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19 DE ABRIL DE 1996 1895

perdida. O que quero é impedir que, sob esse pretexto, se liquide a nossa memória colectiva. Não quero impedir o Dr. António Barreto. ou qualquer outro cidadão de poderem recuperar documentos de que, a título pessoal, tenham sido esbulhados, mas impedir que, sob esse pretexto, comece a desagregação dos arquivos da PIDE.
Portanto, o que quero é equilíbrio. Como dizia o Dr. Fernando Rosas, hoje, num debate, o risco é o precedente, pois sabe-se como começa, não se sabe como acaba, ou, antes, nestas coisas, sabemos como se começa e como se acaba! Por isso, sou claramente contra a devolução.
Na verdade, não são preservados direitos individuais. Há, a este respeito, uma grande ilusão. Se eu for recuperar uma carta que a minha mãe me escreveu há 30 anos, não recupero a afectividade ou a memória daquele tempo, pois o tempo é irrecuperável e a vida que nos roubaram não é recuperável. Isso é uma ilusão, e eu não tenho qualquer ilusão a esse respeito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se lá for buscar uma carta que me escreveram há 30 anos, ou qualquer coisa que eu próprio tenha escrito há 30 anos, recupero um objecto físico, mas não a alma das coisas que lá estavam, não o tempo que lá estava. Isso é uma ilusão.
Não estou com a preocupação de preservar um direito individual, de readquirir coisas de que as pessoas foram esbulhadas, porque, desse modo, posso estar a trair os direitos daqueles que morreram para que houvesse hoje liberdade em Portugal e os dos que ainda não nasceram e têm direito à memória. E é isso que eu não quero.
Por isso, é necessário haver equilíbrio e ponderação. Acho que é preciso, de certa maneira, começar tudo isto de novo, com muita ponderação, com muito bom senso, porque a democracia tem obrigações e a primeira é a de fazer uma pedagogia, democrática.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Alguém disse que a luta pelo poder é sempre uma luta entre a memória e o esquecimento. Ora, as estratégias de esquecimento são sempre estratégias antidemocráticas ou contra a democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A democracia tem a obrigação de fazer a sua pedagogia e não a pode fazer se é privada da sua memória histórica.
É por isso que temos de encontrar aqui esse ponto de equilíbrio. Sou contra a devolução, embora admita que as pessoas possam recuperar cópias, fotocópias,...

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Mas isso é o contrário do vosso projecto.

O Orador: - ... mas o registo tem de lá ficar, a marca tem de lá ficar. As pessoas do futuro têm de saber como é que era quando nos roubavam cartas de amor e quando nos escutavam.
A história da Inquisição é também a história dos atentados à privacidade, da devassa das pessoas e da sua vida íntima, assim como do nazismo, do fascismo italiano, de Vichy e do fascismo português. Isso não pode ser apagado. Aquilo de. que as pessoas foram esbulhadas, que é o seu tempo, a sua vida, a sua privacidade, não é recuperável através de objectos que lá possam estar depositados. As pessoas podem consultar, podem tirar fotocópia, mas, depois, quem decide, em certos casos, o que é privado ou público? Quem decide isso e como é que se decide?
Srs. Deputados, tenho muito medo do precedente, porque, mais até do que dizia o Dr. Fernando Rosas, o problema é que sabemos como se começa e sabemos como se acaba. E também sabemos como, até do ponto de vista vocabular, se procura fazer o branqueamento, o esquecimento, a antipedagogia. Não houve, no nosso país, um regime anterior, houve, sim, no nosso país, um regime de ditadura fascista, embora algumas pessoas gostem de fazer chacota com isso e consigam fazer chacota com o seu próprio passado e a sua própria vida, o que eu julgava ser incompatível. Mas, enfim, cada um tem o estilo que pode ter.
Não houve, no nosso país, um regime anterior. Pertenço á um tempo em que, quando andava na escola, fazia saudação fascista quando o professor entrava na sala. Os jogadores de futebol, ao domingo, perfilavam e faziam a saudação nazi. Recordo-me de ver o Salazar fazer a saudação fascista!
Esse regime não era um regime anterior, era um regime de ditadura, de tipo mussoliniano, de tipo fascista, com simpatias claras, durante a guerra, pelo regime nazi. E essa memória tem de ser preservada.

Aplausos do PS e do PCP.

Essa memória tem de ser preservada.
Esse regime é responsável pela morte de pessoas, pelo assassinato de um dos símbolos da luta pela liberdade, o General Humberto Delgado. Certamente, muitas coisas do General Humberto Delgado são privadas, pessoais, íntimas, e estão lá, mas é a sua própria filha quem o diz: pertencem aos portugueses, ao futuro, à História.
Eu sei que as privatizações estão na moda, mas a História não é privatizável.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas, mas peço-lhe que seja breve, pois dispõe de pouco tempo.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre,. creio que acaba de dar um exemplo claro de que- a História não precisa de abusar de documentos roubados para se fazer. Penso que sabe que o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, fazia a saudação fascista ou romana, e não o sabe por qualquer documento particular de que se necessite para se fazer História.
Sr. Deputado, compreendo a sua posição, mas não tente colectivizar ou generalizar os sentimentos. Também penso que a privacidade já está violada, mas creio que há uma medida elementar de dignidade a que as pessoas têm direito, podendo recusá-la, que é o direito de, pelo menos, lhes devolverem os objectos ou os documentos em que se corporizou a ofensa aos seus direitos fundamentais. Depois, se quiserem, elas dão ao Estado o direito de ficar com os documentos; dão-se, a si próprias, o direito de nem sequer querer saber do assunto; ou, sobretudo, dão-se, a si próprias, o direito de escolher o destino desses documentos: para o Estado, para si, ou para o lixo, se quiserem, porque é isso que o Sr. Deputado faz boje aos seus papéis, isto é, tem o

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