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25 DE OUTUBRO DE 1996 177

internacionais, desde a da Conferência Europeia, realizada na Geórgia em 1990, sob o patrocínio das Nações Unidas, até à Declaração da Conferência de Beijing, passando pela da Conferência do Cairo e pela já citada resolução do Parlamento Europeu de 1990, que consideraram o aborto clandestino um grave problema de saúde pública a necessitar de resolução.
O PSD, afinal, vai às conferências internacionais sobre os problemas das mulheres, declara-se solidário com os princípios, para quê? Para sujeitar as mulheres do seu país a um julgamento moral?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão da IVG não é um problema moral. Todos estaremos de acordo, e as mulheres que interrompem a gravidez sentem-no mais do que ninguém na altura em que tomam decisão tão grave, que o aborto não é um meio de contracepção. E que tem de investir-se no planeamento familiar e na efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais para uma maternidade/paternidade conscientes.
Mas postos perante o flagelo do aborto clandestino, os Deputados que legislam para todas as cidadãs, aqueles que, chamados a decidir sobre a intervenção do direito penal, possam ainda julgar, erradamente, que este ramo de direito acolhe normas morais, não têm mais do que reler uma parte da decisão sobre a interrupção voluntária da gravidez, subscrita pela maioria de juízes do Supremo Tribunal dos EUA, tomada em 1992, mesmo no quadro de um tribunal com uma maioria de juízes conservadores, a decisão que ficou conhecida como Planned Parenthood: «Alguns de entre nós consideram, a título pessoal, o aborto como oposto aos seus princípios fundamentais de moralidade, mas isso não pode comandar a nossa decisão. Nós temos a obrigação de definir a liberdade de cada um e não estamos investidos num mandato para fazer prevalecer o nosso próprio Código Moral».

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - De facto, o que os Deputados têm de decidir é se preferem uma solução como a da lei actual que permite ainda taxas elevadas de aborto clandestino, com todo o seu cortejo de graves consequências para a saúde física e psíquica das mulheres. Se preferem um sistema que torna possível para as mulheres bem situadas economicamente, o chamado turismo abortivo, enquanto deixa sem solução os problemas das mulheres de classes desfavorecidas. Se querem uma lei que desprotege o próprio feto com as imprestáveis 16 semanas do aborto eugénico, tornando possível, na dúvida sobre as malformações, o aborto de fetos sãos. Ou se são capazes de um debate sério, sem emoções, sobre uma lei que ponha cobro à clandestinidade, que ponha termo á mais vil condenação das mulheres, a condenação à invasão da sua própria liberdade e capacidade de decisão através da ameaça penal.
O Direito Penal, apesar das alterações introduzidas em 1984, continua a revelar-se ineficaz para combater o aborto clandestino. A lei penal não atinge ainda os objectivos que diz visar. Pelo que, apesar dos avanços conseguidos com a Lei n.º 6/84, pode continuar a usar-se, a respeito da mesma, o que os Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade referiam a propósito da anterior lei incriminatória do aborto: esta «para além de funcionar como guarda nocturno da boa consciência de alguns, acaba por redundar num indesejável desserviço aos valores fundamentais da própria vida humana.»

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, torna-se necessário legislar por forma a que o Direito Penal surja legitimado pela sua eficácia, sob pena de, nesta matéria, apesar da Lei n.º 6/84, continuarmos a ter um sistema penal falso, altamente selectivo, gerador de desigualdades e discriminações entre as próprias mulheres e, ainda, sustentáculo das condições degradantes e riscos do aborto clandestino. Ineficaz para proteger a promessa de vida que é a vida intra-uterina.
O nosso projecto de lei contém dois pontos fundamentais.
Propomos que o aborto eugénico, o aborto devido a malformações graves ou doenças graves do feto, possa ser realizado até às 22 semanas. Esta foi, aliás, a proposta da Comissão Revisora do Código Penal, recusada pelo governo do PSD que a nomeou. Comissão constituída por, consagrados penalistas como os Professores Figueiredo Dias, Costa Andrade e o Conselheiro Sousa Brito do Tribunal Constitucional.
A propósito deste alargamento, proposto pela comissão revisora, porque, como disse o Professor Figueiredo Dias na audição realizada pela Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias, o estado dos conhecimentos da Medicina impunha o prazo de 22 semanas e, a esse propósito, disse textualmente o conhecido e destacado penalista: «Se se considera que não deve haver interrupção da gravidez por razões eugénicas, esta Câmara tomará essa decisão política se se considera que deve, então, não deve cair no farisaísmo de, permitindo-a através da limitação do tempo em que é permitido, afastar as hipóteses mais graves».
O Professor Figueiredo Dias acusou a solução da lei actual de farisaica e foi o PSD que, recusando a proposta, assumiu o farisaísmo da lei. Também por isso não tem qualquer legitimidade política nem legitimidade moral para propor o seu referendo.
No nosso projecto de lei propõe-se também que, nas primeiras 12 semanas, o aborto seja feito em estabelecimento hospitalar, a simples pedido da mulher. Queremos, com isto, dizer que não estamos a liberalizar o aborto porque ele terá de ser feito em estabelecimento hospitalar. Esta solução deve-se ao facto de a realidade demonstrar que, nas primeiras 12 semanas, a lei penal é totalmente ineficaz para atingir os seus objectivos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas se o sistema penal, em vez de prevenir, atinge efeitos perversos como os de provocar os graves riscos do aborto clandestino, então, esse sistema tem de retirar-se, aliás, em obediência às balizas que lhe são colocadas pelo artigo 18.º da Constituição da República. A nossa proposta contém o Direito Penal nessas balizas.
É preciso alterar o sistema penal nesta matéria. Porque é um sistema que ainda assume, apesar de tudo, presunções sociais seculares sobre o lugar da mulher na sociedade.
Na verdade, na falta de conexão entre os meios da lei penal e os fins que visa atingir e não atinge, resta perguntar por que é que tal ainda acontece. Tal acontece, de facto, porque nela ainda pode ver-se a ideia que o Estado faz, e que tem dominado o curso da História, sobre o papel da mulher: aquela que tem de sujeitar as suas decisões mais íntimas à violência da lei penal, aquela que deve suportar todos os fardos, aquela a quem se nega, muitas vezes, o

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