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21 DE JUNHO DE 1996 2863

No dia 28 de Novembro de 1995, em reunião com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, V. Ex.ª, Sr. Ministro, dava conta de que a população prisional vinha aumentando de forma exponencial e que havia nas prisões portuguesas cerca de 12 300 reclusos. O número de presos não parou de aumentar.
Em Novembro último entravam por mês 150 novos presos. Hoje, sete meses volvidos, a população prisional aumenta à média de 200 presos/mês. Aproximam-se as férias judiciais e o abrandamento da actividade dos tribunais, mesmo em relação aos presos, o que faz com que se reduza as hipóteses de algumas solturas de detidos que estão a aguardar julgamento, por força de absolvições ou da aplicação de penas alternativas à da prisão efectiva.
O período de Verão que se inicia, arrasta ciclicamente o aumento da criminalidade e de novas detenções. Isto significa que só nos próximos dois ou três meses a população prisional vai aumentar ainda em maior proporção. Prevê-se que a medida hoje em discussão vá abranger de imediato pouco mais do que 200 reclusos, mas o que determina a nossa posição favorável à proposta da lei é a adesão incondicional que fazemos às relevantes razões humanitárias que lhes estão subjacentes. Fazemo-lo conscientes de que se trata de uma medida séria, de que não é uma medida de cosmética, mas também com dúvidas sobre se chega a ser de cirurgia para o sistema prisional ou se se fica no efeito de aspirina.
Há dias o Provedor de Justiça denunciou o estado calamitoso de muitas das nossas prisões. A referida cadeia de Monção, duas alas da prisão de Alcoentre, os estabelecimento de Montijo, a cadeia regional de Coimbra, não reúnem o mínimo de requisitos de habitabilidade e devem ser imediatamente encerradas. Mas o seu encerramento implica a transferência de reclusos par á outros estabelecimentos já de si superlotados, e estes últimos, muitos dos quais raiam igualmente os limites da precaridade, passarão de razoáveis a maus ou de maus a piores.
De uma maneira geral, o espectáculo das nossas prisões degrada-se mais em cada dia que passa. Faltam condições de higiene básicas, a assistência médica e medicamentosa é ainda deficiente, as condições de habilidade e salubridade mínimas não são, em muitos casos, asseguradas. É sabido que 70 ou 80% da população prisional tem problemas de toxicodependência e que a SIDA, a seropositividade, a hepatite B e C, a tuberculose, alastram dia-a-dia sem que sejam ainda claras e consistentes as medidas de fundo já tomadas por este Governo, no sentido de sustar e de diminuir o impacto negativo da situação sanitária de grande parte da população prisional.
Diz a lei que a execução das penas deve ser orientada de modo a respeitar a personalidade do recluso e os seus direitos e interesses jurídicos não afectados pela condenação; diz a lei que, tanto quanto possível, se aproximará a execução das condições da vida livre, evitando-se as consequências nocivas da privação da liberdade; diz a lei que na modulação da execução das penas privativas de liberdade não devem ser criadas situações que envolvam sérios perigos para a defesa da sociedade e da própria comunidade prisional; diz a lei que a execução deve, tanto quanto possível, estimular a participação do recluso na sua reinserção social, especialmente na elaboração do seu plano individual e na colaboração da sociedade na realização desses fins; diz a lei que os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais do homem, ressalvadas apenas as limitações decorrentes do- sentido da sentença condenatória e as impostas em virtude da ordem e da segurança do estabelecimento; diz a lei que o recluso tem direito a um trabalho remunerado, aos benefícios da segurança social e, na medida do possível, ao acesso à cultura e ao desenvolvimento integral da sua personalidade.
De direito, Sr. Ministro, os reclusos estão apenas privados à liberdade. De facto, é preciso garantir que nenhum recluso fique privado dos seus direitos fundamentais e constitucionais ao nível da protecção da dignidade da pessoa humana.
Não podemos perder a consciência de que «o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem» - citei o artigo 22.º da Constituição.
Há que encontrar soluções urgentes, porque a situação não se compadece com as delongas, sempre de muitos meses, inerentes à construção, adaptação ou remodelação das instalações prisionais. Daqui a uns meses, quem sabe se as cadeias que temos até acabarão por ser suficientes, porque os excedentes se resolvem através do processo natural da morte e da doença dos reclusos.
Nessa altura, Sr. Ministro da Justiça, pode ser absurdo, mas pode nem se precisar de tantas prisões, porque «pássaro morto, gaiola aberta».
Nessa altura, Sr. Ministro da Justiça, talvez deixemos ironicamente de ser o país da União Europeia com maior percentagem de presos per capita, mas corremos o risco de ser aquele que tem menores preocupações prisionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Palmeiro.

O Sr. João Palmeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Desde que se conhece a humanidade, o conhecimento científico cresce de uma forma que supera todas as expectativas. Contudo, é por todos reconhecido que, quanto maior é o conhecimento, maior é a constatação do desconhecido. Esta evidência parece demonstrar que a natureza abre uma página do seu livro infinito em cada dia que passa.
Assim se percebe que, no estádio de desenvolvimento em que nos encontramos, seja possível simultaneamente que a medicina consiga, por um lado, a «proeza» de criar artificialmente um embrião humano mas, por outro lado, se veja totalmente impotente face a doenças das quais desconhece a cura.
Esta dialéctica suscita no espírito dos mais esclarecidos uma inquietação face aos modelos de desenvolvimento adoptados pela sociedade e especialmente sobre os caminhos trilhados pelo conhecimento científico.
Não será de esperar uma modificação substancial desta realidade, pelo que nos resta procurar soluções que atenuem os efeitos devastadores de determinadas doenças que ciclicamente aniquilam a nossa sociedade.
Muitas das doenças mais graves existentes hoje em dia derivam de uma deficiente organização social, cujo expoente máximo é a toxicodependência. Existem inúmeras causas para o consumo de estupefacientes mas todas elas são paradigma e reflexo da sociedade que temos.

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