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Quarta-feira, 3 de Julho de 1996 I Série - Número 90

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE JULHO DE 1996

Presidente: Exmo. Sr. João António Gonçalves do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÃRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 51 e 52/VII, dos projectos de lei n.º 180 a 185/VII, das ratificações n.os 22 e 23/VII, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Ferreira (CDS-PP) condenou o convénio que o Governo celebrou com a Liga de Clubes e com a Federação Portuguesa de Futebol.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, o Sr. Deputado Afonso Candal (PS) chamou a atenção para o avançado estado de degradação em que se encontra o edifício da Capitania do Porto de Aveiro, bem como da Igreja das Carmelitas, sita naquela cidade.
Em declaração política, o Sr. Deputado Durão Barroso (PSD) deu conta das conclusões da Conferência Interparlamentar, realizada no âmbito do projecto da comunidade dos países de língua portuguesa, levada a cabo pela Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca (PCP).

O Sr. Deputado Rodeia Machado (PCP) insurgiu-se contra as acusações feitas pelo Secretário de Estado da Administração

Interna ao comando operacional que combateu o incêndio na serra do Gavião. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Fernando Serrasqueiro (PS) e Artur Torres Pereira (PSD).
O Sr. Deputado Lemos Damião (PSD) teceu várias considerações sobre o sistema educativo e criticou medidas do Governo para com os professores.
O Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro (PS) fez referência ao resultado do inquérito decorrente do incêndio florestal na serra do Gavião e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Artur Torres Pereira (PSD) e Rodeia Machado (PCP).
Ordem do dia. - Procedeu-se á discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 18/VII - Cria cinquenta tribunais de turno, e 42/VII - Altera a legislação que regula os processos especiais de recuperação da empresa e de falência. Após o Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim) e o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Matos Fernandes) terem procedido à apresentação dos diplomas, usaram da palavra, além destes oradores. os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Odeie Santos (PCP), Helena Santo (CDS-PP), Antonino Antunes (PSD) e Nuno Baltazar Mendes e João Carlos Silva (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva. José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Victor Brito de Moura.
Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.

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Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 51/VII - Aprova a lei de bases do Tribunal de Contas; 521VR - Altera o Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro (Acesso ao Direito e aos tribunais), que baixaram à 1.ª Comissão; projectos de lei n .os 180/VII Elevação de Alhandra, no concelho de Vila Franca de Xira, à categoria de vila (PSD); 181/VII - Elevação da localidade de Beringel, no concelho de Beja, à categoria de vila (PCP), que baixaram à 4.ª Comissão; 182/VII Contagem especial do tempo de prisão e de clandestinidade por razões políticas para efeitos de pensão de velhice ou de invalidez (PS.), que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões; 183/VII - Elevação da povoação de Oliveirinha, no concelho de Aveiro, à categoria de vila (PSD), que baixou à 4.ª Comissão; 184/VII - Lei dos empreendimentos turísticos (PCP), que baixou à 4 .ª Comissão; 185/VII - Novo regime de avaliação de impacte ambiental (Os Verdes), que baixou à 4.ª Comissão; e as ratificações n.ºs 22/VII - Decreto-Lei n.º 74/96, de 18 de Junho (PSD); 23/VII - Decreto-Lei n.º 75/96, de 18 de Junho (PSD).
Foram ainda apresentadas na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: aos Ministérios da Administração Interna e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; aos Ministérios da Saúde, da Educação e do Ambiente e à Câmara Municipal de Ourém, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Luís Sá, Álvaro Amaro e Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Antonino Antunes e Sérgio Vieira; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Costa Pereira; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Castro de Almeida; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Mota Amaral.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Miguel Miranda Relvas, na sessão de 16 de Fevereiro; Lucília Ferra, na sessão de 6 de Março; Maria José Nogueira Pinto, na sessão de 27 de Março; Maria da Luz Rosinha, na sessão de 11 de Abril; Castro de Almeida, no dia 14 de Maio; Mendes Bota, na sessão de 15 de Maio, e Luísa Mesquita, na sessão de 24 de Maio.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos agora dar início ao período de intervenções.
Para uma declaração política, tem apalavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP):. - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo socialista celebrou coma Liga de Clubes e com a Federação Portuguesa de Futebol um convénio ilegal, com o objectivo de proceder ao saneamento económico e financeiro dos clubes de futebol. A prova de que se trata de um convénio ilegal foi a necessidade que o Governo sentiu, numa primeira fase, de elaborar um decreto-lei e, já numa segunda fase, de submeter uma proposta de lei à Assembleia da República, materializando os compromissos que assinou com os clubes, sem qualquer cobertura legal.
Se o convénio fosse legal, não teria sido necessário tanto labor legiferante do Governo, nem tanto afã político dós clubes de futebol. O resultado deste passo em falso do Governo PS e da maioria relativa que o sustenta na Assembleia da República traduziu-se numa derrota política clara. Esta derrotado Governo constituiu em simultâneo uma vitória do primado da soberania do povo e do interesse geral sobre o abuso do poder dos lobbies e o interesse particular e corporativo de alguns.
Vêm agora os clubes de futebol ameaçar com o fim da formação desportiva e das modalidades amadoras. Trata-se de uma atitude revanchista condenável e de mais um erro que a opinião pública, mesmos opinião pública desportiva, não vai compreender. Com efeito, existe uma quase unanimidade na sociedade portuguesa quanto à utilidade e à finalidade sociais de uma parte da actividade dos clubes desportivos. O que tem sido escondido e omitido, pelos clubes e pelo Governo, é que essa utilidade e finalidade sociais já beneficiam hoje de um regime fiscal super-favorável de que mais nenhuma entidade em Portugal pode beneficiar.
É bom lembrar, por exemplo, que os clubes desportivos que gozam do estatuto de instituição de utilidade pública estão, hoje, isentos de imposto sobre sucessões e doações relativamente aos bens adquiridos a título gratuito; estão isentos de IRC relativamente aos rendimentos directamente derivados do exercício de actividades desportivas; e estão ainda isentos do pagamento de contribuição autárquica sobre os imóveis de interesse público de que sejam proprietários e desde que o requeiram à respectiva repartição de finanças. Quanto ao IVA, os clubes são meros intermediários, devendo proceder ao reembolso dós montantes cobrados a quem lhes preste serviços. Este regime fiscal especial é a contrapartida do reconhecimento pelo Estado das finalidades sociais que todos reconhecem existir numa parte da actividade dos clubes desportivos.
Já agora, recorde-se que o regime fiscal dos atletas profissionais está incluído no regime das chamadas «profissões de desgaste rápido», que confere um justo benefício pela reduzida duração da vida profissional dos atletas.
O Partido Popular não aceita, pela sua parte, o estigma que o Primeiro-Ministro tentou lançar dobre as oposições, ao acusá-las de falta de alternativas. É verdade que dos outros partidos não registámos qualquer alternativa. É verdade que, ainda hoje, num vespertino, tomámos conhecimento que o- líder do PSD está a tentar negociar uma solução para os clubes com o Ministro da Economia, aparentemente ao arrepio de tudo o que tem dito e feito até hoje.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Mas o Partido Popular, desde o início do debate deste convénio, apresentou três hipóteses de alternativas: reter as verbas que já hoje que os clubes recebem do Totobola, reter uma percentagem das receitas extraordinárias realizadas com as transferências multimilionárias de atletas profissionais e até reter, se necessário, uma percentagem das receitas de bilheteira.
A tudo isto o Governo fez «orelhas moucas». Por uma razão simples: o Governo abdicou da força política que o voto do eleitorado lhe deu e que a Constituição lhe confere de impor a um grupo restrito de contribuintes o sacrifício fiscal que a todos os portugueses é exigido.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte pensamos que está chegada a hora de acertar contas. Por isso, propomos que se comece por apurar qual o montante dos subsídios atribuídos aos clubes pelo Governo e pelas autarquias para construção de infra-estruturas e fomento da prática desportiva nos anos correspondentes às dívidas em causa. Está bem de ver que o apuramento deste montante permitirá esclarecer que os clubes há muito tempo que são reconhecidos pelas entidades públicas pela sua componente de utilidade social.
Depois, os clubes deverão tornar públicas as suas contas e explicar quanto gastaram no futebol e outras modalidades profissionais e quanto foi o dinheiro que encaminharam para as classes de formação nos anos em que se furtaram ao pagamento de impostos.
Queremos acreditar que, em nome da transparência de processos, não será difícil aos clubes .darem estes dois passos, que muito contribuiriam para-a resolução definitiva deste problema, de uma forma construtiva e eficaz. Só depois de conhecermos com rigor e exactidão estes dados será possível encontrar uma solução.
Desde já, queremos esclarecer, para que não restem dúvidas nem se venham a alimentar equívocos que, para o Partido Popular, das alterações a que os clubes vierem a proceder relativamente às actividades amadoras e de formação, devem ser extraídas todas as consequências legais, nomeadamente no que diz respeito às licenças de exploração dos bingos e ao regime fiscal de privilégio, de que até hoje têm usufruído.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não se encontrando presente o orador inscrito para a segunda declaração política, darei a palavra, desde já, para uma intervenção, ao abrigo do artigo 81.º do Regimento ao Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aveiro. É este o tema que tenho o prazer de trazer hoje a esta Câmara. Faço-o no meu tempo regimental e não em tempo do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, pois considero ser esta uma questão suprapartidária que deverá envolver todos os grupos parlamentares e todas as Sr.ªs e Srs. Deputados.
Aveiro, não sendo uma cidade conhecida pelo valor cultural de um ou de outro dos seus espaços ou edifícios, é com todas as suas particularidades uma zona ímpar do

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País que vale por todo um conjunto físico e uma história que se complementam e que encerram em si um elevado potencial turístico, económico e com padrões de vida que podemos considerar de elevada qualidade.
Venho, por isso, hoje, propor a VV. Exas. uma reflexão sobre um dos referidos espaços que caracterizam a cidade e que todos os que já estiveram em Aveiro bem conhecem. Refiro-me ao edifício da Capitania do Porto de Aveiro, que é aquele edifício que, bem no centro da cidade, parece flutuar sobre as águas da ria.
Uma primeira reflexão sobre este tema, elucidativa, de alguma forma, sobre o valor cultural e o carinho que todos aqueles que têm Aveiro no coração nutrem por este edifício, prende-se com o facto de este ser vulgarmente conhecido por «Capitania», embora por lá já tenham passado outras instituições e serviços e a própria Capitania do Porto de Aveiro com ele já ter poucas ou quase nenhumas ligações. No entanto, o valor simbólico deste imóvel, profundamente representativo das ligações entre a cidade e a ria, foi reforçado pela instalação da Capitania do Porto de Aveiro. Todo este simbolismo marcará para todo o sempre, e enquanto houver aveirenses de coração, uma clara identificação entre Aveiro e a sua história e este, comparativamente, singelo edifício.
Se é unanime a vontade de pôr cobro ao avançado estado de degradação da «Capitania» e de remediar o que infelizmente já foi destruído, poucas têm sido as vozes a levantarem-se neste sentido. De louvar o facto de, nos últimos meses, esta situação estar a ser alterada. De todos os pontos do País, de todos os partidos políticos, de todas as áreas profissionais, têm surgido manifestações que vêem engrossar o coro que, estou certo, levará à solução que se exige e que tarda.
Normal também, nestas situações, é o apontar de responsabilidades. É, de facto, necessário aponta-las mas nunca numa perspectiva desresponsabilizadora. Todos somos responsáveis por não termos agido mais cedo: é a Câmara de Aveiro, é a Direcção-Geral da Marinha, é a CONCASA, é a Teixeira Duarte, sou eu próprio, somos todos nós. Mas o que urge é encontrar soluções e não culpados.
No meu entender, a câmara municipal deverá tomar uma posição clara e firme, ainda que a responsabilidade formal possa não ser sua. Acontece que os órgãos políticos não se devem confinar às suas responsabilidades formais, há que assumir responsabilidades morais. Não se pode repetir com o edifício da «Capitania» o episódio dos muros da Ria de Aveiro. Não podemos deixar cair a «Capitania» e, durante meses e anos, discutir de quem é a responsabilidade. De igual forma, e porque a situação é de visível gravidade, não podemos deixar que alguém se magoe para se tomarem medidas. O edifício está já a ser suportado por escoras interiores e ameaça ruir. O passeio lateral ao edifício deve, por isso mesmo, ver imediatamente o seu acesso bloqueado e a paragem de autocarro movida para outro local. Esta medida compete à câmara pelo que será responsabilizada por eventuais acidentes se não a tomar já.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No que respeita à solução de fundo, um primeiro passo deverá ser o de elencar as diversas possibilidades, apurar os seus custos e outras implicações que possam existir, não só com a recuperação do edifício, como com a construção de um novo edifício que mantenha

a sua traça original, ou um edifício completamente novo, resultado de um concurso de projectos ou mesmo... nada. Ideia que para alguns - quem sabe, mais do que os que se pensa - não será estranha.
Pessoalmente recuso liminarmente qualquer outra solução que não seja a de manter Aveiro como é, ou seja, com a recuperação deste ou a construção de outro edifício com a mesma traça. E se, porventura, e infelicidade de alguém, outras soluções forem abertamente defendidas, a decisão deverá passar por uma larga e ampla consulta à população.
Felizmente, algo foi já conseguido que protegerá este edifício de eventuais desmandos. O imóvel encontra-se em vias de classificação por parte do IPPAR, resultado de meritórias diligências realizadas por algumas pessoas que, não sendo na sua maioria naturais ou residentes de Aveiro, têm vindo, de forma sincera e desinteressada, a tomar posição sobre este problema que urge solucionar.
No entanto, e apesar da garantia de, enquanto este processo decorrer, e mesmo depois da desejada classificação, o edifício não poder ser mexido sem autorização do IPPAR, outros perigos surgem. Se não se mexer no edifício, este, pura e simplesmente, ruirá a curto prazo. Assim, deve o IPPAR não apenas dar garantias mas, desde já, desenvolver acções com vista à preservação do mesmo.
Espera-se que não aconteça o mesmo que aconteceu à Igreja das Carmelitas que, sendo património do Estado e estando classificada como monumento nacional, se encontra votada ao abandono há longos anos. As suas telas do tecto que se encontram em restauro há mais de uma dúzia de anos no Instituto José Figueiredo, segundo notícias vindas a público, estão prontas, pelo que deverão ser devolvidas ao espaço a que pertencem. Acontece que, com este espaço (a Igreja das Carmelitas), ninguém sé tem preocupado. Penso ser esta a altura indicada para que, também relativamente a esta questão, sejam tomadas medidas.
A história do Convento das Carmelitas é ilustrativa dos perigos que o edifício da Capitania do Porto de Aveiro corre, se tivermos em conta que, em 1905, a câmara municipal da época fez movimentar uma das mais apaixonadas polémicas de que Aveiro tem memória. O poder político viria a ganhar, amputando parte do claustro (toda a ala norte) e a própria igreja, de que, além do mais, se foi o coro alto, sem qualquer consideração pela arte e história locais. Hoje são visíveis, nas arcadas, sinais da violenta amputação que a casa carmelita sofreu, encontrando-se o edifício nas mãos da PSP, quando tem sido reclamado para fins culturais, até por limitações ao serviço daquela instituição.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não pode o poder político ser o responsável, contra as populações e a sua memória, pela destruição do que de mais rico e belo o nosso país tem. Pelo contrário, devem os representantes do povo ser os mais acérrimos defensores da nossa história, dos nossos monumentos, das nossas tradições, enfim, da nossa identidade.
Não vamos deixar desfigurar a cidade de Aveiro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não havendo pedidos de esclarecimento, antes de dar a palavra, para uma declaração política, ao Sr. Deputado Durão Barroso, informo que se encontra a assistir aos nossos trabalhos um

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grupo de alunos do Centro Profissional Guérin, a quem peço uma saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Tem, então, a palavra o Sr. Deputado...

O Sr. Afonso Candal (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Afonso Candal (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente. É só para dizer...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, antes de fazer a interpelação, eu vou ter de lhe permitir que use da palavra.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Com certeza.

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado conhece as regras regimentais no que toca ao uso da interpelação. Os seus colegas de bancada disseram-lhe, não é verdade?

O Sr. Afonso Candal (PS): - Com certeza.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, faça favor de interpelar.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, é só para esclarecer a leitura que faço do «amplo» debate sobre a questão que abordei, no fundo para favorecer o andamento dos trabalhos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado terá a imprensa regional ou qualquer outra coisa, não pode é fazê-lo sob a forma de interpelação à Mesa. Peço-lhe desculpa.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Muito obrigado.
Tem apalavra o Sr. Deputado Durão Barroso para uma declaração política, em nome do PSD.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por iniciativa da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação desta Assembleia; Comissão a que tenho a honra de presidir, a Assembleia da República teve ocasião de acolher, nos dias 24 e 25 de Junho, em Conferência Interparlamentar e no âmbito do projecto da comunidade de países de língua portuguesa (CPLP), delegações dos parlamentos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. O Brasil fez-se representar pelo seu Embaixador em Lisboa, Presidente Itamar Franco.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Jaime Gama, participou na Sessão de Abertura, a qual contou com a presença do Vice-Presidente da Assembleia da República, Sr. Deputado João Amaral, em representação do Presidente da Assembleia. As delegações foram recebidas, em audiência, pelo Sr. Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio.

