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1506 I SÉRIE - NÚMERO 42

acrescerão naturalmente as incertezas na aplicação da lei por parte da Administração Pública e das autoridades judiciárias, expondo assim todos os participantes a dúvidas, litígios, suspeitas e acusações, que criarão males muito maiores do que os que se afirma pretender evitar.
Nesta matéria, um projecto de alteração legislativa fundamental que se resuma a tirar ou pôr umas frases no Código Penal é já, de antemão, inidóneo, por razões que eu diria de simples competência legislativa e dignidade institucional, mesmo antes do juízo que possa merecerem substância e por razões de fundo.
Os proponentes de modificações fundamentais nesta matéria não podem furtar-se ao dever intelectual e ao ónus político de apresentar um modelo de regulamentação global, coerente e com um mínimo de clareza e segurança a todos os níveis, clínicos, de saúde pública, de gestão hospital, assistencial, administrativos é de Direito de Família, que seriam afectados pelas modificações pretendidas.
Sem essa regulamentação não é possível sequer apreciar seriamente o valor e a possibilidade política e prática das alterações propostas. E aprovar essas alterações sem a regulamentação complementar indispensável seria sempre, no mínimo - e ainda que fossem boas em si mesmas, que não é o caso -, avançar à toa para o caos e para males muito maiores do que os que os seus proponentes afirmam pretender evitar.
Dito isto, tomemos o projecto de lei do PCP como obra-prima do absurdo jurídico e da irresponsabilidade social. Ao contrário do aconchego no Direito Comparado que os seus escribas gostam de invocar, não é possível encontrar analogia alguma com a despenalização do aborto que tem sido proposta em alguns países.
Sem entrar em pormenores, que o tempo me não consente, e procurando referir apenas o essencial do essencial, chamarei a atenção do Srs. Deputados para o seguinte: as legislações que têm ampliado os fundamentos de não punibilidade do aborto preocupam-se com a repressão do aborto clandestino e no encaminhamento das interrupções de gravidez para os meios médicos, desiderato este que implica, nomeadamente, que a não punibilidade do aborto esteja condicionada à intervenção de médicos e estabelecimentos autorizados; que os fundamentos admitidos sejam objecto de avaliação independente e idónea e a sua verificação susceptível de prova; que o aborto sem os fundamentos admitidos na lei seja proibido; que o aborto clandestino, realizado em condições ou estabelecimentos não autorizados e sem o procedimento legal de verificação e prova dos fundamentos seja proibido.
A proibição do aborto em todos os casos não expressamente declarados impuníveis pela lei traduz-se sempre, desde logo, na sujeição a pena dos terceiros que executem ou favoreçam o aborto fora dos limites legais, isto é, que tenha sido verificado algum dos fundamentos admitidos, ousem observância do procedimento prescrito de verificação e prova desses fundamentos, ou fora dos estabelecimentos autorizados.
Traduz-se também na sujeição necessária a pena da grávida que aborte em condições declaradas ilegais, na proibição e penalização da propaganda e oferta ao público de meios e serviços abortivos, fora dos procedimentos e canais próprios da divulgação científica na classe médica e nos estabelecimentos autorizados e, enfim, na regulamentação cuidadosa, em legislação complementar, dos procedimentos administrativos e clínicos a adoptar pelos médicos e estabelecimentos autorizados, bem como dos procedimentos administrativos pelos quais as autoridades hão-de licenciar estes estabelecimentos e fiscalizar a sua actividade.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em contraste, o projecto do PCP revoga o n.º 3 do artigo 140.º do Código Penal, o que significa que passa a ser lícita, sem qualquer limite de prazo ou fundamento, a acção da grávida; não dispõe norma ou providência alguma sobre a prevenção e a repressão de propaganda e serviços abortivos fora das condições legais, designadamente fora dos estabelecimentos autorizados; não apresenta regulamentação alguma dos procedimentos administrativos e clínicos a adoptar, em cada caso individual, pelos médicos e estabelecimentos autorizados a interromper a gravidez, nem sobre os procedimentos de licenciamento e fiscalização pelas autoridades.
Que se poderia esperar de um projecto de lei com esta estrutura? A omissão da proibição da propaganda e oferta de meios e serviços abortivos não autorizados e da previsão da respectiva sanção acarretaria, inevitavelmente, que, na prática, se multiplicaria, de facto, toda a sorte de actividades irregulares, preciosíssimas para quem quisesse abortar e intoleráveis do ponto de vista de qualquer política de saúde pública digna desse nome, vendo-se as autoridades impotentes para jugular estes comportamentos.
A omissão de uma regulamentação complementar, pelas razões que já sumariamente expus, criaria toda a espécie de incertezas, de que seriam vítimas todos os interessados, os médicos e o pessoal hospital, as autoridades administrativas e as autoridades judiciárias.
Estas omissões são extraordinárias e fazem do projecto do PCP não um projecto de interrupção voluntária de gravidez mas um projecto de verdadeira destruição da gravidez.
Mas há no projecto um outro vício ainda mais extraordinário: colocando-nos no ponto de vista dos proponentes do projecto, queremos crer que o seu objectivo é, como afirmam, desincentivar o aborto clandestino.
Nos modelos estrangeiros que conhecemos, caracterizados pelas linhas gerais que ficam referidas, esse objectivo é realizado pela despenalização do aborto quando realizado, e só quando realizado, em condições de controlo e segurança definidos por lei, nomeadamente por médicos e em ambiente hospitalar.
Naturalmente, o âmbito de licitude da interrupção da gravidez coincide então com o âmbito de licitude da intervenção médica e da assistência hospitalar, e, portanto, com a possibilidade de a grávida recorrer a serviços clínicos idóneos para obter o que a lei - bem ou mal (e toda a gente sabe que penso que mal, mas estou a tentar pôr-me no lugar de um observador que, por hipótese, pensasse como os proponentes) - lhe permite fazer.
Não passou, evidentemente, pela cabeça de qualquer legislador estrangeiro permitir às grávidas o aborto, mas ao mesmo tempo proibir que lhes assistam - em abortos, aliás, declarados lícitos! - todos aqueles que estão clinicamente preparados para isso. É o mesmo que dizer às grávidas: podeis abortar sem limite, se quiserdes e quando quiserdes, aos 4, aos 6, aos 7 ou aos 8 meses, mas tereis de fazê-lo clandestinamente! Acham a ideia absurda? Eu acho! Mas o PCP não acha.
A verdade é que é isto mesmo que o projecto do PCP propõe, ou seja, que o aborto seja livre sem qualquer fundamento e sem qualquer prazo. Na verdade, o projecto,

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