O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1831

Quinta-feira, 18 de Abril de 1996

I Série - Número 58

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995=1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE ABRIL DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Maria Luísa Lourenço Ferreira

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberra a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes de ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas e de requerimentos.
Foi aprovado o voto n.º 24VII - De pesar pelo falecimento da actriz Beatriz Costa (Presidente da AR, PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes). Produziram intervenções, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados José Niza (PS), Teresa Patrício Gouveia (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Jorge Ferreira (CDS-PP) e João Amaral (PCP), após o que a Câmara aplaudiu, de pé, durante um minuto.
Um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de um Deputado do PS mereceu também aprovação.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Ferreira (CDS-PP) criticou a proposta do líder do PSD de aumento dos ordenados dos titulares de cargos políticos, assim como as posições do Primeiro-Ministro quanto aos seus poderes e do PS quanto à regionalização. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Garfos Coelho (PSD) e José Junqueiro (PS).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro abordou a temática da degradação da vida nos meios urbanos e a necessidade de promover debate sobre o tema.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) manifestou a discordância do seu partido com a política do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Duarte (PSD), António Morrinha e Miguel Ginestal (PS).
O Sr. Deputado Manuel Alegre, sob a forma de interpelação à Mesa, recordou o dia 17 de Abril de 1969, princípio da crise académica de 1969 e papel que nesse dia teve o então presidente da Associação Académica de Coimbra, hoje Sr. Deputado Alberto Martins.
Ordem do dia - Foi aprovada, em votação global, a proposta de resolução n.º 4/Vl1 - Aprova, para ratificação o Acordo Suplementar ao Acordo Geral Sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa, concluído entre Portugal e o Conselho da Europa, referente ao Centro Europeu para a Interdependência e 'Solidariedade Mundiais, assinado em Estrasburgo aos !5 de Dezembro de 1994. Após o Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP) ter feiro a síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de o Sr. Secretário de Estado dos assuntos Parlamentares ter feito a apresentação do diploma, intervieram além destes oradores os Srs. Deputados Carlos Luís (PS) e Pedro Roseta (PSD).
Depois de o Sr. Deputado Duarte Pacheco (PSD) ter jeito a síntese do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano e de o Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS-PP) ter apresentado o projecto de lei n.º 22/VII - Alteração ao Estatuto dos Gestores Públicos (CDS-PP), foi o mesma discutido, na generalidade, tendo feito intervenções, além dos oradores referidos, os Srs. Deputados  Joel Hasse Ferreira (PS), Octávio Teixeira (PCP) e João Carlos da Silva (PS).
Foi também apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 96/VII - Alteração à Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro (Lei-Quadro da Criação de Municípios) (PSD), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Deputado Rui Marques (CDS-PP), - que fez a síntese do relatório da Comissão de Administração do Território. Poder Local, Equipamento Social e Ambiente -, e do Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas (PSD) - que procedeu à apresentação do diploma -, os Srs. Deputados Júlio Faria (PS), Mário Albuquerque e Álvaro Amaro (PSD), Carlos Neto (CDS-PP) e João Amaral (PCP). No final, foi aprovado um requerimento do PS solicitando A baixa do projecto de lei à respectiva Comissão para reapreciação na generalidade, sobre o qual se pronunciaram os Srs. Deputados Carlos Coelho (PSD) e José Junqueira (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas.

Página 1832

1832 I SÉRIE - NÚMERO 58

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Soares Palmeira Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente. .
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raul d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rita Maria Dias Pestana Cachuxo.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):





























Página 1833

18 DE ABRIL DE 1996 1833

Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.,
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Carlos Alberto Maia Neto.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Rui Manuel Pereira Marques.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas e dos requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.os 22/VII - Estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões, 23/VII - Cria o Conselho Consultivo para as Comunidades Portuguesas, que baixou à 2 e Comissão, e 24/VII - Altera a Lei n.º 33/87, de 11 de Julho (Lei das Associações de Estudantes), que baixou às 6.ª e 11.ª Comissões; propostas de resolução n.os 5/VII - Aprova, para ratificação, o Tratado da Carta da Energia, incluindo Anexo, Decisões e Acta Final e o Protocolo da Carta da Energia relativo à eficiência energética e aos aspectos ambientais associados, assinados em Lisboa em 17 de Dezembro de 1994, que baixou às 2.ª e 4.ª Comissões, 6/VII - Aprova, para ratificação, as Emendas ao Convénio Constitutivo do Banco Inter-americano de Desenvolvimento, instituição a que Portugal deliberou aderir através da Resolução n.º 303179, de 18 de Outubro, que baixou às 2.ª e 5.ª Comissões, e 7/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a proibição do desenvolvimento, produção, armazenagem e utilização de armas químicas e sobre a sua distribuição, aberta à assinatura em 13 de Janeiro de 1993, em Paris, que baixou às 2.º e 3 e Comissões; projectos de lei n.º5 138/VI - Visa a alteração ao Estatuto da Empresa Concessionário dos Serviços Públicos de Televisão, SA (PSD), que baixou à 1.ª Comissão, 139/VII - Devolução de documentos de natureza privada constantes dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão, e 140/VII - Alteração ao Estatuto dos Deputados (CDS-PP), que baixou à 1 º Comissão.
A solicitação do CDS-PP, informa-se ainda que, ao abrigo do artigo 135.º do Regimento da Assembleia, foi retirado o projecto de lei n.º 75/VII, uma vez que optaram por o integrar numa outra iniciativa legislativa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados, durante a última sessão plenária, os seguintes requerimentos: à Presidência do Conselho de Ministros, formulado pela Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha; ao Sr. Ministro Adjunto e aos Ministérios do Ambiente, do Equipamento, Planeamento e da Administração do Território e para a Qualificação e o Emprego, formulados pelo, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Relvas; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; aos Ministérios da Economia e da Agricultura, Desenvolvimen-

Página 1834

1834 I SÉRIE - NÚMERO 58

to Rural e das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; aos Ministérios do Ambiente, da Administração Interna e da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Isabel Castro e Jorge Roque Cunha; e ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos na mesa o voto n.º 24/VII - De pesar pelo falecimento da actriz Beatriz Costa, que se encontra apenas assinado por mim, mas vão ser recolhidas as assinaturas dos Deputados que o queiram subscrever.
Se concordarem, podemos passar, desde já, à sua leitura, discussão e votação. É do seguinte teor:
Morreu Beatriz Costa.
Figura do cinema e do teatro nacionais, celebrizada pelo desempenho de personagens de cariz marcadamente rural, Beatriz Costa era o exemplo vivo da perpetuidade do espectáculo em que a alegria, o pitoresco, a sabedoria e a inteligência populares assumiam papel de destaque. Na última fase da sua vida viria, ainda, a distinguir-se como escritora de singular talento satírico.
Com a morte de Beatriz Costa, desaparece o último grande vulto de toda uma geração de actores e actrizes que, a partir da Revista, se confirmaram no cinema e nele se eternizaram.
Figura do imaginário colectivo, símbolo da Revista à Portuguesa, a menina-mulher da franja preta estará entre nós sempre que voltarmos a ver A Canção de Lisboa ou a Aldeia da roupa branca.
Beatriz Costa conquistou, por mérito e esforço próprios, o direito ao nosso respeito e admiração.
Assim, a Assembleia da República presta pública homenagem a Beatriz Costa e manifesta profundo pesar pelo seu falecimento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este começo de Primavera tem sido bastante cruel para a cultura portuguesa e, em especial, para o teatro e para música.
Recentemente morreu Mário Viegas, aqui homenageado há dias, e praticamente no mesmo dia morreu um grande músico português Simões da Hora, que foi um expoente mundial do órgão, pouco conhecido, mas muito importante em termos europeus e mundiais. Logo depois, outro grande actor, Carlos Daniel, de 43 anos, faleceu subitamente. Há dias, e mais recentemente; foram o Dr. José Ribeiro da Fonte, que tinha sido nomeado Presidente do Instituto de Artes e do Espectáculo, que assim ficou prejudicado com o seu falecimento e, finalmente, Beatriz Costa.
Beatriz Costa, com os seus 88 anos, tinha toda a irreverência da juventude e toda a experiência adquirida da vida vivida. E, na realidade, ela não viveu 88 anos, os anos que os registos indicam, ela terá vivido talvez 188 anos, porque há pessoas que conseguem o milagre da multiplicação do tempo, que são, como Beatriz Costa, as pessoas que utilizam a vida para viver e não apenas para irem sobrevivendo.
Beatriz Costa, como indica o título de um dos seus cinco livros - e ainda há um inédito para publicar -, foi uma mulher sem fronteiras e eu diria que também foi uma mulher sem barreiras.
Aprendeu a ler e a escrever no café A Brasileira, no Chiado, tendo como professores Aquilino Ribeiro e Almada Negreiros. Quem não gostaria de ter tido estes professores! Foi ali que ela aprendeu a conviver e, inclusivamente, a ler e a escrever. Nunca fez a 4.ª classe e, por isso, nunca pôde tirar a carta de condução, o que foi uma situação interessante e inédita, porque ela comprou um carro, mas, depois, não o pôde guiar, porque sem a 4.ª classe não podia ter a carta de condução.
A obra dela é conhecida. Fez cinema e teatro, como acabou de ser dito, sobretudo teatro de revista, e tudo aquilo que fez ficou para a história, porque ainda hoje, ao fim de 57 anos - por exemplo, a Aldeia da Roupa Branca foi filmada no ano em que eu nasci - esses filmes continuam a merecer o interesse de todo o povo português. Fez também A Canção de Lisboa, outro filme de Chianca de Garcia, em 1933.
Foi uma mulher que passou um pouco por todo o mundo. Em Paris, onde passou largas temporadas, foi amiga de convívio de Orson Welles, de Marlene Dietrich, de Greta Garbo e de Pablo Picasso, por exemplo. Conta ela que, em casa de Marlene Dietrich, enquanto as duas conversavam, a Greta Garbo lavava os pratos do jantar.
Mas ela não esteve só em França e só na Europa, esteve também no Brasil, onde viveu 10 anos, e aí conviveu com toda uma grande geração de gente da cultura e da literatura, como Jorge Amado, Dorival Caimy, Vinicius de Morais, que lhe dedicou poemas, e com toda aquela geração dos grandes poetas e dos grandes músicos do Brasil. Ficou, por isso, também na alma e no coração do povo brasileiro.
Como Amália Rodrigues e Carmen Miranda, ela foi uma das grandes mulheres da cultura portuguesa e também como Amália recusou as luzes de Hollywood, ao contrário de Carmen Miranda que, como se sabe, fez um sucesso mundial com os filmes que lá interpretou: Mas Amália e Beatriz Costa recusaram-se a esse firmamento.
Eu diria que Beatriz Costa nunca foi uma mulher do caviar e do salmão fumado; ela era uma mulher da sardinha assada, da patanisca e do pastel de bacalhau. E foi assim que ela entrou no coração do povo. Ela era aquela saloia que circulava entre as elites culturais, sem sair do coração do povo. Foi por isso que ontem, quando o funeral chegou à Malveira, ela foi recebida com palmas e com as canções que ela interpretou.
Provavelmente, a Câmara Municipal de Lisboa vai 'atribuir o nome de Beatriz Costa a uma rua, a uma praça ou a uma avenida, mas aquilo que ela, seguramente, desejaria era que dessem de novo vida ao Parque Mayer e que de novo este parque viesse a ser a pequena Broadway alfacinha, onde ela viveu tantos anos. Esperemos que assim venha a acontecer, porque ela assim gostaria que fosse.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Beatriz Costa foi uma personalidade que, ao longo de muitos anos da sua, felizmente, longa vida, deu aos portugueses de todas as idades e de todas as condições momentos de grande alegria e prazer, unindo-os, sem dúvida, em torno das figuras que criou com imenso talento e comunicabilidade, quer no teatro, quer no cinema.
Ela pertenceu a um grupo de actores, homens e mulheres do teatro, em cujo trabalho ainda hoje nos revemos com grande prazer e surpresa renovada pela grande actualidade das suas criações.

Página 1835

18 DE ABRIL DE 1996 1835

Associamo-nos, com certeza, ao voto de pesar pelo desaparecimento de Beatriz Costa, uma das últimas figuras que ainda hoje tanto nos divertia cada vez que a víamos na rua ou no cinema. Mas, mais do que um voto de pesar; o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata quer dizer a Beatriz Costa um grande obrigado por tudo o que nos deu e continua a dar, porque ficará para sempre na nossa memória.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, dizer que nos associamos a este voto e subscrevemo-lo.
Efectivamente, pensamos que a perda de Beatriz Costa é a perda de alguém que conseguiu aglutinar, pelas suas características, pela sua alegria, pela sua vivacidade e pela singularidade da sua personalidade, gerações múltiplas que à sua volta se divertiram, tiveram prazer e com alegria viram, fundamentalmente as gerações mais novas, aquilo que é a parte mais visível da sua obra, ou seja, o cinema.
É, portanto, a esta mulher, que foi, ao longo da sua vida, fiel a si própria, até na forma como nos mais pequenos detalhes comunicava com os outros e exprimia a linguagem dos sentimentos mais profundos, e que para nós está hoje intimamente ligada à cidade de Lisboa, que prestamos homenagem subscrevendo este voto.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Popular associa-se também a este voto e subscreve-o, porque considera que Beatriz Costa é uma figura da cultura portuguesa, eminentemente popular, no sentido mais nobre da palavra, ou seja, no sentido de que penetra no sentimento do povo, para o qual contribuiu com a sua alegria, com a sua capacidade e com a sua arte, para tornar mais fácil a vida desse mesmo povo.
É por isso que Beatriz Costa ficará sempre na história, na cultura portuguesa e na memória do povo português que, felizmente, continuará a ter a possibilidade de manter a sua memória viva através dos registos sobre a sua obra e sobre o que ela fez no teatro e na cultura popular portuguesa que permanecem.
Julgo que esta homenagem da Assembleia da República é uma homenagem devida a uma portuguesa que, como poucas, consegue ser um factor de união e de reconhecimento geral pela dívida que todo o País tem relativamente àquilo que ela fez por ele e pelo seu povo.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português associa-se também à homenagem que a Assembleia, por iniciativa do Sr. Presidente, está a prestar à memória de Beatriz Costa.
É importante assinalar neste momento que Beatriz Costa viveu connosco, com cada um de nós, ao longo de todos estes anos, momentos muito importantes, talvez os mais populares do cinema português, que todos conhecemos e amamos.
Beatriz Costa era uma figura do nosso povo e uma figura popular. Quem ontem viu as imagens da última homenagem que lhe foi prestada, quem lá estava, mais do que as grandes figuras, era o povo anónimo que a amava e que se identificava com ela.
Mas Beatriz Costa tinha algo que era muito importante no seu quotidiano e que, de alguma forma, deve marcar esta homenagem que a Assembleia lhe faz: era a imensa alegria de viver, que sempre a caracterizou. É essa presença, essa alegria de viver, que sempre recordaremos em Beatriz Costa.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também eu quero dizer que fui grande admirador e amigo pessoal de Beatriz Costa. Como sabem, há muitos anos que ela vivia no Hotel Tivoli, do qual eu também fui hóspede durante anos, e aí fizemos uma excelente amizade. Deliciava-me a ouvir as suas histórias, muitas das quais retenho ainda na minha memória.
Por aquilo que, em minha opinião, passou a representar na memória de todos nós, peço o vosso assentimento para, neste caso - e sei que não me perdoaria se vos pedisse um minuto de silêncio -, de pé, aplaudirmos, durante um minuto, a Beatriz Costa.

Neste momento, a Câmara aplaudiu, de pé, durante um minuto.

Muito obrigado, Srs. Deputados.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o relatório n.º 20 da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte teor: Em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, realizada no dia 17 de Abril de 1996, pelas 10 horas e 30 minutos, foi observada a seguinte substituição de Deputado: Nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março), por um período não inferior a 45 dias: solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Daniel Bessa, eleito pelo círculo eleitoral do Porto, por Sérgio Carlos Branco Barros e Silva, com início em 13 de Abril corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
O parecer é no sentido de que a substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Está à discussão.

Pausa.

Página 1836

1836 I SÉRIE - NÚMERO 58

Não havendo objecções, vamos votar.

Submetido, à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora dar início ao período das declarações políticas, encontrando-se inscritos os Srs. Deputados Jorge Ferreira, Isabel Castro e Lino de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actualidade política portuguesa merece ao meu partido três curtos comentários.
O primeiro desses comentários tem a ver com as "entradas de leão e saídas de sendeiro" do novo líder do, supostamente, renovado PSD.

Protestos do PSD.

Ou seja, com a proclamada troca de uma revisão constitucional pelo referendo sobre a regionalização.
Há partidos que sabem exactamente o que querem fazer: navegar. E outros partidos há que apenas querem o que sabem fazer: flutuar, baloiçar, dançar. E assim, quando a maré enche, dançam nas ondas e, quando a maré vaza, dão à praia. Não são profundas, nem duradouras, as convicções dós líderes deste tipo de partidos. A título de exemplo, a primeira convicção do novo líder do PSD durou 14 dias, exactamente o tempo que levou a abandonar a sua famosa exigência de fazer preceder a regionalização pela revisão constitucional. Eis como as convicções se dissolvem na estratégia, a estratégia na táctica e a táctica na aragem nocturna. E, pela enésima vez, uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, eis o que o PSD, hoje, como ontem, e ontem como sempre, tem para oferecer aos portugueses.
Todos podemos ver que da cartola do ilusionista não saiu qualquer coelho, e que o celebrado David Coperfield da política caseira era ele próprio, afinal, uma grande ilusão. Não tinha consistência, não tinha vida própria, vivia dos presuntivos erros de alguns, da veneração provinciana de muitos e do terror reverencial de quase todos. Verdade seja que, dos bastidores, um companheiro de longa data e que bem o conhece gritara já: "o rei vai nu!"
Mas é agora na plateia, e frente ao flop do negócio da revisão, que se prepara já a notável pateada.
Descido da cátedra, o grande professor afogou-se na realidade. Não é a primeira vez que o fenómeno acontece. Parece mesmo haver áreas científicas. e grupos onomásticos predestinados a certo tipo de mergulhos fatais.
Deixo no ar a pergunta: que nota daria agora ao líder do PSD um célebre comentador político hoje retirado?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O segundo comentário que queremos fazer tem, precisamente, a ver com uma proposta que, o líder do PSD anunciou ao país: a de aumentar os ordenados dos políticos.
Ora bem, quando o actual líder do PSD propôs referendar a regionalização e o Tratado da União Europeia, todos percebemos que apenas se tratou de maquilhagem e não de convicção. Mesmo tratando-se de maquilhagem, não deixa de ser uma homenagem ao Partido Popular e a todos quantos, desde 1992, se têm batido contra a tirania anti-referendária do PS e do próprio PSD. O que há agora a fazer é marcar e concretizar esses referendos.
De facto, contra a última moda do PSD, eis que o seu líder abraçava duas das grandes causas pelas quais, no Partido Popular, sempre nos batemos, e que nos mereceram sempre, pelo lado dos esclarecidos hierarcas do PSD, o rótulo barato de radicais, justicialistas, extremistas e demagogos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Oradora: - Assim sendo, o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, no PSD, só podia mesmo ser engano. Mas não, era verdade! Depressa, o celebrado novo líder reatou com a melhor, mais profunda e mais autêntica tradição do seu partido e que se poderia resumir no lema: "à sombra do contribuinte, ganhar sempre mais e melhor".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu partido não aceita que, num país imerso em profundas dificuldades e onde o ordenado médio dos cidadãos ronda os 90 contos mensais - para já não falar na legião de desempregados -, um político, seja ele qual for, venha dizer que se considera mal pago.
Obviamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nenhum de nós ganha uma fortuna, mas o que cada um de nós ganha dá para viver decentemente. Já o mesmo não poderá dizer, infelizmente, a generalidade dos portugueses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Oradora: - O que vou dizer, não deixa de ser uma verdade de ontem, de hoje, de amanhã, e de sempre, que a política antes de ser uma profissão é uma vocação, antes de ser um modo de vida é um projecto de vida. A política não é uma função mas uma aposta, a aposta num projecto em que acreditamos, pelo qual nos batemos e em função do qual estamos dispostos a sacrificar parte substancial do nosso bem-estar.
Entendemos que é perfeitamente legítimo ganhar imenso dinheiro, seja como professor, comentador, empresário ou carpinteiro, mas nunca no serviço público, nunca sobre os ombros .do contribuinte. Entre o desempenho de uma função política ou de uma outra qualquer muito bem remunerada, há uma opção a fazer. Cada um que faça essa opção e que não tente enfiar dois proveitos no mesmo. saco. Ficamos, assim, a aguardar que o Grupo Parlamentar do PSD apresente na Assembleia da República o projecto de lei de alteração ao Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos, no sentido de lhes aumentar os ordenados.
Esta será a consequência da promessa, ainda ontem à noite reafirmada, do líder do PSD. Cá estaremos também à espera de saber se o PS votará com o PSD este aumento de ordenados dos políticos.
Por estas razões e por muitas outras que não cabe aqui e agora enumerar, o meu partido irá bater-se sem tréguas contra esse alegado projecto, tal como se tem batido, e continuará a bater, contra a actual e escandalosa situação das reformas dos políticos.
Ser político será sempre uma honra, nunca um negócio, e, muito menos, um negócio para a vida inteira.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Oradora: - É esse o preço da confiança íntima que há que estabelecer entre governantes e governados, como é esse o preço do respeito dos governados pelos seus governantes.
Convidamos o PSD e o seu líder a juntarem-se a nós nesse combate, batendo-se connosco, na Assembleia da República, pela aprovação do projecto de lei que em breve agendaremos e no qual se propõe que os políticos

Página 1837

18 DE ABRIL DE 1996 1837

percam os injustificados privilégios que detêm e passem a alinhar o seu sistema de reformas pelo regime geral, comum e aplicável a todos os portugueses.
A votação deste projecto de lei será a prova dos nove para saber quais são os partidos que querem manter os privilégios dos políticos e os que, pelo contrário, vão bater-se, ao nosso lado, pela diminuição daqueles que, injustificadamente, ainda sobrevivem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem a ver o terceiro e último comentário com uma preocupante afirmação do Primeiro-Ministro, que, há dias, disse ao País que tem poderes a mais.
Ora bem, que o Sr. Primeiro-Ministro tem poderes a mais já o tínhamos notado, pela precária gestão e' deficiente utilização que desses poderes tem sido feita. Ministros e Secretários de Estado em eterna zaragata, em permanente remodelação e a saltar pela borda fora, o aparelho do partido a torpedear os notáveis independentes, uma "turbo-regionalização" exigida, sob pressão, pelos "barões" da nomenclatura interna contra a mais elementar prudência, são conclusiva prova de que o Primeiro-Ministro tem, de facto, poderes a mais ou, o que vai dar ao mesmo, arcaboiço a menos.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não é verdade!