É, para mim, um grato prazer assinalar, hoje, perante o Plenário da Assembleia, o êxito que esta Conferência registou e que foi unanimemente reconhecido por todos os participantes.
Para tal, muito contribuiu o elevado nível das delegações presentes e o pluralismo da sua composição. Com efeito, quem diria, há alguns anos atrás, que seria possível reunir na mesma sala, em debate franco, aberto e em clima de amizade, parlamentares de forças políticas que, ainda há bem pouco tempo, se confrontavam militarmente?
Estiveram presentes Deputados de partidos do Governo e da oposição de todos os países africanos de língua portuguesa e, para além de naturais divergências, foi evidente o seu empenho na reafirmação dos valores da democracia parlamentar e do respeito pelos direitos humanos.
Também a todos uniu o propósito da criação da comunidade de países de língua portuguesa, tema que, para além do debate sobre a situação política nos diferentes Estados e a questão de Timor, preencheu os nossos trabalhos.
A Conferência Interparlamentar considerou, com o devido respeito pela área própria de competência dos governos, que o projecto da comunidade de países de língua portuguesa é demasiadamente importante para ser deixado apenas à intervenção intergovernamental. A nossa comunidade, para existir e ser digna desse nome, necessita de se consolidar e enraizar nas próprias sociedades dos países envolvidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E que melhor expressão poderá haver do querer e do sentimento dessas sociedades do que aquela que se manifesta pelos respectivos parlamentos, primeiros depositários da soberania popular?
Tomaram-se relevantes decisões, de que destaco o apoio à realização anual de uma conferência interparlamentar e a realização de jornadas parlamentares orientadas para o debate de assuntos específicos, tendo já sido escolhidos temas como o papel dos parlamentos na consolidação da democracia, o poder local e a luta contra o tráfico de droga.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma questão que vivamente interessou os Deputados dos países de língua portuguesa foi o da luta do povo timorense. A Conferência Interparlamentar, após ter ouvido uma exposição da resistência timorense, reafirmou, e cito, «a sua vontade de concertar esforços para que o povo de Timor Leste exerça livremente o seu direito à autodeterminação e expressou a sua condenação pelas violações dos direitos do homem praticados naquele território».
Momento particularmente significativo foi o da aprovação de uma resolução sobre esta matéria, onde é recomendada aos governos a adesão de Timor Leste à CPLP como observador ou estatuto afim, em condições a definir, e se deliberou convidar uma delegação da resistência timorense a estar presente na próxima conferência interparlamentar.
Apraz-me registar o facto de ter sido unânime o apoio à causa timorense, o que vem confirmar o interesse prioritário desta matéria no quadro da concertação político-diplomática da futura CPL-P.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Soube esta Assembleia traduzir em acções comuns um ideal comum. A aposta do

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Parlamento português na CPLP está feita. Esperamos que a 17 de Julho, também em Lisboa, a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, ao institucionalizar a CPLP, seja capaz de exprimir ao nível político aquilo que é uma vontade e um sentimento que muito ultrapassa o plano normal das relações entre Estados.
O Partido Social Democrata atribui grande significado ao projecto da comunidade de países de língua portuguesa. Muito fez no Governo para que ela se tornasse uma realidade e muito continuará a fazer para que não se perca o ânimo na prossecução daquilo que é um propósito da maior relevância nacional.
A este respeito, e antes de fazer uma proposta que gostaria de deixar à vossa consideração, quero sublinhar a valiosa contribuição que os Deputados portugueses, de todos os grupos parlamentares, deram para que a Conferência Interparlamentar fosse algo de que esta Assembleia se pode legitimamente orgulhar.
Mas penso que não podemos ficar por aqui. Nesses termos, tenho a honra de, em nome do Partido Social-Democrata, deixar à vossa consideração, para oportuna deliberação, o seguinte: proponho que a Assembleia da República crie uma fundação, com representação de todos os grupos parlamentares, para apoiar devidamente os esforços que aqui foram decididos.

Aplausos do PSD.

Penso que será o melhor modo de traduzirmos na prática o interesse que damos a esta matéria e o carinho com que acompanhamos a consolidação das democracias dos países africanos de língua portuguesa.
Uma boa altura para analisar esta matéria será, provavelmente, a discussão do próximo Orçamento do Estado. Julgo que nesta como noutras matérias não bastam as palavras, é também necessário e urgente que saibamos passar aos actos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): Sr. Presidente, Sr. Deputado Durão Barroso, ouvi atentamente a sua intervenção, cujo conteúdo não merece da minha parte grandes reparos.
Creio que o que se passou na semana passada na Assembleia da República foi um facto importante, de grande relevância política e extremamente interessante no que diz respeito às relações diplomáticas entre Portugal e os países de língua oficial portuguesa e não posso deixar de referir a falta de cuidado ou, talvez, um certo desinteresse que a generalidade da comunicação social concedeu a esta importante Conferência. Julgo também que será de referir que estiveram presentes todos os partidos de língua oficial portuguesa, apesar de, por dificuldades diversas, não ter estado presente uma delegação parlamentar brasileira, mas esteve presente o Sr. Embaixador Itamar Franco.
Creio, Sr. Deputado Durão Barroso, que importa reflectir sobre alguns aspectos que foram focados e sobre os temas debatidos naquela Conferência. Desde logo, o facto de terem estado presentes representantes não só de partidos governamentais mas também de partidos e de forças políticas da oposição dos respectivos países.

Sr. Deputado Durão Barroso, vamos ter, com certeza ainda este mês - esperemos que sim! - a constituição da comunidade dos países de língua oficial portuguesa. A reunião está marcada para o dia 17 e com certeza será um marco na história diplomática do País.
Pergunto: em relação ao futuro, independentemente da sua proposta, como é que entende que nós, Assembleia da República, deveríamos acompanhar mais a par e passo o desenvolvimento desta comunidade? Que tipo de papel é que o Parlamento português deveria assumir? Desde logo, a questão de Timor é um assunto de grande relevância para esta comunidade. Será extremamente interessante e importante verificarmos como é que a comunidade se vai portar, agora a um outro nível, no que diz respeito à questão de Timor.
Porém, a questão fundamental que coloco é esta: como antevê o nosso posicionamento? Que tipo de desenvolvimento parlamentar? Que tipo de acompanhamento? Independentemente das reuniões bianuais que já estão previstas, como é que entende que o Parlamento deveria acompanhar esta matéria?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):'- Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, começo por agradecer a questão que me colocou.
Em relação ao lamento que faz quanto à pouca atenção da comunicação social a este evento, também eu o subscrevo e, tal como tive ocasião de dizer a alguns Srs. Deputados participantes, penso que a culpa talvez tenha sido nossa. É que declarámos, desde o início, que os trabalhos eram abertos à comunicação social, que eram públicos. No dia em que declararmos que os trabalhos são à porta fechada, tenho a certeza de que a comunicação social vai olha-los com mais interesse. Espero que, na próxima conferência, possamos corrigir este erro evidente!
Falando agora de questões mais concretas, quanto à proposta de fiz, Sr. Deputado, ela obviamente foi muito genérica, porque a minha ideia e, portanto a do PSD, pois também estou a falar em nome do PSD, não é a de vos servir qualquer modelo pré-concebido mas, pelo contrário, a de que surja uma proposta de consenso dos diferentes grupos parlamentares.
O Sr. Deputado, como membro ilustre da Comissão de Negócios Estrangeiros, acompanhou as peripécias que houve para o lançamento desta nossa iniciativa e sabe que, graças à boa colaboração de todos os grupos parlamentares e graças à compreensão do Sr. Presidente da Assembleia da República, foi possível levá-la à prática. No entanto, do ponto de vista orçamental e do ponto de vista administrativo, tudo isto nos consumiu energias, que teriam sido poupadas se houvesse um instrumento mais ágil. Penso que talvez seja chegada a altura - por isso é que deixei essa proposta, em nome do meu partido - de os diferentes grupos parlamentares representados na Assembleia da República criarem um instrumento, que, provavelmente, deveria revestir a forma de fundação, para a cooperação política com os países de língua portuguesa.
Qual é a vantagem deste instrumento? A vantagem é que não haveria monopolização por um ou outro partido, estariam representados todos os partidos políticos no apoio à consolidação de regimes parlamentares democráticos nos

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países de língua portuguesa. Não fiz a proposta na reunião, porque considero que deve ser uma iniciativa portuguesa da Assembleia da República, deve ser uma fundação portuguesa vocacionada para apoiar a consolidação da democracia parlamentar e dos Estados de direito nos países de língua portuguesa. Com certeza que não procura substituir-se à acção governamental. Eu seria a última
pessoa, por razões que conhecem, a pretender que esta fundação se substituísse à acção político-diplomática que o Governo deve desenvolver, nomeadamente através de acções de cooperação.
Mas penso - e foi uma das conclusões da nossa reunião, a que o Sr. Deputado esteve presente - que há o campo próprio da cooperação interparlamentar. É um
modelo semelhante, ao fim e ao cabo, àquele que já existe nalguns países europeus, como conhecerá, que é o modelo de fundações pluripartidárias onde estão representadas as diversas forças políticas nacionais, que estabelecerão
relações não apenas com os governos daqueles países mas com as diferentes oposições, de modo a ajudar à consolidação da democracia.
Quais são as iniciativas? Nós vimos isso na reunião. Os próprios países de língua portuguesa manifestaram as suas prioridades e referiram as que ficaram no comunicado final e que eu aqui mencionei, ou seja, o papel dos parlamentos
na consolidação da democracia, a luta contra o tráfico de droga e também o poder local. Porém, foram referidos outros temas, tais como a luta contra o racismo e a xenofobia, que interessaram os participantes. Esta seria uma agenda inicial dos trabalhos.
A proposta que aqui fica, Srs. Deputados, visa ser uma proposta construtiva e, no próximo Orçamento do Estado, julgo que deve ser discutida uma verba não muito
considerável, porque para arrancar não é necessária uma verba importante, o gesto simbólico também conta. O importante é mostrar aos países de língua portuguesa que esta iniciativa não é para ficar na gaveta mas para ter
seguimento. Julgo, pois, que com uma verba simbólica podíamos pôr algo a funcionar que teria muito interesse para o futuro da cooperação parlamentar entre Portugal e os países de língua portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Muito obrigado, Sr. Deputado Durão Barroso. Creio que me compete sublinhar a importância da presença não só das delegações
desses cinco países de língua portuguesa mas também do Sr. Embaixador do Brasil, assim como a realização, promovida pela Comissão de Negócios Estrangeiros, da
Conferência Interparlamentar como uma importante actividade da Assembleia da República e que espero dê os resultados que todos desejamos.
Vamos entrar agora no período de intervenções sobre tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste último fim-de-semana, o País foi surpreendido pela inesperada acusação do Governo, através
do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, lesiva dos interesses e do bom nome dos bombeiros portugueses, ao instaurar ou pretender instaurar um
inquérito ao comando operacional que combatia o incêndio do Gavião.
Já aqui tivemos oportunidade de dizer que os bombeiros voluntários são credores da estima e admiração das

populações, pela sua acção voluntária e solidária em apoio e protecção de vidas e haveres das populações que bastantes vezes se encontram cercadas pelo fogo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nesses momentos, a sua única bóia de salvação são os soldados da paz, esses homens e mulheres que anonimamente arriscam a vida, a sua própria vida, em socorro do seu semelhante. Essa estima e admiração estão agora a ser postas em causa pelo Sr. Secretário de Estado que, em declarações bombásticas à comunicação social, disse proceder a inquérito ao Sr. Comandante Operacional que combatia o fogo ou que coordenava essa acção de combate a um incêndio de enormes proporções, cujo esforço nem sempre é coroado de êxito, mais pela falta de meios técnicos operacionais do que pela falta de esforço humano.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Ficámos atónitos. Pela primeira vez na história dos bombeiros de Portugal, um Secretário de Estado ousava pôr em causa a coragem e abnegação dos bombeiros voluntários.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Procurámos inteirar-nos da situação, para não falarmos de um assunto que tivéssemos apenas conhecimento pela comunicação, social, e, pelos elementos que recolhemos, podemos afirmar que não terá sido a ausência de coordenação do Sr. Comandante que levou à tomada de posição do Sr. Secretário de Estado mas, antes, as declarações proferidas por este, que afirmava que os meios aéreos estavam a entrar em acção tardiamente, e para cujos planos raramente são ouvidos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - No Congresso de Bombeiros efectuado este fim-de-semana em Fátima, vimos e sentimos da parte dos comandantes e dirigentes que falta em actos de apoio concretos aos bombeiros por parte do Governo o que sobra na atitude do Sr. Secretário de Estado.

Aplausos do PCP.

Mais do que a acusação ilegítima e profundamente injusta aos bombeiros, era preferível que o Governo se questionasse a si próprio sobre a política de prevenção, que não há, sobre os meios técnicos, que são escassos, sobre os meios financeiros, que são insuficientes, e sobre as dívidas do Ministério da Saúde 'que, como aqui vimos na semana passada e que ultrapassam os 800 000 contos, o Governo diz não saber quando os vai pagar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Fernando Serrasqueiro e Artur Torres Pereira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, acabei de ouvir a sua

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intervenção e creio que é conveniente precisarmos os termos exactos como as coisas aconteceram.
Das declarações que conheço do Sr. Secretário de Estado, nunca elas foram dirigidas para os bombeiros em geral mas para uma acção especial, para uma acção de coordenação que teve um responsável e foi esse responsável que iniciou, através de declarações públicas na comunicação social, a ideia de que os meios aéreos teriam sido insuficientes.
Gostaria de esclarecer que estive próximo do acontecimento e que, durante 2 dias, quatro aviões, dois deles especializados para aquele tipo de incêndio, estiveram sempre à disposição do Comando, que se revelou, na altura, segundo informações dos próprios bombeiros, incapaz de, durante três dias, pôr cobro àquele incêndio.
De qualquer forma, Sr. Deputado, já é conhecido hoje o relatório. Porque o omitiu na sua declaração? Gostaria de lhe dizer que esse relatório é conclusivo, e a conclusão é só uma: houve descoordenação, confirmando as declarações do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna relativas ao incêndio em causa, dizendo que a descoordenação motivou o atraso no combate àquele incêndio específico.
Gostaria, por isso, que o Sr. Deputado me esclarecesse se tem conhecimento do relatório e das declarações precisas do Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, sobre esta questão, quero dizer, antes de mais, que as declarações que foram feitas pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Interna nos pareceram de tal forma descabidas que o meu grupo parlamentar apresentou um requerimento na Mesa da Assembleia da República para se proceder, no mais curto espaço de tempo possível, a uma audição parlamentar do Sr. Secretário de Estado, a fim de podermos, de facto, avaliar até que ponto é possível, em Portugal, declarações de um responsável por um sector tão delicado para a vida pública nacional como este serem de tal forma contrárias ao que se pressupunha ser uma normal cadeia de comando.
Aquilo que foi dito pelo responsável ou pelos responsáveis dos bombeiros, que actuam de uma forma voluntária, abnegada, desinteressada, à custa de inúmeros sacrifícios da sua vida pessoal e profissional, foi apenas o que nos habituámos a ouvir muitas vezes, em muitas situações de combates a incêndios em circunstâncias de que apenas sabem Deus e os bombeiros portugueses.
Por isso, as declarações do Sr. Secretário de Estado foram demasiadamente cruéis, por descabidas e por falta de fundamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A crueldade dessas declarações é ainda mais sentida quando acabaram por ter o efeito de fazer daqueles bombeiros, em particular, e dos corpos de

bombeiros em geral, em Portugal, os bodes expiatórios de uma situação quanto à qual não havia o direito de dizer o que foi dito pelo Sr. Secretário de Estado.
Por isso, Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PSD vai requerer essa audição parlamentar do Sr. Secretário de Estado, por forma a, de uma vez por todas, saber ou entender por que razão há um desfasamento tão grande entre este Governo e todas as forças da autoridade em Portugal - militares e paramilitares -, porque não entendemos que seja possível haver uma descoordenação tão grande entre um Governo e as várias forças que tutela.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, no que toca ao relatório que mencionou, terá tido acesso a ele, mas eu não tenho, pois não sou membro do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Está no jornal!

O Orador: - Naturalmente, o senhor teve acesso mais rápido.
Sr. Deputado, estranho que este relatório seja conclusivo tão rapidamente quanto isso, na medida em que seguiram hoje de manhã para o local do incêndio os Srs. Inspector e Subinspector Regional de Bombeiros do Alentejo, que vão indagar das causas desta situação. Portanto, estranho muito que esta situação esteja devidamente esclarecida.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E esta?!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - E o relatório?!

O Orador: - Gostava de referir muito concretamente duas questões.
Em primeiro lugar, quando o fogo se reacendeu, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, não estavam helicópteros nem aviões naquela zona. Se quiser, mais concretamente, estava apenas um helicóptero, que não conseguiu levantar para ir combater o incêndio.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - E o relatório?!

O Orador: - Não se trata apenas do relatório, Sr. Deputado. Não é só isso. Trata-se também dos meios de protecção civil, que deviam coordenar e não coordenam. Os senhores não tiveram ainda a coragem de modificar os meios de protecção civil. Essa é que é a verdade. E a verdade foi dita pela boca do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, que o confirmou numa reunião que tive com ele há bem pouco tempo.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Olhe que não!

O Orador: - Não é verdade o que o senhor está a dizer. Não conhece a situação.
Por outro lado, há efectivamente uma cadeia de comando de fogo num combate de incêndio. No entanto, não foi apenas o comando operacional que foi posto em causa perante as declarações bombásticas do Sr. Secretário de Estado. Foram-no também o comandante de fogo e todos os homens.

