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1576 I SÉRIE - NÚMERO 50

A verdade é que a primeira proposta de alteração das leis laborais, apresentada por este Governo, é a que tem do trabalhador a visão de um corpo a que tem de extrair-se o maior lucro possível, a pura visão de uma mercadoria.
Veio o Governo reparar o mal feito, em 1976, com a famosa lei dos contratos a prazo, que mais não foi do que o sinal de partida para a precarização das relações laborais e a insegurança no emprego?
O Governo, porque é do Partido Socialista, tinha a especial obrigação de reparar o mal causado, em 1976, também por um Governo da responsabilidade do Partido Socialista.
Há exactamente dois dias, na passagem que diariamente repito nas minhas deslocações Setúbal/Lisboa, uma trabalhadora, ao atender-me, interpelou-me da seguinte forma: "Quando é que lá acabam com a lei dos contratos a prazo? Estou aqui há seis anos com contratos a prazo de um mês!"
Razão tinha o Presidente da CIP, da Direcção do CDS/PP, ao referir como marco histórico - para ele, é claro - para além da proposta da polivalência e da flexibilização do trabalho, a lei dos contratos a prazo, a lei da precarização, a lei da insegurança dos jovens, dos trabalhadores considerados, com pouco mais de 40 anos, de avançada idade.
E, no entanto, um combate sério à sinistralidade no trabalho, se não pode passar pela polivalência e flexibilização, de que é inimigo, tem. de passar pelo combate à precarização do emprego. É que nos contratos de curta duração não se cuida de dar formação profissional aos trabalhadores, não se trata da sua segurança, higiene e saúde no trabalho. Trata-se, sim, de fazer trabalhar pela arreata do prazo do contrato, pela ameaça do desemprego sem direitos. E a arreata é ainda mais curta nos recibos verdes, auto-estrada aberta pela lei dos contratos a prazo.
Estando a precarização das relações laborais estreitamente ligada, numa relação de causa e efeito, com o aumento da sinistralidade, verificando-se o mesmo relativamente à polivalência e flexibilização do trabalho, temos de concluir que não se verificará a necessária prevenção daquela sinistralidade.
Nessa prevenção é necessário todo o investimento e promover esse mesmo investimento por todas as formas.
Sem dúvida que um impulso importante da prevenção terá de surgir da revisão do regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Porque, Srs. Deputados, enquanto for mais barato reparar o acidente ou a doença do que prevenir os mesmos, não haverá o necessário investimento na prevenção e continuaremos a confrontar-nos com os números assustadores das vítimas do trabalho, com os seus dramas e os das suas famílias.
Hoje, o Grupo Parlamentar do PCP vai entregar na Mesa da Assembleia dois projectos de lei: um, relativo às remições de pensões de acidentes de trabalho, e outro, que procede a uma revisão aprofundada do regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Com o primeiro, queremos reparar a injustiça praticada pelo anterior Governo, quando, em 1993, em reposição de um diploma de 1985 declarado inconstitucional, consentiu no roubo de centenas de contos a cada sinistrado do trabalho titular do direito à remição. Quer dizer que, em 1985 e em 1993, apesar dos protestos pela iniquidade com que a lei trata os sinistrados do trabalho, andámos para trás.
Com o outro projecto de lei, propomos o derrube das traves-mestras de um sistema iníquo, inserindo na legislação, no nosso projecto, o direito à reparação integral, no caso de danos patrimoniais, e quase integral, relativamente aos danos morais.
Na verdade, o sistema que ainda hoje temos e que, há cerca de um século, representou um avanço, consagra a imunidade das entidades empregadoras, relativamente à obrigação de cumprimento das normas sobre higiene, saúde e segurança no trabalho.
Acolhe esse regime a visão "taylorista" do trabalhador como instrumento. Petrifica a discriminação social dos sinistrados do trabalho e das vítimas das doenças profissionais.
De facto, ó trabalhador é discriminado, relativamente às vítimas de acidentes de viação, que têm direito, pela lei civil, à reparação integral dos danos sofridos.
Essa não é, infelizmente, a óptica, relativamente aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, que domina o sistema.
Na verdade, para os que usam e abusam do trabalhador e se vêm opondo à alteração das leis relativas ao infortúnio laboral - e o PSD opôs-se, na última legislatura, à aprovação de um projecto de lei do PCP, que alterava tudo -, para esses, o homem e a mulher que trabalham são apenas máquinas de produção, privados de obter reparação de todo o prejuízo económico sofrido, excepto, porque de máquinas se trata, a reparação da perda da capacidade de ganho.
A própria perda da vida não é encarada sob a óptica da perda de um bem inestimável, mas da perda de um rendimento, a perda da capacidade de ganho.
Daí nascem as indemnizações e pensões de miséria. A exclusão da reparação dos danos morais e dos danos sofridos pela família. O cálculo matemático da reparação. O sinistrado recebe apenas dois terços da desvalorização que apresenta, partindo-se, para o cálculo, de um salário inferior ao salário que auferia, através de operações matemáticas em que não entra o horizonte de um homem, de uma mulher e da sua família, irremediavelmente afectados na sua felicidade, quantas vezes por incumprimento de normas de higiene e segurança no trabalho, quantas vezes vítimas de ritmos infernais de trabalho, ou mesmo de falta de formação sobre os riscos profissionais, formação que não lhes é dada por ser cara, mais cara do que a esmola da pensão.
A obrigação de segurança, que impende sobre a entidade empregadora, é substituída por uma parca obrigação pecuniária, com o que se simula, juridicamente, a culpabilização do trabalhador pelo acidente que sofreu.
Culpabilização ainda hoje divulgada e a que Cesário Verde, claro que em tom crítico, deu genial expressão no seu poema Desastre.
Perante um grave acidente mortal de um trabalhador da construção civil que "caíra de um andaime e dera com o peito/pesada e secamente em cima de uns tapumes" e que "ia numa maca, em ânsias contrafeito/soltando fundos ais e trémulos queixumes", "um fidalgote brada a duas prostitutas/que espantos! Um rapaz, servente de pedreiro" e, mais além, um patrão comenta: "Morreu? Pois não caísse! Alguma bebedeira".
É esta desumanidade, que Cesário Verde tão bem retrata, que percorre, com vergonha, todo o século XX, atingindo mesmo o cúmulo, relativamente às vítimas do trabalho.

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