O Oradora: - Contudo, são .esses os poderes inerentes ao cargo e já o eram quando o Sr. Eng.º António Guterres a ele concorreu e nele aceitou ser investido. E é com eles que deverá continuar, custe o que lhe custar, mesmo que lhe custe a derrota nas próximas eleições legislativas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Oradora: - Não, o Primeiro-Ministro não tem poderes a mais, depende é, para o seu exercício, de uma faraónica e absurda máquina burocrática que ninguém no mundo conseguirá dirigir enquanto ela for exactamente aquilo que é, e que o actual Primeiro-Ministro parece não querer, não saber ou não poder mudar:...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não entendeu!

O Oradora: - ... um motor gigantesco, construído de sucata justaposta ao longo dos anos e que consome um infinito de energia para produzir zero.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sintetizando e para terminar, o mais numeroso partido da oposição não passa de uma montanha que se limita a parir ratos, o que demonstra uma notável falta de produtividade política. Apesar dessa lamentável falta de produtividade, o seu líder entende que ele e todos os seus, se encontram mal pagos e quer que todos passem a ganhar mais, substancialmente, enquanto tudo isto, o líder do Governo, saído do partido maioritário, declara que tem poderes a mais, o que vem, finalmente, explicar o mistério da inacção e da ineficácia em muitos domínios da vida portuguesa do seu Governo.
Cabe aos portugueses começarem a perguntar-se para que servem os poderes nas mãos de um Primeiro-Ministro que não sabe o que fazer com eles e os Deputados sentados na bancada de um partido - o PSD - que, na oposição, também não sabe o que fazer com eles.
Pela nossa parte, Deputados do Partido Popular, continuaremos a querer mudar as regras de um sistema político caduco, que, no fundo, só serve aos líderes e às clientelas do PS e do PSD, mas não serve ao país e aos cidadãos.
Do que se trata verdadeiramente, hoje, é de mudar definitivamente um sistema político de que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa é co-autor e que visava, nas suas próprias palavras, ditas nesta Sala, em 1975, casar a democracia com o socialismo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram, inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Coelho e José Junqueiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, une-nos a mesma língua, que é muito rica e que, por isso, permite, por vezes, interpretações diferentes.
Creio que conviria, perante a Câmara, que o Sr. Deputado tornasse claro o que entende por convicções profundas e duradouras, expressão que utilizou a páginas tantas na declaração política que nos dirigiu do alto daquela tribuna. Quais são as convicções profundas e duradouras do seu partido, do CDS-PP, Sr. Deputado Jorge Ferreira? Um partido que muda tudo: desde opções essenciais, face ao regime e à opção europeia, até ao nome.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - O do seu também já mudou.

O Oradora: - Qual é a sua interpretação de "convicções profundas e duradouras", Sr. Deputado Jorge Ferreira?
Percebo que o incomode o facto de haver um líder do PSD que faça claramente a distinção entre questões de governo e de regime e que torne evidente que as questões de governo são as que devem estar submetidas à controvérsia política e partidária, mas que há as de regime, que devem ser abordadas com serenidade, com lucidez e, se quiser, também com coragem, que, tanto quanto possível, devem merecer um consenso alargado de todos os parceiros políticos e de todos os partidos parlamentares.
Compreendo que o Sr. Deputado Jorge Ferreira seja um pouco alheio a esta ideia, de que há questões de regime que nos devem unir a todos, porque, em boa verdade, foi o seu partido que trouxe para a vida política portuguesa um discurso anti-sistémico e até antiparlamentar - recordo a intervenção sobre os barrigudos.

Aplausos do PSD.

Compreenderá, Sr. Deputado Jorge Ferreira, que não me sinta particularmente atingido por esse adjectivo. A meu ver, aquilo que atinge a Assembleia da República, esta instituição onde a democracia se vive todos os dias, é o tipo de ataque que enfraquece o regime, a democracia,...

Vozes do CDS-PP: - Não é verdade!

O Oradora: - ... que qualquer partido responsável devia coibir-se de produzir em termos de discurso político.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Jorge Ferreira, e perdoar-me-á que lhe diga, não posso desligar a sua declaração política da circunstância que decorre do último Congresso Nacional do PSD.
Todos os analistas dizem que o CDS-PP perdeu a iniciativa política, que desapareceu do mapa e essa é a verda-

Página 1838

1838 I SÉRIE - NÚMERO 58

deira questão política que preocupa o CDS-PP e que motivou a sua intervenção. É uma intervenção movida pelo desespero do enfraquecimento do seu espaço, que prova bem a aflição política e estratégica com que o CDS-PP está confrontado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Oradora: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, é ou não a sua intervenção, em bom rigor, a demonstração de desespero do CDS-PP pela eleição do Professor Marcelo Rebelo de Sousa como líder do PPD/PSD?
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - De imediato, Sr. Presidente.

O Sr: Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Coelho, agradeço-lhe o pedido de esclarecimento que me formulou, embora me tenha desiludido, porque, ao contrário do que é seu hábito, e não sei se isso se deve à mudança de liderança do seu partido, não disse se o Grupo Parlamentar do PSD vai ou não apresentar o projecto de lei de alteração do Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos. Isto é, não revelou se o Grupo Parlamentar do PSD vai apresentar esse projecto de lei, tal como o líder do seu partido disse ontem ao País que poderia suceder. Espero que apresente, que tenha a coragem de lutar por essa convicção que o seu partido tem, de que os políticos ganham pouco, pelo que há que lhes aumentar os vencimentos.
Por isso, espero sinceramente que, hoje ou amanhã, a Assembleia seja surpreendida com esse projecto de lei.
Também não sei - a começar pelas últimas questões que me colocou - se V. Ex.ª não estará a confundir aquilo que julga ser o desespero de outros pelo desespero próprio, que será o caso de V. Ex.ª e de muitos dos seus colegas de bancada que, à pressa, e sem o reconhecerem, vão ter de mudar de opinião como quem muda de fato, porque há agora um novo líder que, aparentemente, tem outras opiniões, diferentes das que os senhores sempre tiveram. E dou-lhe um bom exemplo disso: o referendo.
Sr. Deputado, uma pessoa mudar de opinião - só não muda quem é burro - é lícito, normal e pode ser até desejável fazê-lo. Esperamos, por exemplo, que o Partido Socialista mude de opinião sobre o referendo, pois persistem naquela teimosia anti-referendária, deterem medo de colocar à votação dos portugueses questões importantíssimas para o seu futuro. Mas há uma seriedade que, a nosso ver, tem de ser assumida, para precisamente preservar a política e a credibilidade dos políticos. É que, quando se muda de opinião, deve assumir-se esse facto e deve assumir-se que se teve uma posição desajustada e que se entendeu que se devia mudar. Por exemplo, um vice-presidente do seu partido, o Dr. António Capucho, disse enormidades sobre a proposta de referendo ao Tratado da União Europeia, enormidades que estão publicadas; vários colegas seus, em 1992, disseram enormidades sobre o referendo, que estão escritas.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - E em 1994!

O Oradora: - Ainda em 1994 as repetiram, disseram que o referendo era caro; que tornaria Portugal num país imprevisível, que nós, exactamente por querermos o referendo, éramos extremistas. E, de um momento para o outro, em passo de mágica, só porque agora o líder do seu partido descobriu, por mero "tactissismo" político - e foi nesse sentido que referi as convicções, porque sendo afirmadas e naturalmente afirmadas dispensam o show off, e quando há muito show off é por que não é convicção mas, sim, maquilhagem -, à pressa, que o referendo é uma arma, decidiu adoptá-lo.
Ainda bem! Porém, em honra da seriedade política, convém que os senhores reconheçam, no mínimo, que se enganaram, juntamente com o Partido Socialista, quando, em 1992, proibiram literalmente a realização do referendo sobre o Tratado da União Europeia.
V. Ex.ª citou, penso que en passant e como faits divers, a questão dos barrigudos, relativamente às afirmações feitas pelo líder do meu partido, como exemplo daquilo que considera ser uma postura antiparlamentar.
No entanto, dou-lhe um outro exemplo. Recordo-lhe um Deputado do seu grupo parlamentar que pensava que os Deputados deveriam receber à peça, por elaboração de relatórios nas comissões.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isso é "taylorismo"!

O Oradora: - Foi, aliás, essa realidade e esse Deputado que justificaram que um dia disséssemos que na Assembleia havia Deputados que se assemelhavam a sanguessugas. Já nessa altura, a convicção do aumento dos ordenados existia, e permanece. VV. Ex.as continuam iguais ao que sempre foram e é, por isso, que desejo que ainda hoje possamos ter conhecimento do projecto de lei que, certamente, o seu grupo parlamentar apresentará, propondo o aumento do vencimento dos políticos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, V. Ex.ª não compreende aquilo que é o conceito do exercício partilhado do poder, de uma forma moderna e democrática, onde as pessoas possam ter assento e tomar parte nas decisões. Não é por isso de estranhar que V. Ex.ª diga que o Primeiro-Ministro procede de uma maneira diferente daquela que seria a do próprio PP.
Depois, não quer mais do que refugiar-se na incapacidade de o PP apresentar um projecto próprio de descentralização e de regionalização. Isso, como é óbvio, causa fortíssimos e evidentes problemas e dissensões dentro do seu partido, e é, alegando outras dissensões, que V. Ex.ª quer esconder aquelas que internamente sente, que são insanáveis e se afirmarão no curto, prazo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Oradora: - Critica-se a regionalização, porque é "turbo-regionalização". V. Ex.ª não quer regionalização alguma,. o que é de facto um acto de coerência. Sobre esta matéria estamos esclarecidos.
De qualquer forma, também deverá esclarecer claramente os presidentes de câmara do seu , partido sobre essa matéria, que é de primordial importância.

Página 1839

18 DE ABRIL DE 1996 1839

Em matéria de referendos, V. Ex.ª refugia-se no referendo constitucional mas, gostava de o ver, qualquer dia, a pedir o referendo da própria democracia.
Por último, dir-lhe-ei que, se a máquina burocrática não funciona, V. Ex.ª sabe perfeitamente por que razão isso sucede mas esconde aqui um acordo global total entre o Governo e os sindicatos no sentido de procederem à reforma de toda a Administração Pública. V. Ex.ª é uma pessoa com sentido de totalidade que não quer compreender esta grande concertação nacional obtida entre o Governo e os sindicatos em matéria de Administração Pública. Gostava de saber se ver e pensar por todos é a nova moda de uma espécie de despotismo popular iluminado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, gostava de começar por devolver-lhe a seguinte pergunta: será que o modo diferente de exercício do poder, que V. Ex.ª apregoa, do Primeiro-Ministro consiste naquela vasta e caríssima delegação de 150 pessoas que fez deslocar em viagem oficial ao. Brasil?

Aplausos do CDS-PP.

Será exactamente essa a diferença que V. Ex.ª tem a apresentar relativamente ao poder antecedente exercido pelo PSD, sendo certo que o do seu Governo ainda está a sair mais caro aos bolsos dos contribuintes?

O Sr. José Junqueiro (PS): - Por exemplo?!

O Oradora: - Relativamente à regionalização, apenas lhe direi que, antes de falar do meu partido, tente o Sr. Deputado fazer um referendo interno no seu para saber o que é que os seus colegas de partido pensam sobre esse assunto porque, de cada vez que alguém fala, diz uma coisa diferente do que disse na véspera. Parece-me que VV. Ex.as, antes de falarem dos outros, talvez andassem melhor se praticassem a democracia internamente até às últimas consequências.
Façam como nós, consultem os vossos militantes e tenham depois a coragem de assumir como posição oficial do Partido Socialista aquilo que os vossos militantes quiserem que seja a posição oficial do Partido Socialista. Enquanto não o fizerem, enquanto o Partido Socialista não der esse exemplo ao País, não têm autoridade moral para falar dos partidos que fazem internamente aquilo que defendem que seja feito em Portugal e, concretamente, no caso dos referendos, os que referendam internamente as questões que defendem que os portugueses devem decidir em referendo.
Sei que VV. Ex.as detestam a ideia do referendo e que alguns vêm de partidos onde não foram habituados à democracia - é verdade! -, mas não compreendo que pessoas que sempre estiveram no Partido Socialista 'e que às vezes até achavam que o povo era demasiado estúpido para saber pronunciar-se sobre matérias essenciais do seu futuro, venham agora dar-nos lições de democracia.
Sr. Deputado, pense primeiro no seu partido, trate-lhe das chagas, veja se consegue esquartejar o País à medida de todos os interesses do seu partido e dós autarcas do PS e deixe em paz os nossos autarcas e militantes, porque
o Grupo Parlamentar do Partido Popular será consequente com as decisões que os seus militantes tomarem e não com aquelas que um grupo dos seus dirigentes, como sucede noutros partidos, entendem que devem ser as decisões gerais do partido.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assistem à sessão plenária alunos das Escolas Profissional de Guimarães e Profissional Agrícola Afonso Duarte de Lisboa, das Escolas Secundárias Manuel Cargaleiro do Seixal, de Soure, e D. Maria I de Lisboa e da Escola Preparatória Dr. Ruy de Andrade do Entroncamento, num total de 366 alunos.
Saudemo-los cordialmente.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr. Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se o problema da vida nas grandes cidades está hoje a ser considerado, nalguns países, pelo poder político como uma questão prioritária do ponto de vista social e inscrita na ordem do dia, motivo de reflexão alargada, fonte de multiplicação de iniciativas pela preocupante realidade que à escala planetária a caracteriza habitat de 50% da população planetária até ao ano 2025 e previsível local de concentração de dois terços do total da população mundial com todas as consequências de degradação ambiental, pobreza e exclusão, social que estes dados têm inevitavelmente implícitos -, razões de sobra haveria, quanto a nós, Os Verdes, para que no nosso país se justificasse aproveitar esta oportunidade para um olhar mais atento sobre esta questão e um debate sério, vivo, inovador e partilhado que atravessasse toda a sociedade portuguesa sobre esta realidade tão marcadamente negativa no nosso país.
Um país em que, particularmente nos últimos anos, se não agiu para travar os desequilíbrios demográficos, bem ao contrário, se favoreceu o seu agravamento.
Um país em que dois terços do total da sua população já se localiza hoje numa reduzida faixa em torno das duas grandes áreas metropolitanas.
Um país em que, para o interior rural, se continua a estimular, pagando, o abandono da agricultura e a empurrar desse modo para o êxodo pessoas que, desenraizadas, são obrigadas sem solução alternativa de fixação ou emprego a buscar nas grandes metrópoles o que, não raro, na sua região se lhes nega.
Um país em que questões tão elementares como a correcta eliminação dos lixos, a existência de uma rede de transportes, o ordenamento do território ou a simples eliminação de barreiras arquitectónicas prevalecem vagas e sem soluções integradas e de longo prazo.
Um país em que, se há seguramente uma questão de desenvolvimento global por discutir como nós, Os Verdes, não desistimos de afirmar pondo em causa o sentido, a razoabilidade, e o conteúdo que erradamente lhe tem sido atribuído, há seguramente também dentro dela e a jusante uma outra que não pode tão-pouco continuar hoje como ontem ignorada ou por demais adiada pelo Governo e o actual poder político. Refiro-me à questão da vida nas áreas urbanas, à sua violência, desumanização, degradação do ambiente urbano, marginalização que nelas germina como fenómeno que interfere com o quotidiano de milhares e