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Creio que, se não houve comedimento da parte do Comandante, da parte da hierarquia e do Sr. Secretário de Estado deveria ter havido, como membro do Governo, o comedimento suficiente para não prestar tais declarações,
apurando primeiro os factos é respondendo depois às questões.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que nunca, mais do que ontem ou no passado, torna-se imperioso falarmos de educação. Este tema, tantas vezes aqui referenciado como uma paixão, não tem passado de amor platónico.
A educação incomoda, porque entra em casa de todos nós com a violência do inevitável. Por ela sofrem os pais, queixam-se os alunos, são incompreendidos os professores. Por ela se batem os filósofos, os pedagogos e os homens das ciências da educação.
A educação de qualidade é algo de tão importante que nada nem ninguém pode ficar-lhe indiferente: uns, porque lhes enche a alma de esperança, outros, porque a sentem com a angústia do irrealizável.
A educação, no nosso País, tem cumprido, umas vezes mal, outras menos mal, o acto do ensino. As escolas têm sido chamadas a trabalhos oficinais. Os alunos são, no actual sistema de ensino, os eternos condenados às experiências avulsas. Basta que alguém ou algum sistema de ensino lá de fora faça ou tente ensaiar uma «nova moda» e lá vamos todos a correr, para fazer algo igual, sem sequer cuidarmos de saber se as condições sociais e económicas são as mesmas, se o clima o permite, se a personalidade individual e colectiva tal consente. Porque parecem bem lá fora, então, também têm de dar resultado em Portugal. Erros como estes têm proporcionado desvios e distorções de todo o tamanho e feitio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A escola dos nossos dias anda desnorteada, às cegas, tacteando fantasmas, fantasiando sem bem saber o quê, navegando à vista como se não houvesse a certeza do rumo certo. E a verdade é esta: se perguntássemos que modelo de ensino existe em Portugal, julgamos que seria pergunta sem resposta.
A escola dos nossos dias não pode deixar de considerar os desmandos que estão a produzir-se diariamente na sociedade portuguesa. Deve olhar-se para eles com a certeza e a responsabilidade de quem tem obrigação de intervir. A escola, Sr.ªs e Srs. Deputados, não educa para a solidariedade humana como caminho duma postura assumida de paz. As guerras trazem-nos diariamente testemunhos de como as próprias crianças já pensam em egoísmos e em vinganças. Se elas reagem assim, é porque o clima de conflito que presenciam à sua volta lhes forma uma consciência desta natureza.
Vamos, então, encontrar outro caminho para penetrar na alma das nossas crianças, não com ódios e vinganças, não com armas ou roubos, não com egoísmos e consumos supérfluos, mas com abnegação para as coisas nobres, com doação para os mais necessitados. Preguemos a paz em tempo de guerra, mas façamos nas nossas escolas uma guerra diária à violência, ao conflito e ao egoísmo.
Mas como será isto possível, se as crianças das nossas escolas não se sentem seguras dentro ou fora dos recreios? Como podemos dizer-lhes que acreditem num mundo

melhor, se elas vêem os seus professores serem insultados diariamente pelos próprios pais e desautorizados pelos seus superiores?
Reina nas nossas escolas um permanente estado de intranquilidade. Os alunos estão intranquilos, porque não sabem como se devem livrar da violência gratuita dos recreios. Os professores estão intranquilos, porque, se cumprem as exigências dos programas, são acusados de exigentes; se são disciplinadores, são acusados de salazarentos; se são justos na avaliação, estão obsoletos; se deixam correr, são ineficazes, e, assim, são julgados num jogo em que estão sempre a perder, por qualquer dos ângulos que se analise a questão.
O sistema educativo é outro manancial de intrincados pressupostos. Fala-se em descentralização e verifica-se que as direcções regionais de educação pouco mais são do que meros entrepostos burocráticos. Existem vazios de competência por todos os lados. Umas vezes dizem que a competência é do Ministério, outras vezes é o Ministério a dizer que a competência é das direcções regionais.
Faz-se grande barulho com as propinas, com a investigação, com as cantinas universitárias, e ninguém quer saber das crianças de seis anos que andam quilómetros para ter escola, que não têm cantina para comer no intervalo para a refeição, que regressam a casa cheias de fome e frio.
Ninguém apoia a investigação no ensino básico, como se o insucesso escolar só existisse a partir do ensino superior.
Contestam-se os transportes públicos, porque os utentes vão «à pinha» e raramente se contestam os transportes escolares onde igualmente os alunos vão a pé. Apenas se fala de quando há um desastre, e depois tudo volta à mesma, naquela indiferença que só não é farisaica porque é pior do que isso: é calculadamente malévola.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: E que dizer da legislação? Uma manta de um pobre não tem mais remendos. Aquilo é um tal emaranhado de leis e decretos, de decretos e portarias, de portarias e despachos normativos, de despachos normativos e circulares, que não há quem se encontre neste labirinto. Manta de retalhos, disse eu? Muito pior, porque a manta velha ainda se pode deitar fora e substituir por outra. Mas aquela legislação, que ninguém sabe, que também quase ninguém consegue cumprir, não se pode deitar fora. Está lá e veio para ficar. Pedimos, uma vez mais, aos responsáveis pelo Ministério da Educação que criem uma comissão especializada para fazerem menos legislação e melhor legislação. A continuarmos assim, não há quem resista. Façam-se leis que se entendam, leis que todos saibam interpretar, que se saibam ler, sem a necessidade de recorrer a artifícios linguísticos. Os professores deste País merecem este esforço.
Os professores são os principais agentes da mudança. Não são funcionários públicos. As escolas não são repartições públicas. Os alunos não são utentes dos serviços. A docência não é uma prestação de serviço a termo certo, ainda que, quanto a isto, tenhamos de ter vergonha por possuirmos no sistema educativo professores pagos como mulheres a dias. Que desgraça, que vergonha, para um País que se diz querer entrar e estar no pelotão da frente dos países europeus. Está na frente como máquina, e o resto do comboio fica de fora?
Os professores querem que se lhes reconheça a diferença. Os professores não dizem que são melhores do que os funcionários públicos. 0 que eles afirmam - e é

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verdade - é que são diferentes, porque o seu trabalho também é muito mais diferente. Arquivar, minutar, ou dar pareceres nada tem de semelhante com ensinar, educar, preparar o futuro. Por isso é que teremos de reconhecer que os professores terão de ser considerados uma classe específica que ultrapasse a lógica efectiva do funcionalismo público.
Mas não é com a equiparação aos técnicos superiores que lá vamos. Os professores não podem estar satisfeitos com as migalhas que obtiveram nas negociações entre os sindicatos e o Ministério da Educação. A montanha da paixão deu à luz um anão. Os professores ficaram a ver passar a sua vez. E quando julgavam, e tinham o direito de julgar, que deveriam ser credores de maior apreço, meteram-lhes nas mãos uns pobres cobres mensais, que nem sequer dão para pagar um almoço a um amigo.

Aplausos do PSD.

E perdeu-se a oportunidade de se estabelecer o princípio de que ser professor é diferente de ser técnico, por muito superior que seja. Agora, os professores são equiparados a técnicos e, como tal, apenas lhes competirá leccionar, sem amor nem paixão, sem entusiasmo nem inovação, porque um técnico é um executante e mais se lhe não deve pedir.
A dignificação não está nos escudos que se venham a ganhar. E fossem eles muitos!... Mas não passaram de promessas de um amor que parecia ir desfazer-se em felicidade. Os professores dos ensino básico e secundário estão arreliados, Srs. Deputados. Dizem, e com razão, que se não vendem por tão pouco. E dizem mais, Srs. Deputados: dizem que lhes deram um bocado para mais tarde encherem a boca aos do ensino superior. E se assim for? Julgam VV. Ex.as que os professores do ensino não superior se calarão? Julgam VV. Exas. que os professores ficarão a olhar para a injustiça das desigualdades como mal sem remédio?
Afinal, apetece perguntar: como se tranquilizam os professores? Sem professores não há escola, nem projecto educativo, nem reformas que subsistam para lá das intenções dos gabinetes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes ajustamentos nos vencimentos dos professores são de uma injustiça flagrante. Se não fosse tão grave o problema da parcialidade que a lei parece querer contemplar, dava para ironizar, dizendo: «cada cavadela, cada minhoca».
É que, na verdade, depois de uma frente sindical ter refilado e não ter assinado a proposta de entendimento, o Ministério da Educação disse, em tom de acordo de cavalheiros e numa posição de grande abertura ao diálogo, que todos os aposentados até 31 de Dezembro de 1996 não precisariam de completar três anos para se irem embora com o 2.º escalão dos índices 9 º e/ou 10.º
Mas, então, isto é assim? A lei pode contemplar alguns felizardos e prejudicar outros só porque uns têm a sorte de se aposentarem até Dezembro e os que se aposentam no mês seguinte já têm que ficar mais três anos à espera? E os que se aposentarem um dia antes de a lei ser feita? Já não levam nada? E os que há meses ou mesmo há dois ou três anos deram 36 ou 40 anos de serviço ficam a olhar para os que cumpriram apenas 30 anos, como se trabalhar de mais fosse um castigo? Que lei é esta, que não reflecte exactamente a verdade e a justiça das situações?
Que o Estado, que afinal sempre se comporta como uma regateira em dia de mercado, para pagar menos, tente uma

manobra destas, até certo ponto, compreende-se, porque está-lhe na massa do sangue. Agora, o que nos dói, sinceramente, o que nos espanta é que as frentes sindicais se deixem arrastar para estas ignominiosas situações. As leis, para serem inócuas, devem abranger o geral e não podem contemplar situações particulares e muito menos pontuais. Ora, estamos perante uma lei falha de boas intenções e coxa de propósito de justiça igualitária.
Como Deputado e como representante da maior organização de educadores e professores - a Associação Nacional de Professores, não podia deixar de trazer a esta tribuna o alerta que se impõe para que o sistema educativo se desenvolva com normalidade, com estabilidade e sobretudo com tranquilidade.
Estou plenamente convencido de que só haverá verdadeiro sucesso quando se devolver aos educadores e professores a responsabilidade de lhes confiar as escolas com plena autonomia financeira, pedagógica e administrativa.
Estou seguro de que, ao confiar-se-lhes tamanho desempenho, saberão assumir as responsabilidades inerentes à mais nobre das funções: ser professor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção surge na continuação das intervenções anteriores relativas ao resultado do inquérito decorrente do incêndio florestal na serra do Gavião.
Das intervenções que aqui se produziram, constatei que havia desconhecimento quanto ao processo em si e às afirmações produzidas. Tenho, agora, na minha mão a síntese do relatório, que irei entregar na Mesa, para que o Sr. Presidente faça o favor de o distribuir pelos Srs. Deputados.
Diz o relatório claramente o seguinte: «(...) desde o início do sinistro, todos os meios aéreos solicitados para o local, e disponíveis, foram accionados e retiraram quando foi tecnicamente considerado, pelos coordenadores aéreos no local (...) a sua impossibilidade de actuação, (...) dadas as características do terreno (...) e a inexistência de um adequado dispositivo terrestre.
O custo total dos meios aéreos (5 helis e 2 aviões) (...) foi de cerca de 58 000 contos, sendo de cerca de 42 000 contos o custo dos meios aéreos pesados (...)».
Assim, para informação da Câmara, irei entregar à Mesa a síntese do relatório.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas lamentar que o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro não tenha ainda compreendido que esta não é uma questão administrativa ou de relatório. É uma questão. substancial, uma questão política. E a questão política que está em causa não são as palavras ou as letras que vêm expressas num documento, neste caso, num relatório, mas a forma como o Ministro se dirigiu e o que

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disse a pessoas suas subordinadas, tendo actuado de uma forma totalmente desproporcionada em relação ao esforço, ao sacrifício e ao espírito de homens que são bombeiros, com sacrifício da sua vida pessoal e profissional, prestam um serviço aos portugueses, mas que, mesmo assim, foram maltratados pelo membro do Governo de quem dependem. Não é uma questão administrativa mas, sim, política e é bom que os senhores entendam isso quanto antes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, há mais um Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já, ou no fim?

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, embora não estivesse na Sala, ouvi o que o Sr. Deputado disse, e gostava de lhe colocar duas questões que são caras aos bombeiros.
Em primeiro lugar, parece-me que todas as situações fugiram, como disse, à cadeia de comando.
Em segundo lugar, quero perguntar-lhe muito frontalmente o seguinte: acredita V. Ex.ª que um comandante operacional, bombeiro há 40 anos, não saiba o que está a fazer no terreno?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É que este comandante de que estamos a falar é bombeiro há 40 anos. E a questão que lhe coloco é exactamente esta: crê V. Ex.ª que este homem não tem capacidade de comando, não tem capacidade para coordenar os meios no terreno?
Em nosso entender, o que faltou efectivamente no terreno foram os meios e não a coordenação.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao relatório, ele não pode exprimir aquilo que não existe! Há pouco, perguntei ao Sr. Deputado - e volto a perguntar-lhe - o seguinte: como é possível que o relatório esteja pronto quando ainda hoje de manhã seguiram para o local os Srs. Inspector e Subinspector dos Bombeiros do Alentejo para falarem com o Sr. Comandante?! Como é possível que este relatório tenha chegado a um resultado final, se não estão apuradas todas as situações que ali ocorreram?
Assim, as minhas duas perguntas são, uma, sobre a questão do homem que é bombeiro há 40 anos e, outra, sobre a situação concreta de não estarem apurados todos os factos ali ocorridos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Artur Torres Pereira, o senhor provavelmente confundiu o Sr. Ministro com o Sr. Secretário de Estado, porque essas declarações, relativamente à questão em

causa, não foram proferidas pelo Sr. Ministro mas pelo Sr. Secretário de Estado.
De qualquer forma, o que tenho para dizer-lhe é que há o relatório, mas há mais. Há já declarações da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais, que diz o seguinte: «A Associação Nacional não entende que alguns comandantes de bombeiros voluntários se sintam indignados porque o MAI (Ministério da Administração Interna) lhes pede explicações sobre o seu trabalho de comando e operacionalidade num incêndio». Num incêndio, Sr. Deputado! Quer extrapolar para afirmações de âmbito genérico? Não é o caso! Essas explicações foram precisas relativamente a um caso em concreto e a uma actuação em concreto. E 40 anos de actividade não significam competência. Não quero analisar hoje aqui a competência ou a incompetência, mas todos nós sabemos - e referindo-nos a 40 anos - que também houve um governante que esteve 40 anos no poder e daí não advém qualquer juízo de mérito relativamente à sua actuação.
De qualquer forma, gostava de dizer-lhe que o relatório, neste momento, é público e está assinado pelos inspectores, que têm, já há alguns anos, reconhecida e comprovada actividade nesta área. Portanto, Sr. Deputado, vamos ceder-lhe a síntese do relatório e, se quiser, facultar-lhe-emos o relatório na sua plenitude.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Vão de mal a pior! Comparar um bombeiro voluntário com um fascista é um pouco esquisito!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro fará, depois, entrega do documento que mandarei distribuir.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 18/VII - Cria cinquenta tribunais de turno e 42/VII - Altera a legislação que regula os processos especiais de recuperação da empresa e de falência.
Tenho a informá-los, Srs. Deputados, que a proposta de lei n.º 49/VII - Cria o Tribunal Central Administrativo (Altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos) -, que também fazia parte deste lote, foi desagendada pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Mais informo que o ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, relativo à proposta de lei n.º 50/VII, da Assembleia Legislativa de Macau, foi agendado para outra ocasião.
Relativamente à discussão conjunta, a que vamos agora dar início, e de acordo com as indicações fornecidas à Mesa, vou dar a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, que apresentará uma das propostas de lei, e, depois, ao Sr. Ministro da Justiça, que apresentará a outra. Na sequência, seguir-se-á o debate e os pedidos de esclarecimento, se os houver.

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Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça (Matos Fernandes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 18/VII, apresentada pelo Governo, sobre a criação de 50 tribunais de turno, vem retomar um anteprojecto já elaborado pelo Governo anterior e que estava pendente no Ministério da Justiça quando iniciámos funções. Retoma-o e segue-lhe a filosofia nuclear, expurgando-o, no entanto, daquilo que, nesse ínterim, aconteceu e que me parece ser da maior importância. É que um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, mediante recurso de mais de 30 juízes da comarca de Lisboa, julgou a ilegalidade de uma deliberação do Conselho Superior da Magistratura, deliberação que regulamentava, nos termos de decreto-lei anterior, o funcionamento dos turnos nas comarcas de Lisboa e do Porto. Entendeu o Supremo, bem ou mal, não interessa - esse acórdão está transitado em julgado e, na execução do acórdão, o Conselho Superior da Magistratura repristinou, por deliberação tomada, a situação anterior -, que o Conselho Superior da Magistratura não podia ser um órgão delegado, no sentido de regulamentar, nomeadamente, como a lei dizia, em Lisboa e no Porto, a questão da designação e do roulement dos juízes para o funcionamento dos tribunais de turno.
De resto, os tribunais de turno estão anunciados, desde que, em 20 de Agosto de 1992, se alterou o artigo 90.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. Nunca chegaram a ser criados e têm sido objecto de uma vida atribulada. Sucederam-se decretos-leis a decretos-leis, portarias e despachos interpretativos, mas a verdade é que não foi possível, até hoje, estabelecer um conjunto coerente de normas e de princípios, que pusessem em funcionamento os tribunais que são - e já o eram, na altura - muito importantes, em sede de defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
O que nos coube fazer, modestamente, foi, tomando como base, repito, o projecto que já tínhamos encontrado, adequá-lo à jurisprudência, entretanto surgida, na passagem entre os dois Governos, oriunda do Supremo Tribunal de Justiça, e criar não 33 mas 50 tribunais de turno, até porque o projecto que encontrámos eliminava a ilha de Porto Santo e algumas ilhas da Região Autónoma dos Açores. Quando, no anteprojecto, elas estavam contempladas, alguém observou se o juiz de Angra do Heroísmo não podia ir ali abaixo, à ilha das Flores ou à Graciosa, e o projecto final, tomando em consideração essas observações e essas críticas, pura e simplesmente, deixou essa área do território nacional por regulamentar.
A nossa preocupação foi a de - como efectivamente fizemos - cobrir todo o .território nacional, reconhecer que, na realidade, este é um problema complexo, que outras soluções são possíveis e, como dizemos na nossa própria exposição de motivos, que esta é efectivamente uma situação de conjuntura, relativamente à qual foi necessário tomar providências com a urgência que a situação impunha e que pode perfeitamente ser reanalisada e revista, em sede mais ampla de organização judiciária.
Quanto aos pontos essenciais da proposta de lei, ela cria 50 tribunais de turno, faz a cobertura de todo o território, sem esquecer obviamente as regiões autónomas, constitucionaliza o que era organicamente inconstitucional, porque anteriores decretos-leis providenciavam sobre matéria de Estatuto dos Magistrados Judiciais,

