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Sexta-feira, 8 de Novembro de 1996

I Série - Número 9

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.A SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE NOVEMBRO DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. João António Gonçalves do Amaral

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Procedeu-se a um debate expressamente dedicado ao incêndio ocorrido no edifício da Câmara Municipal de Lisboa, tendo o Sr. Presidente lido a mensagem que o Sr. Presidente da Assembleia em exercício Manuel Alegre dirigiu ao município de Lisboa e dado conta á Assembleia das palavras que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa quis enviar a este órgão de soberania.
Foi depois discutido e aprovado o voto n.º 50/VII - De pesar pelo incêndio que afectou o edifício da Câmara Municipal de Lisboa (Vice-Presidente da AR João Amaral, PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes). Produziram intervenções os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Ferreira do Amaral (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Ordem do dia. - A Câmara deu consentimento á viagem de caracter oficial do Sr. Presidente da República a Paris nos dias 24 a 26 do corrente mês.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 213/VII - Candidaturas de cidadãos independentes á eleição dos órgãos das autarquias locais (PS), que foi aprovado, tendo baixado á 1.ª Comissão para apreciação na especialidade. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Luís Sá (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Manuel Monteiro (CDS-PP) e Luís Marques Guedes (PSD).
Entretanto, a Câmara aprovou quatro pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, um relativo à retoma de mandato de três Deputados do CDS-PP e á substituição de outros três igualmente do CDS-PP e de um do PS e três autorizando três Deputados a deporem, por escrito, como testemunha, em tribunal.
Foi aprovado, na generalidade, o projecto de lei n.º 221/VII - Altera o regime de liberdade condicional (PSD), que baixou á 1.ªComissão para apreciação na especialidade, tendo sido rejeitado o projecto de lei n.º 226/VII - Altera o regime jurídico da liberdade condicional (CDS-PP).
Por fim, mereceram aprovação, em votação final global, as propostas de alteração aprovadas pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias relativas ao Decreto-Lei n.º 84/96, de 29 de Junho, que define as condições legais aplicáveis á concessão de apoio por parte do Estado ao sector da comunicação social, bem como á coordenação e á distribuição da publicidade do Estado, em especial pelas rádios locais e regionais e pela imprensa regional [ratificação n.º 24/VII - (PCP)].
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Maninho.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Maninho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Teresa Maria Gonçalves Gil Oliveira Pereira Narciso.
Victor Brito de Moura. Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.

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Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madail.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Povoas.
José de Almeida Cesário.
José Gonçalves Sapinho.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís Resende Moreira da Silva.
José Macário Custodio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota..
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiro.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaiao Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolonia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou fazer uma breve comunicação acerca dos nossos trabalhos.
Face ao infausto acontecimento ocorrido no edifício da Câmara Municipal de Lisboa, o incêndio de grande parte das instalações, o Grupo Parlamentar do PS suscitou uma reflexão sobre se haveria condições para realizarmos a reunião plenária mas, desde logo, acrescentou que não queria transformar essa questão numa questão polémica, isto é, queria que a decisão a tomar fosse consensual.
Nesse sentido, reuniu a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Houve objecções de quem entendia não ser o mais adequado suspender os trabalhos da Assembleia da República. Face a essa situação, considerou-se que seria de cumprir a ordem dos trabalhos mas modificando-a e acrescentando um período de antes da ordem do dia, onde será apreciado e votado um voto subscrito por todos os líderes parlamentares e pela Mesa.
Assim, teremos, em primeiro lugar, um período de antes da ordem do dia para tratarmos desta matéria.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vou, então dar início ao período de antes da ordem do dia, começando por ler, para que fique registada em acta, a mensagem que o Sr. Presidente da Assembleia da República em exercício, Sr. Deputado Manuel Alegre, enviou ao Município de Lisboa e que é do seguinte teor:
Manifesto ao Presidente, aos Vereadores, aos membros da Assembleia Municipal e a todos os trabalhadores da Câmara Municipal de Lisboa a fraterna solidariedade da Assembleia da República, convicto de que esta responderá ao apelo que hoje lhe foi dirigido no sentido de, em estreita colaboração com outros órgãos de Soberania, contribuir para a rápida reconstrução do edifício que é um símbolo da capital da nossa Pátria.
Fraterna solidariedade.

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Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Secretário para a leitura do voto anteriormente referido, permitam-me umas breves palavras que têm a ver com a circunstância de acumular a função que estou a desempenhar com a de Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa.
Aqui na Assembleia da República sentam-se vereadores da Câmara Municipal de Lisboa e membros da assembleia municipal, em várias bancadas, e seguramente todos nós, como todos os lisboetas, como todo o país, assistimos com grande desgosto, com profundo pesar e mágoa, ao que se passou hoje de manhã.
Assim, quero transmitir-vos as palavras que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa me deu pessoalmente o encargo de vos dizer.
Em primeiro lugar, uma palavra de mágoa de toda a Câmara Municipal de Lisboa e de toda a vereação.
Em segundo lugar, uma palavra de grande determinação: a ideia que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa me pediu que vos transmitisse é a de que a Câmara Municipal de Lisboa quer devolver o edifício à cidade, aos lisboetas, ao país, o mais rapidamente possível.
Em terceiro lugar, uma palavra de apelo à Assembleia da República, aos outros Órgãos de Soberania e ao Governo, naturalmente também, para que ajudem no esforço financeiro, que provavelmente será grande, mas especialmente na solidariedade neste momento difícil para todos os lisboetas.
São estas as palavras que vos queria transmitir. Pessoalmente quero dizer-vos que é com muita pena que vemos o que se passou mas também é com muita determinação que vamos enfrentar a situação.
Tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor o voto n.º 50/VII - De pesar pelo incêndio que afectou o edifício da Câmara Municipal de Lisboa (Vice-Presidente da AR João Amaral, PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes):

A Assembleia da República, no momento em que toma, conhecimento do grave incêndio que afectou o edifício da, Câmara Municipal de Lisboa, grande expoente histórico, arquitectónico e patrimonial da cidade e do País, manifesta o seu pesar pela trágica ocorrência e exprime aos autarcas e munícipes de Lisboa a sua sentida solidariedade.
Propõe-se a Assembleia da República acompanhar com a maior atenção e apoiar o processo de recuperação, imediatamente anunciado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como tive várias inscrições, vou dar a palavra pela ordem dos partidos nesta Câmara.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Porque nós políticos, porque nós Deputados, somos mulheres e homens como todos os demais e sujeitos de razão e de emoções, não podemos certamente deixar, num momento como este, de exprimir mais com emoção do que, porventura, deforma discernida aquilo que é o estado de choque em que ainda nos sentimos face à grave ocorrência que hoje teve lugar com o incêndio que afectou o edifício da Câmara Municipal de Lisboa, que, para além de ser um centro histórico, patrimonial e arquitectónico, é também um símbolo de liberdade e do esforço do povo português pela democracia. A afectação ao edifício da Câmara Municipal de Lisboa é algo que simbolicamente tem a ver com estes valores que acabei de referir.
Certamente que num momento como este mais eloquentes do que as palavras são os estados de espírito que percorrem cada um de nós, mas não posso também deixar de reconhecer que esse estado de espírito fala às vezes mais pelo silêncio do que pelo discurso. Hoje, um homem como o Sr. Deputado Nuno Abecasis, que à frente da sua antiga Câmara não conseguia articular uma palavra que fosse em função do estado de prostração por aquilo que ocorria, dá a dimensão de como, obviamente, esse estado de espírito é partilhado por todos nós.
Chegámos por isso mesmo a admitir que, no momento em que por singularidade iremos apreciar matéria que tem que ver com o regime de funcionamento das autarquias locais, este poderia não ser o momento certo para sobrepor argumentos de razão àquilo que em cada um de nós é a apetência para acompanhar a par e passo os esforços de recuperação do edifício da Câmara Municipal de Lisboa.
Em todo o caso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, compete-nos dar testemunho das nossas responsabilidades por forma consensual e creio que não há consensualidade maior do que verificarmos que hoje, independentemente do que possa sentir, o Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa é o Presidente em exercício na Assembleia da República.
Sr. Presidente em exercício, Sr. Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, a si, a todos os autarcas do município, testemunhamos a nossa solidariedade e com ela o nosso compromisso de que haveremos de fazer tudo o que está ao nosso alcance para que Lisboa e o país voltem a sentir-se orgulhosos de uma casa da democracia, de um símbolo vivo das liberdades públicas.

Aplausos do PS, do CDS-PP, do PCP e dó Sr. Deputado Ferreira da Amaral, do PSD.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Jorge Lacão. Transmitirei aquilo que acaba de me endereçar aos autarcas da cidade de Lisboa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada do Partido Social Democrata associa-se de coração aberto ao voto aqui proposto consensualmente. Estou certo, todos nós estamos certos, que interpretamos bem a opinião pública e os eleitores que aqui nos conduziram ao aprovarmos todos um voto que no fim de contas é um voto de solidariedade, que - e deixe que me dirija a todos os órgãos da Câmara Municipal de Lisboa e a si pessoalmente, Dr. João Amaral, presidente da assembleia municipal de Lisboa, a toda a vereação e em especial ao Sr. Presidente, Dr. João Soares -, aqui manifesto em meu nome pessoal e da minha bancada, espero que tenha um significado especial, especialmente neste momento difícil para todos nós.
A segunda palavra que julgo ser devida nesta altura é de reconhecimento pelo trabalho abnegado que dezenas de agentes públicos, a começar pelas corporações de bombeiros e a terminar nos funcionários da Câmara Municipal de Lisboa, desenvolveram durante toda esta manhã certamente motivados pela necessidade de limitar uma tragédia que ameaçava tornar-se de proporções incalculáveis e em resultado do qual podemos todos nós verificar que

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muita coisa foi preservada. A todos esses funcionários que provavelmente não estarão aqui nem verão os seus nomes nos órgãos de informação, nós, Deputados, e toda a população de Lisboa, devemos uma palavra de agradecimento.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se me é permitido neste local falar em nome pessoal, deixem-me dizer que, pela minha parte, neste caso, como sempre em que estiver em causa qualquer coisa que a todos toque e sobretudo a todos toque de maneira tão sensível, poderão contar com toda a minha disponibilidade para fazer o que for necessário para minorar as consequências dum acidente em muitos aspectos irrecuperável.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, muito obrigado pela parte em que me referiu directamente.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na ausência do Sr. Deputado Nuno Abecasis que seria certamente quem, desta bancada, melhor poderia expressar o que sentimos, gostaria de dizer, como alfacinha dos quatro costados e como portuguesa, que a ocorrência no edifício da Câmara Municipal de Lisboa é muito triste.
Penso que nenhum país tem um património suficientemente rico para não ver uma ocorrência destas como uma perca objectiva, ainda que felizmente remediável. Penso também que, o incêndio do Chiado, infelizmente, não foi suficiente e que seria importante que, face a esta ocorrência, pensássemos seriamente na possibilidade de prevenir estas situações.
Gostaria também de dizer que a reacção da edilidade da Câmara Municipal de Lisboa e dos seus trabalhadores justifica plenamente que estejamos neste momento aqui a trabalhar, pois foi uma reacção que certamente calou fundo no coração dos portugueses e dos lisboetas e que, face a uma adversidade, significa «arregaçar as mangas» e confiar que as coisas vão voltar ao normal, que vai ser possível reconstruir. Por isso, quero afirmar que, desta bancada, o Sr. Presidente da Câmara, os autarcas e os trabalhadores contarão com todo o nosso apoio. Foi um apelo que calou fundo, não apenas na nossa bancada, mas nos nossos corações.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, gostaria de manifestar e expressar o profundo desgosto com que tivemos conhecimento de mais esta tragédia que se abateu sobre Lisboa, atingindo, desta vez, um edifício que é bem a «sala de visitas» da capital de Portugal, e não apenas de Lisboa, enquanto Lisboa, com um valor em património enorme, de valor histórico, inesquecível e, certamente, com um valor, em termos dos seus arquivos, que porventura, lamentavelmente, estará perdido para o futuro.
Gostaríamos também de manifestar aqui a nossa solidariedade com o município de Lisboa, bem como com todas as autarquias de Lisboa e com os munícipes lisboetas, manifestando igualmente a nossa inequívoca determinação de tudo fazermos nesta Assembleia da República para apoiar a célere e rápida reconstrução e recuperação daquilo que agora se perdeu.
Em último lugar, Sr. Presidente, permita-me que, como Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, possa ser o intérprete deste nosso desgosto, desta nossa solidariedade e desta nossa determinação junto de todos os autarcas lisboetas.