Página 1840

1840 I SÉRIE - NÚMERO 58

milhares de pessoas que neste espaço vivem, respiram, se movimentam, se relacionam, e, por isso mesmo, são profundamente marcadas na sua saúde e equilíbrio físico e mental, e condicionadas na sua vida individual, familiar e colectiva, e cuja qualidade de vida naquilo que, somado em diálogo entre si as constitui, se deteriorou assustadoramente como é visível no ar que respiramos, na água que bebemos, no ruído, no cimento a aprisionar-nos, na bicha para o autocarro, no engarrafamento sem fim, no stress, no caos, no desconforto, no desornamento, na exclusão e solidão em que se vive em cidades que em autênticos desertos emocionais se transformaram.
Cidades insustentáveis em que não é admissível hoje, como ontem, que o ordenamento do território continue por fazer.
Cidades em que se tornou insuportável a subida em flecha da poluição atmosférica e do ruído (em especial, provocados pelos automóveis), contribuindo não só para o efeito de estufa como para a multiplicação das doenças ditas do progresso, que no stress e vias respiratórias têm maior incidência.
Cidades insustentáveis em que não é admissível que a mobilidade, em 80% dos casos, continue a fazer-se por transporte individual (por muito aliciante que as receitas fiscais da venda de combustíveis possam ser na engorda dos cofres do Estado), teimando-se em não investir numa rede de transportes.
Cidades em que não é aceitável que cerca de 40% das pessoas desperdice mais de duas horas por cada dia da sua vida vivida em deslocações penosas, multiplicando num só mês, nas 40 horas somadas, o tempo que a si próprias e às famílias deveriam poder reservar.
Cidades em que não é socialmente admissível o modo como o realojamento dos grupos mais desfavorecidos está a ser feito, reproduzindo a "guettização" que era suposto dever eliminar-se e excluindo da escassez de meios disponibilizados muitos dos que excluídos já são e onde tão-pouco é admissível que continue, em nome de interesses economicistas, a fazer-se uma apropriação abusiva do espaço público.
Cidades que importa mudar e que, como centros de vida social, suportes económicos, guardiãs da herança, da memória, da cultura, do convívio e do espaço urge preservar, promover e valorizar naquilo que as singulariza, dotando-as de meios e competências que garantam a possibilidade de satisfazer as necessidades daqueles que, por opção ou não, nelas vivem e de cumprir a função social que lhes está associada na política de solos que promovam, no acesso à habitação que garantam, no estilo de vida que favoreçam, nos padrões, de consumo que estimulem, na rede de transportes que criem, nos equipamentos que ofereçam, na participação dos cidadãos que assegurem.
Cidades que importa, na dimensão dos problemas que as afectam, pensar a outra escala, à da iniciativa local, é certo, mas cada vez mais na sua interligação à escala regional e nacional na perspectiva do sistema que entre si têm de constituir; cidades que importa sobretudo pensar diferentemente para garantir que o ambiente urbano, a humanização e a sustentabilidade são possíveis, quanto a nós, dentro da clara compreensão dos limites que ao seu próprio crescimento têm de urgentemente ser definidos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é pois neste contexto que, perante a gravidade da situação que a questão urbana hoje no nosso país coloca e o colapso eminente que a não tomada de decisões acarreta, o debate se situa.
Debate na óptica do interesse público, do equilíbrio ecológico e dos direitos urbanos dos cidadãos que aos mais diversos níveis importa corporizar, quer se trate do direito ao espaço, ao silêncio, à mobilidade, à saúde, à paisagem ou à memória, quer se trate do direito à habitação, à segurança; aos equipamentos, aos transportes, à participação.
Debate na óptica das múltiplas carências, problemas e atrasos estruturantes que nas áreas urbanas se continuam de há décadas a manifestar sem que se tenha visto qualquer tradução quer ao nível das opções quer dos investimentos que permitam visualizar contornos de uma diferente concepção de desenvolvimento e de uma nova estratégia para as equacionar, seja ao nível do tratamento dos lixos, dos transportes, da mudança da política de solos, seja da adopção de políticas sociais que correspondam à inversão daquela que tem sido a sua lógica de prioridades, isto é, acentuando o desequilíbrio entre as camadas mais empobrecidas.
Debate, ainda, na óptica da compreensão urgente do carácter finito que ao próprio crescimento das cidades tem de ser definido e do compromisso que nessa perspectiva terá de ser adoptado.
Debate na óptica da adopção em Maio de 1994, na Conferência Europeia Sobre a Sustentabilidade das Cidades, da Carta de Aalborg que, como guia de conduta, deveria ter sido adoptada e que, como letra morta,, inutilmente permanece.
Mas debate dentro do outro grande debate que, à escala mais alargada, a comunidade internacional está hoje a fazer - bem ao nosso lado, na vizinha Espanha -, preparando-se para a Conferência das Nações Unidas sobre Povoamentos Humanos, a realizar entre 3 e 14 de Junho deste ano, em Istambul, do qual estranhamente nada se sabe, em relação ao qual o silêncio é total, do qual vamos ficar alheados, perdendo a oportunidade de discutir a função social da cidade que à mera lógica de mercado não pode continuar subjugada. Perdemos, assim, a oportunidade de discutir o espaço urbano como um património que é, em primeiro lugar, da comunidade, perdendo a oportunidade de discutir novas formas de gestão, de transparência, de diálogo e de participação democrática que dêem corpo à cidadania, perdendo a oportunidade de discutir a cidade em si mesma, como projecto, como futuro, com sustentabilidade, envolvendo nessa discussão a sociedade civil e todos aqueles que são agentes culturais, sociais, políticos e cívicos de uma cidade que importa construir diferentemente e para a qual nós, Os Verdes, dentro e fora desta Assembleia não deixaremos de contribuir e participar. Mas queremos uma cidade que, para ser construída diferentemente, tem de ser partilhada por todos, o que claramente, para já, continua como questão adiada.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seis meses depois da tomada de posse do Governo do Partido Socialista a agricultura e os agricultores portugueses continuam a não vislumbrar um horizonte de mudança e de esperança para o seu futuro.
O Governo, em particular o Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, não pode alegar desconhecimento das causas que estão na base de uma brutal quebra de 25% em termos reais dos rendimentos dos agricultores portugueses desde a adesão, ignorar que a taxa de cobertura do comércio agro-alimentar se situa hoje nos

Página 1841

18 DE ABRIL DE 1996 1841

35%, o que significa um preocupante baixo nível de segurança alimentar nem desconhecer que, apesar dos meios financeiros transferidos para o país no âmbito do FEOGA-Orientação totalizarem 345 milhões de contos, o investimento estruturante no sector baixou 14% no mesmo período desde 1986.
Não pode igualmente desconhecer que só o pagamento de juros e rendas pelos agricultores, entre 1986 e 1995, excedeu em 45 milhões de contos o valor recebido em subsídios, o que é um forte indicador da descapitalização e do endividamento dos agricultores traduzido, além do mais, em cerca de 70 milhões de contos de crédito agrícola malparado assim como tem a obrigação de conhecer a discriminação a que estão sujeitas as pequenas explorações familiares no acesso aos apoios sócio-estruturais, traduzida no facto de as explorações com menos de 5 ha, que representam 8,1 % do total das explorações do país, só terem sido beneficiadas com pouco mais de 25% do total dos projectos aprovados.
O Governo do Partido Socialista e o Ministro da Agricultura não podem enfim desconhecer que o investimento público nacional na agricultura é cada vez mais reduzido e que isso faz com que Portugal seja actualmente o país da União Europeia onde os apoios por activo agrícola são mais baixos. Também não é lícito pensar que o Governo desconhece que a chamada política de competitividade a todo o custo e a política suicida de abolição desregrada de fronteiras, que só serve aos grandes países e explorações exportadoras e às transnacionais agro-alimentares, está não só a liquidar a nossa agricultura como a permitir a entrada em Portugal de todo o tipo de produções muitas vezes sem identificação de origem nem controlo de sanidade.
Por último, o Governo e o Ministro da Agricultura não podem ignorar que o aparelho do Ministério está preenchido, nos lugares decisivos, por altos quadros do PSD e da CAP responsáveis pelas gravíssimas consequências da política agrícola seguida nos últimos 10 anos, cujos dados acabei de referir, designadamente pelo tráfico de influências, ilegalidades e corrupção que atravessaram o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas.
Só que já lá vão seis meses e, no que é essencial e estruturante, mantêm-se as mesmas políticas, as mesmas orientações e os mesmos quadros a executa-las.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Oradora: - Os regulamentos de acesso aos apoios comunitários e nacionais não foram alterados, ó que significa manter afastados desses apoios mais de metade dos agricultores, portugueses e, em particular, os pequenos agricultores.
Os agricultores continuam a não dispor de informações nem de estabilidade para definirem os sistemas produtivos por que devem optar e o Ministro Gomes da Silva, ao sublinhar, como fez aqui na Assembleia da República, que só há viabilidade para sistemas produtivos que aguentem as actuais condições desequilibradas e desiguais de funcionamento dos mercados, está a condenar a agricultura portuguesa ao quase total desaparecimento. O exemplo mais recente é o leite. Se não forem tomadas medidas urgentes que impeçam a descida do preço ao produtor e apoiem a recolha em zonas difíceis, milhares de pequenos produtores terão de desfazer-se do seu efectivo e abandonar a actividade e um património de dezenas de salas de ordenha colectiva, pagas com os dinheiros públicos, ficará sem utilização.
O associativismo dos produtores não foi alvo de nenhuma medida significativa e o sector cooperativo continua sem políticas de viabilização.
O investimento público nacional baixou ainda mais como se constatou no Orçamento e prevêem-se graves dificuldades nos próximos meses para o financiamento de importantes programas de investimento e de associativismo.
Ao nível do PAMAF e da formação profissional tudo continua bloqueado com graves prejuízos para quem assumiu compromissos confiando nos protocolos e acordos assinados com o Estado. O Governo tem de esclarecer esta situação publicamente e encontrar formas que assegurem o cumprimento das responsabilidades do Estado.
As taxas de juros e os preços dos factores de produção continuam em níveis que tornam inglório qualquer esforço de competitividade. Pelo contrário, o preço do gasóleo para a agricultura, ao contrário das promessas do Partido Socialista, aumentou 4$ por litro desde Outubro.
Continuam a não ser definidas políticas de desendividamento, contrariando as promessas feitas, o que pode levar ao desaparecimento, a curto prazo, de muitas e muitas explorações agrícolas mesmo entre aquelas que mais "competitivas" se apresentavam.
No plano da Comunidade, do seu alargamento, da Política Agrícola Comum e das políticas comerciais não vemos da parte do Governo português (exceptuando alguma vozearia alta para consumo interno) quaisquer propostas de fundo no sentido de alterar radicalmente aquelas políticas, garantir o respeito pela diversidade das agriculturas existentes, assegurar políticas específicas de apoios para as agriculturas e as produções do sul, avançar com a imposição de limites máximos no apoio às grandes explorações e às agriculturas intensivas libertando meios para as explorações familiares, para o sector cooperativo e para as agriculturas menos desenvolvidas, alterar a política 'neo-liberal de desregulamentação e abolição das fronteiras. A este propósito, queremos anunciar que brevemente iremos apresentar uma iniciativa visando criar um Observatório dos Mercados e das Importações Agro-Alimentares que contribua para uma melhor informação e controlo das importações de produtos agrícolas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Oradora: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, também no plano interno e orgânico, o Governo do Partido Socialista e o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas nada fazem para modificar a situação herdada do PSD nem sequer para tornar públicas as malfeitorias herdadas do Governo anterior. Por isso, daqui lançamos ao Governo quatro desafios.
Desafiamos o Governo a informar o País das graves situações de ilegalidades e corrupção que envolvem a política florestal, a criação das sociedades PEC, a Rede Nacional de Abate e a privatização dos matadouros, as questões da caça ou as aprovações e financiamentos de projectos que nunca viram a luz do dia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Oradora: - Desafiamos o Governo a informar o País sobre quantos milhões de contos foram entregues à CAP e quantos funcionários do Ministério pagos pelos contribuintes estão ao seu serviço.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É bom sabermos!

Página 1842

1842 I SÉRIE - NÚMERO 58

O Oradora: - Desafiamos o Ministro da Agricultura a tornar públicos os factos concretos que estão na base da acusação de falta de transparência, com prejuízo para os agricultores e para o serviço público, na gestão e execução dos milhões de contos do PAMAF que levaram à demissão, que não contestamos, de um alto funcionário do Ministério.
Desafiamos o Ministro da Agricultura a dizer porque está a nomear ou mantém em lugares de alta responsabilidade e confiança política altos quadros responsáveis pelas políticas anteriormente seguidas e pelas irregularidades cometidas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Oradora: - Porque mantém à frente do IPPA (Instituto de Protecção da Produção Agro-Alimentar) e no Grupo de Acompanhamento da BSE aqueles que, de 1990 a 1993, foram responsáveis pelo encobrimento da doença das "vacas loucas"? Como se justificam as nomeações para a administração da Companhia das Lezírias (e, aqui, é preciso que se esclareça tudo o que houver para esclarecer quanto à respectiva gestão)? Como se justifica, por exemplo, que, em Trás-os-Montes, se mantenham na gestão da política florestal consabidamente responsáveis pelo mar de ilegalidades e corrupção na execução do PAF, que, aliás, nós próprios trouxemos a este Plenário na última legislatura? Ou como se justifica que o mesmo aconteça nas PEC e no IROMA?
Estes comportamentos políticos - por encobrimento, por omissão ou por acção - só têm duas leituras, qual delas a mais grave: ou há uma atitude contemporizadora com as ilegalidades e o tráfico de influências oriundas do PSD ou, então, é a confissão de que as políticas são as mesmas e, portanto, os altos quadros que as executam também são os mesmos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Oradora: - Além do mais, de tudo isto resulta desorientação e paralisação que estão a minar largos sectores do Ministério da Agricultura de que, obviamente, muitos procuram aproveitar-se, como factos recentes aí estão para o ilustrar, em prejuízo do apoio e da confiança que deveria ser transmitida aos agricultores portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seis meses de Governo era tempo suficiente para que, no mínimo, novos sinais efectivos de mudança de política tivessem sido emitidos para a agricultura portuguesa. Tal não aconteceu e as dificuldades aí estão a crescer e a desilusão aí está a desenvolver-se. Não partilhamos da ideia do Sr. Ministro de que a agricultura portuguesa se limite no futuro a pequenas ilhas e mesmo essas sem garantia de viabilidade futura:
Se não forem urgentemente tomadas medidas de fundo, como as que aqui elencámos, que alterem os rumos da agricultura, que transmitam confiança e esperança no futuro, se se prosseguir no essencial com a mesma política
agrícola, os mesmos protagonistas, as mesmas nefastas influências da CAP, então Srs. Deputados, terão do PCP, ontem como hoje, a mais firme oposição.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Duarte, António Maninho e Miguel Ginestal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte:

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, trouxe hoje à discussão um sector que foi flagelado no passado, como arma de arremesso político - e constatou-se que, muitas vezes, injustamente - e empolando as situações.
Ora, estando o Partido Socialista no poder há seis meses, certamente se esperaria as mudanças que, durante oito anos, o PS andou a apregoar. Esperar-se-ia certamente que cada uma das freguesias do País tivesse publicado os apoios concedidos a cada um dos agricultores. Era isto que os então Deputados do PS, António Campos e Capoulas Santos, diziam que iriam fazer no seu primeiro dia de governação. Esperar-se-ia que o preço do gasóleo para os agricultores diminuísse e se aproximasse dos valores médios praticados na Europa. Mas, tal como V. Ex.ª afirmou, o gasóleo aumentou de preço desde Outubro até hoje e, ao contrário do que foi promessa eleitoral do Partido Socialista e do que é o Programa do Governo, em Portugal, o gasóleo para os agricultores está mais caro do que nos outros Estados membros. Por isso, é importante avaliarmos hoje a situação no sector agrícola e no próprio Ministério.
Por exemplo, consideramos lamentável que o Governo tenha prometido uma lei orgânica para o Ministério e que neste momento mantenha todas as chefias em gestão, isto é, ninguém sabe quem manda no Ministério da Agricultura.

O Sr. António Martinho (PS): - Felizmente não é o Arlindo Cunha!

O Oradora: - Assim, não se pode ter ideia da eficácia das medidas que são tomadas e os agricultores são quem sofre as consequências negativas desta situação.
Ao contrário do fez o governo do PSD, que, em Fevereiro e Outubro de 1992 e em Maio de 1993, veio à Comissão de Agricultura e Pescas discutir a alteração à Lei Orgânica do Ministério, que foi publicada em Abril de 1993, o Governo do Partido Socialista apenas apresentou um documento contendo as suas intenções genéricas de alteração da referida lei.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, posto isto, gostaria de colocar-lhe uma questão simples, a V. Ex.ª que esteve ligado ao sector agrícola numa região específica do País, o Alentejo. Há um mês, no Congresso do Alentejo, o Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas apresentou, como grande aposta decisiva, a prorrogação do apoio aos cereais para além do ano 2002. Ora, sabe-se que o Governo do Partido Socialista nunca durará até essa data, portanto, pergunto a V. Ex.ª se considera correcta esta medida anunciada pelo Sr. Ministro ou se, pelo contrário, não lhe parece que deveriam ser considerados apoios concretos, a serem concedidos de imediato a agricultores de regiões mais desfavorecidas, em vez de o Governo andar a preocupar-se com o que vai passar-se no século XXI, já que, face ao mandato que lhe foi conferido pelo eleitorado e contando com o apoio desta Assembleia, deveria estar preocupado em apoiar a agricultura portuguesa no presente.
Por outro lado, gostaria de saber o que pensa sobre a situação dos agricultores portugueses que, tendo-se candidatado aos apoios comunitários, ainda nada receberam nenhum desses apoios desde que, há seis meses, está em funções o actual Governo do Partido Socialista. Os agricultores mantiveram as suas candidaturas, mas não há qualquer decisão, nem de aprovação nem de rejeição das mesmas. Por isso, estamos preocupados com a actual indefinição em relação ao apoio ao desenvolvimento da agri-

Página 1843

18 DE ABRIL DE 1996 1843

cultura portuguesa, que consideramos fundamental, e com esta apatia do Governo socialista.
Sr. Deputado, gostaria de saber a sua opinião em relação a estas matérias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.ª trouxe a este Hemiciclo um conjunto de preocupações que também partilhamos.
É um facto que partilhamos preocupações que têm a ver com o endividamento dos agricultores, com os juros altíssimos pagos pelos agricultores relativamente aos empréstimos que lhes foram concedidos. Só que, como sabe, a responsabilidade por essa política do escudo caro é do partido do nosso colega Deputado Carlos Duarte que, agora, veio aqui deixar um conjunto de "atoardas" sobre política agrícola.
É que, Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.ª sabe que recebemos o país agrícola e o país rural num caos! Queremos transforma-lo e reabilita-lo, mas - convenhamos! - dêem-nos tempo para que seja possível pôr em prática outras políticas que não as que vieram do governo anterior e que tão graves prejuízos trouxeram ao País, ao mundo rural, aos agricultores.
Temos medidas para implementar, algumas das quais já estão a ser postas em prática. Mas o Sr. Deputado Lino de Carvalho reconhecerá que são as medidas que decorrem do nosso programa eleitoral, o qual foi sufragado pelo eleitorado, e que, portanto, não podemos implementar as medidas do programa eleitoral do seu partido. Naturalmente, nalguns casos, serão semelhantes e serão postas em execução, mas repito que as medidas de fundo a pôr em prática são as que decorrem do nosso próprio programa eleitoral que foi sufragado.
A propósito, posso anunciar desde já algumas dessas medidas. Por exemplo, o Sr. Deputado certamente reconhece que, em relação ao problema que actualmente mais está em debate na opinião pública, o da BSE, a atitude deste Governo é totalmente diferente da do governo anterior. O PS está a demonstrar que tinha razão, que trata este assunto com grande sentido de responsabilidade, com rigor, sem alarmismo. Aliás, o Governo pôs já em execução um conjunto de medidas que são reconhecidas como positivas.
Quanto a medidas de política global, recordo ao Sr. Deputado, por exemplo, no que diz respeito às quotas do leite, a atribuição, através da reserva nacional, de 115 000 l. de leite a cerca de 1200 produtores que passaram a ter quota devido à decisão do Governo. Recordo também a redução dos custos dos factores de produção através da duplicação do subsídio à energia eléctrica, de 20% para 40%, e o alargamento da sua aplicação às associações de regantes, que não tinham subsídio e passaram a ter devido à nossa decisão; a instituição da ajuda ao transporte de maçãs destinadas à transformação industrial, que não havia e passou a haver; o desencadeamento do processo negocial com os parceiros sobre a revisão da Lei da Caça; a defesa, junto da Comunidade, de interesses vitais para os portugueses, como , por exemplo, para a produção do arroz ( escuso de recordar aqui as negociações desse debate); o pagamento de indemnizações no montante de 100 000 contos a proprietários cujos efectivos de suínos foram afectados pelos vírus da doença vesiculosa e que, em consequência, tiveram de ser abatidos - foram tomadas medidas concretas nesta matéria que, antes, não existiam. E há outras medidas que já serão do seu conhecimento.
É um facto que, para executar políticas, é preciso que haja agentes para tal e é necessário que quem estiver à frente dos institutos e das organizações seja capaz de pôr em execução a política do programa eleitoral do PS e da nova maioria, sufragada em 1 de Outubro, e é necessário criar condições para que isso se faça.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, começo pelo final da sua intervenção.
Estou verdadeiramente estupefacto pelo seguinte: uns, sentados na bancada que está à minha esquerda, acusam-nos de todos substituirmos rapidamente sem qualquer critério, outros, sentados na bancada da direita - o PCP - vêm hoje a esta Casa acusar-nos precisamente do contrário, de ninguém substituirmos. Estou estupefacto com esta incoerência de posições, mas também estou suficientemente legitimado pelo facto de, finalmente, haver um partido que concluiu que quando o Governo do PS tiver de substituir as pessoas será por motivos ligados ao desenvolvimento de uma política eficaz, nomeadamente no sector agrícola.
Sr. Deputado, se V. Ex.ª entende que é necessário operar mudanças no sector agrícola, concordará connosco que chegou a altura de estruturar a máquina funcional do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas. Concordará também, tal como julgo que disse, que a revisão da Lei Orgânica do Ministério é uma medida fundamental para que, finalmente, se dêem respostas concretas ao sector agrícola em Portugal. Concordará V. Ex.ª em que a estrutura funcional que nos foi legada pelo anterior governo não responde às necessidades do sector agrícola e compreenderá que a postura do Partido Socialista é diferente da do governo anterior. A nova proposta de Lei Orgânica do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas está pronta, só que, diferentemente do passado, agora, estamos a ouvir os serviços e os agentes do sector agrícola. Apenas por esse motivo é que a lei ainda não está publicada e não foi aprovada em Conselho de Ministros, já que, de facto, não queremos fazê-la à revelia do sector e dos seus agentes.
Já gora, Sr. Deputado, aproveito para dizer que V. Ex.ª veio aqui fazer a apologia de que, passados seis meses, nada está feito. Ora, Sr. Deputado, V. Ex.ª está nesta Casa há muitos mais anos do que eu próprio. Então, não é verdade que, ao fim de pouco mais de três meses, este Governo cumpriu uma sua promessa eleitoral, que também era uma reivindicação do PCP, implementando e regulamentando o seguro de colheitas, uma velha aspiração dos agricultores e, que desde então, tem vindo a ser objecto de manifestação públicas de satisfação por parte destes? Se calhar, VV. Ex.as têm é medo de perder uma "bandeira" que sempre acenaram, que é a dos agricultores, porque, se calhar, os agricultores têm, agora, pela primeira vez, um governo que olha pelas suas necessidades, implementando medidas e normas legais que dizem respeito às suas reais necessidades. lá agora, Sr. Deputado, entende que o seguro de colheitas é ou não uma medida positiva?
Por último, Sr. Deputado, durante 10 anos assistimos com manifesta tristeza ao desbaratar da nossa floresta. É ou não verdade que detectou uma postura diferente deste Governo do Partido Socialista perante a floresta portuguesa? É ou não verdade que, pela primeira vez, V. Ex.ª sentiu no Ministro da Agricultura uma vontade não só política mas efectiva de criar um normativo?