concretamente sobre a sua remuneração nos dias em que prestassem serviço de turno, procura respeitar o princípio do juiz natural, por forma a que, de antemão, se saiba - e todos saibam - qual é o tribunal que está de turno e qual é o que se lhe segue, designadamente como se faz a rotatividade de cada tribunal, do mesmo modo que procura respeitar o princípio do juiz natural, sabendo-se, de antemão - e designados por quem de direito, que não o Conselho Superior da Magistratura, que é um órgão administrativo de gestão e disciplina dos magistrados -, quem vão ser os juízes que estarão de turno.
Preenchem-se algumas lacunas que detectámos, designadamente o regime de substituição dos magistrados; há norma expressa sobre as garantias de defesa cometidas à Ordem dos Advogados, em relação à qual a lei anteriormente era omissa; há norma expressa sobre a responsabilização pelo pagamento das despesas das pessoas que têm de deslocar-se ao tribunal, no que também a lei anterior era omissa, e há, por outro lado, providência concreta, em relação aos funcionários judiciais, quanto à compensação, por imputação nas suas férias normais, do tempo gasto em dias não úteis da semana.
Quanto a esta proposta de lei, posso dizer muito rapidamente que ela teve o apoio irrestrito da Ordem dos Advogados, que conta com o apoio sem críticas do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e que, por parte da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, tem como contraproposta a ideia dos chamados tribunais permanentes, tendo, no entanto, essa Associação Sindical a hombridade de reconhecer que «os tribunais permanentes são uma solução altamente dispendiosa - instalar uma rede desses tribunais com toda a estrutura orgânico-logística implicaria um dispêndio talvez excessivo em função de outras soluções igualmente viáveis e menos dispendiosas». É a própria Associação Sindical dos Juízes Portugueses, quem, retomando, nos últimos dias, a ideia dos tribunais permanentes e ouvida, nos termos da lei, sobre esta proposta, reconhece lucidamente que seria um luxo asiático para as nossas possibilidades e até uma desnecessidade total nas regiões do interior a criação de tribunais permanentes 24 horas por dia, como, por exemplo, há na Espanha, nomeadamente em Madrid, Barcelona e Sevilha.
Por seu turno, o Sindicato dos Funcionários Judiciais toma para si, nas críticas que faz a esta proposta, tal como nas críticas que fizera a propostas do anterior Governo, dores, que, salvo o devido respeito, não são suas, mas nossas, e responsabilidades que são do Governo, mas não do Sindicato dos Funcionários Judiciais. Designadamente, preocupam-se, e bem, com o apoio logístico e com a segurança dos tribunais e, menos bem, a nosso ver, com o problema da sua própria remuneração pelo trabalho aos sábados, domingos e dias feriados, dizendo que, sendo um trabalho extraordinário, deveria ser remunerado nos termos da lei que remunera o trabalho extraordinário.
Quanto à remuneração dos magistrados judiciais do Ministério Público e à dos funcionários judiciais, seguimos rigorosamente o que já constava de despacho conjunto dos Srs. Ministros das Finanças e da Justiça do anterior Governo. Fizemos, ipsis verbis, a reprodução do que constava desse despacho conjunto, que nos pareceu realista dentro das nossas possibilidades.
Quanto ao problema da remuneração dos funcionários judiciais, quero recordar a esta Câmara, para quem não priva muito proximamente com este tipo de questões, que os funcionários judiciais não são funcionários públicos

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«normais», não são um corpo especial, mas têm um regime especial, que me permito enunciar como desvios aos princípios gerais que regem o Estatuto da Função Pública. Têm um sistema retributivo autónomo, com escalões mais elevados do que os dos quadros técnicos da Função Pública; têm direito a despesas de deslocação sempre que são transferidos de tribunal para tribunal; têm direito a férias, para eles e para os familiares, com transportes pagos, do território continental para as regiões autónomas e das regiões autónomas para o território continental; têm um subsídio de periferia, actualizado há cerca de um mês por despacho do Sr. Ministro da Justiça, que abrange os funcionários que trabalham nas regiões autónomas e nas comarcas do Algarve; têm direito a transportes colectivos gratuitos em serviço, entendendo-se por «serviço» a deslocação do tribunal para casa e de casa para o tribunal; aposentam-se aos 60 anos de idade, podendo, voluntariamente, aposentar-se aos 55 anos de idade. Enfim, os funcionários das regiões autónomas têm, para efeitos de aposentação, uma bonificação de 25%.
É óbvio que, se segundo o princípio da igualdade devemos tratar igualmente aquilo que é igual e desigualmente aquilo que é desigual - disse-o já o tribunal constitucional alemão, lapidarmente, em 1954, expressão mil vezes repetida -, nos sentimos, todos nós e não só o Governo, toda a comunidade, no direito de aguardarmos desta categoria de funcionários o sacrifício acrescido que aos outros não é pedido porque se compensa, e a justificação da diferença reside precisamente numa justíssima diferenciação de tratamento salarial e de outro tipo de benefícios.
Assim sendo, é isto que, em termos genéricos, eu trazia para explicar, apesar de a exposição de motivos que acompanha a proposta de lei ser muito pormenorizada, e, repito, entre o anterior projecto, que ficou no limbo, e este que agora se apresenta intercede, o que é muito importante e nos obriga a reflectir sobre algumas das soluções que agora vos propomos, a declaração de ilegalidade da interferência do Conselho Superior da Magistratura, para, numa norma quase em branco, regulamentar aquilo que por decreto-lei ficara por regulamentar, do mesmo modo que, repito, se constitucionaliza aquilo que, salvo o devido respeito, não poderia nunca ter sido feito por simples decreto-lei e muito menos por portaria remuneratória, uma vez que tem a ver com o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, como estamos perante uma discussão conjunta, vou dar de imediato a palavra ao Sr. Ministro da Justiça para fazer a apresentação da proposta de lei n.º 42/VII, e só depois darei a palavra aos Srs. Deputados que se inscreverem para pedir esclarecimentos aos dois membros do Governo.
Tem a palavra, Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Trago hoje a esta Câmara uma proposta de lei relativa à criação de tribunais especializados em matéria de falências e recuperação de empresas.
Tem-se discutido, nos últimos anos, e tem-me sido posta a questão, a criação de tribunais especializados em matéria comercial, os chamados tribunais de comércio. Já os tivemos, mas deixaram de existir há umas largas dezenas de anos. E tenho resistido sempre a essa tentação. Tentação

Fácil, visto que, perante o aumento da litigiosidade, há a procura de soluções que passam, para algumas pessoas e algumas entidades, pela criação de muitos tribunais de competência especializada. Seria uma forma, segundo eles, de, com magistrados e funcionários dentro das matérias, com mais facilidade de as compulsar, seguir e decidir, por forma a poder atingir-se um dos objectivos fundamentais do Governo - e, eu diria, de todos nós - que é, por um lado, a aceleração dos procedimentos judiciais e, por outro, uma melhor justiça.
Penso, no entanto, que há que fugir a esta tentação. Ela é, enfim, visível e compreensível, mas não penso que seja uma solução que de momento possa resolver, em termos adequados, a situação da justiça portuguesa, que, como sabemos, não é satisfatória a vários níveis, como, por exemplo, ao nível da celeridade dos procedimentos, dos processos, e até muitas vezes ao, nível das condições desse próprio exercício da justiça nas suas várias vertentes.
Acontece, no entanto, uma situação especial em relação à matéria das falências e da recuperação de empresas. Desde logo, a evolução destes processos tem sido, nos últimos cinco anos, relativamente àqueles de que já temos dados definitivos, visto já existirem em relação a 1995, praticamente sempre de aumento, que foi especialmente exponencial no ano de 1995, pois passaram a existir pendentes, em todo o território português, 2122 processos de falência e de recuperação de empresas. Vínhamos de uma situação, em 1992, com 1693 processos, número idêntico ao de 1993 e já mais elevado em 1994, que era de 1895 processos.
Mas, junto com esta situação de aumento da litigiosidade neste sector específico da vida comercial e empresarial, há uma outra muito específica a acrescer. Grande parte destes processos, mais de metade deles, situam-se nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. É uma situação especial que não sucede em muito outro tipo de litigiosidade; uma enorme concentração devida naturalmente àquilo que, como é do conhecimento de todos, é também uma enorme concentração da vida empresarial do nosso país nestas áreas metropolitanas, sobretudo porque praticamente aí se situam, de uma forma sistemática, as sedes das empresas, mesmo quando não se situam as fábricas, os armazéns, os locais da produção. É uma situação que, como todos sabem, já teve de ser enfrentada a nível fiscal, por conduzir a distorções graves da distribuição do produto da fiscalidade, e que aqui, neste campo, neste sector, nos coloca, naturalmente, desafios especiais.
Por outro lado, a verdade é que verificamos que os processos de falência e de recuperação de empresas, que têm de ser pela sua própria natureza processos céleres, sob pena de não satisfazerem nem os interesses dos credores nem os do comerciante - comerciante em nome individual ou colectivo -, como também é do conhecimento de todos e confirmado pelas estatísticas, arrastam-se por tempo demasiado, chegando a durar mais de cinco anos a resolução de um processo. Como resultado, verificamos, quando chegamos ao fim, que, se havia alguma recuperação possível, ela já, se esboroou, digamos, com o decorrer do tempo e, se havia ainda alguma possibilidade, mesmo em caso de falência, de os credores, todos eles - os trabalhadores, o Estado e os credores comuns -, virem a receber alguma parte do produto da liquidação, ela também se foi esboroando com o perder do valor do património empresarial, com este longo passar de tempo.

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Uma outra razão específica para este sector diz respeito à natureza muito especial destes processos, a exigir de magistrados, de funcionários e, sobretudo, de administradores e liquidatários um conjunto de conhecimentos e apetências, de conhecimentos da vida empresarial, de contabilidade, de gestão empresarial, daquilo que pode ou deve ser uma empresa a recuperar, que, a nosso ver, exigem que se adoptem, neste tipo de tribunais, medidas específicas que possam dota-los de peritos, peritos contabilísticos, peritos em administração de empresas, economistas peritos na análise de balanços e da capacidade de as empresas se recuperarem ou não.
Daí que tenhamos, também nós, Ministério da Justiça, preparado, incluído num pacote legislativo muito amplo, que já aqui foi discutido pelo Sr. Ministro da Economia, um conjunto de medidas para fazer face a esta situação de dificuldade das empresas. Esta que aqui vos apresento hoje, e que justifico nos termos já aqui relatados, é uma dessas medidas.
Devido à grande concentração de processos em certas áreas, áreas essas que são as únicas em que pretendemos criar tribunais de competência especializada, há grande complexidade das questões a analisar por magistrados, funcionários, administradores e liquidatários, e há necessidade de criar mecanismos que abreviem, digamos assim, este tipo de procedimentos. Temos em preparação muito adiantada, a ser presente a Conselho de Ministros nos próximos dias, uma revisão do estatuto dos administradores de empresas em dificuldade que cria um conjunto de incompatibilidades e impedimentos, designadamente limitando o número de empresas em que cada administrador ou liquidatário pode ter intervenção. Efectivamente, a lei actual não o refere e, como resultado, temos conhecimento de organizações, de autênticas organizações empresariais, na base de um administrador que tem a seu cargo - e é caso para dizer «vá-se lá saber porquê!» - mais de 200 empresas que administra, ou melhor, que certamente administra mal.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Muito bem!

O Orador: - Daí que esteja em preparação, já num estado avançado, o referido diploma que também procurará acabar com uma situação que já é nos tribunais objecto de algum escândalo, que é o facto de alguns administradores de empresas virem depois a tomar assento nas administrações das empresas recuperadas,...

Aplausos do PS.

... o que também nos parece ser, manifestamente, um impedimento a introduzir na lei a bem da transparência necessária nestas matérias.
Pensamos, Sr.ªs e Srs. Deputados, que, com a criação dos tribunais especializados em matéria de falências e de recuperação de empresas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, abrangendo, como já disse, mais de metade deste tipo de processos, também nós, Ministério da Justiça, estaremos a dar um contributo importante para todo o pacote do Governo em favor da recuperação de muitas das empresas portuguesas que se encontram em dificuldades - e todos sabemos porquê - e, no fundo, para a salvação de muitos postos de trabalho, ou, no caso de declaração de falência atempada e rápida, conduzir à possibilidade de os credores e, em primeiro lugar, os trabalhadores e o Estado, e certamente os credores comuns,

poderem vir a ser ressarcidos, pelo menos parcialmente, daquilo que lhes é devido.
É uma obrigação que o Ministério da Justiça acompanha com seriedade e preocupação. Pensamos que, com este conjunto de medidas, juntamente com a revisão, também em fase muito adiantada, da legislação básica em matéria de recuperação de empresas e de falência, que iremos aprovar certamente ainda durante o Verão (trata-se de uma legislação processual que, em princípio, entendemos não ter de vir à Assembleia da República), daremos o nosso contributo para esta política em que todo o Governo e certamente toda a Assembleia da República estão profundamente interessados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente, (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Lobo Xavier, Guilherme Silva, Odete Santos, Helena Santo e Antonino Antunes.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, no Partido Popular, estamos plenamente de acordo com as razões, algumas das quais V. Ex.ª referiu, que apontam para a necessidade da criação de tribunais de competência especializada no domínio dos processos de falência e de recuperação de empresas. Estamos de acordo com os objectivos e motivos por que começa a ser preocupante quer a pendência média dos processos nestas áreas quer o incremento de novos processos que tem ocorrido sobretudo nos últimos dois meses: os dados de que disponho apontam para 132 novos processos no mês de Junho e número muito semelhante no mês anterior, sendo provável que essa situação não venha a apresentar valores melhorados nos próximos tempos.
Contudo, V. Ex.ª desculpar-me-á mas algumas reflexões críticas sobre o método tenho de fazer-lhe apesar de estar de acordo com os objectivos.
Em primeiro lugar, o meu entendimento é o de que os tribunais de competência especializada constituem solução não só para este domínio do tráfego jurídico como para outros desde que haja formação especializada de magistrados. Não havendo formação especializada de magistrados - que, de resto, demorou muito tempo no caso dos Tribunais Administrativos e Fiscais mas o Governo anuncia que aí mesmo se irão introduzir modificações brevemente - no domínio destes tribunais de competência especializada, estaremos apenas perante mais tribunais que se ocuparão de processos, sobretudo no aspecto quantitativo e não qualitativo.
Ora, alguns dos problemas que conduzem ao atraso no andamento destes processos dizem respeito à falta de preparação e distanciamento dos juízes em relação a estes problemas concretos, à dificuldade de entrosamento entre os juízes e os gestores judiciais, que leva muito tempo, à utilização de uma linguagem completamente nova. Enquanto não houver essa formação especializada, lamento dizer que a esperança que colocamos nestes tribunais, ainda que seja um passo positivo, é, apesar de tudo, relativa.
Em segundo lugar, penso que faz sentido tratar destas questões, como V. Ex.ª disse, no quadro de um conjunto de medidas legislativas globais. Porém, não fizemos aqui uma discussão relativa a essas medidas legislativas globais mas sobre um determinado plano e de uma forma um

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pouco vaga. Não sabemos o que se vai fazer aos gestores judiciais e aos liquidatários nem de que modo se vão tratar em próximos diplomas as funções desses agentes deste processo; não conhecemos o modo como V. Ex.ª pretende regulamentar a criação deste tribunal nem se terá apenas jurisdição no Porto e em Lisboa, o que apenas pode ser esclarecido pela exposição de motivos e não pelo texto.
O meu grupo parlamentar preferia ter tido conhecimento do modo como V. Ex.ª pretende regulamentar esta lei e a vai enquadrar com as outras alterações, em termos mais concretos, sem embargo de o nosso voto ser positivo, com certeza.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, agradeço as suas críticas e, parafraseando algo que disse no sentido de ser relativo o seu acordo, dir-lhe-ei que quase tudo é relativo na vida, até o seu acordo. Nem outra coisa seria de esperar; se fosse absoluto é que ficava preocupado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Não sei porquê!

O Orador: - O Sr. Deputado já andou pelos tribunais e sabe que os juízes dos tribunais de trabalho não têm qualquer formação especializada. No entanto, ao fim de um ano sabem tudo o que há sobre direito e processo do trabalho.
Sou contra a formação especializada dos juízes a não ser em casos muito específicos como no dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Por que é que esse caso é específico?