Aplausos do PCP, do PS, de alguns Deputados do PSD, do CDS-PP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Octávio Teixeira. Seguramente, transmitirei ao Sr. Presidente da Câmara de Lisboa e a todos os autarcas o que acaba de dizer-me.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com grande tristeza que nós, hoje, aqui estamos perante o que aconteceu nesta cidade. Independentemente dos laços especiais que ligam alguns de nós à cidade - aqueles que aqui nasceram, cresceram e vivem e aqueles que, como eu, são eleitos na Assembleia Municipal de Lisboa -, o espaço que hoje foi afectado é um património que não é só dos lisboetas e que não tem apenas uma relação afectiva com os lisboetas. É um espaço que é um símbolo e um património de todo o nosso país.
Por isso, pensamos que os acontecimentos que hoje perturbaram a vida desta cidade têm de ser aqui lembrados, com o compromisso que nós, Os Verdes, assumimos de agir no que estiver ao nosso alcance, para dar corpo e sentido àquilo que os nossos colegas, os vereadores na cidade e os eleitos municipais, pelo seu exemplo, já quiserem traduzir: a vontade de recuperar aquele património e a vontade de lhe dar de novo o sentido que ele tem.
Julgo que é também importante, numa cidade que fragilizada se encontra em relação à sua segurança, atender a este trágico acidente, que, porventura pelo acaso e pela eficácia e rapidez com que os trabalhadores da Câmara e os bombeiros intervieram, foi sustido naquilo que poderia ter uma inquietante dimensão.
No entanto, apesar de tudo, para nós, há um problema a reter: a cidade antiga precisa de ser preservada, a cidade tem de ser segura, porque a cidade não é só dos lisboetas, mas de todos nós!

Aplausos de Os Verdes, do PS, de alguns Deputados do PSD, do CDS-PP e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, concluídas ás intervenções dos grupos parlamentares, passamos à votação do voto n.50/VII - De pesar pelo incêndio, que afectou o edifício da Câmara Municipal de Lisboa (Vice-Presidente João Amaral, PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, dou por encerrado o período excepcional de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Passamos agora ao período da ordem do dia.

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Passarei a ler uma mensagem do Sr. Presidente da República, que é do seguinte teor:
Estando prevista a minha deslocação a Paris entre os dias 24 a 26 de Novembro próximo para participar nas cerimónias, comemorativas dos 150 anos do nascimento de Eça de Queiroz, venho requerer, nos termos do artigo 132.º, n.º 1 e do artigo 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.

Sobre a matéria existe já um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, peço ao Sr. Secretário que leia.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - É do seguinte teor:
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de Sua Excelência o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial a Paris, entre os próximos dias 24 a 26 do corrente, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução: nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial a Paris entre os próximos dias 24 a 26 do corrente.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Temos hoje o agendamento potestativo fixado pelo PS do projecto de lei n.º 213/VII - Candidaturas de cidadãos independentes à eleição dos órgãos das autarquias locais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De há muito que o PS, interpretando um programa global de modernização do sistema político, vem defendendo e propondo o reconhecimento legal de candidaturas de cidadãos independentes nas eleições municipais. De há muito que tal abertura, no reconhecimento dos direitos participativos do cidadão, deveria ter obtido consagração no nosso ordenamento jurídico. Infelizmente, até hoje, tal não foi possível, porque, também neste domínio, o PSD malbaratou uma década de oportunidades, levando a que prevalecesse a lógica do situacionismo sobre os desafios, tão actuais, do aperfeiçoamento democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É, pois, chegado o tempo de não perder mais tempo no compromisso de devolver aos cidadãos prerrogativas que, a nenhum título, se justifica que continuem na disponibilidade exclusiva dos partidos políticos.
O PS dá o exemplo ao considerar, e agir em consequência, que os instrumentos públicos da representação democrática não são um trofeu dos partidos políticos em regime de oligopólio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os partidos políticos são seguramente uma componente essencial da democracia pluralista. Mas o jogo democrático não pode esgotar-se nos partidos e não podemos ignorar que a democracia, nas sociedades modernas, exige, cada vez mais, soluções de flexibilidade e de participação como condição positiva das possibilidades de mudança e de progresso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É sabido que a proposta do PS, no sentido da abertura às candidaturas de cidadãos independentes, não se esgota todavia no nível autárquico, pretendendo alcançar todos os níveis da representação popular e, portanto, todos os órgãos políticos da soberania.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito à confirmação de tal possibilidade nas eleições para a Assembleia da República, aguardamos o resultado da revisão constitucional em curso. No entanto, porque a solução, no plano autárquico, é desde já possível ao nível da legislação comum, julgamos da maior importância que se criem tempestivamente as condições propícias a que as próximas eleições autárquicas decorram já num quadro de abertura e de igualdade de possibilidades entre candidaturas de partido e candidaturas de cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nada, nada justifica que se continue a aguardar para amanhã o que se pode fazer hoje e acreditamos que, no actual contexto político, onde a nova maioria se empenha em desenvolver uma nova cultura democrática e uma nova cultura da responsabilidade, estão criadas condições para que o projecto do PS receba uma apoio generalizado nesta Câmara.

Aplausos do PS.

Deixemo-nos, todos, de alibis e formalismos estéreis, para só continuar a perpetuar um situacionismo que, à luz do princípio democrático, afinal, já ninguém defende.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Invocar, agora, a precedência da revisão constitucional numa matéria em que quase todos já se permitiram, presumo que com convicção, da regularidade das iniciativas que tomaram, apresentar projectos ao nível da lei ordinária, é, tão-só, pretender prolongar soluções de comodidade partidária, aonde, afinal, se impõe uma vontade política que não continue a pactuar com a inércia e a hipocrisia de um discurso que mais serve para iludir a realidade do que para ajudar a transformá-la.

Aplausos do PS.

Contribuiremos, desta feita, estou certo, para melhorar, sem mais recuos, as condições da democracia local. A concorrência da iniciativa ou, no mínimo, a sua possibilidade efectiva, funcionará como um estímulo de exigência, abertura e qualificação, na organização das próprias candidaturas partidárias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Essa é também uma maneira, certamente relevante, de combater a indiferença cívica, a saturação

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política ou o conformismo social; de impedir a emergência da era do vazio ou o ressurgimento de factores de alienação e de quebra dos laços de solidariedade próprios de quem se sente a partilhar um destino, por ser um destino voluntariamente comum.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Do que se trata é, certamente, de ensejar novas - possibilidades de afirmação da cidadania, no quadro da organização democrática do Estado. Neste contexto, as autarquias locais representam um espaço ideal de integração nesses círculos de participação e decisão, que mais imediatamente repercutem na vida quotidiana.
É certo, e não vale a pena escamotear o facto, que novas soluções também geram novos problemas.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Assim será, provavelmente, em domínios como os do financiamento e gastos das campanhas eleitorais, cujas regras devem ser aplicáveis aos partidos concorrentes, mas, também, às listas independentes.
Eis aqui uma área de reflexão, que, estou certo, em breve partilharemos. Tão brevemente, aliás, quanto o PSD der concretização ao seu repetidamente anunciado, mas que tanto tarda, projecto de revisão do sistema de financiamento da actividade política.

Aplausos do PS.

Porque tarda o PSD em dar cumprimento à sua promessa de iniciativa eis o que não compreendemos e, por isso, esperamos que, mais cedo do que tarde, o projecto surja e se abra à discussão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas outros aspectos, Srs. Deputados, importa trazer à colação no momento em que reflectimos sobre as condições de funcionamento da democracia local. Vários de nós têm chamado a atenção para as perversidades do sistema de governo local em vigor - um sistema sob muitos aspectos mais típico da lógica da democracia de partidos do que da democracia de cidadãos. Vários de nós têm apontado soluções com vista a conferir maior autenticidade democrática, um mais eficaz funcionamento do princípio da separação de poderes, regras claras de dependência dos órgãos executivos face aos órgãos representativos, sem prejuízo da governabilidade, maior prevalência dos critérios de interesse público na constituição dos órgãos sobre os desígnios partidários nos processos de formação das listas.
Muitas destas soluções, revitalizadoras da democracia local, só alcançarão a luz do dia se lograrem consenso qualificado em sede de revisão constitucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Seria, no entanto, lamentável que a oportunidade de consenso viesse a ser malograda em favor da manutenção do actual sistema de governo autárquico, um sistema - e chamo a atenção dos Srs. Deputados - praticamente sem paralelo na generalidade das democracias europeias e ele próprio tributário do peso excessivo que os partidos se têm atribuído na conformação da vida pública.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, se julgo propícia a ocasião para introduzir estas preocupações de mais largo espectro do que as decorrentes do projecto de lei em apreço é porque considero que uma prática reformadora de sentido gradualista não deve, todavia, hipotecar, fazer-nos perder de vista, uma visão de conjunto sobre o significado global das transformações que visam viabilizar uma nova prática do sistema no quadro de uma democracia mais aperfeiçoada.

Aplausos do PS.

No propósito do PS, do que se trata é de ganhar a aposta do aperfeiçoamento democrático. Uma aposta a ganhar pelos portugueses no seu conjunto e não por esta ou aquela formação partidária em particular. O lema é o de levar por diante, com exigência e alguma determinação, um conjunto de reformas políticas que se orientem para a participação e a devolução de poderes aos cidadãos, para o reforço das condições de confiança entre eleitos e eleitores, para a maior exigência dos mecanismos da responsabilidade, para a desburocratizarão e a simplificação dos processos, no quadro de uma reforma do Estado e da Administração Pública orientada em sentido claramente descentralizador.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É com base em tais princípios orientadores que o presente projecto de lei, para além de admitir, como se disse, a possibilidade de apresentação de candidaturas de cidadãos independentes a todos os órgãos autárquicos, o faz com recurso a soluções de adequado equilíbrio nas exigências de propositura das candidaturas e de grande simplificação processual na organização das listas.
Ao contrário, aliás, do que em tempos outros faziam, não queremos dar hoje com uma mão e tirar amanhã com a outra,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-... admitindo candidaturas independentes no plano teórico, para, depois, as envolver em dificuldades práticas nos processos da sua concretização.
Já lá vão os tempos em que se apontavam soluções de legalização de candidaturas independentes com mais exigências processuais, portanto, mais dificuldades práticas, do que as previstas para a própria legalização dos partidos políticos.
Esses foram os tempos em que nenhuma aragem circulou nos pulmões da democracia.
Pelo contrário, reconhecemos hoje o valor, e empenhamo-nos nessa valorização, de uma sociedade democrática estável e coesa, em processo contínuo de aperfeiçoamento e tomando o cidadão e o seu estatuto de cidadania como referência básica na conformação das instituições públicas. Em certo sentido, ao jeito aristotélico, na convicção de que a cidade e a boa cidadania exigem a liberdade e a participação em condições de igualdade e sem impedimentos.

Aplausos do PS.

