as pessoas não ficassem na rua. Mas o Sr. Deputado decide atribuir isso a uma fúria eleitoralista. Cada um fará a interpreta-
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ção que quiser! Não tememos o julgamento da história relativamente às opções que Fizemos!
Agora, o Sr. Deputado está muito contente e confessa-se satisfeito por a paz ter regressado às escolas! Sobre este Orçamento, aquilo que o Sr. Deputado tem a dizer é que deram paz às escolas! Sr. Deputado, eu nem sequer vou discutir isso! O problema é que o PS prometeu mais: prometeu melhor educação, prometeu mais condições nas escolas, prometeu uma grande paixão educativa. Para quem prometeu tanto e gerou tantas expectativas, Sr. Deputado Fernando de Sousa, é pouco oferecer paz ao sistema educativo!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Para a defesa da consideração da bancada do Governo, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.
A Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira): - Sr. Presidente, em relação aos números que o Sr. Deputado Carlos Coelho aqui referiu, queria apenas precisar que, realmente, o Sr. Deputado utiliza uns mapas e não utiliza outros, pois não utilizou aquele em que se especificam os programas na área da saúde e em que vem o combate à toxicodependência - a prevenção da toxicodependência reforçado com um milhão de contos.
E em relação à questão de que o orçamento do Serviço Nacional de Saúde não cresce ou cresceria 1,8% relativamente ao ano passado, o Sr. Deputado não consultou o mapa em que se faz a comparação entre os orçamentos iniciais. É um mapa que faz parte de um conjunto de mapas que foram disponibilizados - aliás, aproveito para dizer que a bancada do PSD até nos felicitou pela transparência dos elementos apresentados -, em que, orçamento inicial versus orçamento inicial, há um acréscimo de 8%. Este orçamento inicial que aqui aparece comparado, isto é, o orçamento inicial deste ano inclui o reforço de 70 milhões de contos que foram previstos e assumidos pelo serviço da dívida logo no princípio de 1995 e, portanto, neste orçamento inicial não vem qualquer reforço nesse sentido.
Assim, aquilo que se pode comparar é o orçamento inicial para 1995 com o orçamento inicial para 1996, na medida em que não está ainda contemplado qualquer reforço para despesas com pessoal, que virá adequadamente, - nem estão previstos outros reforços, nomeadamente através de receitas consignadas, como do joker, etc. Portanto, temos de comparar o orçamento inicial de 1995 do Serviço Nacional de Saúde com o orçamento inicial de 1996 do Serviço Nacional de Saúde.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Exactamente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho, para dar explicações, querendo.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, devo dizer que fiquei preocupado quando. a vi pedir a palavra ao abrigo da figura regimental da defesa da consideração, pois pensei que tivesse ofendido a Sr.ª Ministra. Percebi depois, pelo conteúdo da sua intervenção, que não é disso que se trata.
A Sr.ª Ministra ajudou muito a minha intervenção com duas questões que gostaria de reforçar.
A primeira é a da transparência e, pelos vistos, já foi felicitada em sede de comissão, relativamente aos mapas que apresentou.
A segunda é a do rigor de comparação que referiu agora. De facto, só podemos fazê-lo com realidades que sejam comparáveis e o que estamos a comparar é, no mapa que nos forneceu em sede de confissão, o orçamento inicial de 1995 do Serviço Nacional de Saúde com o orçamento inicial de 1996 do mesmo Serviço e é exactamente essa comparação que dá os 1,8%.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Exactamente!
O Orador: - Depois, a Sr.ª Ministra disse, com uma acutilância que não posso deixar de sublinhar, aplaudir e fazer minhas as suas palavras, que não lhe parece bem usar uns critérios para umas comparações e usar outros para outras comparações. Veja bem, Sr.ª Ministra, que esse foi o embaraço da bancada do PSD, porque nos fartámos de dizer, aos Membros do Governo nas comissões que umas vezes os critérios eram uns e outras vezes eram outros. A própria Sr.ª Ministra não foi capaz de levar até às últimas consequências essa sua opinião, porque na Comissão de Saúde, quando foi o momento de avaliar o referido orçamento, preferiu a comparação com o orçamento inicial como, aliás, agora recordou, e bem, na intervenção -, mas aquando da avaliação da evolução do PIDDAC preferiu fazer a comparação com a previsão da execução orçamental para 1995. E nós sabemos porquê! De facto, estamos a comparar umas verbas com base no orçamento inicial e estamos a comparar outras com a despesa executada em 1995.
Penso que seria bom, para a transparência do nosso debate e para a análise rigorosa do Orçamento, que fizéssemos todas as comparações na mesma base.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro. Informo-a que, tal como aconteceu com o Sr. Deputado Carlos Coelho, dispõe de mais 2 minutos.
A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Falo na qualidade de presidente da Comissão para a Paridade e Igualdade de Oportunidades e para fazer um brevíssimo sublinhado em matéria de igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, a propósito da discussão, na generalidade, das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1996.
A realização da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens é uma intenção que se subentende nos textos que nos foram submetidos. Mas se esta intenção não foi claramente assumida como medida de política, a sua execução não se realiza, mesmo que prevista sob a forma de tímidas rubricas orçamentais.
Assim, a Comissão Parlamentar para a Paridade e Igualdade de Oportunidades, no âmbito da discussão na generalidade, trabalhou no sentido de se encontrar disponibilidade orçamental para o reforço das acções previstas, nomeadamente, no que se refere ao apoio às organizações não governamentais e à introdução de uma área de formação no âmbito do Ministério da Qualificação e do Emprego.
Mas trabalhou também para a introdução de uma medida de política no âmbito das Grandes Opções do Plano e que traduz o objectivo das concretizações múltiplas relativas à realização desta igualdade. Trata-se de uma iniciati
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va que se regista, pela primeira vez, no âmbito da discussão das Grandes Opções do Plano no Parlamento. Apraz-me registar que ela ocorre por iniciativa da Comissão a que presido e na área da igualdade de oportunidades. O sucesso da estratégia definida para o desenvolvimento, a médio prazo, da sociedade portuguesa passa pela necessária e imprescindível inclusão das questões relativas à outra metade da humanidade, àquela metade que é participante invisível no desenvolvimento.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, terminados os trabalhos de hoje, que recomeçarão amanhã, às 15 horas, com a sessão de encerramento. Lembro que, no final; realizar-se-á a votação, na generalidade, das propostas de lei n.os 9/VII - Grandes Opções do Plano para 1996 e 10/VII Orçamento do Estado para 1996.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 10 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Marques Moleiro.
Albino Gonçalves da Costa.
António José Gavino Paixão.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Cláudio Ramos Monteiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Joaquim Moreira Raposo.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Carmo de Jesus Amado Sequeira.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Raimundo Pedro Narciso.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José de Almeida Cesário.
José Manuel Durão Barroso.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Amândio.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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