O Orador: - Não é específico! Verá que um magistrado, depois de estar alguns meses à frente de um tribunal de recuperação de empresas e de falências, se mexe nestas matérias muito melhor do que aquele que, de entre os 600 a seu cargo, tem 10 processos de falência. Portanto, é um passo em frente.
A formação especializada tem imensos inconvenientes e cito-lhe desde já um: qualquer magistrado judicial ou do Ministério Público tem uma carreira na primeira instância a que se segue outra na segunda instância. Ora, a formação especializada tem dado resultados muito maus porque os magistrados passam a vida num tribunal de competência especializada e, depois, quando passam para a segunda instância, vêem-se aflitos para resolverem problemas de outras matérias com que não lidam há anos.
Aliás, os tribunais de trabalho não são caso único. Posso dar-lhe como exemplo os tribunais de menores em que os magistrados, ao fim de lidarem durante uns meses com esse tipo de problemática, adquirem uma preparação muito diversa da daqueles que tratam de um caso de menores uma vez por ano. Portanto, a formação tem de dar-se aí mesmo.
Indiquei algumas medidas que o Ministério da Justiça estava a tomar, designadamente em relação aos administradores e aos liquidatários, com o que espero o Sr. Deputado concorde, visto que há já um grande rumor

- digamos assim - nos tribunais sobre algumas situações que merecem uma crítica generalizada.
Em relação à competência territorial, informo o Sr. Deputado de que é política do Ministério da Justiça não criar tribunais sem dispor de edifícios porque no passado recente criou-se muita coisa que depois ficou anos e anos à espera de cimento para pôr lá dentro. Como já temos os edifícios, depois criaremos os tribunais.
Já agora, permito-me anunciar-lhe em primeira mão, embora essa notícia tenha sido divulgada pela comunicação social, que haverá um tribunal de competência especializada em Lisboa, com competência para um conjunto de comarcas que envolvem a Área Metropolitana de Lisboa e abrangendo um número de processos que anda na ordem dos 600, 700 por ano mas naturalmente que criaremos outros tribunais se a situação se alterar.
Haverá igualmente um tribunal de competência especializada nesta matéria em Vila Nova de Gaia, não no Porto - hélas! -,pela simples razão de que o edifício onde vamos instalar - esperamos que a curto prazo este tribunal de competência especializada situa-se em Vila Nova de Gaia, com competência para o chamado Grande Porto, incluindo as comarcas de Matosinhos, Valongo, Gondomar, Maia, que vai ser criada, e Vila Nova de Gaia, e abrangendo um conjunto de processos praticamente idêntico ao de Lisboa.
Este é o nosso plano e espero que o Sr. Deputado fique elucidado sobre a matéria, até porque o Tribunal Constitucional tem decidido sempre que a competência territorial não é da reserva absoluta da Assembleia. Fica, pois, o esclarecimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, quero dizer-lhe que estou preocupado com o método que o Ministério da Justiça vem adoptando neste final de sessão legislativa de apresentar um pacote acumulado de iniciativas legislativas em matéria de justiça. Penso que há diplomas aqui trazidos pelo Governo que merecem uma reflexão cuidada e esta coincidência de gestação dos diplomas do Ministério da Justiça com a gestação humana - vamos no nono mês do Governo -, o que faz com que os diplomas cheguem à Assembleia bastante próximo do final da sessão legislativa e que, designadamente, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, haja um tempo limitado para a sua apreciação.
A propósito, recordo a V. Ex.ª as seguintes declarações: «(...) Por nós, continuaremos a dizer e a reclamar que sejam profundamente alterados os métodos de trabalho e de relacionamento do Ministério da Justiça com esta Assembleia, para que possam criar-se as condições mínimas para uma análise profunda e serena que conduza a resultados tanto quanto possível consensualmente assumidos em matéria de legislação base que é a que o Ministério se propõe levar a efeito e que, em muitos casos, tem passado por esta Assembleia (...)». Acabo de ler um extracto de uma declaração de V. Ex.ª, quando era Deputado nesta Câmara. Ora, esperava que o ex-Deputado e agora Ministro da Justiça, José Vera Jardim, tivesse levado consigo para o Governo esta preocupação.

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Infelizmente, não é isso que está a acontecer e, neste momento, deparamo-nos com um conjunto de diplomas que a Assembleia se arrisca a não analisai com a
profundidade que merecem.
Esta manhã, o meu grupo parlamentar apresentou na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um requerimento relativo aos
diplomas dos tribunais de turno, ao apoio e à assessoria técnica da Procuradoria-Geral da República, ao tribunais de falência e ao Código de Processo Civil, solicitando a audição dos agentes judiciários e das suas associações representativas, aliás, como tem sido usual e foi na anterior
legislatura - e V. Ex.ª recordar-se-á disso. Ora, verifico que essa audição está a ser prejudicada com esta pressa.
No que diz respeito ao diploma em apreço, como já referiu o Sr. Deputado António Lobo Xavier, o próprio preâmbulo refere-se á uma preocupação de preparação dos
magistrados e dos tribunais para apreciarem estas questões.
Eu próprio também tenho dúvidas de que o problema da
preparação dos magistrados se resolva com a criação de
tribunais especiais. É que, naturalmente, V. Ex.ª vai lá colocar magistrados em articulação com o Conselho Superior da ª refere no preâmbulo da proposta de lei, quanto a um não cabal aproveitamento das medidas que foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 132/93.
Para além destas, há outras questões que se colocam e que têm a ver com o facto de esta proposta de lei ser apresentada isoladamente, sendo apenas relativa aos
tribunais de falência. Penso que poderíamos fazer uma avaliação correcta desta medida se soubéssemos quais são as intenções efectivas do Governo ao dizer que está em curso a revisão da legislação que regula os processos especiais de recuperação de empresa e da falência.
Efectivamente, V. Ex.ª não nos trouxe a proposta de alteração do regime em geral, mas - e, aqui, vou ao encontro das suas declarações anteriores - poderia ter-nos habilitado com alguma ideia sobre o que o Governo está a fazer nesta matéria, tanto mais que, sendo esta uma legislação relativamente recente, certamente já estarão detectados pelo Ministério quais os pontos que,
eventualmente, merecerão alteração ou revisão. Ora, a verdade é que nem uma palavra nos é dita sobre isto.
Como V. Ex.ª sabe, a solução encontrada é inédita. Ou seja, nas jurisdições de direito comparado não é comum esta solução de tribunais específicos. O que há nalgumas ordens jurídicas são tribunais de comércio com competência para estas matérias - e nós também já os tivemos -, mas não encontrei no direito comparado
nenhuma solução que se assemelhasse a esta. Ora, se V. Ex.ª tivesse tido o cuidado de nos informar sobre as intenções do Governo quanto a essa matéria, certamente estaríamos melhor habilitados a dar um contributo válido
na apreciação desta proposta.
Espero que, em resposta ao meu pedido de esclarecimentos, V. Ex.ª nos dê algumas indicações ou se disponha a vir à Comissão completar a informação que a
proposta de lei não contém.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro da Justiça, pretende responder já ou só no fim dos pedidos de esclarecimentos?

O Sr. Ministro da Justiça: - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra para o efeito.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, agradeço-lhe mais essa citação que fez correspondente à minha passagem pelo Parlamento, a qual reenvio, tal como já fiz da outra vez, para a colectânea das minhas intervenções em Plenário que VV. Exas. andam a compilar, sendo certo que, tal como já disse em ocasião anterior, a encadernação da mesma ficará a meu cargo.

Como dizia, ainda bem que V. Ex.ª me citou porque eu até estava admirado que não se tivesse lembrado do autêntico «massacre legiferante» - repito «massacre legiferante» - a que fomos submetidos no final da anterior legislatura. V. Ex.ª deverá estar inteiramente recordado disto, mas se não estiver recordo-lhe: Código de Processo Civil, Código Penal, Código de Notariado. Não houve código que, à última da hora e com os resultados que muitas vezes estão à vista, o anterior governo não tivesse procurado acrescentar ao «cimento» que ia espalhando pelo País ou dizendo que espalhava.

Por isso, estava admiradíssimo que V. Ex.ª estivesse a queixar-se de meia dúzia de diplomas, nenhum dos quais é um grande código nem nenhuma reforma tão de fundo como isso, enquanto fomos sujeitos àquele «massacre». Aliás, ainda me recordo do ar abatido de V. Ex.ª,...

... na altura Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, devido ao imenso fardo que tinha a seu cargo para despachar aquele serviço em tempo útil, ou seja, antes das eleições.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto à proposta de lei, fiquei sem saber se, afinal, V. Ex.ª concorda ou não com ela. Fazendo um esforço de dedução, concluí que, no fundo, V. Ex.ª estava com medo de dizer que concorda. Mas concorda! Só que «sai para o lado a corre»!

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - É o costume!

O Orador: - Para não dizer que concorda, diz que precisava de mais elementos! Sr. Deputado, mesmo que não fossemos rever a legislação básica da recuperação da empresa e da falência - e vamos fazê-lo -, a pergunta que lhe reenvio é esta: então, com a actual legislação os tribunais não funcionam? É óbvio que sim! Portanto, vamos introduzir alterações mas, Sr. Deputado, para criarmos tribunais especializados nesta matéria não temos de apresentar à Assembleia as alterações que vamos fazer, a não ser que influenciassem o funcionamento dos tribunais, o que não acontece.
Uma coisa lhe digo, Sr. Deputado: estes processos vão demorar menos e vão ser objecto de melhor tratamento do que até agora. O anterior governo esqueceu-se destes tribunais, esqueceu-se da revisão da legislação, deixou no ar o estatuto dos administradores de falências e

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liquidatários, o que conduziu a situações escandalosas. Ora, nós vamos rever isso tudo. Fique o Sr. Deputado descansado: estes tribunais vão funcionar, e bem, e quando o Sr. Deputado lá actuar irá lembrar-se destas minhas declarações.

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Oxalá que sim!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, vou fazer dois pedidos de esclarecimentos de uma só vez, um, dirigido ao Sr. Ministro da Justiça e, outro, ao Sr. Secretário de Estado, já que a óptica por que encaramos estas duas propostas de lei é diferente num e noutro caso.
Quanto à questão da criação dos tribunais de competência especializada para recuperação da empresa e da falência, devo dizer que tenho muitas dúvidas acerca dessa criação. Parece-me que a questão da morosidade da justiça não pode ser fundamento para a criação de tribunais de competência especializada, pois, então, também teríamos de criar tribunais de. competência especializada, por exemplo, para tratarem de despedimentos colectivos que, no estado actual da legislação, também exigem conhecimentos técnicos bastante profundos que os juízes do Tribunal do Trabalho não possuem e são igualmente processos demorados.
Portanto, repito que, de facto, tenho as maiores dúvidas quanto à criação daqueles tribunais.
Posto isto, a pergunta que gostaria de colocar ao Sr. Ministro é se a criação de assessorias técnicas dos magistrados judiciais não resolveria este problema. Até porque, tal como V. Ex.ª disse - e, aí, estamos de acordo -, também não concordamos com essa. questão da formação especializada dos juízes. Neste caso não existiria, mas, depois, haveria um conjunto de juízes que, devido à prática, ficariam especializados neste assunto, no entanto, separados dos restantes problemas do mundo que correm nos tribunais. Ora, consideramos que tal seria um perigo para a função de julgar. Parece-me, pois, que o problema destes processos poderia resolver-se de outra maneira.
Assim, pergunto-lhe: não considera que as assessorias técnicas resolveriam este problema?
Quanto à outra proposta de lei, vou colocar uma ou duas questões ao Sr. Secretário de Estado que nada têm a ver com a questão de fundo em relação a esta matéria, porque, estando em causa a garantia de um direito dos cidadãos - o direito à liberdade e à segurança - e o direito que têm de que o poder judicial fiscalize medidas administrativas que, nalguns casos, podem violar esse direito, estamos de acordo com esta proposta de lei e pensamos que este assunto tem mesmo de resolver-se, respeitando os direitos dos cidadãos e os de outros intervenientes, mas verificando quais os que estão hierarquicamente acima.
Passo, então, à pergunta que quero colocar ao Sr. Secretário de Estado.
No decurso do processo legislativo pendente na Assembleia, foram ouvidas algumas entidades e houve algumas questões, que creio que serão do domínio da especialidade, que me parece que devemos ponderar. No preâmbulo da proposta de lei faz-se o cálculo dos custos da implementação da mesma, mas não se entra em linha

de conta com as deslocações de guardas prisionais, de polícias, de testemunhas, que vão ser necessárias dentro de cada círculo judicial, aos fins-de-semana. Assim, pergunto se estes encargos não serão muito superiores e, ainda, se não nos depararemos com alguns casos de inexequibilidade da solução.
Pergunto também se, em certos casos, em vez da criação de tribunais de turno, não se justificaria manter um regime de contactibilidade permanente. Sei que há quem não goste da solução relativamente aos fins-de-semana, mas, em direito comparado, verifica-se que esta solução existe em muitos países e penso que, provavelmente, relativamente a alguns casos, na província, esta seria de facto uma solução muito melhor para os cidadãos do que a de se deslocarem de comarca para comarca, ainda por cima atendendo aos transportes públicos existentes e que bem conhecemos. Trata-se apenas de uma pergunta, pois não cheguei a nenhuma conclusão.
Passo agora a uma outra pergunta.
Também têm sido suscitadas algumas críticas no campo da segurança dos tribunais, havendo quem diga que estes não dispõem de um sistema de segurança que permita que funcionem aos fins-de-semana com dois oficiais de justiça e que terão de encerrar as portas para que os detidos fiquem lá dentro, a ponto de ficar posto em causa o princípio da publicidade do julgamento.
São estas as questões que tinha para colocar as quais, embora sendo mais do domínio da especialidade, também podem contribuir para uma opção em relação ao sentido geral da proposta de lei.

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Ministro da Justiça já não dispunha de tempo para responder, mas foram-lhe cedidos cinco minutos pela bancada do Partido Socialista.
Portanto, para responder, tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, a propósito de uma outra pergunta de um Sr. Deputado, já tive ocasião de debruçar-me sobre esta matéria da especialidade.
Todos sabemos que um magistrado que trabalha num tribunal de competência especializada adquire ao fim de uns meses um manejo de processo muito diferente do de um tribunal de competência genérica que tem dezenas de tipos de processos.
Estamos a estudar essa questão, e até já temos não um projecto mas um rascunho em matéria de assessorias técnicas. Mas repare, Sr.ª Deputada, que essas assessorias serão possíveis em tribunais como estes que vamos criar para grandes conjuntos de litígios que ocorrem nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Já no que diz respeito a comarcas de província, do interior do País, em que, como todos sabemos, há infelizmente falta de especialistas e de pessoas com conhecimentos na matéria, não seria muito fácil dotar o tribunal de uma assessoria permanente, pois tal não se justificaria. Como sabe, mais de metade dos processos especiais de recuperação da empresa e da falência correm nos tribunais das áreas metropolitanas e os outros 300 tribunais têm apenas um, dois ou, em algumas comarcas, 20 processos por ano. São muito poucas as que têm mais do que isso, pelo que seria muito difícil montar uma assessoria técnica especificamente para este tipo de matérias.
Estamos, contudo, a trabalhar com os Srs. Magistrados na assessoria técnica para os tribunais em geral. Creio,

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aliás, que podemos, a partir da experiência destes tribunais, dotá-los, estes sim, de assessorias técnicas que permitam aos magistrados e, também, aos funcionários, administradores e liquidatários lidar com os processos de forma mais eficaz e célere, para que se chegue a uma solução que contemple a defesa dos interesses em causa, designadamente, dos credores, do empresário, etc.
Esses são os nossos objectivos. Não dizemos que não venha a haver assessoria técnica, mas, para já, vamos montar os tribunais, pô-los a funcionar e, a pouco e pouco, veremos o que é que a experiência nos dita.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Também para responder à Sr. Deputada Odete Santos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, em relação à primeira questão que colocou, queria dizer-lhe que quando quantificamos o custo de determinado diploma, aliás, por exigência expressa do Ministério das Finanças, incluímos os custos directos, mais concretamente as remunerações aos magistrados e funcionários, e os custos indirectos, relacionados com tudo o que anda em redor da actividade de um qualquer tribunal e, necessariamente, também de um tribunal de turno.
Quanto às deslocações das pessoas dentro e fora da comarca, não se prevê nenhum regime especial ao sábado e ao domingo, em relação ao que já hoje acontece às segundas ou às sextas-feiras. Se as partes o requererem, o cofre dos altos tribunais têm a obrigação de indemnizar.
Quanto às deslocações de guardas prisionais e polícias, também não há diferenças entre sábados e domingos e qualquer outro dia, porque também se efectuam prisões nesses dias, sendo necessário transportar reclusos, aos sábados e domingos, se for caso disso!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Secretário de Estado, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Alguma diferença haverá, Sr. Secretário de Estado, porque na segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feiras o transporte é feito para o tribunal da comarca, enquanto que aos sábados, domingos e feriados essa deslocação pode ser para um tribunal de uma outra comarca, situado muito mais longe. Portanto, há diferença, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - Exacto, essa diferença existe, Sr' Deputada, mas é de prever que o afluxo não seja tão intenso nos fins-de-semana como nos dias úteis - e está estatisticamente demonstrado que assim é.
Quanto às despesas, não há qualquer outra saída que não seja a obtenção de meios para proceder ao seu pagamento. Essa é uma questão que tem a ver com a defesa de direitos, liberdades e garantias, que não têm preço, e que, de facto, deve ser suportada por quem de direito. Agora, o problema que se põe é o de saber «quem é quem de direito», designadamente, quando herdamos um sistema em que os departamentos governamentais parecem estanques.
Por exemplo, não deixa de ser tragicamente irónico que o Ministério da Justiça deva dinheiro à Polícia de Segurança Pública pelos serviços prestados por esta,

justamente quando a Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública prevê, entre outras coisas, que lhe cabe prestar, no âmbito das suas atribuições, a colaboração que lhe for solicitada pelas autoridades judiciárias. E não precisava de o dizer, porque este dever de colaboração tem dignidade constitucional e é uma norma auto-suficiente.
Devo acrescentar, Sr.ª Deputada, que esta é uma questão que muito nos preocupa e, se não se desse o caso de ter de vir à 1.ª Comissão, teria agendado para amanhã de manhã uma importante reunião no Ministério da Administração Interna para ver se, de uma vez por todas, assentamos que tipo de colaboração pode e deve ser prestada pela Polícia de Segurança Pública, em cumprimento daquilo que a sua lei orgânica assinala, e por que preço.
A segunda questão que a Sr.ª Deputada colocou é muito importante. De resto, aquando da minha estreia nos tribunais - sou tão antigo como magistrado que ela se perde na memória há dezenas de anos... - era normal a existência de agentes de autoridade a montar uma segurança que era mil vezes menos necessária do que a de hoje. Recordo-me, aliás, de ter estagiado no Tribunal da Boa-Hora e de haver, em cada juízo correccional, agentes da polícia pública.
É evidente que o actual estado de insegurança total não pode manter-se, sobretudo naqueles tribunais que têm um tipo de frequência e uma dimensão que não pode consentir esse abandono. Existe, de facto, uma preocupação - e dizer mais do que isso não seria sério da minha parte muito premente e instante do Ministério da Justiça para resolver esse problema, que, aliás, já está a ser estudado.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, ouvi atentamente a apresentação da proposta de lei n.º 18/VII, que prevê a criação de 49 tribunais de turno em regime de rotatividade e de um com carácter fixo. Das suas palavras, pareceu-me concluir que é economicamente inviável ter todos os tribunais do País a funcionar em regime de turno. Nesse sentido, o sistema ora proposto pareceria ser a solução ideal, a fazer fé na demonstração dos custos imediatos que a aplicação do mesmo acarretaria.
No entanto, o que se questiona, e é esta a pergunta que gostaria de formular a V. Ex.ª, é se foi ou não tida em conta a realidade dos nossos tribunais, quer quanto aos quadros de pessoal, quer quanto a instalações, e das nossas polícias, das suas instalações, efectivos e recursos financeiros. É que, por exemplo - e esta é uma realidade conhecida de todos nós -, há casos em que o arguido precisa de ser conduzido sob detenção para o julgamento e o que acontece é que a GNR ou a PSP, mas principalmente a primeira, não dispõem de recursos financeiros para o fazer, porque não existe carro ou gasóleo! Ora, com a criação deste regime de rotatividade para o funcionamento dos tribunais de turno não estaremos a criar e a aumentar este problema, ao não salvaguardarmos todas estas situações?
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, fiquei preocupada com a resposta que deu à Sr.ª Deputada Odete Santos, pela simples razão de que há, de facto, uma alteração substancial na deslocação das testemunhas aos sábados e domingos. A minha preocupação resulta, aliás,