Propomo-vos, hoje, é certo, só um passo no esforço de modernização do sistema político. Mas é passo a passo que faremos a caminhada.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Haveremos, pela certa, de seguir em frente, porque, afinal, o tempo de marcar passo, esse, decididamente, não queremos que continue a morar aqui.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Gonçalo Ribeiro da Costa, Luís Sá e Isabel Castro.
No entanto, quero antes anunciar à Câmara, que assistem à sessão plenária um grupo de alunos da Escola Preparatória de Nuno Álvares, do Seixal, do Centro de Formação Profissional da Venda Nova, da Faculdade de Direito de Coimbra e um grupo de autarcas de, Vila Nova de Foz Côa.
Para eles peço a vossa habitual saudação.
Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, a proposta que o Partido Socialista hoje aqui traz é excelente e os propósitos que o animam são bons.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Depois explicarei, na altura em que o Partido Popular fizer a sua intervenção, por que razão a consideramos excelente e, até, insuficiente.
No entanto, a questão que se coloca neste momento é outra. O Partido Socialista anunciou que um dos motivos que o levou a trazer aqui este projecto de lei se deveu à obediência ao princípio de não deixar para amanhã o que pode fazer hoje. Ora, o que está em causa não será tanto isso mas, sim, saber se não seria preferível fazer bem amanhã o que hoje pode estar a fazer mal.
Julgo que tem razão o PS, e o Sr. Deputado Jorge Lacão, quando diz que estão criadas as condições para a existência de um consenso generalizado sobre este projecto de lei. O que continua ainda por demonstrar, e o PS, na sua intervenção, não o fez, é saber se o consenso sobre a constitucionalidade deste projecto de lei é tão alargado quanto aquele que o PS deveria ter previamente assegurado.
Em minha opinião, o passo que o Partido Socialista hoje deu em frente pode representar dois passos atrás. E era isso que o Partido Popular queria evitar que acontecesse. Daí que a minha pergunta seja basicamente a seguinte: por que razão não aguardamos alguns meses, para fazermos bem o que hoje estamos porventura a fazer mal, aguardando pela revisão constitucional, mantendo o consenso que porventura já existe, alargando-o à possível constitucionalidade desta matéria e, de uma vez por todas, garantindo que as próximas eleições autárquicas, sem quaisquer dúvidas, já possam ser abertas a listas não partidárias?

Vozes do CDS-PP: - Muito, bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Jorge, Lacão (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, não foi por deficiente audição minha que reparei não ter havido qualquer inscrição para pedir esclarecimentos de qualquer Sr. Deputado do PSD, pois não?

O Sr. Presidente: - Não foi por deficiente audição do Sr. Deputado.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, vou confessar-lhe algo que certamente não o surpreenderá: o que me choca é podermos constatar, sem qualquer esforço, que iniciativas legislativas com o fim de permitir a legalização da possibilidade de candidaturas de cidadãos independentes aos órgãos dos municípios representam contributos e esforços que já vêm, se a memória me não trai, da IV Legislatura, e, Sr. Deputado, já vamos na VII Legislatura.
É caso para que os portugueses se interroguem e nos interroguem: aqueles senhores, na Assembleia da República, em todas as legislaturas falam desta matéria, em todas elas vários partidos apresentam, por uma e outra vez, iniciativas para a sua legalização, então, o que será que acontece para que tal matéria não tenha ainda consagração legal?

Vozes do PS: - Bem perguntado!

O Orador: - Ora, o que acontece não é, como o senhor bem sabe, um problema de inconstitucionalidade. Aliás, no momento em que, não na VI mas na V Legislatura, se aprovou um decreto na Assembleia da República em que se admitia a legalização das candidaturas independentes, nem o Sr. Presidente da República, no acto de promulgação, nem posteriormente o Tribunal Constitucional suscitaram problemas de inconstitucionalidade em torno desse tema. Sr. Deputado, a questão foi colocada, isso, sim, pelo facto de o PSD, na altura, ter obrigado a, que a situação das candidaturas independentes estivesse ínsita no mesmo diploma onde se faziam restrições de exercícios de direitos no mandato dos autarcas, e, isso, sim, era claramente inconstitucional.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Isto é, o PSD, mesmo nessa ocasião, deu com uma mão aquilo que forçou imediatamente a tirar com a outra. Por ter atrelado uma solução grosseiramente inconstitucional a um diploma que ia sair desta Casa, o PSD conscientemente inviabilizou a possibilidade de as candidaturas independentes terem tido já tradução concreta pelo menos nas últimas eleições autárquicas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E depois? E na última Legislatura? Na última Legislatura, chegámos ao ponto de ver outras iniciativas legislativas inviabilizadas pela inércia, pelo conformismo e pelo situacionismo do então partido maioritário, que chegou ao ponto de se recusar a admitir soluções inovadoras. E porquê? Por causa da revisão constitucional em curso nessa Legislatura, a qual, depois, como todos estamos lembrados, bloqueou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, fez-nos andar sistematicamente numa lógica de círculo vicioso e com isso impediu toda e

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qualquer reforma positiva. Bem, já vi, hoje, um Sr. Deputado do PSD, sentado na primeira fila, curiosamente silencioso, porque entende não ser pertinente dialogar neste momento com o PS sobre a matéria, voltar a invocar a precedência da revisão constitucional, para voltar a adiar este ponto.
Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, na verdade, eu não gostaria de ver o PP, que tanto se declara entusiasta da modernização do sistema político,...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - ... ter também, afinal, uma atitude extremamente conservadora, extremamente conformista e, por isso mesmo, extremamente situacionista...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - ... em relação ao sistema em vigor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, com o PS, não daremos qualquer passo atrás. E, como disse na minha intervenção, com o PS, não vamos continuar a marcar passo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão afirmou na sua intervenção que, de há muito, o PS defende a possibilidade de apresentação de listas de cidadãos eleitores aos municípios. Esqueceu-se de dizer que não a defendeu na Assembleia Constituinte, ao contrário do PCP, e esqueceu-se igualmente de dizer que não votou a favor desta possibilidade na revisão constitucional de 1989, ao contrário do PCP.
Para além desta falta de memória, e de outras que terei eventualmente tempo de referir, há outro aspecto que gostaria de abordar. O Sr. Deputado está preocupado em não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje. A questão importante e concreta a colocar é a de saber se vamos, hoje, fazer algo com efeito prático. Porque, verdadeiramente, esta possibilidade apenas vai ser aplicada nas próximas eleições autárquicas, daqui a pouco mais de um ano. Antes disso, como é óbvio, ela não vai ser aplicada. Isto é, haveria tempo para fazer a revisão constitucional calmamente, equacionando, aliás, as propostas que os vários partidos, incluindo o próprio PS, apresentaram - e não deixa de ser curioso que tenha apresentado esta proposta e, ao mesmo tempo, venha apresentar, agora, à pressa, um projecto de lei ordinário, em pleno processo de revisão constitucional -, até porque não se ganha rigorosamente nada em tempo, em termos práticos, pelo facto de se discutir aqui esta questão e não noutra altura qualquer.
Quanto aos problemas de constitucionalidade, não vou discuti-los nem tenho tempo agora. No entanto, é importante dizer o seguinte: quem colocou questões de constitucionalidade, por exemplo, para não votar favoravelmente um projecto de lei, em 1985, sobre esta matéria, foi exactamente a bancada do PS.

Vozes do PSD: - Isso é verdade!

O Orador: - E, mais, o Sr. Deputado aludiu a um acórdão do Tribunal Constitucional, mas esse acórdão não diz uma palavra sobre esta questão, como o Sr. Deputado muito bem sabe e é bom que todos tenhamos presente. O acórdão pronuncia-se exclusivamente sobre o problema de, por via de legislação ordinária, impor a proibição de um quarto mandato de eleitos autárquicos. Não há uma linha sobre esta questão. Como o Sr. Deputado disse, ela não foi colocada pelo Presidente da República e, naturalmente, o Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre ela em sentido algum. Portanto, não se pode tirar ilações daquilo que naturalmente não foi dito e daquilo que não consta do acórdão.
Neste sentido, creio que não vale a pena, neste momento, estarmos a pronunciar-nos sobre os problemas e as dúvidas de constitucionalidade que se continuam a verificar. Assim, haveria tempo de calmamente resolver esta questão no processo de revisão constitucional e, ulteriormente, com toda a segurança e em tempo das próximas eleições, aprovar a legislação sobre esta matéria, altura em que cada um tomaria as posições que bem entendesse.
Portanto, a minha pergunta é esta: porquê tanta pressa? O que está verdadeiramente por detrás disto? Naturalmente, posso fazer conjecturas, mas gostaria de ouvir o Sr. Deputado Jorge Lacão sobre este tema, que nos inquieta a todos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, como sabe, Sr. Deputado, é da condição humana e inevitavelmente também da condição política que nem todos cheguemos ao mesmo tempo ao encontro com a História. E o que nesta matéria é mais singular é que o senhor nos lembre - e faz bem - que o PCP já admitiu, em momentos de revisão constitucional, a consagração explícita da faculdade de candidaturas de cidadãos independentes, mas, agora, esteja aparentemente tolhido pela possibilidade de resolver um problema, que, manifestamente, Sr. Deputado, tem solução no domínio do direito comum.

Vozes do PS: - É esquisito isso!

O Orador: - O que será que teme o PCP? Esta é a questão.
A questão não é o que está por detrás da inciativa do PS.

O Sr. José Calçada (PCP): - É o que está pela frente!

O Orador: - E sabe o que está por detrás da inciativa do PS? É um grande desapego à lógica partidária. É que se fosse essa a nossa lógica, se nos movêssemos, neste aspecto, por uma lógica de mero interesse partidário, como somos o partido com maior implantação autárquica no País,...

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - ... se calhar, seríamos aqui o único partido que teria interesse em que não se alterasse o sistema em vigor.

