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1498 I SÉRIE - NÚMERO 42

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, dispondo para o efeito de 10 minutos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, que não descontarão no tempo disponível do CDS-PP. Porém, o tempo que exceder terá necessariamente de ser descontado.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: O debate que hoje travamos na Assembleia da República é inevitavelmente, quer se queira ou não, um debate sobre o valor da vida humana.
A transmissão da vida não pode ser deixada ao acaso biológico, nem aos interesses particulares, nem às ambições demográficas, às estratégias de guerra ou às superioridades do sexo, raça ou nação. O poder de que hoje dispomos sobre a vida humana tem de produzir um novo sentido de responsabilidade colectivo face ao futuro da espécie. Ora, a solidariedade e o respeito pela dignidade das pessoas e pela justiça aparecem como o único garante desse futuro.
Esta é a questão basilar. É ética, mas também civilizacional, e só em função de escolhas muito profundas e críticas da sociedade passará a ser jurídica.
Nas últimas décadas, a uma tão crescente quanto impensável evolução da ciência e da técnica tem correspondido, cultural, social e politicamente, a preocupação de enquadrar estas questões essenciais.
Ao bíblico mandamento «não matarás» responde também a incessante afirmação da comunidade científica mundial de que ciência e técnica estão ao serviço do ser humano, da preservação da vida, da cura e da minimização do sofrimento. Não estão, nem poderão nunca estar, ao serviço da morte.
Sabemos que o feto é hoje visível, graças ao desenvolvimento ecográfico. Deixou de ser uma realidade abstracta no útero materno para ser alguém, cujos contornos, movimentos, reacções e necessidades podemos detectar. O feto é já objecto de cuidados de saúde, cirurgias, transfusões. E mesmo previsível que o feto possa, ainda mais cedo, ser mantido com vida extra-uterinamente.
Por força deste quadro em vias de rápida evolução, os ordenamentos jurídicos estão obrigados a repensar o estatuto do feto e do embrião. Estamos certos de que em breve estas situações da vida e de vida serão cabalmente jurisdicizadas.
Ora, a discussão que hoje aqui travamos terá também de assentar neste pressuposto, pois é para o futuro que estamos a legislar. Daí que, desde já, nos coloquemos na perspectiva vanguardista da defesa do feto e do reforço do seu estatuto jurídico.
Talvez por tudo isto, pela enorme complexidade da questão e pela gravidade de que se revestem as consequências do que for votado, quiseram alguns convencer-nos que deveríamos discutir e votar estes projectos de lei apenas de acordo com a nossa consciência individual. Nada mais falso! Aqui, cada um de nós representa milhares de portugueses. Aqui, cada um de nós cumpre um mandato preciso. Aqui, nenhum de nós deve ou pode pronunciar-se ou votar apenas em nome individual, porque não foi apenas nessa qualidade que aqui entrou, nem nessa poderia aqui permanecer.

Aplausos do CDS-PP.

Esta Assembleia vai manifestar, quer queiram, quer não, hoje a vontade do povo português, de nada servindo

a argumentação de um individualismo de consciência. E, assim sendo, pergunto: estaremos nós para tal mandatados?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na tentativa séria de representar os portugueses que nos elegeram e sem prejuízo das posições de princípio que são nosso património comum, analisámos atentamente as propostas, os motivos que a justificam e os objectivos que visam prosseguir. Dispusémo-nos para este combate, de coração e mente abertas, com convicções profundas, mas sem preconceitos, com muita firmeza, mas sem fundamentalismos.
Assim, em primeiro lugar, é nossa convicção de que este é também um debate sobre o subdesenvolvimento, que é ainda grande em determinados sectores da sociedade portuguesa e que atinge, de modo particular, as mulheres.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sempre entendi que, no final deste século, Portugal tinha de empenhar-se seriamente no combate às causas, por demais diagnosticadas, deste subdesenvolvimento. Durante o período que antecedeu a minha eleição como Deputada, fiz questão de, uma vez mais, ver e falar com muitos dos seus protagonistas: mulheres pobres, mulheres analfabetas, mulheres vítimas de violência ou discriminações várias, mulheres com filhos literalmente abandonadas à sua sorte, mães adolescentes, mães de crianças deficientes, crianças que crescem em estabelecimentos prisionais, mulheres reféns da prostituição.
Esta situação não é de todo sanável, como sabemos, mas estou certa de que poderia em grande parte ser resolvida. Para tal, o contributo da Assembleia da República foi, é e será indispensável.
Ao longo deste debate, ficará provado o pouco que se fez de concreto para debelar todo este flagelo humano. Com efeito, nas últimas décadas, Portugal modernizou-se, mas, infelizmente, em muitos e relevantes aspectos não logrou desenvolver-se.
Em segundo lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é nossa convicção de que este debate traduz em grande medida a nossa comum impotência para promover o respeito por leis que aqui foram aprovadas e estão em vigor, mas que, na prática, se vão tornando letra-morta.
Quem, de entre nós, pode acreditar que a melhor resposta ao não cumprimento das leis, à ineficácia dos serviços, à burocratização do acesso aos bens sociais possa ser a aprovação de outras leis, a latere, que também elas, pelas mesmas razões, se tornarão letra-morta? Quem?
Quantos, de entre nós, se sentem efectivamente lesados pelo não cumprimento da lei da protecção da maternidade e da paternidade? A quantos de nós afecta realmente um mau sistema de saúde? Quantos de nós se sentiram alguma vez discriminados pela violação das leis laborais? Poucos, certamente! E talvez por isso possa ser hoje aqui sustentável que a melhor resposta a leis não cumpridas, a leis desadequadas, a leis inexistentes, à falta de políticas de promoção e desenvolvimento, de apoio à maternidade, às mulheres, à família, às crianças seja afinal a despenalização do aborto.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que as mulheres portuguesas pedem a este Parlamento é que ele se empenhe em criar-lhes melhores condições. Melhores condições para terem os filhos que querem e não os filhos que lhes consentem. Melhores condições para os criar: casa, equipamentos sociais, transportes.

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