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do facto de, em muitas zonas do nosso pais, as populações não serem servidas de uma rede de transportes que permita essa deslocação.
Pergunto, então, se não estaremos a pôr em causa as garantias da própria justiça e a celeridade processual, porque temos de nos adaptar à realidade e ela é bem diferente da visão idílica que aqui se pretende apresentar.
Em relação à questão da falta de segurança, matéria já tratada por V. Ex.ª, queria acrescentar o facto de, muitas vezes, os estabelecimentos prisionais destinados a prisões preventivas estarem localizados longe do tribunal que poderá estar a funcionar na altura.
Pergunto se tudo isto não vai impedir e atrasar o funcionamento da justiça ou se estas realidades foram tidas em conta para podermos dizer que os custos são aqui manifestamente inferiores. Será que à custa desta redução de custos conseguiremos obter o resultado que a proposta de lei visa?
Esta proposta de lei não porá em causa as garantias da imparcialidade da administração da justiça, senão mesmo o princípio da presunção de inocência, ao permitir, por exemplo, que o mesmo juiz que assiste aos actos de instrução num determinado tribunal de turno, posteriormente, na sequência das regras da competência territorial, vá julgar esse arguido, já em sede de audiência de discussão e julgamento? Não estaremos a pôr em causa a separação que resulta da lei entre juiz de instrução e juiz de julgamento?
Por último, gostaria de colocar-lhe uma questão que se prende com a garantia do direito de defesa, no sentido de saber se considera ou não que o que está consignado na proposta de lei é muito vago. Suponhamos que é nomeado um defensor oficioso no tribunal de turno A para um determinado arguido que, posteriormente, é adiado o julgamento, em processo sumário, para o tribunal B, por ser este o tribunal territorialmente competente e por ser terem esgotado as competências do tribunal de turno. Ora, o que pergunto é se esse mesmo defensor oficioso vai ou não acompanhar o arguido no tribunal B.
Parece-me que remeter esta questão, pura e simplesmente, para a Ordem dos Advogados deixa um pouco no ar, e com um grande vazio, um direito de defesa que é importante salvaguardar.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Santo, começo por responder-lhe, suprindo uma lacuna na resposta que dei à Sr.ª Deputada Odete Santos, uma vez que voltou a levantar a questão.
O célebre regime da contactabilidade foi o começo da tragédia dos tribunais de turno entre nós, porque houve quem entendesse, a partir de um diploma de 1994 que tentou emendar um decreto-lei de 1993, que estar contactável implica o mesmo tipo de «cárcere privado» do que estar num tribunal de porta aberta, ou seja, tanto me faz estar de turno no tribunal criminal do Porto para onde me desloco de manhã como não me poder ausentar de Vimioso, de Bragança ou de Montalegre, uma vez que a todo o momento me podem chamar para um serviço de urgência.
Ora, o que sucedeu foi que todos os magistrados e funcionários se consideraram de turno permanente, aos

sábados e domingos, o que fez com que alguns tivessem apresentado contas dos telemóveis que tiveram de adquirir e, por isso, só quanto a funcionários de justiça em regime de contactabilidade, com fundamento de que não podiam sair de casa ou tinham de andar por ali, os custos a pagar, e que ainda hoje se reclama, atingiram a soma astronómica de 1,3 milhões de contos em 1995.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Meses depois, em 1994, o governo anterior, emendando o que entendeu ser uma interpretação demasiado literal do diploma de 1993 - e não consigo citar de cor a quantidade de decretos-leis que, de emenda em emenda, me lembram muito um abyssus abyssum invocat -, veio distinguir e fixar, interpretativamente, que havia apenas 15 tribunais de porta aberta, aqueles que enumerava, e que os outros seriam tribunais de contactabilidade.
Todavia, continuou a manter-se o mesmo problema, porque quer esteja em casa a ver televisão, quer a passear por perto, a todo o momento posso ver o meu fim-de-semana alterado com um único telefonema que me estraga, por completo, os meus propósitos!
Por isso é que o governo, anterior tinha pronto um decreto-lei - a meu ver, é mais correcta a figura de proposta de lei, porque há aqui matéria de clara e nítida competência exclusiva da Assembleia da República, designadamente a relativa à questão remuneratória dos magistrados - no qual abandonava: toda a filosofia anterior, precisamente para responder a esta questão candente da contactabilidade. É que, além da difícil pronúncia da palavra, fizeram-se contas e há quem se considere credor do Estado em quantias perfeitamente espantosas.
Por outro lado, penso que não dei - e se o fiz, peço desculpa, embora seja um optimista nato - uma visão idílica da situação. Pelo contrário, a situação que o Ministério da Justiça recebeu - e os ministérios não se recebem a beneficio de inventário, recebem-se pura e simplesmente! - já estava razoavelmente preparada pelo anterior governo (não me custou dizê-lo há pouco e nunca me custará fazê-lo). A visão não é idílica, porque se a justiça não funciona bem de segunda a sexta-feira, também não se pode esperar que o funcionamento dos tribunais de turno, ao sábado e ao domingo, seja impecável.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Muito bem!

O Orador: - Temos a perfeita consciência disso e somos os primeiros a lamentá-lo. Seria absurdo que, nesses dias, por um qualquer milagre, as coisas melhorassem em relação ao que se passa durante a semana.
Daí que, tenhamos consciência - e dizemo-lo na exposição de motivos, que verifiquei que leu com cuidado e agradeço-lhe a atenção que lhe dispensou - que, no fundo, isto é um sistema com carácter experimental, uma vez que, ironicamente, decorridos quatro ou cinco anos, nunca o anterior sistema funcionou, a não ser naquela «angústia» sucessiva de decretos-leis, despachos normativos, portarias, circulares interpretativas, que não sou capaz de citar de cor e que só um arquivista era capaz de recensear sem qualquer lacuna. A visão não é, pois, idílica.
O problema da rotatividade tem a ver, justamente, com a questão levantada pelo Supremo Tribunal de Justiça, da violação do que será o principio da inamovibilidade dos

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juízes. De facto, bem ou mal, o certo é que o acórdão transitou e nada obsta a que crie jurisprudência nesse sentido. Efectivamente, no sistema anterior eram os magistrados, os contactáveis, a deslocarem-se; agora, no sistema novo, são as pessoas a deslocarem-se ao tribunal. O sistema não nos agrada particularmente, há casos de ponta em que as distâncias a percorrer são muito grandes, mas, felizmente, a litigiosidade está na razão inversa dessas distâncias que se percorrem. Todos temos consciência de que é nos grandes centros urbanos que estas coisas se verificam com bastante intensidade.
Quanto às garantias do direito de defesa, confiamos - e não podíamos ir mais longe do que aquilo que dizemos nesta proposta de lei - que a Ordem dos Advogados e as suas delegações distritais cumpram o que lhes cabe fazer, assegurando o efectivo direito de defesa dos arguidos, não só a questão pontual dos tribunais de turno mas, numa perspectiva mais geral de verdadeiro direito de defesa dos arguidos, em todos os processos e em todos os casos, porque é isso que todos desejamos.
Penso que o tempo está esgotado, não sei se posso continuar...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, o tempo está esgotado há mais de três minutos. Não sei como é que o Governo pretende gerir o tempo. No entanto, penso que pode continuar se não houver oposição.

O Orador: - Quanto à questão técnica do processo penal que suscitou relativamente ao problema de o juiz de instrução poder vir a ser juiz de julgamento, como sabe, essa é uma questão recorrente. E isto tanto pode acontecer num tribunal de turno como num tribunal de comarca normal, em que não haja juiz de instrução criminal. Pode suscitar-se sempre a questão de o juiz, que interveio no interrogatório inicial do arguido ou num acto de instrução, não poder ser o juiz de julgamento. Como sabe, o próprio Tribunal Constitucional já tem abundante jurisprudência sobre a matéria. Essa é uma questão relativamente à qual não há ainda um entendimento unívoco - no Direito raramente o entendimento é unívoco, e ainda bem que assim é -, mas há já muita jurisprudência e alguma doutrina. Não vejo que o facto de os tribunais de turno passarem a funcionar venha agravar ou alterar a situação.
Era, essencialmente, isto que tinha para dizer.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para um último pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado: Ouvi, com muita atenção, a exposição que o Sr. Secretário de Estado fez acerca da proposta de lei que visa a criação dos tribunais de turno e registei, com particular agrado, o facto de ter referido que, modestamente, se retomou o anteprojecto de decreto-lei já elaborado pelo anterior governo.
Digo isto, precisamente, porque, atento como VV. Exas. sabem que estou, particularmente a todas estas questões do Ministério da Justiça, por sensibilidade própria, por formação, li também cuidadosamente a exposição de motivos e chamou-me a atenção o facto de, ao longo de toda essa exposição, nunca se ter feito referência esse anteprojecto de decreto-lei. Falou-se de todas as outras

experiências, de todos os diplomas legais, de todas as iniciativas que vêm desde 1991, mas nunca se falou nesse anteprojecto.
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, registei, e julgo não me ter enganado, que o Sr. Ministro da Justiça, em declarações hoje prestadas à imprensa e em resposta a críticas feitas, designadamente no Conselho Superior da Magistratura, pelas associações sindicais, representativas dos magistrados e dos oficiais de justiça, no sentido de que esta iniciativa legislativa mais não era do que a reposição da posição anterior do PSD, disse o seguinte: «não senhor, esta nossa iniciativa tem uma filosofia completamente diferente».
Ora bem, só entendo a resposta do Sr. Ministro da Justiça - e se assim foi, estava efectivamente correcto no sentido de que esta iniciativa não seria propriamente uma inovação em relação ao Decreto-Lei n.º 312/93, de 15 de Setembro, não se tendo lembrado e não se reportando precisamente a esse anteprojecto.
De facto, esse projecto de decreto-lei existia e foi enviado, em 25 de Agosto de 1995 - e eu tive o cuidado de obter um exemplar , a entidades várias: ao Conselho Superior da Magistratura, ao Procurador Geral da República, à Ordem dos Advogados, ao Conselho Judiciário da Justiça, ao Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ao Sindicato dos Funcionários Judiciais, à Associação dos Judiciários de Justiça. Foram obtidas muitas respostas que, com certeza, VV. Exas. encontraram no Ministério da Justiça quando tomaram posse.
Enfim, para resumir, acredito que VV. Ex.as não precisem efectivamente de se louvar do muito que de bom foi feito, apesar de tudo...

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Do muito que não foi feito!

O Orador: - ..., do muito que, apesar daquilo que VV. Exas. dizem, de bom foi feito no governo anterior, designadamente nesta matéria. À medida que vamos escalpelizando, vamos vendo que efectivamente assim é. Este projecto de lei mostra que, na realidade, assim foi. Foi o governo do PSD que teve a ideia de criar os tribunais de turno, foi o governo do PSD que começou com todas aquelas experiências, que não são fáceis.
Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, VV, Exas. sabem que não é fácil legislar nesta matéria, onde há muitos interesses, onde há reacções chamadas, mais ou menos, corporativas, que criam toda uma série de obstáculos.
A verdade é que se procurou consenso e construímos um alicerce, construiu-se um edifício entre ventos e vendavais e construiu-se esta cúpula maravilhosa, que foi, afinal, o projecto de decreto-lei em que VV. Exas. se basearam para trazer agora esta iniciativa legislativa ao Parlamento. Digamos, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, que fizemos o edifício completamente até à cúpula e que VV. Exas. se limitaram, e bem, a construir os beirais.

Protestos do PS.

Eu mostro-lhes, Srs. Deputados, se quiserem, porque tenho aqui comigo o projecto de decreto-lei está exactamente igual, é quase um decalque. Mas isto não retira mérito à vossa iniciativa. O que quero dizer é que o governo do PSD, no mínimo, teria feito precisamente a mesma coisa.

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Finalmente, após esta observação, gostaria de fazer apenas duas perguntas muito sintéticas.
Sr. Secretário de Estado, na vossa iniciativa legislativa diz-se que compete à Ordem dos Advogados tomar as medidas adequadas para assegurar o exercício do direito de defesa. Todavia, já algumas entidades se referiram, com uma certa pertinência, a este número, dizendo que tem uma redacção demasiado vaga. O que pergunto é se, na realidade, o Ministério da Justiça sabe como é que, em concreto, tem evoluído ou irá evoluir a concretização destas medidas por parte da Ordem dos Advogados.
Num requerimento que deu entrada na Mesa desta Assembleia, em 12 de Janeiro de 1996, referi-me ao suplemento de risco dos beneficiários de justiça. Penso que a questão volta a estar em cima da mesa, com particular actualidade, porquanto esta iniciativa de criação dos tribunais de turno chama a atenção não só para o trabalho acrescido como para os riscos acrescidos dos nossos funcionários de justiça.
Ora, numa altura em que se caminha para uma certa pacificação - e espero que ela aconteça -, em ^que interessa, designadamente, motivar também os oficiais de justiça, pergunto se não será agora o momento de, finalmente, se proceder à elaboração desse regulamento. É que existe até, neste momento, uma iniciativa legislativa do PCP que visa precisamente essa regulamentação.
No entanto, uma das interrogações que se põe, e que aliás foi suscitada com pertinência pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, foi a de saber se, na realidade, isso não ultrapassa as competências, se não é inconstitucional, se não invade ou se não afronta o princípio da separação de poderes, na medida em que poderá ser - e parece-me que é -, Sr. Ministro da Justiça e Sr. Secretário de Estado, uma competência do Ministério da Justiça.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, fizeram-me observações quanto ao tempo gasto neste pedido de esclarecimento, mas creio que, tanto para os pedidos de esclarecimentos como para as respostas, o tempo tem sido gerido da mesma forma. O tempo é dos partidos, creio que não há inconveniente, aliás, só ganha o debate.
Esqueci-me de anunciar, há pouco, que o Governo já tinha tido mais cinco minutos cedidos pelo PS, e dispõe agora de 2.9 minutos, para responder.
Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, começando pela última questão colocada, quero recordar-lhe que o subsídio de risco para os funcionários de justiça consta da lei desde 1990. Não sei o que é que, entretanto, aconteceu para ficar apenas como intenção piedosa.

Vozes do PS: - Apoiado!

O Orador: - Aconteceu-lhe o mesmo que a alguns tribunais criados, que estão apenas a ocupar três linhas do Diário da República, onde «moram» e hão-de «morar» por mais algum tempo.
Quanto à não referência, na exposição de motivos, ao projecto de decreto-lei a que me referi - a meu ver inconstitucional, porque não era por decreto-lei que algumas destas matérias se deviam regular...

Vozes do PS: - Apoiado!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O que interessa é o articulado!

O Orador: - ... - e que estava no Ministério da Justiça, mantenho aquilo que disse, isto é, que a proposta de lei agora apresentada segue a filosofia, e a nosso ver bem, do decreto-lei preparado pelo governo anterior. Quando encontramos coisas bem feitas é um disparate não as reproduzir. Mas não a segue em muitos aspectos fundamentais. Se V. Ex.ª disse que leu as críticas feitas ao projecto de decreto-lei do anterior Ministério da Justiça há-de ter reparado que, nessas críticas, se diz, por exemplo, o seguinte: «É um absurdo que o Tribunal de Turno do Funchal envolva a comarca de Porto Santo». Diz-se ainda: «É um absurdo que o Tribunal de Turno de Angra de Heroísmo envolva as comarcas da Graciosa, do Pico e das Flores».
Tem à sua frente, ao que me consta, a versão final. Sabe como se resolveu esse problema? Eliminando, na versão final, Porto Santo, Pico, Graciosa, Flores, etc. Desapareceram simplesmente do mapa, por forma a que, de facto, se respondesse à objecção colocada!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado ainda - e só para terminar -, esse projecto de decreto-lei continuava a cometer ao Conselho Superior da Magistratura atribuições que, claramente, a lei lhe não cometia. Em consequência, como já tive oportunidade de referir, o Supremo Tribunal de Justiça declarou ilegal a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, na sequência daquilo que diplomas anteriores lhe incumbia de fazer.
Daí que a não referência, na exposição de motivos, a esse trabalho anterior, nada tenha a ver com a tentativa de apropriação de trabalho alheio. Tem, antes, que ver com a ideia - e insisto - de rever anteriores tomadas de posição do próprio Ministério da Justiça que nos antecedeu, o que só lhe fica bem, e a de criar tribunais de turno com áreas de jurisdição sobre todo o território nacional, como se diz no preâmbulo que V. Ex.ª tem à sua frente, o que, infelizmente, não é verdade, pois houve sete ou oito ilhas que «foram ao fundo» e, por conseguinte; o que quer que disséssemos era argumentar contra um projecto de decreto-lei de que recolhemos muitas das críticas que recebeu e que procuramos afeiçoar às críticas que consideramos serem pertinentes. Não houve nenhuma apropriação de trabalho alheio, houve, sim, o aproveitamento, da nossa parte, de algumas soluções que foram objecto de críticas que consideramos pertinentes, que nos fizeram repensar e que nos obrigaram a inflectir por outro tipo de soluções, por outro tipo de enquadramento legal do problema.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, em nome do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Estão hoje em debate duas propostas de lei, tendo sido desagendada a proposta de lei relativa à criação do tribunal central administrativo. Sobre os tribunais de

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turno, intervirá, em representação da minha bancada, o meu companheiro Antonino Antunes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Já interveio!