Página 1844

1844 I SÉRIE - NÚMERO 58

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
V. Ex.ª não detectou no Sr. Ministro a abertura política necessária para, em conjunto com todos os partidos, se encontrar nesta Casa, com o vosso contributo, uma. lei de desenvolvimento florestal? Considera ou não que essa. atitude corresponde a uma mudança efectiva e a uma postura diferente da adoptada no passado?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado António Maninho. Registei que também partilha as nossas preocupações, uma vez que as elencou...

O Sr. António Maninho (PS): - Falei de algumas!

O Oradora: - Falou. ainda do problema da reestruturação do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e dos quadros que estão a executar as políticas do Ministério e terminou dizendo que é preciso ter à frente das instituições pessoas que ponham em prática as opções do Governo. Quer com isto dizer, Sr. Deputado, que a bancada do Partido Socialista também partilha connosco as preocupações quanto à reestruturação que está a ser feita, em virtude de o Governo e o Ministro manterem em altos cargos do aparelho do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas dirigentes da Administração Pública que foram responsáveis por irregularidades, corrupção, falta de transparência e, no caso concreto da audição parlamentar que estamos a fazer na Assembleia da República, pelo encobrimento das "vacas loucas"? Foi isso que o Sr. Deputado quis dizer, mas não teve a coragem de explicitar?! Se a resposta for afirmativa, também o acompanho nessas preocupações.
Diz o Sr. Deputado: "dêem-nos tempo". Nós damos tempo, Sr. Deputado, mas a questão é saber se é possível fazer políticas diferentes com os mesmos quadros! Ao longo destes seis meses, que medidas estruturantes e de fundo foram aplicadas?

O Sr. António Martinho (PS): - Algumas!

O Oradora: - O Sr. Deputado falou de promessas eleitorais. Dou-lhe dois ou três exemplos: as políticas de desendividamento para os agricultores era uma grande bandeira do Partido Socialista e é hoje uma questão real que se coloca ao sector.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Oradora: - Mas nenhuma medida foi tomada até agora, nem está em perspectiva de vir a ser, com a excepção do prolongamento das bonificações em linhas de crédito que, como sabe, pouco ou nada resolve.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Não é verdade!

O Oradora: - O preço dos factores de produção: o gasóleo para a agricultura aumentou, desde Outubro até hoje, 4$ por litro, ao contrário do que tinha sido prometido e do que foi dito pelo Sr. Ministro na Comissão.

O Sr. António Martinho (PS): - Mas o subsídio não diminuiu!

O Oradora: - Outra promessa: a alteração das condições de acesso dos agricultores aos fundos comunitários. Como o Sr. Deputado sabe, os actuais regulamentos afastam mais de metade dos agricultores portugueses do acesso aos apoios comunitários e não ocorreu qualquer alteração nesse domínio. Portanto, o que hoje acontece é que grande parte dos agricultores portugueses continuam afastados dos apoios comunitários e o Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, que a perspectiva não vai ,no sentido de alterar essa situação. Pelo contrário, os condicionamentos financeiros que envolvem a política agrícola em Portugal, os fracos níveis de investimento público e, enfim, os condicionamentos das políticas de Maastricht irão agravar ainda mais a situação dos sectores agrícolas em Portugal.

O Sr. António Martinho (PS): - Isso é política comunitária, como sabe!

O Oradora: - Portanto, em matéria de execução das promessas eleitorais, muito pouco foi feito, muito menos em questões de fundo.
Quanto ao problema da BSE, como está a decorrer uma audição, não vou aqui antecipar as suas conclusões, mas deixo uma breve nota. Esta manhã ouvimos vários depoentes referir que as medidas anunciadas pelo Governo há 15 dias ainda não estão a ser executadas. Esta era uma matéria que exigia rapidez e celeridade na intervenção do Governo, bem como a adopção imediata de medidas de confiança em relação aos produtores e consumidores!
Sr. Deputado Miguel Ginestal, em relação à alteração da Lei Orgânica, do Ministério teremos de aguardar. Tudo depende da alteração que se fizer: que estrutura, que descentralização, que relação com os produtores? Todos esses aspectos ainda estão por definir, Sr. Deputado.
Quanto ao seguro de colheitas, devo dizer que o Sr: Deputado está mal informado. Leia! Sabe que, no essencial, a legislação que saiu mantém as mesmas discriminações que existiam anteriormente? Na realidade, os produtores continuam a ser indemnizados em função não dos riscos que as plantas correm de acordo com o seu estado vegetativo, mas de calendários em que ocorrem as intempéries, tal como acontecia até agora, isto é, os agricultores vão continuar, no essencial, fora da cobertura dos riscos.
Relativamente à floresta, volto a dizer o mesmo: continuamos a ter nos altos cargos da administração florestal aqueles que foram responsáveis pela política florestal desregrada deste país, ao longo dos últimos anos.
Sr. Deputado Carlos Duarte, em relação ao problema do apoio aos cereais, entendo que a opção do Governo é errada, ou seja, também penso que é preciso criar políticas de reordenamento dos sistemas produtivos que permitam viabilizar uma cultura cerealífera em Portugal - não a podemos dispensar. Nesse sentido, há que criar os apoios necessários, mas é preciso, sobretudo, fazer uma política de alteração dos sistemas produtivos, criando sistemas produtivos diversificados que dêem futuro à agricultura portuguesa no quadro actual em que funciona.
Portanto, o anúncio feito pelo Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas no congresso do Alentejo, promovido pela CAP, é, obviamente, mais um favor aos agentes proprietários e à CAP! Mas, Sr. Deputado Carlos Duarte, o Sr. Ministro Gomes da Silva, nesse

Página 1845

18 DE ABRIL DE 1996 1845

aspecto, não fez mais do que aquilo que os senhores fizeram, durante 10 anos, no Governo!

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Nada disso!

O Oradora: - Ou seja, privilegiaram a cultura cerealífera, porque essa era a vossa massa de apoio e a base de apoio da CAP. É isso que condenamos! Não se trata, portanto, de uma questão de tempo, porque seis meses é mais do que tempo suficiente para haver novos sinais, orientações e ideias quanto às alterações de fundo relacionadas com a agricultura portuguesa. E isso que tarda ou, se existe, ninguém se apercebe no País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Alegre pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, dirijo-me a V. Ex.ª para que, deste modo, possa ficar registado no Diário da Assembleia da República que a 17 de Abril de 1969 - faz hoje, precisamente, 27 anos -, o então presidente da Associação Académica de Coimbra e hoje Deputado Alberto Martins, na sala de matemáticas que nesse dia era inaugurada, pediu a palavra ao ex-Presidente Américo Tomás. Palavra que, então, lhe foi negada. Era o princípio da crise académica de 1969 e foi um momento particularmente significativo da luta dos estudantes portugueses pelos seus direitos e pela liberdade de todo o povo português.
Foram momentos como esse e gestos com essa carga simbólica que abriram o caminho que haveria de conduzir à queda da ditadura e à instauração da democracia. Penso que é de toda a justiça que esse dia e esse gesto fique assinalado nesta Casa que é, por excelência, a casa da democracia.

Aplausos do PS, do PSD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, todos lembramos esse dia e esse gesto. Fica registada a sua intervenção.
Encontram-se ainda inscritos para intervir na segunda parte do período de antes da ordem do dia os Srs . Deputados Paulo Pereira Coelho, Francisco Camilo e Carlos Marta. Como não dispomos de tempo suficiente, ficam inscritos para o primeiro período de antes da ordem do dia posterior a esta sessão.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão da proposta de resolução n.º 4/VII - Aprova, para ratificação o Acordo Suplementar ao Acordo Geral Sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa, concluído entre Portugal e o Conselho da Europa, referente ao Centro Europeu para a Interdependência e Solidariedade Mundiais, assinado em Estrasburgo aos 15 de Dezembro de 1994.
Para resumir o parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis. Peço-lhe que seja o mais breve possível, porque temos muito pouco tempo para cumprir a ordem de trabalhos de hoje, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, a síntese mais breve que se pode fazer é dizer que, sob um outro número, este mesmo diploma já tinha sido apresentado à Assembleia da República na última legislatura e só não chegou nem foi votado em Plenário pela simples razão de, entretanto, ter terminado a legislatura.
Na realidade, não há muito a dizer. Trata-se de um documento que carece, segundo a lei e o nosso Regimento, de ser ratificado pela Assembleia da República, como tratado internacional que é, e que obedece a todas as condições legais para o ser. Nele consagra-se uma situação já existente - refere-se ao Centro Norte-Sul que, desde 1990, trabalha entre nós - e, por isso, penso que a Assembleia já o deveria ter ratificado há muito tempo.
Nada mais tenho a dizer, a não ser que é oportuno fazê-lo.

O Sr. Presidente: - Para fazer a apresentação da proposta de resolução n.º 4/VII, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria de apresentar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara cumprimentos, em nome do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. O facto de estar a acompanhar o Sr. Primeiro-Ministro na sua deslocação ao Brasil impede-o de estar aqui hoje, em Plenário.
O Centro Europeu para a Interdependência e Solidariedade Mundiais é um organismo do Conselho da Europa criado em 1989 como projecto piloto, encontra-se sediado em Lisboa e, aliás, até muito recentemente, o seu Conselho Executivo era presidido pelo Sr. Professor Vítor Crespo, ex-Presidente da Assembleia da República.
Trata-se de um organismo com uma estrutura quadripartida, visto que, para além da representação dos governos, tem representantes, quer dos parlamentos, quer de associações não governamentais, quer de autoridades locais e regionais, que tem por objectivo sensibilizar a opinião pública da Europa para as questões de interdependência global, de defesa dos direitos humanos e do respeito da democracia, como elementos fundamentais de um desenvolvimento sustentado.
O Centro conta hoje com 14 membros e a sua acção, que se vem desenvolvendo desde 1990, justificou que o Conselho da Europa aprovasse a sua continuidade em 1993.
Como foi sinalizado pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis na apresentação do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, o Acordo Geral de Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa, a que Portugal aderiu em 1982, abrange também este organismo. Contudo, este Acordo Geral não permite nem cobre algumas garantias essenciais que decorrem da especificidade deste centro. Não abrange, por exemplo, o tratamento das questões de privilégios e imunidades referentes ao estabelecimento do Centro em Lisboa, em particular as que se referem à garantia de um estatuto adequado aos seus funcionários, tais como a imunidade geral de jurisdição relativa aos actos praticados no exercício das suas funções ou a protecção e segurança que lhes são asseguradas pelas autoridades portuguesas, bem como as instalações e arquivos do Centro.

Página 1846

1846 I SÉRIE - NÚMERO 58

Daí a necessidade deste Acordo Suplementar, negociado pelo anterior governo,- que carece da ratificação da Assembleia da República. O Governo trouxe-o aqui para que o Parlamento, querendo, o possa ratificar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Já foi dito, pelo Sr. Deputado relator e pelo Sr. Secretário de Estado, o essencial sobre a ratificação deste diploma.
Na realidade, não há muito a acrescentar, a não ser o facto de o mesmo se inserir dentro do âmbito geral ou do quadro jurídico de privilégios e imunidades que, à semelhança do que acontece com a Convenção de Viena para as embaixadas e consulados, contemplam instalações e funcionários. Ora, esse regime também deve ser conferido, por extensão, ao Centro de Interdependência e Solidariedade Mundiais, com sede em Lisboa, ficando, quer as suas instalações, quer os seus funcionários, abrangidos pelos, privilégios e imunidades contemplados no Conselho da Europa, uma vez que os mesmos se inserem dentro do quadro geral ao abrigo da Convenção de Viena, que Portugal ratificou.
Não tenho mais nada a acrescentar, Sr. Presidente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, dispenso a intervenção, pois penso que está tudo dito. Aliás, como referi há pouco, o acordo já devia estar ratificado e, por isso, estamos a perder tempo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aprovação do Acordo Suplementar ao Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa concluído entre Portugal e esta organização e referente ao Centro Europeu para a Interdependência e Solidariedade Mundiais vem, de certo modo, dar o devido enquadramento jurídico a uma instituição criada em 1989 e estabelecida em Lisboa, em 1990, que, em pouco mais de cinco anos, realizou um trabalho efectivo e um conjunto de acções de grande importância.
Julgo que é legítimo e será certamente útil referir o que foi feito em pouco mais de cinco anos, aliás, julgo que devo mesmo fazê-lo, uma vez que tenho acompanhado esta instituição.
No que se refere ao texto do Acordo, devo sublinhar que, no artigo 3.º, o Governo português se compromete a fornecer instalações apropriadas ao Centro, mas, na verdade, o Centro ainda não dispõe de instalações com espaço suficiente para as suas actividades e para albergar a documentação de que já dispõe.
Como o Sr. Secretário de Estado disse, e quero também sublinhar esse ponto, o Centro não é administrado exclusivamente como uma instituição intergovernamental. Trata-se de uma instituição pioneira e, de algum modo, original, na medida em que funciona com base num sistema de co-administração, envolvendo parlamentares, governos, organizações não governamentais e poderes locais e regionais, que participam nas actividades ao nível dos seus próprios países.
Importa recordar que o Governo do PSD, com forte apoio dos Deputados que, então, integravam a delegação à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, em 1989, conseguiu que esta instituição ficasse sediada em Lisboa. Recordo-o por uma questão de elementar verdade e de justiça, sem que isso signifique vangloriar-me excessivamente por algo que foi extremamente útil e inovador e que fizemos com a consciência de estarmos a contribuir não apenas para o nosso bem mas também para o bem de - outros com os quais temos ligações históricas muito profundas.
Tendo o Conselho da Europa o objectivo de promover os direitos da pessoa humana e os valores comuns aos povos da Europa, bem como o de reforçar a cooperação nos domínios sociais, culturais, da educação, da ciência e tecnologia, da protecção das minorias, da harmonização da legislação entre os Estados membros em diversos domínios, e sendo certo que se trata de uma organização pioneira, das primeiras que surgiram depois da guerra, por que razão deliberou abrir este processo? Diria, em .primeiro lugar, que o fez por entender que os direitos da pessoa humana e a aspiração de todas as pessoas à paz são universais e indivisíveis e devem valer para todos, em todos os pontos do mundo. De algum modo, a escolha de Lisboa reflecte, o humanismo universalista dos portugueses, a sua abertura aos outros, o carácter pioneiro da nossa acção no encontro de pólos e culturas diferentes.
Mas fê-lo também por serem seus objectivos a promoção da democracia pluralista e dos direitos humanos e a oferta de um quadro para a cooperação, em matéria de sensibilização das opiniões públicas para a indispensável solidariedade mundial.
Para atingir estes objectivos, o Centro tem promovido projectos próprios e em parceria com outras instituições e organizações governamentais, visando basicamente a informação ao público, as relações com os media, a educação, a formação para a interdependência e a solidariedade mundiais.
Mas refiro também os diversos seminários, estágios de formação já organizados e o programa em curso para a juventude.
Sendo as actividades deste Centro suportadas, evidentemente, de forma proporcional, pelos vários Estados membros, Portugal tem beneficiado de encontros internacionais que o Centro promove no nosso país, e devo recordar, em especial, os realizados em colaboração com a nossa Assembleia, nomeadamente sobre a democracia e os direitos do homem, o papel das mulheres no mundo interdependente e, mais recentemente, a problemática mundial da droga. Todos eles tiveram assinalável impacto no exterior, trouxeram muitas pessoas interessadas e competentes a Lisboa e reafirmaram o papel de Portugal como, lugar de encontro e de promoção da compreensão entre os povos do chamado Norte/Sul - utilizo esta designação, que, aliás, considero imprópria e ultrapassada, apenas para abreviar.
Mas refiro ainda outros domínios de importância, como o estudo sobre a prevenção de .conflitos, em colaboração com organizações das Nações Unidas, visando estimular a chamada diplomacia preventiva, que evita o desencadear da engrenagem que leva aos conflitos, e o papel da juventude, estimulando o conhecimento e a confiança entre todos os jovens, a difusão de material pedagógico em escolas de Portugal e de outros países.
Neste momento, em Portugal, desenvolve-se um interessante projecto, denominado "Pensar Ambiente", em co-

Página 1847

18 DE ABRIL DE 1996 1847

laboração com autarquias, indústrias, Conselho Nacional da Juventude, organizações de escuteiros e diversas organizações não governamentais para o desenvolvimento, tendo em vista sensibilizar e formar pessoas e distribuir material pedagógico sobre o problema dos resíduos urbanos, entre outros. Este projecto deverá ser alargado a outros países, nomeadamente mais a Sul, a países lusófonos, para troca de impressões sobre a situação de cada um deles neste domínio.
Finalmente, refiro as inúmeras acções de informação e sensibilização para o desenvolvimento sustentável. Com efeito, o Centro tem uma missão que considero essencial, que é a de lembrar que a melhoria das relações entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento não é só uma questão moral de solidariedade mas representa também um interesse de todas as gerações actuais e futuras de todos os povos do mundo, porque a missão do Centro inclui a defesa vigorosa da promoção dos direitos da pessoa e da democracia pluralista, como elementos fundamentais do desenvolvimento sustentável e duradouro, porque o direito ao desenvolvimento é um direito englobante, é, simultaneamente, um direito/dever e um direito pessoal e colectivo, um direito das pessoas e dos povos.
Por todas estas razões, não podemos, de vivamente nos congratularmos com o facto de este Centro continuar a trabalhar em Lisboa e ter tão nobre missão, chamando a atenção para Portugal, fazendo de Portugal um centro de compreensão, um foco de luz, ao mesmo tempo que, aqui e ali, surgem vozes que querem voltar aos encerramentos do passado, a um certo egoísmo de carácter transpersonalista, invocando razões pretensamente históricas que, ao arrepio de toda a nossa tradição secular, poderiam acabar com a abertura tão grande que temos para com todos os povos, para com todos os homens, para com todas as pessoas, a qual nos singulariza e faz ser especialmente estimados e, porque não dizê-lo, especialmente amados em todos os pontos do mundo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a. palavra.