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Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Pelo contrário, Sr. Deputado; a nossa maior representação política dá-nos consciência da nossa maior responsabilidade perante os cidadãos eleitores.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - E aquilo que queremos é que os cidadãos eleitores possam escolher em liberdade, de consciência entre boas candidaturas partidárias e, desejável e hipoteticamente, boas candidaturas de cidadãos independentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E o que está por detrás, Sr. Deputado Luís Sá? O que está por detrás, do nosso ponto de vista, é uma convicção cada vez mais profunda de que a democracia dos cidadãos não consente por mais tempo que haja cidadãos de 1.ª, aqueles que militam no quadro dos partidos políticos, e cidadãos de 2.ª, limitados na sua prerrogativa de inciativa política e eleitoral.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Essa é que é a questão.
Por isso, Sr. Deputado Luís Sá, faço-lhe um convite: primeiro, parta do princípio - e não terá certamente dificuldades em fazê-lo - de que estamos de boa fé, de que obviamente o Partido Socialista está de boa-fé, e, podendo partir desse princípio, para o qual o convido, esteja o seu partido de boa vontade, ou seja, colabore para que nós possamos aprovar este quadro legislativo, com vista à confirmação da possibilidade de candidaturas de cidadãos independentes.
Voltando ao problema: esperar pela revisão constitucional, porquê? Porque algum de nós, em qualquer destas bancadas, admitiria que a revisão constitucional viesse a tolher, a limitar ou a criar alguma dificuldade à possibilidade das candidaturas de cidadãos independentes? Sabemos que não, porque, até hoje, ninguém fez tal tipo de declaração. Portanto, sabemos que não haverá qualquer consenso constitucional para restringir, bem pelo contrário só poderá ser para alargar, a possibilidade das candidaturas de cidadãos independentes - e, para além das autarquias, provavelmente até às candidaturas eleitorais à Assembleia da República.
Finalmente, o Sr. Deputado Luís Sá perguntou-me por que é que não esperamos se já não temos este precedente limitador da revisão constitucional. Por uma razão, Sr. Deputado: porque, em nossa opinião, não se trata apenas de formalizar soluções jurídicas; trata-se de poder fazer, perante os cidadãos, a boa pedagogia delas. Portanto, quanto mais cedo esta solução entrar em vigor na nossa ordem jurídica tanto mais cedo, consequentemente, os cidadãos portugueses tomarão consciência de um novo instrumento de participação política e eleitoral ao seu alcance.
É por isso que queremos andar mais depressa, porque nada justifica que andemos mais devagar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça o favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Nesta matéria, Sr. Deputado Luís Sá, permita-me também um conselho: não seja conformista e, em termos simbólicos, descruze os braços, pois já perdemos tanto tempo que não é possível nem sério continuarmos a iludir a expectativa dos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Castro, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão que há mais um Sr. Deputado inscrito para lhe pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Manuel Monteiro. Peço-lhe, pois, que gira os seus tempos de resposta de forma adequada.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, a questão que o Partido Socialista, hoje, propõe no agendamento, com o objectivo do alargamento da possibilidade de os cidadãos participarem na vida cívica e política do País, parece-me muito importante.
Porém, parece-me que o Sr. Deputado a colocou de uma forma muito infeliz, porque, em nosso entender, não há uma oposição entre democracia de partidos e democracia de cidadãos; há, sim, níveis complementares de participação.
Os partidos políticos, para nós, não são um estigma, têm um importante papel. Os cidadãos também têm um papel muito importante, que, aliás, não se esgota nas eleições, no voto, nem tão-pouco em concorrer aos órgãos autárquicos - é uma intervenção muito mais vasta, quotidiana e cujo processo de construção é, portanto, muito mais amplo do que a simples possibilidade de concorrer a um acto eleitoral.
Sr. Deputado, sendo, como presumo que concordará, a questão da participação dos cidadãos algo muito mais vasto do que uma mera possibilidade de concorrerem às autarquias locais, sendo, portanto, uma questão vasta - uma questão em relação à qual, aliás, todos os grupos parlamentares se posicionam (è nós Os Verdes também temos propostas concretas), em termos de processo de revisão constitucional em curso, a pergunta que lhe faço é por que é que, só admitindo, neste momento, a Constituição claramente a possibilidade de concorrer para a autarquia freguesia e estando a decorrer um processo de revisão constitucional, o Partido Socialista opta por, através de uma inciativa legislativa e, portanto, por via ordinária, modificar esta questão em exclusivo.
Concretamente, a minha pergunta é esta: já não acredita o Partido Socialista que o processo de revisão constitucional vai ser levado a seu termo? Ou seja, o Partido: Socialista abandonou a revisão constitucional como abandonou a regionalização? Esta é a minha primeira pergunta:
A segunda pergunta que gostaria de formular ao Sr. Deputado Jorge Lacão tem a ver com uma preocupação de Os Verdes, que já o foi em anteriores debates; designadamente em 1990 e 1992, quando esta questão se colocou.
Listas de independentes e de quê - é essa a minha pergunta. E a questão que lhe coloco é esta: o Sr. Deputado acredita vivamente que grupos de cidadãos totalmente independentes ou sem qualquer vínculo a lobbies ou a grupos de pressão, sejam eles clubes desportivos ou outros, têm meios para poder concorrer em pé de igualdade com os partidos à escala de um concelho? Pela sua experiência, acha que essas condições existem ou, em seu entender, há o risco de esses grupos de cidadãos terem por detrás outros grupos de interesses ou outros grupos de pressão?

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
Peço-lhe que tenha em atenção o tempo de que dispõe, porque ainda tem mais um pedido de esclarecimento.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, agradeço-lhe a sua pergunta, desde logo para sublinhar que gostava que nos pudéssemos entender de vez sobre uma matéria simples: a Constituição estabelece uma cláusula constitucional de garantia contra a possibilidade dos cidadãos independentes concorrerem aos órgãos de freguesia...

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - ... e admite que a solução para os municípios seja tomada pelo legislador em sede de legislação ordinária. É isso que estamos a fazer hoje e que procurámos fazer em legislaturas passadas, só não o conseguimos por bloqueio da bancada do PSD, estranhamente silenciosa hoje, seguramente com grandes culpas na consciência relativamente à sua atitude imobilista.

Vozes do PS: - É verdade! Está envergonhada!

O Orador: - Em consequência, Sr.ª Deputada Isabel Castro, não se trata minimamente de convalidar qualquer suspeição sobre um menor empenhamento nos trabalhos de revisão constitucional, que são vitais para outros aspectos necessários da modernização do sistema político, mas, sim, de ter a noção do gradualismo nas reformas. Façamos já aquelas que são possíveis, desde que seja evidente - e é o caso - que as reformas possíveis se inserem na mesma economia de coerência das outras reformas estruturantes em curso de reflexão nos trabalhos de revisão constitucional.
Depois, Sr.ª Deputada, também nós estamos inteiramente de acordo quanto a valorizar as possibilidades alargadas de iniciativa dos cidadãos. A Sr.ª Deputada talvez até tenha dificuldade em encontrar outro projecto de revisão constitucional que tenha ido tão longe como o do Partido Socialista no sentido de uma preocupação efectiva em criar condições de participação aos cidadãos na vida pública a todos os níveis,...

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - ... como, por exemplo, a iniciativa popular para o processo legislativo, a iniciativa popular para a actividade referendária e a presença do cidadão como elemento fulcral de toda a organização democrática do Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, nessa matéria, Sr.ª Deputada Isabel Castro, estamos inteiramente empenhados e a prova desse empenhamento é este próprio projecto de lei.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Quanto ao outro aspecto que colocou, gostaria de dizer o seguinte: é verdade que não tem de haver oposição entre democracia partilhada pelos partidos e democracia partilhada pelos cidadãos, excepto se os partidos insistirem em criar um regime de monopólio para eles próprios, com restrição das possibilidades de iniciativa aos cidadãos. Ora, é exactamente isso que queremos superar, para que, justamente, daqui para a frente, não haja uma tendência de alienação dos cidadãos em geral relativamente à actividade partidária e todos sintam que, sendo todos co-responsáveis pelo destino comum, não podem fazer dos partidos políticos os bodes expiatórios de tudo o que possa correr mal na sociedade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É isso que queremos! Queremos contribuir para uma melhor democracia, valorizando os partidos e fazendo-os respeitar, numa cultura de democracia, mas também numa cultura de responsabilidade.
Estou convencido, Sr.ª Deputada Isabel Castro, de que acabará por concordar com estes meus pontos de vista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, tive oportunidade de o ouvir atentamente, embora não desde o início - e peço desculpa desse facto -, e, no seguimento de vários pedidos de esclarecimento que aqui já foram feitos, entre os quais o do meu colega de bancada Gonçalo Ribeiro da Costa, gostaria de dizer que, desde sempre, defendia possibilidade da candidatura de cidadãos independentes a todos os órgãos autárquicos deste país.
Desde sempre defendi, tal como V. Ex.ª hoje teve oportunidade de dizer, que não pode haver uma discriminação activa entre cidadãos de l .ª - aqueles que são militantes dos partidos políticos -, e outros - aqueles que se candidatam como independentes, mas nas listas dos partidos políticos, e aqueles que, sendo independentes, sem se quererem candidatar nas listas dos partidos políticos, ficam tantas e tantas vezes arredados da intervenção pública ao nível autárquico, pela simples razão de que até entendem que, para uma câmara municipal, aquilo que importa são as listas de cidadãos que queiram contribuir para o desenvolvimento do seu concelho e não o partido político A, B ou C.
Estamos completamente de acordo sobre essa matéria!
Não lhe vou falar sobre se a revisão constitucional já deveria ter sido feita ou não - cada um terá a sua opinião sobre essa matéria e eu próprio tenho a minha, mas não o quero incomodar mais com isso. Quero apenas fazer-lhe uma pergunta muito simples.
Independentemente daquilo que está ou não escrito no texto da revisão constitucional do Partido Socialista, seria útil que hoje aqui ficasse registada, perante a Câmara e perante o País, através da imprensa que nos acompanha, a sua opinião, como líder da bancada do PS. Por isso pergunto: V. Ex.ª defende ou não a abertura e o alargamento desse princípio aos cidadãos que se queiram candidatar a Deputados à Assembleia da República mesmo fora dos partidos políticos? Esta é, para mim, uma questão pertinente, porque também aqui não pode haver cidadãos de 1.ª - aqueles que concorrem às câmaras municipais como cidadãos independentes - e cidadãos de 2.ª - aqueles que, para se candidatarem ao órgão proeminente da democracia parlamentar, que é o Parlamento, têm de o fazer através das listas partidárias.

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Portanto, penso que seria útil, para este debate e para o entendimento claro daquilo que o País venha a conhecer do que querem ou não os partidos políticos, saber se o Partido Socialista defende ou não, o mais rapidamente possível, a possibilidade de candidaturas de cidadãos independentes, fora das listas partidárias, o que significa, se a resposta for positiva, que defende uma alteração total da legislação eleitoral e, nomeadamente, a possibilidade de existência de círculos uninominais, que permitam a possibilidade de cidadãos participarem, a título individual; em toda a plenitude na vida democrática e na vida política portuguesa.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente:,- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Monteiro, agradeço-lhe a pergunta e a oportunidade de aos esclarecermos reciprocamente e, através de nós, porventura, alguém que possa ainda andar distraído sobre esta matéria.
Não preciso de fazer qualquer outra declaração com qualquer grau de solenidade sobre uma coisa que tem sido insistentemente afirmada pelo Partido Socialista, que faz parte dos programas eleitorais e políticos do PS, apresentados aos eleitores, e que integra o projecto de revisão constitucional do Partido Socialista, que é a possibilidade das candidaturas de cidadãos independentes à Assembleia da República - e não sei se o projecto de revisão constitucional do Partido Popular também a admite, tal como o do PS -, matéria que, seguramente, está presente na revisão constitucional pelas mãos do PS.

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - A regionalização também!

O Orador: - O que quer dizer, Sr. Deputado Manuel Monteiro, que pode ficar inteiramente tranquilo quanto à nossa posição.
Entendemos que a democracia pluralista é uma democracia em que os partidos devem concorrer para a formação da opinião democrática e para a organização do poder político, mas nada justifica que continuem a concorrer em regime monopolista. É esta a nossa posição e, sendo assim, estamos disponíveis pára retirar dela todas as consequências, isto é, como já tive oportunidade de sublinhar na conversa mantida com a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que a democracia é essencialmente uma democracia em que o soberano se representa pelas modalidades de participação que, naturalmente, devem estar inteiramente garantidas, sem discriminação, a esse mesmo soberano, ou seja, ao povo, aos eleitores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Monteiro, vamos, portanto, sobre isto dar como adquirido que há, efectivamente, quem queira modernizar a sério o sistema político português e que na primeira linha desse esforço de modernização está o Partido Socialista.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Está na primeira linha, mas não está sozinho!

