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1508 I SÉRIE - NÚMERO 42

A questão do aborto clandestino em Portugal é, assim, inseparável da situação social, da condição de classe ou mesmo de casta, fruto e reflexo de desigualdade. Por isso, é também uma questão moral e é, sobretudo, uma grande hipocrisia.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Problema de consciência, é certo! Mas, como escreveu Medeiros Ferreira num artigo publicado no Diário de Notícias: «A questão do aborto em condições e prazos definidos por lei é tanto uma questão de consciência como uma questão social e política». E sublinha' que cessa simultaneidade não é caso raro na esfera da responsabilidade política» e não deve confinar-se «a temas dramatizados pela Igreja Católica ou por outra qualquer religião». E acrescenta: «Seria admitir a existência de um magistério reservado dessa ordem na esfera do Estado. Seria um recuo secular.».
Trata-se de um problema de consciência e do foro íntimo, no que respeita à opinião e decisão de cada um, mas a definição das condições em que essa opinião e decisão podem ser manifestadas é um problema do Estado e é uma questão de liberdade.
Não é admissível que, no limiar do século XXI, a mulher, em Portugal, continue a estar sujeita a uma situação de sub-humanidade, como se fosse um mero instrumento de reprodução e não uma pessoa humana dotada da liberdade essencial de poder dispor do seu corpo e do seu espírito, porque ser mãe não é só um acto físico, é também, e sobretudo, um acto de vontade e de consciência, um acto espiritual.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

O respeito pelo direito à vida começa pelo respeito pela liberdade da mulher, inseparável da sua dignidade humana. Por isso, venho a esta tribuna, por respeito pela mulher, porque a mulher não será inteiramente livre enquanto não lhe for reconhecido o direito essencial de ser ela a escolher, de ser ela a decidir, nas condições e nos prazos fixados pela lei. «Crime, se alguma coisa é crime, é não acrescentarmos o ser amado de toda a liberdade que em nós possamos achar» - disse-o Rainer Maria Rilke, um dos maiores poetas da Europa.
Por isso, venho aqui apoiar o projecto apresentado pelos Deputados da Juventude Socialista. Venho agradecer-lhes o terem tomado esta iniciativa contra o preconceito, contra o tabu, contra a corrente e contra a mentira.

Aplausos do PS.

Qualquer que seja o resultado, eles já ganharam! Pela coragem e pela nobreza do seu gesto, pela sua visão e antecipação do futuro! Com efeito, o seu projecto de lei consagra a protecção jurídica do primado da decisão da mulher, fundado na preservação de valores de dignidade moral e social, bem como na exigência ética de uma maternidade e paternidade conscientes; contribui para a superação de opções que, na actual política criminal, representam uma desproporcionada imposição autoritária de valores, em matéria sobre a qual não há certezas absolutas e que está longe de merecer um suficiente consenso ético jurídico; estabelece um mais adequado equilíbrio dos bens jurídicos necessitados de preservação, ou seja, a dignidade da mulher e a gestação intra-uterina no processo de formação da pessoa humana; faz recuar a criminalização para limites mais compatíveis com uma sociedade baseada na tolerância.
Mas venho aqui também, porque não há memória de alguma vez, em algum país da União Europeia, legislação semelhante ter sido aprovada sem o apoio dos socialistas, cuja contribuição tem sido decisiva para a autodeterminação e libertação da mulher, incluindo o direito à interrupção voluntária da gravidez nos serviços públicos de saúde.
Há pessoas favoráveis à descriminalização do aborto e outras que, com todo o direito, não estão de acordo com essa opção. Respeito as opiniões contrárias à minha, não as que trazem a marca do integrismo e do espírito de cruzada mas as que são ditadas pela consciência e pela convicção, sem quebra da tolerância e do espírito de diálogo.

Aplausos do PS e da Deputada do PCP Odete Santos.

Vivemos um tempo que não é compatível com maniqueísmos e atitudes dogmáticas. Acredito, como Habermas, no agir e na racionalidade comunicacionais. Dialogamos, comunicamos, somos seres dotados de discurso: é essa a forma fundamental de uma existência social e civilizada. A verdade não se aprende apenas no conflito e na luta mas na experiência e na vivência da intercomunicação.
Respeito as opiniões contrárias, mas tenho a obrigação de defender as minhas próprias convicções. Somos cidadãos, não somos súbditos! Por isso, decidi tomar esta posição. Por isso e porque, sendo várias as matrizes e diversas as inspirações pelas quais se pode chegar ao socialismo democrático, há, no entanto, princípios incontornáveis que a todos devem unir e que se traduzem naquele conjunto de valores cívicos universais que fazem do homem livre o modelo de todo o homem: a liberdade, a tolerância, o respeito pelo outro, a supremacia do espírito crítico sobre o sectarismo autoritário e da liberdade moral sobre a imposição dogmática, o primado do homem sobre todo e qualquer sistema. A Europa não é só o euro, a Europa é sobretudo esta civilização, estes valores e estes princípios.

Aplausos do PS.

E é também disto que se trata! Não se pretende impor nada a ninguém, apenas se deseja consagrar, nos termos e prazos propostos, á liberdade de opção, a liberdade de escolha. Ao estipular a liberdade de decisão da mulher nos prazos legalmente definidos, o Estado admite uma opção mas não impõe uma opinião. Negar essa liberdade é transformar a opinião contrária em doutrina e imposição do Estado, o que tem uma lógica dogmática e autoritária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não há, aliás, simetria entre o sim e o não. Quem não quer despenalizar, pretende, talvez sem se dar conta, impor uma moral e obrigar todos os outros; quem propõe a descriminalização não impõe obrigação nenhuma, permite apenas que cada um, em condições legalmente definidas, possa decidir - aí, sim! - de acordo com a sua consciência.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

A primeira posição tem uma lógica dogmática, a segunda consagra a liberdade e a tolerância, aquela liberda-

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