O Orador: - De qualquer forma, gostaria de registar o reconhecimento feito pelo Sr. Secretário de Estado de que o texto base do actual diploma é o texto que o governo anterior tinha preparado, tendo sido introduzidas algumas alterações que consideramos positivas e que vêm torna-lo ainda mais adequado do que o inicialmente previsto para responder a esta questão.
Vou, pois, ocupar-me tão-só da proposta de lei relativa aos tribunais de falência. Quero dizer-vos que, de um modo geral, não sou, por razões várias, um simpatizante, um entusiasta da solução dos tribunais especiais ou dos tribunais especializados, porque penso que há um afunilamento de determinado tipo de justiça quando se especializam os tribunais. Reconheço que pode haver alguns méritos ou algumas virtualidades em termos de formação, por experiência adquirida, dos magistrados que servem esses tribunais especializados, mas vem a ter, ao fim e ao cabo, o inconveniente, que há pouco o Sr. Ministro da Justiça referiu quando o Sr. Deputado António Lobo Xavier punha o problema ao contrário, de não se caminhar para tribunais especializados mas para a formação especializada dos magistrados, restringindo-os a determinado tipo de questões e de processos e, portanto, afasta-los de outros ramos do direito, prejudicando, eventualmente mais tarde, o exercício da sua função noutras instâncias, designadamente quando são promovidos a instâncias superiores.
A solução que, reconhecidamente, nos é apresentada no preâmbulo do diploma, que não no articulado, de que os tribunais a criar terão jurisdição apenas nas comarcas de Lisboa e Porto e suas limítrofes, embora possa encontrar alguma justificação e compreensão por ser aí que há núcleos empresariais mais concentrados e por ser aí que, em consequência, surge em maior número os processos de falência, poderá, no entanto, criar, no que refere à celeridade e ao trato mais especializado, uma situação de desigualdade em relação aos tribunais de jurisdição comum no resto do País, cujos processos de falência se vão manter e continuar a correr por esses tribunais.
Há, portanto, aqui uma inconveniente desigualdade no trato desta matéria, que não nos parece de menor importância e que, eventualmente, se poderia corrigir por via da formação específica dos magistrados, por um lado, e, por outro, por via de uma solução, que já foi aqui adiantada pela Sr.ª Deputada Odete Santos, que é a da assessoria técnica especializada dos magistrados neste tipo de processos.
Creio, porém, que o problema devia ser pensado de uma forma que não está contemplada no diploma, que é esta: se se criarem tribunais especializados - e eles poderão ser, eventualmente, uma resposta nos centros em que este tipo de processos surgem em maior número, aliás, já hoje isso acontece em Lisboa e no Porto, onde há câmaras de falência, síndicos e um apoio a este tipo de processos, que o comum das comarcas não tem - não sei até que ponto não conviria, ao invés desta solução, ter um corpo centralizado de assessoria que poderia deslocar-se aos tribunais vários. Isto porque acontece com frequência um tribunal, por vezes menor, de uma comarca mais longínqua ter processos complexos, processos difíceis de serem acompanhados e resolvidos com alguma celeridade, porque

empresas de relevância, empresas importantes acabam em processo de falência, envolvendo um sem número de situações. Era perfeitamente possível fazer deslocar um corpo de assessoria para, pontualmente, poder prestar apoio aos tribunais diversos, consoante as situações surgissem, não importando, obviamente, a constituição de quadros próprios em todos estes tribunais, que não se justificaria e constituiria um encargo público que não tinha a contrapartida necessária. Contudo, penso que poderia haver esta deslocação móvel de um corpo de assessoria, não afecto necessariamente a este ou àquele tribunal, a fim de poder dar resposta.
Não é, com certeza, por acaso que o direito comparado não regista a figura específica dos tribunais de falência e, como o Sr. Ministro referiu, há tribunais de comércio. Há ordens jurídicas que têm alguma afinidade com as nossas, cuja problemática não é muito diferenciada da nossa, e com certeza que não há uma «iluminação específica», um «13 de Maio» das falências que possa vir a transformar os tribunais de falência numa «varinha mágica» para a solução das questões que se colocam na área da justiça e do direito falimentar!
A verdade é que, dizia eu, o direito comparado não regista a figura específica dos tribunais de falência e não é, com certeza, por acaso que isso acontece. É porque se entende, e bem, que não se deve levar a especialização judicial a um ponto tão restrito como é o do mundo específico do direito falimentar.
Gostaria também de dizer que este não é dos institutos com maior tradição no direito português e, ao longo da história, o nosso direito abordou esta questão numa óptica que foi sendo diferenciada. As ordenações manuelinas começaram a olhar esta questão numa óptica criminal, numa óptica da chamada quebra; mais tarde, foi evoluindo para domínios tendentes à protecção dos credores; e mais tarde ainda, como acontece hoje no direito falimentar moderno, numa óptica mista de prevenção e de recuperação das empresas, embora em Portugal tivéssemos tido legislação que reflectiu bastante esse perigo que foram as convulsões que se seguiram ao período difícil, nesta matéria, de 1975 e 1976.
Mas também é verdade que o governo anterior trouxe, neste domínio, inovações bastante sensíveis, ao aprovar o Código dos Processos de Recuperação da Empresa e da Falência, que o Governo reconhece como sendo portador de soluções adequadas e que, inclusivamente, entende que nalguns aspectos vinha sendo prejudicado nas suas virtualidades por alguma deficiência no funcionamento dos tribunais. Assim, por via desta proposta de lei, o Governo quer corrigir e ultrapassar, numa linha meramente pontual, esta questão, criando estes dois tribunais, porque pensa que assim vai, efectivamente, conseguir uma aceleração processual e uma conclusão destes processos que, infelizmente, são, numa perspectiva histórica, dos que maior morosidade têm nos nossos tribunais.
Penso que não há um advogada que, passados' muitos anos sobre ter intervindo numa falência, receba uma notificação, tendo-se já esquecido que era advogado naquele processo. Todos os que advogam passaram por esta situação. Infelizmente, isto hoje ainda acontece numa situação que é muito delicada, pois são processos em que os credores já estão, à partida, prejudicados e, mesmo no rateio final, com a inflação e os anos que levam os processos a ser decididos e concluídos, quando recebem, se é que recebem alguma coisa, já esse montante está altamente desvalorizado.

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Sr. Ministro, temos alguma reserva sobre o mérito desta solução. Não vamos, obviamente, inviabilizá-la e vamos acompanhar e aguardar que o Governo traga, então, as soluções globais, na reforma que quer fazer no direito falimentar.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei em discussão, não constituindo uma verdadeira revisão da organização judiciária, consubstancia ainda assim uma estrutura destinada a dar resposta a determinadas exigências de comunicação das entidades policiais às autoridades judiciárias previstas na lei adjectiva penal, a qual estabelece, nomeadamente, a obrigatoriedade da prática de actos judiciais durante os fins-de-semana e feriados.
O PS e a nova maioria apresentaram como um dos eixos fundamentais da sua acção governativa a implementação de uma justiça de qualidade para todos os cidadãos.
Não desconhecemos que a justiça célere, eficaz e mais próxima do cidadão só poderá ser alcançada através, nomeadamente, de uma revisão global do processo civil, já em curso, do processo penal e do sistema de apoio judiciário.
Registamos a disponibilidade e a cooperação do Governo no âmbito da preparação da proposta de lei, a qual foi devidamente apreciada pela Procuradoria-Geral da República, pelo Conselho Superior da Magistratura, pela Ordem dos Advogados, pela Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, pelo Conselho dos Oficiais de Justiça, pela Associação Sindical dos Magistrados do Ministério Público, pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais e pela Associação dos Oficiais de Justiça.
O esforço de cooperação evidenciado pelo Governo e pelas autoridades e entidades referidas é tanto mais de salientar quanto é verdade que dele resultaram ajustamentos e alterações que, pela sua importância, contribuíram para a elaboração de um instrumento legislativo de extrema importância, dada a necessidade imperiosa de organização e clarificação do sistema de turnos e de todos os problemas a ele associados.
A esse respeito convém salientar que algumas das entidades contactadas a propósito do anteprojecto elaborado pelo anterior governo, tiveram oportunidade, inclusive, de o qualificar, em determinadas matérias, que não foram agora acolhidas pelo actual Governo, como um verdadeiro «aborto». Está escrito, foi escrito, é sic. Para não dizer «leio», o que também posso fazer...
Isto demonstra que, quando são feitas aqui certas intervenções, convém ter algum cuidado naquilo que se diz quanto ao passado, porque, felizmente, está tudo escrito.
A matéria objecto da presente proposta de lei é delicada, já que incide sobre o poder judicial e o estatuto dos magistrados judiciais bem como sobre os funcionários judiciais.
Prova disto é que o Decreto-Lei n.º 167/94, de 15 de Junho, actualmente em vigor, não chegou a ser exequível, atentas as greves dos magistrados judicias e dos oficiais de justiça, decretadas logo após a publicação deste diploma legal,...

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - ... as quais ainda hoje se mantêm.
Têm de compreender que este estado de greve permanente, a que não souberam fazer face nem resolver, manteve-se e é bom que não se esqueçam daquilo que os senhores agora consideram pequenos pormenores. Srs. Deputados, não estou a falar na herança, porque, se o fizesse, calculo que me acusariam disso.
Na verdade, as soluções consubstanciadas no Decreto-Lei n.º 167/94, o qual consagrou o famigerado regime de contactabilidade, não acautelou nem assegurou, de forma equilibrada, todos os interesse em causa.
É este quadro legal que a presente proposta de lei visa alterar, organizando turnos para assegurar serviço urgente durante as férias judicias, bem como, atento o disposto no Código de Processo Penal e na Organização Tutelar de Menores, garantir a execução do serviço urgente aos sábados, domingos e feriados, para o que se criam os tribunais de turno.
Passa a ficar claro, a partir de agora e com a presente proposta de lei, que a ausência nas férias, sábados, domingos e feriados dos magistrados em caso algum pode prejudicar a execução do serviço urgente.
Os turnos de férias judiciais organizam-se em cada circulo judicial e funcionarão nos tribunais competentes para assegurar os respectivos serviços.
Por sua vez, são desde já criados nesta proposta de lei 50 tribunais de turno, instalando-se cada um deles em regime de rotatividade em qualquer das comarcas abrangidas, à excepção da comarca do Porto.
De acordo com as regras de competência e funcionamento estatuídas na proposta de lei, o tribunal de turno terá competências idênticas às dos tribunais competentes para o exercício do serviço que tenha sede em qualquer das comarcas por ele abrangidas.
Não desconhecemos que algumas entidades têm defendido a criação de tribunais permanentes ao invés de tribunais de turno. Não é essa, com o devido respeito por tal entendimento, a nossa opinião.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É por ser caro?!

O Orador: - Antes de mais, pelos custos económicos que tal implicaria. Depois, pelo inevitável aumento de burocracia e complexidade que acrescentaria a tal sistema.
Com a criação dos 50 tribunais de turno previstos na proposta de lei em apreciação, o Governo coloca à disposição dos cidadãos um sistema de justiça continua, o qual constitui um garante efectivo dos direitos de todos os envolvidos.
Por outro lado, não quer o Grupo Parlamentar do PS deixar de saudar a opção do Governo em submeter todo o presente normativo à Assembleia da República, atenta a existência de matérias de reserva de competência absoluta e de competência relativa desta Câmara, assegurando-se assim a coerência e a homogeneidade de toda a legislação respeitante ao serviço urgente em férias e aos sábados, domingos e feriados.
Nesse aspecto verão os Srs. Deputados do PSD mais uma das diferenças em relação aos procedimentos que os senhores seguiam no passado.

Isto é tão mais importante quanto é verdade que o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 19 de Setembro de 1995, veio sustentar o entendimento segundo o qual os artigos 21 º- A e 22 º- A, aditados ao Decreto-Lei n .º 214/88, de 17 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 312/93,

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de 15 de Setembro, enfermam de inconstitucionalidade material, por afectarem os princípios da separação de poderes, da independência dos tribunais, da inamovibilidade dos juízes, da reserva de lei e da fixação de competências.
Por último, importa salientar que o regime ora proposto, porque não implica deslocação dos magistrados e funcionários, à excepção do caso especial do Tribunal de Turno do Porto, e ao contrário do regime legal da contactabilidade até agora previsto, permitirá uma redução substancial de encargos relativamente ao sistema anterior. Em suma, o funcionamento de, tribunais aos sábados, domingos e feriados destina-se a garantir aos cidadãos o direito à liberdade e segurança, verdadeiro direito fundamental previsto no artigo 28.º da Constituição da República Portuguesa.
O grupo Parlamentar do Partido Socialista dá, pois, o seu apoio à presente proposta de lei.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, quero apenas fazer uma observação à sua intervenção, que ouvi atentamente. O Sr. Deputado estava a ler o seu discurso muito bem e tudo ia menos mal. Quando levantou a cabeça e falou sem ler, começou a descarrilar, designadamente, quando teceu críticas, a nosso ver, infundadas, objectivamente infundadas, acerca de toda a legislação que foi produzida pelo anterior governo.
Quero lembrar-lhe, Sr. Deputado, em primeiro lugar, que se essa legislação não tivesse sido feita, se não tivesse havido o permanente cuidado de a aperfeiçoar e consensualizar com as reacções que entretanto surgiram, não teríamos chegado à proposta de lei que agora tão bem serviu os interesses de todos, nomeadamente ao Governo que o partido a que V. Ex.ª pertence sustenta.
Sr. Deputado, é muito fácil hoje a V. Ex.ª, como o foi ao Sr. Secretário de Estado há pouco, dizer que não se deveria ter legislado por decreto-lei ou por portaria. A verdade é que isso hoje pode parecer muito simples ou muito cristalino, porque, entretanto, foi publicado, mas só em Setembro do ano passado, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e outro do Tribunal Constitucional, que claramente se pronunciaram sobre isso.
Na realidade, o que verifico - e V. Ex.ª também o. pode verificar, sem ser necessário andarmos à cata das intervenções do Sr. Deputado José Vera Jardim - é que, quando esta lei foi discutida, houve oportunidade de todos os Deputados se pronunciarem - entre outros, pronunciou-se o Sr. Deputado José Vera Jardim -, e todos estiveram preocupados com tudo menos com o tribunal de turno. Ninguém, nessa altura, se pronunciou acerca desta questão. Passaram por cima dela sem a mínima consciência e sem fazerem a mínima observação quanto à forma, se era a melhor ou a pior; quanto ao fundo; quanto ao conteúdo, se estava ou não certo.
Sr. Deputado, é muito bom criticar, o que é difícil é fazer.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, agradeço-lhe o pedido de esclarecimento.
Naturalmente, o Sr. Deputado não pode esquecer-se de que o estado de greve permanente entre funcionários e magistrados,...

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Continua! Nove meses depois!