O Sn. Presidente: - Sr. Deputado, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para agradecer a preciosa lição que acaba de nos ser dada, mas também para perguntar o que é que ela tem a ver com a ratificação que nos é pedida. É que, de facto, fui chamado como relator para um propósito e não para um debate sobre a excelência ou não, que, aliás, reconheço, do "Centro Norte/Sul" e as vantagens da sua sede em Lisboa.
Mas faço uma pergunta: e se não fosse assim? E se funcionasse mal? Se não cumprisse a sua obrigação, mas, mesmo assim, Portugal quisesse que cá continuasse, devíamos ou não ratificar o acordo das imunidades e dos privilégios?
Parece-me que era essa a questão que se colocava a esta Assembleia e a essa questão só há uma resposta a; dar: já é tarde para só agora, em 1996, reconhecerem o direito à imunidade a um Centro que funciona entre nós desde 1990. Esta Assembleia já o deveria ter feito e, por isso, o mínimo que se lhe exigia era usar da maior parcimónia nas palavras e aprovar, quase sem discussão, um direito que já deveria ter sido concedido a um Centro internacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tanto posso interpretar a sua intervenção como uma segunda intervenção, aliás, tinha esse direito, como um pedido de esclarecimentos não qualificado.
De qualquer forma, o Sr. Deputado Pedro Roseta, ao que suponho, pede a palavra para responder a um pedido de esclarecimentos, pelo que vamos considerar como tal a intervenção do Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sim, julgo que sim! É evidente!

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado Pedro Roseta, uma vez que mais ninguém está inscrito, também pode ser uma segunda intervenção.
Se fizer uma segunda intervenção, dispõe apenas de 1.2 minutos, se der resposta ao pedido de esclarecimentos tem três minutos, porque a Mesa dá-lhe um pouco mais de tempo.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente,. nesse caso, posso responder ao pedido de esclarecimentos.
Sr. Deputado Nuno Abecasis, é evidente que,- nos primeiros minutos da minha intervenção, referi alguma coisa sobre o Acordo, chamando, nomeadamente, a atenção do Governo para o seu artigo 3.º, dado que o Governo tem de fazer alguma coisa para instalar melhor o Centro.
Aquilo que o Sr. Deputado Nuno Abecasis disse não tem, obviamente, razão de ser. Julgo que todos os partidos e todos os Deputados utilizam o tempo de que dispõem nesta Câmara como entendem e não excedi o meu tempo nem ó Sr. Presidente me chamou a atenção para isso.
Estando em debate uma matéria e uma instituição tão importantes, utilizei o meu tempo legitimamente, como é evidente, e não creio que o. Sr. Deputado Nuno Abecasis, qual Petrónio, seja o árbitro das elegâncias. Aliás, parece-me que, no seu partido, há quem tenha mais essa mania de querer ser árbitro das elegâncias e de julgar da oportunidade do que os outros dizem.
Dentro da minha competência como Deputado, entendi que era importante utilizar este momento - coisa que, muitas vezes, não tem sido feita nesta Câmara, a meu ver, mal - para sublinhar a colaboração deste Centro com a Assembleia da República e o importante papel que tem desenvolvido na defesa dos nossos valores e da nossa tradição universalista, pois julgo que é sempre bom insistir nesta matéria. ,
Portanto, se o Sr. Deputado Nuno Abecasis ficou aborrecido com isso, o problema é seu. Fi-lo, utilizando os escassos minutos de que dispunha e chamando a atenção para uma instituição que tem feito um bom trabalho e que, por todas os motivos, devemos encorajar e estimular, criando-lhe, nomeadamente, boas e adequadas condições - como se passa hoje, com esta ratificação - para funcionar como organização intergovernamental.
Mas, atenção, e com isto concluo, Sr. Presidente, em política, não gosto de referir apenas os aspectos instrumentais. Estes aspectos são importantes e temo-los debatido aqui muitas. vezes, más não podemos esquecer de que muito mais importante é o seu conteúdo.
Portanto, quando ratificamos este Acordo, fazêmo-lo, porque por detrás dele está algo de muito importante, que

Página 1848

1848 I SÉRIE - NÚMERO 58

é o universalismo, os direitos da pessoa, o direito ao desenvolvimento. Pessoalmente, fiz a intervenção que fiz, porque não gosto de falar apenas no invólucro, sem referir os objectivos, sem referir o conteúdo desse invólucro.
Julgo que estamos esclarecidos e, pelo que vejo, as minhas palavras, pelo menos em matéria de fundo, não deixarão de acolher uma certa unanimidade da Câmara.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pede novamente a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, para dizer que, francamente, não percebo a ingratidão do Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Presidente: - Qual é a figura regimental?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Não percebo a ingratidão do Sr. Deputado Pedro Roseta! Comecei por agradecer a lição que me tinha sido dada e o Sr. Deputado Pedro Roseta julga que a desprezei?!... Por amor de Deus!... Comecei por agradecê-la e, por isso, parece-me que o Sr. Deputado deveria dizer "Sr. Deputado, não tem nada que agradecer aquilo que lhe ensinei". É que aprendi alguma coisa!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas relevar uma pequena injustiça que o Sr. Deputado Nuno Abecasis cometeu, por certo involuntariamente, em relação à Assembleia da República. É que não foi a Assembleia que se atrasou na ratificação deste Acordo, dado que foi assinado em 15 de Dezembro de 1994 e desde essa data até há cerca de duas semanas esteve no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que só agora, numa das últimas três semanas, o enviou para a Assembleia da República, possivelmente por causa do tal artigo 3.º que tanto apaixona o Sr. Deputado Pedro Roseta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Outra vez, Sr. Deputado?! Para que efeito?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Agora é que tem de ser mesmo, Sr. Presidente. É que o Sr. Secretário de Estado está enganado, porque esta proposta já esteve aqui com outro número, como refere o meu relatório, na anterior legislatura, esteve até em sede de Comissão, mas não houve. tempo de subir a Plenário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como houve uma relativa convergência, diria uma quase total convergência de posições e uma vez que foi realçado que já se perdeu muito tempo para a ratificação deste acordo, eu, com o vosso assentimento, propendia a votá-lo desde já.
Como ninguém se opõe, vários proceder à votação global da proposta de resolução n.º 4/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo Suplementar ao Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa, concluído entre Portugal e o Conselho da Europa, referente ao Centro Europeu para a Interdependência e Solidariedade Mundiais.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Vamos passar, agora, à discussão do projecto de lei n.º 22/VII - Alteração ao Estatuto dos Gestores Públicos, da iniciativa do CDS-PP.
Para fazer a síntese do parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que agora vamos discutir visa alterar o Estatuto dos Gestores Públicas, que consta do Decreto-Lei n.º 464/82, e foi apresentado pelo Partido Popular.
Os proponentes deste projecto apresentam, para o efeito, três objectivos: criar uma maior responsabilidade do Estado e do Governo, enquanto proprietários e accionistas de empresas; criar uma maior responsabilidade dos gestores públicos e aumentar a capacidade de fiscalização da Assembleia da República sobre as empresas públicas.
Entre as diversas alterações, aquela que é, sem dúvida; a mais evidente tem a ver com, o facto de introduzir a Assembleia da República no processo de nomeação dos gestores públicos. E, sendo assim, entre a indigitação e a tomada de posse, os gestores públicos terão de vir à Assembleia da República onde, através de uma audição parlamentar aberta, deverão apresentar o seu currículo, bem como os projectos que pretendem aplicar na empresa para que se encontram indigitados, a fim de ser discutido, aqui, na Assembleia da República.
Este projecto de lei já foi alvo de uma primeira discussão em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano e algumas das conclusões fazem parte do relatório, nomeadamente, o facto de haver um consenso quanto à bondade dos fins visados no diploma: por um lado, á despolitização da nomeação dos gestores públicos, a qual deve respeitar essencialmente a competência técnica dos potenciais nomeados; por outro lado, o facto de introduzir a Assembleia da República no processo de nomeação dos gestores públicos, que, sendo um órgão político por excelência, pode contrariar os fins pretendidos.
Colocaram-se ainda questões sobre o porquê de não alargarmos esta audição parlamentar a outros altos dirigentes da Administração Pública, nomeadamente directores-gerais, embaixadores, que poderiam sofrer o mesmo processo, inclusivamente o de audição parlamentar na Assembleia da República.
Depois dessa discussão, que se prolongou por duas reuniões, os partidos políticos entenderam que o projecto em causa estava em condições de subir a Plenário, não deixando, porém, de reservar a sua posição final sobre o assunto para o Plenário.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei n.º 22/VII, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular apresentou nesta Câ-

Página 1849

18 DE ABRIL DE 1996 1849

mara um projecto que, segundo julgamos, não suscitará qualquer oposição significativa. Esta nossa convicção deriva do facto de a lei que regula o Estatuto dos Gestores Públicos estar profundamente desactualizada, quer nas suas normas, quer através da experiência prática que a aplicação dessa lei nos foi trazendo ao longo dos vários anos.
A desactualização desse Estatuto, aprovado por um governo da Aliança Democrática, pode aferir-se, desde, logo, a partir da leitura da exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, onde se dizia que o objectivo da legislação era permitir o recrutamento de gestores altamente qualificados e profissionalizados, decidir da sua manutenção à frente dos destinos das empresas em função do cumprimento de metas e, por outro lado, pretendia-se equiparar a relação de responsabilidade desses gestores à dos gestores das empresas privadas. Dizia-se ainda que se queria introduzir um quadro legal que permitisse uma responsabilização adequada dos gestores e do Estado perante os resultados alcançados pelas empresas públicas.
Não são precisas muitas palavras para mostrar que, se não as normas, pelo menos a realidade se encarregou de mostrar quão desactualizado está este texto e quão distantes estão as soluções jurídicas da realidade prática.
De facto, o Estatuto dos Gestores Públicos não permitiu de modo algum que se exercesse uma função de responsabilização, que se tivesse sequer a medida da responsabilidade dos gestores públicos em várias situações, pelo que não podemos aceitar que tenha alguma vez havido uma equiparação entre o estatuto desses gestores e o estatuto dos gestores das empresas privadas, esses sim, submetidos a uma responsabilidade com regras evidentes e exercida de modo a que o público se pode aperceber.
Assim, do nosso ponto de vista, o Estatuto dos Gestores Públicos é ingénuo. A experiência mostra-nos que foi um Estatuto ingénuo, permitindo as suas normas que ele fosse permeável a toda a sorte de politização no pior sentido do termo, ou seja, o Estatuto permitiu que os gestores fossem usados como meros comissários do poder de momento, quando não simples agentes dos partidos ou simples mandatários do poder instituído, sem qualquer objectivo empresarial e sem qualquer sentido de responsabilidade.
Não é preciso contar muitos factos para explicar por que é que a realidade nos deu esta convicção pois todos assistimos às transferências de gestores públicos, ao contínuo rodar de gestores públicos de empresa, para empresa, deixando atrás de si resultados decepcionantes, cuja causa, a opinião pública e os contribuintes nunca chegam a conhecer e deixando atrás de si também um mistério, muitas vezes impenetrável, sobre as razões pelas quais foram colocados nessas empresas e pelas quais foram obrigados a sair. Paira sempre a dúvida em todos esses mistérios sobre quais seriam as razões que levam o mesmo poder que demite a nomear a mesma pessoa para outros cargos de igual ou de maior responsabilidade. Paira sempre a dúvida sobre que comissão de serviço estariam muitas vezes esses gestores a fazer sem controle e sem responsabilização perante ninguém.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos num novo tempo. Um novo tempo a todos os títulos, em que, a propósito da revisão da Constituição, discutimos soluções de aperfeiçoamento da democracia; em que, a propósito da reforma administrativa ou da descentralização do Estado, estudamos soluções em. nome da aproximação dos cidadãos perante os administrados, em nome da descentralização e em nome da responsabilização dos agentes públicos perante os cidadãos.
Temos na mesa propostas eleitorais que seguem também estes caminhos. Aprovámos, ainda há pouco tempo, regras novas sobre a competência do Tribunal de Contas que apontam também no sentido do controle e da responsabilização na utilização de dinheiros públicos ou do património do Estado. De modo que é tempo de também invertermos o sentido desta lei ingénua, é tempo de, na sequência desses remédios com que todos nos preocupamos para aperfeiçoar a democracia, também introduzirmos um factor de responsabilização na carreira dos gestores públicos e no funcionamento das empresas públicas.
Essa responsabilização, do nosso ponto de vista, que é um ponto de vista cauteloso, só pode ser exercida através da participação da Assembleia da República.
De facto, é difícil escolher melhor sistema do que aquele que consiste em ligar a Assembleia da República à nomeação dos futuros gestores públicos, através de um processo simples, não burocratizado, sem quaisquer' preocupações mediáticas ou de espectáculo político, para que a Assembleia da República possa aquilatar as nomeações que o Governo pretende fazer para as empresas públicas, possa conhecer o propósito desses gestores e possa, depois, ter ela própria também, como conjunto dos representantes do povo, um critério para aferir a responsabilidade desses mesmos gestores.
Não vejo mecanismo mais simples nem com mais significado do que este, nem que se queira ver nesta iniciativa do CDS-PP qualquer preocupação com a mediatização destas audições que - espero eu -, na nossa prática parlamentar e na prática do Estado, se tornarão ocorrências absolutamente normais e que permitirão um grande ganho em matéria de responsabilização. Aliás, estas audições já são feitas, na prática, sem este carácter de obrigatoriedade, e acho que é melhor reforça-lo no caso dos gestores públicos.
Por outro lado - e para responder ao Sr. Deputado Duarte Pacheco -, o CDS-PP ponderou se, de facto, não devia alargar esta instituição das audições a outros sectores, por exemplo, 'aos directores-gerais, mas a nossa conclusão foi claramente negativa, porque a situação dos altos cargos da Função Pública não pode, de modo nenhum, equiparar-se a esta. Além do mais, sabemos, ou está prometido, que se irá discutir aqui, em breve, novas regras para regular o acesso a essas funções de alta chefia na Administração Pública, com certeza, espero eu, com soluções mais criativas e imaginativas do que as simples soluções de audição que o CDS-PP prevê para os gestores públicos.
Deste modo, Sr. Presidente, julgamos não enfrentar nenhuma oposição de tomo a esta iniciativa que, com certeza, carece - admito-o - de correcção de algumas gralhas e, em sede de especialidade, carece do contributo enriquecedor dos Deputados das outras bancadas.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira, Octávio Teixeira e Duarte Pacheco.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, julgo que a intenção deste projecto de lei é certamente positiva, concordo consigo quando diz que a legislação em vigor está em parte desactualizada. De qualquer forma, quero levantar algumas questões sobre aspectos focados no diploma.

Página 1850

1850 I SÉRIE - NÚMERO 58

Em primeiro lugar, Sr. Deputado, até que ponto pensa que a proposta que faz contribui, para homogeneizar ou harmonizar o tratamento dos gestores das empresas públicas com os representantes do Estado em sociedades de capitais públicos. Se avançasse nesse sentido, haveria que reflectir bastante, independentemente de outras considerações que iremos fazer, sobre a valia do n.º 2 do artigo 2.º quanto à nomeação 15 dias após a indigitação.
Por outro lado, poderá ser gralha, mas no artigo 3.º fala-se umas vezes em "audiência", outras vezes em "audição" parlamentai, que, como sabe, são coisas diferentes. No que se refere ao n.º 2, que refere "A audiência parlamentar tem por finalidade esclarecimentos sobre (...), bem como sobre os projectos e critérios de gestão que pretendem aplicar nas empresas...", a questão é a seguinte: sobre os critérios podemos entender critérios genéricos, globais, bem precisos, específicos e poder-se-à querer avaliar o perfil e o currículo do gestor; sobre projectos, nem sempre será extraordinariamente realista querer que as pessoas apresentem, já com detalhe, projectos para as empresas para que são nomeadas. Não me choca muito que se nomeiem pessoas com capacidade para empresas ou sectores que, eventualmente, não conheçam bem, pelo que gostaria de o interrogar sobre a forma como vê este aspecto relativamente ao qual levanto algumas dúvidas.
Quanto ao artigo 9.º, penso que é caminhar no sentido das regras da transparência ou dos seus aspectos mais positivos.
Neste momento, são estas, essencialmente, as questões que lhe queria colocar.

O Sr.. Presidente: - Sr. Deputado António Lobo Xavier, deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, por vezes, temos a prática, por cortesia ou consideração especial, e não por conveniência, de responder aos pedidos de esclarecimento um a um, mas neste caso preferia ouvir antes as objecções dos outros oradores inscritos, pelo que responderei em conjunto.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. É um direito seu.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, na sua intervenção, fez algumas referências, do meu ponto de vista correctas, quanto à forma como se tem processado a nomeação e a utilização da possibilidade de nomeação de gestores públicos, as quais, ao longo dos anos, têm sido feitas com base em critérios partidários, ou político-partidários, se quiser, e não na base daquilo que deveria ser a essência do gestor público, ou seja, como qualquer gestor, na base da sua capacidade profissional, seriedade e cumprimento de objectivos determinados pela "tutela" - é aqui julgo que há alguns problemas que valeria referir.
O Sr. Deputado referiu que o actual Estatuto é muito permeável à politização dos gestores públicos, pelo que a questão que gostaria de colocar é a seguinte: em que medida é que o projecto de lei apresentado pelo PP vai contrariar essa permeabilidade? Do meu ponto de vista, ela vai agravar-se porque, a partir do momento em que propõe que os gestores públicos, antes de tomarem posse, sejam objecto de audição, sendo obrigados a vir à Assembleia da
República, depor perante um órgão político, então está a dar-se mais um passo para a politização do gestor público.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Oradora: - Na análise que faço do projecto de lei que nos é presente, julgo que isto é contraditório com aquilo que seriam as preocupações, do meu ponto de vista justas e correctas, expostas pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier.
Por outro lado, com toda a sinceridade, julgo que o Estatuto dos Gestores Públicos está, de facto, ultrapassado, mas por razões bastante diferentes daquelas que foram referenciadas pelo Sr. Deputado.
Assim, permitia-me pôr-lhe a seguinte questão: deve existir a carreira de gestor público, porque só isso justificará a existência do Estatuto? Julgo que não! Existem gestores, que têm regras, e há até alguma legislação que se aplica a todos os gestores de empresa, que podem, num momento, gerir uma empresa pública - e nessa perspectiva pode chamar-se-lhes gestores públicos - mas, noutra altura, podem ser gestores de uma empresa privada.
Do meu ponto de vista, não há conflitualidade, antes pelo contrário, poderá até haver vantagens nisso e, por conseguinte, a existência do Estatuto dos Gestores Públicos poderá indiciar a existência de uma carreira, que me parece que não seria correcto.
Sr. Deputado António Lobo Xavier - e permita-me que faça esta afirmação com um sorriso nos lábios -, há pouco, referiu que haverá certamente algumas gralhas que podemos corrigir em termos de especialidade. Pergunto-lhe, com toda a sinceridade, se este será um problema de gralhas ou se temos de analisar, de facto, com cuidado e atenção, o actual Estatuto, dito do gestor público, a fim de podermos, eventualmente, fazer uma reformulação total e, aí sim, procedermos a uma actualização, de acordo com outras regras e com outras realidades que temos neste momento, não se fazendo apenas esta alteração.
Não me estou a referir ao proposto no artigo 9.º, que, para nós, é absolutamente pacífico, ou ao constante do n.º 8 do artigo 7.º, mas àquilo que me parece que é a inovação do vosso projecto de lei, a introdução do artigo 3 º, que, repito, me parece que neste aspecto da actualização é o inverso das preocupações referidas pelo Sr. Deputado e; portanto, devíamos fugir deste tipo de situação, procurando que haja cada vez menos possibilidade de quem quer esteja no governo poder politizar e partidarizar o gestor público.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir, porque já excedeu o seu tempo.