O Orador: - Mas há outra coisa sobre a qual a sua pergunta me dá ocasião de reflectir: ao Sr. Deputado não o preocupa a circunstância de estarmos a travar este debate a partir de um projecto de lei, em que há ocasião para trocarmos impressões com os demais grupos parlamentares, que haja um partido, cujo contributo para a maioria qualificada na revisão constitucional é, como sabemos, essencial e que, durante uma década, bloqueou as reformas institucionais em Portugal, venha dizer hoje, fora deste Hemiciclo, que esta iniciativa é intempestiva, porque a revisão constitucional está em curso, sem, no entanto, deixar de reconhecer que esta matéria é de direito comum e, portanto, não carece de soluções no quadro da revisão constitucional.
Aquilo que é preocupante é que as forças da inovação tenham, até à última hora, de se confrontar com as forças da inércia política, que tudo fazem e tudo continuarão a fazer para evitar as mudanças no nosso sistema político.
Sr. Deputado Manuel Monteiro, porque a minha bancada vai funcionando relativamente bem - permita-me este elogio em família -, acabo de ser informado que o seu projecto de revisão constitucional também admite as candidaturas independentes. O Sr: Deputado está de parabéns! Nós também estamos! Não vamos desistir deste propósito!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai dar conta de um relatório e parecer sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte teor:
1 - Em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, realizada no dia 7 de Novembro de 1996, pelas 14 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes retomas de mandatos e substituições de Deputados:
a) Retomas de mandatos de Deputados nos termos do artigo 6.º, n.º5 1 e 2, do Estatuto dos Deputados (Lei n. 7/ 93, de 1 de Março):
Grupo Parlamentar do Partido Popular:
António Lobo Xavier (Círculo Eleitoral do Porto), em 22 de Outubro passado, inclusive, cessando Fernando José de Moura e Silva; Luís Nobre Guedes (Circulo Eleitoral de Lisboa), em 8 de Novembro corrente, inclusive, cessando Ismael Pimentel; Manuela Moura Guedes (Círculo Eleitoral de Lisboa), em 8 de Novembro corrente, inclusive, cessando Nuno Correia da Silva;
b) Substituições de Deputados nos termos do artigo 7.º, do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Marco):
Grupo Parlamentar do Partido Popular:
António Lobo Xavier (Círculo Eleitoral do Porto) por Fernando José de Moura e Silva, com início em 22 de Outubro passado, inclusive. Na mesma data, em consequência da renúncia ao mandato do Deputado António Lobo Xavier, assume o mandato em regime de efectividade o Deputado Augusto Torres Boucinha, que já exercia funções em regime de substituição, conforme relatório n. 36 desta comissão parlamentar, de 25 de Setembro de 1996;

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Luís Nobre Guedes (Círculo Eleitoral de Lisboa) por Nuno Correia da Silva, com inicio em 8 de Novembro corrente, inclusive. Na mesma data, em consequência da renúncia ao mandato do Deputado Luís Nobre Guedes, assume o mandato em regime de efectividade o Deputado Nuno Correia da Silva;
Manuela Moura Guedes (Círculo Eleitoral de Lisboa) por Pedro José Del-Negro Feist, com início em 8 de Novembro corrente, inclusive. Na mesma data, em consequência da renúncia ao mandato da Deputada Manuela Moura Guedes, assume o mandato em regime de efectividade o Deputado Pedro Feist;
c) Substituição de Deputado nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Marco), por um período não inferior a 45 (quarenta e cinco) dias:
Grupo Parlamentar do Partido Socialista:
Sérgio Ávila (Círculo Eleitoral dos Açores) por José Maria Teixeira Dias, com início em 7 de Novembro corrente, inclusive.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelo aludido partido nos concernentes círculos eleitorais.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As retomas de mandatos e as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Não havendo objecções, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos dar continuidade à discussão do projecto de lei n.º 213/VII.
Assim, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos em eleições para órgãos autárquicos é um princípio que, desde a Constituinte, o PSD sempre defendeu.
Com efeito, quem se quiser debruçar sobre os trabalhos preparatórios da Assembleia Constituinte lá encontrará as propostas formuladas pelo então PPD para que o texto constitucional não bloqueasse aos cidadãos não organizados em partido a possibilidade de concorrerem a eleições do poder local. Já na altura, pese embora a natural prioridade dada à afirmação democrática dos partidos políticos, enquanto forças sociais estruturantes do sistema político a construir após a revolução, entendia o PPD que, mais tarde ou mais cedo, uma vez estabilizada a nossa democracia, a necessidade de aprofundamento da participação dos cidadãos na vida pública a isso teria de conduzir.
Este é, pois, um princípio desde sempre caro ao PSD e cuja concretização veio a ser colocada na ordem do dia após a primeira década da notável implantação do poder local democrático no nosso País.
A inequívoca estabilização da democracia entre nós e a valiosa experiência de funcionamento das autarquias no seu contexto, aconselhou então a introdução de algumas reformas no modelo constitucional, por forma a melhor prosseguir o objectivo último de bem servir e responder às necessidades de desenvolvimento e de bem-estar das populações que elas servem.
Essas reformas, no seu núcleo essencial, passam pela criação de condições de coesão na formação dos executivos camarários e pela abertura a grupos de cidadãos da possibilidade de apresentação de candidaturas autónomas aos órgãos autárquicos.
Estes dois aspectos são, do ponto de vista do PSD, duas faces de uma mesma moeda - uma reforma séria e responsável do poder local.
Sempre afirmámos que avançar para a possibilidade de candidaturas de cidadãos sem garantir a coesão e a governabilidade dos executivos seria caminhar para uma indesejável desagregação da capacidade e eficácia de acção das câmaras municipais.
Todas as reformas têm de ter um objectivo. Esse objectivo é, neste caso, o da afirmação crescente do poder local para a boa resolução dos problemas das populações e não para o seu enfraquecimento ou fragmentação, por mais meritórios que possam parecer os propósitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista, para além de ser a reedição de outras iniciativas igualmente pontuais anteriormente apresentadas nesta Câmara, reflecte apenas um aspecto parcelar da reforma que este partido apresentou, em sede de revisão constitucional. É fácil de perceber a necessidade sentida pelos socialistas em avançar com esta iniciativa, por força da 2.ª edição dos seus Estados Gerais, agora em versão revista e reduzida, uma vez que esta matéria é uma das bandeiras emblemáticas do contrato eleitoral firmado pelos socialistas com os seus apoiantes ditos independentes. O que já não é tão fácil é aceitar o atestado de menoridade e a desautorização que, por este meio, o PS passa ao processo de revisão constitucional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que, Srs. Deputados, em cima da mesa da revisão constitucional estão vários projectos, de todos os grupos parlamentares, precisamente sobre a reforma do modelo actualmente em vigor no poder local, pelo que não é correcto, nem politicamente sério, pretender furtar a esse debate essencial alguns dos aspectos que o enformam e procurar deles fazer facto consumado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - A questão é essa!

O Orador: - Acresce, como todos sabemos, que a constitucionalidade desta iniciativa, antes da necessária revisão da lei fundamental, é, no mínimo, altamente duvidosa e susceptível de um «chumbo» no Tribunal Constitucional.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Essa é a questão!

O Orador: - De facto, estando aqui em causa matéria respeitante à eleição de órgãos do poder político, deve observar-se o princípio da tipicidade que decorre do artigo 3.ª da Constituição, não parecendo possível que as escolhas soberanas do povo se possam exercer fora dos modelos expressamente consagrados no texto constitucional.

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É este o entendimento autorizado da doutrina e era esse, também, o entendimento oficial - do Partido Socialista, explicitado nesta Casa pelos Srs. Deputados José Luís Nunes e António Vitorino, num debate aqui mantido a propósito de um projecto em tudo análogo apresentado pelo PRD. E passo a citar: «o que não faremos [...]» - dizia o Partido Socialista - «[...] é pôr em causa o princípio fundamental de que as formas de exercício da soberania pelo povo devem ser definidas pela Constituição, e s6 por ela» - afirmou nesse debate o Dr. José Luís Nunes, para mais adiante acrescentar, a propósito da eventual consagração desta medida antes de uma alteração da Constituição - «Não se trata de adiar as soluções, trata-se de as consagrar na sede própria e no momento próprio. Nada mais. Nós criticamos esta proposta de lei simplesmente porque ela precipita as, soluções».
Não quero crer, Srs. Deputados socialistas, que em matéria jurídico-constitucional a vossa opinião tenha sofrido uma inversão de cento e oitenta graus e, pese embora a reincidência na atitude de desvalorização que objectivamente fazem do processo de revisão constitucional - relembro que o primeiro caso, em tudo idêntico, ocorreu com a iniciativa. sobre, a regionalização, agora remetida para as calendas, apesar de o Dr. Fernando Gomes ter sido uma vez, mais vencido nos seus propósitos -, continuo a acreditar que os senhores já começaram a perceber que a revisão da Constituição é incontornável, por muito que isso desagrade a alguns dos vossos dirigentes e estrafegas.
A verdadeira explicação para esta iniciativa, desgarrada e fora de tempo, é outra, prende-se com os já referidos Estados Gerais de segunda geração e com a sempre ilusória tentação de, artificialmente, marcar a agenda política. É o que sucede quando não se têm verdadeiras iniciativas para apresentar ou simplesmente quando se pretende desviar a atenção dos problemas verdadeiros do País e da falta de iniciativa ou de capacidade para os enfrentar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD sempre foi favorável à questão de fundo que decorre do projecto em análise. Sempre entendemos pouco própria; e necessariamente transitória, a exigência de um rótulo partidário a todo e qualquer cidadão que pretenda dirigir os interesses da comunidade em que se insere. É, pois, uma questão que, com toda a naturalidade, vimos defendendo e, com a mesma naturalidade, continuará sempre a contar coai o nosso voto. Mas temos a consciência de que ela é apenas uma das peças da reforma mais alargada que temos de imprimir ao actual modelo de poder local.
Somos, por isso, muito claros.
Fim do monopólio partidário nas eleições municipais, sim, mas no quadro da revisão constitucional em curso. Por isso queremos acelerar a revisão:
Fim do monopólio partidário nas eleições municipais, sim, mas acompanhada da reforma, igualmente importante, do método de eleição das câmaras municipais, por forma a se garantir a sua estabilidade e governabilidade. Também por isso queremos acelerar a revisão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fim do monopólio partidário nas eleições municipais, sim, mas reforçada com mais meios e mais competências para as autarquias locais. Por isso, estamos a ultimar a apresentação de uma nova Lei de Finanças Locais.
Por último, fim do monopólio partidário nas eleições municipais, sim, mas conferindo também mais poderes aos chamados referendos de base local. Por isso temos já pronto para apresentar um projecto de lei que alarga o regime de consultas directas aos cidadãos a nível local.
Esse é o verdadeiro debate que queremos travar para o aperfeiçoamento do nosso modelo político autárquico. Esperamos contar com os outros partidos para essa reforma global necessária. Com isso ganhará o poder local, ganhará o nosso modelo democrático e, seguramente, ganharão todos os portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, estávamos convencidos de que o debate sobre esta matéria poderia ser o ensejo para cada partido, todos eles, darem a conhecer de uma forma mais alargada aquilo que pensam e defendem para os diversos sistemas eleitorais para os diversos órgãos de soberania portugueses.
O Partido Popular já aqui deixou claro até onde é que quer levar as, candidaturas independentes, o Partido Socialista também o fez, o Partido Comunista também já expressou algumas opiniões sobre esta matéria e, de facto, ficamos sem saber o que é que o PSD pensa sobre o assunto, o que é que pretende fazer. A única coisa que sabemos de facto é que o PSD às vezes é a favor e outras vezes é contra, umas vezes pesa assim e outras vezes assado.
Lembramos, por exemplo, que, em 1987, durante um dos seus governos, o PSD propôs, e bem, a constituição de uma comissão para a elaboração do novo código eleitoral, cujo anteprojecto ficou concluído, mas depois abandonou a ideia. O código eleitoral era uma reforma global do sistema eleitoral, seria a tradução de uma reforma global, que era, e continua a ser, necessária. No entanto, depois, o assunto foi abandonado. Mais tarde, veio a defender reformas globais. Numa das últimas vezes em que esta mesma matéria, a das candidaturas independentes às autarquias locais, esteve em discussão na Assembleia, já vimos o Dr. Pacheco Pereira a opor-se às reformas globais com o argumento de que isso são práticas marxistas-leninistas. E certo que nós de marxismo-leninismo temos conhecimentos teóricos, enquanto o Dr. Pacheco Pereira, além dos teóricos, tem os práticos! E por isso ficamos sem saber aquilo que, afinal, o PSD pensa sobre esta matéria e sobre as matérias conexas que têm a ver com a reforma global do sistema eleitoral.
Era este contributo, ainda que lateral a este debate, que esperávamos que o PSD aqui trouxesse e que, infelizmente, não aconteceu.