O Orador: - ... devido a um quadro legal que os senhores criaram, tinha uma razão de ser. Naturalmente, os senhores foram absolutamente insensíveis a este estado de coisas.
Sr. Deputado, quando há pouco falei no «aborto» legislativo, utilizei uma expressão que constava numa comunicação do Sindicato dos Funcionários Judiciais dirigida ao anterior Ministro da Justiça, em 6 de Setembro de 1995. Li isso que está efectivamente escrito. O que os senhores não podem é, de maneira alguma, ignorar este estado de coisas.
Os senhores podem dizer, ou tentar dizer, que aquilo que o Governo está a fazer é uma cópia do que fizeram antes. No entanto, o senhor sabe perfeitamente que é falso. É absolutamente falso! Além do mais, não vos fica bem tentarem rentabilizar trabalho produzido anteriormente e dizerem que o Governo está a fazê-lo. O Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Secretário de Estado tiveram oportunidade de o desmentir quanto a esse aspecto. Os inúmeros documentos que existem reflectem essa situação.
Como o Sr. Ministro da Justiça disse esta manhã, o que fizemos foi o contrário daquilo que os senhores fizeram. O Sr. Deputado sabe o que é o regime da contactabilidade?! O Sr. Deputado saberá do que está a falar? Com todo o devido respeito pela sua posição lhe digo: o senhor não deve saber o que é o regime da contactabilidade, para estar a dizer que o Governo actual apresenta soluções que os senhores apresentaram! O senhor não sabe aquilo que está a dizer! Isto tem de ficar devidamente esclarecido, para os senhores, pelo menos, no futuro... Não corro o risco, como Deputado do Partido Socialista, de ter um processo disciplinar, porque, obviamente, não sou Deputado do PSD e, portanto, tenho a liberdade de colocar aqui essa questão. Compreendo o seu incómodo, mas isto tem de ser dito agora.
No entanto, Sr. Deputado Antonino Antunes, acredito que, apesar deste erro e deste lapso, o senhor não seja alvo de um processo. De qualquer forma, não lhe fica mal reconhecer que se enganou.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tal como já tive ocasião de dizer - e a evolução do debate não me fez mudar de posição, em relação à criação dos tribunais de competência especializada -, não encaramos de uma forma positiva a criação desses tribunais, pelos motivos que já referi.
O preâmbulo do diploma de 1993, da autoria do anterior governo, já apontava para a criação de tribunais de competência especializada de comércio, não propriamente em relação à questão das falências - essa seria uma outra questão. Mas, assim como vem proposto, pensamos que efectivamente se podem resolver alguns problemas, nesta

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matéria como noutras áreas, com uma assessoria técnica nos tribunais, que consideramos indispensável para que alguns processos sejam decididos. Por exemplo, em relação aos processos de despedimento colectivo, a partir do momento em que se decidiu mal, em nossa opinião retirá-los do regime anterior e substituir a forma administrativa de fiscalização da regularidade desses processos por uma forma jurisdicionalizada que desprotege os trabalhadores, pensamos que, de qualquer forma, também aí haveria a necessidade de criação de uma assessoria técnica, fundamental para o juiz poder decidir.
De facto, cremos haver matérias, algumas das quais já referidas pelo Sr. Ministro da Justiça, em relação a estes processos de recuperação de empresas e de falências, mais importantes para legislar e com urgência.
Pára além das já referidas, não quero deixar aqui- de focar uma outra questão, que acabou por conduzir a uma desprotecção, em alguns casos dos próprios trabalhadores, quando no diploma de 1993 se retirou o carácter privilegiado aos créditos do Estado, das autarquias locais e da segurança social. Ora, quando se retira o carácter privilegiado aos créditos da segurança social, está a afectar-se os direitos dos trabalhadores, porque a segurança social garante efectivamente esses direitos.
Assim, pensamos que, nesta matéria, há que ponderar isto bem, porque não foi qualquer questão de solidariedade, como se lê no preâmbulo do diploma, que levou a esta decisão, mas uma outra muito diferente, que foi a de, ao fim e ao cabo, privilegiar os créditos privados sobre os outros.
Por outro lado, em relação aos privilégios dos créditos dos trabalhadores, pensamos que se deve ir mais longe, estabelecendo também que têm privilégio os créditos por indemnização por despedimento e não só os créditos por salários em atraso.
Assim sendo, para nós, esta iniciativa legislativa não nos merece uma apreciação positiva...
Quanto à outra proposta de lei, relativa à criação de 50 tribunais de turno, já tive a ocasião de dizer que a apreciação que dela fazemos é diferente, é uma apreciação positiva. É que, como referi, o que está aqui em causa é a garantia do direito à liberdade e à segurança, a fiscalização de detenções ou prisões por autoridades policiais, pelo que o poder judicial tem aqui uma função extraordinariamente importante na garantia desse direito à liberdade e à segurança. Assim, há que encontrar um sistema que seja exequível e que garanta este direito.
Já foi aqui focada a situação de conflitualidade em torno desta matéria, que se tem vivido nos nossos tribunais, devido ao facto de o governo anterior ter legislado de unia maneira um pouco «caótica» e até, como está demonstrado e ninguém duvida, violando a Constituição.
Efectivamente, conforme disse o Sr. Secretário de Estado, a profusão de diplomas nesta área foi imensa, durante o governo anterior - foi o despacho ministerial n.º 61/91, a Lei n.º 24192, o Decreto-Lei n.º 312/93, os ofícios e circulares n.os 53 e 38; de 24 de Setembro, o Decreto-Lei n.º 167/94, a Portaria n.º 514/94, um despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Justiça, de 8 de Julho de 1994. Foi tudo isto. que, depois, acabou por resultar num conflito grave dentro dos tribunais. Relativamente às questões fundamentais, verificou-se pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que sobre esta matéria se debruçou, que a legislação anterior estava viciada de inconstitucionalidade e que havia violação do principio da separação de poderes, do princípio da independência dos tribunais e do principio da reserva

absoluta de competência da Assembleia da República em relação à organização e funcionamento dos tribunais.
Ora, aqui pode colocar-se - e penso tratar-se de questões interessantes, que, depois, têm a ver com a da inamovibilidade dos juízes - o problema de saber se estamos perante a criação de tribunais de turno ou perante os turnos de juízes. Não tenho tempo para me dedicar a esta matéria, apesar de ter tido ocasião de a analisar num relatório que apresentei na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, mas, de qualquer forma, gostava de dizer que sobre este assunto foram ouvidas pela própria Comissão e por meu intermédio algumas entidades que, por maioria, se pronunciaram favoravelmente à proposta de lei. Não sem que o Fórum Justiça e Liberdades afirmasse que seria preferível um sistema de tribunal permanente nos grandes centros urbanos e um regime de contactabilidade nos outros locais e a própria associação sindical dos juízes portugueses se tivesse pronunciado no mesmo sentido. De facto, também não repudiou o regime de contactabilidade fora dos grandes centros urbanos.
Para terminar, quero dizer que entendo que a proposta de lei não viola o princípio da inamovibilidade dos juízes. Aliás, conforme ensinam os constitucionalistas Vital Moreira e Gomes Canotilho, o princípio da inamovibilidade não é um princípio absoluto. A própria Constituição diz que tem limites que a lei há-de estabelecer. Também devo dizer que se a anterior legislação violava este princípio, porque os juízes por um dia estavam colocados noutros locais, se aqui não se considerarem tribunais de turno, então, também esse princípio é violado. Será na óptica do Supremo Tribunal de Justiça, só que entendo que - e aí penso que é isso que falta ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tem de equacionar-se o outro direito, que é um direito fundamental, um direito à liberdade e à segurança, que tem de se compatibilizar com o princípio da inamovibilidade dos juízes. Nesse aspecto e considerando o artigo 18.º da Constituição da República, peso que a proposta de lei não viola esse princípio.
Julgo também que a proposta de lei não viola o principio do juiz natural, como, aliás, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça decidiu, nessa matéria, que também a anterior legislação não violava esse principio.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, deixo uma última nota: há algumas questões de especialidade que têm de ser ponderadas, a fim de tornarmos isto o mais exequível possível, pois, na realidade, colocam-se problemas quanto às deslocações e à segurança nos tribunais.
Porém, de uma maneira geral, damos o nosso voto favorável a esta proposta de lei, esperando que se pacifique a vida nos tribunais, mas acautelando essas questões de especialidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, não a interrompi, porque o PS cedeu dois minutos ao PCP, que serão transferidos para o seu tempo, que, agora, fica reduzido a zero.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Código de

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Processo Penal vigente, aprovado em 1987, estabeleceu o imperativo de que qualquer entidade que proceda a uma detenção a comunique, de imediato, a uma autoridade judiciária.
A doutrina e a jurisprudência evoluíram no sentido de que o prazo de 48 horas, fixado no artigo 28.º da Constituição da República Portuguesa, é um prazo máximo para a apresentação do detido, que não deve ser, como regra, esgotado.
Pode dizer-se que esse período de tempo corresponde a um limite máximo que corre a favor da investigação e não a favor das entidades policiais ou dos tribunais.
Nesse sentido, pode também afirmar-se hoje que ninguém deve esgotá-lo,. a menos que haja motivos de investigação que o justifiquem, sob pena de se estar a violar os direitos fundamentais da pessoa humana.
Foi assim que se gerou e desenvolveu a ideia da necessidade de assegurar a permanência naqueles tribunais onde existe um serviço urgente, hoje, os tribunais de menores, os tribunais de instrução criminal e os tribunais de pequena instância criminal.
O primeiro ensaio surgiu em Julho de 1991, quando se determinou a abertura dos tribunais de polícia de Lisboa e do Porto, aos sábados e aos domingos, sem prejuízo do regime de funcionamento dos tribunais em fins-de-semana, que, nessa altura, vigorava.
Foi propósito então anunciado o estabelecimento desse regime experimental, cujos resultados se destinavam a ser estudados por uma comissão e a ser presentes à Assembleia da República na sessão legislativa seguinte.
Assim aconteceu, em 1992, quando o governo do PSD apresentou nesta Assembleia a proposta de lei n.º 24/VI, que visava a alteração da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.
Na intervenção inicial que fez neste Plenário, Laborinho Lúcio, então Ministro da Justiça, dava conta dos resultados positivos de tal experiência, informando que naqueles turnos de Lisboa e Porto o atendimento em feriados e fins-de-semana havia registado, só em 10 meses, 1050 detidos, dos quais 720 foram imediatamente restituídos à liberdade, confirmando-se a prisão dos restantes 330.
E, com vista a garantir, de uma forma mais efectiva, o serviço considerado urgente e de cuja omissão pudesse resultar a violação dos direitos fundamentais, propôs a consagração do funcionamento de turnos de fins-de-semana e feriados, cem condições a definir, de forma flexível, num diploma regulamentar>. Era a nova redacção do artigo 90 º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, com a qual se pretendeu ultrapassar algumas situações de insuficiência que ainda se registavam nessa matéria.
A iniciativa legislativa que deu origem à Lei n .º 24/92 foi aprovada, registe-se, sem quaisquer votos contra.
A regulamentação das alterações introduzidas pela Lei n .º 24/92, no que respeita aos turnos de sábados, domingos e feriados, passou à constar das disposições dos artigos 21 º- A e 22 º- A, do Decreto-Lei n .º 312/93 - Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 364/93 - Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e o Estatuto dos Funcionários de Justiça - em moldes que suscitaram questões de interpretação e de constitucionalidade, conforme já aqui foi referido.
Nem as publicações sucessivas do Decreto-Lei n.º 167/94, visando regular a organização de turnos de magistrados para o serviço urgente, da Portaria n.º 514/94, visando definir os tribunais onde devem ser organizados os turnos,

e do despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Justiça, a fixar os suplementos remuneratórios a pagar a magistrados e funcionários pelos turnos de sábados, domingos e feriados, foram suficientes para calar o movimento oposicionista de magistrados judiciais e oficiais de justiça. Um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Setembro de 1995, pronunciou-se pela inconstitucionalidade material das referidas normas constantes nos artigos 21.º-A e 22.º-A, em termos sobejamente conhecidos.
As greves continuam, o problema persiste e a proposta de lei hoje em discussão constitui a mais recente tentativa de lhes pôr termo.
Em sede de discussão na generalidade esta iniciativa legislativa suscita-nos as observações e comentários que se seguem.
Ao continuar firme na defesa da criação dos tribunais de turno e do seu funcionamento aos sábados, domingos e feriados para a prática de actos urgentes, previstos na legislação processual penal e na lei tutelar de menores, o actual Governo reconhece estar perante uma exigência do Estado de direito e assume-a como conquista que foi do Governo que o precedeu, propondo-se mantê-la e desenvolvê-la no sentido de haver uma consolidação estruturante. Reconforta-nos a constatação de que assim se procura acabar uma obra complexa, cujos alicerces foram lançados há cinco anos, que cresceu com correcções e adaptações até à fase final em que ora se encontra. Nem podia ser de outra maneira quando estão em causa princípios tão essenciais como o do respeito pela pessoa humana, o da liberdade e segurança e o de acesso à justiça.
Ao propor a introdução na legislação anterior de ajustamentos, resultantes de apreciações criticas apresentadas por várias entidades que vinham sendo ouvidas mormente desde 1994, ao ter aproveitado do trabalho e da experiência do anterior governo. nesta matéria, preocupando-se com a eliminação de quaisquer afrontamentos constitucionais, nomeadamente os apontados pelo citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e pelo acórdão do Tribunal Constitucional, um e outro emitidos em Setembro de 1995, o Governo do PS fez o que tinha a fazer.
Por isso, o PSD e o seu Grupo Parlamentar não se vão abster na votação desta proposta de lei, vão, antes, votá-la favoravelmente, porque se revêem e se reconhecem nela. Como não havia o PSD de agir assim, se afinal os tribunais de turno permanentes em feriados e fins-de-semana foram concebidos, nascidos e deram os primeiros passos no âmbito da política do anterior Governo, que enfrentou a crispação de magistrados judiciais e oficiais de justiça e se foi também ele que, através de sucessivas aproximações, contribuiu para que se chegasse à actual formulação? De resto, ao afirmar que as soluções ora encontradas trazem consigo a marca da transição para um futuro enquadramento do problema, o Governo está a reconhecer quão difícil tem sido, e continua a ser, encontrar o consenso das várias partes e dos vários interesses envolvidos sem se abdicar de um objectivo fundamental e como se pode afinal estar ainda algo longe de alcançar o desejável ponto de equilíbrio.
O importante será o reconhecimento de que ainda não chegou ao fim a fase de recolha de contributos que se afigurem com achegas válidas e concertantes e que, nessa ordem de ideias, ainda muito haverá que fazer em sede de especialidade.

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3088 I SÉRIE-NÚMERO 90

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Que ilusão, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de referir-me à proposta de lei sobre a criação do tribunal especializado, para louvar a medida de criação dos tribunais especializados para julgamento destes processos especiais de recuperação da empresa e da falência, medida esta que não está isolada e que se insere num conjunto de medidas a tomar pelo Governo, no âmbito das suas competências, nomeadamente a de alteração efectiva do próprio Decreto-Lei n.º 132/93, na parte não de competência territorial ou em razão da matéria mas nas normas adjectivas que regulam esse decreto-lei.
De facto, o Decreto-Lei n.º 132/93, embora nas intenções fosse bastante ambicioso, na prática, não veio introduzir qualquer alteração no que toca ao antigo Decreto-Lei n.º 177/86. É, portanto, necessário efectivamente agilizar ainda mais os processos especiais de recuperação da empresa e, sobretudo, criar uma certa competência específica, não digo especializar os juízes mas criar uma certa competência específica destes tribunais, porque sabemos que os nossos magistrados, e isso é um problema estrutural do nosso sistema judiciário, têm uma formação inicial e só depois, ao longo da vida profissional, adquirem uma formação de cariz autodidáctico. Assim, se calhar, esse problema da competência especializada dos juízes vem a ser um handicap quando sobem na carreira, por ter na sua génese uma falta de formação ao longo da vida.
Daí verificarmos que, muitas vezes, os Srs. Juízes, não obstante toda a sua diligência e capacidade de sacrifício até, que lhes é reconhecida e que de facto temos de louvar, encontram-se pouco preparados, o mesmo acontecendo com os advogados, para apreciarem novos fenómenos económicos que surgem na vida e no tráfego jurídico geral.
Agora, gostaria de dizer que a forma de o PSD fazer actualmente oposição é muito característica, que é a de nunca tomar posição sobre as matérias substanciais. Quando não pode estar contra, diz «fomos nós que fizemos», ou «isto está na base de coisas que já queríamos fazer»...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e, quando encontra alguma questão lateral para se agarrar, anda à volta, não saindo dali, evitando assumir posições sobre as questões substanciais, porque aí teria, inequivocamente, de colocar-se ao lado do Governo.
Ora, no que respeita especificamente à criação dos tribunais especializados, gostaria de dizer, por exemplo, que esta medida legislativa vem obstar a casos como este: aqui há um ano atrás, no Tribunal das Caldas da Rainha, estava a ponto de iniciar-se uma assembleia de credores de uma empresa, com centenas de credores e de advogados e com os trabalhadores ansiosos por saberem a decisão da empresa - e é preciso ver-se que as empresas, quando entram neste processo de recuperação, entram quase como num clima de capitis diminutio, onde os fornecedores

desconfiam, os clientes desconfiam, portanto é de todo o interesse que estes processos sejam o mais céleres possível -, estava toda a gente presente, à espera do Sr. Juiz, mas este encontrava-se no Tribunal de Peniche a ouvir um réu preso, pelo que não podia deslocar-se ao tribunal para fazer a assembleia de credores.
Ora bem, são situações como esta que esta medida legislativa poderá evitar. Agora, a questão de criar um tribunal para as comarcas e para as Arcas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, na minha opinião, talvez fosse de analisar, uma vez que a leio permite, a possibilidade de extensão da sua competência a uma área territorial mais vasta, embora aí tivesse de ser ponderada com o princípio de proximidade da justiça aos cidadãos.
Gostaria ainda de dizer que, para o processo especial de recuperação dá empresa e da falência, tem competência territorial o tribunal da comarca da sede da empresa, mas o certo é que os credores, que são os principais interventores e os decisores neste processo, não têm necessariamente, e até nem terão, em princípio, a sua sede na comarca da sede da empresa. Assim, se calhar, a criação de um tribunal de competência especializada que pudesse abranger área semelhante à do distrito judicial, isto na versão mais lata, talvez não fosse descabida. É uma mera hipótese que se coloca, e o Governo, com certeza, tomará isto em conta, em sede da regulamentação, mas poderá entender que é demasiado ambicioso e será, com certeza, um entendimento fundamentado.
Quanto às vozes que aqui se levantaram contra esta proposta, nomeadamente através da Sr.ª Deputada Odete Santos, numa apreciação não positiva, não me parece quererem atacar, sob o ponto de vista substancial, esta medida.
O Sr. Deputado António Lobo Xavier referiu apenas que esta era uma medida isolada, mas já vimos que não é, porque será acompanhada de outras medidas do Governo não só no âmbito do Decreto-Lei n.º 132/93 como também de um apoio às empresas para a sua recuperação.
Falou também na questão da formação especializada. Em relação a isto, gostava de referir que as assessorias técnicas, nestes, tribunais, podem ser de facto um apoio importante para a questão da formação dos magistrados.
Portanto, da parte do PS, haverá todo o apoio a esta medida legislativa, que votaremos favoravelmente, com muito gosto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente( João Amaral): - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate das propostas de lei n.º 18/VII e 42/VII. Informo a Câmara de que as votações destes diplomas realizar-se-ão no dia regimentalmente definido pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares,
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às IS horas, e terá como ordem do dia, em virtude de agendamento potestativo do PCP, a discussão conjunta dos projectos de lei n.º 125/VII - Valor das indemnizações a pagar aos sinistrados de trabalho, em consequência da remissão de pensões (PCP) e 126/VII - Procede à revisão do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais (PCP).
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

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3 DE JULHO DE 1996 3099

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

José Carlos Correia Mota de Andrade.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco José Fernandes Martins.
Gilberto Parca Madail.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
José Guilherme Reis Leite.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.

Faltaram á sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Albino Gonçalves da Costa.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.

Partido Social Democrata (PSD):

António Fernando da Cruz Oliveira.
Carlos Alberto Pinto.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama. José Mendes Bota.
Manuel Filipe Correia de Jesus
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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3090 I SÉRIE -NÚMER0 90

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