O Oradora: - Sr. Presidente, peço desculpa pelo abuso e agradeço ter-me deixado concluir, mas deste modo poupámos tempo pois já não vou fazer outra intervenção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, gostaria de lhe colocar duas questões muito sintéticas sobre o projecto em causa e sobre a sua intervenção. A primeira tem a ver com o facto de ter questionado o actual Estatuto dos Gestores Públi-

Página 1851

18 DE ABRIL DE 1996 1851

cos, fazendo algumas considerações que não tenho qualquer problema em subscrever, mas, de facto, tal como disse o Sr. Deputado Octávio Teixeira, a questão é se o projecto que apresentou responde às críticas formuladas.
As referências feitas à dicotomia entre carreira privada e pública, ao nível da gestão e da sua equiparação e quanto ao facto de considerar que o Estatuto é ingénuo, é tudo isso resolvido com o projecto que apresenta, nomeadamente com a alteração substancial que é a vinda dos gestores públicos à Assembleia da República?
A segunda questão tem a ver com o facto de a crítica mais substantiva que fez na sua intervenção ter sido relativa à politização que diferentes governos - desde a AD, ao bloco central, aos governos do PSD - poderão ter feito na nomeação de gestores públicos, colocando aqui a questão de ser necessário inverter essa tendência. Porém, obrigar os gestores públicos a vir à Assembleia da República, ao órgão político por excelência, não é precisamente o oposto àquilo que é o vosso pressuposto? Porventura, não seria possível avançar com outra solução?
Recordo-me da discussão sobre esta matéria no âmbito da Comissão de Economia, Finanças e Plano, em que o Deputado Álvaro Barreto colocava a questão de por que não a eleição de um colégio de grandes empresários, de empresários de sucesso, que poderia aconselhar e avalizar a decisão do ministro da tutela sobre determinadas nomeações. Trazê-los à Assembleia, ao cerne do debate político, é efectivamente a solução que preconiza para este problema?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier para responder.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Os Srs. Deputados em geral - já vou fazer - as diferenças -, a crítica que fazem é a de que considero o Estatuto ingénuo, imperfeito e com lacunas. Dizem os senhores: "vem aqui, ainda que revolucionando um pouco, ou tanto, até, que nem concordamos, o processo de indigitação e nomeação dos gestores e ficou satisfeito com isso? É esse o seu contributo?"
Srs. Deputados, encaro a participação legislativa com mais modéstia do que VV. Ex.as porque considero que as transformações legislativas se fazem, justamente, à custa de pequenas reformas. Não está escrito em lado nenhum num manual do perfeito Deputado que tenha de se fazer, por cada inovação que tenhamos de introduzir, um novo projecto, uma nova lei de alto a baixo. Não me parece que seja isso.
De facto, o que eu identifico como mais problemático, como mais carenciado de solução no Estatuto dos Gestores Públicos, é o problema da sua responsabilização. E aqui vamos à segunda das objecções que uniu praticamente todos os Deputados que me interpelaram. Julgo, salvo o devido respeito, que os Srs. Deputados confundem politização com partidarização, mas é óbvio que eu quero, de um certo ponto de vista, politizar a nomeação dos gestores públicos. É óbvio que, por exemplo, quando falamos de descentralização administrativa, quando falamos das regiões, um dos objectivos de quem defende as regiões é introduzir a política na administração, é introduzir um factor de responsabilização que é um factor político.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não, não!

O Oradora: - Na medida em que quero que a Assembleia da República oiça os indigitados gestores, quero destruir aquela ligação umbilical, às vezes secreta, que existe entre Governo e gestor e tornar as razões por que alguém é escolhido mais transparentes. Não vejo que órgão político melhor pode assegurar esse resultado senão a Assembleia da República. De modo que, entendamo-nos: eu quero despartidarizar ou, se quiserem, desclientelizar o processo de nomeação dos gestores, introduzindo um critério de responsabilidade política, que é o critério da introdução da Assembleia da República nesse processo.
Peço desculpa, mas rejeito as críticas de que, por esta via, eu politizo porque me recuso a admitir que a Assembleia da República esteja a politizar o que quer que seja quando recebe nas comissões o Governador do Banco de Portugal, um alto funcionário, um dirigente de uma empresa pública, o presidente da RTP, o presidente da RDP... Isso não é politização coisa nenhuma! Isso é o exercício da nossa função de controle político e o exercício, na prática, da responsabilização. É isso o que eu quero. Na prática, podemos chamar estes gestores mas eu prefiro que, na altura da sua escolha, haja um travão à tendência clientelar do poder em geral, seja qual for o partido que o exerce.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Oradora: - Esse travão consegue-se com estas audições que dão transparência ao processo, obviamente politizando-o:
Mas o problema é este, Srs. Deputados: é por causa da necessidade da política, é por causa de necessidades do controle e da responsabilização que nós não aceitámos algumas objecções que fez o Sr. Deputado Álvaro Barreto às nossas ideias sobre o Tribunal de Contas.
Diz o Sr. Deputado Octávio Teixeira: "mas se o gestor de qualquer empresa já tem tantas regras para quê introduzir outras regras? Não seria melhor harmonizar ou admitir que as regras do gestor privado servem também para o gestor público?". Pois o problema é esse! O Sr. Deputado Álvaro Barreto, com argumentos impressivos, dizia também isso a propósito do Tribunal de Contas: "pois se, nas sociedades anónimas, pertença a quem pertencer o capital, existem já inúmeros factores de controle e de fiscalização, para quê introduzir um factor público, um órgão público que vai aqui acrescentar essas várias tarefas de fiscalização?".
A diferença é a seguinte, tal como foi explicada: não digo fiscalizar a acção - estou a fazer um paralelo - mas porque é que não servem para o gestor público os critérios ou as regras sobre o estatuto do gestor privado? Pela mesma razão por que os critérios e regras sobre a fiscalização das empresas privadas não servem para substituir a fiscalização que o Tribunal de Contas faz.
Explico-me melhor: o estatuto do gestor privado regula, fundamentalmente, para não dizer exclusivamente, a relação do gestor com o sócio ou accionista; e, transferindo, essa relação para o domínio das empresas públicas, essa é a relação entre o gestor e quem o lá pôs. Isso não nos serve, isso não é um controle, isso é manter as questões do estatuto do gestor como uma questão que apenas interessa à administração/Estado, que lá pôs o gestor, e ao gestor em si mesmo. Isto é, as regras sobre os gestores privados permitiriam que tudo continuasse na mesma, nos casos em que o accionista é o Estado ou nos casos em que o accionista/Estado tem grande preponderância nas empresas. De modo que eu prefiro um sistema em que a

Página 1852

1852 I SÉRIE - NÚMERO 58

Assembleia da República exerça à partida essa limitação, esse controle, permitindo que a selecção dos gestores seja menos partidarizada e mais ligada à competência porque, com certeza, quem não tem competência e quem precisa de tirar cursos para ir, depois, gerir empresas ou serviços públicos, não quererá vir aqui, à Assembleia da República, a uma comissão, responder perante nós.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Oradora: - O que queria dizer ainda, para falar sobretudo das objecções do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, é o seguinte: nós não temos intenção de limitar a aplicação deste projecto, desta iniciativa, àquilo que é, efectivamente, o gestor público, segundo a definição que, parcialmente, resulta do artigo 1 º do Estatuto actual, embora eu entenda que uma leitura hábil desse mesmo artigo permita que as nossas novidades possam alargar-se a outras individualidades que não o gestor público, nos termos em que nós, vulgarmente, usamos essa expressão, ou seja, também nos casos em que se nomeia um gestor para uma sociedade de direito privado mas em que o Estado tem, por hipótese, a maioria do capital. Aí, a questão, para nós, continua a ser a mesma: a de verificar com que critério o Estado gere o seu património, quer se trate de uma empresa pública quer se trate de uma carteira de participações. Pela nossa parte, gostaríamos de discutir isto mais em especialidade, mas a ideia, confesso, é a de abrangência.
Finalmente, Sr. Presidente, não aceitamos uma ideia de criar um comité de empresários de sucesso, e julgo que temos alguma autoridade para rejeitar essa ideia porque preferimos que a Assembleia da República, a mesma que tem competências para aprovar orçamentos, para aprovar leis, possa ser um juiz mais equilibrado do que é a competência dos gestores, do que um qualquer conselho de gestores de sucesso, que não sei bem o que é e que cada vez mais rareia.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após a onda de nacionalizações efectuadas em 1975 e com o objectivo de regular a actividade dos gestores públicos, o I Governo Constitucional fez nascer o Decreto-Lei n.º 831/76, de 25 de Novembro, que estabeleceu o Estatuto dos Gestores Públicos. Pretendeu-se dar um sinal inequívoco de estabilidade e de ordem no seio das empresas públicas.
Em Dezembro de 1982 o VIII Governo Constitucional promoveu o surgimento do Decreto-Lei n.º 464/82, o qual veio revogar o decreto-lei já referido assim como diplomas complementares, passando a reger o Estatuto dos Gestores Públicos.
Argumentava, então, o legislador que mais do que criar uma carreira, a de gestor público, era necessário criar condições, por um lado, que permitissem o recrutamento de gestores qualificados e competentes e, por outro, permitir decidir sobre a manutenção desses gestores em consequência dos resultados obtidos pela sua gestão.
Assim, o artigo 6.º do referido diploma considera causa de dissolução do órgão de gestão a não observância nos orçamentos de exploração e de investimento dos objectivos definidos pela tutela; o desvio substancial entre os orçamentos e a respectiva execução; e a deterioração dos resultados do exercício durante o qual o presidente haja exercido funções por período não inferir a nove meses.
É precisamente o Decreto-Lei n.º 464/82 que o projecto de lei apresentado pelo Partido: Popular agora em discussão pretende alterar.
Permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que analise sinteticamente as alterações propostas.
Primeiro, este projecto incluiu na qualificação de gestor público os indivíduos eleitos para os órgãos de gestão de empresas com capitais públicos; segundo, introduz a Assembleia da República no processo de nomeação dos gestores públicos ao exigir, entre a sua indigitação e nomeação, a sua presença numa audição parlamentar aberta; terceiro, impede gestores destituídos por violar o referido artigo 6.º de voltarem a assumir funções de gestão noutra empresa pública; quarto, dá uma nova redacção ao artigo 8.º, impedindo o gestor público, após ter deixado as suas funções, de, durante um ano, exercer actividades em empresas privadas com ela relacionadas.
Este conjunto de alterações, que não modifica a estrutura do Decreto-Lei n.º 464/82, suscitam ao Grupo Parlamentar do PSD várias interrogações.
A atribuição do Estatuto dos Gestores Públicos á gestores de empresas de capitais públicos ou participadas coloca a questão de sabermos onde termina este processo. Será ainda gestor público o indivíduo que gere uma empresa em que um dos sócios é uma empresa pública? A nomeação desse indivíduo e a qualidade da sua gestão não deverá ser responsabilidade do gestor público que gere a empresa na sua globalidade, nomeadamente nas participações que detenha noutras empresas? Não é ainda avaliável a gestão das empresas participadas através da consolidação de contas das empresas públicas?
Acreditamos que o legislador teve em atenção este factos, que os reflectiu e que a solução encontrada foi efectivamente a acertada.
Por outro lado, o impedimento, durante um ano, de um gestor exercer a sua actividade em empresa cliente ,ou fornecedora da que dirigia pode ter um bom princípio na sua génese, mas na prática pode ser altamente injusto e incorrecto. Imaginemos que um indivíduo é escolhido para gestor de uma empresa pública porque conhece bem o ramo em causa, porque exercia funções numa empresa do sector. Num mercado pequeno como o português as empresas sempre acabam por se relacionar, e o que estávamos a decretar era a impossibilidade desse indivíduo voltar, após a sua tarefa na empresa pública, à empresa de origem e de desenvolver a sua actividade no sector que conhece, no sector em que é especialista.
Mas pior do que esta situação é que a norma apresentada vem revogar aquilo que está estipulado no actual artigo 8.º, ou seja, primeiro, a participação do gestor ao ministro da tutela antes do início de funções de todos os seus interesses patrimoniais em empresas, e, segundo, a obrigatoriedade de o gestor se declarar impedido de tomar posições no órgão de gestão a que pertence sempre que interesses pessoais possam ser afectados.
De certo que os promotores do diploma em discussão não tinham como objectivo revogar estes princípios, que penso serem consensuais, pelo que assumo que a sua revogação é um mero lapso.
A alteração mais relevante é, no entanto, a inclusão da Assembleia da República no processo de nomeação dos gestores públicos.
Para o Partido Social Democrata a situação que se pretende criar não faz qualquer sentido. Mais: ela vai contra aquilo que

Página 1853

18 DE ABRIL DE 1996 1853

os promotores do projecto de lei preconizam. Trazer os gestores públicos para audições parlamentares abertas antes da sua nomeação é trazer os gestores públicos para o órgão político por excelência e para o meio do debate político.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Oradora: - Tendo como objectivo despolitizar a nomeação dos gestores públicos, o Partido Popular propõe, assim, precisamente o inverso, porque é a Assembleia da República o local onde se discute política e essa audição, mais do que possibilitar um debate sobre as qualidades do gestor indigitado e sobre os seus planos, provocaria um debate político-partidário, onde a ponderação técnica seria forçosamente substituída por uma discussão política.
Mais: esta situação, a qual não é prática, nos países da União Europeia, iria co-responsabilizar o Parlamento pela nomeação dos gestores públicos, o que nós não aceitamos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Oradora: - O Governo é responsável pela sua nomeação; a escolha deve basear-se em critérios de competência, de credibilidade e nas provas dadas por esse gestor no passado. Esta é uma competência do Governo, a qual não deve ser restringida, cabendo a todos os partidos fazerem juízos políticos sobre as escolhas feitas, cabendo aos eleitores a avaliação final pela qualidade das opções feitas pelo Governo quanto aos homens que geriram as empresas públicas.
A situação proposta é tanto mais incongruente quando a Assembleia da República, a qualquer momento, pode exercer o seu poder fiscalizador ao provocar audições concretas sob a gestão das empresas públicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social Democrata entende que o diploma em vigor não é intocável. Aliás, compartilha o sentimento dos promotores do projecto de lei de que é necessário contribuir para uma maior dignificação e responsabilização dos gestores públicos, e para uma maior despolitização das suas nomeações.
O debate é actual, nomeadamente quando nos últimos meses tantas têm sido as alterações introduzidas nas administrações das empresas públicas pelo actual Governo.
Entendemos, pois, que o tema merece reflexão e uma profunda discussão de modo a encontrar soluções que venham de encontro aos objectivos que todos preconizamos e que sirvam os superiores interesses de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, entendo que quem queira fazer objecções diga que provavelmente há muitas pessoas envolvidas por estas audições e que talvez o leque dos abrangidos seja exagerado para o nosso próprio funcionamento, mas que o recuse qualquer tipo de controle sobre as nomeações e que, depois de este projecto de lei ter sido apresentado, não tenha qualquer solução ou alternativa e não aponte sequer um caminho para que a situação melhore é que, com toda a franqueza, me custa aceitar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, a questão que colocou não contrariou todas as interrogações que colocámos em relação ao vosso projecto de lei.
De facto, o cerne de tudo isto está na exigência da vinda à Assembleia da República dos gestores públicos para apresentação do seu curricula e dos planos que propõem para as empresas. Aí é que, de facto, existe uma discordância...

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Oradora: - Se faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Deputado, peço-lhe para ter em conta a diferença que existe no seguinte: por exemplo, eu prefiro que a política de ambiente seja regionalizada - e neste momento não o é! - mas que quem exerça essa política possa ser confrontado politicamente, responsabilizado através de votos.
A política nem sempre é má. O que é mau é o partidarismo e o clientelismo ou o espírito partidário exacerbado. A política tem coisas boas, como o voto e a participação do povo.

O Oradora: - Sr. Deputado, todos sabemos que o cerne da democracia está na Assembleia da República, órgão de que todos gostamos, defendemos e tentamos dignificar. É assim também que pensa o seu. partido e, por isso, fiquei satisfeito por perceber que gosta de política e desta Casa e que é a favor da regionalização (aliás, já o sabia por outras vias).
Em relação à questão que estamos aqui a debater, a verdade é esta: se vamos ouvir os gestores públicos antes sequer da sua tomada de posse, vamos avaliá-los de que maneira? Em relação àquilo que eles se propõem fazer? Aquilo que eles se propõem fazer é o que a tutela automaticamente lhes pede. As grandes opções dessas empresas públicas, como é óbvio, têm de ser definidas pelo Governo, que, esse sim, está aqui para ser fiscalizado. Essas opções é que são fiscalizadas e não a pessoa em concreto que as vai pôr em prática, que deve responder perante quem o nomeou para pôr em prática as opções que escolheu e não a Assembleia da República. Por isso mesmo, se discutíssemos as opções do Governo não iríamos discutir a competência técnica de quem as ia pôr em prática, mas uma opção política, e iríamos centralizar o debate no cerne da política, o que não deve estar neste momento em causa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao nível das intenções, projecto de lei n.º 22/VII tem, de facto, alguns aspectos positivos que todas as bancadas partilham, designadamente o da maior responsabilização dos gestores públicos pelos actos praticados, o da despolitização e despartidarização das nomeações e também o da maior responsabilidade de quem os nomeia pelas consequências dessas nomeações.
Tudo isto são medidas positivas, intenções positivas, que infelizmente não são bem acolhidas no projecto de lei

Página 1854

1854 I SÉRIE - NÚMERO 58

que ora apreciamos, desde logo porque aplica o regime das audições parlamentares exclusivamente aos gestores públicos. Como disse há pouco o Sr. Deputado Octávio Teixeira, o gestor público é cada vez mais uma figura residual. Há cada vez menos empresas públicas e estas transformam-se cada vez mais em sociedades anónimas. Por exemplo, este diploma não prevê a audição parlamentar aos eventuais administradores ou presidentes de sociedades anónimas detidas totalmente pelo Estado e nós sabemos que as empresas públicas em sentido lato mais importantes até são sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos. Então, desde logo no plano da concretização, este diploma fica muito aquém das suas intenções.
Por outro lado, com a figura da audição parlamentar pretendem os promotores deste projecto de lei criar mais espectáculos mediáticos. Longe da proficuidade e do interesse dessas audições para a qualidade das escolhas, elas ir-se-iam transformar mais num espectáculo de interesse comunicacional mas de pouco interesse prático para o bem das empresas públicas.
Por outro lado, há várias incoerências técnicas neste diploma que o tornam, todo ele, digamos, praticamente descoordenado, salvo o devido respeito por quem o elaborou. Por exemplo, prevê, como já foi aqui referido, que o indigitado venha apresentar à Assembleia da República os seus projectos para a empresa quando ele nem sequer conhece a empresa, quando pode nem sequer conhecer o ramo de actividade; pode conhecer, eventualmente, alguns métodos de trabalho da empresa, mas é totalmente irresponsável quem fizer uma apresentação dos seus projectos mais relevantes para a empresa sem ter um mínimo de período de diagnóstico.
Além disso, este projecto elimina o n.º 2 do artigo 8.º da redacção original, que impõe ao gestor independência e o dever de se declarar impedido sempre que sejam tomadas deliberações que afectem os seus interesses pessoais. Este n.º 2 do artigo 8.º desaparece, o que nos parece uma clara contradição em relação às intenções do diploma.
Por outro lado, não é feita qualquer distinção entre gestores executivos e não executivos, tratando-se de igual forma e sem qualquer distinção situações e níveis de responsabilidade perfeitamente diferentes.
Além disso, sob o ponto de vista técnico, há algumas incoerências porque faz aplicar aos gestores referidos no n.º 5 do artigo 1.º - que são gestores eleitos, e poder-se-ia subsumir a esse n.º 5 os administradores das sociedades anónimas - o mecanismo da indigitação e da nomeação. Ora, relativamente a esses gestores, sendo eleitos, não há indigitação nem nomeação nem sequer há uma dependência directa do ministro da tutela ou do primeiro-ministro, há uma dependência directa da assembleia geral da empresa e, portanto, não faz qualquer sentido a aplicação dos artigos 2.º, 3.º , 7.º, 8.º e 9.º aos gestores referidos no n.º 5 do artigo 1.º.
Tudo isto para dizer, e para além de outras questões de carácter mais pormenorizado, que os subscritores deste diploma ficaram muito aquém das intenções. Aliás, parece-me que a melhor forma de cumprir as intenções deste diploma será através duma atitude responsável por parte do Governo na escolha dos gestores públicos por nomeação directa e na escolha dos administradores que faz eleger através dos seus representantes nas assembleias gerais, e esse bom senso tem imperado actualmente. Os 10 anos passados far-nos-iam recear se essas práticas continuassem a ser repetidas mas o passado recente tem-nos demonstrado que já não é assim e que aquilo que este diploma pretende fazer valer é uma intenção política da actual maioria e, consequentemente, não há lugar aos receios que aqui foram expressos.
De qualquer das formas, nunca por este diploma esses receios ficariam totalmente apagados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier, que utilizará o meio minuto de que dispõe mais dois minutos cedidos pelo PS.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, julgo que o formularei mesmo em meio minuto.

