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21 DE JUNHO DE 1996 2845

É sabido que, sob a égide de orientações políticas algo diferentes entre si, países como a Holanda, a Suíça e, mesmo, a Itália e a Espanha têm aplicado medidas de pendor menos repressivo no que toca ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, acentuando predominantemente a vertente sanitária.
Deixando de lado a Suíça, onde está em curso um projecto que passa pela distribuição controlada de heroína a toxicodependentes pesados, com resultados ainda em muitos casos por apurar, constata-se que a Holanda modificou no ano passado algumas orientações da sua política de tolerância de posse de droga para consumo pessoal - que no haxixe podia ir até 30 gramas, a ser adquirido num dos cerca de 2000 cOffee-shops espalhados pelo país -,inflectindo no sentido de apenas permitir a posse de 5 gramas e da redução drástica do número daqueles estabelecimentos, até como meio de diminuir o «narcoturismo» que se instalara. E ainda há dias a imprensa internacional nos deu conta de que se pensa introduzir restrições à frequência daqueles locais que ficaria condicionada à posse de específico cartão de utilizador.
Na Itália e na Espanha as hesitações não têm estado menos presentes que em outros lugares e outras experiências, designadamente de substituição de sanções criminais por sanções administrativas; para além da questão da conformidade com o direito convencional, mostrar-se-ão de momento inconclusivas, sendo certo que ambos os países apresentam uma elevada taxa de prevalência de heroinómanos maior do que a taxa portuguesa.
Para aqueles que clamam, a justo título, por soluções mais eficazes para um problema que põe em cheque primacialmente as camadas mais jovens, afectando de forma grave o harmonioso desenvolvimento físico e mental da humanidade no seu conjunto, diremos que em face da dimensão mundial da questão, medidas mais arrojadas e porventura de melhores resultados têm forçosamente de ser pensadas nessa dimensão mundial.
Vem isto a propósito da motivação que nos levou a não propor a alteração de outros pontos da legislação anti-droga. Pensamos que a sistemática propagação pública de outras soluções, de efeito desconhecido, mas que apontam indubitavelmente para o amolecimento de um certo padrão de valores, que se considera maioritário na sociedade portuguesa, abala a pouco e pouco a convicção de todos aqueles que no dia-a-dia acreditam - e eu acredito! - que é possível conter e reduzir as dimensões do fenómeno.
Quanto à realidade nacional, no nosso país o flagelo da droga não tem deixado de se agravar nos últimos anos. O número de apreensões não parou de crescer de 1658 em 1987 para 4614 em 1995, com uma maior incidência nos últimos anos de heroína e um menor grau de cocaína.
Por outro lado, o fenómeno da droga tem-se estendido progressivamente a várias regiões do País, diminuindo a concentração na área de Lisboa e Porto. O número de processos por tráfico/consumo sobe de 599 em 1987 para 1676 em 1995 (embora, nos últimos três anos, tenha havido uma certa estabilidade no número de processos).
O número de toxicodependentes atendidos em tratamento cresce de 2657 em 1987 para 7460 em 1995 e cresce também de 22 para 193 o número de mortes por overdose entre aqueles mesmos anos, tudo dados que são um alerta e uma confirmação a exigir de todos, Assembleia da República, Governo e, sobretudo, sociedade civil, uma efectiva conjugação de esforços nas várias vertentes da prevenção, tratamento e repressão.
Numa breve síntese, a proposta de lei que apresentámos à Assembleia da República, depois de um debate que aqui suscitámos e onde colhemos sugestões relevantes, a par de um apoio generalizado às propostas então apresentadas, tem como objectivos fundamentais o agravamento das penas para o tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores - e já agora, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, permita-me que lhe faça uma breve emenda, pois quando disse, referindo-se à proposta de lei, que não havia agravamento das penas creio que fez uma leitura porventura apressada; a previsão de um regime de defesa dos direitos de terceiros de boa fé quanto à titularidade de objectos apreendidos em processos por crimes daquela espécie; a reinstauração da possibilidade de não exercício da acção penal em relação a agentes de pequenos crimes de consumo de estupefacientes, evitando a sua etiquetagem; o agravamento dos requisitos de libertação condicional de condenados por crimes de tráfico de droga; o detalhe da regulamentação da figura do «agente infiltrado», em termos mais alargados mas também mais garantísticos; a introdução de um processo mais expedito de utilização pela Polícia Judiciária dos objectos por ela apreendidos, sem menosprezo dos direitos dos legítimos proprietários.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Justificar-se-á, para além do que consta da exposição de motivos da proposta de lei, aludir com mais algum pormenor a dois pontos: a figura do agente infiltrado e a denominada inversão do ónus da prova no que toca aos bens apreendidos, provavelmente obtidos com o uso de fundos provenientes do tráfico de droga, e cujo uso não se pretendeu consagrar.
Como é sabido, já existe na actual legislação a figura do «agente infiltrado» ou «agente encoberto», podendo ser desempenhada quer por funcionário de investigação quer por elemento estranho à polícia. Foi usada várias vezes, sem censura, por parte dos tribunais.
Novidades agora introduzidas com a finalidade do reforço da sua eficácia são as seguintes: permite-se o seu uso ainda antes da abertura do inquérito, constituindo a infiltração uma forma de exercer prevenção; em qualquer caso, impõe-se a autorização prévia da autoridade judiciária competente, marcando-se um período determinado para a intervenção, diferentemente do que hoje sucede; tenta-se, finalmente, preservar a identificação do «agente infiltrado» com vista à sua intervenção futura ou à possibilidade da sua intervenção futura.
Neste balanço entre um mais apertado controle judiciário da figura e uma maior possibilidade de penetração nas redes do tráfico pode vir a residir o acréscimo da sua eficácia, sem riscos de abuso, bem pelo contrário, com maior transparência e controle da sua actuação.
Debrucemo-nos sobre a inversão do ónus da prova em relação a bens de terceiros, designação invocada num dos projectos de lei apresentado ao Parlamento.
Para que o terceiro (de boa fé) pudesse afastar a perda dos objectos, direitos ou vantagens em favor do Estado teria de fazer prova de um «legítimo desconhecimento» da fonte ou proveniência ilícita. Na proposta de lei a matéria está especificada em pormenor no artigo 35.º-A e o possuidor de boa fé terá de demonstrar a ignorância desculpável quanto ao facto de os bens apreendidos se destinarem à prática de uma infracção prevista no diploma ou por ela terem sido produzidos.

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