O Sr. José Junqueiro (PS):- E vai continuar à espera!

O Orador: - Por isso, e para concretizar a minha pergunta, gostaria de perguntar ao PSD se está disponível para, hoje, a reboque deste debate, dar também alguma contribuição sobre o que pensa para os diversos sistemas eleitorais em vigor.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, com franqueza, devo dizer que foi com bastante perplexidade que ouvi a pergunta que me fez. Isto porque as matérias que têm a ver com a reforma da lei eleitoral são tratadas em sede de revisão constitucional porque referentes à lei fundamental. E, se o Partido Popular está tão interessado em debater este assunto e em conhecer a posição do PSD a este respeito, por que é que não participa nas reuniões da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional onde o PSD teve já ocasião, a propósito...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Para o Sr. Deputado dizer que isto não é verdade é porque há alguma deficiência de comunicação na sua bancada.
O PSD já começou, juntamente com os outros partidos que têm participado nas reuniões, a debater esta matéria em sede de revisão constitucional, pelo que teve a oportunidade, tal como os demais partidos aí representados, de expressar os seus pontos de vista relativamente à reforma do sistema eleitoral. O Partido Popular não esteve presente, não participou ou, pelo menos, o anúncio dessa discussão não terá chegado aos ouvidos do Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa. Daí a minha perplexidade.
Terei muito gosto em fazer-lhe chegar, assim que estiverem disponíveis, as actas dos trabalhos da revisão constitucional mas não vou transplantar para o debate de um projecto de lei da iniciativa do Partido Socialista a reedição de uma discussão que teve lugar em sede própria, no âmbito da revisão constitucional.
Como eu disse na intervenção - também me pareceu que o Sr. Deputado o enunciou no pedido de esclarecimentos que anteriormente fez ao Sr. Deputado Jorge Lacão -, esta matéria prende-se com a revisão constitucional e é nessa sede, para além daquilo que já consta do projecto por nós apresentado em tempo útil, que o PSD tem tido a oportunidade de expressar, com toda a clareza e transparência, as suas posições sobre as leis eleitorais para a Assembleia da República, para as autarquias locais e para o Parlamento Europeu.
Era positivo, desde que o Sr. Deputado esteja empenhado no bom prosseguimento da revisão constitucional - e suponho que o estará, bem como os demais Deputados e partidos desta Câmara -, que arranjasse forma de participar activamente nesse processo, porque o seu contributo seguramente que faz falta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados; Devíamos estar perante uma questão extremamente clara. Em vez disso, estamos perante uma trapalhada política.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como é sabido, está a decorrer a revisão constitucional. Vários partidos e projectos de Deputados propuseram que venha a ser consagrada a possibilidade inequívoca de grupos de cidadãos eleitores apresentarem candidaturas aos municípios. No entanto, o PS prefere obrigar a Assembleia da República a debater e, eventualmente, votar um projecto de lei que se antecipa à revisão constitucional e de cuja constitucionalidade oportunamente o PS já duvidou.
Vale a pena lembrar alguns episódios da história já longa deste caso. Na Assembleia Constituinte, o PCP propôs que os grupos de cidadãos eleitores pudessem apresentar listas para as freguesias mas também para os municípios e, como é sabido, o PS, o PSD e o CDS rejeitaram esta proposta, eventualmente, em nome da consolidação do sistema partidário ou de qualquer outra razão, mas a verdade é que a rejeitaram.
Na revisão constitucional de 1989, Deputados da ID, eleitos como independentes propostos pelo PCP, apresentaram-na igualmente e só o PCP a votou favoravelmente.
Em 1985, o PRD propôs igualmente que fosse aberta esta possibilidade, o PS levantou dúvidas de constitucionalidade, que já aqui foram referidas, e, com este fundamento, não apoiou esta proposta.
Em 1990, o governo do PSD apresentou uma medida em torno desta questão. É preciso dizer entretanto, para que o PSD não se vanglorie da sua proposta, que ela vinha envolvida num conjunto de medidas antidemocráticas, incluindo a alteração do sistema de eleição das câmaras, fabricando artificialmente maiorias, e outras não compatíveis com a Constituição, como a referência já feita ao quarto mandato. Mas havia um facto particularmente relevante. É que, por exemplo, para apresentar candidaturas a alguns municípios do País eram precisas nada mais nada menos do que 10 000 assinaturas, isto é, mais do que as exigíveis para uma candidatura à Presidência da República e o dobro das necessárias para constituir um partido político. Portanto, foi neste quadro que a proposta apareceu.
Em 1992, já o projecto em torno desta questão é da autoria do Partido Socialista mas o PSD abstém-se por entender, designadamente, que esta medida deveria ser enquadrada numa reforma eleitoral mais vasta para a qual o PSD queria o apoio do PS.
O problema volta a ser debatido em 1995, surgindo de novo dúvidas de constitucionalidade.
Ao longo de todo este processo, verifica-se uma oscilação permanente das posições dos vários partidos. Há um partido com uma posição coerente que, na Assembleia Constituinte e na revisão constitucional de 1989, defende a consagração inequívoca desta possibilidade na Constituição. Mas, quando a questão é colocada em sede de legislação ordinária e independentemente de problemas mais vastos, surgem permanentemente dúvidas de constitucionalidade e a questão da sua resolução prévia mediante a revisão da Constituição.
Neste momento, nem sequer se pode falar em andar depressa para ganhar tempo porque, como já foi amplamente demonstrado, não se ganha tempo algum e esta medida destina-se a ser aplicada na, eleição das autarquias de 1997.
Abstivemo-nos no passado sempre que esta questão foi colocada e voltaremos a abster-nos, desde já o declaro de novo, caso o PS nos obrigue a proceder a uma votação, não só porque o processo de revisão constitucional está aberto mas também por sermos coerentes com aquilo que sempre dissemos e preferirmos não dar cambalhotas nem fazer tropelias nesta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi preocupados com o crescimento da democracia participativa que levantámos esta possibilida-

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de na Assembleia Constituinte, colocando-a permanentemente ao longo de todos os debates.
Daí que, neste momento, não seja importante debater a interpretação da Constituição, isto é, saber se estamos perante uma omissão do legislador constituinte que dá liberdade ao legislador ordinário ou se estamos perante uma norma especial que não pode ser aplicada à não ser no caso concreto para que foi inscrita na Constituição. O que importa, acima de tudo, é perguntar o que faz correr o PS fora de tempo e quando á Comissão Eventual para a Revisão Constitucional se apresta, em primeira leitura, dentro de poucos dias, a debater esta questão, incluindo uma proposta do Partido Socialista, que, não sentindo necessidade de clarificar este problema, naturalmente não teria proposto a correspondente alteração da Constituição.
Esta agitação é frenética. Será com o objectivo de mostrar aos independentes que participaram nos Estados Gerais que, afinal, alguma coisa está a mudar no pais, designadamente no sentido de ser-lhes atribuído um papel mais importante no sistema político? Trata-se de compensar tudo aquilo que devia ter mudado no País e não mudou?
Quando o PSD colocou esta questão em 1990, ouvimos o PS - basta reler as actas da Assembleia da República dizer exactamente o mesmo que agora foi referido pelo Deputado Luís Marques Guedes. Como irão tinham matérias mais importantes para conseguirem o apoio do povo português mas, sim, um conjunto de medidas que contrariavam interesses fundamentais, queriam criar factores de distracção.
Neste momento em que está a decorrer a revisão constitucional, o problema é particularmente importante. Porém, importa saber se esta medida é isolada, designadamente do ponto de vista da motivação do voto de outros partidos ou se estamos, pelo contrário, perante a perspectiva de um pacote eleitoral mais vasto, por acordo entre os dois maiores partidos que participam na revisão constitucional. E, se for assim, o País tem o direito de saber prontamente, antes de tomar disso conhecimento pelos media ou por qualquer outro meio, o que se passa nesta matéria, a debater e a julgar nos lugares próprios.
Impõe-se, a nosso ver, reduzir às devidas proporções o alcance político deste projecto de lei . Á experiência do que se tem passado nas freguesias é, sobre esta matéria, elucidativa. Na verdade, o número de listas tem oscilado entre 470 num total de 4200 freguesias em: 1976, o mínimo de 132 apenas em 1979 e um valor médio de 264 nas seis eleições autárquicas já verificadas. Nas últimas eleições, a percentagem de votos obtidos foi de 2%, a média de votos obtidos foi de 2% e a média de mandatos de 3%. Isto é, trata-se de um fenómeno relativamente marginal mesmo nestas condições, por um lado, e, por outro, temos de dizer que as freguesias onde há listas de cidadãos eleitores são as mais pequenas e aquelas em que o poder local está mais perto dos cidadãos.
Uma outra questão que se coloca com muita clareza, e basta fazer qualquer estudo empírico no Pais a este respeito, é o facto de cada vez mais listas de cidadãos eleitores corresponderem, na realidade, a formas encapotadas de alianças partidárias, não assumidas pelas direcções nacionais nem registadas, enquanto coligações, no Tribunal Constitucional. Apesar de não serem assumidas com clareza, nem por isso deixam de ser alianças partidárias ou, noutras situações, listas dinamizadas e elaboradas pelos partidos que procuram, desta forma, ter mais possibilidades para afastarem o partido do poder.
Um outro facto inegável é o problema do financiamento destas candidaturas. Vamos estar perante situações que não são propriamente as das freguesias que, designadamente, concorrem em freguesias mais pequenas. Temos mecanismos de controle, designadamente por parte do Tribunal Constitucional, das contas partidárias, o que vai acontecer nesta matéria.
O que vai acontecer - e isto também se verifica com os partidos - perante a possibilidade evidente de sectores ligados à especulação imobiliária, sectores ligados à degradação do ambiente poderem apostar, como inequivocamente podem fazer, em grupos de cidadãos eleitores? Naturalmente que há listas que podem nascer da iniciativa popular mas é inegável que outras vão nascer dos aparelhos partidários e outras ainda vão nascer de interesses económicos. Como é que isto vai ser fiscalizado?
O Sr. Deputado Jorge Lacão referiu aqui esta questão muito de passagem, mas trata-se de um problema que não é menor, antes, é da maior importância e que tem de ser tido em consideração neste caso.
Se fazemos estas observações não é para alterar a posição que sempre defendemos, por vezes isolados, nesta matéria, é, antes, para que não pretenda fazer-se crer que aqui reside o fundamental da mudança, política em que o, povo português votou e a que o PS não correspondeu em tantas matérias.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mesmo no estrito campo das autarquias locais estão por fazer reformas de fundo que o PS prometeu e de que o País está à espera: ás regiões administrativas, o estatuto das freguesias, o cumprimento de aspectos importantes da Lei das Finanças Locais.
Há também múltiplas outras formas, muitas delas, directamente previstas na Constituição, de aprofundar a democracia participativa e que não têm vindo a ser devidamente asseguradas. Refiro-me, ao sistema de educação, ao Serviço Nacional de Saúde, à participação democrática dos trabalhadores e a tantas outras formas que estão previstas.
Recusamos igualmente conceber as candidaturas como parte de um combate contra os partidos e a democracia representativa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Estas não são mais do que uma outra espécie de grupos de cidadãos só que com carácter estável e obedecendo a regras e a fiscalização, incluindo às suas contas.
Lamentamos que esta questão não seja debatida noutro contexto que possibilitaria outro clima e outro consenso.
O PS fica com as suas motivações, nós ficamos com o nosso combate, coerente e de sempre, por mais democracia para o poder local e mais participação para os cidadãos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, pediu a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão. Apesar de o Sr. Deputado Luís Sá já não dispor de tempo, a Mesa ceder-lhe-á uns minutos para poder responder.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, quando faço uma pergunta a quem não tempo para responder estou

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sempre disponível a ceder do meu próprio tempo, mas como a Mesa, generosamente, se antecipou, congratulo-me com a circunstância.
Sr. Deputado Luís Sá, tenho muito gosto em dialogar porque os seus argumentos são algo curiosos.
Disse que estaríamos perante uma «trapalhada política». Para ser sincero, Sr. Deputado, penso é que estamos perante a atrapalhação do PCP. Sabe porquê? Porque nos diz que há dúvidas de constitucionalidade. São as dúvidas do PCP, naturalmente!
Sr. Deputado, por que é que, na dúvida, admitindo que haja margem para tal, não a resolve a favor do cidadão?