O Sr. Presidente: - Excelente, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Carlos Silva, não cometerei a injustiça nem a aleivosia de dizer que o PS e o PSD se encontram, uns a defender um sistema mais simples para quem vai entrar, outros a evitar um sistema complicado para quem pode sair, mas queria dizer sobretudo o seguinte: deixemos um olho clínico para o que está no n.º 2 do artigo 3.º, segundo o que está na nossa iniciativa, de andar à volta do que é que significa o projecto do gestor. É evidente que na audição nós é que seremos os juízes do que é que se pode exigir a um concreto candidato a gestor. Não faz sentido convidar hoje ninguém para a TAP que não tenha uma ideia do que quer fazer na TAP para além daquela que a tutela lhe diz no dia do convite. Não faz sentido convidar um gestor para a Siderurgia Nacional que não tenha uma única ideia sobre o que pretende fazer na Siderurgia Nacional, sendo claro que não pretendo que eles tragam aqui, 15 dias depois de serem indigitados, os orçamentos e os planos de actividade e estratégicos, etc... Todavia, como nós é que seremos os juízes daquilo que lhes podemos exigir, não me parece que a questão aí seja especialmente importante.
Devo dizer. que concordo consigo e que seria um problema facilmente resolúvel. Quanto à eliminação do n.º 2 do artigo 8.º, certamente foi lapso e, portanto, deve-se ler esta iniciativa como se tivesse esse número.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Lobo Xavier, agradeço a sua pergunta e a poupança de tempo embora eu também não vá precisar de muito mais para lhe responder.
Desculpe que lhe diga, mas os exemplos que citou os da TAP e da Siderurgia Nacional - são particularmente infelizes porque este artigo 3.º não se aplica ...

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Podia dar outros exemplos!

O Oradora:- Então, ainda mais ineptidão existe na escrita deste diploma porque não são gestores públicos, são administradores nomeados pelas assembleias gerais e o artigo 3. º não se aplica, segundo o que VV. Ex.as prevêem para o n.º 4 do artigo 1. º, aos indivíduos referidos no n.º 3 do artigo 1 º.

Página 1855

18 DE ABRIL DE 1996 1855

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Foram meros exemplos!

O Oradora: - Mas foram exemplos que não são subsumíveis a este projecto de lei. O Sr. Deputado, certamente, poderá dar muitos exemplos, mas o que é facto é que as sociedades anónimas mais importantes não são subsumíveis a este diploma; se ele fosse aprovado não ficariam sujeitas às audições parlamentares.
E, já agora, gostaria de saber que tipo de avaliação se pretende fazer ao presidente de uma Caixa Geral de Depósitos, ao presidente de uma Telecom, ou de uma EDP, que tipo de exame curricular a Assembleia da República iria fazer a essas ilustres personalidades. Se é uma avaliação de capacidade psicotécnica, de capacidade técnica para administrar as empresas, não me parece que seja a Assembleia da República o lugar mais indicado. Se é uma avaliação política da personalidade, então, não faz sentido saber quais são os projectos e quais os seus curricula ou o que fizeram noutras empresas públicas ou quais são os seus critérios de gestão. Aliás, para determinar critérios de gestão, penso que a Assembleia da República não é o lugar mais adequado.
No entanto, desculpará que lhe diga, mas parece haver aqui a intenção por parte do PP de mediatisar muitas coisas na vida política...

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Está a ser injusto!

O Oradora: - Posso estar a ser injusto, mas é uma interpretação de carácter subjectivo. Todos nós temos direito a ser falíveis, mas não me parece que seja injusto neste momento em que poderíamos correr o risco de assistir àqueles espectáculos maravilhosos de vermos os Srs. Deputados a perguntarem aos presidentes das empresas quanto é que ganham e quanto é que vão ganhar, que são coisas verdadeiramente lamentáveis sob o ponto de vista da dignificação do que é a actividade de um Deputado e do que é a própria actividade do gestor público.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Uma vez poder, sempre poder!

O Oradora: - Sem querer estar a fazer quaisquer críticas de carácter pessoal, gostaria de dizer que essas audições parlamentares, na actual conjuntura política, me pareceriam bastante desadequadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 22/VII. Vamos de seguida apreciar, igualmente na generalidade, o projecto de lei n.º 96/VII - Alteração à Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro (Lei-Quadro da Criação de Municípios), de que foi relator o Sr. Deputado Rui Marques, a quem peço o favor de fazer um breve resumo do relatório da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um grupo de Deputados do PSD apresentou um projecto de alteração à Lei n.º 1'42!85, de 18 de Novembro, conhecida por Lei-Quadro da Criação dos Municípios. Essa alteração consiste, essencialmente, na revogação do n.º 4 do artigo 14 º que diz o seguinte: "A criação de novos municípios só poderá efectivar-se após a criação de regiões administrativas, nos termos dos artigos 250.º, 256 º e seguintes da Constituição da República Portuguesa". Este preceito da lei-quadro, ao longo de 10 anos, inviabilizou a criação de novos municípios e é por força disso que estes Srs. Deputados vêm propor esta alteração.
O parecer da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente aponta no sentido de, sem prejuízo de concordarmos com o agendamento deste projecto de lei no caso de as próximas discussões sobre regionalização não serem conclusivas, neste momento ser mais avisado aguardar pelo resultado de tais discussões.
Acrescento ainda que hoje, em sede de comissão especializada, foi aceite consensualmente que este projecto de lei deve baixar à comissão sem votação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que foi apresentado um requerimento nesse sentido, que será votado no momento próprio.
Para fazer a apresentação do projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas.

O Sr. Miguel Miranda Relvas (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje um projecto de lei do PSD que visa alterar um artigo da Lei-Quadro da Criação de Municípios, que suspendeu o processo de criação de novos municípios e impediu, na prática, o surgimento de novos concelhos.
As razões que levaram, então, a Assembleia da República a reconhecer a necessidade de criação de novos municípios vieram, com a evolução demográfica, o crescimento urbano e o desenvolvimento económico e social, a revelar-se ainda mais pertinentes.
No decorrer da última campanha eleitoral para a Assembleia da República, os Deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral de Santarém assumiram, entre outros, o compromisso público de, no decorrer da actual legislatura, apresentar dois projectos de lei: o da criação do concelho de Fátima e, obviamente, o de alterar a Lei-Quadro da Criação de Municípios de forma a tomar possível essa iniciativa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Oradora: - Foi o que fizemos. Honrámos os compromissos que assumimos com os nossos eleitores.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Oradora: - Gostaríamos de ver noutros - hoje no Governo - a mesma determinação em assumir e cumprir o que prometeram durante a campanha eleitoral. Não acreditamos que seja possível ao Partido Socialista inviabilizar iniciativas legislativas que permitem a concretização de promessas que publicamente apresentaram no período de campanha eleitoral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Oradora: - Também nesta matéria se exige ao Partido Socialista que não esqueça o que prometeu.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe ao poder legislativo do Estado reconhecer as necessidades das populações e contribuir, com as medidas legislativas adequadas, para um melhor ordenamento do território, maior desenvolvimento, maior eficácia dos serviços públicos e, ainda, para o reforço da vida democrática e cívica, promovendo a participação das populações.

Página 1856

1856 I SÉRIE - NÚMERO 58

Acresce, ainda, a urgência de que se reveste, nalguns casos, a criação de novos municípios como é manifestamente o caso de Fátima, freguesia actualmente integrada no concelho de Ourém.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Oradora: - Com uma população que ronda os 17 000 habitantes, a vila de Fátima encontra-se dotada de infra-estruturas e requisitos geodemográficos necessários para a criação do concelho de Fátima.
Merece particular realce a importância do turismo religioso, razão pela qual Fátima é visitada anualmente por milhões de peregrinos, com significativo impacto na vida económica e social da freguesia, exigindo que esta seja dotada de meios materiais e humanos que correspondam ao efectivo aumento da sua importância em termos demográficos, económicos, sociais e culturais.
É importante realçar o facto de, no concelho de origem - Ourém -, todas as forças políticas terem assumido posição favorável, aprovando por unanimidade os necessários pareceres da Câmara e da Assembleia Municipal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Haverá alguns que, com o argumento da brevidade do debate e possível institucionalização das regiões administrativas, consideram desnecessário este debate e a alteração proposta à lei-quadro da Criação de Municípios.
A esses pergunto se a legitimidade da criação de um município, que vai ao encontro de uma maioria expressiva das populações, pode e deve esperar pelo processo de regionalização.
A esses pergunto se o processo de regionalização deve constituir pretexto para adiar a satisfação de interesses legítimos de desenvolvimento e de progresso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Oradora: - É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para nós, a criação de um município tem e deve ser perspectivada e assumida no plano da melhoria da qualidade de vida das populações que aí residem e não numa postura de mera conveniência política.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Oradora: - O que nos move é a fidelidade a um compromisso eleitoral, que, aliás, não é só nosso.
Mas o que reforça a nossa determinação é a certeza de que urge responder positivamente ao que todos os partidos nos pedem em Fátima e em Ourém: que não adiemos por mais tempo a necessária criação deste concelho.
Assim possamos e queiramos nós, nesta Câmara, reproduzir o consenso alargado que, no plano local e concelhio, já se estabeleceu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Faria.

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Relvas, ouvi-o fazer a apresentação do projecto de lei em discussão assim como o Sr. Deputado Rui Marques fazer a síntese do relatório da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente e confesso que fiquei confuso, já que o relatório, objecto de apreciação e votação hoje na Comissão, referente a este projecto de lei considerava desejável - e nesse sentido concluía o último parágrafo - que o projecto de lei baixasse à Comissão na expectativa de que a condução do processo de regionalização avançasse e que se isso não viesse a acontecer, então, sim, o diploma voltaria a Plenário para votação.
Gostaria de ser esclarecido sobre se houve alguma alteração por parte da bancada do PSD ou se tal resulta, eventualmente, do facto de hoje estarem ocupados com a eleição da direcção do grupo parlamentar e ter havido qualquer omissão nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas.

O Sr. Miguel Miranda Relvas (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Júlio Faria, a questão que coloca é muito simples, o que me leva a perguntar se os senhores estão também, desde já, disponíveis para votar hoje o projecto de lei.
No entanto, face ao relatório apresentado pelo Sr. Deputado Rui Marques na Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, penso que poderemos ultrapassar esta situação desafiando, desde já, o Partido Socialista a assumir connosco e com as outras forças políticas, se assim o entenderem, o compromisso de que, dentro de três meses, teremos todo este processo ultrapassado. É um compromisso que nós, Partido Social-Democrata, como subscritores do projecto de lei, vos lançamos. Penso que a questão ficará ultrapassada se o projecto de lei baixar à Comissão para esta, no prazo de três meses, se pronunciar sobre ele. Parece-me que a questão é objectiva e, do ponto de vista político, facilitará alguns compromissos que o Partido Socialista assumiu em relação à criação de municípios noutras regiões do País. Aliás, julgo que o Partido Socialista também deveria ter apresentado um projecto de lei em relação a esta matéria para poder cumprir os compromissos que assumiu!
De qualquer modo, é de realçar que o Partido Socialista tem agora a oportunidade de cumprir os compromissos políticos que assumiu no decorrer da campanha eleitoral se, no requerimento de baixa do projecto de lei à Comissão, concordar que, no prazo de três meses, o diploma suba, de novo, a Plenário para votação final global.

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, gostava que V. Ex.ª indagasse, junto da direcção do Grupo Parlamentar do PSD, da resposta à questão que formulei, já que ela não me foi respondida.
Relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado Miguel Relvas, adianto que nós respeitamos a decisão da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente no sentido de o projecto de lei baixar à Comissão e se, em tempo útil, o processo de regionalização não avançar, naturalmente que estaremos disponíveis para, em sede de Comissão, tirar tal conclusão - o que, julgamos, não vem a acontecer porque o processo de regionalização avançará - e nessa altura o diploma subirá, de novo, a Plenário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, duas questões: primeira, cada um é livre de responder como quiser e até de

Página 1857

18 DE ABRIL DE 1996 1857

não responder, pelo que a Mesa não pode intervir a provocar respostas que não estão dentro da sua competência; segunda, quando se requer a baixa de um diploma à comissão sem votação prévia, tem de se fixar o prazo pelo qual o mesmo baixa à comissão. É uma exigência do Regimento. Agradecia que se pusessem de acordo sobre isso internamente e que depois mo dissessem, para no despacho de baixa à Comissão se fixar o prazo.

O Sr, Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, com a sua benevolência, peço a palavra para fazer uma brevíssima interpelação à Mesa, nos mesmos termos em que foi produzida pelo Sr. Deputado Júlio Faria.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, julgo que a resposta que o Sr. Deputado Miguel Relvas deu foi muito clara e que não há que endossar à direcção do Grupo Parlamentar do PSD nenhuma queixa de não resposta à questão levantada.
O Sr. Deputado Júlio Faria fez referência a uma "decisão" da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente e eu preferia dar-lhe a designação regimental mais correcta, que é a de relatório e parecer. De facto, o parecer desta Comissão recomenda uma maior ponderação sobre esta iniciativa, o que, em termos regimentais, parece concluir pela baixa do projecto de lei à Comissão, para reapreciação na generalidade.
Mas que fique claro que o PSD estava disposto a votar hoje este projecto de lei, porque considera que assim não só cumpriria uma promessa eleitoral como permitiria ao Partido Socialista cumprir as suas. Contudo, respeitamos o parecer da Comissão e estamos dispostos a não nos opor ao requerimento no sentido de o projecto de lei baixar à Comissão, para reapreciação na generalidade.
Porém, como o Sr. Presidente da Assembleia da República recordou, e bem, era conveniente que este processo de baixa à comissão para reapreciação não constitua um expediente a que a Assembleia recorre, se calhar, com excessiva frequência para adiar uma tomada de posição definitiva sobre as iniciativas legislativas. Como o Sr. Presidente recordou - e, parece-nos, muito bem -, seria conveniente que os requerimentos estivessem conformes com o Regimento e fossem claros quanto ao prazo concedido para reapreciação do diploma na generalidade, de forma a que, concluído esse prazo, a iniciativa legislativa possa ser reagendada para darmos resposta às populações que estão á espera que a Assembleia da República exerça as suas atribuições e competências.

O Sr. Presidente: - Terão de chegar a um acordo sobre isso, uma vez que não consta do requerimento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Faria

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista considera que esta matéria de criação de novos municípios deve ser encarada claramente por todos.
Em 1985 foi aprovada nesta Câmara a Lei-Quadro da Criação de Municípios, a Lei n.º 142/85. Desde aí, embora tivesse havido nas várias legislaturas algumas iniciativas de diversas bancadas para a criação de municípios, tal não aconteceu, na medida em que estava em vigor a lei-quadro e não houve vontade política ou maioria capaz de alterar este estado de coisas.
Convém lembrar que, durante estes 10 anos, o PSD foi poder nesta Câmara, teve a maioria absoluta e não sentiu necessidade de avançar com a alteração ao n.º 4 do artigo 14.º dessa lei. Enquanto foi poder não o fez. Mais: chegou a apresentar um projecto de lei que não votou. É caso para perguntar se, por parte do PSD, há hoje e aqui vontade em avançar nesta matéria ou, porventura, apenas e tão-só vontade em conflituar ou, pelo contrário, em fazer passar este assunto para um plano secundário, eventualmente criando alguns conflitos em relação ao que é um propósito firme do Partido Socialista, que está assumido nesta Câmara e tem pés para andar, já que está agendado para o próximo dia 2 de Maio o processo de regionalização.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Oradora: - Convém lembrar...

O Sr. Miguel Miranda Relvas (PSD): - E o referendo?!

O Oradora: - Quanto aos referendos, que melhor referendo pode haver do que as sondagens, feitas junto da opinião pública, que dizem claramente que os portugueses querem que avance o processo de regionalização?
Dizia eu que houve por parte do PSD a possibilidade de fazer avançar esta matéria. O PS assumiu em campanha eleitoral que faria a regionalização se viesse a ter maioria nesta Casa. O PS assumiu isso, tal como a criação de novos municípios. Mas também assumiu em campanha eleitoral, e disse-o aqui, após 1 de Outubro, em audiências concedidas a interessados, que faria avançar a criação de novos municípios a partir da implementação da regionalização. E o PS vai cumprir, vai honrar os seus compromissos, vai fazer subir a Plenário, no dia 2 de Maio, os projectos de lei relativos à regionalização.
A regionalização será um facto, e esperamos sinceramente que possa haver nesta Câmara uma larga convergência em tomo desta questão magna. Fará sentido, então, que avance a criação de novos municípios à luz da regionalização, conferindo às regiões, como no projecto de lei está expressamente referido, a audição quanto à criação de municípios.
Chamo a vossa atenção para uma questão: por exemplo, há neste momento municípios - mas não é o caso de Fátima ou de Ourém - que, a serem criados (e é legítimo que se pense nessa criação), até estão em zonas de fronteira de regiões, e um processo destes poderia...

O Sr. Miguel Miranda Relvas (PSD): - Ourém está!

O Oradora: - No nosso projecto não está. Não sei se no vosso estará, desconheço-o ainda, mas espero até ao dia 23 por ele... Oxalá surja, é um bom passo nesse sentido, Sr. Deputado.
Dizia eu que é preciso ter condições para, com serenidade, não agitarmos sectores da população no momento em que para nós a questão vital, essencial, é fazer avançar o processo de regionalização, concretizando-a. Seguramente, estaremos disponíveis para apoiar, à luz dessa matéria, a criação de municípios, seja o de Fátima, o de Vizela ou tantos outros que aguardam melhores dias.

O Sr. Miguel Miranda Relvas (PSD): - Vamos criá-los já!

O Oradora: - Durante 10 anos, VV. Ex.as não criaram condições para o efeito, enquanto tiveram a maioria.

Página 1858

1858 I SÉRIE - NÚMERO 58

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Albuquerque.

