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19 DE ABRIL DE 1996 1897

dos homens, ou com a atribuição dos trabalhos menos qualificados às mulheres?
Alguma vez se incomodou, verdadeiramente, com acentuar da taxa da feminização da pobreza?
Foi a preocupação com o direito à igualdade de oportunidades que levou o PSD a rejeitar, em votação final global, o projecto de lei n.º 99/VI, apresentado pelo PCP, que reforçava as garantias das mulheres contra as discriminações no acesso ao emprego, projecto esse aprovado, na generalidade, por unanimidade, e, na especialidade, em sede de comissão, também por unanimidade?

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

A Oradora: - Sempre que se tratou, de facto, da promoção da igualdade real, o PSD ficou-se pelas intenções, que essas sempre dão algum jeito para proclamar nas conferências internacionais sobre os direitos humanos da mulher. Enquanto invocando o nome da igualdade em vão, brandia, afinal, a bandeira do retrocesso social.

Hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Assembleia da República tem a possibilidade de reparar a injustiça feita às mulheres portuguesas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não se trata de propor, ao fim e ao cabo, mais nada senão o que vigorou, durante largos anos, até 1993, no ordenamento jurídico.
Não se compreenderia, assim, que esta Assembleia não aprovasse o projecto de lei do PCP. E seguramente, a rejeição do projecto não seria compreendida pelas mulheres portuguesas. Elas - e é bom que o recordemos, já que estamos em vésperas de Abril - que ajudaram afazer Abril e que continuam a murmurar, com o poeta que ó cantou, por entre os sobressaltos que a vida lhes tem trazido; «só nos faltava agora que este Abril não se cumprisse».

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhos preparatórios da Conferência de Pequim salientaram o facto de as mulheres serem mais de metade da população mundial e 70% dos pobres do mundo.
Na verdade, segundo a própria ONU, os chamados programas de ajustamento estrutural, leia-se créditos do Banco Mundial, concedidos a diversos países, na década de 80, sob a pomposa divisa «A Mulher no Desenvolvimento», não tiveram em conta, de acordo com a ONU, a pobreza, o meio ambiente e as discriminações com base no sexo.
E é assim que as piedosas proclamações feitas por certos intervenientes - não todos, é óbvio -,nas conferências internacionais sobre a situação da mulher - e, na última Conferência, também não faltaram -,chegam mesmo. a contribuir para retrocessos no estatuto de mais de metade da população mundial.
Os tais programas, porque desenvolvidos sobre o escopo da redução da inflação e sobre a subida dos preços; de bens básicos essenciais à sobrevivência, trouxeram, segundo se diz num relatório da ONU, retrocessos nos direitos humanos da mulher.
Sendo verdade, como se acentua nos trabalhos da Conferência de Pequim, que o número de pessoas vivendo em pobreza absoluta não tem parado de aumentar - e, nesse número, recorde-se, as mulheres detêm a elevada percentagem de 70% -, sendo verdade que o trabalho da mulher está subestimado - segundo uma comunicação do PNUD, de 1991, os rendimentos das mulheres são entre 33% e 66% dos rendimentos do homens nas economias industrializadas - e sendo verdade que o desemprego atinge duramente as mulheres, a verdade também é que as mulheres realizam 55% do trabalho que se faz no mundo, se se tiverem em conta as actividades económicas não remuneradas, realizadas em casa, sem nelas se incluir, no entanto, os serviços domésticos aí prestados.
Todos estes serviços, incluindo os domésticos, representam um valor económico, normalmente não contabilizado nas estatísticas, que, assim, tomam invisível, em grande parte, a contribuição da mulher com trabalho não remunerado para a produção total de bens e serviços de um país.
Chegamos, assim, a um segundo ponto de reflexão em relação a este projecto de lei. No primeiro, tratámos do retrocesso em direitos sociais, com a subida da idade de reforma. Chegamos, pois, a uma segunda reflexão, sobre um sistema de reforma, que se situou, até 1993, em idade inferior à dos homens.
Na verdade, a mulher associa ao seu emprego remunerado a prestação de trabalho não remunerado, contribuindo, como se referiu, para a produtividade nacional. Por não se ter ainda conseguido a partilha das tarefas. caseiras, a mulher contribui para o bem-estar das famílias com a prestação daquelas tarefas, incluindo a prestação de cuidados às crianças e a outros familiares, quase em exclusividade. Segundo revela um dos relatórios das Nações Unidas, as mulheres passam 30 horas ou mais, por semana, nas tarefas domésticas, mesmo que não tenham filhos, enquanto o homem, em média, apenas lhes consagrará umas 10 horas. Acresce que o homem mantém, assim, um horário mais ou menos constante, enquanto a mulher, associando ao seu trabalho remunerado aquelas tarefas e a prestação de cuidados aos filhos e aos familiares, tem uma instabilidade, na sua ocupação de tempo, que não pode deixar de repercutir-se negativamente, conjuntamente com a sobrecarga de trabalhos, no bem-estar das mulheres.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Pode dizer-se, efectivamente, que a desigualdade na repartição das tarefas sobrecarrega a mulher com o segundo turno de trabalho, degrada a qualidade de vida, que é inferior à do homem. E não colhe aqui chamar à colação a questão da esperança de vida, pois não está verdadeiramente explicado por que é que a mulher tem uma esperança devida maior, mas nada tem a ver com a qualidade de vida, pois é na idade média dos homens que aumenta a taxa de mortalidade.
A qualidade de vida das mulheres é, manifestamente, inferior à dos homens, porque homem e mulher estão, de facto, em desigualdade quanto à quantidade de trabalho com que contribuem para o produto nacional no mesmo período de tempo e em desigualdade relativamente ao bem-estar e à qualidade de vida.
Estes são dados adquiridos, que nos são retratados em termos mais belos no arquejar de Luísa pela Calçada de Carriche, no arquejar que se transforma ainda' nos gestos de autómato a lavar a loiça, a varrer a escada quando regressa a casa já noite fechada, ou que ainda chegam até nós através de Maria Velho da Costa: «Elas são quatro milhões. O dia nasce e elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café. Elas espiam a fiada das latas até tocar a sineta.»

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