O Sr. José Junqueiro (PS): - Bem perguntado!

O Orador: - O Sr. Deputado acredita que vale a pena esperar porque a revisão constitucional vai fazer-se depressa. Curiosa contradição do PCP: por um lado, não manifesta nenhum entusiasmo relativamente à urgência da revisão constitucional...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - ... e, por outro, manda-nos estar quietos porque a revisão constitucional vai ser urgente. Ou seja, o senhor acredita na nossa própria diligência e no nosso próprio empenhamento em matéria de trabalho de revisão constitucional para que esta, a breve trecho, possa «ver a luz do dia». Acaba por fazer-nos justiça de forma indirecta, o que, naturalmente, me leva a congratular-me.
Mas, Sr. Deputado Luís Sá, se as coisas não acontecessem desse modo? Se, porventura, na relação para com os demais partidos houvesse dificuldades em obter maiorias qualificadas significativas no processo de revisão constitucional? Em que mês é que o senhor pensa que se justificaria superar a precedência da revisão constitucional para admitir as candidaturas independentes e validá-las para as próximas eleições autárquicas? Qual seria o mês em que a vossa dúvida se resolveria a favor do cidadão e não contra ele? Ou não será que, pelo contrário, a vossa dúvida arrastaria sempre uma posição negativa relativamente a este projecto?
Sr. Deputado Luís Sá, coloco-lhe a questão desta forma apenas para que sinta que os seus Argumentos têm pouca pertinência política. Sabe o que valia a pena o PCP fazer? Era dar um contributo efectivo para a modernização do nosso sistema e não deixar-se ficar na atitude em que está, a fazer colagem, e, portanto, implicitamente, a ser uma espécie de aliado da atitude situacionista do PSD que há tantos anos tem inviabilizado esta reforma. Não lhe dói isto, Sr. Deputado Luís Sá? Não lhe dói que as suas dúvidas «levem a água ao moinho do situacionismo» do PSD? A mim dói-me e gostaria muito que o senhor me ajudasse a superar essa angústia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, como referi, a Mesa concede-lhe tempo para responder. No entanto, como sei que o Sr. Deputado Jorge Lacão pode ser mais «generoso» quanto ao tempo que pode ceder-lhe, a Mesa vai aceitar em parte o seu oferecimento.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tem toda a confiança da nossa parte para gerir a sua generosidade e a nossa própria.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, agradeço à Mesa o tempo que me concedeu, ao PS a sua generosidade e ao Sr. Deputado Jorge Lacão as questões que me colocou.
Sr. Deputado Jorge Lacão, as dúvidas não são do PCP mas, como já foi amplamente demonstrado, foram dúvidas do PS - e continuam a sê-lo de uma parte importante do PS - e são também de constitucionalistas. E o problema é que não vale a pena arriscar.
O Sr. Deputado diz que estas questões devem resolver-se a favor do cidadão, mas o PS não vai resolver nada a favor do cidadão. O cidadão não vai ganhar rigorosamente nada com o facto de este projecto de lei ser votado agora e não noutra altura qualquer.
O Sr. Deputado pergunta se consideramos ou não que a revisão constitucional é urgente. Ora, respondo-lhe de forma muito clara, dizendo que se, por acaso, houver alguma dificuldade nesta matéria desafio o PS a fazer exactamente o mesmo que fez, por exemplo, em relação ao Tratado de Maastricht: proceder a uma revisão extraordinária da Constituição para garantir esta questão. Porque não a fazem? De resto, também poderiam fazê-la para permitir um referendo acerca da Moeda única.
Aliás, na altura em que o Sr. Deputado era presidente da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição, chegaram a admitir a possibilidade de haver uma revisão extraordinária apenas relativa à questão das regiões administrativas e ao referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia. Portanto, Sr. Deputado, não vale a perla arranjar pretextos desse tipo.
De resto, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que, neste momento, a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional está a efectuar a primeira leitura, em vias de acabar a parte relativa aos tribunais, estando, portanto, a trabalhar a um determinado ritmo. O Sr. Deputado sabe também que o seu partido tem encontros marcados com o PSD e, portanto, creio que escusa de ter problemas nesta matéria.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito obrigado.
Sr. Deputado Luís Sá, o convite do Partido Socialista a que se referiu foi generalizado a todos partidos com assento parlamentar. No caso de o Sr. Deputado não estar informado de que também dirigimos um convite ao PCP, tenho muito gosto em dizer-lhe agora o que supunha que já fosse do seu conhecimento.

O Orador: - Sr. Deputado, no caso de não estar informado, digo; lhe eu que o PCP já aceitou esse convite e que eu próprio faço parte da delegação do meu partido, o que me dá muito gosto. Mas tenho de fazer uma chamada de atenção: é que o País inteiro está à espera que o acordo de revisão constitucional seja feito com o PCP e não com o PSD, como toda a gente sabe.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto a modernizar o sistema, estamos inteiramente de acordo. Mas não diga que é modernizar o sistema a tomada de medidas que se traduzam em empobrecer o sistema democrático em vez de enriquecê-lo - naturalmente, não é esse o caso nesta matéria -, a pretexto de que é mais moderno. Para isso não pode contar connosco.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer à bancada do PSD que nos cedeu do seu tempo para este debate.
Começo por chamar a atenção para o facto de este projecto de lei do Partido Socialista retomar propostas de 1990 e 1992, portanto, tentar resolver por via ordinária aquilo que, por via constitucional, o mesmo partido tem vindo a rejeitar ao longo dos anos. Aliás, estas propostas viriam a ser alargadas para incluir a possibilidade de grupos de cidadãos poderem apresentar candidaturas a nível autárquico.
Assim, a primeira questão que tenho para colocar é a de saber por que razão o Partido Socialista opta pela via de não propor de modo alargado um conjunto de direitos que permitam aos cidadãos uma maior participação na vida pública do seu país, para mais estando em curso uma revisão constitucional. Poderá ser uma ideia simpática mas não é, seguramente, uma ideia que «vá adiantando», como se lhe referiu o Sr. Deputado Jorge Lacão. Não adianta nem deixa de adiantar; não vai ter qualquer efeito prático porque, antes das próximas eleições autárquicas, o processo de revisão constitucional estará concluído, como aliás hoje. foi reafirmado. Donde, não se trata de uma medida com efeito prático.
A segunda questão que nos parece enviesar este debate é o modo como ele é equacionado. Ou seja, diz-se que a apresentação de listas de candidatos independentes visa cessar um privilégio que, do ponto de vista institucional, apenas é concedido aos partidos políticos. Ora, não é esse o nosso entendimento. Na verdade, pensamos que não há concorrência, há complementaridade, há diferentes níveis de intervenção. Além disso, mantemos que do mesmo modo que os partidos, pequenos ou grandes, desempenham um papel na sociedade, que não é nem de primeira nem de segunda, mas que têm o estatuto e a importância que têm, também os movimentos de opinião e os cidadãos têm um papel a desempenhar.
E se estamos de acordo em que se alarguem as possibilidades de intervenção e se repense a democracia, garantindo novas formas de envolvimento dos cidadãos nas tomadas de decisão, através de consulta, parceria e igualdade de participação na vida do seu país e da comunidade, não nos parece, claramente, que seja este o caminho, nem que esta questão se ponha nestes exactos termos.
Há pouco coloquei uma questão ao Sr. Deputado Jorge Lacão e ele não me deu resposta, contornou a questão e, pura e simplesmente, disse nada. Volto, por isso, a repeti-la, porque a verdade é que temos hoje, ao nível das freguesias, uma experiência interessante, já com alguns anos, mas que não tem tido, aliás, grande expressão ou, melhor, é ainda pouco expressiva, que se prende com a possibilidade de listas de cidadãos concorrerem à autarquia freguesia. Permite-se assim, quer àqueles que se apresentam ao eleitorado, quer aos eleitores uma escolha consciente, na medida em que estamos a falar de um universo determinado, do ponto de vista tísico e geográfico, em que todos se conhecem e, nesse sentido, as escolhas são claramente colocadas.
Mas, Sr. Deputado Jorge Lacão, um projecto desta natureza suscita-nos algumas reservas numa autarquia como o município porque, como o Sr. Deputado sabe, estão em causa poderes muito amplos. Compete-lhe, designadamente, fazer o ordenamento do território, permitir licenciamentos e, se assim quiserem aqueles que estiverem à sua frente, fazer com que, por exemplo, grandes interesses imobiliários nela se possam concretizar de modo irreversível, marcando a paisagem, destruindo o ambiente e deixando uma herança que, mais tarde, ninguém pode modificar.
Em primeiro lugar, tenho sérias dúvidas de que, de acordo com a forma como as eleições se fazem, grupos de cidadãos efectivamente independentes possam, sem os meios financeiros e logísticos próprios dos partidos políticos, concorrer às eleições em situação de igualdade e, em segundo lugar, o receio e a reserva que mantemos deve-se ao facto de nos parecer fácil, a pretexto de um grupo de cidadãos, conseguir que interesses de grupo e lobbies se instalem e possam ficar à frente do município.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Orador: - O nosso receio advém do seguinte: é que, mal ou bem, o voto é uma forma de aqueles que elegem poderem validar ou não aqueles que escolheram, ou seja, se o partido A ou B não assume os seus compromissos terá sérias probabilidades de não voltar a estar à frente do município. Mas um grupo de cidadãos que se instale, porventura servindo interesses que não aqueles em nome dos quais se apresentou e suportado por lobbies, por grupos de interesses, designadamente interesses imobiliários, ao fim de 4 anos sai com a maior segurança e impunidade e nem sequer a arma do voto poderá ser utilizada pelos cidadãos, porque se tratam de cidadãos que podem desaparecer sem rasto.
Estas são ainda questões que, para nós, se colocam de modo preocupante, tanto mais preocupante quando vivemos num pais onde o ambiente, o ordenamento do território e a qualidade de vida continuam a ser questões menores, acessórias e sem expressão; num país onde o ordenamento do território continua adiado e onde os direitos ambientais dos cidadãos não têm qualquer validade nem peso - como, por exemplo, o Ministério do Ambiente -, por forma a garantir que a legislação é cumprida. Donde, este tipo de malfeitorias, riscos e perigos colocam-se com muito maior dimensão no nosso país.
Em conclusão, o Grupo parlamentar «Os Verdes» vai manter a posição que tem adoptado ao longo dos anos, ou seja, vai abster-se em relação a este projecto de lei por considerar que ele não faz parte de uma intervenção global no sentido do alargamento dos direitos de participação dos cidadãos, que, aliás, não estão garantidos, por exemplo, em matéria de referendo para anteceder a adesão de Portugal à moeda única. E não estão garantidos porque, efectivamente, os direitos ambientais e o ordenamento do território não existem e são, infelizmente, letra-morta.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República está, de novo, a discutir a questão das candidaturas de cidadãos independentes aos órgãos das autarquias municipais ou, numa nomenclatura que preferiríamos, as candidaturas de listas não partidárias.
Não deixa de ser sintomático que, apesar das repetidas profissões de fé de todos os partidos na bondade desta alteração do sistema eleitoral, este continue exactamente