O Sr. Mário Albuquerque (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero saudar V. Ex.ª e os Deputados desta Câmara, pois é a primeira intervenção que aqui me proponho fazer, depois de ter sido autarca durante 16 anos, 13 dos quais como Presidente da Câmara Municipal de Ourém.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Júlio Faria, em primeiro lugar, pretendo manifestar o meu total apoio à alteração legislativa hoje em discussão, de que, aliás, sou subscritor.
Por outro lado, desejo manifestar a minha surpresa pela oposição, ou melhor, pelo posicionamento dilatório assumido pelo Partido Socialista, porquanto a aprovação pretendida iria, sem dúvida, ao encontro de alguns bem conhecidos e propalados compromissos eleitorais assumidos em tempo oportuno por esse mesmo partido.
Sr. Deputado Júlio Faria, existem pretensões legítimas que foram politicamente alimentadas ao longo de tantos anos, e é tempo de serem abordadas com seriedade e solucionadas de uma vez por todas. Será o caso, entre outros, da já conhecida aspiração da freguesia de Fátima, no concelho de Ourém, distrito de Santarém, que, de forma pacífica e consensual, pretende lhe seja reconhecido o estatuto de autonomia administrativa com a criação do respectivo concelho. Todavia, só a alteração da lei-quadro conforme o agora proposto, poderá dar resposta a tal desiderato.
Não creio que existam quaisquer forças políticas nesta Câmara interessadas em bloquear o progresso e o desenvolvimento de quem quer que seja, muito menos a troco de quaisquer outros tipos de interesses ou estratégias, já que mais nenhumas motivações vislumbramos que, com substância, possam obviar à aprovação da alteração a que nos reportamos. Seria antes, na nossa perspectiva - e isto é importante -, uma forma saudável de possibilitarmos, em tempo oportuno, aos representantes dos concelhos a criar - isto é importante, volto a sublinhar - um apropriado exercício de debate e reflexão quanto ao seu posicionamento no que concerne ao complexo e histórico processo de regionalização em curso.
Por todas as argumentações aduzidas e ainda pela força da coerência e da razão, parece-me que todos ganharemos e o Parlamento ficará prestigiado com a viabilização da alteração proposta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço a sua saudação.
Também, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Amaro.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Júlio Faria, tive oportunidade de referir, na comissão parlamentar que aprovou o relatório - mas gostava igualmente de o frisar aqui na Câmara -, um facto que parece um pormenor sem importância no contexto desta discussão, mas é importante sublinhá-lo, porque vem, porventura com algumas semanas de antecedência, revelar o bom senso e a responsabilidade que todos os Srs. Deputados com assento naquela comissão tiveram ao aprovar o relatório sobre este projecto de lei.
Sr. Presidente, permita-me, pois, que leia o .penúltimo parágrafo do relatório - e não deixei de o elogiar, bem como ao papel que teve o relator, Sr. Deputado Rui Marques -,que diz expressamente: "Acresce ainda o facto de sabermos que o processo de revisão constitucional está em curso e que não são de subestimar eventuais consequências deste naquele da regionalização".

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Oradora: - Ou seja, os Deputados do PS aprovaram este relatório, o que gostaria de elogiar, porque estão conscientes de que a discussão de 2 de Maio deveria ocorrer depois da revisão constitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Neto.

O Sr. Carlos Neto (CDS-PP): - Sr. Presidente, referiu o Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas que cumpriram aqui duas promessas feitas ao eleitorado. Espero, no entanto, que não se vá embora, que entenda que não terminou aqui a sua função.
De qualquer forma, é evidente que o Partido Popular é a favor da criação do concelho de Fátima. Porém, não é isso que está aqui em causa.
O que pergunto é o seguinte: onde estavam VV. Ex.as durante os 10 anos do cavaquismo? Por que não apresentaram, nessa altura, este diploma?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Neto, V. Ex.ª inscreveu-se aquando das inscrições para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Júlio Faria e acabou por questionar o Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas. Agora não sei o que fazer porque já não posso dar a palavra ao Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas para lhe responder e o Sr. Deputado Júlio Faria nada tem a ver com á questão por si formulada.

O Sr. Carlos Neto (CDS-PP): - Sr. Presidente, é que o Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas foi Presidente da Câmara Municipal de Ourém, portanto tem responsabilidades nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Bem sei, mas o Sr. Deputado pediu a palavra na altura dos pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Júlio Faria... ,

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, como percebi agora que a forma de intervir é pedindo esclarecimentos, também quero interpelar o Sr. Deputado Júlio Faria.

Risos do PCP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, vou dar-lhe a palavra para esse efeito, embora, como sabe melhor do que ninguém, a sua inscrição devesse ter sido feita na altura própria.
Tratou-se de um lapso do Sr. Deputado Carlos Neto, que julgou estar ainda a tempo de pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não vou insistir nisto. A única coisa que pergunto, então, à Mesa é quando poderei intervir.

Página 1859

18 DE ABRIL DE 1995 1859

O Sr. Presidente: - Logo a seguir aos esclarecimentos dados pelo Sr. Deputado Júlio Faria.
Para responder a dois pedidos de esclarecimento, porque o terceiro, afinal, não lhe era dirigido, tem a palavra, por três minutos, o Sr. Deputado Júlio Faria.

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, em minha opinião, não houve pedidos de esclarecimento à minha intervenção mas, sim, ao relatório da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente. Porém, não vejo qualquer inconveniente em prestar esses esclarecimentos.
Desde já, gostaria de dizer que o que foi votado, Sr. Deputado Álvaro Amaro, foi o parecer consubstanciado no último parágrafo com a proposta apresentada pelo Sr. Deputado José Calçada na Comissão.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Oradora: - Em segundo lugar, relativamente aos considerandos aí contidos, também desejamos que sobre esta matéria da regionalização haja o maior consenso possível. E sabendo das posições do PSD e das razões que nos assistem, estamos convictos de que nesta Câmara há vontade política suficiente para levar o processo por diante, o que seguramente acontecerá. Porém, gostaríamos de vê-los mais envolvidos neste processo. Pela nossa parte, não temos problemas e, a meu ver, como Deputado, a opinião daqui é exactamente igual à daí - desejaríamos, sim, envolvê-los todos.
No entanto, colocando-se os senhores de fora nesta matéria, quero ver com que legitimidade vão, amanhã, apresentar candidatos às regiões.
Por outro lado, já ouvimos hoje aqui um representante dessa bancada, o Sr. Deputado Duarte Pacheco - que por acaso já não se encontra presente -, dizer para aqueloutra bancada: "Ainda bem que o senhor é defensor da regionalização!"
Vejo, agora, que estão com rebuços nesta matéria.
É, pois, bom que clarifiquem entre vós essa questão, a fim de poderem, não só com o PS mas com todas as forças políticas, encontrar condições para que, no dia 2 de Maio, não estejam apenas aqui em discussão os projectos de lei do PS e do PCP mas haja também o vosso contributo, de modo a reforçar a credibilidade dos portugueses que votaram no PSD e nas suas propostas.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, peço a sua benevolência para, em 15 segundos, responder ao Sr, Deputado Júlio Faria.

O Sr. Presidente: - Não tem direito de resposta, Sr. Deputado. Faça uma interpelação que não o seja mas pareça sê-lo.

Risos.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, pretendo somente pedir ao Sr. Deputado Júlio Faria que, de uma vez por todas, fixe o seguinte: nós, como vós, queremos a regionalização e respeitamos a decisão desta Câmara. Todavia, primeiro, queremos fazê-la com as pessoas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ainda por cima, fez uma interpelação fora do tema em discussão...
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente. E este "muito obrigado" não é uma figura de retórica - realmente, tenho de agradecer-lhe essa coisa espantosa que é dar-me a palavra. Aliás, como hoje já evocámos aqui o 17 de Abril de 1969, quero recordar que ficou na História esta expressão: "Peço a palavra, Sr. Presidente". Agora, também vai ficar na história parlamentar este meu pedido de palavra.

Risos do PCP.

Sr. Presidente, pensei que hoje ia ter lugar aqui um novo "milagre de Fátima". No entanto, esta Assembleia não produz milagres. E, do que vimos aqui, vai prevalecer esta minha triste e penosa condição de agnóstico e não vai haver milagre algum.
O milagre que julgava ir acontecer aqui era o da correcção de uma enormíssima injustiça histórica, praticada pelo PS e pelo PSD contra a população de Vizela. Essa injustiça consistiu na aprovação de uma lei, a Lei-Quadro da Criação de Municípios, relativamente à qual vale a pena rememorar algo.
Em primeiro lugar, não há qualquer relação entre a regionalização e a criação de concelhos ou de freguesias. É caso para dizer, de uma forma simples, que a regionalização não é, nem nunca foi, para aqui chamada. E o Sr. Presidente sabe muito melhor do que eu, porque tem muito melhor memória e viveu os acontecimentos que vou referir de uma forma muito mais intensa, que em Portugal, depois do 25 de Abril, já se criou um concelho - aliás, por iniciativa do PP, digo, CDS (e peço desculpa à bancada do Partido Popular pelo lapso) -, que foi o concelho da Amadora. Não terá sido um grande êxito do CDS, mas foi-o certamente do 25 de Abril. Trata-se de um município de sucesso e não há qualquer relação entre a criação desse município e a existência ou não de regiões administrativas ou de áreas metropolitanas.
Depois, não há centenas de reclamações de criação de concelhos - há as que há e os partidos têm todo o direito de apreciá-las.
Passado algum tempo, uma outra população, a de Vizela, reclamou a criação de um concelho. E, em 1982, da primeira fila da bancada do PSD, exaltadamente, a AD prometeu o concelho que não criou!
Mas o PS, na altura, vigorosamente na oposição, disse: "Quando formos Governo, haverá concelho de Vizela!

O Sr. José Junqueiro (PS): - E vai haver!

O Oradora: - Não acredito no que estou a ouvir! Alguém da bancada do PS disse: "E vai haver!" Já estou a ver que a conversa é igual!
Então, no ano de 1983, formou-se um governo de coligação entre o PS e o PSD, de que todos se lembrarão, governo de enormíssimo sucesso...

Risos do CDS-PP.

Esse governo começou a sua actividade respondendo aos vizelenses com uma espadeirada: uma lei-quadro da

Página 1860

1860 I SÉRIE - NÚMERO 58

criação de municípios, tentando evitar a criação do concelho de Vizela. A proposta de lei foi apresentada em 1983 e discutida penosamente durante dois anos, até que, finalmente, foi aprovada, em sede de comissão, exactamente ao milímetro, para nela - e agora vem a palavra misteriosa - "caber" a criação do concelho de Vizela. A proposta de lei estava, então, em condições de subir a Plenário em Maio de 1985 - o número de eleitores, as diversas características, tudo se conjugava para que Vizela fosse concelho. E no dia em que a proposta de lei ia ser aprovada, alguém de uma dessas bancadas, do PS ou do PSD - cada um, entre VV. Ex.as, escolha ...

Protestos do Deputado do PS José Junqueiro.

O Oradora: - Não proteste muito, Sr. Deputado José Junqueiro, se não digo quem foi!
Como dizia, nesse dia, alguém de uma dessas bancadas puxou da "bomba atómica", da "fechadura", da "tranca", que se chamava artigo 14.º, n.º 4, segundo o qual só podia haver novos concelhos quando houvesse regiões administrativas.
Então, Sr. Presidente, isto é, ou não, um caso típico de desvio de poder, de desvio da função legislativa?! Essa norma foi introduzida ad homem para impedir a criação daquele concelho de Vizela e vigorou durante 10 anos, e mal, porque impediu sucessivamente a criação deste concelho, o qual havia sido prometido e "reprometido" e, pelos vistos, agora, mais uma vez adiado.
Quando esperávamos aqui a aprovação desta norma, que um dos partidos por ela responsável se propunha revogar, quando esperávamos esse "milagre de Fátima", eis que voltamos novamente à triste condição de humanos que somos com esta realidade de o PSD e o PS decidirem, mais uma vez, adiar esta questão!
Desafio aqui uma de VV. Ex.as a explicar qual a relação que tem o processo de regionalização com a criação do concelho de Fátima ou com a criação do concelho de Vizela. Qual é a relação? A relação entre eles é zero, é nenhuma! A única coisa decente que respondia aos princípios da ética política e que podia ser feita, já que este processo foi agendado, era votá-lo agora a favor, permitindo-se que, finalmente, andasse para a frente o processo de criação de concelhos.
É esta a proposta que, humilde e terrenamente, aqui faço, ou seja, votemos a proposta, andemos para a frente com este processo de criação de concelhos, dos poucos que estão em questão, discutamos o fundo do problema e deixemo-nos de mais adiamentos, de mais pretextos e de mais atentados àquilo que é o desejo das populações.

Aplausos do PCP.

O Sr. Miguel Miranda Relvas (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Miranda Relvas (PSD): - Sr. Presidente, por seu intermédio, gostaria de lembrar ao PS que o PSD mantém a sua disponibilidade para, se as outras forças políticas estiverem de acordo, votar desde já o projecto de lei. Da nossa parte, não há qualquer impedimento a que isso se faça e pensamos que, assim, respondemos à questão colocada pelo Sr. Deputado João Amaral.
Caberá ao PS, se tiver vontade política e o quiser fazer, manifestar-se nesse sentido, porque o PSD, como proponente do projecto de lei, está de acordo em que assim se proceda.
Quanto ao PP, penso que está de acordo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a posição da Mesa é muito simples, neste caso. Deu entrada um requerimento a pedir a baixa à comissão do diploma, sem votação, por 90 dias. Já chegaram todos a acordo no sentido de ele baixar à comissão por 90 dias e só me posso limitar...

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, permita-me que o interrompa para dizer que a posição que temos relativamente ao requerimento é a de não o subscrever e, portanto, não concordamos com 60, 90 ou 120 dias. Simplesmente, não subscrevemos este requerimento.

O Sr. Presidente: - Perfeitamente, Sr. Deputado. Acontece que a informação que recebi foi a de que teria havido unanimidade nesse sentido. Porém, neste caso, há unanimidade entre os subscritores, o que equivale à necessária.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, permita-me que esclareça que, na comissão, assumimos, por unanimidade, que o processo teria este desenvolvimento e, portanto, qualquer alteração a este procedimento é incompreensível. E absolutamente normal que o PCP faça este teatro mas da parte do PSD é verdadeiramente incompreensível.
Agora percebo porque é que estava afixado um. cartaz lá fora... Estava a ver o primeiro cartaz do PSD sobre a regionalização e fixei-me num outro que estava ao lado, que é maior, e que diz "Virámo-nos do avesso". Se calhar, eventualmente, é este o procedimento...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, queria dizer que a nossa posição relativamente a esta questão foi expressa nas minhas palavras de há pouco.
Quanto ao sentido da nossa posição em confissão, foi-me esclarecido pelo Sr. Deputado que lá esteve que era no sentido de considerar a primeira parte do parecer, isto é, a concordância com o agendamento. Mas, independentemente disso, o Plenário é que é soberano para decidir destas questões. Não é o Plenário que está subordinado às comissões mas sim as comissões que estão subordinadas ao Plenário.
Em segundo lugar, Sr. Deputado José Junqueiro, não lhe admito - e a expressão é mesmo esta - que me fale como falou acerca da minha intervenção e da nossa posição em relação a esta matéria porque, quanto àquilo que se passou, o teatro, se teatro houve, foi feito por quem andou, sucessivamente, durante anos, a prometer a populações do País que teria uma actuação política no sentido da criação de concelhos, e não o fez. Procurei brincar com as palavras e não as colocar com agressividade, mas isso corresponde, no mínimo, a uma enormíssima falta de ética política que, nesses tempos, foi assumida por quem recusou aos vizelenses a criação do respectivo concelho.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

Página 1861

18 DE ABRIL DE 1996 1861

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, não estou habituado a ouvir da sua boca algumas expressões, portanto, permitirá que seja agora eu a estranhar.
V. Ex.ª fez uma graça que me parece muito infeliz sobre o "virámo-nos do avesso" e tentou passar para a Câmara a ideia de que o PSD estava a dar o dito por não dito relativamente a esta questão. De facto, não estou habituado a este tipo de comportamento e, se me permite a expressão, de palavreado da sua parte e não posso deixar de estranhar o insólito.
Para que fique claro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a posição do PSD é clara desde o início deste debate - eu disse-o, bem como o disse também o Deputado Miguel Relvas na intervenção que fez. Para nós, justifica-se que se crie o concelho de Fátima, pelo que é necessário alterar a Lei-Quadro da Criação de Municípios. Por isso, apresentámos um projecto de lei. Não pode haver posição mais clara do que esta: apresentámos uma iniciativa legislativa que, como dissemos no início deste debate, não só vai ao encontro das promessas que fizemos, designadamente ao eleitorado de Santarém, nas que também permitiria ao PS satisfazer alguns dos compromissos que assumiu durante a campanha eleitoral.
Desde o início deste debate dissemos que se o PS, na sequência do parecer da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, quisesse requerer a baixa à comissão para reapreciação na generalidade, o PSD não se opunha a essa baixa - e mantemos essa posição. Não damos o dito por não dito! Se houver consenso de todas as bancadas, depois da vigorosa e, em muitos aspectos, pertinente intervenção do Sr. Deputado João Amaral, nós estamos de acordo com esse consenso. Se o PS mantiver o seu requerimento, não damos o dito por não dito - não nos opomos à baixa à Comissão!
Contudo, não queremos que esse expediente da baixa à comissão para reapreciação na generalidade seja uma forma de evitar que a Assembleia da República tome uma posição clara sobre as iniciativas legislativas, que decida se a iniciativa é ou não pertinente, se ela deve ser aprovada ou rejeitada. E, por essa razão, fizemos coro e demos concordância a um aviso que, em boa hora, o Sr. Presidente da Assembleia da República fez ainda há pouco, recordando que, nos termos regimentais, estes requerimentos de baixa à comissão devem ter um prazo porque, infelizmente, a Assembleia da República tem-se habituado a utilizar este expediente sem fixar um prazo às comissões. E tivemos aqui um debate sobre qual o prazo razoável para que fosse claro, do ponto de vista do seu significado político, ou seja, que não fosse um prazo tão dilatado, no sentido de legitimar a interpretação de que se estava a tentar evitar que a Assembleia da República tomasse posição sobre esta iniciativa legislativa.
Portanto, Sr. Deputado José Junqueiro, que fique claro que a posição do PSD é a mesma desde o início. Apresentamos uma iniciativa legislativa porque achamos que temos razão e estamos, dispostos a vota-la. Se o PS mantiver o seu requerimento manter-nos-emos fiéis à palavra dada: não nos oporemos e não inviabilizaremos a baixa à comissão, desde que seja por um prazo razoável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, gostaria de dizer duas ou três coisas muito simples.

Em primeiro lugar, entendo que a figura que o Sr. Deputado utilizou não teve outro objectivo senão o de produzir uma intervenção, na medida em que não há qualquer ofensa naquilo que disse há pouco. De facto, houve uma posição numa determinada altura e uma posição radicalmente oposta num outro momento, o que é claro e evidente.
Em segundo lugar, assumimos os nossos compromissos com toda a gente. O compromisso que assumimos com o eleitorado foi o de que, no futuro, se consultariam as regiões para a criação de novos concelhos. Com este nosso posicionamento fizemos uma afirmação de fé na regionalização e, de uma forma clara e inequívoca, dissemos, com esta nossa atitude política, cuja interpretação é única e exclusivamente esta, que a regionalização se faria em 1997, dando às regiões oportunidade de, pela primeira vez e logo após a sua instituição, poderem opinar sobre matéria tão importante como seja a da criação de novos concelhos, novos concelhos esses que poderão, inclusivamente, na sua constituição, agregar freguesias pertencentes a uma ou outra região neste processo que agora se discute de regionalização.
Fica, portanto, clara e provada a nossa fé neste processo e o compromisso assumido relativamente às promessas que fizemos.
Não pode, pois, nenhum partido representado nesta Câmara relativamente a Fátima, Vizela ou qualquer outro concelho dizer demagogicamente, e de uma forma que não considero honesta, que o PS está a fugir às suas responsabilidades ou a não assumir as suas promessas. Assumi-la-ás por inteiro com a criação dos concelhos, mas no quadro da regionalização. Era isso que desejávamos e foi essa a promessa que fizemos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar o requerimento apresentado pelo PS, solicitando a baixa à Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente do projecto de lei n.º 96/VII, por um prazo de 90 dias, para reapreciação na generalidade.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, chegados ao fim da ordem do dia de hoje, informo que retomaremos amanhã os nossos trabalhos às 15 horas.

Eram 19 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Francisco José Pereira de Assis Miranda.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.

Partido Social Democrata (PSD):

Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Fernando Nogueira.
José Macário Custódio Correia.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.

Página 1862

1862 I SÉRIE - NÚMERO 58

Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs.. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António José Gavino Paixão.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Nelson Madeira Baltazar.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Manuel Acácio Martins Roque.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E.P.

1 - Preço de página para venda avulso, 9$50 (IVA incluído)

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República

PREÇO DESTE NÚMERO 288$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e assinaturas do "Diário da República" e do "Diário da Assembleia da República", deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1099 Lisboa Codex.

Páginas Relacionadas

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×