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como foi gizado em 1976. De cada uma das vezes que o tema foi objecto de discussão e deliberação parlamentar, assistimos à promessa de que, então sim, seria para valer e, em cada uma dessas vezes, tudo ficou na mesma.
Quer parecer-nos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a história está prestes a repetir-se. O Partido Socialista, na linha do que nos vem habituando, empenha-se em cumprir a metro as promessas que fez a metro. Gabe-se-lhe a coerência... a metro!
Vejamos: prometeu a regionalização, apressou-se a cumpri-la sem cuidar de saber como, mas foi obrigado a adiá-la - felizmente! - e, como já dissemos, adiar um mal é fazer o bem; prometeu melhores ordenados para os autarcas das freguesias e foi lesto a aumentar os presidentes, secretários e tesoureiros das juntas eleitos nas suas listas e nas do Partido Comunista, conseguindo granjear o descontentamento de muitos outros milhares de autarcas; prometeu o rendimento mínimo garantido mas, nesta matéria, apenas cumpriu alguns centímetros dos muitos menos prometidos, gorando expectativas.
Ora, é exactamente o que pode vir a acontecer com o projecto de lei que hoje apreciamos.
Na ânsia de cumprir calendário, o Partido Socialista pode vir a ser confrontado com o facto de, tendo a pressa como má conselheira, matar rima boa ideia. É que as dúvidas sobre a constitucionalidade deste projecto são tantas que mais valeria aguardar pela revisão constitucional para, então sim,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - .. . reformar por inteiro o sistema eleitoral.
Mais adiante abordarei o que para nós, Partido Popular, seria desejável. Antes, porém, quero reafirmar o empenho e o acordo do Partido Popular na, abertura a listas não partidárias às eleições para as autarquias. O monopólio dos partidos políticos é inadmissível e já devia ter acabado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O sentimento crescente do eleitorado de que lhe está vedado o acesso a cargos políticos fora da engenharia partidária é, certamente, um dos responsáveis pelo facto de se registarem nas eleições autárquicas os maiores índices de abstenção, quando deveria acontecer exactamente o contrário.
Porém, para o Partido Popular o desejável seria que, concluída rapidamente a revisão constitucional, entrássemos também rapidamente na discussão de um código eleitoral onde se sistematizassem todas as regras e procedimentos para os diversos actos eleitorais e onde se previssem os círculos uninominais nas eleições legislativas, também abertos a candidaturas não partidárias, a reformulação do método eleitoral para os órgãos executivos autárquicos, com ganhos de eficácia e sem perda de democraticidade, e, enfim, as próprias matérias que hoje aqui discutimos.
Pelo contrário, o Partido Socialista prefere legislar e governar passo a passo, mesmo que alguns desses passos sejam para trás ou falsos.
Pela nossa parte, e como temos créditos firmados nas nossas antipatias ideológicas, podemos dizer, com à-vontade, que preferiríamos dar o grande salto em frente e devolver de vez, e por uma única vez, a cidadania completa aos portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, procurarei ser muito breve, pois creio que o essencial deste debate está assumido por todos.
Não deixo de responder às preocupações da Sr.ª Deputada Isabel Castro, dizendo-lhe, com toda a frontalidade e franqueza, que algumas das preocupações que exprimiu são também preocupações nossas. E não foi por acaso que, na minha primeira intervenção, tive ocasião de dizer que soluções novas arrastam problemas novos. Portanto, não podemos demitir-nos, designadamente, da avaliação das condições de financiamento e de gastos de campanha, para que as candidaturas apresentadas por partidos ou por grupos de cidadãos independentes, no plano autárquico, não tenham tratamento discriminatório, em qualquer dos sentidos.
Mas, Srs. Deputados, uma coisa é certa: ou aceitamos ou não aceitamos que a sociedade aberta se funde democraticamente no princípio da liberdade de escolha dos eleitores. E se este é o princípio dominante que nos deve mover, então, também não poderemos deixar de constatar algo de essencial: é que, apesar de algumas reservas, de alguns argumentos, do nosso ponto de vista, improcedentes mas um tanto críticos, nenhum partido, nenhum grupo parlamentar, nenhum Deputado dos que fez ouvir a sua voz se declarou contrário ao princípio da liberdade de candidaturas, designadamente por cidadãos independentes.
Por isso, Srs. Deputados, convido-os a terem a noção política de saberem privilegiar o essencial, em detrimento do acessório. E o essencial - permitam-me que volte a sublinhá-lo - é que, legislatura após legislatura, no quadro desta Constituição, se encetaram tentativas de solução para garantir esta inovação e esta reforma, a qual só não foi possível porque, então, um partido maioritário funcionou como partido bloqueador. Agora, agora que essa circunstância está superada, agora que, no quadro de. uma nova maioria política, é possível introduzir uma nova cultura de participação e de responsabilidade, então, Srs. Deputados, convido-os a não caírem nas vossas inércias. E não digam que o timing de aprovação deste diploma é indiferente, do ponto de vista do resultado, porque não é, Srs. Deputados! Se, porventura, se fizer introduzir, na nossa ordem jurídica, um mecanismo que possibilite candidaturas independentes demasiado em cima da data das eleições autárquicas, dir-se-á, numa visão um pouco hipócrita do problema,...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É óbvio!

O Orador: - ... que já está estabelecida a faculdade, já todos os cidadãos poderão recorrer a ela. Porém, não é assim, Srs. Deputados! É que as leis não valem por si próprias, as leis ou criam ou não criam consciência social da possibilidade da sua utilização.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, quanto mais cedo a Assembleia da República der o sinal político e legislativo de que está comprometida com a concretização desta reforma, tanto mais cedo os cidadãos eleitores tomarão consciência de que podem utilizá-la.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Mas, Srs. Deputados, permitam-me que sublinhe ainda outro aspecto: neste domínio, do que se trata - e esta preocupação perpassou um pouco em algumas intervenções - não é de apoucar, diminuir ou pôr em crise ou em causa a iniciativa dos partidos políticos, do que se trata não é de deixar de reconhecer o papel fulcral dos partidos políticos na democracia pluralista, do que se trata, como há pouco tive ocasião de sublinhar, é de deixar que os partidos se transformem nos bodes expiatórios de toda a frustração social relativamente aos aspectos de bloqueio do sistema político.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É disso que se trata! Portanto, o que queremos são cidadãos mais activos e responsáveis e partidos mais conscientes e com maior qualificação no seu processo de intervenção pública e política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Do que se trata, em última análise, não é de favorecer uns, em detrimento de outros, é de abrir possibilidades cívicas de participação democrática e, com isso, contribuir para melhorar e aprofundar os valores, os princípios e as regras generais e universais do comportamento democrático.
Srs. Deputados, permitam-me, pois e em conclusão, que sublinhe que não ouvi, nas vossas intervenções, nenhum motivo de oposição substantivo à iniciativa do PS e, por isso, estou convencido de que não vou assistir a nenhum voto contra da vossa parte a um projecto que, afinal, todos dizem ser absolutamente necessário para o País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate do projecto de lei n.º 213/VII.
Vamos dar início ao período de votações, começando por três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de que o Sr. Secretário nos vai dar conta.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria-Geral da República, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Macário Correia (PSD) a depor, por escrito, como testemunha, no âmbito de um processo que se encontra pendente naquela instância.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Faça favor de prosseguir, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Círculo de Coimbra, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Calvão da Silva (PSD) a depor, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito de um processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Queira dar conta do último parecer, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo Criminal do Porto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fernando Jesus (PS) a depor, por escrito, como testemunha, em processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos agora proceder às votações dos diplomas agendadas para hoje, às quais se deve acrescentar a votação do projecto de lei que acabou de ser debatido e cujo debate já está concluído.
Em primeiro lugar, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 221/VII - Altera ó regime de liberdade condicional (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e Maria do Rosário Carneiro e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, este projecto de lei baixa à 1.ª Comissão.
Vamos agora votar, também na generalidade, o projecto de lei n.º 226/VII - Altera o regime jurídico da liberdade condicional (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Passamos à votação, igualmente na generalidade, do projecto de lei n.º 213/VII - Candidaturas de cidadãos independentes à eleição dos órgãos das autarquias locais (PS).

Submetido à votarão, foi aprovado, com votos a favor do PS' e do PSD e abstenções do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar que entregarei na Mesa, em nome da bancada do PSD, uma declaração de voto sobre a votação que acabou de realizar-se.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o projecto de lei que acabou de ser aprovado, e que foi apreciado pelas l.ª e 4.ª Comissões, baixará à 1.ª Comissão para efeitos de apreciação na especialidade.
Vamos votar agora, em votação final global, as propostas de alteração, aprovadas na especialidade em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativas ao Decreto-Lei n.º 84/96, de 29 de Junho, que define as condições legais aplicáveis à concessão de apoio por parte do Estado ao sector da comunicação social, bem como à coordenação e à distribuição da publicidade do Estado, em especial pelas rádios locais e regionais e pela imprensa regional [ratificação n.º 24/VII (PCP)].

Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade.

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Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, vou dar por encerrados os trabalhos. A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, a partir das 10 horas, com uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas, respectivamente, às votações, na generalidade, dos projectos de lei n.os 221/VII - Altera o regime de liberdade condicional (PSD) e 213/VII - Candidaturas de cidadãos Independentes à eleição dos órgãos das autarquias locais (PS).

Votámos contra o projecto de lei n.º 221/VII por entender que, devendo as medidas e penas de privação da liberdade constituir uma excepção, a liberdade condicional não deve ser restringida para além do necessário para salvaguardar os valores tutelados pela lei penal.
A concessão ou não da liberdade condicional a um preso, qualquer que seja o crime que tenha sido cometido, deve depender de um juízo singular feito pelo magistrado competente, atendendo às circunstâncias de cada caso concreto.
Entender a liberdade condicional de outro modo é ignorar a sua função de ressocialização, a qual não se compadece com a 16gica meramente punitiva que está subjacente ao projecto de lei n.º 221/VII.

Os Deputados do PS: Cláudio Monteiro - Maria do Rosário Carneiro.

O Grupo Parlamentar do PSD votou favoravelmente, na generalidade, o projecto de lei n.º 213/VII - Candidaturas de cidadãos independentes à eleição dos órgãos autárquicos, por esta matéria encerrar um princípio sempre defendido por este partido e que, inclusive, consta do actual projecto de revisão constitucional apresentado pelo PSD.
Pese embora a desastrada oportunidade escolhida pelos socialistas para o agendamento desta iniciativa, quer pelas conhecidas e fundadas dúvidas de constitucionalidade do seu conteúdo sem a alteração expressa do texto constitucional que lhe tem de ser habilitante, quer ainda pela situação de incerteza jurídica inadmissível que introduz na situação política de serenidade essencial à preparação de actos eleitorais, o PSD votou favoravelmente a sua baixa à Comissão, por forma a que seja possível a respectiva discussão conjunta com as propostas que virão a ser formuladas por outras bancadas na sequência da conclusão do processo de revisão constitucional em curso.

Os Deputados do PSD: Luís Marques Guedes - Carlos Coelho.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):

Fernando José Antunes Gomes Pereira.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
Arlindo Cipriano Oliveira.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul d' Assunção Pimenta Rego.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

Carlos Manuel de Sá Correia.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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312 I Série - Número 9

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